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O saber "insabido" da criança


Angela Vorcaro
Este trabalho discute a questão: em que medida é possível observar crianças?,
através de um percurso pelos saberes específicos sobre a infância, aqueles que estão
fundados na técnica de observação.
Pretende demonstrar que para atingir os ideais de generalização típicos do
registro da ciência é o específico da condição subjetiva da criança que precisa ser
recusado.
O estudo das condições de visibilidade da criança aponta a virulência da sua
opacidade.1 A tomada da criança pelo discurso conferiu-lhe posição de extremo
privilégio - lugar próprio para a aposta no futuro da civilização. Conhecê-la sob todos
os ângulos, cuidá-la para que se previnam todos os riscos, superar os efeitos danosos
do meio familiar ao seu florescimento eficaz, otimizar suas potencialidades, são
imperativos asseguradores do controle das incertezas do futuro da civilização, e
esperança de garantia da estabilidade da ordem social. É o que faz da criança uma
valência futura - representação que resgata o que não foi possível realizar no passado,
projetada para o futuro do adulto ideal que, no narcisismo dos pais, encontra sua
singularização.
Nesta representação da criança, a determinação da implicação de futuro a que
deverá conformar-se assume pregnância recobridora de sua atualidade. A importância
do que a criança é define-se pelos signos que permitem supor o que a criança será. A
atualidade da criança sustenta-se numa evanescência que a mantém exposta a uma
desmedida operação de aderência imaginária aos ideais daqueles observadores de
suas manifestações, sob efeito da potencialidade que sua insuficiência subjetiva
permite.
Os métodos psicológico-psiquiátricos de conhecimento da criança são
esclarecedores. O procedimento diagnóstico tornou-se apelo sistemático quando se
localiza, na criança, um risco ao ideal social que ela encarna. O diagnóstico é
construído a partir da observação. Observar a criança é explicá-la, é determinar o que
nela resiste ao ideal de saúde psíquica.
Longe de o procedimento de observação ser homogêneo na clínica, este meio
- a observação - é operado em modalizações que distinguem métodos diagnósticos
psiquiátrico-psicológicos de estabelecimento do conhecimento sobre a criança, com
distintos ideais metodológicos
Por um lado temos o ideal da descrição classificatória, que pretende garantir
transparência entre a manifestação da criança e um quadro psicopatológico
correspondente. Por outro lado, o ideal da produção de novos sentidos levaram à
tomada da observação como função de tradução compreensiva. Nos dois casos,
estabeleceram-se modos ideais de classificar e compreender a condição mórbida da
criança.
Da transcrição descritiva como ideal da observação:
A constituição da atividade diagnóstica psicopatológica tem objetivos de
observação e de classificação. O encontro objetivo de um determinismo orgânico se
faz às expensas da exclusão de bordas subjetivas, exclusão necessária ao
diagnóstico, como aponta Clavreul (1983,p.224) <<O médico não fala e não intervém,
senão enquanto é o representante, o funcionário do discurso médico. Seu personagem
deve se apagar diante da objetividade científica da qual é o garante>>
No caso das escolas psiquiátricas organicistas e de algumas vertentes da
psicologia (experimental e cognitiva), a perspectiva da observação é a de sustentar a
garantia de objetividade cientificista. A investigação clínica propõe resolver os
impasses do diagnóstico através da observação transcritiva2. A intervenção clínica,
tida como não-interventiva, operaria o registro da manifestação da criança, objetivando
descrevê-la. Efetuada a descrição, a manifestação é abandonada. A descrição é
transformação da manifestação num objeto produzido e determinado por um código.
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Nessa operação, obtura-se o obstáculo da manifestação, pela descrição que a


codifica.
A impossibilidade de acesso ao obstáculo que a manifestação impõe é,
portanto, superada pelo código. A inscrição desse dispositivo num sistema
classificatório permite simplificar e reduzir a transcrição, elegendo sinais da
manifestação como seus representantes, localizáveis, portanto, num quadro de
equivalências. Tal transcrição codifica a manifestação num referencial que permite
comparar uma criança com todas as outras já classificadas.
Entre os pacientes que, com seus sinais e sintomas, respondem a um certo
quadro patológico, persiste apagado o resto que singulariza cada um, inacessível à
observação codificada que procura a identidade desse paciente aos quadros já
descritos e classificados. A observação transcritiva é o que sustenta o mote do clínico
especializado em reencontrá-la.
A tradução como ideal da observação:
Outro ângulo de visibilidade emergiu a partir de práticas da psicologia e da
psiquiatria fenomenológicas, sob o efeito do campo interpretativo anunciado pela
psicanálise e da constatação de falência da aplicação de métodos científicos a objetos
humanos. Foi o que conduziu uma outra perspectiva de avaliação da criança,
sustentada pelo ideal da tradução compreensiva. A prevalência da intuição do clínico,
diante da observação direta da imagem da criança, tornou-se sua garantia, mostrando
como a série observar-compreender implica a prática de tradução3, em que o sentido
da manifestação da criança regula-se pelo sentido dado pelo clínico, é o sentido do
sentido, que desconhece a própria dimensão imaginária que constitui. Ao ter como
objeto o sentido, referencia a fuga de sentido insistente na manifestação observada da
criança, pelo acréscimo de sentido que a compreensão oferece, obturando a
resistência da literalidade da manifestação. Harmonizando mediadores psicométricos
e concepções psicanalíticas a outras matrizes do pensamento psicológico,
constituíram-se preceitos, recursos unidos sem estranhamento, em decorrência da
concepção de aplicativo técnico que preside seus usos. O comparecimento da
subjetividade do clínico no psicodiagnóstico tornou-se ideal legítimo e necessário.
Assim, o psicodiagnóstico, destituiu a técnica experimental sem não abandonar
a observação direta. Mas instituiu, nela, a primazia da subjetividade do observador,
conferindo-lhe estatuto de intérprete do material fenomenal que vê, situando aí a
garantia de sua legitimidade. Destituiu-se, assim, a regulação teórica, em função do
modo singular do observador de catalisar conceitos e observações numa construção
de sentidos. Afinal, espera-se superar os limites de qualquer teoria, diante dos
impasses da clínica, pelo estabelecimento de um sentido autônomo. Neste contexto, a
observação perdeu o caráter de meio de acesso à verdade científica para sustentar-se
como mote do intérprete especializado em criar novos sentidos. Tal funcionamento,
entretanto, condena a psicologia ao silêncio, quanto ao enunciado que a fundamenta e
ao desconhecimento dos laços que faz4.
A observação compreensiva rege as práticas psicodiagnósticas como fontes de
produção de sentidos. O esforço do clínico é aí constituir as manifestações da criança
como um quadro a ser compreendido. Em seu caráter figurativo, articula-se o que,
neste quadro, está latente, por dedução do conteúdo dado a ver.
Portanto, duas orientações de clínica, instituintes do conhecimento sobre a
criança, podem ser discernidas a partir da posição ideal em que os agentes clínicos se
colocam: lacuna do sujeito que opera o código e preenchimento do sujeito produtor de
sentidos. A primeira, buscando equivalência no código, contém aquilo que a
manifestação anuncia de singular à subjetividade da criança; a segunda dissipa a
manifestação da criança no sentido que constrói. É o que nos conduz à hipótese de
que, a despeito da eficácia que esses métodos de observação implicam, a
especificidade da criança resta, por tais meios, não formulada. A legitimidade das
práticas supõe sucesso no acordo de compatibilidade que tais dispositivos sociais
provocaram, conseguindo garantir a manutenção da promessa do ideal da criança. Tal
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lastro social, entretanto, sobrepuja a ponderação da singularidade da criança e atesta


que a clínica psiquiátrico-psicológica da psicopatologia infantil é aplicativa,
desvencilha-se da especificidade de qualquer teorização que restringiria um
funcionamento alienante, por conduzir a construção/reconstrução a partir das
diferenças que as crianças manifestam. Numa de suas vertentes, a singularidade a
interrogar se perde na imediaticidade que a relação biunívoca permite. Na outra
vertente, a captação do sentido pela atribuição de sentido não permite contê-lo. Os
correlatos compreensivos ou descritivos da observação julgam prescindir da
problematização do que os põe em marcha, para responder, com o nome ou com o
sentido, à lacuna em que a criança resiste ao ideal. Nas duas vertentes, a clínica
espelha o que se pode observar, ao ler, no texto das manifestações da criança, o
reencontro do já sabido ou a deriva de sentido. Supera-se a morbidade inespecífica da
criança pela transparência refletida pelo código ou pelo sentido, que não é senão a
sutura da diferença que a unicidade da criança impõe como o que falta para aderir ao
ideal disciplinar. Nos dois casos, dissipa-se o que provocou estranhamento, pela
solução diagnóstica que a observação permite, sem que seja imposta a urgência do
construto teórico.
Essa constatação é problemática. Ela implica, no mínimo, levantar a hipótese
de que, na materialidade da criança, algo permita essa deriva.
Da contribuição da psicanálise: a transliteração
As dificuldades da clínica, que atestam o constrangimento ético da psicanálise
diante da criança, sugerem interrogar a possibilidade de amputar o imaginário do
psicanalista do ato analítico que se quer estruturante, na medida em que a criança
imajada no ideal do outro é causa estrutural da constituição de um ser em sujeito.
Mas como a psicanálise considera a observação?
A criança foi objeto de interrogações, permitiu articulações, e cabe ressaltar,
Freud a considera enquanto um funcionamento estruturado que, apesar de diferir na
expressão fonatória, produz um texto, usa significantes, cifra suas urgências, ordena
uma série e estabelece uma sintaxe. Mas no limite estrito da criança que é observada
Freud situou apenas o caráter de verificabilidade da teoria psicanalítica, definindo a
categoria de prova. Freud não situa a observação da criança como capaz de
responder sobre o infantil.
Afinal, é o que ele testemunha no prefácio à quarta edição dos Três Ensaios de
teoria sexual, em 1920, quando aponta uma das dificuldades inerentes à observação
de crianças: <<Se os homens soubessem aprender com a observação direta de
crianças, estes três ensaios poderiam não ter sido escritos>> (p.120). A observação
direta da criança oferece ao próprio Freud mais o lugar de <<certificação das
inferências>> e de <<testemunho da confiabilidade do método psicanalítico>>(p.176),
do que o campo propício à investigação e teorização. Enquanto método, a observação
direta é descartada, é fonte de equívocos. Para Freud, é necessário concomitância
entre a investigação psicanalítica, que remonta até a infância, e a observação
contemporânea da própria criança, enquanto métodos conjugados, devido ao fato de
que <<A observação de crianças tem a desvantagem de elaborar objetos que
facilmente originam malentendidos, e a psicanálise é dificultada pelo fato de que só
mediante grandes rodeios pode alcançar seus objetos e suas conclusões>>(p.182).
Freud mantém o caráter de irredutibilidade da manifestação da criança à
observação direta, além de apontar os seus equívocos no próprio movimento em que
explicita as determinações infantis, seja na primazia que este implica quanto à
constituição psíquica, seja quanto aos processos psicopatológicos. Enquanto abarca o
saber do adulto do que teria sido sua infância, a criança é uma formação imaginária
inconsciente do analisante adulto, que lhe permite definir a categoria do infantil sem
que a materialidade da presença da criança se faça necessária, como demonstra a
teorização freudiana sobre a sexualidade infantil, elaborada por meio da análise das
histéricas (1914 a,p.17).
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Outro estatuto é dado à criança, enquanto determinando uma posição, lugar de


referência onde se deposita a incidência da formação imaginária do ideal parental
(1914 b, p.87-8).
Freud (1917,p.118) confere ainda localização simbólica à criança, ao situá-la
numa série de termos substituíveis (fezes--dinheiro--presente--filho-- pênis).
Dos modos de presença da criança em Freud, pode-se extrair o estatuto da
criança na psicanálise.
A criança posição, substituto substituível de um valor determinado pela
economia subjetiva de um outro, estabelece a demarcação de um lugar discernível.
Este outro, semelhante dissimétrico pode, por isso, tornar-se agente da ação
específica fundadora da subjetivação. É o que faz a dimensão simbólica5 da criança.
A criança ideal é constituída pelo olhar parental, na polimetria narcísica da
semelhança/dessemelhança que a singulariza em desdobramentos que lhe atribuem
valências. Nessa dimensão imaginária, a criança se especulariza referida num ideal de
criança - modalização do infans que sustenta sua constituição.
A criança concreta que se manifesta para Freud sustenta um existente
irredutível ao malentendido do observado, presença que se exerce suspensa a sua
subjetividade inconstituída, mas que insiste no apelo da necessidade, enlaçando o
outro e fazendo reincidir o narcisismo daquele. Mais ainda, a despeito de ser tida por
Freud como diferente do adulto, a ele eqüivale, por ser modalizadora da repetição e do
desejo, no jogo e no sonho: produtora de chiste, no equívoco da confecção de coisas
com palavras; intimadora do pensamento e investigadora, diante da urgência psíquica,
e figuradora do sexual, na substituição simbólica. Esse existente, de que Freud
interroga a possibilidade de averiguação, responde-lhe, surpreendendo-o, ao ensinar-
lhe coisas difíceis de acreditar para as quais não estava preparado.
Apesar de tudo isso, a criança que, sem a psicanálise, estaria fadada a manter-
se enigma inabordável, não tornou possível a Freud a construção de um modo de
análise que atendesse à especificidade que ele mesmo apontara. O caráter de
obstáculo irredutível, que o atinge na irrealizada analisabilidade suposta, pode ser
demarcado enquanto incidência enigmática da criança, que situa a dimensão do real6
da criança para Freud, não pelo que ele inscreveu dela, mas pelo que ele não pôde
escrever sobre ela7.
A concepção que Freud nos oferece de clínica em psicanálise distingue
indicações precisas que apontam o fracasso do ideal da tradução para a psicanálise,
enquanto modo de operar o transporte imediato das linhas do sentido manifesto pelo
paciente, por meio de uma analogia a conceitos ou através do estabelecimento de um
sentido captado. Freud aponta que o discurso do paciente não se presta à
imediaticidade da intuição e que os conceitos fortemente articulados na teoria
psicanalítica não lhes estabelecem univocidade. Na rede tecida pelo fio do
encadeamento da associação livre manifesta pelo paciente, reenlaçada pelo fio da
atenção flutuante da escuta do analista, Freud põe em relevo a malha da experiência
analítica, enquanto discurso tecido de um pela escuta de outro. A opacidade do dito
torna a escuta psicanalítica antinômica à analogia da transcrição do registro conceitual
que permitiria a equivalência dada numa tradutibilidade de sentido8.
Freud demonstra o quanto as práticas que privilegiam a transcrição ou a
tradução não realizam a função analítica, mas ele vai além. Ele permite que possamos
propor que as manifestações da criança escrevem um texto cifrado e que o
deciframento dos hieróglifos nos ensina a ultrapassar a observação, porque nos
ensina a ultrapassar a dislexia dos métodos de observação: nos ensina a ler a
constelação significante que instala uma sintaxe, tantas vezes numa linguagem
enigmática e alheia à língua.
Que possamos fazer uma hipótese dos valores dos termos dessa constelação
sintática, partindo apenas das suas modalidades de articulação, permite que situemos
a criança numa posição subjetiva em que seja possível suportar sua singularidade não
partilhável, enfim, que possamos suportar que haja saber insabido, em cada criança.
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Referências Bibliográficas
Allouch, J. (1994), Letra a letra, Rio de Janeiro, Companhia de Freud, 1995.
Clavreul, J. (1983) A Ordem médica, São Paulo, Brasiliense.
Freud, S. (1905), Tres ensayos de teoría sexual, O C, vol VII, Buenos Aires,
Amorrortu, 1992.
_____ (1914a), Contribución a la história del movimiento psicoanalítico, O.C., vol.XIV,
Buenos Aires, Amorrortu, 1992.
_____ (1914,b), Introducción del narcisismo, O C., vol.XIV, Buenos Aires, Amorrortu,
1992.
_____ (1917), Sobre las trasposiciones de la pulsión, en particular del erotismo anal,
O.C.,vol. XVll, Buenos Aires, Amorrortu, 1992.
Lacan, J. (1956) "Situation de la psychanalyse et formation du psychanaliste en 1956",
Écrits, Paris, Seuil, 1966.
Milner, J-C. (1966), "Qu’est-ce que la psychologie?", traduzida em: Estruturalismo, org.
E.P. Coelho, Santos, Martins Fontes, 1986.
Saurret,(1992), De l’infantile à la structure, Toulouse, Presses Universitaires du Mirail.
Vorcaro, A.,(1997), A criança na clínica psicanalítica, Cia de Freud, Rio de Janeiro.

Sirvo-me da concepção que Jean Allouch (1995,p.15) nos oferece acerca da


transcrição, que me parece extremamente fértil para pensar a questão da descrição
classificatória, operada neste modelo de diagnóstico de crianças.
Sirvo-me das pontuações feitas por Jean Allouch (1995, p.16) acerca da
definição de tradução, que demonstra grande pertinência em relação à clínica
compreensiva.
Sobre a relação entre as concepções de Freud e as de Lacan quanto aos
registros simbólico e imaginário, Marie-Jean Sauret (1992,p.33 e segs) nos oferece
uma excelente e detalhada abordagem.

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