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Andersen
Os gentis-homens e as mu-
camas, porérn, não o ouviam,
entretidos que estavam, uns
em fumar, outras em beber.
— Música! Quero música!
repetia o imperador. Rouxi-
nol de ouro, eu o cumulei de
dons, cheguei até a lhe pen-
durar ao pescoço a minha chi-
nela de ouro: contente-me ago-
ra, deixe-me ouvir a sua voz!
O passarinho permanecia
mudo: não havia quem lhe des-
se corda.
Inesperadamente, lá de
fora, pela janela aberta, *veio
chegando um suave cantar. O
rouxinol verdadeiro soubera
do sofrimento do imperador e
viera trazer-lhe o bálsamo de
sua voz. Ao som de seus gor-
jeios, foram-se desvanecendo
as assustadoras visões.
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A Morte quedou-se extasiada, a escutar a melodia dulcíssima e supli-
cava:
— Continue, rouxinol: faz-me ouvir ainda uma vez a sua voz!
— E o que você me dará em troca, se eu continuar cantando*? É capaz
de me dar essa espada fulgurante*? É capaz de me entregar essa bandeira?
É capaz de me devolver essa coroa?
Assim, para cada canção, a morte foi cedendo, um a um, os tesouros que
roubara, enquanto que o sangue voltava a circular nas veias do imperador,
O rouxinol cantava, cantava, e o seu canto descrevia o tranquilo cemi-
tério, onde as rosas floresciam aos milhares e os lilases exalavam seu doce
perfume, or.de reinavam o silêncio e a paz.
E a Morte, anelando por rever o seu jardim, voou para bem longe.
O imperador, agora completamente restabelecido, saltou da cama para
beijar na fronte o generoso pássaro, dizendo-lhe:
— Muito agradecidoí Muito agradecido! Eu o ofendi, expulsando-o dos
meus domínios e você, em troca, me salvou da Morte. Como poderei recom-
pensá-lo?
— As lágrimas que escorreram dos seus olhos a primeira vez que can-
tei para você já me recompensaram largamente de tudo. As criaturas sim-
ples como eu encontram a felicidade em presentes assim. Durma, agora, se
quiser ser de novo forte e sereno. Eu velarei, cantando, o seu sono.
O imperador deixou-se cair em doce torpor e, quando acordou, um raio
de sol o envolvia como que num abraço.
O rouxinol cantava e cantava, sempre.
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— Vou despedaçar o rouxinol mecânico e você ficará comigo.
— Não deve destruí-lo. Afinal, ele fez o que estava ao seu alcance, E
eu jamais poderia fazer meu ninho no seu palácio: seria morrer de tristeza.
Virei ter com você toda a vez que quiser. Pousarei nos galhos da árvore
mais próxima à sua janela e cantarei alguma coisa que lhe alegre o coração
e, ao mesmo tempo, o faça pensar. Hei de falar dos que sofrem e dos que
vivem felizes; hei de relatar o bem e o mal que se anda fazendo em seu rei-
no e que você, daqui, não pode ver. Eu sou livre de pousar aqui ou ali, em
casa do rico, em casa do pobre. Sou capaz de ajudá-lo a fazer justiça, a go-
vernar com amor. Quero, porém, que me prometa urna coisa!
— Ê só falar e já está concedido o que pedir! Há de ser sempre bem
pouco, comparado ao muito que fez e que eu gostaria de retribuir.
— Guardará segredo a respeito de seu informante. A ninguém dirá que
é um passarinho quem lhe comunica o que vai por ai a fora.
E, assim dizendo, saiu voando.
Entrementes, no aposento vizinho, o costureiro da corte provava o man-
to imperial que talhara para o herdeiro do trono.
Os camareiros, convencidos de que o imperador estivesse morto, entra-
ram no quarto para levá-lo dali.
Qual morto, qual nada! Estava era bem teso e orgulhoso, com a coroa
na cabeça e os saudou a todos alegremente:
— Bom dia, meus filhos.. .
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(antiga fábula popular chinesa)
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este mundo sempre houve muita coisa bonita para se ver. Dentre
elas, destacava-se a corrida de barcos-dragão que se realizava em
Su-Chian, no quinto dia da quinta lua.
Cada embarcação levava esculpido no lenho um dragão de escamas ver-
des e douradas; as balaustradas tinham enfeites de flores laqueadas e es-
tandartes de seda bordados. Da popa saía uma espécie de trampolim de ma-
deira, onde ia sentado um rapazote perito em acrobacias. Exibia-se em belos
movimentos rítmicos, chegando, por vezes, a dobrar a tábua até fazê-la to-
car a água, dando a impressão, a cada instante, de que ia mergulhar.
Esses rapazes eram treinados desde crianças e alguns deles, por sua pe-
rícia, eram disputados a peso de ouro pelos diversos proprietários dos bar-
cos-dragão.
Dentre os melhores, o rnais hábil era, sem dúvida, A-Tuan, belíssimo
rapagão órfão de pai.
Aconteceu que, durante uma daquelas festas, A-Tuan perdeu de fato o
equilíbrio e foi cair no rio que o tragou, fechando sobre ele suas águas. Ime-
diatamente, os nadadores mais destros mergulharam em sua busca. Mas,
por mais fundo que mergulhassem, nem sequer o avistaram. Voltaram à
tona resfolegantes e desiludidos: não fora possível salvá-lo.
-" Era preciso avisar a velha Chiang, mãe de A-Tuan, do ocorrido. Aca-
brunhados, os proprietários dos barcos-dragão foram em comitiva procurá-
la. A pobre mulher chorou muito. Só o que trazia consolo ao seu coração
aflito era a dor sincera que demonstravam todos e o pensamento de que seu
filho fora amado por muitos.
A-Tuan, porém, não morrera: no instante em que cairá nágua (e não sa-
beria explicar como lhe tivesse acontecido, perdera o equilíbrio, excelente
acrobata que era) sentira-se agarrado por duas mãor* que o puxavam para
o fundo. A água se erguera ao redor dele, alta como uma muralha, e ele
percebeu que podia respirar perfeitamente.
Recobrando uma certa serenidade, A-Tuan pôde ver um castelo. No
centro de um salão imenso, um homem com um elmo na cabeça estava sen-
tado num trono.
— Este é o Príncipe Dragão, anunciou uma voz às costas de A-Tuan;
ajoelhe-se diante dele.
O olhar do príncipe, pousado em A-Tuan, irradiava benevolência.
— Você é um rapaz de rara habilidade: pode entrar a fazer parte do
grupo "Ramos de Salgueiro".
Foi tudo o que lhe disse. Depois, A-Tuan sentiu-se transportado por seu
acompanhante invisível para longe do palácio, até um recinto cercado de
amplos pavilhões. Ali chegados, seu acompanhante fê-lo subir à varanda do
pavilhão leste, de onde saiu, toda sorridente, uma velha senhora.
— Esta é a Senhora Sie, disse a voz de sempre, e vai ser sua mestra.
A senhora sentou-se na varanda e chamou por alguém. A-Tuan viu apa-
recerem lá de dentro diversos rapazolas que não teriam mais de treze ou
quatorze anos. Cumprimentaram A-Tuan e foram muito amáveis com ele.
— Agora vamos mostrar a A-Tuan a "dança do relâmpago" e a "dança
do vento", disse a senhora Sie.
Logo se ouviu o rufar de tambores e o bimbalhar de pratos de cobre e
a dança começou. Era algo de indescritível, digna dos génios.
Quando se restabeleceu o silêncio, a senhora Sie chamou para perto de
si A-Tuan, com a intenção de lhe ensinar os passos da dança. Ele, porém,
não a deixou falar.
— Mande recomeçar a música e eu lhe darei uma amostra do que sei.
Assim que a primeira nota ecoou na esplanada, A-Tuan começou a dan-
çar. Todos o fitavam atónitos, prendendo a respiração, e a velha senhora
Sie explodiu em frenético bater de palmas.
— Magistral! exclamou, possuída de entusiasmo. A sua perícia iguala
à de Flor de Verão!
Não sabendo quem era Flor de Verão, A-Tuan não estava em condições
de apreciar plenamente o elogio. Compreendeu, porém, que a velha senho-
ra lhe admirava a arte e deu-se por satisfeito.
No dia seguinte, o Príncipe Dragão recrutou, para serem examinados,
os vários grupos de bailarinos, que foram reunidos ao pé de uma escada-
ria, num pátio muito grande.
Os primeiros a serem examinados foram os duendes. Tinham rosto de
menino e corpo de peixe; e dançavam batendo com força num prato de co-
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bre, que produzia ruído de trovão. A ca-
da bater de prato, pulavam tão alto que
saíam da água e chegavam a tocar a abó-
bada celeste, de onde faziam cair um chu-
visco de estrelas.
A seguir, foi a vez das "Passarinhas".
Eram todas donzelas formosas e elegantes
que dançavam acompanhando-se numa es-
pécie de flauta.
Pouco a pouco, ao redor delas, foi-se
aplacando o fragor das ondas, foram-se en-
regelando as águas até que tudo se trans-
formou num mundo de cristal translúcido.
Finda a dança as águas voltaram a mo-
ver-se com o ruído de sempre, enquanto
as donzelas iam colocar-se eretas e imó-
veis ao pé da escadaria.
Veio depois o grupo das "Andori-
nhas", raparigas muito jovens, que dan-
çavam agitando as mangas compridas de
suas vestes. Na cabeça, traziam uma guir-
landa de flores perfumadas. Vestiam uma
roupagem azul e preta, de duas caudas,
lembrando andorinhas.
Uma, entre as demais, esvoaçava como
se tivesse asas. De suas vestes despren-
diam-se, ondulando ao vento e sobre as on-
das, botões de flores multicores que, va-
gando daqui para acolá, acabaram por co-
brir todo o pátio.
Terminada a dança, foi-se juntar às
companheiras ao pé da escada.
A-Tuan, que estava ali perto, tomou-
se de encantos por ela. Quis saber quem
era e os de seu grupo, admirando-se de que
ainda não a conhecesse, exclamaram:
— Quem havia de ser senão Flor de
Verão!
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v:
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Ninguém atinava com a causa do mal que o oprimia. A velha senhora
afligia-se por estarem às vésperas de uma festa da mais alta importância
em que todos os grupos iriam exibir-se.
— Está-se aproximando a festa do Príncipe dos Rios e A-Tuan conti-
nua dessa maneira. O que havemos de fazer com ele?
Nesse pé estavam as coisas, quando, certa noite, um rapaz pertencente
ao grupo dos duendes foi visitar A-Tuan. Sentou-se na beira da cama e pu-
seram-se os dois a conversar disto e daquilo.
— Será possível que ninguém descobre o motivo da tua doença? per-
guntou, a certa altura, o visitante, com um sorriso matreiro.
— Ninguém entende nada, respondeu A-Tuan, com um fio de voz.
— Flor de Verão não teria, por acaso, algo a ver com tudo isto?
— O que te faz pensar assim?
— O fato de Flor de Verão padecer do mesmo mal, retrucou o duende
a rir. Quem me contou foi uma rapariga do grupo das andorinhas.
A essas palavras, A-Tuan ergueu-se na cama.
— Meu amigo, não haveria um jeito de eu me encontrar com Flor de
Verão?
— Talvez haja.
— Ó, por favor, você que sabe tudo a meu respeito, diga-me o que de-
vo fazer.
O duende fitou-o, pensativo; depois acrescentou:
— Não vai ser fácil: teremos de percorrer um longo caminho e, no fim,
nem é certo que cheguemos a encontrá-la.
— Mas por que é que é tão difícil assim ver Flor de Verão? pergun-
tou A-Tuan.
— O Príncipe Dragão a mantém sob estrita vigilância. Como viu, é uma
dançarina incomparável e ele tem medo de perdê-la.
— E como havia de perdê-la?
— Alguém poderia raptá-la e levá-la de volta à terra. De fato, ela tem
muitas saudades da terra, apesar de ser tão querida aqui.
— Pois eu sinto o mesmo e gostaria de poder dizer o que sinto à Flor
de Verão.
A-Tuan insistiu tanto, rogou tanto que o duende, por fim, se rendeu.
Decidiu-se a agir e perguntou logo:
— Pode andar?
— Com algum esforço, posso.
Auxiliado pelo rapazinho, A-Tuan saiu do quarto. Percorreram diver-
sas galerias que pareciam entalhadas em cristal até chegarem a uma porta.
O duende abriu-a e passaram os dois por ela. Depois de mil e uma viravol-
tas, encontraram outra porta, que o duende abriu, também.
A-Tuan viu, com estupor, que se encontravam num bosque todo de ár-
vores de magnólia, tão altas que era impossível ver até onde chegavam. As
folhas eram grandes como esteiras e as flores eram como gigantescos cha-
péus de sol. As pétalas caídas jamais haviam sido removidas e formavam,
no chão, uma camada fofa e macia, da espessura de dez colchões sobrepos-
tos.
O duende mandou que A-Tuan se sentasse.
— Descanse enquanto espera, que eu já volto.
— A-Tuan obedeceu e ficou à espera. Estava ansioso, tinha a sensação
de que o duende se demorava eternamente.
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Entretanto, não eram decorridos mais que alguns instantes, quando,
mudo de surpresa, viu, surgir, ali onde o duende desaparecera, uma donzela
de rara beleza, que o fitava, sorrindo com timidez. Era Flor de Verão! Foi
dos mais felizes o encontro dos dois: confiaram um ao outro toda a história
de suas vidas. Flor de Verão contou que, certo dia, quando navegava pelo
rio, na embarcação de seu pai, curvando-se sobre as águas frescas e cantan-
do, sentira que a puxavam para o fundo. Fora coisa de segundos: logo após,
estava na presença do Príncipe Dragão.
— Todo o mundo me trata muito bem; são todos bondosos comigo, disse
ela a suspirar, mas eu tenho saudades de minha família e só penso em vol-
tar para a terra.
— Eu também, disse A-Tuan com lágrimas nos olhos; eu também penso
em minha mãe e na dor que há de ter sofrido por me crer morto. Mas não
tenho esperança de fugir daqui.
— Nem eu tampouco, disse Flor de Verão chorosa. Muito menos agora,
às vésperas de uma festa tão importante: redobraram a vigilância. Receio
não poder rnais vê-lo antes do dia das danças.
Com efeito, assim foi. Os ensaios mantinham atarefadíssimos todos os
grupos de dançarinos.
Na verdade, porém, desde o dia em que se haviam encontrado, tanto
Flor de Verão como A-Tuan recobravam as forças. E puderam dançar de
novo. Era preciso, porém, recuperar o tempo perdido e disso se encarregou
a senhora Sie. Infatigável, fazia-os exercitarem-se dia e noite e os manti-
nha sob tão rigorosa vigilância que não lhes deixou um minuto sequer
para novo encontro.
Chegou o dia da festa. Conduzidos pelo Príncipe Dragão, todos os gru*
pôs se encaminharam para a grande esplanada onde teriam lugar as danças
em honra do Príncipe dos Rios, O espetáculo foi deslumbrante. O Prínci-
pe dos Rios ficara impressionado com a prestigiosa habilidade de A-Tuan:
porém, a graça indizível de Flor de Verão fora o que o subjugara.
Findas as festividades, os dois príncipes trocaram gentilezas e dádivas,
Depois, todos voltaram a seus pavilhões.
Todos, exceto Flor de Verão e mais outra bailarina do grupo das "Pas-
sarinhas", que foram destacadas para morar no palácio do Príncipe dos
Rios, onde iriam ensinar dança às damas da corte.
Imensa foi a dor de A-Tuan. Suspirara tanto por aquele dia, na espe-
rança de ter uns momentos de folga! Esteve a ponto de adoecer de novo. Fez
de tudo para convencer a velha senhora Sie a mandá-lo também para o palá-
cio do Príncipe dos Rios, mas ela sacudia a cabeça, sem nem ao menos uma
resposta.
Passarani-se, assim, alguns meses. Certo dia, uma infausta notícia espa-
lhou-se pelos pavilhões.
— Sabem da novidade? Flor de Verão subiu para a grande terraça do
castelo do Príncipe dos Rios e se afogou!
A coisa parecia inacreditável. Como poderia alguém, vivendo no fundo
do rio, afogar-se?
A-Tuan atormentava-se com a ideia do desaparecimento da moça.
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— Estamos tão habituados a viver no fundo dágua que a água é o nosso
elemento. No entanto, Flor de Verão subiu à terraça superior do palácio e
se afogou! Não posso acreditar!
— A verdade, repetiam-lhe os amigos, é que ninguém mais a viu.
A-Tuan, no auge do desespero, arrancou da cabeça a faixa de escamas
de ouro e a fez em pedaços: foi buscar suas vestes mais ricas e as reduziu a
frangalhos.
Depois, para acalmar a dor de seu coração, quis voltar para o meio das
flores de magnólia, onde ele e Flor de Verão se haviam encontrado.
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Seguiu pelas galerias, atravessou
a primeira porta, foi adiante, até en-
contrar a segunda. Abriu-a e ei-lo no
bosque.
Pareceu-lhe que seu coração pa-
rasse de bater, tão viva era a lembran-
ça de seu primeiro e último encontro
com Flor de Verão.
Depois de muito caminhar, de re-
pente, se viu às fraldas de u'a muralha
altíssima, à qual estava apoiada uma
escada que parecia não ter fim.
A-Tuan comprovou, com estupor,
que a muralha era formada pelas águas
do rio, de tal maneira solidificadas que
jamais algném poderia atravessá-la.
Trepou rápido escada acima. Chegou
a alcançar a altura das magnólias e foi
subindo, subindo, até ultrapassá-las...
"Sabe-se lá onde vai ter esta es-
cada!" dizia consigo. "Estou exausto,
não aguento mais! Se esta subida não
tem fim, vou rolar lá para baixo de
cansaço."
Subitamente, a escada terminou.
E, um pouco mais acima, terminava a
muralha também. A-Tuan trepou al-
guns metros mais, até galgar o muro
e, de lá, atirou-se do outro lado.
Ao voltar a si da vertigem provocada
pela queda, tentou nadar. Viu, com sur-
presa indizível, que o sol resplandecia
sobre sua cabeça e que as águas do rio se
estendiam em volta dele. Estava livre!
Estava de novo na terral
Louco de alegria, deixou-se levar pela
correnteza e, ora nadando, ora boiando,
chegou à margem.
— Ei, você aí, gritou-lhe um pescador
que lançava a sua rede; de onde vem?
— A minha jangada naufragou e não
sei exatamente onde estou.
— De que aldeia és?
— De Su-Chian.
— Pode julgar-se um rapaz de sorte:
não está longe. Só tem que chegar à cur-
va do rio, que atravessa o vale.
— Como não! concordou logo Branca de !Neve. Uom muito gosto fica-
rei aqui.
E assim foi. Passou a morar com os anõezinhos. Arrumava a casa en-
quanto eles iam à mina em busca de ouro e pedras preciosas. À noite,
quando voltavam, fazia-os encontrar o jantar pronto. Como ficasse o dia to-
do sozinha em casa, haviam-na prevenido:
— Deve desconfiar de sua madrasta, que não tardará em saber onde
você está. Não deixe entrar ninguém sob nenhum pretexto.
A rainha acreditara que o coração do ursinho fosse, realmente, o de
Branca de Neve. Estava pois, segura de que era a mulher mais formosa do
reino. Um belo dia, porém, querendo certificar-se mais uma vez, interrogou o
espelho.
— Espelhinho, espelhinho diga-me:
Quem, no meu reino, é a, mais bela?
E o espelho respondeu:
-r
'Í'"
— Aqui no castelo, ó rainha, você é sempre a mais bela. Mas Branca de
Neve na casinha dos anões, lá ao longe, para além das montanhas, é mil ve-
zes mais bela e tem esplendor de estrela.
Qual não foi o espanto da rainha! Sabendo que o espelho não mentia,
sentiu-se ludibriada, traída. O caçador a enganara! Branca de Neve conti-
nuava viva e, o que era pior, continuava linda! Pôs-se a matutar, dando
tratos à imaginação. Mil planos arquitetou e acabou por resolver o seguin-
te: Disfarçada em velha vendedora ambulante, atravessou as montanhas e
foi bater à porta dos sete anões, apregoando:
— Trago bela mercadoria.. . trago bela mercadoria para vender.. .
Branca de Neve debruçou-se à janela e, curiosa, quis saber:
— Bom dia, boa senhora, o que tem para vender?
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— Bela mercadoria: cintos, corpetes
e fitas de todas as cores, disse ela, mos-
trando alguns artigos.
"Ora, essa velhinha bem que eu po-
dia deixar entrar" pensou Branca de Ne-
ve, incauta.
E, querendo escolher umas fitas pa-
ra o corpete, abriu a porta.
— Nem pode crer como a enfeitam!
exclamou a velha, enquanto Branca de
Neve as enfiava nos ilhoses. Venha, dei-
xe que as amarre...
Branca de Neve, confiante, deixou-
a apertar os laços. Mas a velha apertou
tão depressa e com tamanha força que
a fez perder o fôlego e cair por terra,
como morta.
"Agora, pensou a velha, retirando-
se às pressas, realmente sou a mais
bela!"
À noite, os anõezinhos assustaram-se muito, quando, ao voltarem, encon-
traram Branca de Neve estendida no chão, imóvel e sem respiração. Com o
maior cuidado, ergueram-na e, ao ver o corpete apertado demais, cortaram
logo as fitas...
Branca de Neve voltou a respirai e, aos poucos, foi-se recobrando.
Ao terem notícia do que se passara, os anõezinhos não hesitaram.
— A vendedora ambulante outra não era senão a tua madrasta! Mulher
malvada! Tenha cuidado, menina, não torne a deixar entrar alguém quan-
do estiver só.
Nesse ínterim, a rainha estava de volta ao palácio. Fora correndo ao
^spelho, com a pergunta de sempre:
— Espelhinho, espelhinho, diga-me:
Quem, no meu reino, é-a mais bela?
E o espelho respondeu:
Aqui, no castelo, você é sempre a mais
bela. Mas Branca de Neve, na casinha dos
anões, lá ao longe, para além das montanhas,
é mil vezes mais bela e tem esplendor de es-
trela.
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De raiva, a rainha empalideceu.
"Mas,- desta vez, pensou, hei de inventar alguma coisa que não falhe:
não descansarei enquanto não a vir morta!"
Envenenou um pente e, de novo, rumou para as montanhas, disfarçada
em velhinha. Bateu à-porta e gritou:
— Trago boa mercadoria...
Branca de Neve espiou por uma fresta e disse:
— Não posso deixá-la entrar: retire-se!
— Mas pode sempre dar uma olhadela, insistiu a velhinha, erguendo o
pente envenenado para que o visse.
Branca de Neve achou-o tão lindo, tão lindo, que não pôde resistir ao
desejo de comprá-lo. E abriu a porta.
A velha propôs:
— Deixe que eu a penteie!
Branca de Neve consentiu, mas, nem bem o pente passara por seus ca-
belos caiu, sem sentidos.
— Desta vez, você não escapa! exclamou, triunfante, a rainha má.
E fugiu.
Afortunadamente, naquele dia os anões voltaram mais cedo para casa.
Assim que viram Branca de Neve, suspeitaram que se tratava de novo male-
fício de sua madrasta. Descobriram o pente, arrancaram-no dos cabelos da
menina e ela logo voltou a si. E contou-lhes o que acontecera.
Novamente, com toda a paciência, seus amigos fizeram-lhe ver os riscos
sérios que corria por ser imprudente. Não voltasse a abrir a porta a nin-
guém, fosse quem fosse!
Já no palácio, a primeira coisa que fez a rainha foi consultar o espelho:
— Espelhinho, espelhinho, diga-me:
Quem, no meu reino, é a mais bela?
E o espelho, mais uma vez, respondeu: