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A Psicogênese na Aldeia: refletindo o processo de alfabetização com

professores e professoras indígenas


Por Josélia Gomes Neves
publicado em 25/10/2005
O direito à saúde significa, entre outras coisas, o direito de todo indivíduo a uma
atenção médica atualizada de acordo com os avanços científicos e técnicos dessa
área profissional O direito à alfabetização não pode significar menos do que isso.

Emília Ferreiro

Resumo: Neste trabalho apresentamos algumas reflexões desenvolvidas a partir


da vivência com os professores e professoras indígenas das etnias Arara, Gavião,
Suruí, Zoró e Cinta-Larga por ocasião do desenvolvimento do Curso de Formação
Inicial de Professores Indígenas – Projeto Açaí em 2004 no município de Ouro
Preto do Oeste em Rondônia. Trata-se de um relato que procura articular a
experiência vivenciada que teve como suporte teórico às contribuições da
concepção construtivista de alfabetização.

Palavras-chave: Alfabetização. Psicogênese. Contexto Indígena.


Construtivismo.

Introdução

A disciplina de alfabetização no magistério indígena foi planejada considerando


as aprendizagens que temos construído ao longo de nossa formação, como
professora alfabetizadora de crianças e adultos, docente desta área do
conhecimento em cursos de graduação de Pedagogia e especialização em
Psicopedagogia e, posteriormente na condição de consultora do Ministério de
Educação do Programa de Formação de Professores Alfabetizadores - PROFA
(MEC, 2001). Em função desta caminhada, propomos os seguintes eixos de
discussão para o desenvolvimento do curso: Como as professoras e professores
indígenas realizam atividades de alfabetização em sala de aula? Quais as suas
concepções a respeito do ensino da leitura e da escrita? Como respondem as
problematizações sobre suas práticas? No decorrer do trabalho, procuramos
problematizar algumas situações apresentadas bem como disponibilizar os
conhecimentos atuais sobre o processo de aprendizagem inicial da alfabetização
considerando as contribuições da Psicogênese da língua escrita.

No intuito de propiciar momentos em que a turma trabalhasse a prática leitora e


escritora, combinamos que após a leitura do relatório da aula anterior – prática
comumente realizada pelos professores sobre o trabalho desenvolvido, eu faria
uma leitura compartilhada, objetivando enfatizar o papel da escuta de bons
textos – uma estratégia interessante para ampliação do repertório lingüístico, na
medida em que informa as características, o formato do texto, etc. Lemos textos
de Paulo Freire, do livro Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática
educativa e o de Márcio Souza, o romance Mad Maria que trata de um triângulo
amoroso entre uma boliviana, um médico irlandês e um índio Karipuna, por
ocasião da construção da Estrada de Ferro Madeira Mamoré - momento muito
esperado, talvez porque resgatasse um pouco da História de Rondônia no início
do século XX, mais ou menos em 1910 além de outras obras de gêneros
variados.

Os desdobramentos a respeito destas leituras compartilhadas foram


surpreendentes, particularmente o livro Mad Maria: tivemos palestras
ministradas pelo professor Batiti Karipuna e em seguida pelo professor Arão Oro
Wijen sobre o contato dos povos indígenas com os trabalhadores da Estrada de
Ferro, além da exibição do filme-documentário, A Ferrovia do Diabo de Beto
Bertagna.

Em relação à escrita, cada um recebeu um Caderno de Registro para escrever


diariamente o que foi significativo para a sua aprendizagem fazendo anotações
também sobre possíveis dúvidas. Nossa pretensão era que fizessem uso do
conhecimento escrito e também foi uma maneira de buscar pistas para
reorientação do nosso planejamento. O resultado foi muito interessante, pois o
envolvimento de todos e todas nos impressionou. Escreviam, a grande maioria,
de uma forma muito clara, além de colocarem questões que efetivamente
contribuiu para revisão e modificação do que havíamos pensado para o
desenvolvimento das aulas. Representou também uma alternativa de diálogo,
principalmente para alguns mais tímidos ou reservados que não se expunham
com freqüência no grande grupo e ali foi uma oportunidade desta conversa se
estabelecer.

Inicialmente desenvolvemos uma série de atividades diagnósticas. Para tanto,


após a leitura compartilhada, conversamos a respeito da disciplina, seus
objetivos básicos, ocasião em que ressaltamos a importância de se alfabetizar a
partir de textos, ou seja, privilegiando uma relação funcional e significativa com
a língua desde o início. Explicamos que nossas aulas aconteceriam sempre
através de debates, leitura e produção de textos, de forma individual e coletiva e
que a avaliação seria contínua através das atividades propostas, discutidas e
realizadas por todos e todas.

Considerando a premissa Eu alfabetizo meus alunos e alunas assim... - os


docentes, planejaram e apresentaram uma simulação de sua própria sala de
aula, essa atividade teve uma parte de planejamento e outra de apresentação
para o coletivo. Cada etnia apresentou a sua dramatização. Na oportunidade foi
possível observar a forte influencia dos métodos analíticos, sintéticos e fonéticos
no desenvolvimento das aulas, influencia dos missionários através da tradicional
cartilha – de acordo com informação deles e ainda fundamentados em suas
próprias histórias de como foram alfabetizados, através da produção de texto
individual: Memórias do tempo em que fui alfabetizado. Foi muito enfatizado
pelos professores e professoras suas dificuldades em se alfabetizar devido à
excessiva atividade de cópias envolvendo muitas vezes palavras que
desconheciam. A esse respeito Emília Ferreiro, assinala que:

A ênfase praticamente exclusiva na cópia, durante as


etapas iniciais da aprendizagem, excluindo tentativas de
criar representações para séries de unidades lingüísticas
similares (listas) ou para mensagens sintaticamente
elaboradas (textos), faz com que a escrita se apresente
como um objeto alheio à própria capacidade de
compreensão. Está ali para ser copiado, reproduzido,
porém não compreendido, nem recriado.

(FERREIRO: 1993, p. 19)

Dando continuidade ao levantamento de como trabalham a alfabetização na


escola indígena, cada etnia apresentou num cartaz dados referentes ao
desenvolvimento de seu trabalho. Informaram que alfabetizam primeiramente na
língua materna, levando em conta que as crianças ainda não falam bem a língua
portuguesa e que na 3ª e 4ª série é que ensinam a ler e escrever nesta segunda
língua.

Individualmente desafiamos o grupo a refletir sobre a questão: Estar


alfabetizado é... Todos responderam, utilizando pedaços de cartolina, sobre o
que pensavam a respeito do assunto, fizemos a leitura de todas as respostas e
consultando o grupo retiramos as repetidas, deixando apenas aquelas
consideradas mais completas. Em algumas situações, houve debate, pois
algumas pessoas defendiam a retirada da tarjeta e outros tinham opinião
diferente. Então nossa proposta foi no sentido de problematizar as razões de um
e outro lado, no final prevaleceria o consenso. O grupo respondeu que: Estar
alfabetizado é saber ler e escrever com entendimento. Perguntei se poderia
riscar o com entendimento e falaram que não, que para ser completa, a resposta
tinha que constar esta expressão. Era importante compreender isto, pois
refletiria a concepção das professoras e professores indígenas a respeito de
quando e como é que consideram que alguém estar alfabetizado.

Na atividade de memória, resgataram um pouco da sua história de alfabetização.


Foi muito interessante este momento, pois além de recorrerem às lembranças,
produziram um texto com estas e socializaram lendo coletivamente para os
colegas o que escreveram. Questionei o porquê daquela atividade, qual a
importância de lembrarmos do tempo em que fomos alfabetizados - com muita
freqüência indagava o porquê de estar propondo esta ou aquela atividade e
reafirmava a importância de termos clara a nossa intenção educativa, ou seja,
conseguir responder: o que eu quero que os meus alunos aprendam? As
intervenções foram no sentido de que era muito bom lembrar para avaliar o que
foi interessante e o que não contribuiu muito para a aprendizagem. As memórias
se constituíram em importantes relatos, demonstrando as dificuldades e
denunciando uma série de maus tratos, sintetizados em castigos físicos, como,
por exemplo, ficar em pé, braços abertos e em cada mão, livros pesados ou em
forma de violência cultural: ser alfabetizado numa língua, a portuguesa, da qual
não faziam uso dela e ainda eram proibidos de se comunicar na língua materna.
A constante descontinuidade do processo educativo: professoras da Fundação
Nacional do Índio - FUNAI que ministravam apenas dois ou três meses de aula
na aldeia e desapareciam sem explicações; as palavras descontextualizadas sem
significado, que eram obrigados a decorar, como o caso da palavra FOCA, cujas
sílabas eram exaustivamente repetidas; as aulas em escolas de não-índios e
toda sorte de discriminação decorrente dessa relação. E, houve lembranças, não
muitas, de professoras que contribuíram em suas aprendizagens, que
propunham atividades desafiadoras e respeitavam a diversidade que
vivenciavam e um caso interessante o do Embusã Zoró, professor que
alfabetizou o Marcelo Zoró, e no momento, ambos estudantes no Projeto Açaí.

No decorrer das aulas propus a seguinte atividade: que tipo de orientação se


poderia oferecer a um professor iniciante - ele iria atuar pela primeira vez numa
sala de aula para ensinar as crianças a ler e escrever com entendimento.
Combinei que escreveria as orientações na lousa. Sugeriram iniciar a aula com
um desenho de um animal. Perguntei se poderia ser o desenho de um elefante.
Ouvi um soro: NÃO! Explicaram que seria melhor um desenho da anta – animal
conhecido pelas crianças, pois assim elas poderiam participar mais da conversa
já que teriam muita coisa para falar sobre ela - senão o professor iria ficar
falando sozinho. A seqüência didática ficou assim: a) Mostra do desenho da
Anta; Conversa com as crianças sobre a Anta; b) Elaboração de um texto
coletivo sobre a Anta. (De acordo com suas contribuições fomos elaborando o
texto. Foi interessante que ao se referir a Anta, evitavam repetir a expressão: A
Anta procuravam substituir, por: Ela vive... ou Esse animal... etc, o que nos
sugere um conhecimento sobre as exigências na produção de um bom texto); c)
Leitura do texto pelo professor, indicando com o dedo, lápis ou régua, as
palavras ora lidas; d) Escrita do texto no caderno pelas crianças, acompanhado
ou não de desenhos.

Com vistas a problematizar, levando em conta o objetivo de explicitar a


concepção empirista, sustentada pela idéia de que aprendemos exclusivamente
mediante os exercícios de repetição visando à memorização, com base nas
informações do texto por eles elaborado, escrevi: A Anta é um animal muito
gordo. A Anta vive no mato. A Anta come frutas da floresta. Então, questionei:
preciso mostrar aos meus alunos como se escreve um texto, na opinião de
vocês, qual é a melhor proposta, o 1º ou o 2º? Responderam por unanimidade:
O 1º. A justificativa é que o 2º texto repete muito a palavra Anta. Propus esta
situação, porque eu havia observado exemplos parecidos em alguns cartazes por
ocasião da simulação da aula. Anotei depois em meu caderno, esta observação
para pensar numa forma de retomar esse assunto.

As atividades diagnósticas estavam concluídas, e sistematizamos as discussões


da seguinte forma: Em relação à sua forma de alfabetizar, foi possível observar
que: a) Utilizam um modelo de aprendizagem conhecido como estímulo-
resposta, as respostas erradas devem ser substituídas por certas. Cabe ao aluno
memorizar e fixar informações. Este modelo pressupõe que o conhecimento está
fora do sujeito, é interiorizado através dos sentidos, o que fundamenta crenças
como a idéia de que o aluno entra na escola “zerado”, isto é, não sabe nada. Há
uma grande valorização da acumulação de informações. A língua é vista como
transcrição da fala, a aprendizagem corresponde ao acúmulo de informação e
memorização, o ensino se dá por meio de repetição e cópias (WEISZ, 2000).

Entretanto suas concepções sobre alfabetização negavam um pouco essa prática


na medida em que defendiam uma relação mais significativa com a língua, uma
vez que consideram que alguém alfabetizado é aquele que sabe ler e escrever
com entendimento fundamentados nos pressupostos construtivistas. Os
conhecimentos atuais disponíveis sobre a aquisição da leitura e da escrita nos
autorizam a afirmar que para ter este domínio competente de ler e escrever com
entendimento é necessário compreender que: a) O conhecimento não é cópia do
real, incorporado diretamente pelo sujeito, pressupõe uma atividade por parte de
quem aprende que organiza e integra os novos conhecimentos aos já existentes;
b) O aprendiz é protagonista de seu próprio processo de conhecimento, através
de situações-problema onde precisa agir sobre o objeto, pensar, receber ajuda e
interação com outros; c) O conhecimento prévio é ponto de partida para novas
aprendizagens; d) O conhecimento deve ser oferecido por inteiro e de forma
funcional, não fragmentado. e) A informação deve circular na sala de aula e a
intervenção pedagógica é fundamental (WEISZ, 2000).

Já suas memórias revelaram situações de aprendizagens avaliadas por eles e


elas como inadequadas, na medida em que se aprendia mediante e
exclusivamente a memorização, sem privilegiar os processos de compreensão,
de significado e sentido para quem está aprendendo por meio de apresentação
de palavras e famílias silábicas.

Ao anotar suas sugestões referentes às orientações a um professor iniciante,


confesso que fiquei com muitas perguntas, pois a forma como descreveram o
processo permitia à idéia de que é possível alfabetizar através de textos, com
sentido para quem está aprendendo. E na elaboração dos textos, preferiram não
repetir palavras, quando problematizei a respeito do melhor texto para ser
apresentado aos alunos, apontaram o 1º, com mais dados e mais bem escrito -
já mencionado acima.

Considerando os resultados destas três atividades, resolvi fornecer algumas


informações que avaliei serem importantes, para que compreendessem algumas
lógicas aparentemente contraditórias nas respostas observadas. Propus a
exibição do documentário: A construção da escrita – a reflexão nesse momento
era, como surge à necessidade das pessoas se comunicarem por escrito, dado
importante considerando que a cultura indígena tradicionalmente se apóia na
oralidade.

Para ilustrar a atividade, convidei Sandra Arara e Iran Gavião para demonstrar a
seguinte informação sem utilizar letras: Fui à Aldeia. Volto Amanhã. Assinado
Pedro Arara. Utilizaram os seguintes símbolos: ® e ¬ indicando ir e vir.
Convidamos um aluno de outra sala para “ler” a mensagem, pois apagamos a
que estava escrita. Discutimos as razões dele não ter conseguido entender e
conversamos sobre a palavra convenção, colocando que se combinássemos que
ao utilizarmos este símbolo queremos dizer que estamos indo ® e este ¬
estamos voltando, estávamos com esse acordo, convencionando o uso destes
símbolos que precisam ser ensinados para os que não sabem. Expliquei que essa
ilustração mostra um pouco do percurso sobre a construção da escrita
desenvolvida por muitos povos. Pediram para ver o vídeo novamente e
escreveram a respeito em seus cadernos de registro.

O outro documentário tratava da História da alfabetização – sintetizado em três


grandes períodos - a discussão inicialmente era centrada nos métodos, depois a
ênfase nas chamadas habilidades básicas e posteriormente nas contribuições da
Psicogênese da língua escrita, demonstrando que a idéia sobre o que é
alfabetização é definida historicamente, ou seja, o que vale para uma época, em
outra pode ser questionado. Após o vídeo, retomei as concepções definidas por
eles/as: Por que não basta mais dizer que alfabetizado é alguém que sabe ler e
escrever? Por que precisamos acrescentar a expressão com entendimento? Eles
brilhantemente responderam que tem gente que lê, mas não sabe dizer o que
leu e também tem dificuldades para escrever uma história.

Propus ainda, dando continuidade a esta estratégia de fornecer mais informações


sobre a aprendizagem da leitura e da escrita, a leitura do texto: As idéias,
concepções e teorias que sustentam a prática de qualquer professor, mesmo
quando ele não tem consciência delas, (WEISZ, 2000) a ser lida por grupo
étnico. Meu objetivo era possibilitar uma reflexão sobre o que fundamenta as
coisas que fazemos na sala de aula, se planejamos atividades com ênfase na
cópia, significa que esta ação revela que compreendemos a aprendizagem como
acúmulo de informações, baseadas em muita repetição, resultando num
processo mecânico do ensino. De acordo com os relatos no grupo, tiveram
muitas dificuldades para entendê-lo. Entretanto o fato de terem lido, já era
importante. Não esperava mesmo interpretações completas de imediato, até
porque o texto seria retomado mais à frente, através de uma produção de
resumo, o que conseguiram realizar de forma satisfatória.

Conforme esta seqüência da aula, fiz algumas perguntas muito perigosas que eu
já antecipava iriam provocar conflitos cognitivos na turma: Será que
alfabetizamos como nossos/as professores/as nos alfabetizaram? Repetimos
sílabas como retalhos da língua? Quais serão as lembranças que nossos
alunos/as terão de nós? A reação foi um misto de dúvidas, perguntas meio
cortadas, respostas imediatas: não. Era uma prática comum em todas as aulas,
após uma discussão, os alunos e alunas discutirem com suas etnias na língua
materna.

Neste dia, foi um grande alvoroço, falavam muito e quase que ao mesmo tempo.
Após o intervalo, depois de conversar um pouco com o pessoal técnico que
acompanhou as discussões, sobre as suas interpretações a respeito destas
atitudes, convidei a turma para conversar sobre o que estava acontecendo. Sei
que o conhecimento é desagregador, sua lógica se apóia na permanente
construção e desconstrução do estabelecido, tinha uma idéia de que ali estava se
processando um desequilíbrio. Minha hipótese não demorou a ser confirmada.
Durante a conversa, desabafaram: a nossa forma de trabalhar na alfabetização é
igual aos de nosso/as antigos/as professores/as, mas como fazer diferente se só
sabemos alfabetizar assim? Explicitaram essa questão falando e outros
expressando no caderno de registro, deixaram muito claro que esta era a
pergunta, evidenciando que:

Nenhuma prática pedagógica é neutra. Todas estão


apoiadas em certo modo de conceber o processo de
aprendizagem e o objeto dessa aprendizagem. São
provavelmente essas práticas (mais do que os métodos em
si) que têm efeitos mais duráveis em longo prazo, no
domínio da língua escrita como em todos os outros.
Conforme se coloque a relação entre o sujeito e o objeto de
conhecimento, e conforme se caracterize a ambos, certas
práticas aparecerão como normais ou como aberrantes. É
aqui que a reflexão psicopedagógica necessita se apoiar em
uma reflexão epistemológica.

(FERREIRO, 1989, p. 31)

A partir daí, coloquei que continuaríamos nos apropriando de algumas formas de


pensar e desenvolver a alfabetização, que muitos professores e professoras vêm
sistematicamente demonstrando em sala de aula, onde muitos alunos e alunas
conseguem aprender a ler e a escrever, fazendo correspondências com o uso de
práticas sociais escritas. Salientei, que já havíamos vivenciado durante a
disciplina situações semelhantes. Recuperei a atividade referente à orientação ao
professor iniciante e às propostas por eles/as sugeridas, principalmente no que
se referia à produção de texto coletiva, revi o incômodo da questão da repetição
que eles não mais aceitaram na construção do texto em discussão e outras
observações neste sentido.

A próxima atividade para ajudar na questão posta foi de assistir a um vídeo: A


construção da escrita- parte II onde as crianças produziam escritas de acordo
com o seu conhecimento disponível e conforme as idéias que as mesmas têm
sobre o funcionamento deste objeto. Foi interessante porque pudemos refletir e
ver a criança como alguém inteligente, que observa as outras pessoas, organiza
informações e tira suas conclusões sobre as coisas. O fato da Larissa - quatro
anos - filha da Marli Arara está sempre na sala, ajudou a ilustrar esta questão, a
partir de uma fala dela que posteriormente era repetida por todos e todas:
Castiano, Castiano! Discutimos como ela aprendeu este comentário - observando
as pessoas mais próximas - e como fez uma aplicação correta dele - o que
mostra que não é apenas um ser que repete, mas que, sobretudo, recria de
forma original, se apropria, aprende. Fez este comentário para o Cristiano, como
sinal de advertência. Sobre a questão, FERREIRO (1999, p. 24), assinala que:
No lugar de uma criança que recebe pouco a pouco uma linguagem inteiramente
fabricada por outros, aparece uma criança que reconstrói por si mesma a
linguagem, tornando seletivamente a informação que lhe provê o meio.

Numa outra atividade, confeccionamos um alfabeto fixo e depois um móvel, bem


como um texto a partir da lista dos nomes dos cursistas da sala. Discutimos que
através de atividades de leitura e escrita a partir dos nomes dos alunos e alunas,
podemos possibilitar situações ricas e significativas para alfabetizar.
Sistematizamos depois estas discussões em um cartaz: Orientações para a
professora ou o professor alfabetizador/a: a)Ter na classe um alfabeto fixo na
parede e um outro móvel; b)Diariamente conversar com as crianças sobre o que
fizeram; c) Organizar um texto sobre o assunto, na lousa ou papel para elas
observarem as forma de escrevê-las; d) Pedir às crianças para escreverem o
texto no caderno acompanhado ou não de desenhos.

Salientamos a importância de se partir do nome porque este possibilita várias


informações sobre as letras: que letras são, quantas são, em que ordem estão
colocadas, além de ser uma palavra que tem muito sentido, pois está
diretamente ligada à identidade pessoal, com aspectos estáveis. É um possível
parâmetro para confrontar o pensamento da criança sobre a escrita com a
realidade da grafia convencional. Na própria sala organizei a lista do nome dos
alunos e alunas por ordem alfabética, o que permitiu a simulação de várias
atividades as quais relacionávamos o estudo dos nomes à pesquisa e ajuste do
alfabeto fixo e a escrita em alfabeto móvel.

Após vivenciar várias atividades nesta linha, os grupos por etnia, confeccionaram
os seus respectivos alfabetos – fixo e móvel, na língua materna e portuguesa,
planejaram atividades relacionando-o à lista de nomes dos seus alunos e alunas;
a narração e escrita de um texto mítico – representado por um aluno que ainda
não lia convencionalmente e sendo escrito por um outro que já sabia, em
seguida com toda a sala, o texto foi relido e revisado, palavras foram destacadas
e utilizadas na elaboração de uma cruzadinha; a escrita e a leitura de um texto
estável (conhecido pelas crianças de memória) também na língua materna, a
maioria dos textos foi de música, receitas e a exposição dos materiais escritos –
portadores de textos, disponíveis na aldeia em língua portuguesa. A avaliação foi
de que os estudos estavam sendo proveitosos e estavam entendendo um pouco
sobre as novas formas de alfabetizar.

RECEITA DE BEBIDA INDÍGENA

CHICHA DE MILHO

Porção para 10 pessoas

Ingredientes: 20 espigas de milho maduras

Modo de fazer

Debulhe as espigas de milho, coloque os grãos em um


pilão, e umas 5 mãos cheias de grãos devem ser
reservadas. Macere os grãos no pilão até virar um pó bem
fininho, em seguida, peneire; reserve a parte mais fina e a
parte mais grossa (granulada) deve ser novamente pilada.
Quando os grãos se transformarem em pó de milho,
coloque em água fervente, preferencialmente numa grande
panela de barro. Deixe ferver por mais ou menos 2 horas
em fogo alto, mexendo de vez em quando. Após esse
tempo, retire do fogo e deixe esfriar. Os grãos reservados
são colocados em uma panela até ficarem bem assados,
depois serão colocados em um lugar para esfriar. Em
seguida, as mulheres mais jovens farão esse preparo,
mastigando os grãos torrados até ficarem parecidos com o
mingau – o fermento da Chicha. Após cada mastigação
colocam em uma vasilha à parte. Antes de colocar o
fermento na Chicha, a mulher pergunta se alguém da
família ou vizinhos querem um pouco, pois depois que ela
misturar, só se poderá beber no outro dia (para poder
pegar o gosto melhor). A mulher acorda bem cedo, mais ou
menos às 5 horas da manhã antes do marido sair para o
mato e abre a panela da Chicha. Com um grande mexedor,
mistura bem e peneira, recolhendo à parte líquida, que é a
bebida pronta para ser ingerida. A parte mais grossa serve
de alimento para os animais. A bebida é oferecida para o
marido e os filhos, depois para os vizinhos ou visitas. De
um dia para o outro ou até 3 dias, a Chicha poderá ser
tomada sem álcool, se ficar em repouso por mais tempo se
converte em bebida alcoólica.

Professor Mojagara Suruí

Neste trabalho, levando em conta o conhecimento das professoras e professores


indígenas a respeito das práticas alfabetizadoras, nosso propósito foi desenvolver
atividades problematizadoras de reflexão sobre a leitura e a escrita, o significado
do aprender a escrever em nossa sociedade, na perspectiva freireana, de que o
conhecimento compromete, preocupação compartilhada por Emília Ferreiro:

Minha função como investigadora tem sido mostrar e


demonstrar que as crianças pensam a propósito da escrita,
e seu pensamento tem interesse, coerência, validez e
extraordinário potencial educativo. Temos o dever de
escutá-las. Temos de ser capazes de escutá-las desde os
primeiros balbucios escritos (contemporâneos de seus
primeiros desenhos).

(FERREIRO, 2002, p. 36)

Não se constituiu em objetivo referendar conhecimentos que hoje já não


atendem mais as exigências de um mundo letrado, nem tampouco, ensiná-los o
Ba Be Bi Bo Bu, isto, isso eles já sabem, pois foi muito bem ensinado pelos
missionários – o que nos faz questionar se de fato temos um Estado laico,
considerando a grande influência da igreja ainda hoje junto a esses grupos que
têm livre acesso às aldeias.

Sugerimos atividades de escritas na concepção de que a criança pode escrever,


mesmo sem saber escrever. Por exemplo, seu nome e dos colegas, listas de
títulos de histórias preferidas pela turma, listas de nomes de personagens de
determinadas histórias ou mitos, listas dos ingredientes de uma receita, listas de
animais existentes na aldeia, etc.

Entretanto, alertamos para o fato de que não deveremos saber que as crianças
não irão escrever se o tempo todo cobrarmos deles/as escritas totalmente
“corretas”. Precisamos ter claro que no início da alfabetização, as crianças ainda
não dão conta disso. Não é aconselhável corrigir de imediato os erros, pois são
passageiros e representam uma tentativa de compreender a escrita, entretanto,
isso não significa que não se deve fazer nada, a intervenção do/a professor/a é
muito importante para problematizar com o aluno/ao que está acontecendo e o
que pode ser feito. Sabemos que a alfabetização deve privilegiar a articulação
entre a oralidade e a escrita, a nosso ver, em um contexto indígena essa
preocupação deve ser maior levando em conta o pouco sentido da utilização da
escrita para estes povos cuja cultura fundamenta-se milenarmente em práticas
orais. A observação da aquisição da linguagem oral possibilita o conhecimento de
importantes pistas sobre o ensino da escrita, conforme afirmações de Emília
Ferreiro:

Em língua oral permitimos à criança que se engane ao


produzir, tanto quanto ao interpretar, e que aprenda
através de suas tentativas para falar e para entender a fala
dos outros. Em língua escrita todas as metodologias
tradicionais penalizam continuamente o erro, supondo que
só se aprende através da reprodução correta, e que é
melhor não tentar escrever, nem ler, se não está em
condições de evitar o erro. A conseqüência inevitável é a
inibição: as crianças não tentam ler nem escrever e,
portanto, não aprendem.

(FERREIRO: 1993, p. 31)

As escritas podem ser propiciadas a partir dos chamados textos estáveis -


aqueles que as crianças já sabem de memória, isso vai permitir que eles/as se
concentrem em questões como: de que jeito a palavra está escrita, com quantas
e quais letras, etc. poderão ser propostas atividades como: letras de músicas
preferidas dos alunos/as, adivinhações para produzir um livrinho, poemas para
organização de uma coletânea, inclusive na língua materna.

Sobre o alfabeto, foi importante explicitar que é fundamental no processo de


alfabetização, pois a criança precisa ter conhecimento das letras, não é possível
falar sobre algo que não se conhece. Daí que é preciso cada aluno/a ter um
alfabeto colado no caderno e um alfabeto móvel, além do fixo na sala de aula.

Em relação à produção de bons textos, discutimos o significado de escrever bem


- que a idéia é produzir textos corretos sim, mas, sobretudo bem escritos, que é
resultado da leitura de muitos e diferentes textos, por isso é preciso que o
trabalho de produção deles leve em conta que a leitura é condição para a escrita
de textos, pois não se pode escrever bem sem ter um amplo conhecimento de
textos lidos e ouvidos, daí que a leitura deve ser feita diariamente, tanto pelo
aluno (textos que ele já sabe de memória) como pelo/a professor/a.

Os textos conhecidos precisam ser diversificados para que os alunos/as


aprendam um pouco sobre os vários gêneros: cartas, bilhetes, poemas, listas,
receitas, músicas, avisos, placas, etc. Um ponto de partida explicitado em todo o
desenvolvimento da disciplina foi a idéia de que é possível produzir textos sem
saber escrever, para isso, a criança precisa ser apoiada, ajudada e incentivada,
além do mais, os textos podem e devem ser cuidadosamente revisados durante
e após a escrita numa excelente atividade coletiva.

Uma outra sugestão foi considerar que as propostas iniciais de produção de


textos podem se apoiar em outros textos, como por exemplo: transformar um
gênero em outro, por exemplo, um conto de mistério para uma entrevista ou a
atividade de paródia, inclusive desenvolvida através da música: Como pode um
peixe vivo viver fora d’água fria. O jogo oral onde o professor, a professora inicia
um texto para os alunos, alunas continuarem: Era uma vez... Antigamente no
tempo em que os bichos falavam ou ainda, escrita de textos em parceria que
também foram desenvolvidas na sala de aula, conforme sugere SOLIGO (1999).

Procuramos discutir o sentido da leitura diária feita pelo professor ou professora,


que é importante porque por meio dela o aluno, a aluna pode entender mais
como as palavras são constituídas, utilizadas, quais são as suas características e
isso ajudará em seu processo de criação de seus próprios textos. Adotamos a
perspectiva apontada por SMITH (1999, p. 11) de que: O professor não precisa
de conselhos, ele precisa compreender. É ele que tem que tomar decisões. Daí
ser necessário se apropriar das habilidades que envolvem a leitura em voz alta,
ter clareza do significado desta ação para progressivamente preparar as
crianças, pois SOLÉ (1998, p. 28), adverte que: Esta atividade só pode ser
realizada se se acompanhar com atenção o que o outro está lendo, se se for um
“escutador ativo” como condição para depois ser um leitor ativo.

Discutimos diariamente com os docentes do Projeto Açaí, as possibilidades de


tornar as alunas e alunos bons leitores e desenvolver, muito mais que a
capacidade de ler, o gosto pela leitura e um compromisso com ela – daí ser
necessário incentivá-los, pois aprender a ler requer esforço contínuo, até porque
uma prática de leitura que não possibilita o desejo, a vontade de ler, não pode
ser considerada uma prática pedagógica eficiente.

Às vezes durante a noite, enquanto estávamos planejando as atividades para o


dia seguinte, vários alunos se aproximavam: Mojagara Surui, Ibebear Suruí,
Antonio Suruí, Alexandre Suruí, Garixamã Suruí, Naraykopega Suruí, Adilson
Cinta Larga, Augusto Cinta Larga, Anemã Cinta Larga. Ficavam observando ou
fazendo anotações e comentavam sobre o que eu fazia.

Nessas ocasiões, falávamos sobre como é interessante para o trabalho docente,


o planejamento e que, especificamente na alfabetização pode-se pensar em
situações de leitura para alunos/as que estão ingressando no processo: é
possível ler quando ainda não se sabe ler convencionalmente, que nesta fase, é
interessante ler diferentes tipos de textos, com variadas situações de
comunicação - naquele dia tínhamos lido o texto da onça – bilhete e o texto
mítico – A criação da Humanidade e que mesmo sem saber decodificar o texto, o
aluno/a utiliza estratégias antecipatórias para saber o que está escrito, como por
exemplo, o texto em alemão que eles conseguiram discutir, mesmo sem saber
alemão. Por isso, no planejamento devemos colocar atividades de leitura que
tenham ligação com aquelas que as crianças utilizam em seu cotidiano, daí a
importância de se levantar os portadores de textos existentes na aldeia, pois a
criança poderá estabelecer interessantes correspondências entre os mesmos.
Então devemos oportunizar as crianças o conhecimento de uma variedade de
textos impressos, de escritas sociais e incentivar a cooperação entre eles/as,
pois favorece a troca do conhecimento, possibilitando a prática do letramento
SOARES (2001).
Muito aprendi neste contato com as professoras e professores indígenas.
Considero que foi um dos grupos mais desafiadores que já conheci, exigentes,
doces, muito especiais. Suas formas de falar, colocar questões, foram
fundamentais e contribuíram em relação às mudanças e alterações no
planejamento. Gostava de estar com eles, ouvir suas narrativas sempre tão
carregadas de significado, de sentido, penso que o mais fantástico dessa
experiência foi conviver com companheiros tão comprometidos, que levam muito
a sério o processo de formação que estão vivenciando. Foi uma linda lição! Como
Telma Weisz, acredito que: Ao aprendiz como sujeito de sua aprendizagem
corresponde, necessariamente, um professor sujeito de sua prática docente.

BIBLIOGRAFIA

BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. PROFA – Programa de Formação


de Professores Alfabetizadores. Rosaura Soligo (org.). Brasília: MEC, 2001.

FERREIRO, Emilia; TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da língua escrita. 4. ed. Porto


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FERREIRO, Emília. Passado e Presente dos verbos ler e escrever. São Paulo,
Cortez, 2002.

______________. Reflexões sobre alfabetização. São Paulo, Cortez, 1989.

______________. Com todas as letras. 4. ed. São Paulo, Cortez, 1993.

SMITH, Frank. Leitura significativa. 3. ed. Porto Alegre, Artes Médicas, 1999.

SOLIGO, Rosaura. Escrever é preciso. IN: BRASÍLIA. Ministério da Educação.


Secretaria de Educação à Distância. Cadernos da TV Escola. Português. Volume
2. 1999.

SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte:


Autentica, 2001.

SOLÉ, Isabel. Estratégias de leitura. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 1998.

WEISZ, Telma. O diálogo entre o ensino e a aprendizagem. São Paulo: Ática,


2000.

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