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Miguel Collingridge Seabra Mota Mendes

Aluno: 140107087

Direito da Cultura 2010-2011 ʹ Trabalho Final de Avaliação

Os Direitos de Autor e a
Constituição da República
Portuguesa no Século XXI

20/1/2011

Total de Paginas: 24

Palavras: 7.788

1
Índice:
p.3 - Apresentação

p.4 - Conceito de Direito de Autor

p. 4 - Introdução

p. 5 - Evolução Histórica das leis de direitos de autor

p.8 - Fundamentos filosóficos do direito de autor

p.10 - Regimes contemporâneos, as diferenças entre o Copyright e o Droit D͛Auteur

p.13 - Direito Constitucional e Direitos Fundamentais

p.13 - Introdução

p.13 - Direitos Fundamentais

p.13 - Direito Subjectivo Publico

p.14 - Princípio Jurídico Objectivo

p.14 - Alcance e sentido do Art. 42º da CRP

p.16 - Crítica

p. 23 - Bibliografia

p. 24 - Anexo I

2
Apresentação
No início deste século tornou-se mais que nunca evidente, que é uma característica
inata do homem expressar os seus pensamentos, e disseminar as suas ideias; o que mudou?
Tornou-se não só acessível e massificada a utilização da internet, como também impossível
viver sem ela no mundo industrializado. Nenhuma invenção desde o desenvolvimento da
impressão provocou tão profundas alterações na maneira de comunicar e transmitir
informação. E estando nós ainda no inicio da historia desta tecnologia acho que não teremos
no tempo das nossas vidas o campo de visão temporal, necessária à completa compreensão do
seu impacto.

É por virtude da expansão do mundo digital, que no ceio do direito de propriedade


intelectual têm ressurgido dúvidas quanto à legitimidade de muitas, ou mesmo todas as
formas de propriedade intelectual. É com atenção e concordância a essa posição que me
apercebi que a Constituição da Republica Portuguesa mandava o legislador proteger os
direitos de autor. Num século em que se procura a liberdade pura de ideias, e um nível de
acessibilidade da informação tão grande que provoca medo a muitas pessoas, perguntei-me
como é possível a CRP exigir da sociedade Portuguesa, a protecção legal dos direitos de autor?
Foi em busca de uma resposta que iniciei a pesquisa e elaboração deste ensaio.

3
O Conceito de Direito de Autor
Introdução

Como em tantas outras disciplinas do estudo do direito, quando se fala em ͞direito de


autor͟ pode-se estar a abordar duas realidades algo diferentes, num sentido amplo, um sub-
ramo da Propriedade Intelectual, ou num sentido restrito, o direito subjectivo de uma pessoa,
como autora de uma obra protegida.

Focando por agora na conceptualização do direito subjectivo de autor, importa referir


que existem diferenças muito importantes entre a tradição anglo-saxónica do °opyright, e a
tradição do direito continental comummente designado por droit d͛auteur. Não é contudo
particularmente controversa a identificação das qualidades essenciais do direito de autor
como tal; de modo semelhante ao que acontece com o direito de propriedade, apesar de cada
nação ter um conceito legal seu, quando se fala de propriedade em qualquer parte do mundo,
não existe confusão. De igual modo quando se fala de direito de autor, entende-se um direito
de propriedade intelectual, que tem por objecto uma obra original ͞do domínio literário e
°ientífi°o, por algum modo exteriorizadas͟1.

Tentando oferecer um conceito universal de direito de autor que vá para além do


pleonástico "um direito que assiste ao autor de uma obra original͟, identificamos cinco
qualidades essenciais a ele. Primeiro a qualidade de direito potestativo, um direito cujo
respeito é exigível à generalidade das pessoas. Em segundo lugar, a criação em estatuto. A
existência do direito de autor depende de previsão legal; apesar do direito subjectivo existir a
partir do momento em que o autor cria ou regista uma obra (dependendo do regime) desse
facto só resulta um direito pela lei lha atribuir. O direito de autor entende também a garantia
da faculdade do autor administrar e dispor de uma obra, e por conseguinte a quarta qualidade
que é a transmissibilidade do direito, com certas restrições dependendo do regime. E por fim o
direito de autor tem carácter temporário, sendo o prazo estabelecido pelo estatuto que deu
origem ao direito. Muitos autores apontam também, como qualidade essencial a
territorialidade do direito de autor, contudo dados os esforços iniciados no século XX para
internacionalizar a protecção do direito de autor, como o acordo TRIPS e a criação da
Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI ou WIPO), acho que facilmente se
compreende um direito de autor internacional ou transfronteiriço.

1
Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, Art. 1º nº 1

4
Estas qualidades não nos oferecem contudo uma fórmula exaustiva para realidade
actual, nem da evolução do conceito, servem apenas como guia para a caracterização do
͞direito de autor͟. Passamos portanto para um olhar mais detalhado, ainda que breve, da
história dos direitos de autor como ramo do direito.

Evolução histórica das leis de direitos de autor

As origens do direito de autor contemporâneo, podem ser traçadas até aos séculos XV
e XVI, com a expansão da impressão na Europa, e os esforços por parte das Monarquias e a
Igreja Católica para controlar a disseminação do texto impresso, emitindo licenças de
impressão a textos que lhes eram favoráveis, e banindo aqueles que eram considerados
dissidentes ou heréticos. Essas licenças tinham a peculiaridade de atribuir ao seu detentor o
direito exclusivo de imprimir certa obra, por certo período de tempo, dentro da sua jurisdição.2
Dando assim início a uma prática legal de ͞°onstituição a favor de determinadas pessoas de
direitos ex°lusivos, ou monopolísti°os, de utilização e aproveitamento e°onómi°o͟3 de certos
bens intelectuais.

De início estes direitos eram atribuídos apenas aos impressores, não se podendo
verdadeiramente dizer que assistiam ao autor de uma obra. Esta realidade alterou-se com o
Copyright A°t of 1709, frequentemente designado ͞the Statute/A°t of Anne͟, que mudou a
ênfase da lei nos direitos do impressor para o autor, ao atribuir-lhe o ͞úni°o direito e liberdade
de imprimir livros͟4, marcando assim, o inicio dos direitos do autor.

O período que se seguiu ao ͞Estatuto de Anne͟ em Inglaterra e na Escócia, conhecido


como ͞A guerra dos livreiros͟ foi marcado por um surto de desacatos e litígios, que tinham por
objecto a oposição dos detentores de direitos criados pelo Estatuto à extinção dos mesmos
pelo decurso do tempo, e subsequente entrada no domínio público. De entre os litígios da
época destaca-se Donaldson v. Be° ett, que assentou por fim a questão da caducidade do
direito de autor na °ommon law, confirmando-a.5

De modo semelhante, em França no Século XVIII, houve uma série de debates quanto
à natureza e objecto dos privilégios reais de impressão, quando em 1761, um decreto do
2
Contemporary Intelle°tual Property, Law and Poli°y ʹ Hector MacQueen, Charlotte Waelde & Graeme
Laurie ʹ Oxford University Press 2008 ʹ p. 34
3
A Tutela Interna°ional da Propriedade Intele°tual ʹ Dário Mouta Vicente ʹ Edições Almedina, SA,
Coimbra 2008 ʹ p.15
4
Contemporary Intelle°tual Property, Law and Poli°y ʹ Hector MacQueen, Charlotte Waelde & Graeme
Laurie ʹ Oxford University Press 2008 - p.35 - tradução da citação do Copyright A°t of 1709
5
Ibid.

5
Conselho Real atribuiu aos herdeiros dos autores o privilégio de impressão apesar desse ser
originariamente atribuído ao editor/impressor. Desse debate resultou uma serie de decretos
reais em 1777 que atribuíam o privilégio ao autor, por um período mínimo de 10 anos, ou a
sua vida, (dependendo de qual durasse mais), e era aos herdeiros deste que se transmitia o
privilégio. A publicação por impressoras implicava a transmissão do privilégio, que nesse caso
não duraria mais que o prazo de 10 anos.

No período pós-revolução, os direitos de autor na França ficaram marcados pela


Declaração dos Direitos do Génio de 1793 (que veio em sequencia de várias ͞declarações͟
pomposas do regime revolucionário), que extraía o seu fundamento de filosofias
jusnaturalistas, e estendia o direito de autor aos compositores e artistas, indo além do mero
privilégio real no seu objecto; contudo exigia o depósito de uma cópia ou descrição da obra na
Bibliothèque Nacionale para que os direitos fossem eficazes,6 realidade que hoje apenas se
verifica nos regimes de °ommon law.

Pouco antes da ͞Declaração͟ em França, ocorrera do outro lado do Atlântico um


evento, de grande importância, que daria inicio à dinâmica legal que este ensaio pretende
analisar. Os Estados Unidos da América, ao incluir no seu texto constitucional, como objectivo
do congresso, promover o desenvolvimento das artes e das ciências, assegurando aos autores
direitos exclusivos temporários, tornou-se a primeira nação do mundo, a proteger
constitucionalmente os direitos de autor.7 Exemplo seguido por Portugal em 1826, com o Art.
145.º §24., e mantido desde então nas subsequentes constituições.

Marco verdadeiramente essencial à definição contemporânea do conceito de direito


de autor, é a Convenção de Berna para a Protecção de Obras Literárias e Artísticas de 1886,
que impôs aos signatários padrões mínimos de protecção dos direitos dos autores, sendo
convencionado: No seu Art. 2º uma extensa enumeração das categorias de obras, passíveis de
protecção, obras literárias, panfletos, coreografias, composições musicais, desenhos
arquitectónicos, esculturas ect͙ No Art. 3º critérios de elegibilidade para a protecção,
exigindo-se uma ligação aos territórios dos signatários (nacionalidade, residência ou primeira
publicação). E garantido ao autor, no Art. 5º, o respeito pela sua obra nos países signatários

6
Intelle°tual Property and Information Wealth: Copyright and related rights. - Peter K. Yu Greenwood
Publishing Group 2007 - p. 141ʹ142

7
Constitution of The United States of Ameri°a 1787 ʹ Art. I §8, Cls. 8

6
que não o seu, na mesma medida que as obras dos autores nacionais são protegidos.8 Não se
bastando com a atribuição aos direitos de autor, de definição e protecção transfronteiriça, a
Convenção de Berna é igualmente importante por oferecer critérios de excepções aos direitos
de autor.

No nº (2) do Art. 9º da Convenção, está previsto que caberá à legislatura de cada país
permitir a reprodução da obra (sem o consentimento do autor), em certos casos especiais,
desde que essa autorização não conflitue com a normal exploração da obra, nem lese
irrazoavelmente os interesses legítimos do autor.9 Ficando assim consagrado o triplo-°ritério
hoje conhecido como o ͞three-step test͟, que apesar de pouco rigoroso, tem servido de base
para a orientação da excepções legais tanto nos sistemas de °ommon law, como nos de direito
°ivil.

Já no século XX, o desenvolvimento do direito de autor, como ramo de direito não só


continuou o seu crescimento, como pode-se dizer que efectivamente acelerou, com o
progresso das tecnologias de comunicação, havia um mercado crescente de troca de obras
protegidas. Face a esta realidade as varias nações do mundo continuaram a desenvolver as
suas leis nacionais, não só os países de tradição °ontinentalista como a França e a Alemanha,
mas também no °ommon law se viu progresso com os Copyright A°t(s) de 1911, e 1957 (que
visou proteger o que designamos por ͞direitos °onexos͟ na tradição °ontinentalista). Mas o
período fica marcado pelos desenvolvimentos a nível internacional, com a criação da OIPI
(WIPO) em 1967, o Tratado das Comunidades Europeias, que levou a esforços de
uniformização e modernização das legislações dos estados membros, e por fim a celebração
do tratado TRIPS (Trade-related Aspects of Intellectual Property Rights) em 1994.10

8
International, United States and European Intele°tual Property, Sele°t Sour°e Material ʹ F. Scott Keiff &
Ralph Nack, Aspen Publishers 2007-2008 ʹ p.269 ʹ 271 Berne Convention for the prote°tion of literary
and artisti° wor s
9
Ibid., p. 272
10
Contemporary Intelle°tual Property, Law and Poli°y ʹ Hector MacQueen, Charlotte Waelde & Graeme
Laurie ʹ Oxford University Press 2008 ʹ p. 38 - 39

7
Fundamentos Filosóficos dos direitos de autor

Por trás dos desenvolvimentos legais do direito de autor está uma serie de escolas de
pensamento filosófico, que procuraram justificar a necessidade de tutelar os frutos da mente
humana. Alguns por acreditarem ser um direito inalienável da pessoa poder dispor dos
resultados do seu labor intelectual, outros por entender que o comércio das ideias era o único
incentivo à formação e propagação.

Tem sido dito, que o Estatuto de Anne, discutivelmente a primeira provisão legal do
mundo a atribuir direitos de autor, é um reflexo das teorias filosóficas da época, em particular
as de John Locke. Locke defendia que o homem tinha o direito natural de dominar as coisas, e
a colher os frutos do seu trabalho, e que o respeito por esses direito era de interesse público.
Tem persistido no °ommon law (em particular no Reino Unido) a ideia de que o °opyright
pertence a aquele que dispense ͞trabalho, dis°ernimento ou perí°ia͟ (any real exer°ise of
labour, judgement or s ill)11 na criação da obra. Contudo não é apenas do Jusnaturalismo do
século XVII que o °ommon law retira legitimidade para o °opyright, sendo patente nas
motivações do °ommon law Americano a influência do Utilitarismo Hedonista.

Quando os autores da Constituição Americana decidiram incluir, como


objectivo do congresso, o desenvolvimento das artes e da ciência por meio de incentivos
económicos, as preocupações deles não era tanto filosófica como prática. A jovem nação
Americana precisava de atrair o trabalho e os conhecimentos de especialistas do continente,
para assegurar que poderia concorrer com as potencias Europeias em todos os domínios da
mente e sobreviver. É das obras de Jeremy Benthem, que retira a ideia de que o poder
soberano pode, e deve, tomar medidas para assegurar que a sociedade viva em situação
matematicamente óptima de felicidade. E é este pensamento económico que inspirou muitas
das medidas tomadas pelos autor e legisladores do período revolucionário Americano, que em
verdade iam contra as convicções de alguns dos ͞Founding Fathers͟, Thomas Jefferson
escrevendo a Isaac McPherson disse:

͞If nature has made any one thing less sus°eptible than all others of ex°lusive property, it is the
a°tion of the thin ing power °alled an idea, whi°h an individual may ex°lusively possess as long as he
eeps it to himself; but the moment it is divulged, it for°es itself into the possession of every one, and the
re°eiver °annot dispossess himself of it. Its pe°uliar °hara°ter, too, is that no one possesses the less,
be°ause every other possesses the whole of it. Y

11
A Tutela Interna°ional da Propriedade Intele°tual ʹ Dário Mouta Vicente ʹ Edições Almedina, SA,
Coimbra 2008 ʹ p. 40 ʹ Citando ʹ G. A. Cramp & Sons, Ltd., v. Fran Smythson, Ltd.,1994 A.C. 329.

8
That ideas should freely spread from one to another over the globe, for the moral and mutual
instru°tion of man, and improvement of his °ondition, seems to have been pe°uliarly and benevolently
designed by nature, when she made them, li e fire, expansible over all spa°e, without lessening their
density in any point, and li e the air in whi°h we breathe, move, and have our physi°al being, in°apable
12
of °onfinement or ex°lusive appropriation. Inventions then °annot, in nature, be a subje°t of property."

Note-se ainda que o restante conteúdo da carta é revelador das reservas que Jefferson
tinha quanto à ideia de propriedade intele°tual, não obstante tê-la defendido no ͞Congresso
Continental͟, referindo que para além da Inglaterra, que imitaram (os ͞Founding Fathers͟),
não conhecia de nenhum país do mundo que atribuísse em lei geral, monopólios sobre ideias,
que tal apenas acontecia em casos excepcionais, que eram motivo de transtorno e embaraço;
e que não obstante a falta desses monopólios, esses países não eram menos prolíficos nem em
artes nem engenhos tecnológicos.13

Como transparece pelos comentários de Jefferson, o continente Europeu, desenvolveu


os seus monopólios de exploração das ideias mais tarde, e possivelmente em resposta ao que
se verificava em Inglaterra e nas Colónias Americanas. Contudo o ͞droit d͛auteur͟ (como é
frequentemente designado o direito de autor continental) procurou legitimidade conceptual
não nas filosofias anglo-saxónicas mas no Jusnaturalismo continental, caracterizado pelo
Iluminismo Revolucionário de Finais do século XVIII. O fundamento continental para o direito
de autor, não é que ele seja fruto do trabalho da mente, mas que é uma das expressões
máximas da personalidade, sendo os frutos da mente, extensão da personalidade, e resultado
do desenvolvimento pessoal do ser humano.

Assim permaneceram as coisas durante a primeira metade do século XX, não se tendo
posto em causa a moralidade ou a legitimidade dos monopólios de exploração dos bens
intelectuais, até surgirem dois fenómenos que servem de instigadores para a moderna
corrente do anti-°opyright. O primeiro fenómeno é o da globalização, em particular quando
falamos da opinião da °omunidade interna°ional/mundial, os fenómenos de pobreza e doença
nos países menos industrialmente desenvolvidos levou a que se questionasse a moralidade da
protecção internacional de patentes; e a proliferação dos meios de comunicação digitais, como
a internet e as redes electrónicas, ao facilitar a disseminação das ideias, sem necessidade de
aceder aos meios convencionais de distribuição.

12
Carta de Thomas Jefferson para Isaac McPherson, 13 Agosto 1813
13
Ibid.

9
Entrarei em maior detalhe nas posições filosóficas contemporâneas, contrárias aos
direitos de autor, em particular as ideias de Jorge Cortell, académico e activista anit-°opyright,
na parte final deste ensaio.

Regimes contemporâneos - as diferenças entre o


Copyright e o Droit D͛Auteur:
Como referi na introdução, e alias se percebe pela sua evolução historicamente
paralela, o °opyright e o direito de autor, ou droit d͛auteur, são duas realidades jurídicas que
apesar de incidirem sobre o mesmo objecto, com qualidades muito semelhantes, são ao
mesmo tempo muito diferentes quanto aos seus efeitos, e modos de operação. Sendo esta
uma questão tecnicamente complexa, e passível de inspirar por si só debates, tentarei expor
as principais diferenças das duas tradições de forma sintética, resumindo a exposição feita
quanto a esta questão, por Dário Moura Vicente no §5º I da sua obra A Tutela Interna°ional da
Propriedade Intele°tual.

A primeira diferença que identificamos entre as duas tradições, e uma das mais
importantes, é a da titularidade do direito de autor. Os regimes de °opyright permitem que o
titular do direito, não seja o autor material da obra, podendo ser o seu empregador, ou
financiador. Nos sistemas continentais, o direito de autor, é, salvo convenção em contrário,
pertencente ao autor, mesmo que a obra seja criada no exercício da actividade laboral, e
mesmo que o contrato de trabalho preveja que o direito fique na titularidade do empregador,
os direitos morais (paternidade da obra, integridade da obra etc͙) do autor são inalienáveis.14

Outra diferença é o obje°to da prote°ção jusautoral, em particular no desenvolvimento


do critério da criatividade para a identificação da obra. Na tradição anglo-saxónica é protegida
͞qualquer expressão do pensamento que não °onstitua °ontrafa°ção de outra obra, e seja
resultado de um investimento de trabalho ou °apital15͟, não existindo, como nas patentes, um
requisito de inovação. No direito civil exige-se que a obra seja original, vai-se além do requisito
do labor e da ausência de plágio, impondo que a obra deve necessariamente conter algum
͞reflexo da personalidade do autor͟, ou seja, que represente o desenvolvimento da sua
personalidade.16

14
A Tutela Interna°ional da Propriedade Intele°tual ʹ Dário Mouta Vicente ʹ Edições Almedina, SA,
Coimbra 2008 ʹ p. 37
15
Ibid., p. 39
16
Ibid., p. 39 - 42

10
Também se distingue entre o °opyright e o droit d͛auteur a diferenciação dos direitos
morais e materiais do autor, que para os países de °ommon law é um desenvolvimento
recente, com poucos ou nenhuns efeitos, não indo para além do direito à paternidade,
integridade e preservação da obra, e muitas vezes na prática nem se verificando a tutela eficaz
desses. Já para os regimes como o Português, Francês e Alemão, a diferença entre os direitos
morais e matérias do autor é da maior das importâncias, começando pela inalienabilidade dos
direitos morais, seguido de um leque maior de faculdades de tutela desse direito, como por
exemplo o direito de retirada ou arrependimento previsto nos Arts. 62.º e 114.º do Código dos
Direitos de Autor (CDRDC). Quanto aos direitos materiais as diferenças entre uma tradição
legal e a outra mantêm-se pela ênfase por parte do direito civil no autor, e na protecção deste,
presumindo-o sempre como titular do direito, e oferecendo mesmo um direito material
irrenunciável, a sequência, pela qual o autor receberá sempre uma fracção dos lucros da
comercialização da sua obra.17

A nível de direitos matérias verificam-se também diferenças quanto à °ontratação


relativa a obras protegidas, e a gestão °ole°tiva dos direitos de autor, podendo se resumir
simplesmente, que no continente impõem-se limites e restrições a estas práticas com o
objectivo te proteger os interesses dos autores, ao paço que nos sistemas de °ommon law,
ainda reina uma filosofia de laissez faire capitalista. A duração do direito de autor também foi
em tempos um ponto diferenciante, mas hoje em dia encontra-se harmonizado, como efeito
das sucessivas convenções sobre a matéria. 18

Quanto às excepções ao direito de autor, a diferença principal reside na existência de


um princípio de numerus °lausus, nos sistemas continentais, como se pode verificar no caso
Português nos Arts. 75º e seguintes do CDRDC, ao paço que os tribunais anglo-saxónicos
tendem a reger-se pela jurisprudência e a aplicação do ͞three-step test͟ introduzido pela
Convenção de Berna, que resulta num conceito abstracto conhecido por fair use/dealing. De
entre as excepções possíveis, há uma que merece destaque, a °ópia privada, que em bom rigor
pode nem ser uma excepção se entendermos que o monopólio do direito de autor não se
estende para além da primeira transmissão comercial do formato físico que contem a obra,
não se sujeitando portanto os direitos de disposição e administração dos proprietários do
formato físico à vontade do autor. Refiro esta figura porque é da maior das importâncias para
a resolução dos problemas originados pelo aparecimento das redes de partilha de informação,
17
A Tutela Interna°ional da Propriedade Intele°tual ʹ Dário Mouta Vicente ʹ Edições Almedina, SA,
Coimbra 2008 ʹ p. 42 - 49

18
Ibid., p. 49 -50

11
mas é apenas reconhecida nos sistemas °ontinentais, sendo completamente estranho ao
°ommon law.

Resta ainda referir que na generalidade dos regimes já não é exigido qualquer acto
formal para que o autor esteja protegido pela lei não há requisito de fixação da obra; a
excepção mais notável sendo os EUA, e que o °ommon law não autonomiza os direitos
conexos, considerando-os matéria de copyright especial. As restantes diferenças de regime
dizem respeito às leis gerais dos países, a nível civil e penal, não sendo portanto essenciais à
matéria em causa.

12
Direito Constitucional e Direitos
Fundamentais
Introdução

A constituição de qualquer país, é necessariamente um texto do maior relevo, se para


mais ninguém pelo menos para os juristas do regime que ela ordena. É portanto
compreensível, que no estudo dos modernos fenómenos de direito, cultural, de propriedade
intelectual ou qualquer outro; o observador atento se preocupe com o conteúdo das
constituições, tendo sido essa preocupação que inspirou a elaboração deste ensaio.

A Constituição da Republica Portuguesa de 1976 pode ser caracterizada pela sua forte
influência humanista, kantiana, mesmo que moderada ao inicio por influencias marxistas,
resposta natural ao estado autoritário que antecedera a Republica, a Constituição no seu
estado actual é um texto exemplar de preocupação por parte de um estado com os interesses
colectivos da sociedade que regula, e com os direitos fundamentais dos seus cidadãos.

Direitos Fundamentais

͞Posições jurídi°as a°tivas das pessoas enquanto tais, (͙), assentes na Constituição
(material ou formal).͟19É assim que Jorge Miranda sintetiza o conceito de direito fundamental,
conceito requer alguma atenção e cuidado no seu tratamento.

No estudo dos direitos fundamentais, eles têm sido abordados atendendo a duas
dimensões distintas, cada uma com as suas próprias considerações e evoluções dogmáticas.
Trataremos em primeiro lugar das teorias do direito subje°tivo públi°o, e posteriormente o
prin°ípio jurídi°o obje°tivo, importando antes referir que ambos conceitos servem para definir
o direito fundamental, não sendo necessariamente incompatíveis uma com a outra.

Direito Subjectivo Público

É na Alemanha que se começa abordar os direitos fundamentais como direitos


subjectivos públicos, esta ideia surge em resposta ao jusnaturalismo da Revolução Francesa. O

19
Manual de Direito Constitu°ional, Tomo IV, Direitos Fundamentais, 4ª Edição ʹ Jorge Miranda ʹ
Coimbra Editora, 2008 ʹ p. 9

13
debate inicia-se com a adopção por parte Gerber, de uma tese positivista, que vê os direitos
subjectivos públicos como ͞mero reflexo do poder do Estado͟.20 Posição diferente adoptou
Jellinek que considerou que o direito público, criado pelo estado, era não só do interesse desse
mas do sujeito individual, e que por virtude da relação entre a pessoa e o estado se admite
que o indivíduo possa ter pretensões junto do Estado.21

Filhos desse debate surgiram as três principais teorias de definição do direito


subjectivo público, a primeira das quais é proposta por Ottmar Bühler que apresenta como
͞°ondições de existên°ia de um direito subje°tivo públi°o, ͙ uma norma jurídi°a vin°ulativa, a
intenção legislativa de prote°ção de interesses individuais,͟ e ͞a °onsagração de meios de
tutela jurisdi°ional͟22 para a tutela desses interesses. A posição de Bühler sofreu algumas
revisões às mãos de Otto Bachof, que limita o requisito da intenção legislativa de prote°ção,
pedindo apenas que da lei se extraia um direito subjectivo, dizendo que há um direito
subjectivo em ͞qualquer vin°ulação jurídi°a [que] proteja simultaneamente interesses públi°os
e privados͟23. Por fim Harmut Bauer apresenta uma teoria distinta, da norma de prote°ção,
que a protecção dos interesses dos particulares decorrer dos direitos fundamentais, que
servem de medida de interpretação e protecção das pessoas perante o Estado.24

Princípio Jurídico Objectivo

Na sua dimensão objectiva, os direitos fundamentais têm três funções principais: servir
como normas de °ompetên°ia negativa, proibindo o poder publico de limitar um direito
existente; oferecer °ritérios de interpretação e °onformação da ordem jurídica, impondo aos
actores do direito a seguir certa orientação dogmática na sua abordagem dele; e finalmente
ter natureza prospe°tiva/programáti°a, orientando as actuações dos poderes públicos no
sentido de tornarem acessível à sociedade um certo bem jurídico.

Alcance e sentido do Art. 42º da CRP

A liberdade de criação cultural é um princípio constitucional, e direito fundamental,


que demonstra claramente a preocupação do legislador constituinte com matérias da maior

20
Ibid., p. 63
21
Manual de Direito Constitu°ional, Tomo IV, Direitos Fundamentais, 4ª Edição ʹ Jorge Miranda ʹ
Coimbra Editora, 2008 ʹ p. 63-64
22
A Cultura a que tenho Direito, Direitos Fundamentais e Cultura ʹ Vasco Pereira da Silva ʹ Edições
Almedina Coimbra 2007 ʹ p. 116
23
Ibid., p. 117
24
Ibid., p. 118

14
importância social, que mesmo assim são frequentemente ignoradas noutros ordenamentos
jurídicos. Ela compreende essencialmente a garantia da autonomia pessoal de
desenvolvimento intelectual e cultural das pessoas, e o respeito pelo Estado dessa autonomia.

A criação cultural é um acto ͞indisso°iável da liberdade de expressão͟25, se a ͞cultura͟


como conceito diz respeito a noções estéticas e hábitos de determinado grupo de pessoas,
compreende-se que na partilha dessas ideias as pessoas se expressem, e precisem de o fazer
sem medo de repressão por parte do Estado ou qualquer outro ente com poder suficiente para
os censurar. Podemos portanto ver o nº1 do Art. 42º como um desenvolvimento, ou uma
garantia expressa, de que o respeito pela liberdade de expressão (Arts. 1º, 2º, 26º, 37º, etc͙
da CRP) engloba também o respeito pela criação cultural. Consequência necessária desta
garantia é igualmente a liberdade de acesso e fruição cultural assegurada nos Arts. 73º e 78º,
porque ͞só pode °riar °ultura quem fruir °ultura͟26, que se relaciona também com os direitos
de a°esso à edu°ação e livre desenvolvimento da personalidade.

Começando já a preparar a exposição do tema fulcral deste ensaio, consideremos


brevemente as implicações da última parte do nº2 do Art. 42º, que surge segundo Jorge
Miranda e Rui Medeiros como ͞°orolário do direito de invenção, produção e divulgação da
obra °ultural͟27, e em toda a verdade não posso negar a relevância da protecção dos direitos
de autor à dinâmica da criação cultural, mas discordo da legitimação oferecida por estes
autores quanto à íntima ligação dos direitos de autor à liberdade pessoal de criação, pelo
menos na medida em que ela seja consequência necessária do exercício dessa liberdade, e
apesar de concordar com a interpretação do nº2 do Art. 42º, em que entendem que ele
abrange tanto os direitos morais como patrimoniais de autor, acho que essa solução é, por
motivos expostos na parte seguinte deste trabalho, excessiva.

25
Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 1ª Edição ʹ Jorge Miranda e Rui Medeiros ʹ Coimbra
Editora, 2006 ʹ p. 453
26
Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 1ª Edição ʹ Jorge Miranda e Rui Medeiros ʹ Coimbra
Editora, 2006 ʹ p. 453
27
Ibid., p. 454

15
Crítica:
O texto do Art. 42º nº 2 da CRP apresenta-nos principalmente dois problemas.
Primeiro ao referir-se simplesmente à ͞prote°ção legal dos direitos de autor͟, não oferece
qualquer baliza conceptual quanto ao conteúdo nem a forma de protecção que esses direitos
devem tomar. É igualmente constitucional um regime que apenas proteja os direitos morais,
de forma semelhante aos direitos de personalidade protegidos pelo Código Civil entre os
artigos 70º e 81º, como é um regime como o actual que protege tanto os direitos morais como
patrimoniais28, e olhando apenas para o Art. 42º sem tomar em conta o restante texto
Constitucional, também seria possível um regime de °opyright, em que os direitos de
personalidade do autor não são, ou são mal tutelados. O único regime que a CRP não admite é
a inexistência dos direitos de autor. Que constitui o segundo problema que eu identifico com a
parte final do Art. 42º, que é a norma fundamental do sistema jurídico Português, exigir,
expressamente, a tutela de um sub-ramo dos direitos de propriedade intelectual, sem se quer
exigir a protecção dos demais! Perguntar-se-á, qual é o mal? Em que medida fica a sociedade
Portuguesa, e a ordem jurídica transtornada por tal exigência? Abordemos portanto essa
questão.

A primeira parte do Art. 42º, o nº1, é a expressão constitucional do princípio da


liberdade de criação cultural, um direito que compreende a garantia de que o estado não
limitará a capacidade dos cidadãos de produzir cultura, nem permitirá, dentro do possível que
essa capacidade seja limitada por outras entidades. Este princípio, nada mais é que um
afloramento da Liberdade de Expressão, liberdade essa que compreende a faculdade dos
cidadãos exprimirem publicamente os seus pensamentos sem estarem sujeites a restrições
pelo Estado, a diferença no direito de criação cultural reside apenas no facto dessas
expressões terem como conteúdo questões estéticas ou técnicas, que dizem respeito uma
certa ͞arte͟ ou área do saber. No nº 2 do Art.42º, a Constituição procura inicialmente oferecer
uma lista exemplificativa de realidades que cabem no conceito de ͞°riação °ultural͟, e só na
parte final é que faz referência aos direitos de autor. Porquê? É consequência lógica da
liberdade de expressão, que a ideia expressa por uma pessoa seja passível de apropriação? Ou
de constituir a titularidade de um monopólio de exploração económica sobre essa expressão?
Lembremos que ao assegurar a um indivíduo a faculdade de administrar e dispor

28
Posição defendida pelos Profs. Jorge Miranda e Rui Medeiros ʹ Constituição Portuguesa Anotada,
Tomo I, 1ª Edição ʹ Jorge Miranda e Rui Medeiros ʹ Coimbra Editora, 2006 ʹ p. 454

16
exclusivamente de certa coisa, estamos necessariamente a retirar das demais pessoas essas
faculdades. Mas a ideia não é passível de ser delimitada, é o resultado de reacções
electroquímicas de um órgão do corpo humano, que se reproduz com a mera expressão para
outro ser humano desse resultado! Já na minha exposição da filosofia do direito de autor
apresentei como exemplo a opinião de Thomas Jefferson quanto a esta questão, que chegava
a uma conclusão semelhante à que apresento. Aliás é um dado sabido na ciência dos direitos
de autor que a ideia é um bem universal29 e ubíqua30. A nível de coerência constitucional
pergunto como é possível que no mesmo texto, se garanta a todos a liberdade de usufruir dos
bens culturais, e ao mesmo tempo dizer que eles são passíveis de ser egoisticamente
monopolizados? E mais, como é possível que no mesmo artigo se garanta a liberdade de criar,
e se exija a protecção de um conceito indeterminado, que levada ao extremo cria situações de
limitação violenta do acesso à cultura, e às bases necessárias para a criação de mais cultura?

Perante estas criticas, de cariz picuinhas quanto à letra da Constituição, e marxistas


quanto ao património intelectual, certamente que muitos defenderam que o regime nacional,
não consagra a ditadura da autonomia privada como acontece nos sistemas de°ommon lawI,
que as excepções aos direitos de autor, previstos no CDRDC são em larga medida adequados,
que os direitos de autor são o único modo de sustento para muitos dos autores, que a
produção cultural do país ficaria enfraquecida sem esta tutela, e que existe evidentemente um
direito natural de dispormos dos frutos da nossa mente. Ao que eu respondo: Não.

A crítica que se pretende fazer, com este texto, à norma constitucional de protecção
dos direitos de autor, não se limita à sua gramática ou sintaxe, mas estende-se para o seu
conteúdo, criticando a posição adoptada pelo legislador constituinte com base em princípio.
Princípio esse que não se fundamenta em posições extremistas de colectivismo patrimonial,
mas na experiencia, e na realidade observável dos mercados de bens culturais, e na analise das
consequências que a abolição do direito subjectivo do autor poderiam ter.

Em 2004, Jorge Cortell, professor da Universidade Politécnica de Valência, e activista


anti-°opyright, deu uma palestra para uma audiência na Stranford Law School, no qual cita
uma pesquisa por ele efectuada num encontro de entusiastas de computadores. Nessa lan-
party, Cortell procurou averiguar, que tipo de conteúdos eram partilhados pelos participantes
na rede criada para o evento, e relacionou-as com dados de vendas de bens sujeites à
protecção de direitos de autor, em Espanha. Cortell descobriu, que entre os cerca de 4000

29 29
A Tutela Interna°ional da Propriedade Intele°tual ʹ Dário Mouta Vicente ʹ Edições Almedina, SA,
Coimbra 2008 ʹ p.14-17
30
Ibid., p. 17-18

17
participantes do evento31, os dados trocados eram constituídos em 20% por obras originais,
dos próprios participantes, 30% obras que não estavam disponíveis no mercado Espanhol, e
34% já eram de domínio público.32 Admitindo que uma amostra de entusiastas do mundo
digital não é representativa da sociedade no geral, Cortell ainda apresenta dados quanto ao
consumo bens culturais, e o tráfego supostamente ilícito de bens culturais, em Espanha. Em
2003, terão sido descarregados em Espanha 10 milhões de filmes, e 200 milhões de músicas da
internet, sem o consentimento expresso dos seus autores, ao mesmo tempo, os Espanhóis
compram em média 1,8 CDs por ano, face à média ͞mundial͟33 0.56 CDs; gastam 15,57Φ em
formatos físicos de música, face à média de 5,61Φ por ano. Cortell defende que aqueles com
mais consomem cultura por via digital, mesmo que ilegítima, serão sempre, igualmente, os
que mais bens culturais adquirem pelo comércio físico. Se os dados por ele apresentados
forem de facto precisos, e se tiver mantido a tendência de consumo cultural gera consumo
cultural, estaríamos perante a prova de que a utilização de formatos digitais não afecta as
vendas de bens culturais em formato físico. Consideremos exemplos mais próximos de casa,
(não que Valência fique longe).

Entre 1998 e 2008 qual foi o saldo de lojas fna° abertas em Portugal? O grupo Francês
abriu a primeira loja em Fevereiro de 1998, no Centro Comercial Colombo, em Lisboa, previa-
se apenas a abertura de duas lojas em todo o país, no fim de 2008 havia 12.34 Repare-se, o
crescimento de um franchise cujos principais objectos de venda são bens de propriedade
intelectual. Livros, musica, cinema, televisão, posters, a fna° é das marcas que mais cresceu
em Portugal num período marcado pelo surgimento da ͞pirataria͟ digital. Mesmo atendendo à
magnitude do comércio de electrodomésticos e outros bens de consumo, a área de loja, que o
grupo fna° dedica à cultura é prova de que essa é uma área lucrativa para a loja. Haverá
menos vendas de formatos físicos por causa da ͞pirataria͟?

Os dados da RIAA (Record Industries Association of America), efectivamente mostram,


entre 1999 e 2008, uma quebra na venda de CDs, e a redução do valor capital da indústria

31
A Espanha é o país com os maiores eventos de rede, lan-party, do mundo. É também um dos países
que se considera ter um dos maiores ͞problemas͟ de ͞pirataria͟.
32
Discurso de Jorge Cortell na Stanford Law School ʹ a 14 de Setembro de 2004 ʹ acedido pelo no antigo
site pessoal de Cortell -
http://homepage.mac.com/jorgecortell/blogwavestudio/LH20041209105106/LHA20050520091532/ind
ex.html
33
É possivel que Cortell quisesse citar uma média Europeia, ou de uma selecção de países
industrialmente desenvolvidos, a estatística é apresentada no contexto de uma palestra e não foi
possível confirmar a sua veracidade. (O rigor dos dados apresentados por Cortell é referido no corpo
principal do ensaio.)
34
http://www2.fnac.pt/Magazine/entreprise_fnac/qui_est_fnac.asp?bl=HGACfoot Site do grupo fnac
Portugal.

18
discográfica nos Estados Unidos, será que a ͞pirataria͟ é culpada?35 Os dados da RIAA mostram
ao lado da descida no consumo de CDs uma visível subida na aquisição de singles, vinis, e
downloads legais. Portanto não se pode dizer que seja necessariamente na internet que as
pessoas procuram toda a sua música, e portanto já não compram CDs, há que considerar que
as empresas discográficas também têm produzido menos CDs, e os preços desses têm
aumentado. A redução da oferta só por si traduzir-se-á em menos consumo, junto ao aumento
dos preços do bem o consumo deixa de ser viável para muitas pessoas. E a redução do valor da
indústria, pode facilmente ser ligada ao facto de empregarem menos pessoas, e precisarem de
menos fábricas, quer pelo avanço das tecnologias de produção, quer pela mudança do foco do
mercado para transacções online.36

Mudando agora a nossa atenção para lá da indústria musical, pensemos nos livros,
visto que é aqui que o nosso problema começou. Arrisco-me a dizer, sem qualquer
fundamento estatístico, que quase todos os alunos do ensino superior Português, não
terminarão a licenciatura sem se auxiliarem de um livro fotocopiado às escondidas numa
qualquer reprografia da cidade em que estudam.

Apesar de ser lícita a cópia de fracções, ou mesmo a totalidade de um livro dentro dos
limites da cópia pessoal e das excepções do regime nacional37, ou seja, não resultar no lucro
ilegítimo de qualquer agente, a realidade é que é mais prático para os alunos (quiçá para
alguns pesquisadores) obter uma cópia inteira de uma reprografia, pagando apenas o papel, a
tinta e o trabalho necessários à contrafacção, do que pessoalmente copiar o livro ou investir
cinco ou seis vezes esse preço na aquisição de um exemplo lícito. E apesar desta realidade, os
livros pedagógicos não deixam de esgotar nas livrarias especializadas semestre após semestre,
as diversas Editoras do país não se podem queixar de falta de vendas com o número de alunos
matriculados no ensino superior.

Como podemos apreender, os argumentos económicos, para a manutenção dos


direitos de autor materiais, e o copyright, não parecem encontrar reflexo na realidade do
mercado. Os fenómenos de contrafacção e ͞pirataria͟ não afectam os seus lucros. Isto leva-
nos agora a considerar o ponto mais controverso desta exposição que é o dos autores. Os
argumentos até agora apresentados dizem respeito à saúde financeira das pessoas colectivas
que produzem e distribuem os bens culturais. Contudo há que considerar que é uma realidade
bastante diferente a da remuneração dos autores, e a da medida dos seus direitos morais.

35
Anexo 1 ʹ Retirado dos Arquivos Online da RIAA
36
Ibid.
37
Art. 75º e seguintes do Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos

19
Por que é que o autor não pode guardar para si a sua obra? Porque é que não pode
lucrar da sua criação? A minha resposta a estas perguntas é pode! Mas não nos moldes do
regime actual.

A protecção de uma ideia expressa, nunca irá ver-se livre, das dúvidas filosófico-
jurídicas que se têm levantado desde o inicio dos direitos de autor, as palavras de Jefferson
não serão menos verdadeiras daqui a dez anos do que são hoje, ou foram no dia emque ele as
escreveu. É certo, que todo autor, eu incluído (como musico amador, estudante e agente
cultural), quer receber reconhecimento e remuneração pelos seus esforços, mas essas
recompensas não têm de se prender com a apropriação de um bem incorpóreo, e a imposição
de deveres de respeito à sociedade. A paternidade de um autor face à sua obra, não é uma
consequência lógica do Art. 70º do Código Civil? O seu direito de protestar os ataques à sua
honra e bom nome, não ficam satisfeitos por essa figura? E o artista não se vê remunerado
quando actua? Ou quando expõe a sua obra? E não será do interesse das indústrias, contratar
com os autores para publicar as suas obras? Assiste sempre às pessoas o silêncio se não
pretendem partilhar as suas ideias. Podendo o produto de um eventual contrato ser protegido
pela mar°a, o design, ou os direitos industriais não tem o autor um meio de rendimentos? E
agora perguntarão então qual a diferença para com o regime actual?

Ao separar os direitos morais, dos direitos patrimoniais ligados ao bem cultural,


deixamos de admitir que seja possível um autor alegar que as ofensas às normas do comércio
de formatos físicos seja uma ofensa ao mesmo título, que é reflexo do seu ser. O único
interesse do autor quando intenta uma acção contra outrem deve ser o seu direito moral, não
o económico. O direito fundamental do autor, que deriva efectivamente do seu direito de
personalidade é o direito de que o seu génio seja reconhecido.

Quanto ao direito económico do autor, os direitos industriais aplicáveis aos bens


culturais diriam respeito apenas à concorrência entre produtores desse bem. Não teríamos
situações de produtoras musicais processarem realizadores de filmes amadores por utilizar
música sem licença, mas a editora A continuará a não poder publicar o livro da editora B.

Agora, podemos regressar à crítica do Art. 42º nº2 em especifico. A exigência por parte
da Constituição, de que se protejam os direitos de autor, sem dizer em que medida, leva-nos
inevitavelmente à crise que experienciamos hoje, com uma guerra de palavras entre aqueles
que acreditam na apropriação da ideia e aqueles que a rejeitam. Proponho portanto que nos
façamos valer de princípios mais importantes.

20
Se atendermos a juízos de proporcionalidade, e opusermos o direito do autor contra o
direito dos consumidores, podemos questionar se o regime actual é o mais adequado? Se é o
necessário? Se é proporcional numericamente? Quanto à adequação percebemos que o meio
actual é uma forma de proteger os interesses dos autores, contudo também há que admitir
que um sistema em que um artista ou banda de rock, de sucesso não receba em royalties em
toda a sua carreira, mas que o cache de cinco concertos38, realidade que não é exclusiva dos
sistemas de copyright. Atendendo à necessidade do meio, toda esta critica, é no sentido de
questionar se há se quer algo que seja necessário proteger, mas admitindo que o há, esses
interesses não podem, como eu sugeri, ser tutelados por outras figuras legais, sem onerar as
esferas jurídicas de todas as pessoas que não o titular do direito de autor? Não será preferível
a solução que admite a anarquia das ideias mas a ordem dos mercados? E por fim a
proporcionalidade stri°tu sensu. É verdade, que o direito de um, não pode ser tido como
inferior ao direito dos muitos, por virtude do seu número, mas a virtude do interesse
propriamente dito, é ponto de comparação. A qualidade do interesse do autor, contra a
qualidade do interesse da sociedade, representa um ponto em que podemos trabalhar.

O autor tem como interesse, que ninguém possa usar a sua ideia sem o seu aval, a
sociedade tem como interesse que as pessoas acedam a essa ideia para o enriquecimento
intelectual colectivo. A questão não se trata de um contra dez milhões, mas de autonomia
privada contra interesse público, e se nos lembrarmos que o direito em causa é por natureza
um direito atribuído por lei, em rigor um privilégio, uma ficção legal, deve ceder perante o
direito de fruição cultural das pessoas, como assegurado pelos Arts. 73º e 78º da CRP,
conjugados com o nº1 do Art 42º.

Em conclusão, o direito de autor é uma tentativa de apropriação de uma coisa


incorpórea, o direito de propriedade é por natureza ligado a um objecto físico. A tentativa de
analogia que se tem feito com a propriedade intelectual, de apropriar realidades incorpóreas,
é a raiz dos problemas que se tem levantado com a propagação da partilha de informações em
formato digital, e os fenómenos de plágio aparente com o sampling, e utilização de obras em
meios artísticos diferentes do original. O vício dos direitos de autor com o conceito de
propriedade é inclusive ligado à sua génese. Quando no século XV, se tentou atribuir
privilégios de impressão aos livreiros, fez sentido na altura, por estar em causa um objecto
físico, que continha informação, que se queria controlar. Esse controlo foi ordenado para
atender à realidade do objecto físico livro, o esforço não era de proteger a ideia expressa, ou a

38
Discurso de Jorge Cortell na Stanford Law School ʹ a 14 de Setembro de 2004 ʹ acedido pelo no antigo
site pessoal de Cortell ʹ falando de Bruce Springsteen

21
sabedoria do autor, mas sim o esforço e a lealdade do fabricante. O erro foi dessa situação
passar-se a achar que os autores do conteúdo dos livros é que mereciam tutela! Quando no
século XVIII se passou a proteger os autores, cometeu-se o erro de importar os conceitos do
direito de impressão.

Os direitos de autor, não são uma causa perdida. Ao contrário de Jorge Cortell acredito
que o primeiro paço a tomar é conceber um novo paradigma de direito de autor, que trata os
direitos morais do autor como completamente autónomos dos direitos económicos. Contudo a
provisão do nº2 do Art. 42º parece-me, pelos motivos antes expostos, excessivo e pouco
reflectido. Termino lembrando o leitor, que não existe uma ideia verdadeiramente original, tal
como todos os argumentos aqui apresentados já foram pensados por aqueles que vieram
antes de mim, todas as ideias na arte, na musica, e na ciência, retiram a sua inspiração da
experiencia colectiva da sociedade em que o autor age. E sem o enriquecimento cultural dessa
sociedade, ela não terá o capital cultural para gerar novos autores.

22
Bibliografia:
ȑ Contemporary Intelle°tual Property, Law and Poli°y ʹ Hector MacQueen, Charlotte
Waelde & Graeme Laurie ʹ Oxford University Press 2008
ȑ A Tutela Interna°ional da Propriedade Intele°tual ʹ Dário Mouta Vicente ʹ Edições
Almedina, SA, Coimbra 2008
ȑ O Direito de Autor e os Desafios da Te°nologia Digital ʹ Patrícia Akester ʹ Pincipia,
Publicações Universitárias e Cientificas, Cascais 2004
ȑ A Cultura a que tenho Direito, Direitos Fundamentais e Cultura ʹ Vasco Pereira da Silva
ʹ Edições Almedina Coimbra 2007
ȑ Manual de Direito Constitu°ional, Tomo IV, Direitos Fundamentais, 4ª Edição ʹ Jorge
Miranda ʹ Coimbra Editora, 2008
ȑ Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 1ª Edição ʹ Jorge Miranda e Rui Medeiros ʹ
Coimbra Editora, 2006
ȑ Intelle°tual Property and Information Wealth: Copyright and related rights. - Peter K.
Yu Greenwood Publishing Group 2007
ȑ International, United States and European Intele°tual Property, Sele°t Sour°e Material
ʹ F. Scott Keiff & Ralph Nack, Aspen Publishers 2007-2008
ȑ Legislação Sobre Direito de Autor, So°iedade da Informação, 1ª Edição ʹ José de
Oliveira Ascensão e Dário Moura Vicente ʹ Coimbra Editora, 2008
ȑ Ensaio Sobre a Interpretação das Leis, 2ª Edição ʹ Manuel A. Domingues de Andrade ʹ
Arménio Amado, Editor, Coimbra 1963
ȑ http://cortell.net/blog/ e
http://homepage.mac.com/jorgecortell/blogwavestudio/LH20041209105106/LHA200
50520091532/index.html- Site e blogue pessoal de Jorge Cortell, activista anti-
copyright.
ȑ www.riaa.com

23
Anexo I:

24

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