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O JUDICIÁRIO E O PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS

PODERES

I – INTRODUÇÃO

O acompanhamento da jurisprudência brasileira, seja em nível de


primeiro e segundo graus, seja em nível de tribunais superiores, tem revelado
que a função judicante, por vezes, tem sido chamada para resolver problemas
que em princípio estariam na esfera da competência de outros Poderes.
Tendo em vista que a concepção original do Poder Judiciário tal
como prevista por Montesquieu em tese não possibilitava essa prática, os
entes públicos comumente alegam em suas defesas que os pedidos contra si
formulados não podem ser atendidos pelo Poder Judiciário em face do princípio
da separação dos poderes/funções.
Essa ideia veio sendo cultivada por muitos anos, sendo fruto de
uma concepção positivista da época. Porém, a evolução do positivismo, que se
modernizou e reformou, possibilita ao juiz dos dias atuais não ser apenas a
“boca da lei”, passando a ter a legislação apenas como ponto de partida.
Foi nessa linha que a partir de 1999 a jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal começou a mudar.
Apreciando recursos extraordinários e pedidos de suspensão de
segurança de decisões do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul,
entendeu possível o Judiciário condenar o Estado a fornecer medicamentos
gratuitos a pessoas reconhecidamente carentes (RE 242-859-RS, RE 195-192-
RS, RE 267-212-RS). Em tais casos, a Suprema Corte determinava a
implementação de direitos sociais com base em leis estaduais que
regulamentavam o direito constitucional à saúde.
Em 2003, o STJ avançou na questão e determinou a inclusão de
verba no orçamento do município para reativar programa social.

STJ - MP. IMPLANTAÇÃO. PROGRAMA GOVERNAMENTAL.


TRATAMENTO. VICIADOS EM DROGAS.
A Turma, por maioria, proveu parcialmente o recurso do Parquet, para
compelir o ente municipal a incluir no seu orçamento verba suficiente
e indispensável para reativar, em sessenta dias, o programa
governamental de tratamento de dependentes de álcool e
toxicômanos (art. 88, II, do ECA e Resolução Normativa municipal n.
4/1997). Precedentes citados: REsp 63.128-GO, DJ 11/3/1996; REsp
169.876-SP, DJ 21/9/1998, e REsp 252.083-RJ, DJ 26/3/2001. REsp
493.811-SP, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 11/11/2003.

Em 2004, o Supremo Tribunal Federal sinalizou com o


entendimento de que o princípio da separação dos poderes não poderia ser
barreira à implementação de direitos fundamentais.

STF - Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental. A


questão da legitimidade constitucional do controle e da intervenção
do poder judiciário em tema de implementação de políticas públicas,
quando configurada hipótese de abusividade governamental.
Dimensão política da jurisdição constitucional atribuída ao Supremo
Tribunal Federal. Inoponibilidade do arbítrio estatal à efetivação dos
direitos sociais, econômicos e culturais. Caráter relativo da liberdade
de conformação do legislador. Considerações em torno da cláusula
da “reserva do possível”. Necessidade de preservação, em favor dos
indivíduos, da integridade e da intangibilidade do núcleo
consubstanciador do “mínimo existencial”. Viabilidade instrumental da
argüição de descumprimento no processo de concretização das
liberdades positivas (direitos constitucionais de segunda geração).
ADPF 45 MC/DF – Rel. Min. Celso de Mello. 29/04/2004.

A partir de tais decisões, a jurisdição ordinária passou a ter uma


indicação diferente sobre o tema e se viu de forma mais constante o
surgimento de sentenças e acórdãos julgando positivamente matérias que
antes se entendia estar apenas na esfera exclusiva dos outros Poderes.
Apesar de certa aceitação, a matéria não é pacífica, encontrando-
se ainda muita resistência dentro do Judiciário e, sobretudo, nas esferas do
Legislativo e do Executivo.1
Como já afirmado, nas contestações dos entes públicos a
infração ao princípio da separação dos poderes é o primeiro assunto ventilado
e sobre ele recai grande parte das discussões.
É importante, pois, estudar o referido princípio desde sua gênese
e saber se as decisões judiciais que de alguma forma interferem em atividades

1
A discussão travada a esse respeito não ocorre apenas no Brasil. Nos EUA, o assunto também é
extremamente polêmico. Ver, a respeito, ELY, John Hart. Democracy and distrust: a theory of judicial
review. 11. Imp. Cambrige: Harvard University Press, 1995, onde o autor aborda o assunto sob a ótica da
legitimidade judicial no controle das políticas públicas.
2
típicas dos outros Poderes estão ou não em consonância com o texto
constitucional.
Para tanto, pesquisar-se-á nos grandes pensadores as origens e
a evolução do princípio da separação dos poderes, concentrando as atenções
na Obra de Monstesquieu. Após, far-se-á uma análise nas decisões do
Supremo Tribunal Federal que, de algum modo, digam respeito ao tema para,
em seguida, se analisar a oportunidade em que tais decisões podem ser
proferidas.

II – O PRINCÍPIO DA TRIPARTIÇÃO DOS PODERES

Aristóteles, o primeiro a escrever sobre a tripartição dos poderes, afirma


que o governo é exercido por um poder supremo do Estado, tendo todo
governo três poderes.
Para o filósofo grego, as funções do Estado eram a consultiva, a função
judiciária e uma terceira função sobre assuntos da administração. A primeira
tratava das leis, sobre a guerra e a paz. A segunda dirimia as lides
provenientes das leis e à terceira cabia tudo que não estava dentro das outras
duas funções. Apesar da divisão de funções, era possível que um membro de
“poder” diferente exercesse ao mesmo tempo atribuições em outro
(ECHAVARRIA, 1981, p. 216).
A teoria de Aristóteles não ganhou a dimensão encontrada em
Montesquieu em face de seu caráter meramente filosófico, não existindo à
época uma necessidade de aplicação prática (RODRIGUES, 1995, p. 16). O
assunto era visto mais sob uma ótica acadêmica, não existindo ainda um
despertar para a aplicação concreta da divisão de funções.
John Locke, outro filósofo que tratou do tema, entendia haver três
Poderes que se convertem em dois. O Poder Legislativo, o Poder Executivo e o
Poder federativo. O Poder federativo era responsável pela guerra e paz nas
relações externas, mas tal Poder, segundo o pensador inglês, acabava na
prática sendo exercido pelo Executivo. Assim, existiam o Poder de fazer as leis
(Legislativo) e o de pô-las em prática (Executivo) (MACHADO, 1994, p. 82;
ECHAVARRIA, 1981, p. 219). Locke afirma que o Poder Legislativo é o poder
supremo em toda a sociedade civil (PELICIOLI, 2006, p. 25) e dentro de sua
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estrutura está incluído o Poder Judiciário. Assim como em Aristóteles, na
doutrina do filósofo inglês uma pessoa poderia exercer mais de uma função,
apesar de já antever que algumas delas não poderiam ser exercidas pela
mesma pessoa, a exemplo da de fazer as leis e executá-las (ECHAVARRIA,
1981, p. 220/221).
Aperfeiçoando o assunto, o pensador francês Charles Louis de
Secondat, o Barão de Brède e de Montesquieu, tratou sobre a matéria em seu
célebre O Espírito das Leis. Ao escrever sobre a liberdade, MONTESQUIEU
(1994, p. 163) asseverou:

A liberdade política só se encontra nos Governos moderados. Mas ela


não existe sempre nos Estados moderados. Ela só existe neles
quando não se abusa do poder.
Mas é uma experiência eterna que todo homem que tem poder é
levado a abusar dele. Vai até encontrar os limites. Quem diria! A
própria virtude precisa de limites.
Para que não possam abusar do poder, precisa que, pela disposição
das coisas, o poder freie o poder.

Para que não houvesse o abuso do poder, Montesquieu entendia que


este deveria se subdividir em três: a) o Poder Legislativo; b) o Poder Executivo
das coisas que dependem do direito das gentes e c) o Poder Executivo das
coisas que dependem do direito civil.
Para Montesquieu (1994, p. 165), “Estaria tudo perdido se um mesmo
homem, ou um mesmo corpo de principais ou de nobres, ou do Povo,
exercesse estes três Poderes”.
Em relação ao Judiciário, Montesquieu (1994, p. 165) acrescenta:

Também não há liberdade se o Poder de Julgar não estiver separado


do Legislativo e do Executivo. Se estivesse junto com o Legislativo, o
poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário: pois o
Juiz seria Legislador. Se estivesse junto com o Executivo, o Juiz
poderia ter a força de um opressor.
Assim, vendo o poder concentrado como uma oportunidade para que o
homem dele abusasse, Montesquieu concluiu que o separando em três, com
funções próprias, poder-se-ia chegar ao equilíbrio (CLAUS, 2005, p. 09;
EGAÑA, 2009, p. 34/35).

III – O PODER JUDUCIÁRIO EM MONTESQUIEU

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O Poder Judiciário era tido como um Poder Executivo, já que lhe cabia
apenas aplicar a lei. O juiz era a “boca da lei”, não lhe cabendo interpretar ou
inovar, mas simplesmente fazer aplicar a lei. Afirma Montesquieu (1994, p.
176): “Mas os Juízes da Nação, como dissemos, são apenas a boca que
pronuncia as palavras da lei; seres inanimados que não lhe podem moderar
nem a força, nem o rigor”.
Segundo o pensador francês, o Poder Judiciário é neutralizado em si
mesmo, enquanto o poder de legislar e o Executivo se neutralizam em razão
das funções que dispõem.
Tendo em vista que a lei correspondia ao produto do trabalho do Poder
Legislativo – fruto da democracia representativa – não poderia o Judiciário
desvirtuar a lei, já que ela era decorria do povo. O Legislativo interpretava o
“espírito” (os anseios) da sociedade e criava as leis.
A idéia de obediência irrestrita à lei, marco da Escola da Exegese, foi
perdendo força com o tempo. Como bem demonstra Edilson Nobre (2006, p.
114), essa transformação começou com Portalis que, com seu Discurso
Preliminar, quando da elaboração do Código Civil, defendeu que a lei não era a
única fonte do direito.
A função interpretativa e criativa do juiz foi evoluindo e ganhando
espaço, tendo no direito norte-americano um de seus principais exemplos.
O poder de veto do Judiciário através da decretação de
inconstitucionalidade não consta na teoria de Montesquieu e também foi fruto
dessa evolução. Apesar de não se verificar tal ideia no original de sua Obra, o
resultado, todavia, encontra suporte em suas lições, haja vista que consiste em
mais uma forma de limitação do poder. (AMARAL JÚNIOR, 2008, p. 66).
Avançando no tempo e com os direitos sociais ganhando status
constitucional, nasceu a polêmica em torno das “interferências” do Judiciário
nos outros Poderes em casos de omissão inconstitucional, assunto que ainda
gera grande polêmica, mas que também encontra seu fundamento no espírito
da obra de Montesquieu, conforme se verificará no tópico seguinte.

IV – A IDÉIA CENTRAL DO PENSAMENTO DE MONTESQUIEU

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Apesar de alguns filósofos já terem pensando anteriormente sobre uma
forma de tripartição das funções estatais, coube a Montesquieu avançar e
explicar claramente a ideia de que a divisão dos poderes e sua atribuição a
pessoas diferentes era a fórmula para evitar os excessos. Às diferenças
objetivas, deveriam corresponder também diferenças subjetivas
(ECHAVARRIA, 1981, p. 221). Limitando o poder e dividindo-o entre diferentes
titulares para que não haja abusos, Montesquieu formulou a base para a
concretização do princípio da liberdade, até então bastante neutralizado pelos
excessos do absolutismo. O objetivo era limitar principalmente o poder dos
governantes.
Celso Bastos assevera que:

Montesquieu tinha uma profunda descrença quanto ao homem


desvencilhar-se de todos os desatinos que o poder o leva a cometer.
Para ele a força corruptora do exercício do mando político está
sempre presente, chegando mesmo a afirmar que, se todo o poder
corrompe o homem, o poder soberano corrompe soberanamente, não
sendo possível apelar para uma eventual regeneração do próprio
homem, forçoso se tornou encontrar um remédio para o arbítrio e a
prepotência dentro do mecanismo do exercício do poder. Era preciso,
pois, dispor das coisas de tal sorte que o próprio poder contivesse o
poder. Daí a necessidade do seu desmembramento em três funções
distintas, exercidas por órgãos também diferentes, de modo tal a que
cada uma pudesse conter os possíveis abusos da outra. (BASTOS
apud Rodrigues, 1995, p. 18).
Em face da garantia da liberdade decorrente da limitação dos poderes, a
teoria de Montesquieu se tornou uma das bases do constitucionalismo
moderno. Não se concebia uma constituição em que não houvesse a
separação dos poderes. O art. 16 da Declaração Universal dos Direitos do
Homem e do Cidadão da Revolução Francesa estabelece: “Toda sociedade em
que não for assegurada a garantia dos direitos e a separação dos poderes não
tem Constituição.”
Afirma LISBOA (2007) que “o obstáculo à atuação legítima de qualquer
um dos entes deve pressupor um abuso de seu poder institucional, sendo
válido aos demais, portanto, a interferência para buscar um retorno ao status
quo ante”. Ou seja, com Montesquieu a ideia de separação dos poderes
deveria vir como forma de obstar que o poder estatal fosse utilizado pelos que
estão à sua frente em benefício de seus interesses individuais e contra a
liberdade dos cidadãos.

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Essa conclusão é extremamente importante, pois ela é a base para o
desenvolvimento de outros Poderes, assim como de interferências de um
Poder em outro. Ou seja, tendo em mente que o objetivo é limitar os detentores
de poder que estão à sua frente contra os abusos que possam gerar, é legítimo
concluir que algum Poder pode interferir de maneira mais concreta em outro
para que o cidadão não sofra os abusos decorrentes do seu uso desvirtuado.
Como salientou o próprio pensador francês: “Para que não possam abusar do
poder, precisa que, pela disposição das coisas, o poder freie o poder.”
(MONTESQUIEU, 1994, p. 163).
Importante também mencionar que Montesquieu não pensou em uma
separação absoluta de Poderes. Lendo atentamente sua obra, verifica-se que
há mais uma “administração em separado” do que essencialmente uma divisão
de forma absoluta.
O rei tinha o direito de vetar as leis; o Legislativo fiscalizava o Executivo
através da possibilidade de exigir que os ministros prestassem contas de sua
administração, assim como interferiam no Judiciário quando julgavam os
nobres pela Câmara dos Pares nos casos previstos.
Assim, vê-se que já se podia falar desde Montesquieu que o poder era
único e o que se realmente se dividiam eram as funções. Pode-se dizer
também que já havia uma ideia de um sistema de freios e contrapesos, ideia
essa depois aprofundada por JAMES MADISON, em o Federalista n. 51
(1788).
A teoria de tripartição dos poderes consiste em uma forma de evitar o
abuso dos que estavam à sua frente, seja através de freios recíprocos, seja
através de intervenções.
Essa ilação é acompanhada por Marilene Rodrigues:

A independência recíproca de poderes pelos órgãos incumbidos de


exercê-los não significa a inexistência de pontos de contacto entre
eles, no desempenho de suas tarefas. Ela não exclui que os podres,
no desempenho harmônico de suas funções específicas, colaborem
entre si, relativamente ao exercício de uma delas, bem como não
impede que eles, secundariamente, pratiquem certos atos que em
teoria não pertenceriam à sua esfera de competência.
Implica apenas uma principalidade. Cada poder desempenha uma
função principal, sem que lhe seja absolutamente proibido exercer
tarefa que a rigor seria de outro. (RODRIGUES, 1995, p. 22).

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A conclusão que se apresenta é importantíssima porque em sua obra
Montesquieu ainda não tinha a concepção de estado constitucional como se
apresenta nos dias atuais. Não existia uma carta soberana com os deveres de
cada Poder, de forma que Montesquieu não tinha como imaginar a interferência
de um Poder no outro nos casos em que fossem descumpridos os preceitos de
uma constituição.
O que Montesquieu quis deixar claro foi que um Poder deveria frear o
outro sempre que ocorresse qualquer tipo de abuso, sempre que o Poder fosse
utilizado mais em benefício próprio do homem que estava à sua frente do que
em benefício do povo, seu legítimo detentor. O princípio deveria ser utilizado
para brecar os excessos do Estado e, consequentemente, ser garantidor de
direitos.
Montesquieu, antes de um crítico político, era um crítico da alma
humana. Ele era extremamente desconfiado de todo homem que exercia
qualquer espécie de poder. Para ele, o poder sempre corrompe e por isso
devem existir formas de freá-lo.
Partindo dessa idéia, tem-se que cada organização estatal deve se
estruturar de forma que cada Poder seja freado pelos outros para que não
ocorram abusos. Não só isso: devem os Poderes interferir nos outros nos
casos em que qualquer deles exorbite suas competências, seja de forma ativa,
seja de forma omissiva.
É verdade que Montesquieu não previu a omissão dos Poderes. Ele
apenas previu que quando caminhassem, os Poderes deveriam caminhar
juntos, haja vista que um poderia impedir o trabalho do outro. Como já se disse
acima, a ausência quanto à omissão é explicada pelo fato de, à sua época,
ainda não existir o constitucionalismo tal como o conhecemos hoje, sobretudo
em relação à supremacia das leis constitucionais e o dirigismo que nela se
encontra presente.
Outra ideia a se destacar é a crítica que se tem em relação aos diversos
pensadores, antes ou depois de Montesquieu, que se digladiam na
estruturação dos Poderes. Saint-Girons, por exemplo, critica Montesquieu e
defende que não existem senão duas funções – editar as leis e fazê-las
executar. Luigi Palma afirma existirem seis – a Eleitoral, o Representativo, o
Moderador, o Governante, o Judiciário e o Real. Romagnosi entendia serem
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oito. Georges Burdeau defendia a existência de duas e Karl Loewenstein
acrescenta à idéia de Burdeau a função de controle. (RODRIGUES, 1995, p.
24).
Tem-se que o legado maior de Montesquieu não foi a divisão dos
Poderes em três, mas sim e sobretudo a magnífica conclusão de que o poder
corrompe e que o homem tem que ter freios. Para o pensador francês, a
inexistência de obstáculos para qualquer detentor do poder fazia com que ele
abusasse, passasse a utilizá-lo não mais em benefício dos outros, mas em
benefício próprio.
Partindo dessa concepção, crê-se que cada sociedade deve se
estruturar de acordo com seu contexto social, seja criando mais Poderes, seja
reduzindo-os às suas necessidades básicas, sempre com o intento de inexistir
abusos.
Montesquieu concebeu uma forma genérica de como frear o poder
político, fórmula essa que vem sendo aperfeiçoada e modificada de acordo
com cada contexto social.

V – O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E SUAS DECISÕES RELATIVAS A


DIREITOS SOCIAIS

Em regra, o Supremo Tribunal Federal se repete afirmando que não


pode o Judiciário interferir nos demais Poderes, sobretudo quando trata do
Poder Legislativo. É comum encontrar decisões em que o STF sustenta não
poder enfrentar a matéria em razão de lhe ser defeso atuar como legislador
positivo.
Esse é o argumento, por exemplo, para que nos casos de
inconstitucionalidade por omissão relativa, onde o STF reconhece que há lei
apenas para uma parte de um conjunto de destinatários, não se estenda o
direito por não ser o Judiciário “legislador positivo”.
Outro caso comumentemente encontrado diz respeito às hipóteses em
que o Supremo, ao dar a interpretação conforme à Constituição, ofende o
sentido inequívoco que o legislador quis dar à norma (NOBRE JÚNIOR, 2006,
p. 112). Nesses casos, o STF não admite a interpretação conforme por não ser
legislador positivo e acaba por ter de decretar a inconstitucionalidade da lei.
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No que concerne ao Poder Executivo, as hipóteses mais ventiladas são
as que decorrem de atos discricionários e onde o alvo da discussão diz
respeito exatamente ao mérito de tais atos.
Essa concepção vem se modificando com o tempo. Tem sido cada vez
mais frequentes a condenação do Executivo na implementação de políticas
públicas, como também a intervenção no Legislativo para sanar omissões
inconstitucionais.
Em recente decisão, o Supremo negou provimento a agravo de
instrumento impetrado contra decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo que
reformara decisão de primeira instância para condenar o referido Ente no
atendimento de crianças de até cinco anos de idade em creches e pré-escolas
(AI677274).
No que concerne à atividade legiferante, o STF vem reduzindo seu rigor
quanto à questão da interferência, acatando pedidos que outrora eram
afastados de pronto. Registre-se, porém, que a mudança está ocorrendo de
forma gradativa, de modo que o Supremo traz certos requisitos para aceitar a
omissão legislativa inconstitucional. Exemplo de decisão deste teor é o MI-712,
julgado nos seguintes termos:

No MI 670/ES e no MI 708/DF prevaleceu o voto do Min. Gilmar


Mendes. Nele, inicialmente, teceram-se considerações a respeito da
questão da conformação constitucional do mandado de injunção no
Direito Brasileiro e da evolução da interpretação que o Supremo lhe
tem conferido. Ressaltou-se que a Corte, afastando-se da orientação
inicialmente perfilhada no sentido de estar limitada à declaração da
existência da mora legislativa para a edição de norma
regulamentadora específica, passou, sem assumir compromisso com
o exercício de uma típica função legislativa, a aceitar a possibilidade
de uma regulação provisória pelo próprio Judiciário. Registrou-se,
ademais, o quadro de omissão que se desenhou, não obstante as
sucessivas decisões proferidas nos mandados de injunção.
Entendeu-se que, diante disso, talvez se devesse refletir sobre a
adoção, como alternativa provisória, para esse impasse, de uma
moderada sentença de perfil aditivo. Aduziu-se, no ponto, no que
concerne à aceitação das sentenças aditivas ou modificativas, que
elas são em geral aceitas quando integram ou completam um regime
previamente adotado pelo legislador ou, ainda, quando a solução
adotada pelo Tribunal incorpora “solução constitucionalmente
obrigatória”. Salientou-se que a disciplina do direito de greve para os
trabalhadores em geral, no que tange às denominadas atividades
essenciais, é especificamente delineada nos artigos 9 a 11 da Lei
7.783/89 e que, no caso de aplicação dessa legislação à hipótese do
direito de greve dos servidores públicos, afigurar-se-ia inegável o
conflito existente entre as necessidades mínimas de legislação para o
exercício do direito de greve dos servidores públicos, de um lado,
com o direito a serviços públicos adequados e prestados de forma

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contínua, de outro. Assim, tendo em conta que ao legislador não seria
dado escolher se concede ou não o direito de greve, podendo tão-
somente dispor sobre a adequada configuração da sua disciplina,
reconheceu-se a necessidade de uma solução obrigatória da
perspectiva constitucional. MI 712/PA, rel. Min. Eros Grau,
25.10.2007. (MI-712).
Agindo desse modo, o Supremo vem contrariando a antiga doutrina
sobre o assunto e sua própria jurisprudência anterior no sentido de que ao
Judiciário não era dada competência de interferir nas atividades dos demais
Poderes.
Vem, pois, o Supremo dando um contorno diferente ao princípio da
separação dos poderes, entendendo que, nos casos em que houver omissão
inconstitucional, pode o Judiciário condenar o Executivo a cumprir a obrigação
e, no caso do Legislativo, “substituir-se” temporariamente na função deste para
disciplinar a matéria ausente.

VI – AS DECISÕES JUDICIAIS E SUAS IMPLICAÇÕES NO ORÇAMENTO

Ao lado do princípio da separação das funções, outro ponto principal nas


defesas dos entes públicos diz respeito ao gasto decorrente das sentenças
judiciais.
É fato que na implementação dos direitos sociais e das políticas
públicas, as decisões judiciais implicam em custo para os outros Poderes,
gastos esses muitas vezes não previstos nos orçamentos ou previstos de
forma insuficiente.
Baseado nesse fato, os Entes públicos argumentam que não dispõem de
verba suficiente para fazer frente às despesas ou que tais despesas não estão
previstas em seus orçamentos. Para tanto levantam a tese da reserva do
possível.
Antes de se tratar especificamente do tema, importante observar como
essa discussão chegou ao atual estágio.
O antecedente doutrinário que teve que ser superado para o nascimento
dessa discussão está ligado, dentre outros, à superação da idéia de que o
princípio da separação dos poderes é absoluto e à ascensão dos direitos
sociais à categoria de direitos fundamentais.

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Com Canotilho surgiu a idéia de Constituição Dirigente, onde as normas
programáticas não são apenas um conjunto de intenções, mas sim normas
jurídicas dotadas de eficácia obrigacional. Paulo Lopo Saraiva (1983), por
exemplo, defendeu o cabimento de mandado de segurança dos direitos sociais.
A onda doutrinária que perfilhava pela aplicação dos direitos sociais a
qualquer custo, no entanto, não durou muito tempo. Começou-se a ver que, na
prática, a questão não era tão simples, pois além do desgaste político com a
interferência nos outros Poderes, exigia-se, quase sempre, verbas para o
custeio dos direitos, verbas essas que o Judiciário não detinha.
Com o tempo, o próprio Canotilho reviu suas teses (apud Ricardo
Torres, 2008, p. 73) e passou a pregar a idéia de que as normas programáticas
estão limitadas pela reserva orçamentária dos Estados a não ser em casos
excepcionais.
Foi com base nesse duelo entre o direito fundamental e a existência de
verba para custeá-lo que surgiu no direito alemão o tema da reserva do
possível. Segundo esse princípio, a implementação dos direitos estão sujeitos
à condição do financeiramente possível, ou seja, o poder estatal só pode
garantir os direitos até os limites dos recursos públicos.
É importante saber, por exemplo, quais tipos de direitos devem ser
garantidos pelo Judiciário independente da reserva orçamentária existente nos
outros poderes. Para tanto, importante se faz o estudo da questão do mínimo
existencial, outro tema que reclama uma série de variações e que no presente
ensaio não será possível um aprofundamento.
A teoria da reserva do possível, em sua origem, teve como condições
para ser arguida as seguintes (NUNES JÚNIOR, 2009, p. 175/176): a) a de que
um mínimo vital seja satisfeito; b) a de que o Estado comprove que vem se
empenhando na implementação do direito social reclamado e c) a avaliação da
razoabilidade da demanda.
A reserva do possível não foi elaborada para mitigar a implementação do
mínimo vital. Sua intenção é conformar demandas sociais que lhe vão além. O
mínimo vital deve ser observado de qualquer forma, até que todas as forças
(orçamentos) do Estado estejam impossibilitadas. Esse entendimento já foi
defendido no STF (RE-AgR 410715/SP).

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No entanto, em termos gerais, pode-se dizer que o princípio do mínimo
existencial pode ser dividido em dois subprincípios: a) mínimo existencial
fisiológico; e b) mínimo existencial básico (SARLET, 2008, p. 21). O mínimo
existencial fisiológico diz respeito a aspectos ligados diretamente com o direito
à vida em suas condições matérias mínimas, enquanto que o mínimo
existencial básico pretende garantir, além do mínimo fisiológico, a inserção dos
cidadãos no meio social de forma digna.
Para Ana Paulo Barcellos (apud Ricardo Torres, 2008, p. 77), o mínimo
existencial é composto de quatro elementos, a saber: “a educação
fundamental, a saúde básica, a assistência aos desamparados e o acesso à
Justiça”. Acrescenta a autora que esses quatro elementos constituem o núcleo
da dignidade da pessoa humana e podem ser exigíveis através do Poder
Judiciário.
Em termos de Brasil, e esse aspecto é importante, porque a garantia dos
direitos tem de levar em conta o lado sócio-econômico atual do país, tem-se
que questionar se apenas o mínimo existencial fisiológico deve ser alvo de
intervenção do Judiciário, ou se esse poder também tem legitimidade para
adentrar no mérito do mínimo existencial básico.
Analisando o atual contexto sócio-econômico pelo qual o país atravessa,
não se tem como deixar de entender que o mínimo existencial a ser garantido é
aquele definido como básico, onde estão presentes, essencialmente, o direito à
saúde, educação fundamental, assistência aos desamparados e acesso à
justiça.
Mas não é só. Afora o mínimo vital, importante assentar que a
Constituição brasileira traz uma série de direitos sociais subjetivos em seu
corpo e que estão além do mínimo existencial, o que não acontece na
Alemanha, berço da teoria da reserva do possível. Assim, mais uma vez
acompanhando Vidal Serrano NUNES JÚNIOR (2009, p. 190 e 194/196), no
Brasil o Legislativo e o Executivo não estão adistritos apenas ao mínimo vital,
devendo observar também os direitos sociais garantidos constitucionalmente.
Desse modo, o legislador não poderia criar leis orçamentárias que não
previssem gastos suficientes para os direitos sociais previstos
constitucionalmente, ainda que esses estivessem fora do mínimo vital. Isso
acontece porque a lei orçamentária deve obedecer aos comandos
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constitucionais. A título de exemplo, seria inconstitucional uma lei orçamentária
que destinasse verbas para publicidade institucional sem garantir o suficiente
para os direitos sociais constitucionalmente previstos (NUNES JÚNIOR, 2009,
p. 180/181).
Infere-se, portanto, que a teoria da reserva do possível está limitada pelo
que se convencionou chamar de mínimo existencial ou mínimo vital, que no
Brasil corresponde ao direito à saúde, educação fundamental, assistência aos
desamparados e acesso à justiça. Em face da presença de outros direitos
sociais previstos constitucionalmente, a reserva do possível também não pode
fazer frente a eles, mesmo que não façam parte do chamado mínimo
existencial.
Por fim é necessário esclarecer que a reserva do possível com a qual se
trabalha no presente ensaio é a reserva do possível legal, ou seja, aquela que
está ligada à ausência de previsão orçamentária para o gasto.
Isso é importante porque pode haver municípios que esgotem seus
orçamentos e não tenham condições de garantir sequer o mínimo existencial.
Nesse caso, reserva do possível fática, não há muito o que se fazer em relação
a este Ente, podendo, a depender da pretensão, redirecioná-la ao Estado ou à
União.

VII – PROIBIÇÃO DO RETROCESSO

Outro aspecto a ser considerado é que o Judiciário não pode jamais


tornar a situação de outros beneficiários mais gravosa. Assim como acontece
na relação com o Poder Legislativo, em que, em casos de inconstitucionalidade
por omissão parcial propriamente dita (em que a lei existe, mas regula de forma
insuficiente o texto constitucional – caso da lei que estabelece o valor do
salário mínimo – o juiz não pode decretar a inconstitucionalidade sob pena de
tornar pior a situação existente) nas lides que envolvem o Poder Executivo, a
determinação judicial não pode agravar a situação de outras pessoas que
estejam em situações idênticas.
A compra de um remédio excepcional e caro não pode deixar que outros
pacientes fiquem sem medicamentos básicos; a determinação de realização de

14
uma cirurgia, não pode fazer com que o demandante “fure a fila” de espera se
não for um caso excepcional etc.
Para não incorrer em tais injustiças, deve o Judiciário, verificando que a
administração não dispõe de meios para a implementação regular do direito
fundamental, determinar que a salvaguarda seja feita com remanejamento de
verbas orçamentárias de outras cifras, a exemplo das alocadas para
publicidade.
Considerando que o mínimo existencial e os direitos sociais são
matérias constitucionais, a lei orçamentária, que possui status de lei ordinária,
não pode ser empecilho para a sua plena fruição.
Desse modo, em caso de comprovação de insuficiência de verba para
atender às condenações judiciais dentro da cifra correspondente aos direitos
sociais (saúde, educação, segurança, entre outros), perfilha-se que, diante da
excepcionalidade dos casos, é legítimo ao Judiciário intervir na projeção
orçamentária para realocar verbas de títulos não tão valiosos para que a
decisão judicial que acolhe o pleito não seja mais gravosa que sua denegação.
Contra essa posição, a princípio, se coloca Ricardo Torres (2008, p. 83):

Se não prevalece o princípio da reserva do possível sobre o direito


fundamental ao mínimo existencial, nem por isso se pode fazer a
ilação de que não deve ser observado o princípio da reserva do
orçamento. A superação da omissão do legislador ou da lacuna
orçamentária deve ser realizada por instrumentos orçamentários, e
jamais à margem das regras constitucionais que regulam a lei de
meios. Se, por absurdo, não houver dotação orçamentária, a abertura
de créditos adicionais cabe aos poderes políticos (Administração e
Legislativo), e não ao Judiciário, que apenas reconhece a
intangibilidade do mínimo existencial e determina aos demais poderes
a prática dos atos orçamentários cabíveis.
Difíceis também as questões referentes a prestações não autorizadas
no orçamento e não compreendidas nas despesas gerais dos órgãos
públicos sustentadas pela arrecadação de impostos. O Superior
Tribunal de Justiça garantiu o pagamento de despesas de tratamento
médico no exterior mediante a fixação de indenização a posteriori.
Ainda falta, no direito positivo brasileiro (e os Tribunais não o
construíram), instrumento semelhante ao mandado de injunção
americano, que permita ao Judiciário vincular o Legislativo na feitura
do orçamento do ano seguinte, em homenagem a direitos
fundamentais sociais (=mínimo existencial), que necessitam do
controle jurisdicional contramajoritário típico dos direitos
essencialmente sociais.
Aguarda-se melhor solução orçamentária para a adjudicação de
prestações positivas pelo Judiciário, na hipótese em que, esgotadas
as dotações, haja possibilidade fática de utilizar créditos adicionais
(suplementares ou especiais). Os tribunais brasileiros vêm evitando o
exame das questões orçamentárias. Nos Estados Unidos foi relevante
15
para a afirmação dos direitos fundamentais a alocação de recursos e
a manipulação de verbas pelo próprio judiciário, na via do mandado
de injunção, principalmente nos casos relativos à implementação dos
direitos dos presos e dos negros.

Entende-se diferentemente do autor citado. Não pode o legislador, ao


confeccionar a lei orçamentária, deixar de observar os preceitos
constitucionais. Assim como as demais leis, a lei orçamentária também pode
possuir o vício da inconstitucionalidade.

VIII – EXCEPCIONALIDADE DA ATUAÇÃO ATIVA DO PODER JUDICIÁRIO

Não obstante todas as considerações acima traçadas, perfilha-se por


uma atuação ativa do Poder Judiciário excepcional e apenas nos flagrantes
casos de violação à Constituição.
A separação das funções deve ser observada, apesar de ter que sofrer
os ajustes necessários para a completa implementação dos objetivos traçados
pela Carta Constitucional, e sua flexibilização deve acontecer com toda a
cautela necessária.
Assim se entender porque, apesar de os exemplos serem geralmente
dados com o Poder Executivo, nenhuma das três funções estatais pode ser
mais importante ou ter destaque exacerbado, sob pena de a flexibilização no
seu desempenho trazer mais prejuízos que benefícios. Assim, ainda que com o
escopo de garantir a aplicação prática da Constituição, a um Poder não é
permitido interferir excessivamente no outro, devendo fazê-lo apenas de forma
oportuna e excepcional.
Com o Poder Judiciário não é diferente. Exemplo típico do que pode
causar o excesso de interferência aconteceu nos Estados Unidos quando a
Suprema Corte modificou radicalmente sua tendência conservadora em barrar
as políticas do Presidente Franklin Roosevelt em relação ao “New Deal”. Diante
da proposta presidencial de aumentar a composição do Tribunal e assim
inverter a tendência conservadora, a Corte modificou sua jurisprudência para
deixar de opor obstáculos às políticas liberais de Rooselvelt. O fato ficou
conhecido como the switch in time that saved nine (a mudança em tempo que
salvou nove).

16
Paolo Biscaretti di Ruffa afirma que o estudo do princípio da separação
dos poderes merece dois corretivos, sendo um deles o de:

que, em linhas gerais, todo Poder deve conter-se na órbita de sua


própria função institucional, não obstante resultem frequentemente
oportunas certas derrogações a tal princípio (que se concretizam em
transferências, mais ou menos extensas e importantes, de funções
que corresponderiam a outros poderes). RUFFA apud RODRIGUES,
1995, p. 26/27).
No Brasil, esse sentimento em relação ao Poder Judiciário começa a
despertar revolta nos outros Poderes. Na sessão solene no plenário da Câmara
em comemoração aos 20 anos da promulgação da Constituição de 1988, no
dia 05 de novembro de 2008, o Presidente do Senado Federal, Garibaldi Alves
(PMDB-RN), criticou as decisões do Supremo Tribunal Federal sobre questões
legislativas. Em certa parte do discurso, assim se manifestou Sua Excelência:
“Vou terminar o discurso. Já vejo que o presidente Gilmar está aqui lendo
(outro texto). Faz tempo que o Poder Judiciário acha que é o Legislativo”
(JUNGBLUT, Cristiane; VASCONCELOS, Adriana, 2008).
De forma semelhante agiu o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva que, ao
falar sobre o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) em Sergipe,
afirmou:

Não tem um palpite meu no Legislativo. O governo não se mete no


Poder Judiciário. Se cada um ficar no seu galho, o Brasil tem chance
de ir em frente. Se cada um der palpite na vida do outro, a gente pode
conturbar a sociedade.
(...)
Seria tão bom se o Judiciário metesse o nariz apenas nas coisas
dele, o Legislativo nas coisas dele e o Executivo nas coisas dele. É
preciso que a gente reordene as instituições brasileiras para que elas
funcionem cada vez mais de forma harmônica. (DAMÉ, Luíza;
ARAÚJO, José, 2008).

As críticas de outros Poderes não devem ser vistas como freio à atuação
jurisdicional ou como impedimento de avanço das decisões. São, no entanto,
um alerta para que se atue dentro do constitucionalmente permitido e para que
excessos não aconteçam, o que poderia gerar uma série crise política.
Para que as “interferências” sejam realizadas na medida do
constitucionalmente permitido, importantíssimo se faz a utilização dos
princípios da proporcionalidade e razoabilidade.

17
Dentro das pilastras do princípio da proporcionalidade, especial relevo
merece a proporcionalidade em sentido estrito, como forma de se saber até
que o ponto o direito prestacional postulado está em consonância com a real
necessidade do indivíduo, ou, em outros termos, se não há alguma forma de
implementá-lo de modo menos custoso que o pleiteado e menos invasivo na
esfera dos outros Poderes.

IX – CONCLUSÕES

O atual estágio do Poder Judiciário brasileiro é marcado, sem sombra de


dúvidas, sobre o dilema entre suas relações com os demais Poderes. Vê-se
claramente que o desgaste político se acentua a cada dia, o que acontece em
razão, sobretudo, do aumento de causas no Judiciário envolvendo omissões
dos Poderes Executivo e Legislativo.
Evoluir, aplicar a Constituição e garantir os direitos sem que o equilíbrio
de forças seja rompido é, inegavelmente, uma tarefa árdua para os tribunais,
tarefa esta que tem obtido importante ajuda da doutrina.
O pensamento atual praticamente unânime é o de que a interferência do
Judiciário nos outros Poderes para a garantia de direitos previstos
constitucionalmente é possível e não ofende ao princípio da separação das
funções.2
Afora essa conclusão, que também foi exposta no texto, outras,
igualmente importantes, podem se destacar:
1. O poder de veto do Judiciário através da decretação de
inconstitucionalidade não consta na teoria de Montesquieu, apesar de
encontrar suporte em suas lições, haja vista que consiste em mais uma
forma de limitação do Poder.
2. A essência do pensamento de Montesquieu é que o poder frei o poder
para conter os abusos porventura existentes;

2
Em interessante estudo sobre o princípio da separação dos poderes, pesquisadores da Universidade de
Harvard e Yale examinaram o sistema constitucional de 71 países e chegaram à conclusão de que quanto
maior é a independência do Judiciário e a possibilidade de exercício do controle de constitucionalidade,
maior é a liberdade econômica e política dos países. Eles demonstraram empiricamente que a
independência do Judiciário e o sistema de controle de constitucionalidade são eficientes meios para frear
os excessos do Executivo e Legislativo, gerando consequências positivas nas liberdades econômicas e
políticas dos países que cultivam esses institutos. (LA PORTA et. al., 2004).
18
3. Tendo em mente que o objetivo é limitar os detentores de poder contra
os abusos que possam gerar, é legítimo se pensar em outros Poderes
caso os existentes não sejam suficientes.
4. O princípio da separação dos poderes não pode ser utilizado para limitar
a implementação de direitos fundamentais; ao contrário, deve-se dele
fazer uso para justificar o controle dos abusos praticados por ação ou
omissão estatal e, consequentemente, assegurar os direitos
fundamentais;
5. No Brasil, a reserva do possível só pode ser levantada quando, além do
mínimo existencial básico, forem observados os direitos sociais previstos
constitucionalmente;
6. Nenhuma das três funções estatais pode ser mais importante ou ter
destaque exacerbado, devendo um Poder interferir em outro apenas
para a garantia das normas constitucionais e sempre de forma oportuna
e excepcional.
7. De igual forma, a intervenção deve se pautar pelo princípio da
proporcionalidade, sempre observando suas três vertentes: a)
necessidade; b) adequação e c) proporcionalidade em sentido estrito.

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20
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