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A volta do pêndulo: a cordialidade do brasileiro e o nosso mal-estar quotidiano

Ultimamente temos sido açoitados com atitudes e comportamentos que parecem


fora do tempo e do lugar, pois julgarmos já estarem mortos às portas da terceira década
do século XXI, principalmente no Brasil. Em pensar que um de nosso maiores e
melhores interpretes, Sergio Buarque de Holanda, chegou a afirmar que a cordialidade
seria nossa contribuição para civilização.

No entanto, diante dos avultantes e aviltante números de violência contra


mulheres — a cada 60 segundos, 9 mulheres são agredidas no Brasil—, de assassinato
de pessoas GLBTQ+ em razão de sua orientação sexual — no que somos campeões
mundiais—, agora colecionamos imagens de insurgências contra normas sanitárias
imprescindíveis para se controlar a disseminação da Covid-19, que se misturam em
nossas timelines a manifestações grotescas de racismo. Assistimos a tudo como se, de
uma hora pra outra, tivéssemos sido dragados por uma espécie de máquina do tempo e
lançados em uma Casa Grande do século XIX nas Alagoas, ou no Rio de Janeiro do
início do XX, em plena revolta da Vacina. Acordados e atônitos vemos que o pesadelo é
real e que palavras como “você sabe com quem está falando”, que marcaram a
constituição de nosso país, agora reaparecem em versão contemporânea, “Aqui é
Alphaville, mano”, “Engenheiro Civil formado, melhor do que você”!

Meio desconcertados com a torpeza das cenas, pensamos que possam ser casos
isolados e chegamos a exclamar: isso sempre aconteceu, mas agora, com as redes
sociais e uma câmera nas mãos de cada um, somos bombardeados com acontecimento
esporádicos que passam como sendo a tônica do social! Nem bem assentamos o
pensamento e uma nova saraivada, agora de racismo, invade os telejornais e,
obviamente, nossas redes sociais, grupos de WhatsApp e um sem número de mídias que
nos bombardeiam cotidianamente com notícias dos quatro cantos da terra. Mas o que
está acontecendo com a cordialidade, marca do brasileiro? Que voltas deu a redonda
Terra para nos encontrarmos à beira deste precipício?

Teria sido uma inflexão da cordialidade, respondem uns! Embrutecimento das


pessoas nas grandes cidades, numa mistura de arquitetura da miséria, violência e uma
organização do capital que põem na corda bamba cada emprego dos que ainda os têm,
jogando para a precariedade, que chamam empreendedorismo, — Sim! A
ressemantização é uma moda de nossos tempos. — os que foram levados a não ver mais
esperanças em um emprego formal. Bem, seria isso, ou seria tudo isso junto e
misturado, como se diz aqui no Rio, num novelo que é difícil achar a ponta.

Mas vamos lá. Voltemos um pouco no tempo para tentar rascunhar nossa
tragédia. Na década de 1980, mais precisamente em 1983/84, fomos às ruas pedir o fim
da Ditadura Militar que já durava nesta altura quase 20 anos, a pressão das ruas foi
grande, envolvendo amplos setores da sociedade, parafraseando Aldir Blanc e João
Bosco, juntou malandro com trabalhador. O movimento Diretas Já, ainda que tenha sido
frustrado, a história a maioria sabe, desembocou no fim do Regime e em uma nova
Carta Constituinte (1988), alcunhada de a Constituição Cidadã, ainda que desagradasse,
tanto patrões quanto empregados.

Nas décadas que se seguiram, controlamos a inflação com o Plano Real (1994) e
começamos a deixar para trás a pobreza, com o Bolsa Família (2003) e outras políticas
redistributivas. Paralelamente, ainda que de forma tímida, avançávamos em políticas de
reconhecimento de direitos, como a Lei Maria da Penha, que tipificava a violência
contra a mulher e a possibilidade de adoção do nome social para pessoas GLBTQ+, o
racismo, este já era crime desde 1989.

Lembremo-nos da famosa frase do então pré-candidato Jair Bolsonaro durante o


programa Roda Viva da TV Cultura, em que perguntado sobre a política de cotas e a
dívida histórica com a população afro descente, responde, “Que dívida? Eu nunca
escravizei ninguém na minha vida”. Tal frase soa como música para os ouvidos de
parcela da população, que não quer abrir mão de seus privilégios —vistos como direitos
— em prol do apaziguamento uma ordem social injusta, cuja as raízes históricas não
foram por eles plantadas.
Por fim, como como metáfora do que vivemos, pesamos em duas cenas que viralizaram
nesta última semana, cenas que uniam dois rapazes que não se conhecem, um em São
Paulo e outro no Rio de Janeiro, que tem em comum o fato de serem motoboys,
chamarem-se Mateus e terem sido vítimas de racismo. Nas cenas sobejamente vistas nas
redes sociais e nos telejornais, vimos como os quase brancos tratam os quase pretos,
mas aqui o que está em jogo é mais que o racismo estrutural que, por óbvio, engendra o
discurso e ação nos casos citados e nos outros que pululam nas manchetes e nas redes
sociais.
Além das coincidências que unem os dois rapazes periféricos, uma talvez tenha sido a
que mais tenha aguçado a virulência dos ataques, nas duas situações ambos se
recusaram a reconhecer as hierarquias sociais e se colocaram, tão e apenas, como
sujeitos, um como trabalhador autônomo que constrói a si mesmo e outro como
consumidor. Diante da quebra das hierarquias sociais, o embaralhamento das fichas
deixa o caminho confuso e diante da confusão é melhor voltar e fazer o caminho
conhecido — retomar as velhas hierarquias sociais, mesmo que elas soem
desconjuntadas e extremamente inapropriadas.
Contraditoriamente, o mesmo processo de individuação que estraçalha os laços
humanos, forma novos sujeitos capazes de criar estratégias de se colocar na sociedade,
reivindicando seu lugar e sua subjetividade. A reação, embora se prenda a velhas
narrativas como patriarcalismo, sexismo, racismo e, talvez por isso mesmo, parece ser
capaz de gerar uma nova solidariedade, não entre iguais, mas entre subjetividades
dispares, que têm em comum somente a demanda de existirem enquanto sujeitos, afinal,
tod@s querem chuva e negócios bons....

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