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DIÁRIOS COMO BUSCA PELA LITERATURA EM VIRGINIA WOOLF

Carolina Duarte Damasceno, Julio de Souza Vale Neto e Ricardo Gaioto de


Moraes

Este trabalho é o recorte de um doutorado, na área de Teoria Literária e


Literatura Comparada, que deve ser defendido em dezembro na Universidade de São
Paulo. Começou como um mestrado. Nessa pesquisa, eu me propus a traduzir um longo
trecho do diário de VW, que ela escreveu ao longo de quase 30 anos, com hiatos.
Traduzi-lo na integra seria muito difícil no período de um doutorado, porem a textura
peculiar do diário, com momentos de intensa espessura linguística, só se dá a perceber
na leitura de longos intervalos ininterruptos. Isso possibilita ter ideia da busca de Woolf
por um “sistema que não excluísse”, capaz de incluir tudo, sem distinções, e dá a chance
de ter contato direto com sua qualidade díspar, um misto de fragmentação e
continuidade, que abarca às vezes em um mesmo parágrafo comentários domésticos,
análises literárias ou dos acontecimentos de seu tempo, fofocas, trivialidades e trechos
altamente carregados de sensibilidade – a aridez do cotidiano lado a lado com o
questionamento do espírito. Além disso, alinha-se com uma concepção que vê no
próprio ato de tradução uma aproximação com o ato crítico, no sentido de que ela
também proporciona um embate privilegiado com o texto e suas múltiplas relações
interpretativas. O poeta, tradutor e ensaísta Henri Meschonic afirma que “a teoria, a
crítica, a prática são na tradução inseparáveis”, uma vez que traduzir não é enfrentar
uma língua, mas seu acontecimento enquanto discurso, passível da crítica do sujeito que
os interpreta e traduz.
O longo intervalo também possibilita verificar o arco da mudança pela qual a
autora passa – da Woolf luminosa dos anos 1920, imbuída do espirito de um projeto
modernista que deu à luz obras emblemáticas como Mrs Dalloway e Ao farol, à Woolf
dos anos 1930, que progressivamente vai deitando por terra suas poucas convicções,
dando nova ênfase aos fatos do mundo externo e da política, e artisticamente
enveredando por um caminho cada vez mais de desmantelamento narrativo. Meu recorte
se concentrou sobre os diários que ela escreveu enquanto morava no numero 52 da
Tavistock Square, em Londres, de 1924 a 1939.
Além da tradução, busquei fazer um comentário sobre as especificidades e a
importância do diário na obra woolfiana, analisando como ele sugere pontos de uma
possível “teoria literária” da autora, norteada por alguns temas que surgem e ressurgem
com o decorrer do tempo. (O uso de aspas se deve ao fato de que Woolf era avessa a
consolidar teorias, embora alguns princípios tenham permanecido em seu horizonte
literário durante quase toda a sua vida. Era uma autora que se propunha a “quebrar o
molde” a cada nova obra, em suas próprias palavras]. Entre esses temas, estão as
possibilidades e a viabilidade da representação da realidade e do sujeito, os limiares
entre ficção e real, e entre gêneros – nos dois sentidos, e as relações interior-exterior
(entre subjetividades e fatos externos movidos pela guerra, pela violência – incluindo aí
as relacionadas à situação da mulher – e pelos movimentos da história.)
A pesquisa inicialmente foi motivada, assim, pelo fato de que os diários de
Virginia Woolf até o momento não foram traduzidos em sua integralidade (ou seja, sem
cortes e edições) na língua portuguesa. O que existem são traduções parciais – ou de
todas as entradas, porém com trechos editados; ou de entradas selecionadas de acordo
com a visão editorial ou pessoal de cada organizador/tradutor. Isso se deve em parte ao
fato de ser um material muito extenso, que totaliza cerca de 1300 páginas de original, e
cuja publicação é relativamente recente.
Porém, segundo a minha interpretação, isso se deve também porque os diários
permaneceram, desde que vieram a público, subordinados e/ou menorizados em relação
à obra ficcional de Woolf, notadamente aos romances. Quando digo subordinados,
quero enfatizar que seu conteúdo relevante eclipsou sua forma literária e levou o diário
a ser visto, via de regra, somente como um conteúdo, material de suporte para iluminar
pontos diversos da criação woolfiana e da concepção dos romances da autora, e não
como obra em si.
Gostaria de frisar que isso não foi um processo exclusivo do diário de Woolf,
contudo. Vistos costumeiramente como registro fiel, exato e verdadeiro da vida e da
subjetividade de quem os escreve, os diários encontram-se acorrentados a um regime de
suposta sinceridade absoluta. E então é como se, em troca do propalado privilégio de
“dizer a verdade”, tivessem de suportar o safanão que os aparta de outras obras, lhes
nega dignidade literária e os degrada à categoria de obra subsidiária. Como diz o
romancista e crítico argentino Alan Pauls em sua tese sobre o assunto, “para que o
diário diga a verdade, é preciso expulsá-lo da literatura” (1996: 7).
Curiosamente, entretanto, não é difícil encontrar sinais de elaboração textual
com que, em seus diários, os escritores tentam dar uma rasteira no “regime da
sinceridade” (com todos os valores que vêm a reboque com ele: espontaneidade,
transparência, verdade). Talvez os mais interessantes sejam justamente aqueles que,
com maior ênfase, recusam-se a aceitar o procedimento que vincula o diário à vida e o
desvincula da literatura. Ernst Jünger reescreveu e maquiou seu diário antes de publicá-
lo. Katherine Mansfield escreveu distintas versões de uma mesma anotação, às vezes na
mesma página. À maneira de um palimpsesto, Woolf ocasionalmente colava passagens
completamente reescritas, elaboradas tempos depois, sobre as originais. Assim, a forma
tradicional de analisar diários começa aos poucos a ser desafiada, em parte devido aos
novos rumos da crítica no século XXI, que incluíram perspectivas diferentes sobre as
chamadas escritas de si, questionando e desafiando os limites do que comumente era
visto como literário.
Foi principalmente por seus romances e contos que Virginia Woolf tornou-se
uma autora célebre, largamente festejada e analisada sob uma multiplicidade de
abordagens acadêmicas – tais como feminismo, psicologia, estudos do modernismo,
narratologia, pós-modernismo, gender studies e estudos pós-coloniais. É recente,
contudo, o interesse dos estudos sobre a autora por sua obra não ficcional (diários,
cartas e ensaios).
Assim como com diversos outros assuntos em sua vida, em relação a seus
diários a autora estabeleceu uma relação contraditória. Ao longo de sua prática
diarística, Woolf alterna momentos em que os considera “sua obra mais importante” ou
sua “verdadeira grande obra” com outros em que os considera “superficiais”, questiona-
se sobre a própria razão de escrevê-los e põe em dúvida o valor de diários de modo
geral (muito embora fosse uma assídua leitora, e resenhista, do gênero 1). Não raro, ela
se critica ao escrever neles por não estar se dedicando à sua “verdadeira escrita”. Seja
como for, o diário era um espaço em que Woolf podia relaxar a pena, ao contrário de
sua escrita comercial e ficcional, e ela menciona diversas vezes o desejo de torná-lo
uma espécie de fonte da qual extrair material para escrever suas memórias no futuro. De
muitas maneiras, Woolf valeu-se do diário para construir a si mesma como escritora e
mulher – como apontam críticos como H P Abbott, Anna Snaith e Joanne Tildwell – e

1
Virginia Woolf lia diários desde a adolescência. Entre os que leu, destacam-se os de Samuel Pepys, André Gide,
Guy de Maupassant, Lord Byron, James Boswell, os irmãos Goncourt, Mary Coleridge, Ralph Waldo Emerson, Sir
Walter Scott e Fanny Burney.
este já foi chamado de “tela em que ela pintou seu autorretrato de artista”, ou de lugar
onde ela “pôde afirmar a realidade e o valor de si mesma, de sua arte, de sua vida”2.
Cabe aqui um pequeno parêntesis sobre o processo de edição.
Cumprindo o destino aparentemente comum a todo diário de pessoa célebre –
surgir quando quem o escreve sai de cena – a primeira edição do diário principal de
Woolf (os diários de juventude não costumam ser considerados parte deste núcleo3)
ocorreu em 1953, capitaneada por seu marido, Leonard. Intitulada A Writer’s Diary,
nela o conteúdo relevante assumiu protagonismo e, por este motivo, o original sofreu
extensos cortes: tudo o que não se referia à escrita da autora foi excluído, com a
justificativa de que poderia ser perturbador para as pessoas nele retratadas, algumas
então ainda vivas. Leonard critica-se por isso no prefácio do livro, mas justifica sua
posição, dizendo: “Mesmo integrais, na melhor das hipóteses os diários oferecem um
retrato distorcido ou parcial do escritor. (...) O retrato aqui é portanto desde o início
desequilibrado (...)”, mas “lança uma luz sobre as intenções, objetos e métodos de
Virginia Woolf enquanto escritora.”4 Apesar de Leonard ter chamado as observações de
Woolf sobre cenas e pessoas a “matéria-prima” de sua arte, ele o limou quase que por
completo. Portanto, até pouco tempo o único registro dos diários de Virginia Woolf
disponível era parcial – nos dois sentidos: recortado e, como todo recorte, enviesado.
É importante observar que todas as obras de Virginia Woolf até o seu
falecimento, à exceção de The Voyage Out (1915) e Night and Day (1919), vieram a
público pela editora dos dois, a Hogarth Press. Isso significa que Woolf detinha o
controle sobre o processo editorial de seus textos – e com mão severa, como o
demonstram as até oito provas de um mesmo original. Desse modo, foi uma escritora
que não sofreu interferências de outrem na publicação de seus livros e pôde conservar
neles marcas gráficas pouco usuais, como os longos parágrafos tão característicos do
seu estilo e alicerces da sua técnica. O mesmo não ocorreu com os textos woolfianos
publicados postumamente, em especial os que não foram editados pela mão de Leonard.

2
Elizabeth Podnieks, Daily Modernism: The Literary Diaries of Virginia Wolf, Antonia White, Elizabeth Smart, and
Anaïs Nin. Montreal: Mcgill Queens University Press, 2000, p. 99.
3
Estes diários de juventude foram publicados pela primeira vez em 1990 por Mitchell Leaska, com o título de A
Passionate Apprentice: The Early Years, 1887-1909.
4
WOOLF, Leonard. A Writer's Diary: Being Extracts from the Diary of Virginia Woolf. London: Hogarth Press,
1953, p. viii-ix. Todos os trechos citados dessa obra tiveram tradução livre nossa.
A quase íntegra do diário de Virginia Woolf5 só veio a público vinte e cinco
anos após a edição resumida feita por Leonard. Dividida em cinco volumes que saíram
entre 1977 e 1984, e tendo como responsável Anne Olivier Bell (estudiosa de literatura
e esposa de Quentin Bell, sobrinho de Woolf, com a ajuda de Andrew McNeillie a partir
do terceiro volume), cobre 26 cadernos manuscritos, muitos dos quais encadernados a
mão pela própria Woolf, e englobam os anos de 1915 a 1941. Começam quando a
autora tinha 33 anos de idade e estava prestes a lançar Voyage Out, e terminam em 23
de março de 1941, quatro dias antes de sua morte e poucos meses depois de ela finalizar
seu último romance, Entre os atos.
Também nesta nova edição priorizou-se o conteúdo informativo. Anne Olivier
Bell fez uma tarefa hercúlea para iluminar o diário de Woolf, que foi muitas vezes
escrito de forma cifrada, de maneira que frequentemente só se entende do que ela está
falando caso se conheça sua vida, suas obras, e se acompanhe o contexto. Entretanto,
em minha opinião essa abordagem desconsiderou o caráter do diário enquanto obra.
Esse aspecto até hoje não foi analisado. Eu o reconheci quando tomei contato pela
primeira vez com os diários editados. E acho até hoje surpreendente que, ate onde sei,
ninguém tenha observado como é estranho que o texto do diário seja tão “domado” e tão
diferente dos demais textos woolfianos. Com uma bolsa que me possibilitou passar 4
meses em contato com os originais, verifiquei que minha hipótese era verdadeira.
No processo da edição integral, AOB suprimiu importantes marcas de
literariedade, presentes em outros textos woolfianos. Inseriram-se, por exemplo, quebras
de parágrafo em nome da clareza do texto e em detrimento do estilo. E em nome da
acurácia da informação, ela dividiu as muitas entradas que Woolf escrevia de forma
contínua em vários dias, criando desse modo entradas não existentes. Por exemplo,
Woolf frequentemente iniciava uma entrada em determinada data, mas só a concluía
dias depois. Amiúde não existe no manuscrito nenhum indício disso a não ser uma
mudança de tinta, um espaço em branco ou, mais raramente, alguma espécie de
indicação da própria autora, como observações nas laterais do texto principal ou
marcações entre parênteses. Para determinar as datas suprimidas, Olivier Bell fez uma
extensa e exaustiva pesquisa, valendo-se de outros documentos como apoio – como

5
Afirmo isso sabendo que corro o risco de controvérsia. Conforme detalharei mais à frente, ao passar o início de
2017 estudando os originais na Biblioteca Pública de Nova York, constatei que AOB decidiu suprimir (sem aviso ao
leitor) boa parte do diário paralelo que Woolf manteve quando morando em Asheham, no ano de 1917. Além disso,
existe o salto de uma passagem em agosto de 1940.
cartas, o diário de Leonard Woolf, jornais, registros históricos, programas de eventos e
exposições, entre outros.
Esses manuscritos lançam ainda maior luz sobre a maneira como o processo
criativo de VW parece se dar à revelia de hierarquizações e em constante
autotextualidade, ou seja, de referência interna a seus próprios textos. Se seu diário
alimentou outras de suas obras, foi também constantemente alimentado por elas, num
movimento reflexivo, ondeante. Como diz Leonardo Froes, tradutor de VW, “nota-se
um retorno de ideias que parecem solidificar-se na construção de posturas”, que eu
chamei de questionamentos incessantes.
Woolf fez diversos usos do seu diário. Seguindo uma espécie de vocação
despreocupada com as formas, comum no gênero, nele tudo cabia: insignificâncias do
cotidiano, que ela guardava para uma “mão futura mais hábil”; reflexões sobre a
sociedade, a arte e a literatura; registro das leituras que fazia, de autores tão diversos
quanto Shakespeare, Dante, Proust, Byron, Keats, Dostoiévski ou Tolstói; comentários
sobre pessoas e acontecimentos; válvula de escape para inseguranças; e
questionamentos sobre a natureza e os caminhos da crítica, do romance e da ficção.
Vivido como uma escrita sem fim, o diário de Virginia Woolf representa o seu anseio
por um “sistema que não excluísse”, capaz de incluir tudo, sem distinções 6. Pecrbe-se
como, nesse sentido, foi fundamental para o projeto literário modernista de Woolf, pois
alinha-se com questões que ela coloca, por exemplo, no celebre ensaio Ficcão Moderna
– um modo mais verdadeiro de representação seria o dos modernos, justamente o que
ela faz no diário: “registrar os átomos à medida que eles caem na mente”, “dizer ao
momento que fique”. Foi o diário que possibilitou que ela consolidasse o que chamo de
busca constante pela literatura, pelo estatuto do literário, em meio a seus experimentos e
rompimentos constantes. Isso eu enxergo à luz da differance derridiana, um constante
passar-entre, ser e outro ao mesmo tempo.
O diário muito importantemente também serviu de campo de experimentos e
reflexões literárias. Embora a primeira edição de Leonard já tenha de certa maneira
preservado essa característica, somente décadas depois ela começaria a ser analisada
com mais consistência. O diário serviu assim, entre outras coisas, como um equivalente
literário ao que nas artes plásticas convencionou-se chamar sketchbook – um caderno
em que os artistas fazem croquis e registram desenhos e colagens de suas ideias e

6
Na ficção, pode-se ver esse anseio representado, no limite, pelo procedimento do discurso indireto livre, com que
Woolf apresenta o pensamento de diversos personagens em simultaneidade.
inspirações. A própria Woolf com o tempo vai adquirindo consciência desse fato, como
revelam as seguintes passagens de 1924: “Acaba de me ocorrer que neste livro eu
pratico a escrita; treino minhas escalas; sim, & me dedico a criar certos efeitos. Ouso
dizer que aqui pratiquei [O quarto de] Jacob – & Mrs D.[alloway], e aqui devo inventar
meu próximo livro, pois cá escrevo meramente em espírito, & nisso também existe
grande alegria, & assim também a velha V. de 1940 enxergará algo aqui. Ela será uma
mulher capaz de enxergar as coisas, a velha V.: tudo... mais do que posso imaginar.
(...)” (17 out. 1924; grifos dela); “Escrever o diário ajudou enormemente o meu estilo,
soltou as amarras” (1 nov. 1924). Vemos germes de personagens, e cenas inteiras que
depois são transpostas para ensaios ou romances e contos – e que curiosamente depois
reaparecem nos diários, revelando uma simbiose muito particular entre eles e o restante
de sua obra. O diário pode ser lido, assim, também como uma forma de encruzilhada
entre seus diversos textos. E o que se vê, ao longo de suas milhares de páginas, não é o
retrato consolidado de uma única Virginia que se vai formando aos poucos – a Virginia
“humana” unívoca que se esperaria encontrar –, e sim o registro de uma metamorfose, o
rastro da direção imprevisível à qual o tempo a arrasta. Algo bastante apropriado, aliás,
a uma autora que em seus textos colocou em xeque justamente a noção de solidez do
sujeito e do discurso, que ela percebe como variados e inconstantes, e os limites da
possibilidade de conhecimento e representação da realidade. Isso origina uma escrita
que transcorre não em planos e retas, mas nas intercessões entre as categorias – como se
verifica, por exemplo, em seu hibridismo de gêneros (romances que podem ser lidos
como biografias, ensaios que podem ser lidos como romances, diários que podem ser
lidos como ensaios ou como contos ou como romances).
Neste sentido, cumpre notar ainda outra intercessão basilar em Woolf – a de
subjetividade e exterioridade. Graças aos valiosos estudos levados a cabo pelo campo da
crítica feminista desde os anos 1970, o envolvimento de Woolf com as questões
políticas de seu tempo é hoje reconhecido – sua participação na reinvindicação do
sufrágio feminino em 1910 e seu pacifismo são exemplos. A consequência foi o
surgimento de novos olhares sobre sua obra, observando como esta foi influenciada
pelos debates de sua época e apontando como não se pode mais enxergar sua literatura
como encastelada em uma espécie de investigação puramente individual e subjetivista.
A obra woolfiana, ao contrário, tece-se numa contínua negociação entre o âmbito
íntimo particular e o sócio-histórico7. Destarte, não é possível confiná-la
exclusivamente nem ao plano da estética nem ao plano da política (incluindo-se aí o
feminismo), uma vez que se constrói na confluência das diferentes relações entre
ambos. Posicionar na sua obra a preocupação estético-literária acima ou abaixo da
histórico-política é, por conseguinte, problemático, pois implica que existe uma
separação distinta entre ambas na sua literatura – coisa que não se verifica (SNAITH,
2001). O processo de desvincular Woolf do âmbito do puramente íntimo ou particular
trouxe consigo, portanto, renovadas leituras – como do feminismo woolfiano, que já não
pode mais ser visto como “latente” ou “sugerido” em seus textos, mas como algo que se
expressa na própria estrutura destes. Sua escrita, repleta de pausas, pontos e virgulas, de
silêncios, de afirmares e desdizeres em seguida, já indica uma reconstrução da forma
masculina inglesa herdada do século XIX, uma contestação da autoridade categórica. É
algo que ela inclusive exorta as mulheres a fazerem; por exemplo, em seu ensaio
Mulheres e Ficcão, pede que elas “encontrem uma nova forma de seu pensamento, sem
esmaga-lo nem distorce-lo”.
Tais aspectos adquirem ainda maior relevância quando se tem em mente que,
como membro do grupo modernista Bloomsbury 8, Woolf ocupava um ponto de vista
privilegiado, no centro da produção literária da Inglaterra de sua época – e não apenas
como escritora, mas também como fomentadora. As atividades da Hogarth Press
contribuíram para aprofundar a circulação de concepções artísticas e ideias que, de
outro modo, dificilmente encontrariam canal de difusão9, e, do ponto de vista pessoal,
Woolf se viu envolvida até o fim da vida em diversas organizações, como os Omega
Workshops de Roger Fry na década de 1910, a Women’s Co-operative Guild e o
Women’s Institute de Rodmell. “Com a morte de Virginia Woolf, rompeu-se todo um
eixo cultural”, afirmou T.S. Eliot (ELIOT, 1941).
Assim, com variadas gradações, maiores ou menores, Virginia Woolf pode ser
vista tanto como uma autora preocupada com a representação da interioridade subjetiva

7
Nos romances, isso fica mais notório em seu último romance, Entre os atos (1941), na peça sobre a história da
Inglaterra encenada pelo vilarejo, embora já esteja presente desde A Voyage Out (1915). Cumpre notar que na época
de sua morte, Woolf estava escrevendo uma espécie de história da literatura inglesa, com o título provisório de Notes
for Reading at Random.
8
Grupo formado por intelectuais, escritores e artistas de Londres da primeira metade do século XX. Não era um
movimento, não tinha manifesto e não se tratava de um partido político (embora não se possa dizer que não tinha
política). Entre seus membros mais famosos estavam Virginia e Leonard Woolf, T.S. Eliot, E.M. Forster, Roger Fry,
J. Maynard Keynes, Lytton Strachey,Vanessa Bell, Clive Bell e Vita Sackville-West. O grupo exerceu grande
influência no pensamento sobre estética, literatura, artes, crítica, economia e história política, e promoveu mudanças
de paradigmas em relação a questões como feminismo, pacifismo e sexualidade.
9
Leonard Woolf afirmava que um dos principais motivos para fundarem a Hogarth foi o desejo de publicar livros
que, por sua ausência de apelo comercial, teriam poucas chances de serem aceitos nas grandes editoras.
e os processos de construção de identidade, quanto como uma escritora que observou os
debates sociais de seu tempo e cuja obra foi informada por questões relacionadas
principalmente a violência, guerra, gênero e história. Embora não seja possível falar em
método em Woolf, isso estabelece alguns princípios que norteiam sua obra, dos quais o
mais destacado seria uma busca contínua pela possibilidade e validade da representação
literária, com suas diversas implicações artísticas, políticas e éticas. Acredito que tal
ponto de vista, sustentado pela differance vista como intrínseca à própria autora, pode
contribuir para a ampliação do escopo analítico da obra de Virginia Woolf, não raro
ainda hoje considerado apenas em seu caráter formalista estético, calcado na ruptura e
no experimentalismo, ou centrado em sua disposição feminista.

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