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As Fronteiras do Estado: Violênc., Milíc., Crime Org. e Polít. de Seg. Púb. em Áreas Socialm.

Vulneráveis

AS FRONTEIRAS DO ESTADO: VIOLÊNCIA, MILÍCIAS, CRIME ORGANIZADO E


POLÍTICAS DE SEGURANÇA PÚBLICA EM ÁREAS SOCIALMENTE VULNERÁVEIS

Gilberto de Souza Vianna*


Pedro H. Villas Bôas Castelo Branco**

Nada é neutro, ou antes ninguém é neutro e tudo é


ambíguo; tudo é campo de batalha.
São Gregório de Nissa

RESUMO
O artigo procura fazer correlações sobre os temas de violência contra o indivíduo
e a sociedade, trabalhando as fronteiras da ação do Estado na área de segurança,
relacionando, para tanto, vários fatores, tais como: milícia, crime organizado, áreas
socialmente vulneráveis, além da condição humana daqueles que vivem sob a
órbita da violência sem a proteção do Estado. Criou-se o conceito de “sociedade de
interesse no crime”, no qual estão inseridos quem pratica o crime e quem dele se
beneficia. Parte da ausência do Estado em determinadas áreas é decorrente de ações
políticas e sociais, no entanto, uma questão de ética e moral individuais colabora
para e manutenção desta “sociedade de interesse no crime”, em que o lucro e o
benefício individual sobrepõem a preceitos morais e éticos indicadores de práticas
morais. Nesse contexto, os indivíduos moradores de áreas socialmente vulneráveis
acabam sofrendo violências tanto do crime organizado, quanto do Estado ausente,
tornando evidente sua vulnerabilidade. A metodologia utilizada neste artigo figura
nos moldes da corrente sociológica conhecida como “sociologia histórica”, corrente
que elabora uma conjunção de questões que são ricas em detalhes, estudando
como as sociedades se desenvolveram no decorrer da história, e partindo disso
analisando como as estruturas sociais, consideradas por muitos naturais, são de
fato moldadas por processos sociais complexos. Para esta corrente, a estrutura, é
configurada por instituições e organizações, que afetam a sociedade – resultando
em fenômenos que vão desde questões de desigualdade, vulnerabilidade, violência
e guerra. A sociologia histórica preocupa-se principalmente com a evolução do
Estado, analisando as relações entre estados, classes, sistemas econômicos e
políticos. Ainda como referência Metodológica, o autor deste artigo utiliza os
trabalhos de Charles Tilly, Judith Butler,e Giorgio Agamber, procurando e, ao
____________________
* Membro do Corpo Permanente da Escola Superior de Guerra, Graduado em História e Economia,
mestre em História pela Universidade Federal do Paraná (UFP), e doutorando pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Contato: <vianna@esg.br>.
** Professor Titular de Ciência Política do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Contato: <pvbcastelobranco@iesp.uerj.br>.

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mesmo tempo, preocupado em articular as relações entre uma série de elementos


conceituais inerentes à situação.
Palavras-chave: Violência. Segurança Pública. Áreas socialmente vulneráveis. Tráfico
de Drogas.

THE LIMITS OF THE STATE: VIOLENCE, MILITIAS, ORGANIZED CRIME AND PUBLIC
SECURITY POLICIES ON SOCIALLY VULNERABLE AREAS

ABSTRACT
The work debate themes related to violence against the individual and society,
dealing with the frontiers of the State action in the security area, relating several
factors, such as: militia, organized crime, socially vulnerable areas, besides the
human condition of those who live under the orbit of violence without the protection
of the government. The concept of “society of interest in crime” was created, in
which are inserted those who practices the crime and those who benefits from it.
Part of the absence of the State involvement in certain areas is due to political and
social actions; however, an individually ethical and moral question contributes to
the maintenance of this “society of interest in crime”, where profit and individual
benefit prevail on moral and ethical precepts and indicators of moral practices.
In this context, individuals living in socially vulnerable areas suffer violence both
from organized crime and from the absent State, making their vulnerability evident.
The methodology used in this article is based on the sociological current known
as “historical sociology”, a current that elaborates a combination of issues that
are rich in details, studying how societies have developed in the course of their
history, and analyzing how social structures, considered by many to be natural,
are actually shaped by complex social processes. According to this current, the
structure is shaped by institutions and organizations that affect society - resulting
insocial phenomena ranging from social inequality, vulnerability, violence and war
issues. Historical sociology is concerned mainly with the evolution of the State,
analyzing the relations between states, classes, economic and political systems. As
a methodological reference, the author also uses the works of Charles Tilly, Judith
Butler, and Giorgio Agamber, targeting and, at the same time, concerned to bond
the relations between a series of conceptual elements inherent to the situation.
Keywords: Violence. Public security. Socially vulnerable areas. Drug trafficking.

LAS FRONTERAS DEL ESTADO: VIOLENCIA, MILÍCIAS, CRIMEN ORGANIZADO Y


POLÍTICAS DE SEGURIDAD PÚBLICA EN ÁREAS SOCIALMENTE VULNERABLES

RESUMEN
El artículo busca hacer correlaciones sobre los temas de violencia contra el individuo
y la sociedad, trabajando las fronteras de la acción del Estado en el área de seguridad,

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relacionando para ello varios factores, tales como: milicia, crimen organizado, áreas
socialmente vulnerables, además de la condición humana de aquellos que viven
bajo la órbita de la violencia sin la protección del Estado. Se creó el concepto de
“sociedad de interés en el crimen”, en el cual están insertados quienes practican el
crimen y quién de él se beneficia. Parte de la ausencia del Estado en determinadas
áreas es consecuencia de acciones políticas y sociales, sin embargo, una cuestión de
ética y moral individuales colabora para y mantiene esta “sociedad de interés en el
crimen”, en que el lucro y el beneficio individual superponen a preceptos morales y
éticos indicadores de prácticas morales. En este contexto, los individuos que viven
en zonas vulnerables socialmente sufren violencias tanto del crimen organizado,
como del Estado ausente, haciendo evidente su vulnerabilidad. La metodología
utilizada en este artículo figura en los moldes de la corriente sociológica conocida
como “sociología histórica”, que elabora una conjunción de cuestiones ricas en
detalles, estudiando cómo las sociedades se desarrollaron a lo largo de la historia,
y partiendo de ello analiza cómo las estructuras sociales, consideradas por muchos
naturales, son de hecho moldeadas por procesos sociales complejos. Para esta
corriente, la estructura se configura por instituciones y organizaciones, que afectan
a la sociedad -resultan en fenómenos de cuestiones de desigualdad, vulnerabilidad,
violencia y guerra. La sociología histórica se preocupa principalmente de la evolución
del Estado, analizando las relaciones entre estados, clases, sistemas económicos y
políticos. Como referencia metodológica, este artículo utiliza los trabajos de Charles
Tilly, Judith Butler, y Giorgio Agamber, buscando y preocupándose en articular las
relaciones entre una serie de elementos conceptuales inherentes a la situación.
Palabras clave: Violencia. Seguridad Pública. Áreas socialmente vulnerables. Tráfico
de drogas.

1 INTRODUÇÃO

Em busca de inspiração para escrever este artigo sobre violência, justamente


no mês de janeiro de 201726, deparei-me com o noticiário veiculado pela mídia
sobre as crises no sistema carcerário nacional, algo aparentemente tão distante das
preocupações cotidianas dos cidadãos brasileiros.
Portanto, partindo da reflexão sobre textos lidos e debatidos na disciplina
“violência” ministrada no Instituto de Ciência Sociais e Políticas (IESP) da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), no segundo semestre de 2016, pretendo, neste
artigo, fazer uma análise a respeito do Estado, do comércio ilegal de drogas ilícitas
e do crime organizado.

26 Site do G1, de 8 de janeiro de 2017. G1 Globo. Disponível em: <G1: http://g1.globo.com/am/


amazonas/noticia/2017/01/massacre-completa-uma-semana-e-crise-carceraria-segue-no-amazonas.
html>. Acesso em: 20 de junho de 2017.

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A título de exemplo, incluo, neste artigo, uma experiência pessoal que


demonstra, em um universo restrito, a atual situação de sequestro do Estado pelo
poder marginal paralelo. Ao estacionar meu carro em um posto de gasolina no
bairro carioca da Tijuca, no Rio de Janeiro, observei um motoqueiro abastecendo
seu veículo. Ele colocou pessoalmente a mangueira de combustível no tanque de
seu veículo, encheu o reservatório, e saiu do estabelecimento. O estranhamento
do meu olhar à cena provocou uma explicação do frentista sobre “um acordo de
sobrevivência” estabelecido entre o proprietário e os membros das facções27 que
dominavam a região. Se o pacto fosse descumprido, o posto não poderia mais
funcionar. Este fato leva o cidadão a pensar nas várias dimensões da violência
cometida em função da inércia e da ausência do Estado, ou mesmo em decorrência
da ação do poder público. Como o Estado é fragmentado dentro de seu próprio
território, cria fronteiras internas, marcadas pela sua ausência.
O pensador americano Charles Tilly, no seu artigo War Making and State
Making as Organized Crime (Tilly, 1985), identifica essa prática, com a palavra
Racketeers, que poderia ser traduzida como chantagem, ou seja, a cobrança de
uma taxa de proteção de atos praticados aos mesmos agentes que adotam esses
procedimentos.

Defensores de determinados governos e do governo, em geral,


geralmente argumentam, precisamente, que eles oferecem
proteção contra violência local e a violência externa. Eles alegam
que os preços que cobram mal cobrem os custos de proteção.
Eles qualificam as pessoas que reclamar sobre o preço de
proteção de “anarquistas”, “subversivos”, ou ambos ao mesmo
tempo. Mas considere a definição de um mafioso como alguém
que cria uma ameaça e, em seguida, cobra para a sua redução.
Prestação de proteção dos governos, por esta norma, muitas
vezes se qualifica como extorsão. Na medida em que as ameaças
contra o qual um dado Governo protege os seus cidadãos são
imaginárias ou são consequências da suas próprias atividades, o
governo organizou um negócio de proteção. Desde o momento
em que os próprios governos com frequência simulam,
estimulam, ou até mesmo fabricam ameaças de guerra externa
e uma vez que as atividades repressivas e extrativistas dos
governos muitas vezes constituem as maiores ameaças atuais
para os meios de subsistência de seus próprios cidadãos, muitos
governos operam essencialmente da mesma maneira como

27 O termo facção tem sido utilizado de forma intercambiável para se referir a toda uma série de
fenômenos, de organizações, narcotraficantes, contrabandistas ou outras formas criminosas. De
fato, o conceito refere- se a uma manifestação mais concentrada do crime organizado. É fenômeno
intimamente relacionado aos diferentes tráficos de drogas.

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chantagistas. Há, evidentemente, uma diferença: os mafiosos,


pela definição convencional, operam sem o beneplácito dos
governantes. (TILLY, 1985, p. 54)

Mas a existência de crime e de violência com diversas facções criminosas e


milícias dominando extensas áreas, e colocando grande quantidade de pessoas à
margem do poder do Estado, e em situação de vulnerabilidade, denotam a ausência
efetiva do poder público. Diante desse cenário, podem ser elaboradas algumas
hipóteses básicas, que procuro seguir neste artigo, como: a dinâmica dentro e entre
as forças sociais de ambos os lados da lei não tende a se manter umas às outras,
mas reforça-se mutuamente, seja agindo de forma concertada ou por interações
mais sistêmicas. Com isso, desenvolve-se uma “comunidade de interesse no crime”
– uma coalizão de grupos com interesses psicológicos, morais e materiais – entre
“empresários” de drogas e agências estatais coercitivas, gerada pela corrupção
das elites do poder que a controlam. Neste contexto, podemos ver um aumento,
aparentemente contraditório, desta comunidade de interesse no crime, tanto na
importância de atividades criminosas ou criminalizadas específicas, como nos
poderes coercitivos dos estados (polícia, militares, agências alfandegárias, aparelhos
fiscais e de inteligência).
O apoio mútuo tem muitas formas e muitos níveis, muda ao longo do tempo
e da localização. No entanto, a consequência dessa troca é que os interesses de
ambos os grupos são avançados, em detrimento do interesse da população local,
de terceiros e de segmentos significativos das sociedades em que se desenvolve,
tornando precária a vida das pessoas fora desta “comunidade de interesse no crime”.
A violência passada e a violência presente não estão ligadas pelo ponto de vista da
ameaça à ordem ou ao questionamento do Estado, mas, sim, por uma experiência
sofrida e seus efeitos sobre aqueles que a ela estão submetidos. Ao organizar seus
recursos, alguns “empreendedores” do comércio de drogas estabelecem uma
estrutura de poder para se protegerem, desafiam a autoridade em áreas específicas
ou, até mesmo, suplantam o poder das elites que controlam um Estado e nele se
infiltram. Tais ações também podem pôr em perigo outros setores da sociedade e
o corpo social em geral, onde progressivamente o estado de direito e as relações
formalmente reguladas entre as regiões, mercados e sociedades dão lugar a arranjos
informais, corrupção, violência e intimidação.
O motoqueiro, citado acima, está ligado a uma facção que, de certa forma, o
permite abastecer sua moto gratuitamente em troca da mesma facção não assaltar
o posto, e, por assim dizer, permitir a sobrevivência econômica do comerciante,
remete a um trauma sofrido, invisivelmente, fatos que se multiplicam de diversas
formas, com efeitos ao longo do tempo. Nesse exemplo, a violência equivale à
negação ou ao ataque à integridade física e moral de um indivíduo, com implicações
que podem afetar gerações sucessivas.

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Como combater esta Comunidade de interesse no crime? Pergunta difícil, não


obstante rapidamente a resposta pode residir no fortalecimento de valores, com
apoio ao surgimento de uma comunidade com valores e preceitos éticos e morais,
que trabalhe o dever como uma prática. Por mais utópica que esta proposta possa
parecer, esta comunidade só pode aparecer com a estabilidade sócio-econômica
oferecida pelo Estado, e o Estado deve ser o garantidor da vida e da segurança, para
que uma comunidade de valores se afirme.
Mas a luta por territórios, controlado pelas milícias, pelo crime organizado e
pelo tráfico de drogas leva-nos a uma realidade bem cruel: a negação do direito a
vida nas comunidades vulneráveis e, portanto, longe do poder do Estado. O direto
à vida, não só da comunidade socialmente vulnerável, mas também dos agentes
públicos que são alocados pelo Estado para sua segurança e defesa, como pondera
Butler:
No entanto, o que talvez seja mais importante é que teríamos
de repensar “o direito à vida” onde não há nenhuma proteção
definitiva contra a destruição e onde os laços sociais afirmativos
e necessários nos impelem a assegurar as condições para
vidas vivíveis, e a fazê-los em bases igualitárias. Isso implicaria
compromissos positivos no sentido de oferecer os suportes
básicos que buscam minimizar a precariedade de maneira
igualitária: alimentação, abrigo, trabalho, cuidados médicos,
educação, direito de ir e vir e direito de expressão, proteção
contra maus-tratos e a opressão. (BUTLER. 2016, p.41).

2 COMÉRCIO DE DROGAS E VIOLÊNCIA

A indústria e o combate ao comércio de drogas não são necessariamente


opostos entre si, desenvolvem uma dinâmica mais ou menos interligada e
interdependente, uma espécie de “coligação” de contrapartida, como também
de reforço mútuo, que serve aos interesses de ambos, independente do controle
democrático dos cidadãos e, às vezes, do governo:

Por isso a precariedade como condição generalizada se baseia


em uma concepção do corpo como algo fundamentalmente
dependente de, e condicionado por, um mundo sustentado e
sustentável; a reação – e, em última instância, a responsabilidade
– se situa nas relações afetivas a um mundo que sustenta e
impõe. (BUTLER, Quadros de guerra: quando a vida é passível
de Luto? 2016, p.59).

No século XXI, quando transformações do conceito de violência são debatidas


academicamente, muitas vezes, a violência é denunciada sob uma grande variedade

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de formas e práticas cotidianas, que podem ter modalidades antigas e novas, mas
que juntas nos induzem a pensar que o conceito sobre a matéria sofre metamorfoses.
Não obstante, quando discorremos sobre a violência do Estado (BUTLER, 2016,
p.60) ou em relação à individualidade, à liberdade e ao direito de ir e vir, falamos
de inserções na vida de pessoas comuns, cometidas de diversas maneiras, as quais
vêm ocorrendo com a sociedade com o passar dos séculos.

Em primeiro lugar, ter como meta o redirecionamento do foco e


a ampliação da crítica política da violência do Estado, incluindo
tanto a guerra quanto as formas de violência legalizada
mediante as quais as populações são diferencialmente privadas
dos recursos básicos necessários para minimizar a precariedade.
(BUTLER, 2016, P. 52).

Como já dito, em janeiro de 2017, o noticiário concentrou-se na revolta e


disputa de território nos diversos presídios brasileiros pelas diferentes facções do
crime organizado ligadas ao tráfico de drogas, tendo como resultado uma centena
de mortes de forma violenta, demonstração de força com o propósito de mostrar
uma evidente incompetência ou conivência do Estado em suas várias esferas. As
facções do tráfico de drogas disputaram hegemonia nos presídios, controle de
rotas de tráfico de drogas e armas, do território urbano, e, principalmente, em
comunidades socialmente vulneráveis, como favelas, onde o domínio do território
garante às facções pontos de varejo no comércio de drogas ilícitas.
Para continuidade, neste ensaio, temos que indicar um pensamento claro
sobre o termo violência, porém não é simples, principalmente porque as suas
manifestações são demasiadas dispersas e paradoxais, já que a palavra tem origem
no latim, significando “abuso de força”, mas também remete a “violare”, agir contra,
contra uma lei, contra uma pessoa. Segundo Freud, o homem é fundamentalmente
agressivo e a civilização só pode reprimir a situação de guerra e de impunidade, e
que a violência em si é fatal (Freud, 1974). No entanto, pode ser considerada como
conflitual, posto que a não violência passa pelo reconhecimento do outro como
interlocutor e semelhante. Porém, ela pode ser explicada pelo conflito e em casos de
legítima defesa ou resistência à opressão e à miséria, mas nunca seria propriamente
legítima e, nesta circunstância, voltamos à questão do crime organizado.
Para analisarmos o crime organizado e o narcotráfico, como atividades
econômicas ilícitas, devemos compreender sua atuação no corpo social. Em nossa
sociedade, essas atividades ilícitas passam a ser, em cada etapa de sua estrutura,
agentes da violência, manipulados tanto pelo crime organizado quanto pelas forças
repressoras. A violência endêmica é, de certa maneira, provocada pelo Estado,
quando decorrente de políticas sociais desastrosas, geradoras de áreas urbanas
socialmente vulneráveis, o que delimita fronteiras de atuação do Estado. Como
discorre Agamben:

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A nossa política não conhece hoje outro valor (e,


consequentemente, outro desvalor) que a vida, e até que as
condições que isto implica não forem solucionadas, nazismo
e fascismo, que haviam feito da decisão sobre a vida nua o
critério político supremo, permanecerão desgraçadamente
atuais. (AGAMBEN, 2002, p. 17).

Deste ponto de vista, a violência afeta os direitos individuais, pessoais e


existências coletivas. Algumas pessoas a consideram como um comportamento de
crise, uma resposta a mudanças de situação. Para encerrar o ciclo, não é suficiente
apenas a contabilidade de vítimas e sua subjetividade, por mais importante que seja
sua capacidade de mobilizar a opinião coletiva, os meios de comunicação social, o
Estado e líderes políticos. Além disso, é preciso também olhar para as diferentes
formas da violência: “A questão não é saber se determinado ser vivo ou não, nem se
ele tem o estatuto de “pessoa”; trata-se de saber, na verdade, se as condições sociais
de sobrevivência e prosperidade são ou não possíveis”. (BUTLER, 2016, p. 67).
Provavelmente mais de noventa por cento das pessoas que moram em
comunidade socialmente vulneráveis são na verdade trabalhadores honestos e
esforçados. Eles estão lutando por sobrevivência, dignidade e cidadania para si
próprios e suas famílias. Muitas das revoltas, por melhores condições de vida, têm
uma justificativa. No entanto, como a equação não é tão simples, os moradores
dessas regiões são aterrorizados pelos outros 10% de bandidos e sujeitos aliados
ao crime organizado, que mantêm uma liderança nefasta nas comunidades. Eles
têm medo de se aproximarem da força de segurança pública pelas ameaças de
morte que recebem desses grupos marginais. Para conquistá-los, dentro deste
conflito, e tentar protegê-los, as forças de segurança pública esforçam-se em
provar que os bandidos não podem atingi-los se eles ficarem do lado do Estado.
Esta dimensão de perigo está associada à mudança de poder, seja ela do tráfico
ou do Estado, que põe em risco a vida dos cidadãos, tornando-os vulneráveis,
condição que se aproxima muito do sentenciado por Agamben (2002) e Judith
Butler (2016):

Toda a sociedade fixa este limite, toda a sociedade – mesmo


as mais modernas – decide quais sejam seus “homosacer”. É
possível, aliás, que este limite, do qual depende a politização e
a exceptição da vida natural da ordem jurídico estatal não tenha
feito mais do que alargar-se na história do Ocidente e passe
hoje – no novo horizonte biopolítico dos estados de soberania
nacional – necessariamente ao interior de toda a vida humana
e de todo o cidadão. A vida nua não está mais confinada a um
lugar particular ou em uma categoria definida, mas habita o
corpo biológico de cada ser vivente. (AGAMBEN, 2002, p.47).

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Os direitos humanos podem proteger estas pessoas? Ou elas estão


permanentemente excluídas da política e condenadas à “vida nua”? Por toda a
parte, há violência, privação e opressão, que as normas dos direitos humanos
parecem impotentes para evitar. As suas teorias e práticas devem enfrentar os
principais problemas identificados por Agamben (2002) – a violência do estado
soberano de exceção e a redução da humanidade à “vida nua”. Agamben (2002)
retoma a distinção feita por Aristóteles entre “bios” e “zoé”. Bios é o reino da
ética e da moral no qual se manifesta o juízo, representa o modo de viver dentro
de um grupo que depende da linguagem. Já zoé é a vida nua, natural e biológica
comum a todos os homens, ou seja, a mera existência. Para Agamben (2002), a
vida nua é o campo em que se mantém o paradoxo, é o lugar em que foi excluída
por sua inclusão, onde só o direito pode alcançar o vivente. Assim, a vida torna-
se matável pela ordem do poder soberano juridicamente construído, o poder
jurídico torna o vivente: excluído, aniquilado e matável.
O Estado tem que exercer a função que lhe é destinada, não a de um estado
de exceção, ocupando o espaço com o propósito de acabar com a situação de
vulnerabilidade social da comunidade. Pois o abandono dessa população pelo
poder legítimo também é uma violência, realçando a precariedade da vida nessas
comunidades, e favorecendo uma comunidade de interesse no crime, e cada vez
mais dificultando a existência de uma comunidade ética.

Desse modo, a produção normativa da ontologia cria o problema


epistemológico de apreender uma vida, o que, por sua vez, dá
origem ao problema ético de definir o que é reconhecer ou,
na realidade, proteger contra a violação e a violência. (BUTLER,
2016, p.63)

Essa medida torna-se urgente quando as ações de ocupação e desocupação


recorrentes da força pública de segurança nas comunidades transformam-se em
uma espiral perversa, levando ao descrédito as iniciativas do Estado, o que pode
até ser mensurado pela rejeição das intervenções públicas, pois a coletividade tem
consciência que sua presença não será uma constante28.
Portanto, a violência sofrida pelos indivíduos dessas áreas urbanas chega a
eles por duas formas: uma realizada pela polícia e as forças públicas, outra, pelo
crime organizado, quando assume controle das respectivas regiões e impõe uma
conduta aos moradores, além do surgimento de grupos de viciados, que, sem
recurso para manutenção de seu vício, praticam furtos na comunidade ou no seu
entorno, e criam um problema para a saúde pública, pois questão consiste na

28 Na cidade do Rio de Janeiro essa realidade é visível na comunidade da “Cidade de Deus” de forma
intensa, só estudado em relatórios internos, porém é um fenômeno passível de análise.

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recuperação29.
Assim como os indivíduos podem ficar viciados no uso de drogas, grupos
dessas comunidades estão se tornando viciados no dinheiro, que é gerado no
negócio de drogas, isso parece ser igualmente verdadeiro para as agências com a
atribuição de controlá-los.

A precariedade perpassa as categorias identitárias e os mapas


multiculturais, criando, assim a base para uma aliança centrada
na oposição à violência de Estado e sua capacidade de produzir,
explorar e distribuir condições precárias e para fins de lucro e
defesa territorial. (BUTLER, 2016, p.34).

O comércio de drogas possibilita aos empresários do tráfico (os gerentes da


estrutura) contatos com políticos, lembrando que, além de financiarem as campanhas
com vultosas quantias de dinheiro obtidas pela atividade, podem ser bons “cabos
eleitorais” e contam com a imunidade e a licença de exercer a violência. Dessa
maneira, as facções, que controlam o tráfico e as milícias no Brasil, têm conseguido
alterar a ordem histórica do Estado e da economia. Promovem uma violência maior
do que a tradicional, mas oferecem mais oportunidades de mobilidade e promoção
para os estratos mais baixos, pois impõem uma ordem econômica nas respectivas
regiões, gerando benefícios para a comunidade de maneira fácil e ágil, mas não
menos perversa. A logística e sua estrutura organizacional são simples e rapidamente
reconectadas. Pelo contrário, no sistema financeiro do país, a ordem jurídica da
redistribuição dos lucros é mais complicada, e os resultados dos programas sociais
demoram a beneficiar as sociedades carentes.
A complexidade política e burocrática do Estado, que retarda o atendimento
às necessidades desses moradores (saúde, emprego, saneamento básico), favorece
a “comunidade de interesse no crime”, onde coabitam as forças de repressão e
o narcotráfico. Por outro lado, não se pode negar que o narcotráfico assume o
papel “social”, quando promove o “Populismo do Crime”, realizando pequenas
ações assistências (auxílio no pagamento de contas básicas dos moradores,
custeando consultas médicas, ou intermediando pequenos conflitos e disputas
entre moradores). Com estas iniciativas, o crime organizado conquista a simpatia
dos moradores e provoca a intolerância entre moradores e policiais, principalmente
quando estes intensificam sua ação legal no “território do tráfico”, ficando

29 O uso de drogas está ligado a algumas das questões, como realização de exames de varredura de
consumo de drogas ilícitas e substâncias psicoativas na escola e no local de trabalho, tentativas de
controle da AIDS entre os grupos que utilizam agulhas como meio de injetar estas substâncias, o
problema de saúde pública como consumo de “crack”, uma forma “fumável” de cocaína, na verdade
um subproduto da pasta de coca, com cracolândias se espalhando nos centros urbanos, com
tentativas de parar o fluxo de drogas e esforços para reduzir a demanda por drogas.

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evidenciada a preferência do domínio do poder marginal ao Estado.


Ao legalizar o dinheiro proveniente do comércio de drogas, a criminalidade
passa a participar da normalidade da vida econômica, criando entidades e
empresas. Esse processo gera uma competição desigual entre os investidores
lícitos e aqueles detentores de capitais de origem ignorada, o que compromete a
estabilidade econômica, a normalidade política derivada da economia e as bases
legais do Estado. Pois ao contrário do que muitos acreditam, estes grupos à margem
da Lei não só controlam a atividade do tráfico, mas também regulam o acesso a
instituições estatais, estabelecendo estruturas de controle clientelista locais e o
exercício da violência, elementos que compõem seu poder logístico.
A organização é vital para caracterizar como crime organizado uma associação
delinquente; alto poder de intimidação e violência; preferência pela prática de
crimes rentáveis, entre eles, extorsão, pornografia, prostituição, jogos de azar,
tráfico de armas e entorpecentes etc.; tendência a expandir suas atividades para
outros países em forma de multinacionais criminosas, e, finalmente, diversidades
de atividades para garantir uma maior lucratividade.
O exercício da violência, praticado pelo crime organizado, leva-nos a outra
vertente, ou seja, a exposição e o uso ostensivo de armamentos, notadamente
fuzis30, dois movimentos complementares: o tráfico de armas e o tráfico de drogas.
Importante salientar que a ostentação de armas tem uma concentração maior onde
existe disputa por comunidades para comercialização do varejo de drogas entre as
várias facções, notadamente isso não ocorre com tanta freqüência em São Paulo, “a
revolução violenta da arma barata”, como fala Michael Mann (2013).
Grande culpa desse cenário pode ser atribuída ao Estado, que, devido à sua
desorganização, perde a credibilidade, quando em nome de interesse político,
divulga e promete medidas para combater a criminalidades, promessas, que ficam
além de sua eficiência, e não são aplicadas.

3 O CRIME ORGANIZADO COMO EMPRESA

Os motivos pelos quais as pessoas produzem, vendem e consomem drogas


são muito complexos. O dinheiro e o poder associados à pobreza e à marginalização,
que fazem parte da contradição social do Brasil, também representam as razões do
tráfico, produção e comercialização. Mas outras respostas explicam o florescimento

30 Como as armas chegam às mãos do crime organizado? São diversos fatores: roubo em unidades
militares, roubo em empresas de segurança, corrupção entre os agentes de fronteira encarregados de
impedir que isso ocorra. Em geral, elas entram pelas fronteiras secas do Paraguai e da Bolívia, e por via
portuária. Grande parte de armas apreendidas é de origem chinesa (plataforma Norico, cópia chinesa
da AK-47), entrando pelo Porto, Bolívia e Paraguai, além de armas AR-14 da US Armalite, que chegam
ao Brasil, pelo Paraguai, importadas da Flórida.O trio básico: portos, aeroportos e fronteiras são as
veias do tráfico em geral.

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da economia da droga e encontram-se na forma de organização do Estado. Estas


estão relacionadas ao modo como uma sociedade está estruturada, podendo ser
até interpretada como uma reação à violência social sofrida.
Consumo de drogas tem consequências trágicas, tanto para os usuários
quanto para toda a sociedade e a nação, portanto, é importante conhecermos a
história do uso e da repressão dessas substâncias no Brasil se quisermos escolher
decisões sobre o problema agora e no futuro.
O mercado global de cocaína vale cerca de 71 bilhões. Os maiores produtores
são a Colômbia, equivalendo a cerca de 50%, Peru, 32%, e Bolívia, 15%. Destes três
países, a Colômbia é o maior produtor de folha de coca e de cocaína desde 1997.
No mundo existem 13 milhões de consumidores de cocaína, dois milhões estão no
Brasil (ONU, 2017).
Sendo assim, para melhor compreensão da realidade existente no país,
teremos que nos reportar as décadas de 1960-70 do século XX, quando presos
políticos passaram a conviver com criminosos perigosos em presídios da Ilha Grande
e o presídio da Frei Caneca, no estado do Rio de janeiro, os marginais comuns
tiveram acesso às estratégias e ao desenvolvimento dos métodos e estruturas de
ação organizacional, os delitos, até aquele momento, eram realizados de forma
amadora. Este contato com os intelectuais presos proporcionou a orientação de
como atuar de maneira conjunta. A detenção e a aproximação forçada foram quesitos
imprescindíveis para o compartilhamento de conhecimentos. Desse encontro
despontou um fruto perigoso: o Comando Vermelho. Há muito que estudar sobre
os presídios brasileiros, como divulgadores de ações criminosas.
As facções de drogas multiplicaram-se após o surgimento do Comando
Vermelho, surgiram diversas outras, sendo as mais famosas o Primeiro Comando
da Capital (PCC), em São Paulo, e a Família do Norte, na Região Norte e Nordeste,
que ganhou expressão nacional com a crise dos presídios em janeiro de 2017.
No entanto, o poder logístico das facções concentra-se no domínio das rotas,
sua atividade econômica está direcionada à regulação das atividades criminosas,
mantendo relações transnacionais com parceiros preferenciais ou parceiros para o
mercado de distribuição atacadista, sendo normais relações estreitas com o crime
organizado internacional, incluindo a máfia (italiana, russa, nigeriana).
A internacionalização da criminalidade e da aplicação da lei, e a sua dinâmica
mútua, estão intimamente relacionadas com as mudanças no cenário mundial,
provocadas pelo fim da Guerra Fria, a globalização, a integração regional e as
reformas neoliberais. As transformações decorrentes desses desenvolvimentos e
processos são múltiplas. Elas produziram novos padrões de hierarquia e dominância
no sistema internacional e modificaram o papel do Estado neste contexto. Com
isso, vemos novas formas de soberania (por exemplo, econômicas, multilaterais,
multinacionais) e de relações entre sistemas econômicos e políticos (por exemplo,
desregulamentação, informalização, corrupção). Essas mudanças no sistema

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político e econômico mundial também levam a uma diminuição da separação entre


os quadros interno e internacional para a formulação de políticas e a gestão dos
assuntos econômicos.
O aumento concomitante do poder das forças de mercado e o impacto das
reformas neoliberais debilitaram as capacidades dos Estados ou a disposição de
regular e controlar esses fluxos. A globalização também tem promovido a expansão
de redes e transações ilegais em todo o mundo. As diásporas migratórias ligam os
países produtores de drogas relativamente pobres aos mercados de consumo com
um poder de gasto muito maior. A tecnologia financeira torna mais fácil esconder
o produto do crime e aumentar o comércio em geral, susceptível em relação às
oportunidades de contrabando e fraude.
Tais consequências podem, no entanto, ser provocadas mais pelo fato de
suas atividades serem ilegais, do que as suas organizações criminosas. Maior o
poder de alavanca que o crime organizado pode atingir é sua intocabilidade – que
vem com a internacionalização de suas atividades – que o torna uma ameaça à
autoridade de um Estado. Situação que se agrava na medida em que os governos
recorrem, cada vez mais, à criminalização e a meios repressivos para o controle de
suas atividades.
O tráfico de drogas é, em grande parte, um negócio transnacional. A sua
indústria consiste em várias etapas: cultivo, refinação, transporte, distribuição,
lavagem de dinheiro e investimento de receitas. Em cada estágio da trajetória da
droga, desde a produção até a distribuição, obtêm-se lucros, que são consumidos
ou investidos, mas, muitas vezes, exigem alguma forma de lavagem para esconder
suas origens ilegais.
Dos campos de maconha, coca e papoula aos laboratórios de refino e,
posteriormente, aos consumidores, as drogas passam por diversas rotas de
transporte e distribuição. Atravessam muitas fronteiras territoriais, jurisdições
formais e informais. Técnicas de lavagem mais sofisticadas igualmente usam uma
elaborada rede internacional de instituições financeiras, empresas de comércio
e investimento para esconder os lucros da droga. As várias etapas da trajetória
da droga e a vinculação delas envolvem a participação e, ocasionalmente, a
organização de um grande número de pessoas diferentes para a adequada
execução das atividades, incluindo a proteção contra invasões por órgãos policiais
e concorrentes.
A dimensão transnacional da indústria das drogas ilícitas não é apenas em
função da distância territorial entre as principais regiões de produção e de consumo.
Ela também consiste nas conexões que são feitas por meio de redes e organizações
com diversas bases que, às vezes, desenvolvem operações transnacionais. Assim, as
diferenças nos códigos legais dos países e as capacidades de aplicação da lei moldam
as oportunidades para os empresários de droga evitar os riscos de interdição e
acusação e proporcionar o florescimento de seus negócios.

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A variedade de leis e sistemas de controle e criminalização em todo o mundo


e as disparidades em capacidade e determinação para controlar o problema da
droga exibido por vários países permitem que os grandes traficantes aproveitem os
pontos fracos.
De acordo com uma estimativa recente do Programa das Nações Unidas
para Controle Internacional de Drogas (PNUCID), as receitas totais provenientes da
indústria de drogas ilícitas são equivalentes a cerca de 8% do comércio internacional
(Organização das Nações Unidas, 2017).

4 O RIO DE JANEIRO E A VIOLÊNCIA CIRCUNDANTE

No Rio de Janeiro, a disputa e a tomada de territórios inteiros sob domínio


do Estado realizados pelo crime organizado têm sido uma constante, não obstante
configura-se de forma diferente de outras regiões, por uma fragmentação do crime
organizado em diversas facções31 e as Milícias32. Em estratégia de segurança, contra
insurgência clássica militar, saberíamos que esta diversidade de facções e a luta
entre elas por territórios levariam as forças do governo a uma rápida supremacia
sobre o crime organizado. No entanto isso não ocorre no Rio de Janeiro, apesar
da política inicialmente bem-sucedida de polícia de proximidade (que ainda vem
dando certo em diversas comunidades). Portanto, resta a pergunta: porque as
forças de Segurança do Estado fluminense não se impõem ao crime organizado?
A existência de uma comunidade de interesse no crime faz parte da resposta que,
talvez, advenha da realização de um estudo acadêmico em relação às milícias. A
questão propulsora é o motivo pelo qual as milícias, conseguiram se estabelecer
em áreas dominadas pelo tráfico, quando são formadas. As milícias, formadas
em grande maioria por membros muitas vezes oriundos das forças públicas de
segurança, graças a sua organização militarizada, instituem uma área de exceção
nas comunidades que dominam, praticam uma violência cruel valendo-se de
ações militares sem a estrutura regulamentar, disciplinar e jurídica que rege as
organizações de Segurança Pública estatais. Um estado de exceção, todavia, não
resolveria a questão do crime organizado no Rio e só provocaria mais violência:

A exceção é uma espécie de exclusão. Ela é um caso singular,


que é excluído da norma geral. Mas o que caracteriza

31 No Rio de Janeiro, em 2016-2107, são atuantes o Comando Vermelho, o Terceiro Comando, o Terceiro
Comando Puro e o Amigo dos Amigos.
32 No Rio de Janeiro, grupos paramilitares armados, que dominam grandes áreas, disputam essas com o
tráfico e, muitas vezes, obtêm o sucesso que as forças policiais organizadas não conseguem ter, mas
exploram a comunidade cobrando serviços e segurança e, em alguns casos, praticando também o
tráfico de drogas.

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propriamente a exceção é que aquilo que é excluído não está,


por causa disto, absolutamente fora de relação com aquela na
forma de suspensão. A norma se aplica à exceção desaplicando-
se, retirando-se desta. O estado de exceção não é, portanto,
o caos que precede a ordem, mas a situação que resulta da
sua suspensão. Neste sentido, a exceção é verdadeiramente,
segundo o étimo, capturada fora (ex-capere) e não simplesmente
excluída. (AGAMBEN,2003, p.35).

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A questão é como realizar uma política de Estado em um mundo globalizado,


onde o crime organizado age como empresa transnacional e amplia suas operações
entre si, competem por mercados ou estabelecem formas de cooperar em suas
atividades e, de certa maneira, produzem formas de violências constantes.
O crime organização, ligado ao narcotráfico, cresceu nesta ausência do
Estado, que favoreceu a “comunidade de interesse no Crime”. No caso especial do
Rio de Janeiro, devemos incluir também as milícias - portadoras de uma estrutura
hierarquizada, com divisão funcional de atividades, sofisticada e compartimentalizada
em células; com cadeias de comando e divisão de trabalho bem delineados, revestido
por uma rígida subordinação hierárquica entre seus componentes; estrutura quase
híbrida entre uma empresa capitalista familiar e uma associação paramilitar; uso de
meios tecnológicos sofisticados; e simbiose frequente com o poder público.
Além de afetar as relações interpessoais e o patrimônio individual, o crime
organizado e a lavagem de dinheiro têm objetivos e finalidades especiais, com espírito
empresarial, uma série de macro atuações, algumas de caráter multinacional, e que
influenciam de maneira importante o próprio sistema econômico. Percebemos essa
influência quando nos deparamos com as estimativas aproximadas sobre o volume
de dinheiro “sujo” em circulação, e o fluxo de valores encaminhados aos paraísos
fiscais.
Esse dinheiro, proporcionado pelo narcotráfico, corrupção pública,
contrabando e outras formas de crimes organizados, necessita passar por um processo
de “legalização” ou “Lavagem de dinheiro”, que encontra no circuito econômico seu
veículo necessário e natural, criando-se uma “comunidade de interesse no Crime”,
a qual deve manter comunidades inteiras em situação vulnerável e em situação de
vida nua e “mutável”. Portanto, a principal Política Pública de Segurança deveria ser
o oposto: repensar, no meio desta guerra, o direito à vida.
Não existem respostas fáceis, o crime organizado é uma empresa e, portanto,
depende de uma cadeia logística, um estudo multidisciplinar. A violência persiste
de forma avassaladora sobre as comunidades vulneráveis, perpetua a sua condição,
apresenta-se de diversas formas: econômica, social o que atinge a integridade física
e de vida.

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Qualquer política de Segurança Pública deve inicialmente garantir a


vida, esta é a base da conquista de corações e mentes, porém para combater
a comunidade de interesse no crime, a Política Pública deve garantir as funções
essenciais do Estado: segurança, saúde, educação, a prática de cidadania. A
criação de uma comunidade de valores seria um contraponto de comunidade de
interesse no crime. Um Estado onde a população carece de ética e moral, está
fadado à falência institucional.

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Recebido em: 18 jan. 2017


Aceito em: 15 set. 2017

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