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Filosofia e Informação: dos muitos sentidos de

Informação e algumas abordagens filosóficas -


contribuições para a epistemologia da informação
Valéria Cristina Lopes Wilke
valwilke@gmail.com
Doutora em Ciência da informação
Professora da Faculdade de Filosofia da Universidade Federal do Estado do Rio de
Janeiro

Resumo: As pesquisas que estão na origem deste artigo estão marcadas pela
preocupação de se considerar as contribuições da tradição filosófica para a discussão da
informação e da sua presença na sociedade contemporânea, e também para os saberes
que lidam com a informação. Ressalta-se que as pontes teóricas entre o aporte filosófico
e a Arquivologia, a Ciência da Informação, a Biblioteconomia ainda se encontram em
fase de construção e que, gradualmente, os subsídios filosóficos estão sendo
incorporados por alguns pesquisadores destas áreas. No campo da Filosofia, a
informação como um elemento relevante para o entendimento da realidade, acha-se
também em fase de maior reconhecimento, pois a informação, neste âmbito, não possui
ainda a mesma visibilidade de objeto do conhecimento como nos domínios das Ciências
Sociais. Mas as pontes que ligam o fenômeno informacional ao horizonte filosófico
estão sendo erguidas. O presente artigo visa apresentar algumas abordagens filosóficas
da informação.
Palavras-chave: Informação; Filosofia, abordagens filosóficas da informação

Philosophie and Information: different meanings of the Information and some


philosophical approaches - contributions to the epistemology of information

Abstract: The studies that are the basis of this article are marked by concern for the
contributions of the philosophical tradition to the discussion of information and their
presence in contemporary society and also to the knowledge that deal with information.
It is noteworthy that the bridges between the theoretical and philosophical contribution
and the fields of Archival Science, Information Science, and Librarianship are still
under construction and that, gradually, philosophical subsidies are being incorporated
by some researchers in these areas. In the field of philosophy, information as an
important factor for the understanding of reality, lies also in recognition phase, since the
information in this context is not yet the same visibility as the object of knowledge in
the fields of Social Sciences. But the bridges connecting the informational phenomenon
the philosophical horizon are being raised. This article presents some philosophical
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approaches of information.
Key words: Information, Philosophie, philosophical approaches of Information
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Informação Arquivística, Rio de Janeiro, RJ, v. 1, n. 1, p. 91-112, jul./dez. 2012


Valéria Cristina Lopes Wilke

Introdução campo da Filosofia, a informação como

N
o âmbito da Ciência da um elemento relevante para o
Informação tem havido entendimento da realidade, es-
esforços que buscam refletir pecialmente a que hoje vivemos,
sobre a dimensão política da também se acha em fase de maior
informação, no bojo da qual está posta a reconhecimento. A informação, neste
relação entre a informação e o Estado. âmbito, não tem ainda a mesma
1
As pesquisas que originaram este artigo visibilidade de objeto do conhecimento
inserem-se neste horizonte. Estas como nos domínios das Ciências
investigações também são perpassadas Sociais. Mas as pontes que ligam o
pela preocupação de considerar as fenômeno informacional ao horizonte
contribuições da tradição filosófica para filosófico estão sendo erguidas, pois,
a discussão da informação e de sua epistemologicamente, a informação
presença na sociedade contemporânea e adquiriu ao longo do século XX o
também para os saberes que lidam com estatuto de objeto do conhecimento, o
a informação. O tema deste artigo versa qual, como qualquer objeto, fi-
justamente sobre algumas destas losoficamente necessita ter uma
contribuições. Cabe ressaltar que as fundamentação do tipo filosófica ou,
pontes teóricas entre o aporte filosófico pelo menos, a explicitação do solo
e a Arquivologia, a Ciência da filosófico existente sob sua com-
Informação, a Biblioteconomia ainda se preensão.
encontram em fase de construção. Neste artigo serão apresentadas
Gradualmente, os subsídios filosóficos as linhas mestras de algumas
estão sendo incorporados por alguns abordagens filosóficas acerca da
pesquisadores destas áreas, filósofos ou informação como as elaboradas por
não. De modo similar, também no Martin Heidegger e Rafael Capurro;
Karl Marx e F. Engels, Walter
1
"O dispositivo informacional: sobre Benjamin, Jiri Zeman e Milton Santos.
informação, Estado e poder na
contemporaneidade a partir do contexto das
políticas públicas de inclusão digital do governo
federal brasileiro" (doutorado concluído em
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2009); "Dispositivo informacional e a ação


educativa científica: a formação para ciência no
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Estado-nação brasileiro" (pesquisa institucional


em curso).

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Filosofia e Informação: um binômio aparece de forma naturalizada,


mais do que possível, porque ne- perdendo-se de vista sua dimensão
cessário. histórica e sua inserção num registro
A informação é um termo enunciativo ideológico. Bernd
equívoco e este irrefutável fato tem Frohmann reconheceu que parte da
ocasionado diferentes consequências autoridade que o termo informação vem
como os variados conceitos de adquirindo decorre das imprecisões e
informação, a diversidade de das contradições que o envolvem.
abordagens e de métodos existentes nos Etimologicamente, no verbo informare
saberes que lidam com a informação. A são encontrados dois sentidos: a) o
pergunta elementar “o que é in- primeiro remonta à tradição grega de
formação?” gera inúmeras respostas em “dar forma (informar) a uma matéria”;
conformidade com as áreas de b) na cultura latina informare passou
conhecimento e contextos particulares, a também a significar “dar conhecimento
ponto de uma pesquisa realizada por de alguma coisa a alguém”. Os dois
Schrader ter demonstrado, na década de sentidos encontram-se no entendimento
1980, a existência de aproximadamente da informação até nossos dias.
700 definições de informação entre Ronald Day ao escrever a
1900 e 1981. (CAPURRO; história da produção social da
HJØRLAND, 2003). Associadas a essa informação e da sociedade de
pergunta radical há outras relativas, por informação apresentou a informação
exemplo, aos significados do conteúdo como o elemento fundamental presente
informacional, aos usuários e às em construções ideológicas2
serventias da informação, às relações contemporâneas que estão legitimando
epistêmicas e de poder implicadas na os modos atuais de produção do sujeito
produção, no fluxo e nos usos da e de controle social, mediante as
informação. tecnologias de informação. A
Ela aparece com muita
2
frequência na qualificação histórico- Para situar a compreensão de ideologia que
norteia as pesquisas: considerando a crítica de
político-econômica do tempo presente, Pêcheux (1997) ao empirismo lógico, é possível
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afirmar que as ideologias são forças materiais e


aspecto que não facilita sua não idéias e que, por conseguinte, como
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explicava Althusser, constituem os indivíduos em


compreensão. Frequentemente também sujeitos, não tendo, portanto, origem nos sujeitos.

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informação apareceu, ao longo do causa das suas predições para uma era da
informação presente e futura. É problemático
século XX, em diferentes formações porque as suas pretensões são muito simplistas
e redutoras da complexidade do sentido, do
discursivas, tais como as políticas, as conhecimento e do agenciamento no mundo e
porque um exame cuidadoso das suas
econômicas, as científicas, as pretensões e modelos fundacionais revela
educativas, as sociais, em enunciados enormes e profundas exclusões e contradições.
(DAY, 2001, p.117 – tradução livre da autora)
técnicos e profissionais, que com-
tribuíram para a elaboração do Day identificou três momentos
significado social da informação e da discursivos na produção da chamada
comunicação. A partir do relato “era da informação”: a teoria do-
histórico a que se propôs, Day mostrou cumentalista européia; a teoria da
a estreita relação existente entre o informação e a cibernética, formuladas
discurso produtor da moderna ciência da nos EUA logo após o fim da Segunda
informação e as discursividades de Guerra Mundial; e a chamada “era da
3
outras formações discursivas e de suas virtualidade”, que corresponderia ao
instituições que criaram uma imagem da momento presente. As obras de Paul
sociedade e do futuro como “sociedades Otlet e de Suzanne Briet seriam as
da informação”. Ao estabelecer esta representativas da primeira fase,
relação pode revelar a informação como marcada pela ampliação do significado
uma das ideologias mais fortes, social e da importância da
naturalizadas e pregnantes da era da documentação e da informação. Em
reprodução digital. Como ele afirma meados da década de 1940, a teoria da
informação e a cibernética esta-
“Informação” é um termo ideológico central beleceram a noção da informação
porque determina e policia o seu próprio
significado numa imensa extensão de espaços quantificada. N. Wiener (1968) criou
sociais e culturais. Por meio da informação,
são incluídos ou excluídos vocabulários para o um modelo informacional onde as
futuro, dando forma à história num sentido
condizente com a informação. O mundo da relações do ser humano com seu
informação dado pelos textos fundadores e ambiente são estabelecidas a partir da
pelas tradições da informação no século XX é
um mundo profundamente perturbador e troca de informações que vão
problemático. É perturbador por causa da sua
aparente naturalidade e senso comum, e por determinar sua evolução e sua
sobrevivência. Nestes termos, toda a
94

3
Formação Discursiva é o conjunto de
enunciados marcado por um referencial, uma vida (biológica e social) é elaborada a
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rede teórica, um campo de possibilidades


estratégicas e um tipo de desvio enunciativo. partir de processos comunicacionais e

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informacionais. A transposição do partir da percepção que tiveram delas


modelo de comunicação cibernética ligadas ao controle, à vigilância, à
para a comunicação humana gerou a perseguição totalitária e à mobilização
compreensão de que (¹) a mensagem é a social para a guerra. Estas perspectivas
codificação da intenção de um emissor, foram contemporâneas, portanto, do
(²) essa mensagem pode ser transmitida momento de desenvolvimento da teoria
codificada em sinais por um canal da documentação e da fase que foi a
neutro, (³) após a decodificação, a antessala das reflexões que conduziram
representação da intenção originária do à cibernética e à teoria da informação.
emissor pelo receptor se manifesta pelos Heidegger e Benjamin elaboraram
efeitos comportamentais. Em de- críticas a reificação do conhecimento e a
corrência, Day assinala que a linguagem “fetichização” da informação pro-
passou a ser definida como co- movidas pela organização técnica do
municação do que é possível ser mundo moderno. Eles perceberam, no
representado como informação, sendo a instante anterior ao processo de
produção da informação e os produtos naturalização pelo qual as TICs
considerados o principal valor da passarão, os surgimentos da “infor-
linguagem. No momento atual, a mação” como uma forma específica de
virtualidade é entendida como espaço conhecimento público e dos modernos
histórico e social em que há a presença processos de comunicação.
mediada digitalmente. A rede e a Para Martin Heidegger, a
conectividade técnica surgem como perspectiva técnico-informacional
expressões da organização social e do decorre da compreensão de que o ser
futuro em que a existência realiza-se humano pode representar todos os seres
intermediada pelas tecnologias de existentes e suas relações, numa
representação. continuidade da tradição da metafísica
Este autor também indicou o da representação. Isto se deve ao fato de
aparecimento, na década de 1930, de que, para a ciência moderna, a
duas visões alternativas e críticas das representação dos seres existentes, de
tecnologias de informação e co- suas relações e dos eventos acontece
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municação, propostas por Martin com vistas ao uso e ao gerenciamento


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Heidegger e por Walter Benjamin, a da existência segundo a lógica

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epistemológica e cultural da moderna a ciência moderna, estabeleceu sua ar-


ciência. Na perspectiva heideggeriana, o gumentação acerca do horizonte
decisivo nos Tempos Modernos foi a constituído por essa virada. Suas
transformação do ser humano em perguntas norteadoras buscaram
subjectum (aquilo que está sob) ou responder às questões relativas à
sujeito, que passou a ser a referência do essência da ciência moderna, isto é,
ente enquanto tal e a fonte das normas. sobre qual base ela estaria estabelecida,
Está aí o ponto de Arquimedes da e às concepções de ente e de verdade
sociedade moderna4, que atuou como que estariam presentes nela. O essencial
alavanca e sustentou a virada epistêmica dessa pesquisa reside no conhecimento
moderna. Em seu ensaio L’époque des do ente enquanto investigação, que não
‘conceptions du monde’ (1962), seria apenas o método e/ou o
Heidegger listou cinco fenômenos do procedimento, mas, sobretudo, a
5
mundo moderno e a partir de um deles, abertura de certo setor da investigação,
a partir da qual seu movimento torna-se
4
Subjectum: O desenvolvimento da filosofia possível, isto é um projeto. Tal abertura
moderna efetuou o relacionamento da razão
humana com a realidade exterior (o mundo) por se cumpre nos termos do contato e da
intermédio da representação. Entretanto, nesta
parceria a razão humana antecede o mundo e o
compreensão das coisas do mundo a
subordina: ela é autônoma, livre e sujeito partir (ou dentro somente) da eleição de
(subjectum: o que está colocado sob, o
fundamento), o que fez com que. a realidade determinados parâmetros, dentre os
passasse a ser percebida à proporção em que é
objetivada pelo ser humano, tornado o vários possíveis, que cumprirão os
fundamentum veritas. Esta certeza concedeu a
este ser o status de ser o primeiro dentre os entes ditames da investigação do ente, ou seja,
e ainda a condição de possibilidade de todo o
conhecimento. Como este fundamento, a razão
humana fez do mundo o objectum, isto é, 'aquilo
que está diante de', diante do sujeito Neste arte passa por uma expressão da vida humana”
sentido, o mundo objetivado só pôde existir (HEIDEGGER, 1962, p. 100); d) a interpretação
tendo o sujeito por referência. Mediante tal “cultural” dos fatos da história humana: a cultura
estrutura foi possível o aparecimento do 'sujeito passa a ser vista como “a realização dos valores
do conhecimento' e de um 'objeto do supremos pelo cuidado consagrado aos mais
conhecimento'. altos bens do homem [...]” (idem); e) A renúncia
5 São eles: a) a Ciência Moderna; b) a técnica aos deuses (Entgötterung): Indica a
mecanizada: não é entendida como pura cristianização geral da idéia de mundo (Weltbild)
aplicação e sim como “uma transformação “já que o fundamento deste mundo é posto como
autônoma da prática”. É o prolongamento visível infinito, como absoluto, como o incondicionado
da técnica moderna, que, por sua vez, se [...]”. Refere-se ao fato de o cristianismo “ter
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identifica à essência da metafísica moderna; c) a transformado seu ideal de vida numa visão de
entrada da arte no horizonte da Estética: “a obra mundo (a visão cristã de mundo) [...]”, que se
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de arte torna-se objeto disto que se chama de populariza. O resultado é a exploração histórica e
experiência vivida, em conseqüência do que a psicológica dos mitos.(ibidem)

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são esses parâmetros que vão guiar o a essência da ciência moderna é a


reconhecimento do investigador e cibernética, a teoria do controle do
também o rigor de sua pesquisa. fluxo de informação nas máquinas e nos
Nos Tempos Modernos, tais animais. ‘O que anteriormente era
ditames referem-se, quase que ex- chamado de conexão causal, hoje se
clusivamente, à matematização do ente, chama ‘informação’, diz Heidegger.” A
à sua quantificação e à sua verdade partir do pensamento do filósofo
procurada tão somente dentro das alemão, o autor mostra também o
balizas do que pode ser quantificado. elemento caracterizador da nossa época:
Isto significa que os fenômenos
passaram a ser determinados como Vivemos numa época singular, estranha e
insólita. Quanto mais desenfreadamente a
grandezas espaço-temporais de mo- quantidade de informações aumenta, tanto
mais decididamente se amplia o ofuscamento e
vimento, sendo que a essa de- a cegueira diante dos fenômenos. Mais ainda,
quanto mais desmedida a informação, tanto
terminação, por sua vez, foram menor a capacidade de compreender que o
acrescentados o cálculo e o número. O pensamento moderno torna-se cada vez mais
cego e transforma-se num cálculo sem visão
projeto de objetivação do ser da que só tem uma única chance, a de poder
contar com o efeito e possivelmente com o
natureza foi realizado a partir o que sensacionalismo. (HEIDEGGER apud
LOPARIC, s/d, p. 19)
poderia ser calculado, pesado,
mensurado. O instrumento para Tomando por base o diagnóstico
assegurar a calculabilidade das coisas de Heidegger, é possível dizer que a
foi sua redução à representação, sendo noção de informação, sobretudo quando
que toda a experiência humana do conjugada à tecnologia, tal como na
mundo passa a transcorrer por expressão tecnologia da informação,
intermédio da mediação da reprodução está referida ao que se constitui na e
técnica. Portanto, para Heidegger, a pela tecnologia como uma representação
técnica moderna implica o modo digital dos entes e dos eventos. Isso se
humano de existência no horizonte do dá na forma de algoritmos que operam
desvelamento enquanto provocação sobre dados simbólicos, que permitem,
científica da natureza, que se faz por sua vez, informar uma
segundo a lógica do uso instrumental. representação. A representação infor-
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Como afirma Loparic (s/d, p. mada e armazenada por meio das


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18), “É por isso que Heidegger dirá que tecnologias de informação é possi-

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bilitada pela fragmentação do ente digitalmente." Na perspectiva de


objetivado em uma série de atributos Heidegger, a técnica passou a vigorar
definidos como dados numéricos que como o modo pelo qual o ser humano
passam, por sua vez, a ser o modo de encontra a realidade, ou seja, a técnica
acesso a qualquer ente. Esse processo emergiu como a Gestell (composição)
contemporâneo de compreensão e onde o ser humano encontraria o Ser.
apreensão do ente escamoteia a (HEIDEGGER, 2002). Isto significa
presença da circunstância histórica que que, quando procuramos pelo sentido
o enseja e que Milton Santos (1996) presente na tecnicidade da moderna
nomeou de “meio técnico-científico- técnica, depara-se com o fato de ela não
informacional”, que será apresentado ser um mero meio, sequer um
posteriormente. instrumental extensivo ao corpo
A reflexão de Rafael Capurro humano, que contribuiria para que o ser
tem sido norteada pela tarefa de humano pudesse ir além de suas
fundamentar a relação entre a her- possibilidades. Na realidade, a técnica
menêutica e a Ciência da Informação. A moderna apresenta–se como o
partir de Heidegger, sua análise da desencobrimento marcado pelo sentido
presença incontornável da técnica, de exploração de toda a natureza; como
especialmente das tecnologias de o arcabouço (Gestell) no qual a natureza
informação em todas as esferas da ação (a humana e a não humana) se
humana, nomeia de ontologia digital o disponibilizaria como fonte de energia a
horizonte onde habitamos, considerado ser esquadrinhada, aprisionada,
beneficiada, controlada, utilizada. Mais
como um projeto existencial, cujas ainda, enquanto essa estrutura
conseqüências sociais e ecológicas são difíceis
de prever” e que existe vinculado “aos (arcabouço) seria a forma pela qual o
avanços em campos como o da nanotecnologia
e as aplicações relacionadas com uma ser se desvelaria para nós.
tecnologia computacional distribuída
(ubiquitous computing)[...]. (CAPURRO,
Na hermenêutica de Capurro, a
HJØRLAND, 2003, p. 5) informação existe no nosso modo de
interagir no mundo. Assim, o fenômeno
Recuperando a noção hei-
informacional sempre está referido a um
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deggeriana de Gestell (composição),


contexto social onde os diferentes
relacionou-a “às estruturas informativas
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agentes sociais interagem, produzindo e


já presentes no mundo envolvido

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selecionando conhecimentos. Como proporção que a pergunta pela


afirma: existência e pela consistência da
informação pode ser respondida de
[...] Informação não é algo que comunicam diversas maneiras. Essa pergunta, por
duas cápsulas cognitivas com base em um
sistema tecnológico, visto que todo sistema de sua vez, acha-se atrelada ao significado
informação está destinado a sustentar a
produção, coleta, organização, interpretação, que damos à informação. Segundo o que
armazenamento, recuperação, disseminação,
transformação e uso de conhecimentos e Capurro, Peter Fleissner e Wolfgang
deveria ser concebido no marco de um grupo Hofkirchner (1999) nomearam como o
social concreto e para áreas determinadas. Só
tem sentido falar de um conhecimento como Trilema de Capurro, há o problema –
informativo em relação a um pressuposto
conhecido e compartilhado com outros, com apontado pelo filósofo da informação –
respeito ao qual a informação pode ter o
caráter de ser nova e relevante para um grupo relacionado às relações análogas,
ou para um indivíduo. (CAPURRO,
HJØRLAND, 2003, p. 09)
equívocas e unívocas estabelecidas entre
os diversos conceitos da informação.
Nessa interação encontram-se a Seu Trilema aponta para as dificuldades
“oferta de sentido” (mensagem) e a “se- presentes nas tentativas de uma
leção” (informação) não de um definição universalmente aceita para o
indivíduo e sim, de uma determinada vocábulo informação. O problema
comunidade, de determinado grupo ou levantado por Capurro indica que, por
ainda de um campo específico de não haver um único conceito de
conhecimento e/ou de ação onde os informação que sirva para todas as áreas
usuários já estão inseridos previamente. de conhecimentos, os conceitos
Como Capurro explica, elaborados pelas diferentes disciplinas
científicas podem conduzir às analogias
[...] todo processo hermenêutico leva a uma inadequadas e a equívocos. Desde
explicitação e com ele também a uma seleção.
[e] a diferença em que se baseia a ciência da então, Capurro, Fleissner e Hofkirchner
informação consiste em poder distinguir entre
uma oferta de sentido e um processo de (1999) estabeleceram um triálogo em
seleção cujo resultado implica na integração
do sentido selecionado dentro da pré- torno da questão da unificação da
compreensão do sistema, produzindo-se assim
uma nova pré-compreensão. (CAPURRO, Ciência da Informação e do próprio
HJØRLAND, 2003, p. 11) conceito de informação mediante a
reflexão de sistemas dinâmicos
99

Rafael Capurro reconheceu,


evolutivos e auto-organizáveis. Para o
ademais, a dificuldade existente na
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filósofo da informação, é possível tentar


definição do termo informação, à

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estabelecer uma teoria unificada da marxiana6 (Marx & Engels), a de W.


informação desde que seja reconhecido Benjamin, a de Jíri Zeman e de Milton
que qualquer teoria possui um ponto Santos, que, longe de serem
cego, que restringe nossa percepção, e representativas de uma ontologia rígida
que essa tentativa precisa estar atenta e mecânica, continuam a propor e a
para os problemas filosóficos que o oferecer caminhos para o entendimento
Trilema levanta. Além do mais, que da realidade.
toda definição de informação a ser A leitura da informação que é
adotada na Ciência da Informação possível depreender das obras de K.
necessita estar de acordo com o uso Marx e de F. Engels, elaboradas a partir
semântico do termo informação pelos das condições da existência do
indivíduos. Por isso, o Trilema de capitalismo no século XIX, parte dos
Capurro pode funcionar como uma aspectos utilizados por estes pensadores
orientação para as questões a serem para a reflexão sobre a realidade em
respondidas enquanto se procura um geral e por isso, oferece elementos para
conceito de informação para diferentes a investigação da informação. A
campos de aplicação, além de sugerir a produção material e a produção de
impossibilidade de uma definição única conhecimento, realizadas pelos
para tal conceito. As questões postas indivíduos concretos, não ocorrem num
pelo Trilema mostram os cuidados mundo abstrato e vazio, mas na tessitura
requeridos para que uma provável dialética das relações sociais
Ciência da Informação unificada não se determinadas, que não são naturais e
torne uma abordagem reducionista, uma eternas e sim, produzidas pelos sujeitos
vez que não serão perdidas de vista as sociais situados histórica e socialmente.
relações análogas, equívocas e unívocas A partir da maneira como a vida é
existentes entre diversos conceitos de produzida torna-se possível o início do
informação, suas respectivas teorias e conhecimento do mundo, pois para o
seus campos de aplicação. materialismo-dialético, as ideias/pensa-
No horizonte do materialismo
100

dialético, a informação será discutida 6 Marx e Engels viveram no século XIX.


Entretanto, a chave de leitura que elaboraram
mediante as seguintes abordagens: a permite a interpretação da realidade
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informacional que vivemos (e que eles não


conheceram).

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mentos que são elaborados refletem a mento é produzido desde as condições


atividade humana (a prática) como um materiais e objetivas da vida humana e
fenômeno social, não individual. Em tal ainda dos desafios que elas lançam a
prática estão as relações que são todos, uma vez que estamos inseridos
estabelecidas com a natureza e com os em relações complexas e objetivadas
demais indivíduos (a sociedade). As por nós, no intercâmbio social. Marx &
ideias, os modelos, as teorias mudam Engels indicaram que para o conhe-
conforme as épocas históricas. Na cimento da realidade, é preciso dar
perspectiva materialista, essas mudanças conta, por um lado, de sua historicidade
das ideias devem ser encaradas como e a do próprio conhecer, e, por outro, da
resultantes das modificações ocorridas complexidade presente em suas
nas relações do ser humano com a relações, mediações e contradições, que
natureza e com a sociedade. Portanto, fazem com que essa realidade e o
uma história das ideias separada da conhecimento dela não sejam estáticos e
história humana transcorrida numa sim, móveis (mutáveis, não “essen-
prática humana é sem sentido, o que faz cializados”).
com que a atividade humana ocorra nas A obra de Marx & Engels
dimensões natural e social, formando fornece algumas pistas para o ques-
uma totalidade. Ao criticar Proudhon, tionamento da informação:
Marx afirmou que os mesmos a) Em A ideologia alemã, eles são bem
indivíduos que produzem as relações explícitos ao afirmarem que o
sociais, conforme o modo de produção pensamento – por extensão, o processo
material da vida, produzem também os de conhecimento como aquele que
princípios, as ideias, as categorias de produz idéias e representações (pen-
acordo com suas relações sociais. Por samentos) e as ordena num todo
conseguinte, essas idéias não são coerente e articulado – insere-se na
eternas, assim como também não são as mesma lógica regente da produção
relações sociais que elas expressam, material da vida. É possível estender a
porque as ideias são “produtos argumentação de Marx & Engels para a
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históricos e transitórios.” (MARX,


1982, p. 106)
Página

Isso significa que o conheci-

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informação7, objeto que ganhou formada por relações contraditórias


visibilidade, sobretudo a partir da fundamentadas na divisão clássica
segunda metade do século XX, e existente no capitalismo entre os que
afirmar, sem torcer a argumentação dos são proprietários dos meios de produção
autores, que também a informação, e os que são proprietários somente da
presente nas trocas simbólicas e no força de trabalho (vendida aos
processo de produção e de circulação do primeiros) – e, por conseguinte, entre os
capital, encontra-se diretamente ligada à conflituosos interesses de classe desses
produção material da vida. Hoje, o dois tipos de proprietários; e na divisão
comércio intelectual da informação tem do trabalho. Como corolário dessas
se tornado crescentemente mais divisões, podemos perceber hoje que o
complexo e abrange atividades desenvolvimento e a repartição das
relacionadas à sua produção, ao seu tecnologias e das habilidades informa-
tratamento (coleta, armazenamento, cionais são também marcados por essas
processamento), circulação, distribui- divisões, uma vez que eles se ocorrem
ção, disseminação, disponibilidade, dentro do fluxo da produção e da
acesso e uso, e também às tecnologias circulação do capital. A informação,
que lhe servem de suporte. Contudo, como construção social e como um dos
todas elas estarão de acordo como o tipo elementos presentes na realidade, deve
e o grau das forças produtivas e suas ser entendida como também marcada
relações correspondentes. pelas contradições e divisões ele-
Marx & Engels partem do mentares presentes na sociedade
pressuposto de que a sociedade capitalista. Uma das questões que esta
capitalista é uma totalidade complexa abordagem promove gira em torno da
investigação sobre como as contradições
7 Sobretudo depois dos anos 1950, o termo
informação vem sendo usado recorrentemente se manifestam no nível informacional e
por diferentes autores e áreas de conhecimento,
tendo sido também incorporado ao linguajar como esse atua para a perpetuação
cotidiano. O termo é equívoco e utilizado para
nomear notícias, dados, mensagens, símbolos,
daquelas. Esse fato leva a considerar,
sugestões, novidades, organização, por exemplo, em primeiro lugar, um aspecto
e ainda para adjetivar substantivos tais como,
102

sociedade da informação, práticas e ações característico que cerca a informação na


informacionais, indústria da informação,
capitalismo informacional, era da informação, sociedade capitalista, qual seja, seu
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explosão da informação, dentre outros.


processo de privatização: propriedade

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privada dos meios de produção; mo decorrente do âmbito ideal.


apropriação privada da informação no Mostraram que essa interpretação era,
processo de produção e acumulação do ela mesma, fruto de contradições
capital; produção de uma informação objetivas e também o resultado de um
privada para ser consumida pri- equívoco que, ao fazer com que as
vadamente. Tal aspecto faz com que a abstrações (conceitos) e o concreto
informação, ao estar inserida na lógica pensado derivassem da construção
da acumulação do capital, tenda a ser intelectual, descolou o processo do
centralizada, hierarquizada, controlada, conhecimento da própria realidade
mercantilizada. Em segundo, é conhecida. Esse equívoco gerador da
necessário avaliá-la também como ilusão do pensamento na criação do
objeto de disputa das lutas contra- mundo conhecido acabou sendo
hegemônicas que visam sua pu- estendido à própria experiência
blicização não privada e a ampliação do cotidiana da divisão do trabalho entre
que genericamente pode ser nomeado de atividades intelectuais e materiais, entre
acesso democrático e público a ela. Esse os trabalhos intelectual e manual.
contexto abre, por sua vez, todo um Em relação à informação, é
espectro de discussão a respeito das possível usar o argumento da crítica ao
políticas públicas informacionais e idealismo para inserir a produção
outros tipos de ações voltadas para a informacional, realizada fundamen-
realização de uma esfera pública talmente pelo trabalho intelectual, como
verdadeiramente democrática, que, por uma produção material produtora de
um lado, contribuam para o valor. A questão premente passa a ser a
entendimento da privatização da in- da explicação da inserção do processo
formação como um elemento histórico; intelectual da produção informacional
e que, por outro, operem em favor de na produção e circulação do capital. Em
processos e movimentos que se opõem, relação à situação atual, marcada pela
de forma contra-hegemônica, a essa criação e expansão das tecnologias de
situação. informação e comunicação, pelas novas
103

b) Marx & Engels criticaram a formas de organização das empresas,


perspectiva idealista, que entende o das indústrias e das corporações e pela
Página

mundo material (o âmbito objetivo) co- mudança que está afetando o trabalho na

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Valéria Cristina Lopes Wilke

fase atual de desenvolvimento do Teoria Crítica.8 Benjamin intuiu o


capitalismo – graças ao fato de a sintoma da vigência da pobreza
comunicação e a informação terem existencial, por um lado, na ruína da
adquirido a conotação de insumos narrativa, transcorrida no advento da
estratégicos do modo de produção modernidade graças ao romance e à
capitalista contemporâneo – nos meios informação, que trouxe as coisas para
marxistas mais recentes já ocorrem muito, muito perto. Isso se deu ao
discussões que visam dar conta dessa confrontar o mundo tradicional da
inserção; exemplos são as obras e narrativa com o mundo moderno, não-
pesquisas de Jean Lojkine, César aurático, em que há a dissolução dos
Bolaño, Alain Herscovici, Marcos laços tradicionais e dos fios que ligavam
Dantas, Bob Jessop, Herbert Schiller, cada um à vida do outro e daqueles que
Ellen M. Wood, dentre outros. vieram antes. Por outro lado, esperou
Basicamente isso significa que a esfera que toda a nova situação pudesse
da comunicação e da informação não conduzir a uma situação democrática e
está mais sendo abordada somente pelo confiou na força revolucionária do
viés cultural da reprodução ideológica, proletariado. Como morreu muito cedo
mas, também, como um elemento
necessário que está no cerne do próprio
processo de produção e acumulação do 8
A Teoria Crítica nomeia a reflexão social
capital, ou seja, um elemento que gera empreendida por sucessivas gerações de
pensadores reunidas, desde a década de 1960,
valor. Por gerar valor e por ser um sob a alcunha “Escola de Frankfurt”. Sua origem
foi o Instituto para a Pesquisa Social, fundado
aspecto necessário à reprodução em 1923, em Frankfurt, por um grupo de jovens
intelectuais de esquerda com o objetivo de
ideológica, a informação mais uma vez ampliar as análises marxistas para além da
ortodoxia de então. Sob a direção de Max
se apresenta como um objeto de disputa. Horkheimer, por volta de 1931, o Instituto
Walter Benjamin foi um passou a se tornar mais influente e a procurar
elaborar sínteses que reunissem o marxismo, a
pensador marxista da primeira geração filosofia clássica, as ciências humanas e parte da
vanguarda do pensamento burguês,
da Escola de Frankfurt. Desenvolveu especialmente a sociologia weberiana e a
psicanálise freudiana. O Instituto desenvolveu
sua obra à margem da academia, um programa de pesquisa social interdisciplinar
que serviu de base para uma teoria crítica da
104

trabalhando no Instituto de Pesquisa sociedade. O resultado deste trabalho, a partir da


Social e em jornais. Seu pensamento se década de 1960, foi reconhecido em termos de
uma Escola de Frankfurt.
Página

enquadra no que hoje é conhecido como

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não é possível imaginar como teria sido minúsculo corpo humano. (BENJAMIN,
1985a, p. 115).
seu diagnóstico posterior.
Em seu pequeno ensaio O encontro com a modernidade
Experiência e pobreza, afirmou que a em meio às trincheiras, à inflação, à
experiência era comunicada aos mais fome foi similar ao encontro da
jovens pelos mais velhos por meio de modernidade em meio ao choque
parábolas, de provérbios, de história propiciado pela metrópole moderna. Em
passadas em locais distantes, com a ambos havia o trauma do frágil corpo
autoridade dos mais velhos, de maneira cujos sentidos e entendimento não
loquaz e concisa. Benjamin se davam conta das explosões destruidoras
questionou: “Que foi feito de tudo isso? e nem da velocidade, da luz artificial, do
Quem encontra ainda pessoas que anonimato urbano, dos movimentos da
saibam contar histórias como elas massa, das novas sensações pro-
devem ser contadas?” (BENJAMIN, porcionadas pela grande cidade.
1985a, p. 114). O autor constatou que as No ensaio A obra de arte na
ações das experiências estavam em época de sua reprodutibilidade técnica,
baixa já na geração de 1914-1918, que Benjamin novamente fez referência ao
experimentou terríveis experiências. fato de as coisas, mediante o boom da
Disse Benjamin que na volta da técnica, terem ‘ficado mais próximas’ e
primeira guerra os “combatentes tinham que esta é
voltado silenciosos do campo de
batalha. Mais pobres em experiências [...] uma preocupação tão apaixonada das
massas modernas como sua tendência a
comunicáveis e não mais ricos“ superar o caráter único de todos os fatos
através de sua reprodutibilidade. Cada dia fica
(BENJAMIN, 1985a, p. 114-115). Por mais irresistível a necessidade de possuir o
objeto, de tão perto quanto possível, na
quê? Para o autor imagem, ou antes, na sua cópia, na sua
reprodução. Cada dia fica mais nítida a
diferença entre a reprodução, como ela nos é
nunca houve experiências mais radicalmente oferecida pelas revistas ilustradas e pelas
desmoralizadas que a experiência estratégica atualidades cinematográficas, e a imagem.
pela guerra das trincheiras, a experiência (BENJAMIN, 1985b, p. 170).
econômica pela inflação, a experiência do
corpo pela fome, a experiência moral pelos
A obra de arte aurática, com sua
105

governantes. Uma geração que ainda fora à


escola num bonde puxado por cavalos viu–se presença única e intangível, com seu
abandonada, sem teto, numa paisagem
diferente em tudo, exceto nas nuvens, e em ‘aqui e agora’ comunicaria todo um
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cujo centro, num campo de forças de correntes


e explosões destruidoras, estava o frágil e mundo de experiências que é sufocado

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pela reprodutibilidade técnica massiva. não mais estar vinculado a nós pela
Ao analisar a gênese da modernidade no experiência e, sim, veiculado como
século XIX, compreendeu o sentido da informação para ser consumido como
experiência produzida pela reprodução mercadoria.
técnica, que subsumiu os indivíduos nas Na literatura da Ciência da
multidões anônimas das metrópoles Informação a reflexão de Jirí Zeman é
industrializadas como consumidores de uma das poucas estrelas solitárias em
bens produzidos massivamente e como que há a articulação entre a herança
trabalhadores submetidos ao trabalho marxiana, a totalidade da realidade e a
repetitivo nas indústrias. Neste contexto, informação. Para ele, a informação é
ele identificou também a representação organização associada à quantidade e à
da experiência nos meios de qualidade. Em relação à primeira, tem-
comunicação de massa como o reflexo se a possibilidade de encontrar uma
da crescente separação entre a medida de organização. Isso significa
experiência pessoal e a representação da que “a informação exprime a or-
experiência como informação pública. ganização de um sistema que pode ser
Sem a experiência, que seria descrito matematicamente [...]”, sem
comunicada pela narrativa, restaria o que haja uma preocupação com a
nível das vivências. Rápidas e frágeis matéria deste sistema. (ZEMAN, 1970,
vivências que passariam a ser relatadas p. 156). Entretanto, ela não se restringe
no nível da literatura, pelo romance e no à mera quantificação. Acoplado a esse
nível dos mass media, pelas notícias, significado matemático, tão caro à
pela informação, e ainda captadas pela Teoria Matemática da Informação,
fugacidade proporcionada pela acha-se o filosófico, que se relaciona à
reprodução técnica. Com o de- qualidade da realidade material de se
senvolvimento da técnica, que se organizar e à sua própria organização.
sobrepôs ao ser humano, surgiu uma Por isso Zeman afirmou que a
nova forma de miséria: uma pobreza de informação não deveria ser considerada
experiências que faz parte da grande somente pelo viés matemático, porque
106

pobreza da época moderno-con- ela não se acha ligada apenas ao aspecto


temporânea e que tem a ver com o fato quantitativo, mas também ao quali-
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de todo o imenso patrimônio cultural tativo, daí a perspectiva de seu

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significado filosófico. princípio. Como explicou ainda, “sem


A informação não se constituiria organização, sem conservação e
apenas como uma medida da crescimento da organização, a matéria
organização, mas também como a não poderia de forma alguma existir,
própria organização, que ao guardar em assim como não existe sem o espaço, o
si o princípio da ordem, apareceria tempo, e o movimento“. (ZEMAN,
como o organizado (resultado) e o 1970, p. 157) A informação não está
organizador (processo). Assim, “a somente ligada à noção de alguma coisa
informação é, pois, a qualidade da (gnosiologia), mas também ao que é
realidade material de ser organizada [...] uma coisa (ontologia).
e sua capacidade de organizar, de Nessa relação ontológico-
classificar em sistema, de criar (o que gnosiológica efetivada no horizonte
constitui igualmente sua capacidade de materialista dialético, encontram-se
desenvolver a organização). [...]”. conectados a matéria, sua organização
(ZEMAN, 1970, p. 157) Enquanto essa (informação), o espaço, o tempo e o
qualidade da realidade material para se movimento, uma vez que não é possível
organizar, a informação foi vista por dissociar a matéria da forma, o espaço
esse pensador como “uma outra forma do tempo e o substrato das qualidades,
fundamental da existência da matéria por exemplo, à proporção que essa
[...]” – tal como ainda o espaço, o tempo perspectiva teórica pensa a realidade
e o movimento – e justamente aquela englobando-a na totalidade9, que resolve
que permitiria a evolução a formas suas contradições no ato.
superiores. Ou seja, em todo objeto Milton Santos (1994, 1996),
material, sua matéria acha-se eminente geógrafo brasileiro, diag-
relacionada às dimensões espacial,
temporal, cinética e também às 9
Nas pesquisas realizadas institucionalmente,
dessa totalidade pretende-se apreender e entender
características organizacionais. Na a informação, componente de inúmeras relações
totalidade de um objeto, espaço, tempo, determinadas. Ela é enfocada a partir do Estado -
como um dos elementos do campo informacional
movimento e organização encontram-se e também enquanto lócus particular perpassado
pela lógica desse campo -, por ele estar sendo
107

reciprocamente relacionados. Nesse compreendido como uma condensação de forças


que ao mesmo tempo fornece um espectro amplo
sentido ela não poderia existir fora e do que ocorre na sociedade e permite efetuar um
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recorte na amplidão das articulações presentes na


independente da matéria como um totalidade social.

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nosticou a época contemporânea a partir objetos naturais e dos objetos culturais


da sua proposta de periodização que pelos técnicos e da extensão da presença
considera o território, a materialidade e destes últimos. O espaço maquinizado e
o “sistema de objetos”. Por conseguinte, os objetos técnicos incorporam a lógica
identificou três grandes momentos: o instrumental; eles são o “lócus de ações
meio geográfico natural, o meio ‘superiores’, graças a sua superposição
geográfico técnico-científico e o meio triunfante às forças naturais” (SANTOS,
geográfico técnico-científico-informa- 1996, p. 189).
cional. Neste meio, os tempos sociais
No primeiro momento, o do são superpostos e contrapostos aos
“tempo lento”, o trabalho e as técnicas tempos naturais. Em termos da divisão
obedeciam ao tempo da natureza e as internacional do trabalho, as diferenças
suas dádivas; ele imperou até o advento entre as regiões, os territórios, os países
das máquinas. Milton Santos indica que aumentam exponencialmente e o
este período não é pré-técnico, uma vez comércio passa a depender, cres-
que a domesticação de plantas e de centemente, de eficazes sistemas
animais já é um fazer técnico, que técnicos. Apesar de sua expansão
impõe à natureza a vontade das leis crescente, não incluiu muitos países,
humanas. Ocorre, entretanto, que os territórios e espaços.
sistemas técnicos não possuíam O meio técnico-científico-
existência autônoma e estavam em informacional teve início após a
simbiose com a natureza. A criação e o segunda guerra e incorpora,
desenvolvimento das técnicas eram progressivamente, os países do terceiro
praticamente locais e também a mundo. O que o diferencia dos demais
sociedade local comandava os limites de meios é a interação simbiótica entre
sua utilização. O meio técnico, por sua ciência e técnica, a ponto de ter sido
vez, está associado ao advento do cunhado o termo tecnociência para
espaço mecanizado e os objetos que o nomear esta circunstância histórica,
povoam são simultaneamente naturais e discutida também por outros autores.
108

técnicos. Os espaços, as regiões, os (HEIDEGGER, 2002a, 2002b; ELLUL,


países passam a se diferenciar em 1968; HABERMAS, 1997) A
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função da densidade da substituição dos técnociência vigora sob o mercado, que,

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por sua vez, tornou-se global graças a [...] a informação não apenas está presente
nas coisas, nos objetos técnicos, que formam o
ela. Santos (1996, p. 191) chamou a espaço, como ela é necessária à ação
realizada sobre essas coisas. A informação é
atenção para o fato de que os objetos o vetor fundamental do processo social e os
territórios são, desse modo, equipados para
técnicos são também informacionais, facilitar a sua circulação. Pode-se falar,
pois “graças à extrema intencionalidade como S. Gertel (1993), de inevitabilidade do
"nexo informacional". (SANTOS, 1996, p. 193
de sua produção e de sua localização, - grifo nosso)

eles já surgem como informação; e na


Considerações finais
verdade, a energia principal de seu
Estas abordagens da informação
funcionamento é também a
mostram a existência de diferentes
informação.” Para ele, este momento do
compreensões da informação. Por meio
meio técnico-científico-informacional é
delas é possível apontar para o fato da
algo novo, sendo que nele a ciência, a
situação estratégica da informação no
tecnologia e a informação, juntas,
tempo presente ao endossar, por um
acham-se na base da “produção, da
lado, a pertinência da constatação de
utilização e do funcionamento do
Day acerca do valor ideológico presente
espaço e tendem a constituir seu
na relevância da informação para a
substrato” (idem, p. 192). Este meio
sociedade contemporânea, à proporção
abrange igualmente as áreas urbanas e
em que aparece em diferentes
as rurais e é marcado pela fluidez de
formações discursivas, inclusive na do
idéias, produtos, mensagens ou dinheiro
senso comum. Por outro, apoiar a
que transitam pelas redes como
compreensão de que a informação,
informações ubíquas e instantâneas. Por
acoplada às tecnologias de informação e
fim, ele afirma que o espaço geográfico
de comunicação, está estruturalmente
do meio técnico-científico-informacio-
participando da composição da
nal é a face geográfica da globalização,
realidade contemporânea, que apresenta
pois a lógica global tende a se impor a
elementos singulares em relação
todos os territórios, e “mesmo onde se
períodos anteriores. Este fato não é
manifesta pontualmente, ele assegura o
invalidado mesmo quando ela é
funcionamento dos processos en-
entendida desde o horizonte dos
109

cadeados a que se está chamando de


percalços da metafísica moderna, a
globalização”. (idem, p.193). Nele
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maneira de Heidegger e mesmo de


Benjamin, o que significa, nestes casos,

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enquadrá-la dentro da tradição moderna. necessário para a construção do


A partir destas diferentes conhecimento individual e coletivo: este
abordagens foi-nos possível indicar aspecto tem instigado a reflexão acerca
alguns aspectos presentes no fenômeno da complexa relação informação-
informacional e, por conseguinte, na conhecimento e sobre a valorização da
informação, sem que isto signifique uma informação enquanto instância
resposta acabada à pergunta “o que é a necessária para o crescimento do
10
informação” . capital;
 a informação, os processos e as  a informação como elemento
ações informacionais como construção quantificado, que facilita sua circulação
social e, portanto, atravessados pelas pelas TICs;
determinantes histórico-sociais e  a informação como algo que
materiais; pode ser armazenado e recuperado:
 a informação como elemento aspecto que tem provocado a produção
estrutural do mundo contemporâneo e de teorias e modelos de armazenamento,
do estar neste mundo, que indexação e recuperação da informação
crescentemente se faz conforme a e sobre as tecnologias envolvidas nestes
linguagem digital, e do qual estão processos.
excluídos pelo menos dois terços da
população mundial devido às diferenças Referências
sociais existentes neste estar-no-mundo: BENJAMIN, Walter. Experiência e
este aspecto tem provocado a discussão pobreza. In: ___ Magia e técnica, arte
e política: ensaios sobre a literatura e
do estatuto da cibercultura, da história da cultura. 2 ed. São Paulo:
sociabilidade ciber, do significado da Brasiliense, 1985a. p. 114-119.(Obras
Escolhidas, Volume I)
exclusão social no mundo ciber e
também na realidade regida pela BENJAMIN, Walter A obra de arte na
linguagem analógica. era de sua reprodutibilidade técnica:
primeira versão. In: ____. Magia e
 a informação como elemento técnica, arte e política: ensaios sobre a
literatura e história da cultura. 2 ed. São
Paulo: Brasiliense, 1985b. p.165-196.
110

10
(Obras Escolhidas, Volume I).
Estes aspectos ora indicados foram
considerados no desenvolvimento da noção
Página

dispositivo informacional para a CAPURRO, R.; HJØRLAND, B. The


contemporaneidade. (WILKE, 2009)
concept of information. Annual Review

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Edições 70, 1997. tempo. São Paulo: Hucitec, 1994.

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ZEMAN, Jirí. Significado Filosófico da


noção de Informação. In: O conceito de
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112
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