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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE DIREITO

LUCAS BONIFÁCIO EGUCHI

O consentimento da vítima como excludente de ilicitude no crime de lesão corporal (Art.


129 do Código Penal brasileiro): possibilidades e limitações

SÃO PAULO
2020
I – Introdução

O Direito Penal, no Brasil, lida de forma objetiva com duas grandes figuras delitivas: o
crime e a contravenção. A definição destas duas figuras é objeto de grande debate entre
penalistas do Mundo inteiro, pois se há esforço necessário ao Direito Penal desde a
modernidade é o de delimitação deste ramo da ciência jurídica. Isto porque trata-se de uma
disciplina fundamentalmente punitiva: é o braço mais gravoso do poder do Estado em punir
quem não cumpre seus ditames e, portanto, se não houver delimitação clara, pode servir para
perseguições e abusos.
É neste esteio que questões como a conceituação do que seria crime ganham grande
relevância. Afinal, quando uma ação pode ser caracterizada como crime? Qualquer
descumprimento a qualquer lei é crime? Independente da motivação ou dolo de quem o
cometeu? De fato, se assim o fosse, o Direito Penal seria carente de qualquer consistência. Para
avançar este debate, como já se falou, foi necessária uma delimitação.
Debates extensos à parte, inclusive no que concerne às contravenções, o fato é que de
forma concreta o direito brasileiro adotou uma teoria tríplice para definir crime: trata-se de
qualquer ação típica, antijurídica e culpável. Típica quer dizer estar descrita em uma lei penal,
vedada a analogia. Culpável quer dizer que a conduta do agente deve ser relevante na cadeia de
causação do fato tipificado. E antijurídica diz respeito à capacidade da atitude de ofender a bens
jurídicos protegidos, como a vida, a propriedade, entre outros.
Contudo, da mesma forma que temos os fatores de caracterização, a lei penal no Brasil,
mais precisamente o Código Penal (Decreto-Lei 2.848/1940), prevê a existência de situações
que afastam cada um destes fatores. Especificamente, os que afastam a ilicitude (ou
antijuridicidade) estão no art. 23 do referido Código, listados nos incisos do caput.
A grande discussão que há, neste ponto, é se existem outros elementos que podem
afastar a ilicitude de um ato, que seria típico e culpável, mas sem a característica de ilicitude,
deixaria de ser crime.
Um dos elementos que é candidato a ser uma excludente de ilicitude supralegal é o
elemento volitivo na vítima. Todo crime possui uma vítima, o polo passivo do delito. O fato de
esta vítima, nem sempre uma pessoa física, autorizar a conduta que lhe infligiu o dano, afastaria
o ilícito?
A aplicação desta discussão sobre a questão do crime de lesão corporal será o objeto
deste trabalho.
II – Análise na doutrina e na jurisprudência

É bastante comum a opinião que o dever do direito penal não é necessariamente proteger
pessoas (físicas ou jurídicas), instituições ou o Estado. É, isto sim, proteger os bens jurídicos
necessários à manutenção da paz social e que outros ramos do direito não tiveram êxito em
tutelar.
Assim encontramos na obra jurista alemão Claus Roxin, que define o direito penal como
o ramo do direito que presta uma “proteção subsidiária dos bens jurídicos” (ROXIN, 1997, p.
51 [trad. própria]). Subsidiária justamente porque só deve haver punição penal para
transgressões contra bens jurídicos que sanções de outra natureza não conseguiram resguardar.
Também vai por esta linha o jurista Hans Welzel, também alemão: “A missão do Direito Penal
é a proteção dos bens jurídicos mediante o amparo dos elementares valores ético-sociais da
ação” (WELZEL, 1956, p. 6).
Com o fito de brevemente situar o conceito, é suficiente a lição do jurista argentino
Eugênio Raul Zaffaroni, para quem “Bem Jurídico penalmente tutelado é a relação de
disponibilidade de um indivíduo com um objeto, protegida pelo Estado, que revela seu interesse
mediante a tipificação penal de condutas que o afetam” (ZAFFARONI, 2006, p. 397). Ou seja,
é a liberdade e o poder de gozar de tudo aquilo a que os sujeitos de direito têm sob seu controle,
ou seja, daquilo que dispõe, para satisfazer suas necessidades. Quando esta relação adentra o
mundo do Direito, e é por ele protegida, ou seja, regras surgem para garantir sua manutenção,
é um bem jurídico tutelado. Se o regramento que se prestar a isto for de natureza penal, o que,
como já dissemos, só deve ocorrer de forma subsidiária, temos um bem jurídico penalmente
tutelado.
Desta forma, ficando claro que o Direito, inclusive o Direito Penal, não protege as
pessoas ou os objetos, mas os bens jurídicos, como a vida, a propriedade, a integridade moral,
a integridade física, a saúde individual, a saúde pública, entre outros, se inicia a discussão: até
que ponto o titular de um bem jurídico pode abrir mão da proteção dada pelo direito, em especial
o direito penal? Em outras palavras, quais os bens jurídicos passíveis de serem alienados ou
abdicados, e as circunstâncias em que isto pode ser feito.
Antes de prosseguir, é necessária uma breve diferenciação entre consentimento e
perdão. Não se pode falar em consentimento posterior ao fato. A autorização que pode, em
discussão aqui, configurar como excludente de ilicitude só existe se for prévia ou, ao menos,
concomitante. A isto chamamos consentimento. O desagravo ao autor, por parte da vítima,
posterior ao ato lesivo, ao que chamamos perdão, não pode ser usado para afastar a
antijuridicidade do ato.
Feita esta diferenciação, prosseguimos com a basilar lição do jurista alemão Franz von
Liszt, acerca do poder de renúncia a bens jurídicos: “IV - A offensa de um bem juridico com o
consentimento do offendido só exclue a ilegalidade do acto, quando e até onde o direito publico
permitte a disposição de tal bem, e o titular, são de espirito, delle dispõe seriamente. Entende-
se que a ordem jurídica nega o poder de dispor, quando liga ao bem em questão uma importância
que vae além da pessoa do respectivo titular”. (VON LISZT, 2006, p. 245 [ipsis litteris])
Neste contexto, podemos lidar com a questão específica a que nos prestamos a examinar.
O crime de lesão corporal surge para proteger penalmente os bens jurídicos: integridade física
e saúde, neste caso física e mental. Está previsto no art. 129 do Código Penal brasileiro e traz
em seu caput a previsão que lesão corporal é “Ofender a integridade corporal ou a saúde de
outrem”, e pode ocorrer na forma simples e dolosa (caput), de forma grave, dolosa e
eventualmente preterdolosa (§§ 1° e 2°), seguida de morte, dolosa para a lesão corporal e
preterdolosa para o homicídio (§ 3°). Há ainda a previsão de atenuantes, (§ 4°), substituição da
pena (§ 5°), a modalidade dolosa, (§ 6°), aumento da pena (§§ 7° e 8°) e parágrafos que
prescrevem um tipo específico de lesão corporal, a violência doméstica (§§ 9° ao 12).
Portanto, o debate que se impõe é saber se os bens jurídicos integridade física e saúde
podem sofrer abdicação por seu titular ou se vão além da pessoa deste, o que significaria que
qualquer perturbação à incolumidade destes bens jurídicos causaria um dano no tecido social
que seria muito grave e, portanto, insustentável à luz do direito.
Esta questão não é nova na doutrina, tendo em vista que lesões corporais consensuais
são antigas e usais. Temos como exemplos a feitura de tatuagens, colocação de piercings,
depilação, corte de cabelo, ou seja, procedimentos de caráter estético, cirurgias médicas, alguns
rituais religiosos, como a circuncisão entre os judeus.
O Procurador Rogério Sanches Cunha oferece abaixo um bom apanhado da doutrina
subjacente, que transcrevemos: “Como tratar as lesões cirúrgicas provocadas por médicos nas
intervenções de emergência, reparadoras ou estéticas? Vejamos: a) em casos tais, alguns
doutrinadores não admitem sequer a tipicidade (Bento de Faria); b) outros negam o dolo
caracterizador do delito, considerando que a vontade do médico nas hipóteses acima jamais é
de ofender a saúde do paciente, mas, sim, curá-la ou melhorá-la (Francisco de Assis Toledo);
c) podemos citar, ainda, a descriminante supralegal do consentimento do ofendido, na visão
temperada por nós já analisada com base nas lições de Cezar Roberto Bitencourt; d) possível
de aplicação, também, a teoria da imputação objetiva, abolindo do fato o nexo normativo, isto
é, inexiste no comportamento médico a criação ou incremento de risco proibido ou não
permitido (Luiz Flávio Gomes); e) apesar de formalmente típico, ausente a antinormatividade
do ato, pois fomentado por lei, conclusão explicada pela teoria da tipicidade conglobante
(Zaffaroni); f) por fim, causas excludentes da ilicitude, como o exercício regular de direito ou
estrito cumprimento de dever legal, acabam por justificar a ação médica (Pierangeli).
(...)”. (Sanches Cunha, 2016, p. 113)
A posição de Bitencourt explicitamos melhor no trecho que segue: “(...) no ordenamento
jurídico brasileiro, a integridade física apresenta-se como relativamente disponível, desde que
não afronte interesses maiores e não ofenda os bons costumes, de tal sorte que as pequenas
lesões podem ser livremente consentidas, como ocorre, por exemplo, com as perfurações do
corpo para a colocação de adereços”. (BITENCOURT, 2015, p. 197).
Damásio de Jesus afirma que a ofensa à incolumidade física e psíquica da pessoa podem
ter seu elemento de ilicitude excluído, como no exercício regular de direito, estrito cumprimento
de dever legal, entre outros (JESUS, 2013, p. 167). Não há palavras deste mestre sobre a questão
do consenso, mas logo se vê que há admissão de certa disponibilidade dos bens jurídicos
tutelados pelo art. 129 do CP. Ainda neste assunto, Damásio de Jesus afirma que o consenso
afasta a ilicitude se o bem for disponível e o agente for capaz. (idem, pp. 46-47)
Heleno Fragoso, por seu turno, afirma que o consentimento do ofendido é excludente
de ilicitude, desde que validamente obtido e a ação não ofenda aos bons costumes. (FRAGOSO,
1995, p. 92)
Victor Eduardo Rios Gonçalves entende que a integridade física e mental é apenas
relativamente indisponível, e lembra que a Lei 9.099/95 prevê que a apuração do crime de
lesões leves depende de representação, ou seja, neste caso, até mesmo o perdão, aqui entendido
como a faculdade de não representar, é válido para afastar a punibilidade. Logo, para este grau
do crime, lesão leve, parece haver certa consideração sobre as vontades e opiniões do ofendido.
(GONÇALVES, 2019, pp. 188-189)
Temos, então, que uma discussão importante é a manifestação da vontade da vítima.
Apurar se esta é legítima e foi expressa de forma consciente e válida é algo primordial. Neste
sentido, é bastante pertinente o julgado abaixo reproduzido, proferido em 05/09/2019, no
TJDFT, sobre violência doméstica: “Processo 0000976-05.2018.8.07.0002. Acórdão: 1198968.
Ementa: ‘(...) VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. LESÃO CORPORAL. (...)
III - O consentimento da ofendida quanto à aproximação do réu não tem o condão de revogar a
decisão judicial que defere as medidas protetivas de urgência e por isso não afasta a tipicidade
do fato previsto no art. 24-A da Lei nº 11.340/2006, (...)”
III – Conclusão

A análise da doutrina demonstra que são duas grandes questões que emergem: em
primeiro, saber sobre disponibilidade dos bens jurídicos integridade física e boa saúde por seu
titular. Auferir se tal expediente existe e qual seu alcance. Em segundo, determinar quando que
uma manifestação de vontade, que afirma a abdicação de um proteção jurídico-penal sobre um
bem jurídico, é legítima.
Conforme se depreende da doutrina em voga no Brasil, os bens protegidos penalmente
pelo tipo lesão corporal (art. 129 do CP) apenas serão disponíveis, e portanto o consentimento
de seu titular ira afastar a antijuridicidade, se o forem de natureza leve e se a lesão tiver algum
valor estético, religioso ou de sanitário que seja científica e moralmente válido e reconhecido
pela sociedade. Cabe ressalvar a questão da ausência de representação, exigida pelo art. 88 da
Lei 9.099 de 1995. Como tem o poder apenas de se evitar um inquérito penal, e um eventual
processo, a falta de representação produz apenas o afastamento da punibilidade do agente que
deu causa à lesão, mas não deixa de caracterizar a conduta como criminosa.
Entende-se que as demais modalidade de lesão afrontam de forma decisiva e absoluta
os bens acima citados, e dado que estes são relativamente indisponíveis, ou seja, apenas a
sensação de bem estar momentânea é digna de afastamento, nestes casos o consenso da vítima
é inócuo, podendo, no máximo, servir de atenuante. (JESUS, 2013, p. 47)
A questão de fundo, então, é mais antiga e complexa, e extrapola inclusive o Direito: o
que é agir racionalmente? Quando podemos nos deparar com uma ação e afirmar que esta é
racional? Trata-se de algo que foge ao escopo do trabalho, mas uma regra simples é aquela
fornecida pelos utilitaristas, que muito influenciaram o pensamento moderno: ser racional é
buscar o que nos dá prazer e evitar o que nos causa sofrimento. E esta consideração envolve um
jogo de soma: uma ação é racional se o prazer que proporciona é superior ao sofrimento que
provoca.
Assim, em perspectiva, além de a lesão dever ser leve, precisa haver uma razão de ser
para que tal lesão tenha se procedido, não se admitindo para afastar o caráter ilícito da conduta
a mera concordância daquele que foi ofendido. Algum ganho de saúde, religioso ou estético
deve ser o objetivo. E aí adentramos, definitivamente, na segunda consideração: a anuência
deve ser racional e sua manifestação deve ser clara, ainda que não declarada ou tácita. Isto é,
não pode deixar dúvidas sequer ao observador externo que a vítima, devidamente motivada,
abdicou de sua integridade física. Como se viu pelo julgado extraído, condutas meramente
indicativas não servem como comprovação de que a vítima coadunou com a ação.
Bibliografia

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial. 15. ed. v. 2.
São Paulo: Saraiva, 2015.

CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal. Parte Especial (arts. 121 o 361).
v. único. 8. ed. Salvador: JusPODIVIM, 2016.

FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal. Parte Especial. 11. ed. v. 1. Rio
de Janeiro: Forense, 1995.

GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Curso de direito penal: parte especial (arts. 121
a 183). v. 2. 3. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial, volume II: introdução à
teoria geral da parte especial: crimes contra a pessoa. 14. ed. Niterói: Impetus, 2017

JESUS, Damásio de. Direito penal: parte especial. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

ROXIN, Claus. Derecho Penal. Parte General, Tomo I: Fundamentos. Estructura de


la teoría del delito. Madrid: Editorial Civitas, 1997. ISBN: 84-470-0960-2

VON LISZT, Franz. Tratado de Direito Penal allemão. v.1. Ed. fac-sim. Brasília:
Senado Federal, Conselho Editorial: Superior Tribunal de Justiça, 2006.

WELZEL, Hans. Derecho Penal. Parte General. Buenos Aires: Roque Depalma
Editor, 1956.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal


brasileiro: parte geral. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

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