Вы находитесь на странице: 1из 20

DOI

JOVENS CRISTÃOS ON-LINE E OFF-LINE


Uma reflexão ético-teológica da Exortação apostólica
Christus Vivit sobre o ambiente digital
YOUNG CHRISTIANS ONLINE AND OFFLINE
An ethical-theological reflection of the Apostolic exhortation Christus Vivit
on the digital environment

André Luiz Boccato de Almeida*


São Paulo, SP

Lúcia Eliza Ferreira da Silva**


São Paulo, SP

Síntese: O presente artigo apresenta uma leitura analítica dos números


86-90 da Exortação Apostólica Christus Vivit, com o objetivo de com-
preender a complexidade da interação entre evangelização e mídias
atuais, particularmente entre os jovens. Para isso, disserta sobre o
tema a partir de três perspectivas: a) situando a Exortação pós-sino-
dal Christus Vivit (CV) em relação aos desafios da evangelização dos
jovens; b) apresentando o ambiente digital com seus desafios; c) salien-
tando as propostas de caráter ético-teológico e formativo da consciência.
Palavras-chave: Ambiente digital; Christus Vivit; Evangelização; Papa
Francisco; Jovens.
Abstract: His article presents an analytical reading of numbers 86-90
of the Apostolic Exhortation Christus Vivit, with the aim of unders-
tanding the complexity of the interaction between evangelization and
current media, particularly among young people. To do so, he talks
about the subject from three perspectives: a) placing the post-synodal
exhortation Christus Vivit (CV) in relation to the challenges of evan-

*. Pós-doutor em teologia (PUC-PR). Doutor em Teologia Moral (Lateranense-Roma). Mestre em


Teologia (PUC-SP). Especialista em Educação Sexual (UNISAL-SP). Licenciado em Ciências Sociais
(FAFICA-PE). Psicanalista. Professor de Teologia Moral na PUC-SP e no Centro Universitário Sale-
siano-SP. Professor na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). E-mail: <a.l.boccato@
gmail.com>.
**. Mestranda em Teologia (PUC-SP). Bacharel em Teologia (PUC-SP). E-mail: <lucia.elizaazile@
gmail.com>.
REB, Petrópolis, volume 80, número 315, p. 8-27, Jan./Abr. 2020 9

gelizing young people; b) presenting the digital environment with its


challenges; c) emphasizing the proposals of an ethical-theological and
formative character of conscience.
Keywords: Digital Environment; Christus Vivit; Evangelization; Pope
Francis; Young.

Introdução
Há um certo tempo vem-se discutindo o impacto das novas tecno-
logias nos comportamentos das pessoas, o que tem modificado a forma
de pensar, de assumir e de interiorizar os valores éticos que conduzem
a vida humana. Se os vários campos de saber, e de modo particular a
sociologia, a antropologia, a publicidade, o jornalismo e o marketing
já realizam suas análises e decodificações do ambiente digital com seu
respectivo “modus vivendi”, é de se subentender que também o teólogo
seja chamado a dar sua contribuição propositiva e interpelativa diante
do novo cenário pleno de desafios, de oportunidades para encontros,
para o diálogo e a sociabilidade, condição visceral do ser humano.
Com o Sínodo dos Bispos realizado em Roma (2018), desejado pelo
Papa Francisco, a Igreja novamente desejou dizer uma palavra de esperan-
ça aos jovens cristãos de todo mundo e ao povo de Deus, imersos na cul-
tura em mutação. Sabe-se que no ciberespaço aparecem grandes oportu-
nidades de integração, comunhão e aproximação entre as pessoas, embora
estas oportunidades também tragam consigo limites que ainda precisam
ser melhor compreendidos e aprofundados. A comunicação através dos
mais sofisticados meios tecnológicos possibilita outrossim que o Evan-
gelho de Jesus Cristo ecoe, com entusiasmo, no coração de milhares de
pessoas, gerando as virtudes teologais da fé, da esperança e da caridade.
Deste modo, propõe-se nesta reflexão analisar os números 86-90
da Exortação pós-sinodal Christus Vivit (CV), em que o Papa Francisco
reafirma que “Cristo Vive” no coração dos que se abrem à sua Boa-No-
va. Embora o texto possua vários capítulos com tônicas particulares no
que tange à evangelização e ao mundo dos jovens, deseja-se, neste arti-
go, salientar os pontos referentes ao que se chama de “ambiente digital”.
Para tanto, buscar-se-á desenvolver o tema – indicado no título –, a partir
de três horizontes em sinergia. Primeiro, situar a Exortação pós-sinodal
Christus Vivit (CV) em relação aos desafios da evangelização dos jovens,
10 A.L.B. de Almeida; L.E.F. da Silva. Jovens e ambiente digital

fazendo uma leitura geral da exortação. Segundo, apresentar o ambiente


digital (n. 86-90) com seus desafios apontados no próprio texto. Ter-
ceiro, salientar as propostas provenientes da exortação no que tange ao
processo educativo e formativo da consciência. Assim e enfim, estabe-
lecer-se-á o nexo entre evangelização e mídias, buscando interpretar o
fenômeno do encontro, com suas rupturas e possibilidades.

1. Desafios da evangelização dos jovens a partir da Christus Vivit


A Exortação pós-sinodal Christus Vivit1 do Papa Francisco, assinada
em Loreto, no Santuário da Santa Casa, no dia 25 de março de 2019,
na Solenidade da Anunciação do Senhor, é o texto que conclui o pro-
cesso sinodal desejado pelo Papa, com o intuito de discutir a evangeliza-
ção dos jovens. Com a convocação do Sínodo dos Bispos, realizado em
Roma, entre os dias 3 a 28 de outubro de 2018, Francisco pretendeu,
em espírito de sinodalidade, fazer com que toda a Igreja fosse “enco-
rajada a crescer na santidade e no compromisso em prol da própria
vocação” (CV, 3). Neste documento, como é comum no magistério de
Francisco e na esteira do Concílio Vaticano II, insiste-se na importância
da sinodalidade como um verdadeiro caminhar juntos, o que se faz me-
diante um contínuo processo de discernimento diante dos desafios dos
sinais dos tempos.
Mas, o que precedeu a exortação dirigida a todo o povo de Deus e
aos jovens sobre a evangelização? O sínodo, tendo sido convocado pelo
Papa com o tema “Os jovens, a fé e o discernimento vocacional”, foi pre-
cedido por um documento de trabalho, fruto de uma ampla consulta,
por meio de um questionário, para recolher informações sobre a realida-
de da juventude em cada parte do mundo. Havia questões disponíveis
em um site na internet, com um questionário sobre as expectativas dos
jovens e um questionário sobre a vida deles. As respostas constituíram
a base do Documento de Trabalho (Instrumentum Laboris), ponto de
referência para a discussão dos padres sinodais.
O tema evangelização e juventude tem sido uma preocupação bro-
tada já da própria mudança de rota da Igreja na relação com o mundo
moderno, onde o diálogo tem a primazia como método gerador de um
certo confronto entre a tradição e a inovação, principalmente desde o

1. Cf. Francisco, Papa. Exortação pós-sinodal Christus Vivit. Daqui para frente usaremos CV.
REB, Petrópolis, volume 80, número 315, p. 8-27, Jan./Abr. 2020 11

Concílio Vaticano II e, portanto, continuado pelo magistério pontifício


pós-conciliar2. Na conclusão da aula conciliar, em 8 de dezembro de
1965, Paulo VI se dirigiu de maneira especial aos jovens, dizendo:
É finalmente a vós, jovens de todo o mundo, que o Concílio quer diri-
gir a sua última mensagem, pois sereis vós a recolher o facho das mãos
dos vossos antepassados e a viver no mundo no momento das mais
gigantescas transformações da sua história, sois vós quem, recolhendo
o melhor do exemplo e do ensinamento dos vossos pais e mestres, ides
constituir a sociedade de amanhã: salvar-vos-eis ou perecereis com ela
(Paulo VI, 1965).
Destacam-se, também e sobretudo, as contínuas mensagens de João
Paulo II, durante seu longo pontificado, aos jovens. Dentre as várias,
salientamos duas. Em Christifidelis Laici, sobre a vocação e missão dos
leigos na Igreja e no mundo, ele dedica uma menção especial aos jovens;
diz ele:
O Sínodo quis prestar uma atenção especial aos jovens (...). Os jovens
constituem uma força excepcional e são um grande desafio para o fu-
turo da Igreja. Nos jovens, efetivamente, a Igreja lê o seu caminho para
o futuro (...). O Concílio definiu os jovens como “esperança da Igreja”
(João Paulo II, 1998, 46).
Na Carta Apostólica Tertio Millenio Adveniente, o Papa diz que em
qualquer situação e região da terra os jovens não cessam de fazer per-
guntas a Cristo: encontram-no e procuram-no para o interrogarem de
novo. Se souberem seguir o caminho que Ele indica, terão a alegria de
dar o próprio contributo para a presença dele no próximo século e nos
sucessivos, até a conclusão dos tempos (João Paulo II, 2000, 58).
O Papa Bento XVI também se dirigiu aos jovens – talvez de forma
mais teológica –, sublinhando tanto a necessidade de nutrir-se da Pala-
vra de Deus, cultivando o hábito da Lectio Divina (Bento XVI, 2006),
como fazendo desabrochar a virtude da esperança. Ele diz:
A experiência demonstra que as qualidades pessoais e os bens materiais
não são suficientes para garantir a esperança da qual o coração humano
está em busca constante (...). A política, a ciência, a técnica, a econo-
mia e qualquer outro recurso material, sozinhos, não são suficientes

2. Cf. Congar, Y.M. Diálogos de outono, p. 7-22. Nestas páginas, o ilustre teólogo dominicano,
respondendo às questões de Lauret, analisa de modo profundo os bastidores da superação do que ele
chama de paradigma “tridentinista” pelo do diálogo.
12 A.L.B. de Almeida; L.E.F. da Silva. Jovens e ambiente digital

para oferecer a grande esperança que todos desejamos. Esta esperança


só pode ser Deus (Bento XVI, 2009).
Desde o início de seu pontificado, o Papa Francisco demonstra pro-
ximidade com os jovens, quando, na Jornada Mundial da Juventude, no
Brasil (julho de 2013), dirige-se a eles com as seguintes palavras:
Vim para encontrar os jovens que vieram de todo o mundo, atraídos
pelos braços abertos do Cristo Redentor. Eles querem agasalhar-se no
seu abraço para, junto de seu Coração, ouvir de novo o seu potente e
claro chamado “Ide e fazei discípulos entre todas as nações”. Cristo abre
espaço para eles, pois sabe que energia alguma pode ser mais potente
que aquela que se desprende do coração dos jovens, quando conquis-
tados pela experiência de sua amizade. Cristo “bota fé” nos jovens e
confia-lhes o futuro de sua própria causa: “Ide, fazei discípulos”. Ide
para além das fronteiras do que é humanamente possível e criem um
mundo de irmãos. Também os jovens “botam fé” em Cristo. Eles não
têm medo de arriscar a única vida que possuem porque sabem que não serão
desiludidos (Francisco, 2013).
A Exortação apostólica CV, em seus 299 números, aponta inúmeros
desafios para a evangelização dos jovens. Contudo, mais que apresen-
tar os paradoxos dos tempos atuais indica o foco da vida de um jovem
cristão: “Cristo vive (...) tudo o que toca torna-se jovem, fica novo, en-
che-se de vida (...) Ele vive e quer-te vivo” (CV,1). O grande desafio da
Igreja e da evangelização dos jovens hoje é, de fato, deixar que o Senhor
acenda sua luz e os jovens, os astros que dependem dessa luz, sejam
atraídos pela única luz brilhante e esplendorosa que é o Senhor (CV,33).
O Sínodo, ao ter debatido com os próprios jovens sobre os desafios
e as crises da atual cultura, compreendeu que é necessário apresentar de
forma positiva a mensagem evangélica, embora em meio aos próprios
paradoxos do mundo contemporâneo, tais como elencados na própria
exortação pós-sinodal: contextos de guerras, violências, tráfico de se-
res humanos, escravidão e exploração sexual (CV,72); jovens que são
instrumentalizados e utilizados por sujeitos individualistas e poderes
político-econômicos (CV,73); jovens marginalizados e excluídos; ado-
lescentes portadores de doenças, nas ruas (CV,74); jovens usados pela
sua beleza corporal para vender produtos lucrativos, através de uma pu-
blicidade comercial imoral (CV,79).
Esses e outros desafios – principalmente os três: ambiente digital, os
migrantes e as formas de abuso (CV,85) – são assumidos pela Igreja, na
REB, Petrópolis, volume 80, número 315, p. 8-27, Jan./Abr. 2020 13

esperança de que o anúncio de que Deus é amor (CV,112-117), de que


Cristo salva (CV,118-123), de que Cristo vive (CV,124-129) e de que o
Espírito dá vida (CV,130-133) possa consolar e encorajar os jovens a
serem protagonistas da evangelização em seus próprios contextos.

2. O contexto do “ambiente digital” e a evangelização dos jovens


O terceiro capítulo da Exortação apostólica Christus Vivit (CV) – “Vós
sois o agora de Deus” (n. 65-110) –, debruça-se sobre o comportamento
dos jovens na atualidade, por meio da decifração de sua contribuição
na sociedade, junto aos outros indivíduos. Elucida-se a existência de
múltiplas juventudes (CV,68), que compõem variados grupos, ten-
dências e contextos; o mundo juvenil, em sua ampla perspectiva, é
caracterizado como provocativo e dinâmico tanto na sociedade como
na Igreja. Desta maneira, o indivíduo – jovem – exige e dá suporte a
novas formas de socialização, pois, o mesmo está imerso nessa mutação
do tempo e do espaço.
Transportado por tais interpelações, o texto sinodal se questiona so-
bre a juventude: “como são os jovens de hoje, o que eles sentem agora?”
(CV,64). Questiona-se também sobre a localização destes sujeitos, os
dramas e as crises que os assolam, suas alegrias e seus recursos em vista
da composição de uma sociedade mais justa e humanizada. Assim, re-
tratar a juventude de hoje é, sem dúvida, abandonar métodos e “lentes”
do passado, pois há fenômenos e sensibilidade novos e perguntas inédi-
tas (CV,65).
Os padres sinodais destacam três pontos – no capítulo já mencio-
nado – como sendo essenciais para a aproximação ao mundo juvenil.
O primeiro, o ambiente digital (CV,86-90) – sobre o qual nos detemos
neste artigo. O segundo, as migrações (CV,91-94) – fenômeno estru-
tural que atinge de forma violenta tantos jovens, em decorrência de
guerras, fome, perseguição religiosa etc. (CV,91). Por fim, relatou-se a
ocorrência de abusos sexuais (CV,95-102) – sofrimento aos menores e
uma monstruosidade dentro da Igreja e da sociedade (CV,96). Inclui-se
a este o abuso pela via do poder, da economia, da consciência, ratifican-
do exercícios de autoritarismo e dominação.
O que interessa a este artigo – o ambiente digital (CV,86-90) –
é salientado como sendo a característica do mundo contemporâneo e
que, portanto, interfere na forma de vida dos indivíduos ou dos novos
14 A.L.B. de Almeida; L.E.F. da Silva. Jovens e ambiente digital

sujeitos (jovens on-line e off-line). Portanto, o meio digital interfere na


construção e no exercício de si, na profundidade do eu, nas relações
interpessoais; influencia grandemente no espaço que nos circunda, na
formulação da comunicação e nos novos meios de aprendizagem.
Nos cinco números referentes ao ambiente digital são apresentados
pontos pragmáticos e elementos prejudiciais, correspondentes e pro-
porcionados pelos ambientes digitais, um verdadeiro “ambiente” onde
se cultivam novas relações que superam a tradicional relação entre tem-
po e espaço. De fato, os espaços virtuais representam uma nova forma
de se exprimir e se comportar, podendo ser associados a uma fase de
amoralidade (Almeida, 2014, p. 57). Na prática, este ambiente digital,
tal como se refere a CV, é uma verdadeira “ágora digital”, ou seja, uma
“praça pública, aberta, portanto, e onde as pessoas partilham ideias, in-
formações, opiniões e ganham novas relações e formas de comunidade”
(Bento XVI, 2013).
Quais são esses espaços onde os jovens gastam tempo (muito tem-
po) e podem ser encontrados facilmente? Twitter, Facebook, Orkut e sa-
las de jogos virtuais são algumas formas de sociabilidade digital que
passaram por transformação no decorrer dos anos e produziram novos
comportamentos, arquitetaram novos valores em que o real e o volátil
se conectam.
A história da internet deu-se a partir dos anos 1970 com o nasci-
mento do signo web. Nas décadas seguintes, houve o surgimento dos
grandes portais: Uol, Bol, Yahoo; salas de bate-papo e programas de
mensagens instantâneas (ICQ e MSN); serviços de e-mail, sites de busca
(Google e Cadê). Já na virada no milênio, na primeira década, viu-se a
consolidação e mais transformações. A população – em grande porcen-
tagem – apreendeu a internet pela facilitação da aquisição de computa-
dores. Nesta década, emergiu, frente à internet discada, a banda larga,
conexão 3G e, hoje a 4G, 5G. Por este breve panorama, detecta-se o
rápido avanço tecnológico (Trasferetti, 2018, p. 287-288).
Tal alcance tecnológico promoveu oportunidades ímpares, em vista
do diálogo global, do encontro e do intercâmbio. Algo fantástico! É um
contexto provedor de informação e participação sociopolítica e cida-
dania ativa pela facilitação no trânsito de dados. Em contrapartida, o
ambiente digital atribuiu ao simples contato virtual a denominação de
comunicação, dissimulando a concretude dos relacionamentos interpes-
soais (CV,87). Com o conjunto de ferramentas e técnicas desenvolvidas –
REB, Petrópolis, volume 80, número 315, p. 8-27, Jan./Abr. 2020 15

a internet, os jogos digitais, os smartphones, as redes sociais e outras mais –,


também empodera-se o abuso no seu uso, fenômeno denominado cyber-
dependências. Esta realidade significa, de qualquer modo, uma ameaça à
sociabilidade do ser humano (Carunchio, 2019, p. 287).
No contexto dos jovens, fase da existência transitória entre a idade
infantil e a adulta, o uso excessivo dos meios digitais pode gerar danos
ainda não muito conhecidos e estudados. É verdade que o ambiente
digital oferece muitas oportunidades de encontro, comunicação e diá-
logo. Contudo, os riscos, não totalmente conhecidos, impactam a vida
humana. Embora o texto da CV não mencione com clareza técnica as
consequências e os riscos, sabe-se que hoje já é constatável a chamada
Síndrome da Fadiga da Informação (SFI). Esta síndrome se caracteriza
pelo cansaço da informação, uma enfermidade psíquica que afeta todos
os usuários do mundo digital, pelo excessivo tempo de impacto sobre a
consciência. Os afligidos reclamam do estupor crescente das capacida-
des analíticas, de déficits de atenção, de inquietude generalizada ou de
incapacidade de assumir responsabilidades (Han, 2018, p. 104).
Outro aspecto importante e atual relacionado aos ambientes digitais
vincula-se à política. Embora nos ambientes digitais se possa exercer
a cidadania ativa com a participação sociopolítica (CV,87), é também
verdade que, com a circulação rápida de informações, pode-se enfra-
quecer a capacidade de criticidade. Pela manipulação da consciência, o
processo democrático pode ser ameaçado, quando não se proporciona
o confronto dialógico de diversificadas ideias e posicionamentos pú-
blicos para o bem comum (CV,89); também, pela proliferação das fake
news, perdeu-se o sentido e a bússola da verdade sob a prioridade de
interesses de grupos e ideologias. A título de exemplificação, no cenário
brasileiro, pela polarização ideológica viu-se certa conflitualidade entre
as polaridades direita e esquerda, o que potencializou a administração
de fatos falsos. Pelo compartilhamento de fake news, as eleições brasi-
leiras de 2018 se caracterizaram pela intensa disseminação de informa-
ções inverídicas, sendo discutida a possível distorção do resultado final
(Mendonça, 2019, p. 295).
Esse fenômeno da proliferação rápida e acrítica de informações
provenientes de ambientes digitais de fake news afeta também a Igreja
e seus pastores (CV,89). Em 2018, o veículo digital do Vaticano pu-
blicou uma reportagem com o título: “Fake Pope”, onde se exploravam
16 A.L.B. de Almeida; L.E.F. da Silva. Jovens e ambiente digital

as falsas notícias sobre o Papa Francisco e seu magistério, em vista de


desprestigiar seu pontificado (Vaticano News, 2018).
Tais circunstâncias evidenciam um necessário caminho de forma-
ção da subjetividade digital (Guareschi, 2018, p. 180) pela “habitação”
no ambiente “virtualizado-virtualizador”. Se a consciência é o contexto
onde a dignidade da pessoa humana e a responsabilidade de sua ação
moral (Demmer, 1999, p. 30) devem ser respeitadas, já que “é a intimi-
dade secreta, o sacrário da pessoa, em que se encontra a sós com Deus
e onde lhe ouve intimamente a voz” (Gaudium et Spes,16), a hipótese
vista é a do oferecimento de um necessário processo formativo e crítico
do bom uso pelo sujeito. Um processo de evangelização dos jovens, no
contexto do ambiente digital, deve compreender a sutileza das novas
técnicas que “digitalizam existências, estimulam os desejos e constroem
novas subjetividades” (Guareschi, 2018, p. 181).
Essa consciência é facilmente refletida na exposição dos corpos nas
redes sociais, no “culto à juventude” (CV,16), em uma tentativa de pro-
longar a idade juvenil, a fim de protagonizar somente a beleza da apa-
rência, em que a felicidade é simbolizada pela jovialidade do corpo, em
uma antropologia do ideal e do aceitável. Evidencia-se a personalidade
fragmentada, mascarada e anônima, no que diz respeito ao ser (Trasfe-
retti, 2018, p. 300), conflitando transparência versus hipocrisia, mentira
versus verdade, o real versus o imaginário.
Para a CV (89-90), cresce hoje o número de jovens on-line e off-line
que ocupam de modo constante os espaços digitais, impedindo-se, às
vezes, de ver a vulnerabilidade do outro, dificultando a reflexão pessoal. No
contexto das “global cities” (Saviano, 2008, p. 34-37), em que as tecno-
logias da informação interferem e impactam o modo de viver, as relações e
as atividades, principalmente nas grandes metrópoles, são profundamen-
te desafiantes para pensar a evangelização dos jovens para interagirem
com o mundo real.
Um elemento a ser aprofundado, à luz da CV e no que se refere ao
ambiente digital, uma vez que os usuários do meio (mídia) ainda se
encontram em grande parte sob a influência de uma mídia corporativa
oligopolizada e produtora de realidades em função de interesses, é o fato
de as redes sociais refletirem exatamente o mundo subjetivo criado por
quem realmente tem o poder de formar as consciências (Abdalla, 2015,
p. 123). Hoje, não se pode tratar o ambiente digital da evangelização
REB, Petrópolis, volume 80, número 315, p. 8-27, Jan./Abr. 2020 17

e da juventude, se não se leva em conta que, de fato, o peso maior das


informações veiculadas nesses espaços virtuais é dado à versão, por
assim dizer, “oficial”, compartilhada pelos oligopólios empresariais que
editam jornais e revistas, que possuem canais de TV e rádio, que, em-
bora sejam empresas diferentes, compartilham quase sempre da mesma
versão da realidade política, econômica e social, por pertencerem ao
mesmo grupo social mais amplo.
Na CV (n. 90), diz-se que
(...) a imersão no mundo virtual favoreceu uma espécie de “migração
digital”, isto é, um distanciamento da família, dos valores culturais e
religiosos, que leva muitas pessoas para um mundo de solidão e auto-
invenção, chegando ao ponto de sentir a falta de raízes, embora fisica-
mente permaneçam no mesmo lugar.
Este complexo processo de inserção temporal no mundo digital é
fruto de uma inteligente estrutura social que deseja controlar as cons-
ciências e os comportamentos. Há uma teoria muito bem arquiteta-
da, conhecida como “engenharia do consentimento” (Bernays, 2010),
que, usando técnicas e conhecimentos de psicologia (principalmente
o inconsciente freudiano), deseja conquistar uma massa disposta a se-
guir determinadas ideias e comportamentos, com o auxílio dos meios
de comunicação.
A engenharia do consentimento constitui-se em uma estratégia
muito bem elaborada que segue rigorosamente um planejamento cons-
ciente. Segundo seu elaborador, “para influenciar o público, o enge-
nheiro do consentimento trabalha com e por meio dos líderes de grupo
e formadores de opinião em todos os níveis” (Bernays, 2010). Ela deve
pesquisar sobre a estratégia geral a ser empregada, os temas a serem res-
saltados, a organização necessária, o uso da mídia e a tática, dia a dia.
Essa pesquisa desvendará motivações conscientes e subconscientes no
pensamento do público e as ações, palavras e imagens que têm como
efeito essas motivações.
É verdade que a maioria dos jovens recebe inúmeras críticas de mui-
tos contextos diversos e até de autoridades públicas. Muitos são taxados
de despolitizados, consumistas, alienados e irresponsáveis. Contudo,
não podemos deixar de notar o fato de que, por meio do ambiente digi-
tal, surgem bandeiras humanitárias que ganham força: ecologia, educa-
ção, feminismo, pacifismo, consciência étnica, cultura regional, maior
18 A.L.B. de Almeida; L.E.F. da Silva. Jovens e ambiente digital

participação dos negros na cidadania (Libanio, 2011, p. 41). Há uma


nova sensibilidade humanista que nem sempre é assumida pelos oligo-
pólios dos meios de comunicação e informação digital.
Embora muitos jovens cristãos on-line e off-line desconheçam este
meticuloso projeto e processo próprio do ambiente digital, compreen-
demos que, à luz da CV, é fundamental mobilizar um dinamismo
educativo – de caráter propriamente moral –, que tanto explicite esta
realidade como aponte um caminho de melhor aprofundamento da dig-
nidade da pessoa humana em risco. Portanto, a evangelização no contex-
to atual – principalmente no ambiente digital – exige sujeitos cristãos
conscientes e críticos, novos atores comprometidos com o Evangelho e
com a construção do Reino de Deus; sujeitos e atores que denunciem
todas as formas de desumanismos que tendem a se afirmar.

3. Perspectivas ético-teológicas sobre a evangelização


em Christus Vivit
Os jovens cristãos on-line e off-line, novos atores e sujeitos dos dias
atuais, são recebidos pelos braços acolhedores da Igreja com suas fadi-
gas, crises, desafios e esperanças. O Papa Francisco deseja, como irmão
maior, provocar os jovens a sonharem, isto é, a construírem suas pró-
prias autonomias, mas não sozinhos (CV,137). Diante deste convite
audaz e fundamental é que a reflexão ético-teológica é chamada a ofe-
recer luzes, esperanças e razoabilidades no contexto da construção do
ambiente digital.
Uma das principais funções da reflexão ético-teológica no contexto
do magistério do Papa Francisco é a de oferecer uma análise profunda
sobre o ser humano em busca de sentido, isto é, “fazer encontrar e aco-
lher Cristo na vida cotidiana concreta, como Aquele que, libertan-
do-nos do pecado, da tristeza, do vazio interior e do isolamento, faz
nascer e renascer em nós a alegria” (Francisco, 2019)3.
A reflexão ético-teológica possui uma racionalidade e metodologia
peculiar. Com o avançar da secularização e da modernidade com sua ra-
cionalidade instrumental, a reflexão antropológico-moral de base cristã
católica, antes, alicerçada em manuais sob uma perspectiva objetivista-

3. A mesma referência pode ser encontrada em: Francisco, Papa, Exortação apostólica Evangelii
Gaudium, n. 1.
REB, Petrópolis, volume 80, número 315, p. 8-27, Jan./Abr. 2020 19

-positivista de cunho legal, necessitou levar em consideração a realidade


da pessoa em sua condição histórica e subjetiva (Grandis, 2004, p. 473),
principalmente a partir da renovação efetivada pelo Concílio Vatica-
no II (Optatam totius, 16).
Em geral, pode-se dizer que, com o advento do Vaticano II, ao me-
nos três elementos são essenciais no que se refere ao modo de se “pensar
e fazer teologia moral”: a) a busca pelos fundamentos próprios e espe-
cíficos, em diálogo com as outras disciplinas teológicas, para ilustrar
e manifestar a grandeza da vocação dos fiéis em Cristo; b) a análise dos
problemas típicos do ser humano moderno, mostrando a grande luz
que pode vir do Evangelho para as possíveis soluções; c) dar uma maior
fundamentação científica à exposição do discurso, colocando em con-
fronto com o progresso das ciências humanas, sobretudo àquelas que se
referem ao sujeito moral, o homem (Grandis, 2004, p. 473-474).
Classicamente, é possível compreender estas perspectivas do seguin-
te modo: o objeto material de toda a teologia é, primeiramente, Deus e,
secundariamente, toda a realidade – e o ser humano – enquanto se dire-
ciona a Ele mesmo; o ser humano, portanto, como imago Dei (Carlotti,
2016, p. 12). Na teologia, o homem e as outras criaturas não são apenas
consideradas em si mesmos, como o é na filosofia, mas a partir da re-
velação de Deus. A reflexão ético-teológica busca, deste modo, estudar,
compreender e analisar o ser humano – seus atos e atitudes – a partir de
sua própria decisão ética, mas, principalmente, em co-participação com
seu Criador. Eis porque é complexa toda reflexão que, mesmo sendo
baseada em dados dos avanços científico-humanísticos, necessita de um
diálogo interdisciplinar com os dados da revelação.
O agir moral humano é o objeto de estudo da ética cristã enquanto
estudo analítico e heurístico do ethos – a morada do humano – em sua
plena realização no encontro com o ser humano por excelência, Jesus
Cristo, revelador da perfeita condição de qualquer pessoa. Eis porque
um grande modelo de construção reflexiva e teórico-prática em teologia
moral é o pensamento de Tomás de Aquino. Ele, inspirado em Aristóte-
les, concebia a vida ética como uma teleologia, isto é, tendo como fim
Deus (finis ad Deum)4. Deus, então, deveria ser o princípio gerador das

4. Cf. Todo o tratado ético-teológico de Tomás de Aquino, em seu bem estruturado e harmônico
edifício teológico, pode ser encontrado em sua obra prima, a Suma de Teologia. Sobre este tema há
um relevante estudo de MONGILLO, D. La dimensione etico-teologica nella Summa Theologiae di
Tommaso D’Aquino.
20 A.L.B. de Almeida; L.E.F. da Silva. Jovens e ambiente digital

escolhas e a norma normans que confere aos atos humanos conscientes


a excelência ou a virtuosidade. As virtudes – mais que as leis ou regras
morais – habilitam o sujeito pessoal, em sua razão prática, a operar e
viver segundo a própria realidade de imago Dei.
Na cultura atual, em meio às esperanças, ambiguidades e conflituali-
dades, a ética cristã, com sua proposta de apresentar Jesus Cristo, só pode
tornar-se fecundante e libertadora para os seres humanos, se ela che-
ga a se articular em uma vasta rede de referências simbólicas que falam
à imaginação, tocam a afetividade, suscitam o desejo, provocam, pois,
uma liberdade para nascer a si mesmo e para se tornar inventiva com as
modalidades de sua presença ativa no mundo (Thévenot, 2008, p. 45).
Nesta busca de melhor apresentar a grandeza da vocação dos fiéis em
Cristo, habilitando o sujeito virtuoso a ser protagonista e responsável
por seus próprios atos meditados e interiorizados em sua consciência, é
que os jovens são chamados, pelo Papa Francisco – como se concebeu
na CV –, a serem sujeitos, isto é, jovens cristãos, seguidores de Jesus
Cristo no ambiente digital. Para isso, é necessário pensar os jovens tanto
como responsáveis pela própria formação de suas consciências, enquan-
to cidadãos e cristãos, como também, enquanto contínuos sujeitos em
busca da verdade, no contexto do ambiente digital.
A CV adota como linguagem e método para a formação da cons-
ciência dos jovens – on-line e off-line – a proposta de uma ética da vir-
tude, isto é, de um processo responsável, livre e com discernimento do
próprio agir moral, em meio aos desafios específicos do ambiente digital
(CV,168-174). O Papa Francisco, referindo-se aos jovens, preferiu ado-
tar a linguagem do encorajamento de atitudes que possam suscitar na
consciência o despertar para a responsabilidade ética no mundo. São
sugestivas suas palavras, quando diz,
Quero encorajar-te a assumir este compromisso, porque sei que o teu
coração, coração jovem, quer construir um mundo melhor. Acompa-
nho as notícias do mundo e vejo que muitos jovens, em tantas partes
do mundo, saíram para as ruas para expressar o desejo de uma civili-
zação mais justa e fraterna. Os jovens nas ruas; são jovens que querem
ser protagonistas da mudança. Por favor, não deixeis para outros o ser
protagonista da mudança! Vós sois aqueles que detêm o futuro! Através
de vós, entra o futuro no mundo. Também a vós, eu peço para ser-
des protagonistas desta mudança. Continuai a vencer a apatia, dando
uma resposta cristã às inquietações sociais e políticas que estão surgindo
REB, Petrópolis, volume 80, número 315, p. 8-27, Jan./Abr. 2020 21

em várias partes do mundo. Peço-vos para serdes construtores do futu-


ro, trabalhai por um mundo melhor. Queridos jovens, por favor, não
“olheis da sacada” a vida, entrai nela. Jesus não ficou na sacada, mer-
gulhou… Não olheis da sacada a vida, mergulhai nela, como fez Jesus.
Mas sobretudo, duma forma ou doutra, lutai pelo bem comum, sede
servidores dos pobres, sede protagonistas da revolução da caridade e do
serviço, capazes de resistir às patologias do individualismo consumista
e superficial (CV,174).
Este referencial de uma ética das virtudes se confronta com o de
um modelo manualístico-casuístico – pré-conciliar –, ainda vigente em
muitas consciências cristãs, baseado na obediência cega de leis externas
(heteronomia) que apenas apontam o ideal, sem indicar o caminho prá-
tico e operativo para cada sujeito em suas deficiências e desejo de inte-
gração. Torna-se arriscado, no trato pastoral e em situações complexas,
não centrar a devida atenção no aspecto do discernimento (Francisco,
2016, n. 293), com o foco em um dinamismo de gradualidade.
Uma outra perspectiva ético-teológica que se pode encontrar na CV
é uma afirmação valorativa de um referencial ético solidificado em uma
ética da alteridade. Ela, também conhecida como “dimensão dialógica
da ética de inspiração cristã” (Carlotti, 2008, p. 253), enfatiza que a ex-
periência de fé nasce, se aperfeiçoa, amadurece e se aprofunda em uma
comunidade de pessoas que vivem uma relação de proximidade entre
si no ideal e real ético abraçado por todos, que é o seguimento de Jesus
Cristo. A ética da alteridade pode ser compreendida como um caminho
que a humanidade, ao menos a sociedade ocidental, tem realizado na
busca por uma inversão ou inflexão hermenêutica no que tange a des-
centrar os sistemas éticos do sujeito para o paradigma do outro.
O que viria primeiro, como postulado, não seria o ser ou a cons-
ciência, mas o outro. A lógica do ser ou da consciência precisaria ser
invertida (Lévinas, 1961, p. 38). Pois, não havendo a inversão, a liber-
dade antes da justiça é um movimento dentro do eu que não leva em
conta a alteridade. Não tem nenhuma obrigação em relação ao outro. E,
a inversão deve acontecer a partir de uma relação de tipo não violento,
isto é, ética, na qual a linguagem e a bondade têm seu lugar garantido;
relação esta em que o eu, ao dirigir-se ao exterior, não abarca o outro,
formando a totalidade. A sociabilidade não pode ter a mesma estrutura
do conhecimento. O processo crítico questiona a liberdade do exercício
ontológico e a conduz para além da relação teórica. No processo crítico,
22 A.L.B. de Almeida; L.E.F. da Silva. Jovens e ambiente digital

o outro coloca em questão o eu. O questionamento não vem da espon-


taneidade da consciência transcendental, mas do outro. Este impugna
pela sua presença e exige uma resposta, que se traduz em respeito e
responsabilidade. O outro destitui o eu autônomo e monológico, como
fonte de todo sentido (Kuiava, 2014, p. 325-326).
Este referencial ou paradigma ético é fundamental para os dias atuais,
para os jovens, como também para as pessoas em geral, que assumem
em suas consciências certos condicionamentos que levam a um amorte-
cimento da capacidade de acolher pelo diálogo o outro. Neste modelo,
o outro interpela o mesmo (eu), em vez de o considerar como um ini-
migo que se aproxima, como um objeto a ser considerado ou alguém
que precisa ser persuadido para concordar com seus argumentos, sob o
ponto de vista de uma moral vigente ou de certos critérios de verdade,
sejam justificáveis ou não.
Na Exortação CV podem ser encontrados vários números que são alu-
sões diretas e explícitas a uma ética da alteridade, ou seja, ao outro, ao
diálogo e à sua acolhida; contudo, indicamos apenas uma citação deste
sentido. Nota-se este paradigma nesta indicação do Papa Francisco,
Os jovens que migram experimentam a separação do seu contexto de
origem e, muitas vezes, também um desenraizamento cultural e religio-
so. A fratura tem a ver também com as comunidades de origem, que
perdem os elementos mais vigorosos e empreendedores, e as famílias,
particularmente quando migra um ou ambos os progenitores, deixando
os filhos no país de origem. A Igreja tem um papel importante como
referência para os jovens destas famílias divididas. Mas as histórias dos
migrantes são histórias também de encontro entre pessoas e entre cultu-
ras: para as comunidades e as sociedades de chegada são uma oportuni-
dade de enriquecimento e desenvolvimento humano integral de todos.
As iniciativas de hospitalidade, que têm como ponto de referência a
Igreja, desempenham um papel importante deste ponto de vista e po-
dem revitalizar as comunidades capazes de as praticar (CV,93).
Assim sendo, as duas perspectivas ético-teológicas mencionadas aqui –
ética das virtudes e da alteridade – querem ser caminhos orientativos
(formativos) para os jovens on-line ou off-line, necessitados de uma evan-
gelização no ambiente digital. Sabe-se que este caminho propositivo –
itinerário propriamente ético – é algo que deve ser precedido por um ca-
minho sinodal e de mútua escuta, pois supõe discernimento e prudência.
Eis porque a evangelização e a formação da consciência, ainda mais no
REB, Petrópolis, volume 80, número 315, p. 8-27, Jan./Abr. 2020 23

que tange ao ambiente digital, deve ser iniciada e continuada mediante


um “suscitar e acompanhar processos, não impor percursos” (CV,297).
Francisco tem consciência de que se trata de itinerários de pessoas,
que sempre são únicas e livres. Por isso, é difícil elaborar receituários,
mesmo quando todos os sinais forem positivos, porque é o lugar e o
contexto apropriado onde os jovens cristãos aprimoram suas condições
como sujeitos no uso consciente e crítico do espaço digital. Sendo
assim, da CV é possível colher indicativos importantes para se pensar
um novo paradigma de acompanhamento dos jovens.

Conclusão
Através da Exortação apostólica Christus Vivit, analisada em seus
números 86-90, pretendeu-se apresentar a temática sobre ambiente di-
gital e evangelização dos jovens. Priorizou-se refletir teologicamente e
interdisciplinarmente, não aventando em respostas simples e fáceis, mas
em refletir e acolher as novas subjetividades formadas nessas circuns-
tâncias, como indica a CV. Buscou-se interpelar também o contexto da
juventude contemporânea, caracterizada pelo ambiente digital, tendo
por convencimento que esta é a forma atual de aproximação destes no-
vos sujeitos e atores, e, admitir a condição propiciada de fraternidade e
mútua aprendizagem.
Por estes meios, os anseios dos jovens são detectáveis e sua presença
marca o ambiente social (Quadé; Santos, 2007, p. 116), sendo um ele-
mento natural – as redes sociais – aos jovens, como que nativos deste
“território digital” (Rosado; Tomé, p. 20).
É fato que a internet, como toda a tecnologia desenvolvida através
desse benefício na sociedade, tornou-se indispensável para o cotidiano
de todas a pessoas. Seria muito difícil viver sem os celulares, wifi, redes
sociais, sites de buscas, blogs e afins. Ao afirmar isto, vislumbra-se a arte
do “bem viver” no contemporâneo.
No entanto, este bem, como foi analisado, traz consigo grandes dile-
mas e complexidades éticas; o sujeito tende a se tornar ao mesmo tempo
mais só e também conectado com tudo e todos; há um paradoxo de difí-
cil apreciação ética: mesmo distante fisicamente dos demais e de valores
outrora vistos como insuperáveis, pelo virtual, tende a desconstruir e se
impor como construtor de verdades, de opiniões e de sugestões.
24 A.L.B. de Almeida; L.E.F. da Silva. Jovens e ambiente digital

A esse respeito, o mesmo Papa Francisco aponta como maior e ur-


gente trabalho a promoção de meios de fazer com que as pessoas se
aproximem. Nesse trabalho,
em tempos de redes e demais instrumentos da comunicação humana
[..], sentimos o desafio de descobrir e transmitir a mística de viver jun-
tos, misturar-nos, encontrar-nos, dar o braço, apoiar-nos, participar
nesta maré um pouco caótica que pode transformar-se numa verdadeira
experiência de fraternidade, numa caravana solidária, numa peregrina-
ção sagrada (Francisco, 2013, n. 87).
Fora desta possibilidade, pode-se provar o amargo da imanência.
Em outro aspecto, vê-se a presença maciça da religiosidade no am-
biente digital. Oportunas ou não, as organizações religiosas investem em
páginas e perfis no Facebook, Instagram, sites e afins, alimentados diaria-
mente por notícias, avisos paroquiais, agendas, divulgação de eventos.
Encontramos também perfis pessoais de cantores religiosos e padres,
referências a movimentos com canais no Youtube etc. Vive-se uma ver-
dadeira exposição de novos sujeitos em busca de uma identidade que se
afirme em meio a tantas identidades presentes no ambiente digital.
Diante disso, a questão que surge pode ser formulada do seguinte
modo: qual é a imagem religiosa propalada e disseminada? Essa cons-
ciência-referencial forma outras consciências, sendo mais um “produto”
na prateleira a ser visto e escolhido pelos jovens ao estarem “navegan-
do”? Será algo qualitativo e puramente evangélico? Ainda não se tem
um juízo ético formulado de maneira definitiva sobre estes aspectos e
muitos outros. Contudo, à luz da ética teológica, busca-se analisar o
sentido evangélico de comportamentos e atos que nem sempre se coa-
dunam com o sentido último da evangelização.
Enfim, em épocas de jovens on-line e off-line, aventa-se o urgente e
necessário papel do refletir a partir de uma ética teológica que acompanhe
os novos sujeitos em um sábio caminho rumo ao amadurecimento, ao
discernimento concreto e a uma conscientização de valores evangélicos.
Há muito a se fazer na construção do Reino de Deus a partir dos atores
sociais, isto é, cristãos que buscam sua identidade em meio às identidades.

Referências
ABDALLA, M. Entre o mundo da mídia e o mundo da fé. In: ALVES,
C.F.; SOUZA, R.S.R.; PENZIM, A.M. Igreja e sociedade: análises em
REB, Petrópolis, volume 80, número 315, p. 8-27, Jan./Abr. 2020 25

perspectiva. Belo Horizonte: Nesp, 2015. p. 119-157 (Cadernos Temá-


ticos do Nesp, 5).
ALMEIDA, O.J. de. Ética Teológica, juventudes e redes sociais virtuais:
buscando caminhos. In: PESSINI, L.; ZACHARIAS, R. (Org.). Éti-
ca teológica e juventudes II: interpelações recíprocas. Aparecida: Editora
Santuário, 2014. p. 55-70.
BENTO XVI, Papa. Mensagens de Bento XVI por ocasião das Jornadas
Mundiais da Juventude (2006 e 2009). Disponível em: <http://www.
vatican.va>. Acesso em: 12 dez. 2019.
BENTO XVI, Papa. Mensagem do papa Bento XVI para o 47º Dia Mun-
dial das Comunicações Sociais. Redes sócias: portais de verdade e fé; no-
vos espações de evangelização (12.05.2013). Disponível em: <http://
www.vatican.va/content/benedictxvi/pt/messages/communications/
documents/hf_ben-xvi_mes_20130124_47th-world-communications-
day.html>. Acesso em: 13 dez. 2019.
BERNAYS, E.L. A engenharia do consentimento. Transformações em Psi-
cologia, São Paulo, v. 3, n. 1, 2010. Disponível em: <http://www.ip.usp.
br/portal/index.phpoption=com_content&view=articleîd=1927%3
Av-n1a09-a-engenharia-do-consentimento&catid=340Îtemid=91&
lang=pt#1a>. Acesso em: 13 dez. 2019.
CARLOTTI, P. Metodo teologico e riflessi etici e spirituali. In: SODI,
M. (a cura di). Il metodo teologico. Tradizione, innovazione, comunione in
Cristo. Città del Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, 2008. p. 243-260.
CARLOTTI, P. Teologia della morale cristiana. Bologna: Edizioni Deho-
niane, 2016.
CARUNCHIO, B.F. Aspectos neurocientíficos da tecnologia. In.: AN-
JOS, M.F.; ZACHARIAS, R. Ética entre poder e autoridade. Perspectivas
de teologia cristã. Aparecida: Editora Santuário, 2019. p. 285-306.
CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II. Decreto Optatam Totius
sobre a formação sacerdotal. São Paulo: Paulinas, 1998.
CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II. Mensagens, discursos e
documentos. Constituição Pastoral Gaudium et Spes. São Paulo: Pauli-
nas,1998.
CONGAR, Y.-M. Diálogos de outono. São Paulo: Loyola, 1990.
FRANCISCO, Papa. Palavras do Papa no Brasil. São Paulo: Paulinas,
2013.
26 A.L.B. de Almeida; L.E.F. da Silva. Jovens e ambiente digital

FRANCISCO, Papa. Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, sobre o


anúncio do Evangelho no mundo atual. São Paulo: Loyola; Paulus, 2013.
FRANCISCO, Papa. Exortação Apostólica Amoris Laetitia, sobre o amor
na família. São Paulo: Paulinas, 2016.
FRANCISCO, Papa. Discurso do Papa Francisco aos professores e estudantes
da Academia Afonsiana-Instituto Superior de Teologia. Sala Clementina 9
de fevereiro de 2019. Disponível em: <http://www.vatican.va/content/
francesco/pt/speeches/2019/february/documents/papa-francesco_
20190209_accademia-alfonsiana.html>. Acesso em: 14 dez. 2019.
FRANCISCO, Papa. Exortação Pós-Sinodal Christus Vivit. Disponível
em: <http://www.vatican.va/content/francesco/pt/apost_exhortations/
documents/papa-francesco_esortazione-ap_20190325_christus-vivit.
html>. Acesso em: 11 dez. 2019.
DEMMER, K. Introdução a teologia moral. São Paulo: Loyola, 1999.
GRANDIS, G. La teologia morale. In: LORIZIO, G.; GALANTINO,
N. (Ed.). Metodologia teologica. Avviamento allo studio e alla ricerca
pluridisciplinari. 3. ed. Milano: San Paolo, 2004. p. 468-501.
GUARESCHI, P.A. Psicologia e pós-verdade. In.: GUARESCHI, P.;
AMON, D.; GUERRA, A.(Org.). Psicologia, comunicação e pós-verdade.
2. ed. Florianópolis: ABRAPSO, 2017. p. 161-194.
HAN, B.-C. No enxame. Perspectivas do digital. Petrópolis: Vozes, 2018.
JOÃO PAULO II. Exortação Apostólica pós-sinodal Christifidelis Laici
sobre a vocação e missão dos leigos na Igreja e no mundo, 1998. Disponível
em: <http://www.vatican.va>. Acesso em: 11 dez. 2019.
JOÃO PAULO II. Carta Apostólica Tertio Millenio Adveniente, 2000.
Disponível em: <http://www.vatican.va>. Acesso em: 12 dez. 2019.
KUIAVA, E. Ética da Alteridade. In: TORRES, J.C.B. (Org.). Manual
de Ética. Questões de ética teórica e aplicada. Contribuições para estu-
do da ética filosófica e análise de problemas morais. Petrópolis: Vozes,
2014. p. 324-341.
LÉVINAS, E. Totalité et infini. Essai sur l’extériorité. Haia: M. Nijhoff,
1961.
LIBANIO, J.B. Para onde vai a juventude? São Paulo: Loyola, 2011.
MENDONÇA, N.S. O fenômeno das “fake news” no direito brasi-
leiro: implicações no processo eleitoral. VirtuaJus, Belo Horizonte, v.
4, n. 6, p. 294-316, 1º sem. 2019. Disponível em: <http://periodicos.
REB, Petrópolis, volume 80, número 315, p. 8-27, Jan./Abr. 2020 27

pucminas.br/index.php/virtuajus/article/view/20716>. Acesso em: 12


dez. 2019.
MONGILLO, D. La dimensione etico-teologica nella Summa Theologiae
di Tommaso D’Aquino. Ispirazione, fondazione, articolazione. Roma:
Angelicum University Press, 2006.
PAULO VI. Mensagem do Papa Paulo VI na conclusão do Concílio Vatica-
no II aos jovens, dezembro de 1965. Disponível em:<http://www.vatican.
va>. Acesso em: 11 dez. 2019.
QUADÉ, P.S.F.; SANTOS, R.A. dos. O uso das redes sociais virtuais
pela camada jovem e os impactos iniciais da mudança do status quo
da realidade contemporânea no Brasil. Revista Contemporânea, Rio de
Janeiro, v. 1, n. 1, p. 115-127, jan.-jun. 2007. Disponível em: <http://
www.uniesp.edu.br/sites/_biblioteca/revistas/20170621144045.pdf>.
Acesso em: 15 dez. 2019.
ROSADO, L.A. da S.; TOMÉ, V.M.N. As redes sociais na internet e
suas apropriações por jovens brasileiros e portugueses em idade escolar.
Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos (on-line). Brasília, v. 96, n. 242,
p. 11-25, jan/abr. 2015. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.
php?pid=S2176-66812015000100011&script=sci_abstract&tlng=pt>.
Acesso em: 15 dez. 2019.
SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Acta
Apostolicae Sedis, Vaticano, v. 58, 1966. Disponível em: <www.vatican.
va>. Acesso em: 13 dez. 2019.
SAVIANO, B. Pastoral das megacidades. Um desafio para a Igreja da
América Latina. São Paulo: Loyola, 2008.
THÉVENOT, X. Contar com Deus: estudos de Teologia Moral. São
Paulo: Loyola, 2008.
TRASFERETTI, J.A. Exposição pessoal nas redes sociais. Racionalida-
de, profetismo ou mediocridade? In: TRASFERETTI, J.A.; MILLEN,
M.I. de C.; ZACHARIAS, R. Formação: desafios morais. São Paulo:
Paulus, 2018. p. 283-304.
VATICANO NEWS. “Fake Pope”: as falsas notícias sobre Papa Fran-
cisco (28/05/2019). Disponível em: <https://www.vaticannews.va/pt/
mundo/news/2018-05/fake-news-noticias-papa-francisco.html>. Acesso
em: 12 dez. 2019.
Artigo recebido em: 16 dez. 2019
Aprovado em: 29 abr. 2020

Вам также может понравиться