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Congresso Internacional da Criança e do Adolescente

27 Jan, Porto, 2017

Para Uma Pedagogia Da Velocidade E Qualidade De Vida1


Emília Araújo, CECS/UMinho

emiliararaujo@gmail.com

Texto da Comunicação

Introdução

Ao analisar as perspetivas futuristas que foram e ainda são centrais nas


sociedades capitalistas e que se intensificaram com a evolução técnico
científica do período pós anos setenta, do século XX, Paul Virilio impõe uma
tese que nos parece inquebrável. Segundo o pensador, é a velocidade que
está na base da sustentação socioeconómica e cultural das sociedades do
presente. E é sobre a velocidade que se concentra a inovação tecnológica em
todas as esferas, estando nestas incluídos os processos, os fluxos e os modos
e estilos de vida. O paradigma atual, afirma Virílio, é o da instantaneidade.

É neste sentido que a “economia política da velocidade” (expressão do


mesmo autor) se assume também como um dispositivo cultural de enorme
abrangência e capacidade de internalização, a ponto de se tornar parte
integrante do ideário e do referencial da “boa vida”, ou pelo menos, da
“qualidade de vida”.

Para parte da população, torna-se “insuportável” viver sem acesso à rede de


telemóvel e à internet, pois já se habituou a “conseguir” reduzir o tempo
“despendido” em várias atividades, incluindo no contacto com outro(s) e na
deslocação. Mas torna-se também “insuportável” e “intolerável” a espera no
trânsito, a cedência de passagem não assinalada (ou obrigatória, como nas
horas de ponta nas rotundas em zonas urbanas), a necessidade de reduzir a

1
Simpósio organizado por Rosalina Costa (Univ. Évora).
velocidade ou de parar. Tais esperas são ainda mais “insuportáveis” se
pensarmos que os espaços físicos em que vivemos, feitos de deslocações
efetivas em carro, motociclo, autocarro, ou outro veículo são bem diferentes,
mais confusos, salientes e ambíguos, do que qualquer outro espaço virtual a
que cada vez mais nos habituámos nas “autoestradas” da informação.

No plano da mobilidade, por exemplo, o que acrescenta valor a um veiculo


automóvel é a sua potência em termos de velocidade e capacidade de
resistência. Um automóvel que integra os planos de vida e de trajetória e que
ainda é, em certas sociedades mais do que noutras (por exemplo, se
compararmos a Holanda com Portugal), um objeto- condição à expressão
identitária do jovem- adulto. Mais do que nunca, ter carta de condução é,
aliás, um dos sinais de prova de ritual de passagem.

Virilio analisa o espaço-tempo sob a perspetiva das cronotopias, propondo,


justamente, que a organização do espaço capitalista obedece a lógicas de
controlo da velocidade e das distâncias, que concorrem para que o acesso a
bens e a serviços fique facilitado, ou seja, para que se reduzam os gastos de
tempo na deslocação e na procura de tais bens e serviços. Nas palavras do
seu discípulo, Armitage (1999, p.4):

No presente Virilio insiste que a política tem de ser pensada a partir desta
relação com a velocidade. Uma relação que é equivalente àquela que tem com
a riqueza. A cidade hipermoderna do aeroporto é um objeto de estudo típico na
economia política da velocidade, de Virilio. Aqui, a cidade territorial é descrita
como uma mera concentração de “passageiros em trânsito”. O aeroporto é
caraterizado pela sua capacidade de significar a arqueologia de uma qualquer
sociedade do futuro; a sociedade concentrada sob o vetor do transporte. Assim,
“a nova capital não é mais uma capital espacial como Nova Iorque…mas uma
cidade constituída na intersecção de praticalidades de tempo, ou, por outras
palavras, de velocidade” (Virilio & Lotringer, 1997, p. 67).
A velocidade, a rapidez e a aceleração são foco de análises diversas (Virilio,
2000b; Laux, 2011, Rosa, 2015) que fazem intersetar vários níveis de tempo
apresentados por Ramos (2009) enquanto metáforas: o tempo-recurso, o
tempo-ambiente, o tempo-horizonte e o tempo-corpo. Isto é, predomina do
ponto de vista político e económico a ideia de que o tempo se traduz num
valor monetário (tempo é dinheiro) e, portanto, quanto maior for a velocidade,
menos gastos de tempo em deslocação (física e/ou virtual) serão
necessários.

A preeminência desta ideia e representação plasma-se num conjunto de


ordenamentos e de expetativas temporais acerca da necessidade de controlo
e rentabilização do tempo. As instituições e configurações multinacionais das
grandes corporações globais atuam na conformação de sistemas de
orientação temporal hegemónicos que constrangem e normalizam a ação dos
sujeitos, determinando-lhes as expectativas e as aspirações, ao ponto de os
conformarem com habitus aparentemente espontâneos e frutos da sua
própria responsabilidade.

Na esfera concreta das deslocações, e como já se disse, o projeto na


sociedade híper veloz consiste em desvalorizar por completo a duração dos
trajetos, eliminando-se esperas e intervalos percecionados como “atrasos”,
gastos de tempo, ou “ineficiências” da política.

Porque se trata de projeto que se constitui cada vez mais em resposta à


armadura da instantaneidade do ciberespaço, onde tudo flui ao mesmo tempo
e de forma rápida, criando a ilusão de que não se perde tempo, há lugares a
diversos desfasamentos de ordem cognitiva que incluem alterações na
perceção do tempo e que podem estar na origem de acidentes.
Interessantemente, estes são contados, em grande parte das vezes, na base
de motivos que, aparecendo como circunstanciais (como, por exemplo, a
distração, a ansiedade, o stress e a pressa), estão profundamente
relacionados com os relógios biopsicológicos e a sua sincronização com os
relógios sociais, prendem-se com a perceção e a cognição do tempo.

Neste alinhamento e tal como se depreende da problematização na área dos


estudos sociais do tempo, o humano-corpo incorpora, internaliza e
transforma-se em resposta a todo esse intrincado de tempos-
constrangimento e tempos-velocidade, respondendo de formas imprevistas e,
por vezes, irracionais ou no limiar das suas limitações naturais, enquanto
elemento humano (por exemplo, através da doença e da extenuação, da morte
ou da psicose e da loucura).

Rosa (2015) elabora uma abordagem compreensiva sobre a aceleração na


qual integra estes vários níveis de tempo, afirmando, à semelhança de Virilio
(2000b), que a aceleração é a principal condição de vida nas sociedades
modernas, sendo que a sua robustez advém, não só do poderio tecnocientífico
que a envolve, mas também da facilidade com que se torna normal, natural e
desejável pelas populações.

Virilio (2000a) debruça-se sobre a tecnologia e os dispositivos de poder e de


controlo operados pela máquina, como processos de “novas eugenias, ou
endo-eugenias tecnológicas”, na medida em que a “tecnologia coloniza os
corpos, as atitudes e os comportamentos”.2 De algum modo, e seguindo esta
perspetiva, assume-se que o ator social acaba por participar no próprio jogo
da velocidade como parte interessada e “sujeitada”.

Hoje afirmam-se diversos pontos de vista sobre as mobilidades espaciais,


sendo de notar o incentivo no sentido das mobilidades “suaves” e redução do
uso do transporte automobilizado. Todavia, estes incentivos ou projetos são
frequentemente levados a cabo sem diagnóstico e intervenção na área dos
tempos, incluindo usos e representações. A fundamentação da mobilidade
“suave” ajusta-se a esquemas de organização do tempo singulares e, em

2
Entrevista de Paul Virilio a John Armitage inserta no livro de 2000, intitulado Paul Virilio: From
Modernism to Hypermodernism and Beyond).
grande parte das situações – sempre que estamos a falar de famílias, com
filhos e empregos distantes da área de residência e que dependem de
serviços diversos também distantes da área de residência – os
constrangimentos de tempo impostos por estas várias esferas impedem a
desaceleração assinalada pela mobilidade “suave”.

Este impedimento pode, de resto, constituir um motivo para a transformação


do espaço, sobretudo do habitacional. Tal como analisa Rosa (2015) a
desaceleração pode, afinal, ser perspetivada como movimento de reforço da
própria velocidade, desde de que se configure em estratégias que acentuam
outros métodos de deslocação igualmente movidos pelo ideal da rapidez e da
velocidade.

A minha proposta ao simpósio é explicitar alguns dos termos em que a


segurança rodoviária inclui a concretização de uma política da velocidade
enquanto condição essencial do exercício da política, a nível nacional e, muito
particularmente, a nível regional e local.

O paradigma da velocidade

Criámos hoje – num mundo tecnocientífico e largamente suportado sob as


promessas da tecnologia – diversas expectativas sobre medidas que podemos
tomar ou programas que podemos implementar, rumo à construção de
espaços de vida com mais qualidade e, portanto, mais sustentáveis.

As construtoras de automóveis e a investigação de ponta nestas áreas


prometem revolucionar a circulação automóvel, no sentido do ganho de
segurança (por exemplo, é esta a relação mais enfatizada nos anúncios de
novos automóveis, ou automóveis do futuro, sem condutores e com elevado
grau de sofisticação em termos de monitorização e de uso de sensores).
Como sabemos, trata-se de um caminho desigual que beneficia, em primeiro
lugar, as sociedades mais ricas ou os grupos com mais poder económico. A
demonstração das características dos automóveis “do futuro” são, antes de
tudo, a demonstração do poder de uns para ocupar certos espaços, em
relação a outros que ficarão cada vez mais de fora de tais lugares, agora cada
vez mais na base no argumento sobre os níveis de poluição “permitidos”. [De
resto, os automóveis “mais seguros” são sempre os mais dispendiosos e
segmentados par classes com elevado poder económico].

Esta segregação, muitas vezes implícita de espaços e de tempos, dá-se em


paralelo com a tendência que se afirma já há alguns anos de “militarização
do espaço” (na denominação de Paul Virilio), a qual corresponde ao aumento
de controlo evidenciado pelo número crescente de agentes e de outros
dispositivos técnicos nesses mesmos espaços3.

E, ao mesmo tempo, uma vasta plêiade de estudos de natureza aplicada


demonstram o interesse e a importância de intervir sobre a circulação
motorizada e automóvel, tornando a deslocação no espaço mais “amiga” e
saudável, nomeadamente através do uso de meios de deslocação mais
suaves, ou o incentivo à circulação a pé (Sales, 2016).

Trata-se de estudos que têm tido muito eco, principalmente ao nível das
autarquias locais que desenvolvem, embora de forma diferente, medidas
diversas de promoção de espaços de lazer, circuitos pedonais, inclusão de
passadeiras e passeios, vias específicas para bicicleta e outras, sob a égide
da promoção de “cidades sustentáveis”.

Lembremos, de qualquer modo, que todo o incentivo a andar a pé, a existência


de transporte intermodal e ainda, o incentivo a andar de bicicleta comportam
os seus interesses e raízes ideológicas, pois eles próprios são fonte e

3
A teorização de Paul Virilio sobre a “militarização do espaço” é mais abrangente. Usámo-la neste
texto para demonstrar justamente o incentivo crescente nas cidades que se encaminham sob o rótulo
de “cidades sustentáveis” para aumentarem o policiamento das ruas, a verificação das condições dos
veículos, autorizações de entrada, etc.
dinâmica da indústria da velocidade, embora por caminhos diversos daqueles
feitos pelo automóvel, ou, pelo menos, de um tipo específico de automóvel
(com alto consumo energético e baixo carbono).

Diga-se, no entanto, que têm sido, mesmo assim, medidas especialmente


mobilizadoras nos centros urbanos, nas cidades, sendo que estas estão
também em processo de requalificação ambiental e no caminho da nomeação
enquanto cidades sustentáveis e inteligentes. Ainda em paralelo, e de modo
igualmente muito sintético, diversos outros estudos, também de natureza
aplicada, firmam enormemente o interesse em devolver a rua ao habitante,
fazer circular as pessoas a pé, promover lazer para as crianças ao ar livre,
incluindo a bicicleta.

Muitas vezes em manifesta crítica à superproteção dos pais que atiram as


crianças e adolescentes para os espaços fechados ou para a circulação
automóvel durante grande parte das 24h horas diárias, ouvem-se cada vez
mais vozes no sentido de promover a ida de crianças e jovens para a escola
em transporte coletivo ou a pé (Sales, 2017).

As vozes dos vários especialistas são várias e acabam por ter poder de
vinculação em termos políticos que, muito frequentemente e tal como frisam
os estudos sociais da ciência, cedem, de forma pouco reflexiva, aos ditames
de tais especialistas, acabando por ignorar, muitas vezes, toda a rede de
elementos não tangíveis que afeta a definição e a implementação de tais
medidas, podendo, inclusivamente, torná-las ineficazes.

Não temos acesso propriamente a dados sobre as atitudes e os


comportamentos dos condutores e peões nas estradas, mas os últimos
relatórios da OMS indicam que Portugal é o segundo país da Europa ocidental
com maior taxa de mortalidade na estrada, não obstante apresentar um
edifício legislativo inovador e abrangente na área. No último relatório mundial
de segurança rodoviária, de 2015 (Global Report Status on Road Safety 2015)
mencionado no website do Serviço Nacional de Saúde diz-se ainda que 49%
das pessoas que morrem em estradas são peões, motociclistas ou ciclistas
(OMS, 2015, p.55)4. Os acidentes de viação são ainda no mundo a principal
causa de mortalidade de pessoas entre os 15 e os 29 anos de idade. Mas, o
mesmo relatório também dá conta da associação entre nível de
desenvolvimento dos países e a percentagem de acidentes e mortes nas
estradas.

Afirma-se que a probabilidade de morrer em acidente rodoviário aumenta com


o nível de pobreza, pois a estas correspondem, tendencialmente, piores
infraestruturas, frotas automóveis mais deficientes e legislação menos eficaz.

Segundo a informação disponível no relatório da autoridade nacional para a


segurança rodoviária da Organização Mundial de Saúde - Global Report
Status on Road Safety 2015 (p.96) - a percentagem mais elevada de mortes
em Portugal diz respeito aos peões e condutores de veículos automóveis (23%
e 31%, respetivamente).

Segundo o PENSE – Plano Estratégico Nacional de Segurança Rodoviária


20205 – uma elevada percentagem de vitimas acontece em arruamentos e em
estradas nacionais (p.37). Diz-se ainda neste relatório que os acidentes
ocorridos em itinerários complementares e principais tendem a ser mais
graves, do que os acontecem noutras vias.

É muito frequente, por exemplo, ouvir os políticos usarem as (supostas)


certezas da estatística, para demonstrarem os declínios ou a não relevância
de algumas ocorrências. Tal como se documentava no site da TVi,

4
Website do SNS, acedido em: https://www.dgs.pt/em-destaque/relatorio-mundial-da-seguranca-
rodoviaria-2015.aspx. Global Report Status on Road Safety 2015, acedido em:
http://www.ansr.pt/SegurancaRodoviaria/Internacional/Documents/Global%20Status%20Report%20
On%20Road%20Safety%202015.pdf .
5
Acedido em:
http://www.ansr.pt/SegurancaRodoviaria/PlanosdeSegurancaRodoviaria/Documents/PENSE%20ANSR%202020.p
df
Segundo Miguel Macedo, no período de 2003 a 2012 «houve uma diminuição
de cerca de 57 por cento das vítimas mortais, de 56 por cento dos feridos graves
e de 29 por cento dos feridos ligeiros», escreve a Lusa. (Tvi)6

Todavia, a segurança rodoviária é um fenómeno sociotécnico complexo que


implica a convivência entre pessoas, a quem estão vinculados modos de vida,
habitus e identidades e elementos técnicos e processuais e/ou legislativos.
Implica, de algum modo, elementos de ordem sociopsicológica, cultural e
objetiva e técnica. Ultrapassa, por isso, a mera ilustração gráfica da evolução
do número de mortes, como acontece descrito no gráfico abaixo, o qual indica
um decréscimo para a situação de Portugal.

Também se escreve no site do Serviço Nacional de Saúde7, a propósito do


relatório mundial de segurança rodoviária (2015) que:

Segundo Dr. Etienne Krug, Director do Departamento Management of


Noncommunicable Diseases, Disability, Violence and Injury Prevention da OMS.
"Melhorar o transporte público, bem como fazer do andar a pé e de bicicleta mais
seguro requer que recentremos a nossa atenção sobre como os veículos e as
pessoas partilham a estrada. A falta de políticas destinadas a utilizadores
vulneráveis da estrada está a matar as pessoas e é prejudicial às nossas cidades.
Se tornarmos o andar a pé e de bicicleta mais seguro teremos menos mortes,
mais atividade física, melhor qualidade do ar e cidades mais agradáveis.

Certo é termos um problema grave em mãos enquanto sociedade e enquanto


cientistas e educadores que supõe redes complexas de elementos e
processos técnicos e humanos.

Podemos destacar, além dos que se associam a questões de ordem mais


objetiva, tais como sinalizações, condições das vias, legislação aplicável, os
que se relacionam com a perceção pública da segurança rodoviária,
nomeadamente a respeito do espetro da ação que pode ser desenvolvida

6
http://www.tvi24.iol.pt/sociedade/acidentes/portugal-e-o-2-pais-da-europa-ocidental-com-mais-
mortos-na-estrada
7
https://www.dgs.pt/a-dgs.aspx
pelos sujeitos (níveis de responsabilidade, direitos e deveres) e pelas
instituições, incluindo as de administração, governação e controlo.

Violência e pedagogia da velocidade

Retomo a velocidade que, enquanto elemento que integra comportamentos,


visões do mundo, crenças, estilos de vida, é um fenómeno vasto e que
desencadeia consequências nefastas no quotidiano, não apenas porque está
eleita como uma das principais causas de acidentes mortais (naturalmente a
que podem estar ligados outros fatores, entre os quais o consumo de álcool,
droga, ou sono), mas porque funciona como barreira fortemente impeditiva
da circulação a pé, muito em particular de crianças e jovens nas zonas
urbanas e rurais.

Fonte: Diário de Notícias, 26 de maio de 2016.

Em parenteses, diremos, aliás, que a mobilização da circulação a pé


configuraria uma revolução cultural e sociotécnica que nos parece impossível
de realizar, face ao contexto descrito. Com efeito, as medidas de promoção
da cultura da mobilidade sustentável e da segurança rodoviária estão hoje
bastante voltadas para as crianças e jovens e contam com a parceria e a
atividade de várias organizações, para além da escola, como a PSP e outras.
Os média, ainda que de forma intermitente e pouco profunda, tem sido atores
importantes na efetivação desta pedagogia, sendo ainda de destacar o papel
que tem tido na identificação de espaços/situações de elevado risco derivado
da (ausência de) controlo da velocidade e a associação desta a outros
comportamentos, como consumo de drogas, álcool ou cansaço.

No entanto, parece-nos que se trata de um problema que exige maior


intervenção e debate públicos, no sentido, não só do reforço do quadro de
regulação e controlo, incidindo sobre a penalização da velocidade, mas
também sobre as condições e modos de vida das populações e o planeamento
do território e das infraestruturas viárias (as zonas rurais beneficiam de
caminhos transformados muitas vezes em auto-estradas, e não há espaço de
circulação a pé ou de bicicleta).

Urge aumentar a reflexão social sobre as consequências da velocidade


excessiva em zonas habitacionais, suas causas e consequências, um projeto
que só julgamos vir a ser mais concreto, desde de que se identifiquem mais
os modos de perceber e de viver o tempo e se encetem medidas de
intervenção dirigidos aos modos de vida e às expetativas sociais.

Ou seja, há um domínio biopsicossociólogico que considerarmos ser


prioritário. Tendemos a pensar demasiado no acidente efetivo depois de
acontecer e, como já aludimos, tendemos também a considerá-lo a partir dos
percentis estatísticos. Mas, as consequências da velocidade são muito mais
vastas no domínio do implícito, silenciado, não dizível, como a angústia, o
medo e a frustração.

Com efeito, uma das caraterísticas centrais das sociedades modernas é a


experimentação antecipada. Tal como se discorre em relação à comunicação
e à informação e se encontra problematizado por Paul Virilio e Harmut Rosa,
as sociedades modernas parecem ter perdido a consciência sobre o passado
e o futuro, enfrentando a omnipresença de um presente sem intervalo, ou
duração, ou seja, instantâneo. E esta consciência reflete-se a vários níveis do
quotidiano, incluindo no comportamento durante a deslocação, recorrendo,
ou não, a transportes.

O que ocorre com os jovens é ainda um pouco mais singular, uma vez que à
velocidade e à instantaneidade decorrente daquela corresponde um processo
de aceleração da idade social que não acompanha sempre a idade
biopsicológica. Isto é, além do desejo absoluto da antecipação e da
experiência do “agora”, há um desfasamento cada vez mais complexo entre o
acesso ao mundo da velocidade e ao domínio da informação e a qualidade
temporal das respostas naturais (biopsicológicas) que é capaz de dar a
problemas e a estímulos sociais.

Mas ainda podemos ir mais longe nesta problematização juntando os efeitos


da aceleração tecnológica de que nos fala Rosa (2015), sobre a experiência
do tempo (que é corporizada e subjetivada). A linearidade temporal
necessária à circulação rodoviária, que é extremamente regulada, marcada e
gerida na base de expectativa de cumprimento de códigos (incluindo os não
escritos) não corresponde à circularidade e complexidade rizomática que
cada vez mais constitui os processos cognitivos dos sujeitos sociais, imersos
no ciberespaço e habituados a respostas em ambiente não físico, não
analógico8, atravessadas por um tempo fragmentado e descontínuo, mas
simultâneo. Atente-se no comportamento de enviar para as redes sociais as
fotos dos velocímetros do automóvel para demonstrar a experiência e
habilidade com a velocidade.

8
John Boyd e Philip Zimbardo (2010) expõem um ponto de vista que considerámos muito relevante
para perceber este desfasamento entre as perceções do tempo tecnologicamente determinadas e
moldadas e a tipologia de respostas temporais exigíveis em ambiente analógico. Por isso, será tão
interessante perceber a idolatria atual do transporte sem condutor a quem é atribuído maior
probabilidade de erro.
Por isso, as questões de segurança rodoviária e, nomeadamente o trabalho
velocidade como problema biopsicosociológico. Um problema que se
relaciona com a forma como pensam os sujeitos o mundo (um mundo que
cada vez mais feito de elementos espácio-temporais de tipo virtual), como se
vêm perante este e que práticas desenvolvem, face aos tipos de
constrangimentos que enfrentam.

Implica, assim, planos que envolvem a relação entre:

1. Velocidade, identidade e cognição (quando a velocidade é carta de


apresentação dos condutores e celebrada, enquanto tal, garantindo um
certo nível de prazer, associado a liberdade e rutura com o quotidiano,
rumo à velocidade furiosa. Acrescentemos neste aspeto, a confusão
fácil entre os tempos de deslocação virtual e tecnológica e os tempos
a deslocação física e circunstancial.

2. Velocidade e o modo de vida (quando a velocidade é produto de


dificuldades de organização e perceção do tempo, assim como da
tendência geral para a automatização do paradigma da aceleração, ou
seja, a interiorização da ideia de que tudo tem de ser feito depressa,
rápido, em pouco tempo).

As famílias e as populações e cada membro da família individualmente


enfrentam constrangimentos diversos que derivam de pressões de
várias outras esferas, incluindo do trabalho e estas pressões refletem-
se diretamente no comportamento ao volante, na ingestão de
substancias aditivas e/ou na privação do sono. Entre outros
constrangimentos adicionais, lembremos a debilidade da rede de
transportes públicos na oferta de serviços fora da hora de ponta e para
populações mais dispersas.

Segundo o estudo da Deco9

9
Acedido através de https://gestao-frotas.com/deco-questiona-automobilistas-sobre-as-suas-
praticas-mais-comuns-em-que-se-inclui-excesso-de-velocidade-e-utilizacao-de-telemovel/
O excesso de velocidade é outra das práticas mais habituais dos automobilistas
portugueses – cerca de 43% dos inquiridos ultrapassa os 70 quilómetros por hora em
localidades limitadas a 50 quilómetros por hora; cerca de 40% dos inquiridos confessa
que ultrapassa com frequência os 140 quilómetros por hora- uma prática explicada
pela necessidade de acompanhar o fluxo de trânsito, ultrapassagens ou compensar
atrasos.

Aliás, a preferência pelo automóvel tem implícita esta ideia de que o carro,
além de símbolo de modernidade, de atualização, propicia melhor acesso a
serviços e a bens e em menor espaço de tempo e, ao mesmo tempo, propicia
o multitasking.

3.Podemos ainda mencionar a relação entre velocidade e a


desorganização social, a pobreza e/ou as condições psicológicas,
valores de cidadania e capitais culturais.

Lembremos, de novo, que estas questões são prementes porque a circulação


pedonal é muitas impraticável na maior parte dos circuitos por onde passam
veículos automóveis e porque há um crescendo de frustração e de medo por
parte da população em usar esses espaços, a que acrescem outras
consequências e impactos, ainda não propriamente diagnosticados.

Tal quer dizer que todo este trabalho de diagnóstico, estudo, debate e de
reflexividade públicas acerca da velocidade implica também quem não é
utilizador de automóvel e/ou pretende circular a pé, justamente porque não
se trata de excluir utilizadores, mas de construir modos de convivência
sincronizados entre si.

A obra de Paul Virilio (1999; 2000a; 2000b) é particularmente elucidativa e


problematizadora acerca da retórica do progresso e critica do tempo real, ou
seja, o tempo da velocidade instantânea. No seguimento do seu pensamento,
tanto a aceleração como a velocidade, constituem a expressão mais concreta
da lógica acidental e violenta das sociedades modernas.
Ou seja, advoga Virilio, face à enorme velocidade a que circulam as
informações e os fluxos, o mundo está permanentemente em estado de
acidente potencial, de catástrofe. E ambos-acidente e catástrofe- são as
outras faces da moeda do progresso tecnológico. Nas palavras de Virilio:

O acidente é uma espécie de milagre inverso, uma revelação. Porque,


quando se inventou o navio, inventou-se o seu naufrágio. Ao inventar-se o
avião, inventou-se a sua queda. Quando se inventou a eletricidade,
inventou-se a eletrocussão. Isto é, continua Virilio, toda a tecnologia carrega
a sua própria força de negatividade que emerge no mesmo momento em que

se dá o progresso técnico (Entrevista a Paul Virilio, in J. Armitage, 2000).

A propósito dos efeitos práticos da pressuposição contínua do acidente,


importa precisar a dificuldade com que nos deparamos, ao propormos
intervenção e ou ações de pedagogia contra a velocidade, no caso especifico
da velocidade nas estradas. A dificuldade levar os atores sociais, educadores
incluídos, a assumir a possibilidade efetiva desta pedagogia e a necessidade
de a mesma integrar a ação política, tanto do ponto de vista do planeamento,
como da implementação prática. Tendo em conta que a velocidade é uma
forma suprema de violência (Featherstone, 2001).

Ainda mais ainda, falamos da dificuldade em conduzir os atores mais


próximos da população a distanciar-se do mundo tomado como garantido da
velocidade como estilo de vida e condição necessária à sociedade
automobilizada. Isto porque para parte da população, mexer em questões da
velocidade nas estradas e, inclusive, nas zonas rurais, corresponde a propor
na agenda assuntos “anormais” que correm o risco da impopularidade.
Pensemos, por exemplo, na programação política orientada para o
alargamento de caminhos e de estradas, em favor da população, mas que
acabam por justificar o aumento da velocidade nessas mesmas vias.

É esse contexto que as estatísticas são chamadas com veemência para provar
que “não é significativo” o número de condutores que excedem a velocidade
ou de acidentes, legitimando por dentro de si mesmo a mesma sociedade
acidental, já que a surgir o acidente, este será visto como azar do destino e
não resultado da inação política porque a política está legitimada pela própria
lógica da sociedade programada.

As crianças de adolescentes são hoje grupos-alvos fáceis de muitas


ideologias e de práticas plenamente acríticas e orientadas para o principio da
velocidade como máxima sinalização do modo de estar na vida, ou como
poderíamos dizer ainda na linha de Virilio, da politica da velocidade. A maior
parte destas ideologias atravessam as práticas quotidianas e estão dispostas
nas mais diversas formas de média, incluindo as redes sociais intensamente
usadas pelos próprios atores na construção dos discursos de si, a partir da
relação -frequentemente de prazer, risco e medo – com a velocidade.

Nota Conclusiva

Constitui responsabilidade dos cientistas e, em particular, dos cientistas


sociais, trabalhar sobre estes princípios ideológicos e sobre a forma como
atuam na definição da vida quotidiana. Uma pedagogia da velocidade envolve,
por isso, algo mais do que ações de sensibilização junto do público jovem e
infantil acerca do modo como circular e seguir um conjunto de normas.
Envolve mais estudo sobre a forma como se percebe o mundo e a maneira
como se dá a transmissão e a socialização para a circulação na estrada e isso
ultrapassa a mera pedagogia para a cidadania, implica trabalho sobre grupos
de risco ou preferenciais, incluindo maior trabalho sobre a forma como usam
e percebem o tempo.

Sem dúvida que se trata de um público a quem todas estas questões devem
ser postas sob o principio da cidadania. Mas, as questões relacionadas com
a velocidade, seus motivos, consequências e implicações envolvem mais as
entidades públicas e privadas, incluindo as educativas e ligados à
administração local. Primeiro, porque é necessário desconstruir a velocidade
enquanto elemento constitutivo das sociedades modernas junto da
população, em geral e junto dos decisores políticos.

Neste aspeto, consideramos que a velocidade e todas as questões que dela


emergem não se reduzem ações de controlo, vigilância e
formação/desconstrução/ sensibilização. Envolvem a construção da
segurança rodoviária enquanto projeto de política ativa, a todos os níveis, tal
como é, de algum modo já considerado no Plano Estratégico Nacional de
Segurança Rodoviária 202010, no qual se propõe:

O envolvimento das autarquias num problema que lhes diz respeito diretamente
e para o qual continua a não existir uma resposta eficaz, através da elaboração,
aprovação e execução, em número significativo, de Planos Municipais de
Segurança Rodoviária (p.16).

É nesta perspetiva que podemos contribuir para a consolidação de uma


politica (integrada e participativa) de tempos, que diagnostica e ajusta
intervenções no espaço e outras de caráter legal a partir do estudo
aprofundado dos ritmos de vida das populações e influencia destes sobre o
comportamento na estrada, nomeadamente a respeito do excesso de
velocidade. Inclui-se, a este nível, a importância do estudo das
representações desta população cerca da ação da polícia e de outras
instituições de controlo, assim como em relação ao próprio estatuto do peão
(deveres e direitos).

Relembremos que hoje a maior parte das crianças e jovens que circulam a pé
(de algum modo e durante algum tempo) nas estradas viveu grande parte da
vida em ambientes fechados e cada vez mais tecnológicos e virtuais, não
detendo registo (ou memória) neurofisiológico daquele ambiente, o que
dificulta a perceção do perigo.

10
PENSE 2020.Acedido em
http://www.ansr.pt/SegurancaRodoviaria/PlanosdeSegurancaRodoviaria/Documents/PENSE%20ANS
R%202020.pdf
É neste sentido que nos parece também que enfrentar a velocidade nas
estradas como problema (não apenas devido ao facto de ser a causa direta
da morte de centenas de pessoas incluindo crianças e jovens, mas por ser
barreira à afirmação de melhor qualidade de vida e fonte de frustração e
eventualmente outras anomalias psicossomáticas, exige uma ação integrada
e em rede por parte do governo local, sendo extremamente importante
diagnosticar e perceber as diferenças entre freguesias e, por vezes, lugares.

Campanhas de âmbito nacional dirigidas a toda a população e a discussão


mediática alargada desta temática constituem também, a nosso ver,
estratégias adequadas tendentes a libertar as comunidades e as populações
da tirania da velocidade que se impõe, dramaticamente, pela do acidente.

Muito particularmente em relação às atividades extracurriculares das


crianças e jovens, incluindo caminhadas, visitas, acampamentos, atividades
lúdico-religiosas e outras, a ação política local devia estar, a nosso ver, mais
atenta respondendo mais eficazmente, de modo a eliminar os riscos de
acidente devido a velocidade.

Tal como dissemos na nota introdutória, trata-se de uma problemática vasta


que envolve a conjugação de entidades diversas, assim como instrumentos
metodológicos que implicam cada vez mais a articulação de saberes aplicados
e saberes relacionados com o estudo e o diagnóstico dos modos de perceber
e experienciar o espaço e, em particular, o tempo.

Do ponto de vista político, deixo uma ideia sobre a necessidade e a


pertinência em que as ações relacionadas com a segurança rodoviária sejam
tratadas de forma integrada pelas entidades que atuam no terreno, incluindo
associações e autarquias locais, pela proximidade aos problemas dos
cidadãos.
Referências
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interview with Paul Virilio. In J. Armitage (Ed.) Paul Virilio: From
Modernism to Hypermodernism and Beyond (25-57). London. Sage.
Armitage, J. (1999). Paul Virilio: an introduction. Theory, Culture & Society, 16,
1-23.
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of Time to Your Advantage. Rider.
Featherstone, M. (2001). Speed and Violence: Sacrifice in Virilio, Derrida, and
Girard. Anthropoetics, 6, 2. Acedido em
http://www.anthropoetics.ucla.edu/ap0602/virilio.htm
Ramos Torres, R. (2009). Metáforas del tiempo en la vida cotidiana: una
aproximación sociológica. Acta Sociológica, 49, 51-69.
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Columbia University Press.
Sales, C. (2017, 27 janeiro). Crianças do século XXI. (I)mobilidade e
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Simpósio Segurança Rodoviária (organizado por Rosalina Costa), Porto,
Centro de Congressos da Alfândega.
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Comunicaçao e Sociedade, 28, 229- 251.
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Virilio, P. (2000b). A velocidade de libertação. Lisboa : Relógio d'Agua.
Virilio, P. (1999). Espaço crítico e as perspectivas do tempo real. Rio de
Janeiro : Editora 34.

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