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Roberto Leher: “É preciso superar a ‘colonialidade’ do saber”*

Papel da universidade é fomentar a imaginação inventiva capaz de vencer as amarras do


pensamento liberal e burguês, diz doutor em educação

1)Por que o Brasil teve um desenvolvimento tão tardio em relação à criação das
universidades?

A forma de inserção das frações dominantes na economia mundial – mesmo após a


independência, subordinada primeiro ao neocolonialismo e, depois da consolidação das
relações sociais propriamente capitalistas, com o fim da escravidão, abrindo um novo período
conceituado por Florestan Fernandes como capitalista dependente – engendrou um processo
de revolução burguesa sui generis. Trata-se de uma revolução sem revolução, um processo em
que as frações burguesas abandonam qualquer perspectiva de um projeto de nação
autopropelido. Por isso, os setores dominantes se conformaram com escolas isoladas não
universitárias. Por muito tempo, essas escolas bastaram. Somente após a Crise de 1929 e, em
particular, com a deflagração da II Guerra Mundial, as demandas por uma universidade
adaptada às necessidades econômicas e sociais da burguesia tornaram-se mais prementes.
Mas, ainda assim, teria de ser uma universidade desprovida de real autonomia. A partir do
final dos anos 1940 forças políticas ditas nacional-desenvolvimentistas, setores militares e
industriais apoiaram a criação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), do
Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq), da Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de
Nível Superior (CAPES), provocando mudanças na perspectiva de educação superior,
basicamente pela relevância conferida à pesquisa tecnológica. O exemplo mais relevante desse
processo foi a criação do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), mas também a afirmação
da Universidade de São Paulo (USP) e a federalização que propiciou a expansão das
universidades federais fazem parte desse movimento. A crença em uma universidade dedicada
à produção do conhecimento e vinculada às reformas nacional-desenvolvimentistas foi
materializada no projeto da Universidade de Brasília (UnB). Entretanto, conforme Florestan
apontou em seus estudos da segunda metade dos anos 1960, as frações burguesas mais
relevantes já estavam inseridas no capitalismo monopolista e não compartilhavam desse
projeto de nação. O golpe empresarial-militar de 1964 apagou qualquer traço de reformismo
burguês e, por conseguinte, de reforma da universidade brasileira.

2)Qual o papel das universidades no desenvolvimento nacional e na autonomia cultural da


nação?

É uma questão relevante e atual. Para que servem as universidades públicas? Poderíamos
conversar sobre o tema por muitas horas e, ainda assim, dificilmente responderíamos a
contento a questão. Entretanto, no caso latino-americano, em particular a partir das lutas de
Córdoba, 1918, a defesa da universidade pública esteve muito fortemente vinculada ao seu
papel de instituição capaz de tornar pensáveis os problemas dos povos de modo original,
buscando um projeto de nação autopropelido, capaz de enfrentar o imperialismo cultural e
científico. Temos de encontrar soluções criativas para os desafios energéticos, a soberania
alimentar das gerações atuais e futuras, a saúde pública, o transporte, a educação etc. e, para
isso, precisamos assegurar generoso processo de formação da juventude. Mas não basta
formar tecnicamente, e sim, antes, fomentar a imaginação inventiva, sem o que não
poderemos superar a colonialidade do saber que nos aprisiona nas ideologias liberais e
burguesas. Talvez por isso existam tantas dificuldades para pensar uma agricultura fora dos
parâmetros capitalistas do agronegócio e uma educação pública que recuse a reificação dos
jovens como recursos humanos dotados de competências flexíveis e adaptáveis ao mercado. A
função social da universidade requer o enfrentamento de complexos desafios epistemológicos
e epistêmicos. Somente assim a instituição poderá ser relevante para tornar pensáveis os
problemas dos povos.

3)A universidade brasileira conseguiu cumprir o papel de auxiliar no desenvolvimento


econômico e social da nação brasileira?

Sim, mas de modo contraditório. É fácil concluir que os melhores profissionais de saúde que
atuam no setor público, realizando um trabalho notável, são formados nas universidades
públicas. Tentemos imaginar o país sem as pesquisas da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) ou
da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA). Todos os sujeitos que
construíram essas instituições foram formados em nossas universidades. O mesmo pode ser
dito sobre qualquer outra especialidade. Não são secundários o enorme avanço na produção
científica brasileira e o processo de expansão da pós-graduação no país. Entretanto, o que
temos de bom na universidade – e que deve sim nos orgulhar – somente é uma gota no
oceano das possibilidades que teríamos se a universidade fosse, de fato, autônoma e tivesse,
concretamente, condições de infraestrutura e de trabalho docente satisfatórias. A
universidade poderia ter uma presença muito mais axial na vida dos trabalhadores brasileiros
se não estivesse sendo constrangida a se tornar uma organização a serviço de interesses
particularistas das corporações e, o que é cada vez mais frequente, contra os interesses
populares. Os mega projetos que compõem a Iniciativa para a Integração da Infraestrutura da
América do Sul (IIRSA) e o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) requerem, seguramente,
inteligência produzida na universidade, mas claramente a favor dos interesses do capital. O
grande dilema é como reverter isso!

4)Nos últimos anos qual o rumo central da educação brasileira. Emancipação ou subordinação
ao capital. Por quê?

Como assinalado, o bloco de poder não quer e, a rigor, não pode conviver harmonicamente
com uma universidade crítica. O que os setores dominantes querem é converter a
universidade em organização de serviços. Esse é o sentido da Lei de Inovação Tecnológica. A
subordinação ao capital é um processo congruente com a forma capitalista dependente do
país. Cabe observar que a presença das organizações encobertas pelo Movimento Todos pela
Educação na educação básica se dá justo nesse mesmo sentido.

5)Qual sua avaliação sobre a aprovação na Câmara dos Deputados dos 10% do Produto Interno
Bruto (PIB) para a educação apenas ao final dos 10 anos do novo Plano Nacional de Educação
(PNE)?
Vejo com muita preocupação a tramitação do PNE, todo ele muito destrutivo para a educação
pública. Dificilmente o governo Dilma deixará qualquer meta objetiva e peremptória na Lei,
devendo seguir o mesmo caminho de Cardoso e Lula da Silva: mesmo se aprovado,
provavelmente será objeto de veto presidencial. Dilma é hostil à educação pública, ela não
confia nos educadores e na possibilidade de uma educação pública universal no país, gosta de
parcerias público-privadas, dirigidas pelo setor privado, pois, em sua concepção, estas são mais
focalizadas nos pobres (aos pobres, educação pobre). Se as verbas crescessem para 10%,
haveria maior restrição aos ganhos do setor financeiro, o verdadeiro mandarim do Estado
brasileiro. Existem vários problemas no texto do PNE: o percentual é projetado apenas para
2020, não há definição das receitas tributárias que poderiam possibilitar uma soma de
recursos correspondente a 10% do PIB, a União não aponta qualquer alteração em sua
participação no financiamento da educação pública e, ainda, a definição de verbas de
manutenção e desenvolvimento é muito extensa, possibilitando contabilizar verbas não
aplicadas na educação como verbas do setor. Em suma, somente com muita mobilização social
poderemos alterar essa situação.

6)Como você analisa a proposta de criação do Ministério da Educação de Base (PLS N.


518/2009) transferindo a educação superior para o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT)?

Com preocupação. Seria um imenso retrocesso, pois, atualmente, o MCT está todo
direcionado para as políticas de inovação tecnológica, assim, as universidades seriam
constrangidas a mudar a sua função social como organização de serviços. Adicionalmente, a
educação básica pública ficaria ainda mais distante da universidade, situação muito negativa
também para a universidade.

7)Quais as razões para uma greve dos docentes das Instituições de Ensino Federais tão forte
em relação aos últimos tempos?

Creio que foram muitos problemas que se interpenetraram. Uma expansão sem planejamento
e sem suporte adequado de recursos que tornaram os novos campi e os novos cursos
insustentáveis; a quebra de expectativas dos novos docentes contratados no programa REUNI
(Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais),
considerados, em muitas instituições, docentes “auleiros”, sem qualquer suporte institucional;
a insatisfação salarial do conjunto dos professores e a clara percepção de que a carreira atual
não é uma proteção capaz de frear essas tendências destrutivas. Todas essas insatisfações se
somaram à inominável intensificação do trabalho de todos os professores, novos e antigos, em
especial dos que atuam na pós-graduação, controlados, por rédea curta, pela regulação da
CAPES. Esse contexto, contudo, não seria capaz de servir como impulsionador da greve se não
houvesse um Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES-SN)
organizado, reconhecido em sua legitimidade pelos docentes e que soube, nos últimos anos,
fazer um correto giro em direção ao diálogo com os professores e seus problemas concretos.
Se o ANDES-SN seguisse alheio aos problemas reais dos docentes, dificilmente a greve teria um
canal político importante.

8)Por que o governo foi tão intransigente?


Se o leitor nos acompanhou até aqui, certamente já possui elementos de sobra para
compreender o motivo da hostilidade da presidente Dilma. Ela vestiu o manto de Thatcher
para combater os professores e o Andes-SN em particular. Não hesitou, sequer, em convocar
uma entidade zumbi, nutrida pelos gabinetes governamentais, para firmar um acordo não
apenas rejeitado por todas as assembleias universitárias, como rejeitadas, na maioria dos
casos, por inédita unanimidade. Nem Cardoso conseguiu tal proeza! O que motiva Dilma a
reivindicar a imagem da Dama de Ferro é o seu projeto dito neodesenvolvimentista que
aprofunda o capitalismo dependente. A universidade pública, autônoma e crítica é
incompatível com tal perspectiva. A financeirização, o PAC e o IIRSA exigem o silenciamento do
pensamento crítico. Não foi fortuito que o bloco de poder convocou o Partido dos
Trabalhadores (PT) para a sua gerência. É preciso impedir a todo custo o diálogo entre a
universidade e os povos indígenas em luta contra a expropriação material e simbólica de suas
terras devastadas pelas hidrelétricas; os trabalhadores expropriados no campo, em luta contra
a estagnação da reforma agrária; os trabalhadores urbanos em luta contra a degradação do
trabalho, das condições de vida e contra a hiperexploração, a juventude das favelas que se
levanta contra as políticas sociais a conta-gotas que nada oferecem de fato em termos de
trabalho digno. Contudo, a magnífica greve confirma que a história está sempre aberta ao
tempo! A luta irrompeu em todas as universidades e, doravante, o silêncio a que estavam
submetidas está rompido pela voz coletiva dos estudantes, dos professores e dos técnicos e
administrativos. O desafio, agora, é construir um arco de alianças antimercantil capaz de
empolgar lutas massivas em prol da educação pública!

Roberto Leher é doutor em Educação pela Universidade de São Paulo, professor da Faculdade
de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio
de Janeiro, pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq), coordenador do Observatório Social da América Latina – Brasil/ Clacso e do Projeto
Outro Brasil (Fundação Rosa Luxemburgo).

*Entrevista concedida a Mauri Antonio da Silva, em 29 de agosto de 2012 [revisão de Silvia


Regina Quevedo]

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