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Trabalhar em centrais de atendimento: a

Laerte Idal Sznelwar 1 busca de sentido em tarefas esvaziadas


Júlia Issy Abrahão 2
Fausto Leopoldo Mascia 1 Working at call centers and searching for
meaning in “meaningless” tasks

1
Departamento de Engenharia de Resumo
Produção da Escola Politécnica da
Universidade de São Paulo, Brasil. Este artigo apresenta uma discussão relativa a aspectos significativos do traba-
2
Instituto de Psicologia da Univer- lho em centrais de atendimento estudadas sob o ponto de vista da ergonomia
sidade de Brasília, DF, Brasil. e da psicodinâmica do trabalho. A discussão se apóia nos estudos realizados
em empresas situadas nas cidades de São Paulo e Brasília entre meados dos
anos 1990 e início dos anos 2000. As centrais de atendimento em questão
se dedicam sobretudo a atividades financeiras (cartões de crédito, bancos),
serviço público e telefonia (celular e fixa). Os resultados apontam para a im-
portância de se modificar os paradigmas que norteiam o projeto do trabalho
dos atendentes visando reverter os processos de sofrimento e adoecimento no
trabalho. Além disso, eles sugerem novos paradigmas nos quais o trabalho é
considerado como uma ferramenta de desenvolvimento profissional. Portan-
to, um meio para a realização pessoal dos atendentes e também para atingir
objetivos de produtividade e qualidade compatíveis com o desenvolvimento
humano e das organizações.
Palavras-chaves: saúde do trabalhador, paradigmas organizacionais, sofrimen-
to no trabalho.

Abstract
Based on ergonomics and psychodynamics of work, this article discusses some
significant aspects of work at call centres. The results are based on research
carried out in companies located in São Paulo and Brasília, between the 90s
and the beginnings of the year 2000. The call centers under study are mainly
in the area of finance (credit cards and banks), but they are also from pub-
lic services and telephone companies. Other than showing the importance of
changing paradigms that guide operators’ work, in order to reduce suffering and
illness, the results suggest new paradigms in which work is a tool for operators’
professional growth. Therefore, work as a mean to personal fulfilment, as well
as to achieve productivity and quality goals , respecting human development in
organizations.
Keywords: workers’ health, organizational paradigms, suffering at work.

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Introdução

Neste artigo, pretende-se analisar di- das centrais estudadas, tanto na modalida-
mensões relativas ao trabalhar em centrais de de atendimento passivo quanto no ati-
de atendimento identificando as dificul- vo, o modelo da organização do trabalho se
dades que os atendentes enfrentam para manteve vinculado aos princípios propos-
responder às exigências da produção em tos por Taylor no século passado. Portanto,
situações nas quais as tarefas foram con- a questão chave que norteou as pesquisas
cebidas a partir de paradigmas sustentados e a proposta deste artigo é: em que medida
por princípios simplificadores da realida- esses princípios de organização do trabalho
de da produção de serviços e do trabalho contribuem para o quadro de adoecimento
humano. comum a essas empresas?
Esta discussão é fruto de aproximada- Os métodos de análise adotados nesses
mente uma dezena de estudos desenvolvi- estudos se inspiram na Análise Ergonômi-
dos por duas equipes de pesquisa: do De- ca do Trabalho – AET (GUÉRIN et al. 2001)
partamento de Engenharia de Produção da e na Ação em Psicodinâmica do Trabalho
Escola Politécnica da Universidade de São – APT (DEJOURS, 2004). No caso da AET,
Paulo e do Núcleo de Ergonomia Cognitiva buscou-se levantar dados relativos à tare-
e Saúde do Instituto de Psicologia da Uni- fa e seus determinantes. Para tanto, foram
versidade de Brasília. Esses estudos foram realizadas entrevistas com gestores, super-
desenvolvidos em centrais de atendimento visores diretos, projetistas dos sistemas de
ligadas ou contratadas por diferentes tipos produção, responsáveis pela gestão e im-
de empresa: bancos, empresas de cartão de plementação de sistemas de informação,
crédito, empresas de telecomunicação, ser- responsáveis pelos sistemas de qualidade
viço público. Os estudos foram desenvolvi-
e também com profissionais da área de
dos nas cidades de São Paulo e de Brasília.
propaganda e venda. Além das entrevistas,
As demandas para o desenvolvimento buscaram-se dados secundários relativos a
desses estudos estavam associadas a pro- procedimentos operacionais, scripts, ma-
blemas de saúde, em sua maioria Distúrbios nuais de qualidade e dados de produção.
Osteomusculares Relacionados ao Trabalho Também se levantaram dados demográfi-
(DORT), conhecidos também como Lesões cos, incluindo idade, sexo, escolaridade,
por Esforços Repetitivos (LER). Ressalte-se senioridade, e dados epidemiológicos ob-
que, em quase todas as situações estudadas, tidos junto aos serviços de saúde das em-
o objetivo principal das empresas era o de presas. Em três delas realizou-se um levan-
reduzir os problemas de saúde crescentes tamento junto aos trabalhadores visando
nas centrais de atendimento sem que hou- identificar sintomas de desconforto ou dor
vesse, de fato, a intenção de transformar vivenciados por eles. Cada estudo teve suas
profundamente os processos de produção peculiaridades principalmente no que diz
e o conteúdo das tarefas. Havia, sim, uma respeito à disponibilidade dos dados exis-
disposição para tratar de aspectos parciais tentes nas empresas. Entretanto, em todas
da questão, como o mobiliário e o sistema elas foi possível obter informações bastan-
de pausas. te significativas que propiciaram a constru-
Os métodos empregados nesses estudos ção dos problemas identificados nas tarefas
permitiram um diagnóstico aprofundado e que puderam nortear as observações e as
das questões ligadas ao trabalhar e a suas análises das atividades. A partir da análise
conseqüências para a saúde dos trabalha- das tarefas que propiciaram a construção
dores, para o seu desempenho e para o seu das primeiras hipóteses relativas à gênese
desenvolvimento profissional. Esses resul- dos problemas de saúde, foram realizadas
tados trazem à tona um debate interessante observações abertas e sistemáticas da ati-
relativo às intenções dos atores sociais na vidade de trabalho. Uma outra questão me-
empresa com relação à efetividade das mu- todológica importante foi o envolvimento
danças. Eles apontam ainda problemas sig- dos trabalhadores. Em todas as situações,
nificativos ligados ao projeto do trabalho, o houve acompanhamento de trabalhado-
que poderia ser reapropriado na perspecti- res e, em parte dos estudos, foram criados
va de um projeto de reformulação profunda grupos com trabalhadores voluntários nos
do conteúdo das tarefas e da organização quais se discutiram questões ligadas ao seu
do trabalho. Mas, de fato, malgrado o qua- trabalho para relevar as ações por eles em-
dro alarmante de adoecimento, na maioria preendidas. Eles se envolveram em proces-

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sos de validação dos resultados e na cons- tibilidades entre as prescrições e a realida-
trução das propostas de melhorias. de. Apresentam-se então, as características
das prescrições, cotejando a sua compatibi-
No caso da APT, trabalhou-se com gru-
lidade com a natureza da atividade de aten-
pos de expressão (DEJOURS, 2004) com o
dimento. Em seguida, apresenta-se o ponto
objetivo de criar um espaço de discussão
de vista dos atendentes em relação ao con-
para favorecer a troca de experiência entre
trole, como eles são escutados, como são
os trabalhadores participantes. Nesse per-
monitorados por meio de sistemas eletrôni-
curso, buscou-se a construção de um senti-
cos. Nesse caso, seria pertinente indagar se
do comum sobre o trabalhar e a re-apropria-
as formas de controle usuais nas centrais
ção por parte de cada membro do grupo da
de atendimento são compatíveis com as
sua história e da sua experiência, muitas
necessidades de assegurar, ao mesmo tem-
vezes dolorosa e com seqüelas. Para a cons-
tituição desses grupos, fato que ocorreu em po, o nível de produção e de qualidade dos
três empresas, propôs-se aos trabalhadores, serviços e o bem-estar dos trabalhadores.
numa palestra inicial, da qual participaram Paradoxos de uma tarefa esvaziada
todos os integrantes das centrais de atendi-
mento, a possibilidade de constituir grupos Trata-se, sobretudo, dos casos em que as
de voluntários para o desenvolvimento da tarefas dos atendentes são definidas por um
proposta de ação. Esses grupos se reuniram grande número de normas, procedimentos,
regularmente (a cada sete ou quinze dias), atitudes e responsabilidades prescritas,
totalizando entre 18 e 24 horas de reuni- que deveriam ser seguidas à risca. Ressal-
ões. Ao final, um documento foi discutido te-se que muitas normas são importantes e
e validado com os participantes antes de são, na maioria das vezes, respeitadas, pois
ser entregue à empresa e aos participantes ajudam a garantir a segurança da operação.
para que pudessem receber o resultado do Outras são restritivas, pouco compreendi-
trabalho desses coletivos de expressão. das, podendo ser caracterizadas como nor-
mas de conduta pouco adequadas pela au-
Assim, os estudos nos quais este artigo sência de margem de manobra. Isso é mais
se apóia foram formulados tanto a partir comum nas centrais baseadas em conceitos
de uma abordagem de natureza quantitati- de serviços de massa.
va quanto qualitativa. Essa opção se deve,
sobretudo, à possibilidade de qualificar os Os cenários criados para se trabalhar
dados de natureza quantitativa, explicitan- tendem a levar os atendentes a uma si-
do dimensões subjetivas do trabalho para tuação de impasse. A maneira como são
as quais a abordagem quantitativa se mos- concebidas as tarefas pode criar injunções
tra lacunar. paradoxais. Ao mesmo tempo em que é so-
licitada a iniciativa dos atendentes, não há
Não é o propósito deste artigo detalhar espaço para sua manifestação. Ao mesmo
cada estudo e os resultados obtidos. O que tempo em que se exige um não envolvi-
se pretende é uma reflexão consubstancia- mento com o cliente, é necessário ouvi-lo,
da apoiada nesses resultados. Assim, a es- compreendê-lo e resolver o seu problema
trutura foi delineada a partir da compreen- ou, ainda, conquistá-lo, seduzi-lo para que
são das situações analisadas e que podem ele adquira um produto ou serviço. Piores
contribuir nas reflexões dos projetos e no são as situações nas quais o atendente não
gerenciamento diferenciado das situações pode resolver o problema do cliente, embo-
de trabalho em centrais de atendimento. ra saiba como fazê-lo; essa situação se con-
Malgrado a diversidade geográfica e as figura como típica de impedimento para
situações de trabalho que subsidiaram este agir (SZNELWAR, 2003).
artigo, além da defasagem de tempo entre
O atendente necessita ser rápido e man-
os estudos, a articulação dos diferentes
ter a atenção constante, pois deve atender
resultados só foi possível devido à cons-
as ligações o mais rapidamente possível.
tatação de que, embora a tecnologia tenha
Em algumas situações não há tempo nem
passado por mudanças significativas, a
para terminar uma ligação e já há outro
organização do trabalho e o conteúdo das
cliente na linha. Deve se abster de quais-
tarefas pouco evoluíram.
quer réplicas pessoais, ser imparcial às cri-
Nessa perspectiva, o artigo inicia uma ticas e argumentos dos clientes, não tecer
discussão acerca dos paradoxos sob os comentários ou julgamentos. Deve utilizar
quais se assenta a concepção do trabalho expressões pré-definidas, mantendo o tom
nas centrais de atendimento. Em um pri- de voz apropriado à situação. É necessário
meiro momento, analisa algumas incompa- se manter cordial e calmo, guardar o equi-

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líbrio emocional mesmo em situações ad- neidade, privilegiando a diversidade, con-
versas, como naquelas em que é ofendido siderando os contextos do sistema de uso
e quando há um comportamento agressivo e de produção. Nessa perspectiva, as cen-
de clientes. Espera-se que tenha habilida- trais de atendimento conseguem criar uma
de para contornar situações difíceis e inu- combinação inédita de modalidades exter-
sitadas. nas e internas de produção de disciplina
(ABRAHÃO & SANTOS, 2004).
Deve também demonstrar um genuí-
no interesse nas demandas dos clientes, As conseqüências do cerceamento às
procurando entender e atender às suas possibilidades do agir podem se expressar
solicitações. Deve gerenciar o atendimen- em problemas de saúde e no desempenho
to de modo que a ligação não seja longa dos trabalhadores. A iniciativa e a criati-
e ao mesmo tempo não deve apressar sua vidade são cerceadas pela maneira como é
conclusão. O atendente precisa transmitir organizado e controlado o trabalho. A pes-
segurança e confiança frente à diversidade soa impedida tem que fazer pouco, movi-
de demandas dos clientes sem mostrar he- mentar-se pouco e inclusive evitar ser ela
sitação ou indecisão. Deve ter uma boa ca- mesma. Essa afirmativa parece um parado-
pacidade de argumentação e convencimen- xo, uma vez que este tipo de trabalho exige
to, além de conhecer todos os produtos e muito ritmo, muita atenção, muito uso da
serviços oferecidos. Precisa ter agilidade memória, muita imobilização postural, isto
na busca das informações nos sistemas dis- é, exige muito de pouco, de características
ponibilizados pela central. Deve se dirigir e propriedades muito específicas do ser
ao cliente de forma espontânea e natural, humano (SZNELWAR, 2003).
porém, para dialogar, precisa seguir um
Relação de serviço e reificação
texto preconcebido. O atendente precisa
ser cordial e simpático sem expressar sen- Dentre as conseqüências da adoção
timentos e emoções. E, por último, deve es- desse tipo de modelo, pode-se identificar
tar atento a qualquer palavra ou frase pro- uma certa desumanização das relações de
ferida, mantendo uma constante vigilância serviço, visto que o trabalho do atendente
para se adequar às prescrições. deve ser o mais próximo possível de algo,
de um objeto passível de reprodução e de
É difícil acreditar que algum ser hu-
controle. É contraditório que uma relação
mano possa se enquadrar na situação des-
intersubjetiva, base de uma atividade em
crita acima. No entanto, ela é verdadeira e
que o relacionamento com o cliente é cha-
atualmente emprega centenas de milhares
ve, seja transformada em “coisa”, num pro-
de trabalhadores, que devem “funcionar”
cesso de reificação.
nesse tipo de contexto e responder aos
requisitos citados. Portanto, trabalhar, ou Essa questão remete, como ressalta De-
melhor, laborar, no sentido proposto por jours (1987), aos estudos sobre as telefo-
Arendt (1981), seria a regra do jogo. A obra nistas realizados por Le Guillant, em que
pessoal, o ergon, estaria fora de cogitação. o autor afirma que este profissional deve
A despersonalização do agir no trabalho, reprimir suas iniciativas, enquadrar sua
a imaterialidade, a intangibilidade, o in- linguagem, não apresentar qualquer ex-
dividualismo são pilares desta lógica que pressão de cansaço, não se irritar, não ex-
levaria ao sofrimento patológico, no senti- pressar descontentamento ou ainda prazer
do proposto por Dejours (2001), sofrimento diante de uma situação de atendimento. A
que se torna “visível” no sistema musculo- sua afetividade deve ser proscrita. Por ou-
esquelético, na pele, no sistema digestivo, tro lado, como devem ser simpáticos, a sua
entre outros, ou ainda expresso como “mal- afetividade é prescrita.
estar” psíquico (DEJOURS, 2000).
Wisner (1994), ao comentar o mesmo
Coerente com essa visão de mundo me- estudo de Le Guillant sobre a neurose das
canicista e funcionalista (MAGGI, 2006), os telefonistas, aponta a contradição entre a
atendentes são considerados pelas empre- tarefa muito rígida imposta às telefonistas
sas apenas receptores de chamadas, sem e as dificuldades que se manifestam no
possibilidade de agir além daquilo que lhes momento do atendimento. A relação de
foi prescrito. Qualquer transformação no serviço criada é dificultada, pois o diálogo
processo de trabalho ou mudança nos pro- com o cliente não é favorecido. O cliente
cedimentos deve ser fortemente combati- precisa entender a racionalidade da em-
da. Reduz-se essa situação a uma atividade presa, enquadrar-se naquilo que é previsto,
de interação entre o atendente e o cliente, expressar-se usando uma linguagem com-
ao contrário de tomar partido da heteroge- patível com a da empresa. Ele também tem

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um comportamento prescrito que deve es- res nas empresas apontavam para uma in-
tar enquadrado, precisa ser educado para cidência significativa de sofrimentos moral
receber o serviço. Interessante notar que, e psíquico.
em princípio, numa relação como esta, o
Nesse tipo de tarefa, não haveria prati-
cliente deveria ser considerado como co-
camente espaço para desenvolver um “agir
produtor do serviço.
expressivo” mais harmonioso. Segundo
Ainda na perspectiva da relação com Dejours (2001), o agir expressivo seria o
o cliente, ponto chave de encontro de ser- modo como o corpo se mobiliza a serviço
viço, os atendentes não podem dar vazão da significação, a serviço do ato de signi-
as suas emoções para demonstrar alegria, ficar a outrem o que vive o “eu”. O corpo
solidariedade, raiva, tristeza ou decepção. é mobilizado como um todo. As funções
Às vezes, ao desligar uma ligação ou ao orgânicas são mobilizadas em proveito da
colocar o cliente em situação de espera, os encenação do sentido. O agir expressivo
atendentes buscam extravasar seus senti- constitui a recapitulação, em uma única
mentos por meio de gritos, xingamentos. noção, do enunciado e da sua dramaturgia.
Isso acontece, principalmente, porque não Negligenciar a exigência da dramaturgia é
está previsto um acompanhamento de fato construir um discurso monocórdio, acha-
do problema do cliente e, quando há confli- tado, inexpressivo, que pode levar a uma
to, este evolui rapidamente para situações incompreensão por outrem e se tornar fon-
de impasse. Não é à toa que os atendentes te de sofrimento patogênico.
abusam do uso de verbos no gerúndio ao se
comunicar com os clientes. Eles percebem A atividade dos atendentes é basicamen-
que, em muitas situações, respostas mais te de relação, logo, ela deveria ser uma ân-
precisas não são possíveis. Eles não têm cora fundamental para o desenvolvimento
certeza se o problema será encaminhado das ações. A prescrição atinge diretamente
ou ainda se, em tempo real, caso o aten- aspectos do comportamento considerado
dente não tenha como responder adequa- como aceitável e produtivo com relação
damente à demanda do cliente, o risco de ao desempenho do setor. Questiona-se até
se criar impasses aumentará. Segundo eles, que ponto isso pode ser prescrito e se se-
esse tipo de situação aumenta sua ansieda- ria produtivo fazê-lo. Há uma diferença
de e sofrimento. significativa entre a adoção de condutas
cordiais, em que haveria espaço para que o
A importação de paradigmas do taylo- atendente efetivamente pudesse responder
rismo e do fordismo, em nome da racio- às demandas dos clientes, fato que pode e
nalização da produção, pode constituir a deve ser favorecido e estimulado pelas em-
grande fonte dos problemas citados. Esse presas, e um comportamento estereotipa-
tipo de produção “em massa” de serviços do, restrito a ações padronizadas, no qual
seria uma repetição de certos erros do pas- a possibilidade de desenvolver estratégias
sado? Ou seria ainda pior: uma espécie de para resolver problemas e para acompa-
farsa, pois a prestação de serviços constitui nhar o processo de atendimento ao cliente
uma relação entre sujeitos e a sua desper- de uma maneira mais efetiva não é previs-
sonalização se torna uma das causas funda- ta, sendo mesmo combatida, proibida.
mentais de sofrimento para os trabalhado-
res? A busca frenética por produtividade, a Um sistema de produção coerente com
luta constante contra os “tempos mortos” seus princípios?
teriam como fruto uma compressão pro- As diferentes racionalidades que
gressiva dos tempos e uma conseqüente orientam o projeto da produção e das ta-
“contração dos corpos”. Alguns resultados
refas, assim como a gestão da produção e
obtidos nesses estudos mostram uma cor-
do trabalho, nas centrais de atendimento
relação entre a redução de tempos médios
nem sempre são coerentes entre si. Muitas
de atendimento (TMA) e o aumento sig-
vezes, aqueles que prescrevem não estão
nificativo de afastamentos por LER/DORT
em sintonia com a atividade, que por sua
(MASCIA & SZNELWAR 1998; SZNELWAR
vez pode ser incompatível com a deman-
et al.,1999).
da colocada pelo cliente, com as regras de
Além dos problemas de natureza física, funcionamento ou, ainda, com os critérios
encontraram-se indícios significativos de de avaliação. Ao se ater apenas ao que diz
problemas de ordem psíquica, sendo que, respeito à racionalidade técnica, encontra-
à época, não havia dados epidemiológicos ram-se, entre os diferentes estudos que dão
capazes de confirmá-los. Entretanto, os re- sustentação a este artigo, dissonâncias sig-
latos de atendentes e de outros trabalhado- nificativas entre as áreas de produção do

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atendimento ao cliente, especificamente as operadores não concordavam, ora com a
centrais de atendimento, e outros setores, empresa, ora com os clientes.
como vendas, marketing, crédito. Ações
A busca por ações mais equilibradas,
empreendidas em outros setores tinham pelas quais fosse possível acompanhar o
impacto significativo na linha de frente caso de clientes que tinham problemas a
(central de atendimento) sem que houves- serem solucionados, não era permitida.
se um concerto anterior e uma preparação Qualquer ação que divergisse do respon-
das operações. Ao dirigir a questão para der, em tempo real, ao cliente deveria ser
a interface entre o cliente e o atendente, enviada para setores de retaguarda e o
identificaram-se conflitos que aí se cons- atendente não era informado do encami-
truíam, pois, em muitas situações, o clien- nhamento dado ao problema. Posterior-
te não aceitava e não entendia aquilo que mente, ao ser confrontado novamente com
a empresa definia como possível e como o mesmo cliente, ficava perdido e, se não
passível de ser solucionado ou encaminha- soubesse responder, o cliente se mostrava
do. Nesse caso, muitas vezes, os próprios ainda mais nervoso e irritado.

O prescrito e o que se passa...

Os resultados desses estudos mostram somente às situações conhecidas ou pre-


que existe uma distância entre o que é vistas, portanto, não comportam a diversi-
prescrito pela empresa e a realidade do co- dade de ocorrências com que os atendentes
tidiano. No desenvolvimento de ações em se deparam no cotidiano de atendimento.
ergonomia, é necessário atuar na dialética
Como estratégias possíveis que podem
entre o trabalho prescrito e o trabalho real.
significar certa resistência ou mesmo a
Nesse sentido, considera-se que atividade
busca para facilitar o trabalho, pode-se ci-
de trabalho é uma forma de resposta à de-
tar que muitos atendentes, de forma explí-
finição da tarefa, objeto da prescrição. As
cita ou longe dos olhos da supervisão, pos-
dificuldades encontradas no desenvolvi-
suem um bloco de notas onde registram as
mento do trabalho, muitas vezes, decorrem
informações sucintas sobre algum produto
do fato da tarefa ser definida sem que se
ou serviço novo e fotocópias dos scripts
considere a variabilidade intrínseca que
mais difíceis de se localizar no programa
permeia toda a situação de trabalho.
de computador. Em princípio, de acordo
Assim, para trabalhar bem, o atendente com o previsto pelas empresas, tudo deve-
se vê obrigado a elaborar estratégias opera- ria constar no sistema e os atendentes não
tórias para responder às exigências conti- deveriam utilizar outras ferramentas de
das na definição da tarefa. Essa possibili- trabalho, como lápis e papel. Esse posicio-
dade pode ser muito favorável à realização namento é um reflexo de certa prepotên-
pessoal e profissional desses trabalhado- cia da prescrição apoiada em pressupostos
res, pois este seria um espaço para o de- de infalibilidade do sistema e da possibi-
senvolvimento de estratégias criativas, de lidade de contemplar todas as situações.
soluções interessantes, de consolidação do Apesar de ser considerada como uma ati-
coletivo de trabalho. vidade simples pelos responsáveis pelas
prescrições, espera-se que os atendentes
Entretanto, na maioria das centrais
tenham uma memória com capacidade de
estudadas, a organização é rígida, não há
armazenamento ilimitada e que possa ser
margem de manobra para modificações no
acessada rapidamente e em tempo real. Da
atendimento e o que se observa nas rela-
maneira como foi concebido o trabalho,
ções com os colegas e a hierarquia é um
não há espaço para o reconhecimento do
bloqueio. Trabalhar sob essas condições
papel mediador do atendente. Então, o ex-
tem conseqüências tanto na qualidade da
cesso de prescrição pode dificultar o alcan-
prestação do serviço quanto na saúde men-
ce dos resultados esperados, pois dificulta
tal dos trabalhadores. Uma série de ins-
a gestão por parte dos atendentes devido
truções com relação à tonalidade da voz,
à diversidade de ligações e à variabilidade
linguagem, tratamento ao cliente, cadên-
de usuários.
cia do diálogo, ações e expressões a serem
evitadas pelos atendentes são descritas Confrontado com essa situação, não
por Sznelwar e Mascia (1998). Os autores resta ao operador outra saída senão ela-
constataram que as instruções se referem borar estratégias operatórias para tentar

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minimizar as dificuldades encontradas na para resolver com rapidez as demandas do
execução das tarefas, procurando manter cliente e a uma adequada utilização do sis-
os patamares de qualidade e de produti- tema. Vilela e Assunção (2004) descrevem
vidade e sem comprometer o equilíbrio da esse tipo de trabalho como basicamente
situação (GUBERT, 2001). Entretanto, um de tratamento de informações nem sem-
código rígido de conduta limita a elabora- pre disponíveis e, muitas vezes, de difícil
ção de respostas criativas dos operadores interpretação. As dificuldades ligadas às
(ABRAHÃO & TORRES, 2004). As autoras restrições impostas pelas prescrições se-
demonstram que o sucesso do trabalho, riam ainda maiores, pois há uma série de
nesses casos, assenta-se na transgressão, atitudes que poderiam resolver os proble-
pois o modelo de organização do trabalho mas dos clientes, no entanto, os atendentes
não permite a flexibilidade necessária para não podem agir nesse sentido.
lidar com situações variadas e complexas.
Em síntese, ao se cotejar a descrição do
Nem todas as situações fazem parte da
trabalho pela organização com a atividade
prescrição, então, os atendentes desenvol-
real dos atendentes, pode-se afirmar que
vem estratégias para responder de manei-
estas duas racionalidades não são compatí-
ra apropriada e manter a atividade em um
veis e que existe uma distância expressiva
nível satisfatório para eles e para a central
entre o prescrito e o real. Essa discrepân-
de atendimento. Para efetivamente atender
cia reflete na atividade dos atendentes de
ao cliente, decodificar o script para tornar
forma significativa, aumentando a carga de
compreensível a sua resposta à demanda
trabalho nas dimensões cognitiva e psíqui-
do cliente, o atendente se vê obrigado a
ca. Estes resultados vão ao encontro dos
transgredir (ABRAHÃO & TORRES, 2004).
de Abrahão e Torres (2004), nos quais elas
Essas transgressões ou ações que pos- descrevem diferentes estratégias operató-
sibilitam um desempenho mais adequa- rias elaboradas pelos atendentes como for-
do e, quiçá, com menos sofrimento ficam ma de atender às demandas dos usuários.
escondidas, camufladas, condenadas aos
Os estudos desenvolvidos têm mostra-
“porões” da empresa, uma vez que elas
do uma organização pouco ou nada flexí-
não podem ser reconhecidas oficialmente.
vel: flexíveis são os trabalhadores. O tipo
Atesta-se a impossibilidade de ter reco-
de organização do trabalho encontrado nos
nhecido o esforço criativo e a elaboração
estudos em questão está em contradição
de um julgamento da utilidade (DEJOURS,
com aquele proposto por Gilbert de Terssac
2003) dessas ações fica prejudicada. Quan-
e Bruno Maggi (2004). Esses autores afir-
do descobertas ou não acobertadas pelos
mam que a organização do trabalho, assim
supervisores, podem servir de substância
como sua prescrição, deve ser flexível, pois
para punições.
problemas são causados quando se busca
Esses exemplos reforçam a dinâmica do simplificar uma tarefa sem considerar a re-
atendimento, que se caracteriza pela va- alidade. Nesta perspectiva, sugere-se que a
riabilidade de solicitações e pelo número formalização da prescrição seja limitada,
elevado de situações que exigem constan- permitindo possíveis renegociações e ajus-
temente do atendente vigilância relaciona- tes das regras e das decisões como forma de
da ao processo de busca de informações, compatibilizar a prescrição com a natureza
ao tratamento contínuo das solicitações da atividade de atendimento.

Os procedimentos: um guia ou uma camisa de força?

A inadequação entre o script e a nature- mesmo as diferenças no modo de agir das


za da atividade de atendimento é reforçada chefias), muitas vezes sob pressão tempo-
pelo fato dos operadores atenderem a uma ral, pois o cliente quer uma resposta ime-
variabilidade muito grande de clientes, diata. Além disso, nem sempre o cliente
conseqüentemente uma alta demanda de tem clareza do que quer e o atendente é
processamento de informações. Eles têm confrontado com procedimentos rígidos,
que entender e decodificar adequadamen- não podendo se desviar das prescrições
te a demanda seguindo as racionalidades impostas pela organização. A adoção rígida
dos clientes e responder na racionalidade do script é, portanto, problemática para o
da organização (por vezes divergentes, se- desempenho do atendente e o sucesso da
não contraditória, se forem considerados interação. Os operadores verbalizam a sen-
os pontos de vista dos diversos setores e sação de que, por vezes, soam falsas todas

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estas formalidades no decorrer do diálogo, atividade das centrais de atendimento. Em
e mesmo assim eles devem segui-las. muitas situações, os trabalhadores se sen-
tem “impedidos”, pois não podem agir, não
Depreende-se dos resultados obtidos
podem responder, não podem resolver. Em
nessas análises da atividade que as carac-
outras situações, para se defenderem da ira
terísticas dos scripts não são compatíveis
dos clientes, fazem-se passar por “máqui-
com a realidade de atendimento, pois, para
nas”, respondendo como se fossem uma
dar conta das demandas dos clientes, o
gravação, que se revela como uma estraté-
atendente é obrigado a construir constan-
gia para evitar problemas.
tes adaptações. Para tal, ele busca conciliar
aquilo que pode ser feito com aquilo que Há questões significativas quanto à va-
seria necessário para resolver os proble- riabilidade relacionada à idade, sexo, grau
mas. Nesta perspectiva, a atividade carac- de instrução, estado civil e estado de ori-
teriza-se por uma dinâmica de regulação gem dos clientes. Eles utilizam linguagens
permanente do trabalhador para manter o distintas na comunicação. Os atendentes
equilíbrio e obter os resultados esperados precisam adequar a sua linguagem e tam-
dentro das condições possíveis. “Aquilo bém compreender as dos clientes.
que a coisa pede (realidade) é diferente
Nestes cenários, cheios de variações,
daquilo que é pedido (prescrição – tarefa)”
dinâmico, mutante, é que a atividade se de-
(GUERIN et al., 2001). Aí se situa um pon-
senvolve. É por meio desses cenários que
to bastante delicado desse tipo de trabalho,
se pode apreender diferenças significativas
pois se abre espaço para mal-entendidos,
com relação àquelas previstas nos projetos
punições, avaliações negativas, em suma,
(ABRAHÃO, 2000). O que se observa no
pode ser um fator agravante para o sofri-
dia-a-dia é que a estabilidade dos manuais
mento dos trabalhadores, pois a sua inicia-
e normas não corresponde ao real, pois no
tiva não é reconhecida, não se torna parte
trabalho ocorrem variações contínuas.
de um conhecimento coletivo, fundamen-
tal para o desenvolvimento do gênero e do A ficção do controlar
estilo profissional (CLOT, 1999).
De maneira coerente com a proposta de
A construção dos scripts é baseada em organização do trabalho baseada em para-
pressupostos segundo os quais o cliente te- digmas tayloristas, o trabalho dos atenden-
ria um raciocínio linear e previsível. Assim, tes é controlado para garantir que sejam
as possibilidades previstas não agregariam respeitados os procedimentos da tarefa.
nem deixariam um espaço que permitisse Esse tipo de controle se dá por meio de
articular as possíveis variáveis da situação sistemas de escuta e também de acompa-
de atendimento. As principais queixas dos nhamento a partir do terminal da supervi-
atendentes estão ligadas à rigidez, pois o são, para que os supervisores avaliem em
diálogo não pode fluir e adquire caracterís- tempo real o que se passa no atendimento.
ticas rígidas, torna-se robotizado e mecani- Além desse tipo de controle de conteúdo,
zado, dificultando a construção de sentido há também um controle feito a partir de
no trabalho (CALDERON, 2005). A maio- sistemas informatizados que servem para
ria dos atendentes, apesar destas queixas, monitorar os diferentes tempos (tempo de
não deseja a eliminação do script e sim a ligação, tempo de conexão, número de liga-
sua flexibilização (ZIMMERMAN, 2005). ções, filas, entre outros).
Eles querem que ele sirva como um roteiro,
Portanto, haveria dois tipos principais
como um orientador do atendimento. Essas
de controle que fazem parte desse univer-
questões são semelhantes às encontradas
so: um eletrônico, que permite um acompa-
por Gubert (2001): uma parte dos operado-
nhamento, em tempo real, dos tempos de
res vê o script como um componente nega-
atendimento, das filas, do tempo em que
tivo do controle, enquanto outros apontam
o atendente está conectado ao sistema, das
aspectos positivos, citando-o como um
pausas, podendo ser usado para controle
orientador e auxiliar para o atendimento.
da produção de uma central e, também, ser
A situação de atendimento é cheia de usado para um estrito controle do atenden-
imprevistos, de situações problemáticas, te; o outro é aquele feito pela hierarquia
o que requer do trabalhador habilidades, (supervisão e gerência), que permite, em
experiência para prever, equacionar e de- tempo real, que estes façam uma escuta e
cidir para fazer frente a esses imprevistos mesmo um acompanhamento das ações do
(SATO, 2002). E eles acontecem mesmo atendente no sistema (aonde navega, as in-
naqueles processos considerados simples e formações que ele introduz, por exemplo).
repetitivos, como se diz freqüentemente da Vale lembrar ainda que as ligações podem

104 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 31 (114): 97-112, 2006
ser gravadas e o são em certos tipos de visível, ora invisível, mas paira como cons-
atendimento, principalmente quando há o tante, como permanente. Será que todos
risco de haver erros que levem a perdas e a eles são pertinentes para assegurar a efici-
conflitos posteriores entre os clientes e as ência e a eficácia no trabalho?
empresas.
A falsa idéia de tudo controlar e garan-
O monitoramento do conteúdo, feito tir, portanto, o bom andamento das opera-
pelos supervisores, visa controlar a supos- ções resulta nesse tipo de monitoramento
ta utilização correta dos procedimentos do trabalho graças à tecnologia hoje dispo-
(VILELA & ASSUNÇÃO, 2004). Segundo nível e quiçá pela falta de um debate mais
o ponto de vista defendido pelas gerências profundo com relação aos limites éticos
das empresas estudadas, esse procedimen- das possibilidades de controlar as pessoas.
to é uma tentativa de homogeneizar o aten-
dimento em situações cuja natureza não é Há também outros tipos de controle,
homogênea. Isso impõe aos atendentes o como aquele em que os atendentes rece-
uso de várias habilidades, como a rapidez bem ligações com o propósito de avaliá-
de raciocínio e a flexibilidade para procu- los. É interessante que, nesses casos, eles
rar seguir o prescrito e ao mesmo tempo relatam que o “cliente” conduz a ligação
atender de maneira adequada os clientes. segundo o procedimento, diferentemente
Ressalte-se que, em muitas situações, há do que ocorre em situações reais, portanto
contradição entre a racionalidade técnica percebem facilmente que se trata de uma
e a racionalidade do cliente. Os atenden- situação “falsa”, pois nenhum cliente cons-
tes se encontram, então, em uma situação trói um diálogo “no procedimento”.
paradoxal e, mesmo sabendo que o cliente Através de toda esta sistemática de
tem razão, ele é obrigado a seguir o deter- controle, sobretudo porque as ferramentas
minado pela empresa. Como viver essas si- informatizadas permitem exercer um con-
tuações sem se sentir frustrado, sem apre- trole muito mais constante, há um reforço
sentar sinais de depressão, de cansaço e à idéia de que este possa ser completo, to-
mesmo de esgotamento? tal. Esta idéia, oriunda de pontos de vista
Estudo conduzido por Gubert (2001) totalitários, poderia ser comparada com
reforça o fato de que o monitoramento sis- algumas questões já levantadas por Fou-
temático aumenta os constrangimentos aos cault (1987). Haveria, portanto, uma certa
atendentes, pois não podem suprimir algu- analogia com as críticas desenvolvidas por
mas falas prescritas ou conduzir o diálogo esse autor:
de forma mais personalizada segundo as Trata-se de um controle intenso, contí-
características e necessidades do cliente. nuo; ocorre ao longo de todo o processo
de trabalho; não se efetua – ou não só
Os atendentes, pelo fato de estarem
– sobre a produção (natureza, quantidade
submetidos ao monitoramento, são obri- de matérias primas, tipos de instrumen-
gados a seguir um conjunto de condutas tos utilizados, dimensões e qualidade dos
bastante padronizado e controlado. Essa produtos) mas leva em conta a atividade
padronização é rígida na maneira de falar, dos homens, seu conhecimento técnico, a
no que dizer, no que não dizer, na forma de maneira de fazê-lo, sua rapidez, seu zelo,
conduzir um diálogo (SZNELWAR & MAS- seu comportamento.
CIA, 1997). A monitoração acaba sendo, na maio-
Esses estudos demonstram que os aten- ria das centrais, uma via de mão única e,
dentes, ao seguirem rigorosamente o script, segundo os atendentes, elas se tornam
muitas vezes não conseguem construir um avaliações onipotentes, que além de gerar
diálogo verdadeiro, não conseguem enten- atitudes antipáticas causam insegurança
der e se fazer entender pelo cliente. Devido e sentimento de injustiça, pois funcionam
a este controle rigoroso, eles se sentem im- como uma imposição na qual não existe
pedidos de usar a criatividade para cons- espaço para a confrontação de pontos de
truir um diálogo mais espontâneo e natu- vista divergentes para a negociação.
ral. Entretanto, alguns atendentes, mesmo
O excesso de controle dificulta a reali-
correndo o risco de serem penalizados na
zação do trabalho e gera nos atendentes um
sua avaliação, direcionam os scripts para se
sentimento de impotência que se manifes-
adequarem ao perfil do cliente (TORRES,
ta no paradoxo de que, para bem atender,
2001).
é preciso transgredir (ABRAHÃO & TOR-
Os estudos realizados em centrais de RES, 2004). Ou ainda, segundo Sznelwar et
atendimento mostram que o controle é ora al. (1999), que, aliado ao conteúdo inade-

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quado do trabalho, o excesso de controle, O atendente não tem autonomia para regu-
favorecido e facilitado cada vez mais pelas lar o seu ritmo, o fluxo de chamadas e as
tecnologias informatizadas, ao permitir o pausas. No entanto, a relação com o cliente
acompanhamento das atividades em tem- requer, em princípio, uma certa flexibilida-
po real é uma possível fonte geradora de de do tempo para que se possa desenvolver
sofrimento psíquico. um tratamento adequado, uma verdadeira
implicação pessoal na resolução dos pro-
Em algumas das centrais, o controle é
blemas. Contudo, como a cobrança com
também realizado por meio de câmeras espa-
relação aos tempos médios de atendimen-
lhadas de maneira estratégica para monito-
to é constante, corre-se o risco de que o
rar o ambiente de operações. Estas imagens
cumprimento das metas de tempo se torne
são armazenadas para eventuais consultas.
um fim em si, impedindo que se crie uma
A exposição contínua a olhares invisíveis
relação compatível com as solicitações
reforça nos atendentes o sentimento de falta
do cliente. A compressão do tempo serve
de confiança por parte da organização.
também para transformar o relacional, ao
Os relatos de estudos indicam que os se pensar nas diferentes dimensões de sua
atendentes admitem até a possibilidade da complexidade, em objetal, num processo
monitoração funcionar como um instru- de reificação, o que é freqüente nas cen-
mento positivo, como uma fonte de apren- trais de atendimento. Pode-se considerar
dizado, aprimoramento, correção das falhas como uma forma de violência, de tentati-
e melhoria do atendimento. No entanto, eles va de enquadramento da variabilidade, em
ressaltam que o instrumento não deveria ser que os resultados tangíveis seriam também
utilizado como um mecanismo punitivo. corpos comprimidos, manifestando-se por
Isso reforça a idéia de que os sistemas de meio das LER/DORT.
ajuda para o processo de aprendizagem não
Um outro aspecto apontado pelos aten-
precisariam estar conectados a um sistema
dentes é relativo à definição, a priori, da
de controle. Poder-se-ia prever sistemas de
distribuição das pausas, que seria um dos
apoio através dos quais pudessem ser res-
principais fatores de rigidez e inflexibili-
gatadas as situações de atendimento como
dade. Na organização estudada por Freire
exemplos para desenvolver o retorno da ex-
(2002), a supervisão dispõe de um aplica-
periência e as trocas dentro de um coletivo
tivo para controlar os atendentes e pode
de trabalho que infelizmente não é favore-
controlar a posição de cada um, se estão no
cido nas empresas. Ao contrário, as formas
atendimento, há quanto tempo, se estão no
de organização do trabalho dificultam ou
lanche ou no banheiro etc.
mesmo impedem as trocas com os colegas
e, por vezes, com os supervisores também. Para os atendentes, beber água para
Questiona-se a necessidade de construir preservar a voz também significa a necessi-
todo um sistema de controle que, em tese, dade de ir ao banheiro com mais freqüên-
serviria para garantir a qualidade e ajudar cia, o que é um problema diante da dificul-
na aprendizagem, mas que, na realidade, é dade para se afastarem de seus postos de
algo escondido, sem que o atendente o sai- trabalho. A mesma condição é relatada na
ba. Não seria eventualmente mais adequado pesquisa de Galasso et al. (2004). Assim, os
um sistema em que fosse possível receber ritmos e as pausas são determinados e con-
informações, discutir as dificuldades, es- trolados pela organização, gerando mais in-
cutar os colegas, as suas próprias ligações? satisfação. Questiona-se se o controle que é
Entretanto, essa segunda opção não seria definido para o trabalho acaba se tornando
coerente com as idéias tayloristas que tanto também um condicionador do metabolis-
influenciaram a criação desses sistemas de mo dos atendentes, um impedimento para
atendimento. Uma mudança efetiva condu- o funcionamento orgânico que comprome-
ziria a reforçar experiências na quais a mo- te de forma significativa a saúde.
nitoração seja percebida como um mecanis-
Como dar conta de tanta informação e das
mo de aperfeiçoamento dos conhecimentos
inadequações das ferramentas?
e das habilidades dos operadores. Nesse
caso, autores como Holman et al. (2002) su- A utilização de programas de compu-
gerem que a monitoração seria associada ao tador também é um problema significativo
bem-estar dos atendentes. para os atendentes. Não raro se encontrou
o uso de sistemas com plataformas opera-
O tempo, sempre onipresente...
cionais distintas e incompatíveis. Na mes-
A atividade de atendimento é forte- ma tela, os atendentes precisavam navegar
mente limitada, constrangida pelo tempo. por “janelas” que tinham como base siste-

106 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 31 (114): 97-112, 2006
mas operacionais diversos, construídos a aprendizagem, da resolução de problemas,
partir de linguagens diferentes. Esse tipo do processo de decisões, da exigência de
de problema influencia substancialmente atenção, memória e raciocínio, das solici-
o tempo de atendimento e também acarreta tações visuais e mentais na busca de infor-
uma “sobrecarga cognitiva” considerável. mações e, ainda, solicitações relacionadas
Mediar uma relação na qual a racionali- à imprevisibilidade e ansiedade impostas
dade técnica é representada por sistemas pelas demandas do cliente. O atendente,
operacionais de difícil utilização e compre- além de tratar as informações, tem que dar
ensão e em que a racionalidade do cliente conta das atribuições exigidas na interação
e a do atendente não são consideradas de com os clientes, no manuseio de produtos
maneira adequada nas funcionalidades do e equipamentos, no atendimento de cada
sistema informatizado é considerado pelos ligação e na busca de informações neces-
atendentes como algo muito difícil. A ra- sárias. A atividade dos atendentes é forte-
cionalidade do operador deve ser modela- mente permeada de exigências de natureza
da nesse papel de mediador entre o sistema cognitiva.
e o cliente.
Mascia e Sznelwar (2000) identificam
São freqüentes os problemas derivados em seu estudo diferentes condutas pres-
de eventos em que o sistema está lento ou critas. Há uma quantidade significativa de
mesmo inoperante. Nessas situações, o instruções que fazem parte dos manuais do
atendente precisa agir somente para ten- operador, muitas delas desconhecidas por
tar acalmar o cliente que, muitas vezes, eles. A mesma condição foi encontrada na
está nervoso devido a uma longa espera pesquisa de Freire (2002), na qual ela mos-
na fila. Encontram-se, ainda, situações em tra a relevância dos diferentes documentos
que a ligação cai e o cliente é obrigado a que explicitam as habilidades exigidas dos
ligar novamente, esperar na fila e começar atendentes e as atitudes a serem adota-
um novo diálogo com um outro atenden- das durante o atendimento. Um paradoxo
te. As inoperâncias não são apenas aquelas interessante a ser ressaltado nesse caso é
oriundas dos momentos de pane do siste- que as prescrições relativas ao comporta-
ma informatizado. Em muitas situações, as mento são genéricas e devem ser adotadas
inoperâncias ocorrem ao longo do proces- em quaisquer situações. Já com relação aos
so, seja porque o problema ainda não foi procedimentos operacionais, que também
tratado pelas equipes de retaguarda, seja interferem no atendimento, há muitos que
porque as informações que o cliente en- não são bem conhecidos, causando difi-
viou se perderam ao longo do processo e culdades para que os atendentes consigam
entre áreas operacionais que pouco se co- respeitá-los em tempo real. Será que é pos-
municam. Assim, o atendente precisa ex- sível separar a conduta referente à relação
plicar aquilo que o cliente não deseja ouvir de serviço da conduta relacionada ao pro-
ou, ainda, não pode explicar, restando-lhe cedimento operacional?
tergiversar ou adotar estratégias para tentar
E a questão psíquica?
se manter surdo às reclamações.
Além de todas as questões ligadas à
Ao se levar em conta a quantidade de
ação, às possibilidades e aos impedimen-
informações sobre produtos e serviços co-
tos para que o atendente consiga dar conta
locados à disposição do cliente, os apli-
das exigências do atendimento em si, é im-
cativos (programas de computador) nem
portante relevar o aspecto psíquico dessa
sempre auxiliam o atendente, que com
atividade. Aliada à frustração de não poder
freqüência tem que gerenciar de outras for-
resolver muitos problemas e de não ter um
mas. Quando o atendente tem dúvidas com
retorno adequado quanto aos resultados de
relação à demanda do cliente e não localiza
suas ações, há muitas situações de confli-
a informação nos aplicativos disponíveis,
to para as quais eles não encontram saída,
ele busca ajuda, em primeira instância,
para as quais não conseguem manter o
junto aos colegas mais próximos, atrapa-
controle. Muitas vezes, os atendentes aca-
lhando muitas vezes o curso do atendi-
bam sendo agredidos, achincalhados pelos
mento destes. Em outras situações, busca
clientes. Como agir nestas situações? Eles
auxílio do supervisor ou do gerente, que
não podem desligar a ligação ou revidar,
nem sempre estão disponíveis.
devem viver essas situações de maneira
Abrahão e Santos (2004) discutem o individual, são obrigados a incorporar a
caráter eminentemente cognitivo do tra- agressão. Às vezes são apoiados pela hie-
balho nas centrais de atendimento. Elas rarquia, às vezes são humilhados, princi-
apontam o desgaste resultante da forma de palmente quando um supervisor ou gerente

Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 31 (114): 97-112, 2006 107
interfere diretamente no atendimento, con- não há a possibilidade de buscarem uma
tradizendo o que o atendente fez ou, ainda, adaptação espontânea do trabalho a sua re-
resolvendo um problema que o atendente alidade nem de manifestar sua experiência
sabia como fazê-lo, mas não tinha autono- nas situações que fogem ao prescrito.
mia para tal. A importância do componen-
Este sentimento de insatisfação foi es-
te psíquico nas situações de atendimento
tudado por Dejours (apud WISNER, 1994),
em que o trabalhador mantém contato com
que aponta como um dos principais pontos
o público e recebe reclamações, legitimas
de conflito e por conseqüência fonte de so-
ou não, dos clientes já havia sido assinala-
frimento psíquico no trabalho as relações,
da por Wisner (1987).
muitas vezes rígidas, entre o trabalhador e a
Algumas práticas desenvolvidas pelos organização. Esta relação pode ser conside-
atendentes foram identificadas e podem rada como conflituosa quando contrapõe,
ser consideradas como práticas de resistên- de um lado, a expectativa do trabalhador
cia. Há situações em que, para manter um e, do outro, a rigidez sobre o modo de fun-
padrão considerado coerente com a sua éti- cionamento e produção da organização. A
ca e também na tentativa de manter a sua impossibilidade de transformar ou adaptar
singularidade, criam estratégias para tentar as regras elaboradas pela organização do
resolver problemas para os quais não têm trabalho constitui uma fonte de insatisfa-
alçada, buscam também personalizar a re- ção ou de sofrimento a partir do momento
lação com o cliente, quando fazem o acom- que os trabalhadores sentem como esgota-
panhamento de um dossiê. dos seus recursos para transformação. Em
decorrência, a saúde pode ser comprome-
Todas essas práticas são desenvolvi- tida e ameaçada (ABRAHÃO, TORRES &
das em desacordo com os procedimentos. ASSUNÇÃO, 2003).
Apesar de não haver espaço para tal, bus-
cam, de maneira coletiva, regular o tempo Identifica-se claramente a contradição
para que não fiquem muitas chamadas em entre a vontade de fazer, de resolver os pro-
espera, evitando o aumento de clientes blemas dos clientes e a impossibilidade de
nervosos após o tempo de espera na fila. fazê-lo, pois eles não têm autonomia sobre
Entretanto, esse tipo de iniciativa pode au- os processos de trabalho. O estudo de Vi-
mentar a ansiedade para terminar rapida- lela e Assunção (2004) encontrou nos seus
mente as ligações. resultados queixas relativas a sentimentos
de cansaço, esgotamento mental e impo-
Principalmente nos casos de venda, é tência diante da rigidez da organização
necessário usar técnicas de sedução para do trabalho. Esta percepção da margem de
convencer os clientes de que aquela aqui- ação e uma rotina de trabalho com poucas
sição lhe será proveitosa. Esse jogo de se- oportunidades para decidir acarretam nos
dução é também enquadrado em procedi- atendentes um sentimento de inutilidade,
mentos e o atendente se vê, geralmente, de não ser suficientemente responsável. É
em situações embaraçosas, pois precisa, interessante pontuar que, apesar dos aten-
ao mesmo tempo, seduzir e não transgre- dentes relatarem irritação e descontenta-
dir para atingir suas metas. Entretanto, às mento com os mecanismos de controle,
vezes, precisa abandonar o prescrito, trans- eles se dizem conscientes da necessidade
gredir. Tudo isso sem ter a menor idéia de dos mesmos para o bom andamento dos
quem seja o cliente, sem jamais o ter visto. serviços (TORRES, 2001).
Isso lhes causa uma série de questiona-
mentos, inclusive de ordem moral. Alguns Para Maslach e Leiter (1999), quando
sentem que são obrigados a mentir. os trabalhadores não têm controle sobre a
sua atividade de trabalho, eles ficam impe-
O modo como o trabalho é organizado didos de resolver os problemas que detec-
influencia diretamente os indivíduos, suas tam e, assim, não conseguem regular sua
aspirações, motivações e desejos, princi- atividade com os interesses da organiza-
palmente quando são determinações ex- ção, pois o controle unilateral não é um
clusivas da instituição, estando os sujeitos objetivo razoável nem sequer desejável. O
afastados da possibilidade de contribuir mesmo acontece com os atendentes pelo
nas regulamentações de seu trabalho ou fato de serem controlados constantemente,
até mesmo impossibilitados de opinar (DE- diminuindo a possibilidade de gerencia-
JOURS, 1987). A rigidez da organização do rem as situações adversas, pois não têm
trabalho retira a participação dos trabalha- autonomia para fazer frente aos imprevis-
dores deste processo, deixando-os limitados tos. Ao dificultar esse controle, o trabalho
às determinações superiores. Sendo assim, assume uma forma alienada e mecanizada

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que pode impactar de maneira negativa a trabalhadores são apenas objetos do con-
saúde do trabalhador na medida em que os trole organizacional (SATO, 2002).

À guisa de conclusão

Quando se pretende definir o projeto em que se busca, por meio dos paradigmas
do trabalho em centrais de atendimento, é da simplificação, uma homogeneidade no
importante mudar o ponto de vista, é ne- atendimento, pede-se ao trabalhador que
cessário adotar visões diferentes capazes seja envolvente, simpático, carismático,
de se contraporem àquelas que buscam de- cordato, tudo isso sob pressão de tempo
finir tarefas como se fossem simples e facil- e sob a aura do controle. Como vários tra-
mente controláveis. Nessa perspectiva, os balhadores afirmam, eles vivem com uma
autores propõem que se considere o papel sensação de se tornarem robôs. Como tra-
integrador da atividade de trabalho e, a par- balhar esse paradoxo e construir sistemas
tir dela, desenvolva-se uma leitura da ativi- de produção em que o relacional não seja
dade de trabalho na sua complexidade. A objetal?
atividade de trabalho, como é possível evi-
denciar por meio da Análise Ergonômica Os trabalhadores sofrem. Muitas vezes,
do Trabalho, resulta de um compromisso têm que se curvar aos imperativos dos sis-
entre o que a tarefa exige e as condições temas informatizados e fazer um esforço
oferecidas aos trabalhadores (GUÉRIN et doloroso para se afastarem do conteúdo do
al., 2001). Pelas pesquisas realizadas, in- trabalho, criar estratégias de defesa, como
felizmente esse compromisso ocorre no a busca de mecanização da relação que,
modelo de organização vigente sobretudo no final das contas, reforça essa idéia de
em detrimento da saúde dos trabalhadores serem programados, de incorporarem um
e também, em muitas situações, em detri- controle que era externo e se torna algo in-
mento da qualidade do serviço. terno, presente constantemente.

Os resultados dos estudos mostram o Seria esta uma situação em que, por
quanto é importante se distanciar de expli- meio de diferentes meios persuasivos, esta-
cações simplificadoras dos fenômenos liga- ria assegurada uma verdadeira dominação
dos ao trabalhar. As atividades em centrais simbólica (DEJOURS, 1999). As diferentes
de atendimento não se resumem ao simples formas de controle sobre o fazer, as avalia-
gesto, à execução do previsto, ao respeito ções constantes e mesmo a ameaça de de-
dos procedimentos. Há uma questão irre- missão seriam parte deste universo.
dutível que é a relação com o outro, com o Ao contrário, trata-se de pensar a con-
cliente que atua e modifica as tarefas. cepção, o planejamento dos métodos de
Outra questão importante a ser consi- gestão e a formação sob o ponto de vista
derada com relação às atividades de servi- da complexidade e o deslocamento desse
ço discutidas por Hubault (2003) é a difi- paradigma clássico para uma abordagem
culdade de se mensurar a produtividade, capaz de apreender a articulação entre in-
como medir a relação insumos/resultados, divíduos e artefatos, ou seja, compreender
principalmente porque os serviços são, em como os sujeitos individualmente se posi-
grande parte, intangíveis. Para esse autor, a cionam e como compartilham suas ativida-
relação de serviço contém uma série de ca- des no âmbito de um processo distribuído
racterísticas que são dificilmente valorizá- e coletivo.
veis por uma produtividade que é medida
Questiona-se se as diferentes estraté-
por meio de indicadores que não conside-
gias desenvolvidas pelos trabalhadores se-
ram esses aspectos.
riam suficientes para que eles reduzissem
Como avaliar a utilidade do trabalho se a ou eliminassem o sofrimento relacionado
sua essência é desconhecida? com o seu trabalho ou até mesmo se seria
possível elaborar estratégias que permitam
Um outro aspecto fundamental da situa-
avanços significativos no que diz respeito
ção está relacionado com o controle sobre
aos resultados do trabalho, trazendo mais
o trabalhador. O trabalho de atendimento,
satisfação para eles e também para os clien-
mesmo que seja mediado por telefone, im-
tes. Temos dúvidas.
plica uma relação intersubjetiva. Confor-
me apontado, há paradoxos significativos As estratégias encontradas nos pare-
nesse tipo de produção. Ao mesmo tempo cem mais próximas dos mecanismos de

Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 31 (114): 97-112, 2006 109
defesa psíquica mostrados nos estudos abrir espaço para que os trabalhadores pos-
clássicos de psicopatologia do trabalho sam viver uma situação profissional mais
(DEJOURS, 1987), que seriam mais estra- favorável. Para tanto, é importante adotar a
tégias de sobrevivência e que resultariam idéia de que o mundo do trabalho é dinâmi-
numa redução do nível de consciência e de co, sujeito a muitos tipos de variação, que
reflexão sobre o problema. O fato de haver a realidade não se enquadra no prescrito
tantas pessoas afastadas por problemas de e que, sobretudo, os atendentes precisam
saúde nessas empresas e uma quantidade agir com estratégia, dentro de um espectro
significativa de trabalhadores que referiam de ações que lhes permita resolver de fato
problemas de saúde os mais diversos, sem os problemas existentes com os clientes.
estarem afastados do trabalho, poderia ser
uma indicação de que as estratégias desen- Seria interessante também incorporar
volvidas, que pareceram mais de cunho nos pressupostos de projeto as propostas
individual do que coletivo, não trouxeram de Bruno Maggi (2006). Em seu livro O agir
resultados muito significativos. Isso não organizacional, o autor defende a perspec-
significa que todos os trabalhadores vivam tiva segundo a qual as organizações são
uma situação que os levará inexoravelmen- fruto de processos de ações e decisões dos
te ao adoecimento. Entretanto, os resulta- diferentes sujeitos agentes. Para tal, se-
dos permitem afirmar que os paradigmas ria importante considerar que deve haver
sob os quais foram projetados os sistemas margem discricionária para que se possa
de produção e as tarefas não são adequa- desenvolver melhor as atividades desses
dos quando se pensa na promoção da saú- trabalhadores.
de por meio de um trabalho que respeite as Seria, portanto, preciso encarar o de-
propriedades e os limites humanos quanto safio de projetar de maneira diferente os
à fisiologia, mas também que permita o de- sistemas de atendimento ao cliente em que
senvolvimento profissional dos indivíduos sejam incorporadas as questões, os pontos
e dos coletivos de trabalho. de vista e as propostas tratadas neste arti-
A busca de novos projetos de produção go. Em todo e qualquer projeto do trabalho
e do trabalho neste setor que não sejam há uma perspectiva sobre o ser humano,
baseados em paradigmas simplificadores é na maioria das vezes, subentendida. Seria
um dos caminhos possíveis de ser trilhado importante explicitar e colocar em debate
se a intenção é reduzir as contradições en- a questão para qual sujeito, para qual ser
contradas. Para tanto, sugere-se que sejam humano se projetam a organização e o con-
adotados outros pontos de vista para pro- teúdo das tarefas. Se forem mantidos os
jetar esse tipo de trabalho. Por exemplo, a paradigmas tradicionais mostrados neste
adoção de novos paradigmas nos projetos artigo, seriam projetos nos quais o ponto de
da produção e do trabalho em centrais de vista adotado seria aquele em que estariam
atendimento, como aqueles oriundos da subentendidas a anulação do sujeito e a
Teoria da Complexidade (MORIN, 1999; construção de um ser humano inexistente:
MONTEDO & SZNELWAR, 2004), pode uma máquina?

Referências bibliográficas

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