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LEITURAS (RESENHAS E NOTAS DE LEITURA)

OS PATINHOS FEIOS

LES VILAINS PETITS CANARDS

Autor: Boris Cyrulnik

Resenhado por: Thiago Isaias Nóbrega de Lucena²

Embora o título Os patinhos feios seja sugestivo, a obra em questão trata de


uma reelaboração ou adaptação de uma fábula clássica ao cotidiano atual. O livro “Os
patinhos feios,” do psicanalista francês Bóris Cyrulnik, desde suas primeiras páginas
(ao todo são 215), brinda o leitor com histórias reais, fortes, tristes, porém
reconfortantes e, porque não, emocionantes de pessoas que sofreram traumatismos
psíquicos e as mais graves feridas emocionais, tais como: abandono, luto, abuso
sexual, atentado, tortura, catástrofes... Violências de cunho físico e simbólico que
acometem as relações sociais de milhões de pessoas em todo o mundo. Ele mostra
que, mesmo nos casos mais terrificantes, a recuperação é possível.

Nascido em Bourdeaux, na França, em 1937, Boris Cyrulnik, que é neurologista,


psiquiatra e psicanalista abriu o campo de pesquisa em seu país à Etologia, ciência que
estuda o comportamento tanto dos animais como dos homens, dentro de uma
perspectiva pluridisciplinar, abrangendo a lingüística, psiquiatria, neurologia e biologia,
além de ser reconhecido por desenvolver o conceito de resiliência. Atualmente é
responsável pelo grupo de pesquisa em Etologia Clínica no Hospital de Toulon, e
professor de Etologia Humana na

_______________
² Thiago Isaias Nóbrega de Lucena, graduando em Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte. Endereço: Avenida Amintas Barros, 4904-A, 1º Andar, Nova Descoberta, Natal/RN,
CEP 59075-250. Tel: (84) 88781086.
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e-mail: thiagolucenaeu@bol.com.br

“Université du Sud-Toulon-Var”. Possui cerca de duzentos artigos publicados sobre o


assunto e é autor de 28 livros, entre eles Murmúrio dos Fantasmas, Os Alimentos
Afetivos: o amor que nos cura e Falar de Amor à Beira do Abismo, já traduzidos
para o português e publicados no Brasil.

A obra em questão é dividida em três momentos: introdução, desenvolvimento e


conclusão. Já na introdução nos é apresentado o conceito chave que permeia todo o
livro e as principais obras do autor: a resiliência. Esse conceito foi emprestado da física,
e, nesta ciência, diz respeito ao processo em que uma barra que é submetida a forças
de distensão até seu limite elástico máximo, volta ao seu estado original quando essas
forças deixam de atuar, recuperando-se. Tal conceito é aplicado por Cyrulnik para a
compreensão das questões psíquicas que envolvem os seres humanos, destacando
que resiliente é o indivíduo que, submetido a traumas, golpes, estressores ou
catástrofes, consegue se recuperar psicologicamente retoma sua evolução e não se
torna vítima, pois desenvolve mecanismos de defesa adquiridos ainda na primeira
infância. O diferencial desse livro é que ele discute a afetividade em tempos de
racionalidade, de tecnologias e da busca por soluções práticas e rápidas.

A teoria da resiliência tem enfoque em diversas áreas do saber, tais como a


pedagogia, psicologia, psiquiatria, saúde, serviço social e ciências sociais. O autor
baseia seu estudo a partir do temperamento pessoal adquirido e desenvolvido nos
primeiros momentos de vida; dos golpes e provações a que as crianças estão sujeitas;
a representação do real nos discursos feitos pela cultura após o golpe; e ao possível
apoio social a ser disponibilizado para a superação do trauma. Faz críticas a atuações
nas quais os problemas ou golpes ainda são tratados com indiferença ou pouco
interesse por parte da sociedade em geral. Para ele, se os governantes e as famílias,
como um todo passarem a trabalhar o cuidado com a concepção e formação dos
indivíduos em geral, um grande número de feridos conseguirá metamorfosear seu
sofrimento para fazer dele uma obra humana.
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O livro desenvolve-se em apenas dois capítulos gerais, repletos de subtítulos


curtos que demarcam a entrada de novos assuntos e norteiam o leitor. O primeiro
deles, A Lagarta, mostra a simbologia presente na concepção da criança, a forma como
ela pode desenvolver, antes da fala, seus primeiros mecanismos de defesa internos
(humor, criatividade) e como esses mecanismos podem ganhar força no contato afetivo
com o triângulo parental composto basicamente por pai, mãe e filho. Porém, explica
que o próprio “entorno sensorial” também pode vitimizar a criança e torná-la vulnerável
quando representada negativa ou violentamente, fazendo com que ela não se sinta
querida ou aceita.

No segundo capítulo, A Borboleta, entra em cena o recurso da fala e as inúmeras


possibilidades de representação que surgem a partir dela. Com essa ferramenta, a
criança passa a ser capaz de socializar o seu trauma e então, metamorfosear seu
sofrimento. O termo metamorfose é utilizado correntemente no decurso da obra, pois o
autor compara o processo de resiliência ao de transformação de uma lagarta que
rasteja até o instante em que se torna borboleta e voa. Nesse momento do livro, o autor
utiliza-se de exemplos concretos para demonstrar que, através da palavra, da ação, do
engajamento social e, especialmente, das manifestações artísticas, o ferido pode obter
controle sobre o trauma e transformá-lo em um acontecimento belo e aceito pela
cultura. O psicanalista é enfático nesse ponto e propõe que as instituições (escolas,
creches, orfanatos...) possibilitem às crianças a oportunidade de contar suas histórias
através da arte para que consigam dominar a emoção e distanciem-se do trauma, pois,
além de ser um mecanismo de defesa precioso, também tem o mérito de ser proveitoso
para toda a sociedade.

Segundo Boris Cyrulnik, qualquer pessoa pode “vir-a-ser” resiliente. As que


conseguiram desenvolver um apego seguro ou comportamentos cativantes nos
primeiros momentos de vida têm mais facilidade de metamorfosear seus sofrimentos;
mas, mesmo as que não tiveram esse acesso poderão abrir suas asas, desde que
tenham à sua disposição algum tutor de resiliência externo que pode ser o pai, a mãe,
um outro familiar, um vizinho, um professor ou um amigo, que se disponha a ouvir
atentamente a criança, compreendê-la e, principalmente, aceitá-la. Esses tutores serão
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platéia ativa nessa encenação da vida real, protagonizada e dirigida por quem a viveu
na prática. A partir daí, o patinho feio transformar-se-á em cisne, e esvoaçará suas
lindas penas, no mais belo lago da vida, onde todos o aceitarão de volta e o
entenderão.

Como se vê, a resiliência tem aplicabilidade em vários ramos, mas convém


alertar que seu conceito deve ser adaptado de acordo com a realidade em que é
apresentada. Boris Cyrulnik vê os traumas a partir de seu consultório restrito ao
primeiro mundo. No caso do Brasil e da América Latina, deve-se atentar para os golpes
de ordem violenta vindas principalmente do seio de famílias que sobrevivem na miséria
material e humana, onde as mazelas sociais são mais fortes e, de certa forma,
incorporadas pela cultura. O autor defende que a criança para ser resiliente precisa ser
criada dentro de uma relação triangular que inclua os dois pais, mas, não discorre a
respeito dos filhos que são fruto de produções independentes – com apenas uma figura
de apego – cada vez mais freqüentes na atual configuração de família. É importante
evidenciar, ainda, que um traumatismo pode ser reparável, mas não reversível, a vítima
reaprende a viver, mas não será como antes.

O leitor deve tomar cuidado para não classificar comportamentos adaptativos


como resilientes. O ser humano possui estratégias de adaptação às perturbações pós-
traumáticas que os fazem sofrer menos, mas essa adaptação pode ser custosa quando
é feita através de submissão ao agressor, silêncio, recusa de se lembrar, renúncia em
tornar a si mesmo, esfriamento afetivo ou delinqüência.

Porém, vale salientar que a leitura da obra é prazerosa. Possui frases bem construídas
que não necessitam de conhecimentos prévios para ser lidas. Além disso, é permeada
por casos reais ilustrativos que fazem com que o leitor consiga fazer ligações com
casos próximos. Suscitará inúmeros debates no campo científico, pois pode ser
consultada por profissionais da psicologia ou psiquiatria, como também por educadores,
pedagogos e ainda por pais e demais pessoas que estejam dispostas a tecer ou
fortalecer uma malha resiliente e evitar a reprodução de traumas na vida de crianças e
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adolescentes. Também, pode ser consultada por profissionais da área das ciências
sociais que lidam e pesquisam sobre a violência e traumas.

REFERÊNCIAS

CYRULNIK, Boris. Os patinhos feios. São Paulo: Martins Fontes, 2004.


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ESPIRITUALIDADE, RACIONALIDADE E CETICISMO: “ESPIRITUALIDADE PARA


CÉTICOS...”

Autor: Robert C. Solomon

Resenhado por: Anaxsuell Fernando da Silva

“Nunca entendi a espiritualidade. Ou melhor, nunca lhe prestei muita atenção”.


É com esta confissão que Robert C. Solomon inicia o livro Espiritualidade para
céticos. O autor lecionou durante 30 anos na Universidade do Texas, em Austin.
Graduado em Biologia molecular, doutorou-se em Ciências Sociais. Escreveu ao longo
da sua vida – ele faleceu em janeiro de 2007 – 45 livros. Vários deles estão disponíveis
em português, merecendo destaque: Paixão pelo Saber (Civilização Brasileira, 2001);
Ética e Excelência (Civilização Brasileira, 2006).
Fiel ao “para” do título, Solomon não rejeita, critica ou contesta nenhuma
doutrina ou religião e sim sugere uma alternativa para aqueles que à sua semelhança
declaram-se céticos. Ele próprio assinala o objetivo do livro em questão: “Minha busca
neste livro, entretanto, é de um sentido não-religioso, não-institucional, não-teológico,
não baseado em escrituras, não exclusivo da espiritualidade, um sentido que não seja
farisaico, que não se baseie em crença, que não seja místico, que não seja acrítico,
carola ou pervertido.” (p. 19). E vai, ao longo das 319 páginas, defender – na esteira de
Hegel – o que chama de “espiritualidade naturalizada” e por meio dela reencantar a
vida cotidiana.
Merece destaque neste livro, publicado pela editora Civilização Brasileira em
2003, a leveza da linguagem e as constantes referências e problematizações da visão
espiritual de Hegel e Nietzsche, além de belas e comoventes citações e/ou alusões a
grandes nomes das letras e do pensamento Kierkegaard, Kafka, Sartre, Dostoiévsky,
Camus, Sócrates, Descartes, Buda, Kurt Cobain, Heidegger e Cristo.
Espiritualidade para céticos: paixão, verdade cósmica e racionalidade no
século XXI – livro que conta com a tradução de Maria Luiza X de A. Borges – possui
oito capítulos. Ao longo deles, Solomon tentará responder à pergunta posta nas
primeiras linhas da orelha do exemplar em português: “É possivel ser espiritualizado
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sem acreditar no sobrenatural? Pode uma pessoa ser espiritualizada sem pertencer a
um grupo ou corrente religiosa?”
Como bom existencialista, Solomon acredita que o ponto nodal da
espiritualidade é insofismavelmente um “amor reflexivo à vida” (p. 33), isto é, um
comprometimento de vivê-la intensa e proveitosamente sem objetivar uma vida eterna
paradisíaca ou de uma próxima encarnação. Nesse sentido, mesmo que alguma
religião esteja inteiramente correta, o cético, que tenha vivido de forma íntegra e
profícua terá feito a sua parte.
No primeiro capítulo, intitulado Da filosofia ao espírito e à espiritualidade, o
autor trabalha a filosofia do espírito de Hegel (autor em que é especialista) e argumenta
que este celebrou o “espírito popular” dos gregos antigos, em contraste com o que ele
via como a preocupação alienante com o outro mundo e a positividade do
protestantismo contemporâneo. Nesse sentido, tenta materializar o conceito de espírito:
“Seja como for, o espírito é social. Representa nossa sensação de participar e
pertencer a uma humanidade” (p. 38). Robert Solomon nos lembra que para Hegel, a
pândega significava deixar os nossos pensamentos e sentimentos seguirem seu curso
natural, e isto, possibilitaria o reconhecimento de nós mesmos com o mundo como
Espírito. Assim, “Espírito,” para o autor do livro, é um estado de ânimo, um modo de
ser. Dito isto, ainda neste capítulo é importante evidenciar a crítica feita por Solomon às
tentativas ditas científicas do Institute for Creation Reseach que objetivavam provar a
literalidade do livro de gênesis. Neste ponto, penso eu, está a mais lúcida ponderação
de todo o livro “o erro do criacionismo, em contraposição, é que em vez de abraçar a
espiritualidade, opte por uma mentalidade 'nós' versus 'eles', em que 'eles' representam
praticamente todo mundo que tem uma visão pós-medieval do mundo. No final, o
resultado só faz a religião parecer estúpida.”
No capítulo que segue, Espiritualidade como paixão, o autor advoga que uma
vida espiritual é uma vida apaixonada, e que nem espiritualidade nem paixão estão no
âmbito da irracionalidade. Para sustentar essa sua hipótese, ele parte de Sócrates e
Platão, modelos de razão e racionalidade; eram apaixonados pela filosofia e eróticos
com relação à Verdade. Assim, ele defende que algumas paixões são definidoras da
racionalidade.
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Em Espiritualidade como confiança cósmica, o terceiro capítulo inicia-se


evocando a adorável personagem Sabina, do belíssimo livro de Milan Kundera A
insustentável leveza do ser, e, a partir disto, discute a idéia de confiança e traição.
Para Robert Solomon, confiança fornece sustentação tanto para o bem-estar emocional
quanto para a espiritualidade. Ao argumentar sob esta perspectiva, ele concebe
confiança não somente àquilo que tange à nossa segurança física e à satisfação de
nossas necessidades básicas, mas também à segurança na própria existência e
confiança no lugar que se ocupa no mundo. Para cultivar esta confiança o autor
defende a prática constante do perdão, seja nas ações ínfimas ou nas políticas
governamentais.
No quarto capítulo, intitulado Espiritualidade como racionalidade, a partir da
assertiva de Aristóteles de que “O homem é um animal racional” (p. 136), Solomon
argumenta que a espiritualidade está relacionada à idéia de conhecimento,
independente de sua distinção (comum ou científico). Para ele, razão e espiritualidade
não se opõem, já que elas andaram ao longo da história de mãos dadas. E afirma:
“Espiritualidade não é inocência ignorante”. Ao longo do capítulo, defende o que chama
de “racionalidade relativizadora” (p. 142) e conclui esta seção asseverando que, assim
como não podemos e nem devemos presumir que toda racionalidade é a mesma coisa,
também deveríamos conceber que existem diferentes formas de espiritualidade que
servem em propósitos distintos a diferentes formas de vida humana.
No capítulo que segue, O enfrentamento da tragédia, a análise do autor passa
para investigação daquilo que dá sentido ao sofrimento, pois, em sua concepção, essa
é tarefa da filosofia. E, assim como na tragédia, existiria um sentido no sofrimento. Na
medida em que se atribui sentido ao sofrimento, a espiritualidade consistiria em
fornecer uma perspectiva inspiradora quando a vida não é satisfatória e encontrar
sentido na vida que desanda. Nesta parte, Solomon vale-se daquele que ele chama de
“um dos primeiros existencialistas” (p. 168), o filósofo espanhol Miguel de Unamuno
que, consonante com Kierkegaard, encoraja para um salto de fé, que seja além da
razão. Para o espanhol, o enfrentamento dessa desesperança é em si mesmo o sentido
da vida humana. Nesse sentido, Robert Solomon propõe a responsabilidade pessoal e
a importância do compromisso pessoal. “Que a vida tenha ou não um sentido – seja o
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que for que pensemos que ela significa –, nós fazemos sentido por intermédio de
nossos compromissos.” (p. 169).
A seguir, em Espiritualidade, fado e fatalismo, o autor mostra seu desconforto
com a concepção gestada ao longo de milênios, em várias culturas, de que a
espiritualidade esteve intimamente atrelada ao fatalismo, isto é, à noção de que nossas
vidas não estão sob nosso próprio controle e que tudo que aconteça, em certo sentido,
deveria acontecer. Assim, fatalismo se funde com fado. Para Solomon existe aí um
confronto entre liberdade e responsabilidade e propõe que se dê sentido ao fatalismo,
aquiescendo ao fato de que “não somos nós os únicos autores de nossas vidas ou das
circunstâncias das nossas vidas, e, sem negar o papel do acaso – e da pura sorte (boa
ou má) –, nossos futuros são em sua maior parte estabelecidos antes de nós.” (p. 201)
No sétimo capítulo, Ansiar pela morte, Solomon aposta que a espiritualidade é
aceitar a morte como continuidade da vida, como um fecho que dá a uma vida
individual seu significado narrativo num todo maior, “nossa vida pode estar terminada,
mas a vida prossegue” (p. 230). Relembrando a tese de Heidegger, de que nossa
própria existência é um Ser-para-a-morte, o autor argumenta que não se deve cair na
tentação do “fetichismo da morte” – dar importância demais à morte e recusar-se a vê-
la no contexto maior da vida. Assim, para o autor do livro em questão, a espiritualidade
tem íntima relação com a dimensão social da morte, isto é, importar-se com as pessoas
que nos rodeiam, já que nossa significação está inteiramente envolta em outras
pessoas.
No último capítulo, O self em transformação: self, alma e espírito, Robert C.
Solomon, sugere que a ampliação do self pode ser feita de forma naturalizada, por meio
das várias experiências de amor e da nossa identificação com a natureza. Para o autor,
o foco no self e na alma é central para a espiritualidade, isso porque a busca do self é
uma expressão da nossa busca de sentido e da angústia existencial que caracteriza
nossa necessidade de significado pessoal e de um papel definitivo no mundo. Neste
capítulo ele discute ainda algumas perspectivas asiáticas da mente, do corpo e da
alma.
Por fim, o livro Espiritualidade para céticos: paixão, verdade cósmica e
racionalidade no século XXI é uma leitura agradável. Exige do leitor um razoável
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conhecimento de filosofia e literatura, dada a erudição do autor, erudição esta que não
é em nenhum momento transformada numa linguagem inacessível, por isso cabe
recomendar a leitura a todos que se sintam atraídos pela temática, ainda que me sinta
incomodado por algumas de suas argumentações. No que tange à sua concepção de
espiritualidade, penso que foi confundida com reverência, atitude de respeito diante da
existência, que inegavelmente é uma manifestação da espiritualidade, mas não pode
ser reduzida a tal. Além disto, preocupa-me seu excessivo interesse em racionalizar a
espiritualidade, para assim atribuir-lhe um status superior. Na medida em que critica as
dicotomias existentes, cria outra, a espiritualidade racionalizada (ou naturalizada, como
prefere chamar) e a espiritualidade ingênua (ou irracional, como sugere). Assinto com
Kierkegaard, que insistiu que as crenças centrais do cristianismo (em sentido amplo,
qualquer outra religião) seriam paradoxos e contra-senso literal, mas isso não seria
obstáculo. O que fazia para Kierkegaard uma pessoa espiritualizada era a subjetividade
apaixonada. Seria preciso aderir apaixonadamente a um projeto maior que o indivíduo.
Para outro filósofo, também usado por Solomon, Miguel de Unamuno, a espiritualidade
não estaria no âmbito da racionalidade. É importante dizer ao decidir pela manutenção
dessa distinção, que não se deve depreciar uma em função da outra. Na medida que o
faz, Solomon parece condicionar racionalidade ao ceticismo, como se não fosse
possível exercer a razão fora dos ditames modernos. Espiritualidade e racionalidade
são – a meu ver - instâncias diferentes da condição humana.

REFERÊNCIAS

SOLOMON, Robert C. Espiritualidade para céticos: paixão, verdade cósmica e


racionalidade no século XXI. [Tradução de Maria Luíza X. de A. Borges]. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
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NOTAÇÕES PRELIMINARES SOBRE “O 18 BRUMÁRIO DE LUÍS BONAPARTE” DE


KARL MARX

PRELIMINARIES NOTES ABOUT “THE 18th BRUMAIRE OF LOUIS BONAPARTE”


OF KARL MARX

Autora: Gilcerlândia Pinheiro de Almeida Nunes1

Estas Notas Preliminares de Leitura são uma breve apresentação do livro O 18


Brumário de Luís Bonaparte, procurando fazer uma discussão acerca de alguns
pontos, considerados importantes, na obra de Karl Marx, como: lutas de classes,
materialismo dialético, entre outros. Dessa forma, serão priorizadas as lutas pelo poder
político e econômico em que estiveram envolvidas: a nascente burguesia francesa e as
diversas classes socioeconômicas existentes naquele momento histórico, que
culminaram no inesperado Golpe de Estado que colocou Luis Bonaparte à frente do
governo francês, numa administração ditatorial que herdou o seu nome –
Bonapartismo.
Assim, como outros autores clássicos, Karl Marx juntamente com Friederich
Engles desenvolveram um método próprio para a compreensão da sociedade. Esse
consiste numa análise que leva em consideração a história, mas não somente ela. As
relações materiais de produção têm um lugar central em todas as suas análises, sejam
elas de cunho estrutural ou conjuntural. O método denominado de materialismo
histórico dialético não teve propriamente uma obra que se prestasse a explicá-lo em
seus mínimos detalhes; no entanto, sua aplicabilidade pode ser verificada claramente
no livro O 18 Brumário de Luís Bonaparte”2.
Neste, Marx trabalha toda a conjuntura social, política e econômica da França,
em um determinado período histórico, que vai desde a eleição, que coloca Luís
Bonaparte à frente do Estado francês, até seu Golpe de Estado (de 1848 até 1851).

1
Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte e aluna do Mestrado
em Ciências Sociais do Programa de Pós-Graduação nesta instituição, bolsista do CNPq e orientanda da
Profa Dra. Maria Lúcia Bastos Alves.
2
Escrito entre dezembro de 1851 e março de 1852.
12

Embora este livro, e toda a obra de Karl Marx tenham sido estudados de maneira
contundente aos longo dos anos e se encontrem muitos trabalhos escritos, a partir de
suas idéias e conceitos, é sempre uma aventura relê-los. Muitas vezes significa
redescobrir um fato novo, ou não tão novo assim, mas é que a relevância da
compreensão da sociedade por Marx, naquele momento histórico, é imprescindível para
a história da Sociologia, mesmo que esse autor não estivesse preocupado com a
criação de uma nova ciência. É por isso que, reler ou escrever sobre Marx é uma forma
de não deixar que seus esforços sejam relegados ao esquecimento e, mais que isso,
saber que podem ser utilizados para interpretar o mundo atual, tamanha é a atualidade
da maioria de seus constructos, daí terem se tornado clássicos.
A feitura destas Notas foi estimulada, graças à leitura de várias obras de Marx,
durante a disciplina Teorias Sociais Clássicas, na Pós-Graduação em Ciências Sociais,
– Mestrado e Doutorado, ministrada pelo Prof. Dr. José Willington Germano, na
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em 2008.1, e esta, aqui privilegiada, foi
apresentada em um seminário. Para isso, foram feitas algumas leituras prévias do livro,
em questão e a apresentação do trabalho em aula. Após essa dedicação ao livro, a
organização de um texto que pudesse facilitar o encontro de outras pessoas com a
leitura marxiana se tornou uma responsabilidade clara. Então, como os caros leitores,
que por ventura tiverem curiosidade em conhecer um pouco mais O 18 Brumário de
Luís Bonaparte verão que este texto estará organizado de forma cronológica, tentando
facilitar a compreensão de todos.
Com a perfeita descrição e análise dos acontecimentos revolucionários de todo o
período de 1848 até 1851, O 18 Brumário de Luis Bonaparte trata dos fatos que
desencadeiam o período de ditadura do Estado Bonapartista, 3 quando Luís Bonaparte
assume o poder (através de um golpe) e governa em forma de império. Os leitores
deste livro terão oportunidade de conhecer tanto os episódios como os caminhos
percorridos, algumas vezes, circunstancialmente, outros premeditados, mas que
desembocou num único trilho: o do governo centralizado numa só pessoa.

3
Modelo de Estado instaurado por Luís Bonaparte na França, a partir do golpe de Estado, de 02 de
dezembro de 1851. Esse modelo tomou tamanha abrangência que é possível analisar outros estados
ditatoriais através dele, inclusive, na atualidade.
13

É claro que não se anunciava desde o princípio esse fim, mas quando Marx diz:
“Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem
sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam
diretamente, legadas e transmitidas pelo passado” (2008, p. 2).
Ele nada mais quer dizer que o traçado das circunstâncias faz o presente e, que
mesmo os homens se deparando com condições de existências legadas pelo passado,
ainda assim, eles são os únicos responsáveis pela transformação da sociedade e
mudança de suas condições existenciais. E seja lembrado que, para Marx, o homem
sozinho não e o responsável pela construção de sua história, mas as massas, ou seja,
somente a conjunção de fatores leva a um desfecho histórico-social.
No decorrer do livro, é evidente o valor que é dado à questão das lutas de
classes. Através do antagonismo entre as diferentes classes francesas, do século XIX,
pode-se compreender como se dá o processo histórico. Cada classe a seu modo se
dispunha a lutar pelo poder político como forma de instaurar e consolidar o seu estilo,
modo de vida. A burguesia, por seu lado, encontrava-se em meio a uma busca
desesperada pelo poder político, o qual garantiria como conseqüência a expansão do
poder econômico, e, para isso, faz uso de expedientes diversos e, muitas vezes,
perversos.
A França, numa fase de monarquia absoluta, pré-revolução de 1789,
apresentava um considerável atraso econômico. As precárias condições sociais da
população contrastavam com os gastos excessivos de sua Corte, tanto em luxo quanto
em envolvimento em guerras como: a da Independência dos Estados Unidos (1783) e a
dos Sete Anos (1756-1763). A burguesia em ascensão passa então a questionar a
estrutura do Ancien Régime, pois o Estado francês não respondia mais à realidade
econômica suscitada pelas nascentes forças econômicas e produtivas, que estavam em
gestação naquele contexto histórico e social. Destarte, em 5 de maio de 1789, têm
início os acontecimentos que vão mudar consideravelmente a história da França. A
Revolução Francesa não foi um acontecimento imediato, mas um processo que se
estendeu durante um longo período, no qual forças políticas emergiram daquela
sociedade marcada pela insatisfação, seja a porção da população que vivia no campo
em precárias condições de existência ou a porção urbana da burguesia nascente que
14

pretendia ampliar suas fronteiras comerciais. Mas, não cabe aqui um inventário do
processo revolucionário como um todo, mas apenas uma pequena introdução, para que
se possa dissertar sobre o jogo político e social pelo qual passava a França no período
de 1848 a 1871.
Por esse motivo, a burguesia sentiu-se muito à vontade em apoiar o emergente
general Napoleão Bonaparte para representar seus interesses. Bonaparte assim o fez;
ao chegar ao poder apagou do cenário daquela sociedade as instituições sociais que
por ventura pudessem lembrar o antigo regime e, de alguma maneira, impedir o
desenvolvimento das forças produtivas. Foram, então, criadas todas as condições
favoráveis ao novo modo de produção. O poder ficara então concentrado em mãos de
uma pessoa, mas que governará para uma classe; a burguesia financeira.
Entra em campo (jacobinos-Bourbons) e cidade (girondinos-Orléans),4 o poder
irá se revezar até que os desdobramentos históricos culminem na vitória da eleição de
Luís Bonaparte (sobrinho).
Durante todo este processo poderá ser observada a manipulação das classes
dominantes sobre as outras, seja em regimes monárquicos ou republicanos. A classe
operária, por exemplo, se coloca numa luta armada na Insurreição de Junho5, incitada
pela alta burguesia republicana que almeja o domínio e o conseqüente fim da
aristocracia financeira. O proletariado não possuía uma estratégia política própria, mas
sente-se vencedor de uma briga que não era verdadeiramente sua, e não atenta para
as novas coligações que a sociedade francesa vai formar, às pressas, para livrar-se da
presunção daquele grupo que também queria o poder político sem saber ao certo para
quê.
Por isso, os assim chamados insurretos são massacrados de forma brutal
quando se levantam contra o que já se constituíra em Partido da Ordem 6 e reunia as

4
Legitimistas (Bourbons) e Orleanistas eram duas grandes facções aristocráticas francesas que
representavam respectivamente os grandes latifúndios (campo) e finanças industriais (cidade).
5
Resposta do proletariado de Paris às declarações da Assembléia Nacional sobre as reivindicações
daqueles. Foi “o acontecimento de maior envergadura na história das guerras civis da Europa” (p 6). No
entanto, o proletariado encontrou todas as grandes forças da sociedade unidas contra ele. Foi um grande
massacre na história do proletariado.
6
Formado pela aristocracia financeira, a burguesia industrial, a classe média, a pequena burguesia, o
exército, o lupem-proletariado (organizado em Guarda Móvel), os intelectuais de prestígio, o clero e a
população rural todos unidos contra o proletariado.
15

maiores forças da sociedade francesa. O proletariado é varrido do cenário político e,


com eles, também os republicanos democratas (pequeno-burgueses). Estes passam a
ser vistos como anarquistas, socialistas ou comunistas. Essa ideologia será construída
e disseminada pela classe dominante (alta burguesia republicana) que terá domínio
exclusivo sobre o Estado até a eleição de Bonaparte, que, por sua vez, é visto como um
acerto de contas da burguesia com tendências monárquicas. A vitória de Bonaparte
representava claramente uma esperança tanto dos legitimistas quanto dos orleanistas
de realizar suas pretensões de retorno à monarquia.
Essas duas facções da sociedade francesa que muito tinham em discordância
interna, e isso se dava de forma profunda, porque constava no próprio cerne da
reprodução material de cada uma; estiveram unidas pelo interesse de destruição dos
insurretos e mantiveram-se unidas, pelos seus anseios políticos, conforme reflete Marx.
Poder-se-ia travar uma pequena discussão sobre a própria construção social
daqueles indivíduos, muitos nascidos em meio a uma harmonia simulada (através do
partido da Ordem) e, portanto, feitos sujeitos numa realidade social na qual os
posicionamentos políticos nem sempre condiziam com as intenções reais e profundas.
Sendo assim, as antipatias entre as duas facções (Orlèans e Bourbons) estavam
inscritas nos corpos daqueles que, criados e formados sobre as bases daquelas
condições materiais de existência e relações correspondentes, tinham herdado de seus
antepassados oposições de natureza peculiar. Ambos queriam o retorno da monarquia;
no entanto, se esta fosse restaurada não poderiam as duas facções governar juntas.
Uma certamente suplantaria a outra porque, na essência formadora de cada grupo,
constavam diferenças importantes sobre as próprias condições de existência.
Entretanto, como acaba de ser discutido, a burguesia era extremamente heterogênea e
foi isso que possibilitou que Bonaparte fosse, aos poucos, através de manobras
políticas, enfraquecendo o Estado representativo até destruí-lo por completo e instalar o
Bonapartismo através do golpe de Estado. Os desejos internos desses grupos não
somente divergiam, mas as contradições existentes, muitas vezes, os colocavam em
posição de anulação recíproca de interesses. Isso acabou gerando uma grave crise que
fez com que o partido não conseguisse mais representar a classe a que se propunha e
terminasse por se desintegrar em seus pequenos componentes. E, essa falta de
16

identificação fez nascer no seio da sociedade francesa o desejo por um “governo forte”
(MARX, 2001, p. 38) que pudesse restabelecer a unidade política e não pusesse em
risco a estabilidade econômica da França. Ou seja, o poder político, outrora almejado e
adquirido com tanto esforço, tantas conspirações, fora perdido por incapacidade de
gerir os interesses de forma coerente que agradasse Bourbons e Orlèans na defesa do
capital. A burguesia se despede então do sonho do self-government7 e irá ter um novo
governo centralizado. “A França, portanto, parece então ter escapado do despotismo de
uma classe apenas para cair sob o despotismo de um indivíduo e o que é ainda pior,
sob a autoridade de um indivíduo sem autoridade” (MARX, 2001, p. 53).
A estada de Luís Bonaparte no governo, como imperador, assume um discurso
de tentar representar grupos antagônicos, pensando talvez numa possibilidade de
amortecer os impactos de uma classe sobre a outra. “Bonaparte gostaria de aparecer
como o benfeitor patriarcal de todas as classes. Mas não pode dar a uma classe sem
tirar de outra” (MARX, 2001, p.59). No entanto, era impossível que isso pudesse ser
entendido como democracia. Ora, quando se tratava das diferenças internas da
aristocracia apenas a separação entre campo e cidade causou tanto mal-estar. Como
conseguir abranger a diversidade que era agora a sociedade francesa, depois de um
longo processo de otimização da divisão social do trabalho? Onde as diferenças agora
estavam cada vez mais aparentes. Ou seja, o que Bonaparte queria não passava de
uma quimera de glória nacional. E o Estado francês que ele conseguiu, instituir foi
marcado pelo limite do antagonismo de classes, no qual se colocavam em pontos
extremos o proletariado desamparado e indefeso e a burguesia do capital na outra
margem. Esse Estado, chamado de Moderno parecia pairar sobre a sociedade e
escondia toda podridão de uma realidade miserável para as massas, e luxo e
suntuosidade à classe dominante.
Bonaparte quis aparecer como o protetor dos camponeses, mas aqueles
camponeses conservadores que não apresentavam perigo, e por não possuírem um
sentimento de classe e serem visivelmente desorganizados, necessitavam de um
representante. Por outro lado, a outra parte dos camponeses, tidos como

7
Termo em inglês que significa autogoverno.
17

revolucionários, sofreram diversas represálias durante o período em que Napoleão III


(auto-intitulado) esteve no poder. Muitos foram mortos em confronto direto.
O fato é que o período designado de Segundo Império por Napoleão III foi um
momento de multiplicação dos rapaces, mas, por outro lado, de grande florescimento
da indústria nacional. O Estado forte e centralizado deu ânimo aos investidores e a
prosperidade da burguesia alcançou índices jamais vistos. Isso fez nascer na sociedade
francesa um sentimento de nacionalismo muito forte, denominado chauvinismo 8. Este
mesmo nacionalismo unido a outros fatores sociais e políticos acabou trazendo
decadência ao império Bonapartista anos mais tarde. Esses acontecimentos são
tratados em outra obra do mesmo autor, intitulada de ”Guerra civil em França9”.
O 18 Brumário de Luís Bonaparte é um livro que retrata muito bem a
conjuntura social e política da França no século XX. Nele, Marx trata direta ou
indiretamente de teses importantes do materialismo histórico dialético, como: teoria das
lutas de classes, da revolução proletária, a doutrina do Estado e ditadura do
proletariado. No entanto, o objeto central deste livro é analisar os fatores histórico-
sociais (lutas de classes) que criaram “circunstâncias e condições que possibilitaram a
um personagem medíocre e grotesco desempenhar um papel de herói” (Prefácio de
Marx para a segunda edição), fazendo com que o modelo de Estado experimentado por
Bonaparte tenha se tornado tão forte e sólido a ponto de servir como base de análise
para outros Estados ditatoriais na atualidade.

REFERÊNCIAS

MARX, Karl. O 18 Brumário de Luís Bonaparte. Disponível em:


http://ateus.net/ebooks/geral/marx_o_18_brumario_de_luis_bonaparte.pdf. Acesso em:
08 jul. 2008.

8
O termo deriva do nome de Nicolas Chauvin, soldado do Primeiro Império Francês, que sob comando
de Napoleão Bonaparte demonstrou seu enorme amor por seu país sendo ferido dez vezes em combate,
mas sempre retornando aos campos de batalha. Inicialmente, o vocábulo foi usado para designar
pejorativamente o patriotismo.
9
Esta obra trata dos eventos que marcaram a primeira tentativa de governo proletário com a instauração da Comuna
de Paris em 1871.
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MARX, Karl: Sociologia/organizador (da coletânea)


Otavio Ianni: tradução de Maria Elisa Mascarenhas,
Ione de Andrade e Fausto N. Pelegrini). São Paulo

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