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Rivaldave Paz Torquato , O. Carm *
ABSTRACT: The Jewish feasts characterize the development of the Gospel of John. The evangelist
serves them to clarify the life and ministry of Jesus. This article discusses the presence of feast of
the Tents in this Gospel, and how finds its fullness in Jesus. It accomplishes the goal that proposed
by the gospel.
* Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, doutor em Sagrada
Escritura pela Westfälische Wilhelms-Universität de Münster (WWU) – Alemanha, Pós-Doc.
pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE) de Belo Horizonte e professor do Studium
Theologicum de Curitiba.
1. Introdução
2. As festas judaicas
3.1. A festa
A festa das Tendas (Hag ha-Sukkot)9 é um preceito divino10 e a ordem de 133
Deus é categórica: “Habitareis sete dias em tendas” (Lv 23,42). Sua celebração
começa no dia 15 de Tishri (cf. Lv 23,34.39),11 4 dias após a celebração do Yom
6 Conforme o Êxodo: “Três vezes no ano me celebrarás festa. [...] Três vezes no ano, todo varão
comparecerá perante o Senhor Deus” (Ex 23,14.17). O Deuteronômio especifica um pouco mais:
“Três vezes por ano todo varão deverá comparecer diante do Senhor teu Deus, no lugar que ele
houver escolhido: na festa dos Ázimos [Páscoa], na festa das Semanas [Pentecostes] e na festa das
Tendas” (Dt 16,16).
7 Cf. Ex 23,14-19; 34,18-23; Lv 23; Dt 16,1-17.
8 É o caso da festa da Dedicação (Hanukkah) cf. I Mc 4,59; Ano Novo das Árvores (Tu bi-Shevat);
festa das Sortes (Purim) cf. Est 9,24-26; comemoração da destruição do Templo (9 Av) (cf. A.-C.
AVRIL – D. MAISONNEUVE. Ibid, p. 9).
9 O termo Sukkot é o plural de Sukkah = tenda. A festa é também chamada Hag ha-’Asif (= festa da
colheita cf. Ex 23,16; 34,22) ou simplesmente He-Hag (= a festa, isto é, a festa por excelência, cf.
I Rs 8,2.65; II Cr 7,8; Ez 45,25). Em grego ela é chamada de Skēnopēgía, do termo Skēnē = tenda
+ pēgnymi = erigir, construir, plantar (cf. Hb 8,2), portanto, erigir/armar uma tenda, estabelecer
morada. O termo Sukkah, no contexto da festa das tendas, é traduzido pela LXX com o termo
Skēnē em Lv 23,34.42.42.42.43; Dt 16,13; II Cr 8,13; Esd 3,4; Ne 8,14.15.16.17.17. Fora do contexto
da festa, aparece ainda em Gn 33,17.17.17; Jó 36,29; Sl 27,5; 31,21; 60,8; Is 1,8; Am 9,11; Jn 4,5; etc.
Com o termo Skēnopēgía (= festa das tendas) a LXX traduz o hebraico Hag ha-Sukkot (= festa das
tendas) em Dt 16,16; 31,10; Zc 14,16.18.19. O mesmo termo aparece ainda na LXX para designar
a mesma festa em I Mc 10,21; II Mc 1,9.18; III Esd 5,50 [apócrifo conservado na LXX como I Esd].
No NT, Skēnopēgía designa explicitamente esta festa em Jo 7,2. Cf. ainda Flávio Josefo. Ant. Jud.
13,8.
10 Cf. Lv 23,42-43; Dt 16,13-15.
11 Cf. ainda Nm 29,12; Ez 45,25. É o sétimo mês, compreende a segunda metade de setembro e a
primeira de outubro do nosso calendário. Seria em Israel a passagem do outono para o inverno.
Ocasião em que até mesmo o deserto é florido e colorido aumentando o clima de alegria da
festa.
Kippur.12 A festa dura 7 dias (plenitude) + 1, isto é, encerra no oitavo dia,13 chamado
Shemini ‘Atseret.14 Liturgicamente a festa recebe o nome de Zeman simhatenu (=
tempo de nossa alegria cf. Dt 16,14).15 O Levítico diz: “regozijareis durante sete dias
na presença do Senhor, vosso Deus” (Lv 23,40). E aí está um dos principais traços
da festa: a alegria. Aliás é a festa mais alegre entre os dias festivos bíblicos.16 Ela
era originariamente uma festa agrícola: celebrava a colheita no fim do outono,
ou seja, a última colheita do ano antes do inverno e das chuvas.17 Os indícios
disso aparecem nos textos do Pentateuco.18 Tinha, portanto, um caráter de ação
de graças. Mais tarde deu-se a ela (ou acentuou-se) um sentido mais religioso ao
inserir um evento da história da salvação, a saber, a caminhada pelo deserto por
40 anos após a saída da casa da escravidão do Egito (cf. Lv 23,43). Tempo em que
Israel habitou em tendas provisórias sob a providência de seu Deus.19 Tempo de
sofrimento, instabilidade e fragilidade, mas sobretudo de alegria pela libertação
da escravidão.20 Uma síntese do sentido da festa é feita por Ephraïm:
“Entre as três festas de peregrinação, Sukot é a mais popular. É
134 a festa por excelência, tempo de alegria e exultação espiritual,
quando o ser purificado se reconcilia com Deus e pula de alegria
pela abundância da colheita, frutas e vindima. Ao permanecer
sete dias nas cabanas, ou tendas de onde se podia entrever as
estrelas, Israel comemora alegremente a proteção milagrosa
da majestade divina que o acompanhava durante a marcha
no deserto, após a saída do Egito. Num abrigo precário, com
o inverno a chegar, os filhos de Israel se lembram de sua total
dependência de Deus, que deles fez um povo sacerdotal. A
suká é o símbolo da permanência do povo judeu garantida
pela Providência divina. [...] É também lembrança da travessia
do deserto, onde não há morada permanente, tendo apenas
Deus como guia e protetor. [...] Ao entrar na tenda, o judeu
entra na alegria e reatualiza o tempo em que, no deserto, o
povo fazia a experiência dos milagres e das maravilhas de
Deus. [...] É a festa da libertação do cativeiro, porque Sukot foi
o nome dado ao primeiro acampamento dos hebreus depois
3.2. A celebração
A celebração23 começa com a confecção da tenda.24 O material para isso
é descrito em Neemias.25 Não só recorda o deserto, serve para lembrar também
que estamos de passagem e a única proteção segura é o Senhor (cf. Hb 11,13-16).
Outro elemento importante e vinculado à tenda é a confecção do ramalhete
ou rito do lulav,26 conhecido como o feixe das quatro espécies (’arba’at ha-minim)
de plantas. Três delas vão juntas no feixe: lulav (palmeira), hadassah (mirto ou
murta ou mirra) e ’aravah (salgueiro). Uma quarta é levada separada: o ethrog 135
(cidra de cidreira ou outra fruta cítrica).27 O feixe é sinal da unidade na diversidade
dos filhos de Israel. Uma explicação simbólica proveniente da antiga pregação
rabínica atribui a cada ramo uma espécie de filho de Israel que juntos formam o
inteiro povo:
“Assim como o ethrog tem sabor e perfume, também em
Israel há pessoas que têm saber e praticam boas ações
simultaneamente. Assim como o lulav tem sabor mas não
tem perfume, também em Israel há pessoas que têm saber
mas não praticam boas ações. Assim como o hadassah tem
21 Cf. Jesus. Um judeu praticante, pp. 368-90.
22 Cf. R. VICENT. La festa ebraica delle capanne, p. 217.
23 Não se trata aqui de reproduzir o inteiro ritual da festa em seus pormenores, mas de destacar os
elementos que permitam ver a presença da festa no IV Evangelho. Este é nosso foco.
24 A tenda, biblicamente deveria ser habitável, pois segundo o preceito o israelita deveria habitar
nela por 7 dias (cf. Lv 23,42-43; Os 12,10). A prática moderna, todavia, é outra coisa.
25 Segundo ele, os chefes de família, os sacerdotes e os levitas juntamente com o escriba Esdras:
“Encontraram escrito, na Lei que o Senhor havia prescrito por intermédio de Moisés, que os filhos
de Israel deveriam morar em tendas durante a festa do sétimo mês e anunciar e mandar publicar
em todas as suas cidades e em Jerusalém: ‘Ide à região montanhosa e trazei ramos de oliveira,
pinheiro, murta, palmeira e de outras árvores frondosas, para fazer tendas, como está prescrito’” (Ne
8,14-15). Estes ramos são citados em Lv 23,40, mas não se especifica que seja para a confecção
da tenda.
26 O Lulav é a folha maior da palmeira que dá, por sua vez, o nome ao inteiro feixe de ramos.
27 Os ramos devem remontar à festa de ação de graças pelas colheitas do outono e eram usados
em procissão ao redor do altar do templo de Jerusalém antes de sua destruição e depois em
torno do púlpito na sinagoga (cf. J. J. PETUCHOWSKI. Ibid, p. 55). Quanto à ação de graças pela
colheita cf. ainda J. HANNOVER. Ibid, p. 57.
perfume mas não tem sabor, também em Israel há pessoas
que praticam boas ações mas não têm saber. Assim como o
salgueiro não tem perfume nem sabor, também em Israel há
pessoas que nem têm saber nem praticam boas ações. Que
faz então o Santo, bendito seja? Ele diz: Ata-os todos em um
feixe, expiarão uns pelos outros” (cf. Wayyiqra Rabba 30).28
No tempo dos Macabeus já se sugere uma procissão com estes ramos (cf. II
Mc 10,6-7).
Um terceiro elemento relevante da festa são as leituras bíblicas. Além da
leitura dos preceitos da festa na Torá, a haftará (leitura profética) do primeiro dia é
Zc 14 (b Meg 31a). O profeta volta-se para o futuro, quando as nações subirão para
adorar o Rei-Senhor e para celebrar a festa das Tendas.
“Acontecerá que todos os sobreviventes de todas as nações
que marcharam contra Jerusalém subirão, ano após ano, para
prostrar-se diante do rei Senhor dos Exércitos e para celebrar
a festa das Tendas. E acontecerá que aquele das famílias da
136 terra que não subir a Jerusalém para prostrar-se diante do rei,
Senhor dos Exércitos, para ele não haverá chuva. E se a família
do Egito não subir e não vier, haverá contra ela a praga para
as nações que não subirem para celebrar a festa das Tendas. Tal
será o castigo do Egito e o castigo de todas as nações que não
subirem para celebrar a festa das Tendas” (Zc 14,16-19).
28 Texto citado por J. J. PETUCHOWSKI. Ibid, pp. 56-7 e A.-C. AVRIL – D. MAISONNEUVE. Ibid, p.
67. Estes últimos oferecem outras explicações simbólicas: As 4 plantas podem significar os 4
patriarcas (Abraão, Isaac, Jacó e José) ou as 4 matriarcas (Sara, Rebeca, Raquel e Lia). Eles e elas
são fundamentos, pilares do povo que sustentam sua história (Ibid). Segundo o Midraxe Raba
de Lv 30, as 4 espécies podem significar ainda o corpo humano (palma = ossos, ou melhor, como
ramo central do lulav = a coluna vertebral; cidra = coração; mirto = olho; salgueiro = boca). Assim
todas as partes do nosso corpo têm um significado no serviço de Deus (citado por J. HANNOVER.
Ibid, p. 61 ou EPHRAÏM. Ibid, pp. 275-6).
29 Cf. A.-C. AVRIL – D. MAISONNEUVE. Ibid, pp. 68-9.
30 A expressão vem do Sl 118,25a: ’ānnāh Yhwh hōshi’ā-nā’ = “Ah! Senhor, dá-nos a salvação!”. Daí
vem nosso hosana na aclamação do Santo na conclusão do prefácio eucarístico.
chuva fecunda que faz renascer a vida (no oitavo dia). A relação da festa com a
chuva é feito pelo profeta Zacarias, como vimos acima.
A libação da água e a luz. A partir da segunda noite, se buscava água na
fonte de Siloé e transportavam em procissão para fazer libações no altar do
templo. Esta libação tinha por base o texto de Isaías: “Com alegria tirareis água
das fontes da salvação. Erguei alegres gritos, exultai, ó habitantes de Sião, porque
grande é o Santo de Israel no meio de ti” (Is 12,3.6).31 E também Ez 47,1-2. A água era
o símbolo do Espírito que tudo fecunda e renova (cf. Is 32,15-18). A procissão era
acentuadamente festiva e luminosa.32
O oitavo dia (Shemini ‘Atseret) 33 é o encerramento, o último dia, dia de
grande solenidade (cf. Nm 29,35). É também – como já foi dito – o dia da prece da
chuva. O oitavo dia é parte da festa, mas ao mesmo tempo tem autonomia como
se fosse uma própria festa.34 O dia tornou-se a festa da alegria da Torá (Simchat
Torá).35 É uma festa especial onde se exprime a alegria e o amor pelo dom da Lei.36
A festa abre-se para o mundo que há de vir, o ser humano almeja e abre-se para a
felicidade em sua plenitude. 137
Foi ainda no oitavo dia da festa que Salomão fez a Dedicação do primeiro
Templo (cf. I Rs 8,2.63-66). Após o retorno do exílio, ainda nesta festa se restaurou
o altar do Templo (cf. Esd 3,1-4), destruído pelos babilônicos.
31 Cf. F. RIENECKER (ed.). Art. Laubhüttenfest: Lexikon Zur Bibel (1961) 829.
32 Segundo A.-C. AVRIL – D. MAISONNEUVE: “No Templo, no recinto das mulheres, acendiam-se
candelabros que iluminavam toda Jerusalém” (cf. Ibid, p. 75). Sobre isso veja ainda: F. RIENECKER.
Ibid, 830; J. J. PETUCHOWSKI. Ibid, pp. 57-9; R. SCHNACKENBURG. Ibid, p. 240. A Mishnah Sukkah
5,1.3 diz numa referência à festa: “Não havia em Jerusalém uma única praça que não fosse
iluminada pela luz da casa da fonte”. Segundo J. KONINGS era “um espetáculo de água e luz” (cf.
O Evangelho segundo João, p. 172).
33 ‘Atseret significa também reunião, reter, deter-se e esperar. Os sábios justificavam a solenidade
deste oitavo dia – este reter, deter-se ou esperar – com a seguinte narrativa: “Deus é como um
rei que convidou todos os seus filhos para uma festa de um determinado número de dias. Ao
chegar o dia da despedida, ele lhes diz: ‘Meus filhos, quero perdir-lhes algo: fiquem mais um dia,
é-me difícil separar-me de vocês” (cf. J. HANNOVER. Gelebter Glaube, p. 62).
34 Cf. A.-C. AVRIL – D. MAISONNEUVE. Ibid, pp. 79-84. Veja ainda Mishnah Sukkah 4,9; 5,1-4.
Lembramos que fora de Israel são dois dias.
35 Conclui-se o ciclo litúrgico da leitura da Torá com a leitura do último texto do Deuteronômio e
se retoma o ciclo com o primeiro texto do Gênesis (cf. J. HANNOVER. Ibid, pp. 62-3).
36 Neste dia já não se usa o lulav ou ethrog, nem bênção referida a Sukkot e nem se come mais
dentro da tenda. É um dia exclusivo para a alegria da Torá. Realiza-se, porém, o Hakkafot, isto é,
procissões dos membros da comunidade com os rolos da Torá (Sifrei Torá) ao redor do púlpito
(Bimah) no meio da sinagoga na liturgia matutina e vespertina. Em algumas comunidades
formam-se um círculo na sinagoga com danças entre uma procissão e outra além de muitos
cânticos (cf. J. HANNOVER. Ibid, p. 63). Dança-se com a Torá como se ela fosse a noiva, abraçam-
na com a ternura e paixão com que se tem com a amada, com uma intimidade como se só
existissem os dois. Assim se exprime o amor da Aliança que une Israel e a Torá para sempre: um
matrimônio perfeito (cf. A. C. COELHO. Ibid, pp. 87-8).
Em síntese, os elementos que emergem desta festa são: a confecção da
tenda e habitação nela, o lulav (a procissão com os ramos), a leitura de Zc 14 e o
Hallel com o hoshiana, a tríade água-Siloé-luz, a chegada do messias (a chegada
esperada do tempo salvífico) e a alegria.
Enfim, a festa das Tendas é certamente a festa mais popular e viva entre
os judeus ainda hoje. Flávio Josefo a define como “a mais santa e maior festa dos
hebreus” (cf. Ant. VIII, 4,1).
12,10, 16,2; 18,31. Soma-se a isto o verbo prender (piazō). João o usa 8x sendo 4x nestes dois
capítulos aplicados a Jesus (7,30.32.44; 8,20). Além disso, uma tentativa de apedrejamento
(8,59). Isto revela a tensão que vai ocupando o espaço da alegria da festa.
41 Cf. ainda vv. 28.35; 8,2.20; 18,20.
42 Ensinou uma outra vez, mas na sinagoga de Cafarnaum (6,59). Tratava-se do ensino da Lei
“reservado aos escribas e doutores, porque ninguém podia exercer esta função sem ter sido
discípulo numa escola que lhe houvesse transmitido” (cf. X. LÉON-DUFOUR. Leitura do Evangelho
segundo João, p. 158). É o caso de Paulo (cf. At 22,3). Por isso o espanto dos ouvintes no v. 15.
Mas João reserva esta atividade apenas para Jesus, para o Pai (8,28) e para o Espírito (14,26). Uma
exceção ocorre numa pergunta retórica dos judeus dirigida ao cego (9,34).
43 Cf. S. SCHULZ. Das Evangelium nach Johannes, p. 121; R. SCHNACKENBURG. El Evangelio según
San Juan, p. 214. Mas J. MATEOS – J. BARRETO entendem que a expressão “no último dia” tenha
um duplo sentido, a saber, cronológico e teológico. O sentido teológico é dado pelo autor no v.
39 referindo-se ao futuro: a água será dada na manifestação da glória, isto é, na morte (19,34)
e será o dia mais solene da festa, porque nele se inaugurará o novo santuário (2,21) onde se
manifestará a glória de Deus (cf. 17,1) (cf. O Evangelho de São João, pp. 372-3).
44 Há uma discussão na exegese se o manancial de água viva é o crente ou Jesus. Alguns entendem
– numa analogia incerta com o texto da mulher samaritana (4,14) – que a água doada por Jesus
jorra no crente, ele é a fonte (cf. Pr 18,4; 20,5; Is 58,11). A maioria dos estudiosos, porém, entende
que o texto faça referência a Jesus como a fonte da qual bebe os crentes, isto é, recebem dele
o dom do Espírito (cf. v. 39). O critério que prevalece é o contexto. Sobre a questão veja, por
exemplo, R. SCHNACKENBURG. Ibid, pp. 214-7; J. KONINGS. Ibid, p. 178; X. LÉON-DUFOUR.
Ibid, pp. 169-71. Quanto ao texto enquanto citação escriturística exata não aparece em lugar
nenhum, embora muitas passagens se aproximem da mesma – como: Ex 17,6; Is 12,3; 43,19-20;
44,3; 55,1-2; 58,11; Zc 14,8; Jr 2,13; 17,13; Pr 18,4. Talvez resulte de um midrash (Ibid). De qualquer
modo, a libação é o único aspecto de Sukkot que João interpreta recorrendo à Escritura (cf. R.
VICENT. Ibid, p. 218). Sobre estas questões veja ainda L. DEVILLERS. A Saga de Siloé, pp. 69-76.
Esta proclamação de Jesus ocupa o auge da festa. Ele doa, como Messias, a
água da vida, a água verdadeira.45 A promessa ou oferta é universal: “se alguém tem
sede”, “aquele que crê”, ou seja não se restringe aos judeus. João interpreta a água
como o Espírito Santo que receberão aqueles que creem em Jesus por ocasião de
sua glória (v. 39; cf. Jl 2,28; Ez 39,29). Mesmo a Sinagoga já interpretava a libação
da água como o recebimento do Espírito e início do tempo salvífico messiânico.
Assim Jesus coloca um fim escatológico ao culto judaico.46 Ele faz uma revelação
pública – como se lhe exigiam (7,4), manifesta a sua identidade. Portanto, a “água
viva que sai de Jerusalém” (cf. Zc 14,8) é equiparada ao dom do Espírito que seria
derramado (cf. Ez 39,29) e ambos saem agora do próprio Jesus para aquele que
crê (cf. Jo 7,37-39). O messias e a salvação esperado por ocasião da festa já está
presente nele e a práxis do dom da água de Sukkot está superada.47
O evangelista, partindo da festa e particularmente do elemento da libação
do altar, focaliza nesta manifestação pública o aspecto do beber (cf. Ex 17,6) e
se amplia: fontes, rios que partem de Jerusalém (cf. Ez 47,1-2; Zc 13,1; 14,8), isto
140 é, a dimensão da abundância. Desta forma entre a menção da festa (v. 2) e a
manifestação pública (v. 37-38) emoldura o sentido da pessoa e missão de Jesus.
45 Ele é rocha da qual mana água (Sl 78,16), é a fonte aberta de Jerusalém (Zc 13,1) que sai água viva
(Zc 14,8). Do mesmo contexto deste profeta (Zc 12,10) estabelece-se um vínculo com Jo 19,33-
34.37, isto é, a água viva vem do lado traspassado do Cristo.
46 Cf. S. SCHULZ. Ibid, p. 121.
47 Cf. S. BERGLER. “Jesus, Bar Kochba und das messianische Laubhüttenfest”, pp. 169-70.
Este autor ainda acrescenta: “Para ele [João] o próprio Jesus substitui Sukkot e em
geral torna o culto do templo supérfluo pelo fato que ele liga o dom da água viva à sua
pessoa, fala do templo do seu corpo (2,21), ou seja, pela promessa do Espírito dá por
extinta a peregrinação para Jerusalém” (Ibid, p. 174), tradução nossa.
48 Cf. Ibid, p. 187.
49 Cf. 1,9; 3,19; 12,46.
J. Beutler fala da história da adúltera (Jo 7,53-8,11) como uma interpolação
no texto joanino. Em seguida comenta:
“Não é totalmente claro a que situação pertence o discurso
subsequente de Jesus, que começa em 8,12 e que, através
de diversas interlocuções, se prolonga até 8,59. Quando
se considera que a história da adúltera foi acrescentada
ao Evangelho segundo João, o discurso de 8,12 seria a
continuação daquele que começou em 7,37s. Pertenceria
então ao discurso de Jesus no último dia da festa das Tendas.
O fato de Jesus, em 8,12 usar o simbolismo da luz corrobora
a impressão de que o discurso pertence à festa das Tendas”.50
67 Cf. J. KONINGS. Ibid, p. 238. Enquanto R. SCHNACKENBURG fala de “uma liturgia de ação de
graças que um coro de peregrinos cantava ao entrar no templo” (Ibid, p. 464).
68 Para S. SCHULZ a frase era originariamente pensada para o rei político de Israel, libertador do
povo do jugo do domínio estrangeiro, que estabeleceria Israel em seu messiânico-escatológico
domínio mundial. Mas aqui – corrigido pela perspectiva de Zc 9,9 – deixa-se fora a idéia de um
rei político-ativo. Apresenta-se um príncipe da paz que eliminará as guerras e estabelecerá um
reino messiânico de paz (cf. Ibid, p. 165).
69 Cf. F. PORSCH. Ibid, p. 130.
70 Hanukkah da raiz hanak = dedicar, consagrar.
71 Sobre esta festa: A.-C. AVRIL – D. MAISONNEUVE. Ibid, pp. 141-3; J. HANNOVER. Ibid, pp. 80-8; J. J.
PETUCHOWSKI. Ibid, pp. 107-21; A. C. COELHO. Ibid, pp. 107-15.
da festa das Tendas.72 Todavia, a festa da Dedicação é uma festa autônoma.
Embora parece claro que João não esteja preocupado com a coerência literária,
cronológica ou ritual das festas, quer antes mostrar que elas atingem suas metas
em Jesus.
72 Para X. LÉON-DUFOUR, trata-se de uma única festa, as Tendas, da qual a festa da Dedicação é
uma espécie de desdobramento (cf. Leitura do Evangelho segundo João I, p. 34).
73 Cf. J.-A. BÜHNER. Art. Skēnoō, 1431-2; Art. Skēnē. Ibid, 1426-9. No NT, o verbo skēnoō
aparece ainda no Ap 7,15; 12,12; 13,6; 21,3.
74 A sabedoria também arma sua tenda. Em seguida atribui esta ação a seu criador (cf. Eclo
24,3.8.10). Em João estamos diante da sabedoria incriada. Esta realiza o que aquela prefigurava
através de sua própria carne.
75 Armar a tenda, segundo EPHRAÏM, explica a primeira parte da frase “o Verbo se fez carne” (cf. Ibid,
p. 370).
76 Cf. ainda Ex 27,21; 28,43; 29,4.10.11; Nm 7,89; 17,19; II Sm 7,6; etc..
“A nuvem cobriu a Tenda da Reunião e a glória do Senhor
encheu a Habitação. Moisés não pôde entrar na Tenda da
Reunião porque a nuvem permanecia sobre ela, e a glória do
Senhor enchia a Habitação” (Ex 40,34-35).
O hebraico usa aqui para tenda o termo ’ōhæl (e não sukkah) e para habi-
tação (ou para tabernáculo) o termo miškān (da raiz škn = habitar, acampar). A
LXX, porém, traduz os dois termos com a mesma palavra skēnē = tenda. Da raiz
hebraica škn vem o termo rabínico shekiná = morada, presença. Na tenda, na ha-
bitação, Deus manifesta a sua presença, a sua glória, acompanhando o povo em
sua marcha pelo deserto. Ora, João tem isso presente quando acrescenta: “vimos
a sua glória”. Não está mais vinculada a um lugar, mas a uma pessoa.77 É um novo
modo de manifestar-se.
Esta Tenda do Encontro no deserto vai dar lugar ao templo em Jerusalém.78
Agora, como se exprimem J. Mateos e J. Barreto:
“Aquela presença de Deus é substituída por esta: a tenda de
146 Deus, o lugar onde ele habita no meio dos homens, é um
homem, uma ‘carne’. [...] A alusão à nova tenda anuncia já a
substituição do templo. O corpo de Jesus, sua humanidade,
será o novo santuário (2,19.21)”.79
Em Jesus todos podem ver Deus face a face80 como outrora podia Moisés na
Tenda (cf. Ex 33,11). A festa está superada, isto é, alcançou sua plena realização.
Ora, o prólogo do evangelho oferece a chave para entender a perspectiva da festa
na obra.
5. Conclusão
Diante disso e considerando que a festa das Tendas era e é a festa da alegria
por excelência, resta a pergunta: onde está o transbordar de alegria de nossas
liturgias e de nossa vida cristã?
O Papa Francisco percebe que está faltando alegria, tanto é que na Exortação
Apostólica Evangelii gaudium afirma: “Há cristãos que parecem ter escolhido viver
uma Quaresma sem Páscoa” (EG 6). E na mesma Exortação diz: “Um evangelizador
não deveria ter constantemente uma cara de funeral”. Em seguida faz o apelo:
“Recuperemos e aumentemos o fervor de espírito, «a suave e reconfortante
alegria de evangelizar, mesmo quando for preciso semear com lágrimas! (...) E que
o mundo do nosso tempo, que procura ora na angústia ora com esperança, possa
receber a Boa Nova dos lábios, não de evangelizadores tristes e desacorçoados,
impacientes ou ansiosos, mas sim de ministros do Evangelho cuja vida irradie
fervor, pois foram quem recebeu primeiro em si a alegria de Cristo».” (EG 10). Oxalá
81 Conforme L. DEVILLERS: “Com uma simbologia toda própria, a festa das Tendas representa para
João o momento oportuno para revelar pouco a pouco a identidade profunda de Jesus, Messias
enviado pelo Pai. [...] a festa consistirá para ele [Jesus] na oportunidade de fazer sua afirmações
mais incisivas. É aqui, com efeito, que ele proclama do modo mais solene o famoso ‘Eu, eu sou’
(Jo 8,24.28.58; ver também 13,19). É aqui também que ele se apresenta como a Fonte de ‘água
viva’ (Jo 7,37-38) e ‘a Luz do mundo’ (Jo 8,12; 9,5). E, por fim, é aqui que ele enfatiza sua condição
de enviado do Pai” (cf. Ibid, pp. 43.47-48).
82 Cf. Comentário ao Evangelho de São João, pp. 24.25.
que a mensagem da Festa das Tendas ajude os cristãos a redescobrirem a Alegria
do Evangelho e adicionem mais alegria nas celebrações e na vida, como sugere
o Papa.
Por outro lado, a sukkah lembra-nos ainda que não temos aqui morada
permanente, somos “estrangeiros e peregrinos nesta terra... à procura de uma pátria”
(Hb 11,13b.14b) que há de vir. A sukkah é apenas a primeira tenda (Hb 9,2-3; II Pd
1,13).
6. Bibliografia