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AUGUSTO DE CAMPOS

parte 2

Armando Sérgio dos Prazeres Augusto de Campos


Affonso Ávila Daniel Scandurra Inez Zhou
Rodolfo Mata
GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO
Geraldo Alckmin | Governador
Romildo Campello | Secretário de Estado da Cultura
Regina Célia Pousa Ponte | Coordenadora da Unidade de Preservação
do Patrimônio Museológico

POIESIS
INSTITUTO DE APOIO À CULTURA, À LÍNGUA E À LITERATURA
Clovis Carvalho | Diretor Executivo
Plinio Corrêa | Diretor Administrativo
Maria Izabel Casanovas | Assessora da Direção Executiva
Ivanei da Silva | Museólogo
Giany Blanco | Design
Davi de Sousa | Diagramação

CASA DAS ROSAS


ESPAÇO HAROLDO DE CAMPOS DE POESIA E LITERATURA
Marcelo Tápia | Diretor
AUGUSTO DE CAMPOS
parte 2
CIRCULADÔ
Revista de Estética e Literatura do Centro de Referência Haroldo de
Campos – Casa das Rosas
ISSN - 2446-6255
Diretor | Marcelo Tápia
Editor | Julio Mendonça
Assistente | Caio Nunes
Comissão Editorial: Aurora Bernardini, Claus Clüver, Gonzalo
Aguilar, Horácio Costa, Jerusa Pires Ferreira, Leda Tenório da Motta,
Lucia Santaella, Luiz Costa Lima, Márcio Seligmann-Silva, Nelson
Ascher, Susanna Kampff Lages
Design gráfico | Giany Blanco
Diagramação | Davi de Sousa
Revisão | Centro de Referência Haroldo de Campos

Revista CIRCULADÔ – Ano V – Nº 8 – junho 2018


Risco Editorial
Edição anterior: Revista Circuladô Ano V – Nº 7 – dezembro 2017
São Paulo – Poiesis / Casa das Rosas

A revista CIRCULADÔ é publicada em frequência semestral.

A revista CIRCULADÔ aceita, para publicação, apenas artigos ainda inéditos em


língua portuguesa e inglesa.
A extensão dos artigos pode variar de acordo com o tema abordado, sendo que a
Redação se reserva o direito de propor cortes ou sugerir ampliações.
As notas devem ser reduzidas ao mínimo e colocadas no final do texto. Os autores
devem fornecer informações biobibliográficas, até 400 caracteres (com espaços).
sumário

DOSSIÊ: AUGUSTO DE CAMPOS – PARTE 2

8
9 A palavra-valise de Augusto de Campos – artigo de Inez Zhou
26 Augusto de Campos: Outro – artigo de Rodolfo Mata
41 Novos índices para Música de Invenção
– pesquisa de Daniel Scandurra

62 63
INVENÇÃO
Contrapoemas – Augusto de Campos

68
ARTIGOS/ENSAIOS
69 Dados os dados: Mallarmé Verne – ensaio de Augusto de Campos
87 Possível leitura do fragmento galático multitudinous seas –

95
ensaio de Armando Sérgio dos Prazeres

GALÁXIA HAROLDO
96 Depoimento de Affonso Ávila

98 SOBRE OS AUTORES
JE EST UN AUTRE: AD AUGUSTUM

irmão
neste re / verso do ego
te vejo
mais plus que mim
plusquamfuturo poetamenos
mais
e no trobar clus
desse nó de nós
a poesia
sister incestuosa
prima pura impura
em que
siamesmos
uni-
somos
outro

Haroldo de Campos
editorial

Nesta edição de Circuladô, apresentamos a segunda parte


do dossiê dedicado ao poeta, tradutor e ensaísta Augusto
de Campos. Inez Zhou estuda as palavras-valise na obra
de Augusto; Rodolfo Mata resenha seu mais recente livro
de poemas: Outro; e Daniel Scandurra apresenta pesqui-
sa e divulga um valioso índice de composições musicais
mencionadas no livro Música de Invenção. Augusto enviou
quatro poemas da série Contrapoemas e, para a seção de
artigos e ensaios, o texto completo de “Dados os dados:
Mallarmé Verne”, ensaio que havia sido publicado anterior-
mente em versão reduzida. Completa esta seção um ensaio
de Armando Sérgio dos Prazeres sobre um dos fragmentos
de Galáxias, de Haroldo de Campos. Para fechar a edição,
um depoimento de Affonso Ávila sobre Haroldo.

7
DOSSIÊ
AUGUSTO DE CAMPOS
PARTE 2

8
A PALAVRA-VALISE DE
AUGUSTO DE CAMPOS
Inez Zhou*

9
No início do seu primeiro livro so- da formação da palavra, também destaca as
bre teoria do cinema, ao explicar o uso da características aural e visual dos morfemas
técnica de montagem, Sergei Eisenstein e letras envolvidos. Neste sentido, a forma
imediatamente faz uso do fenômeno das concreta da própria palavra-valise também
palavras-valise como um exemplo linguís- poderia atrair o olhar do mesmo modo que
tico analógico que evidencia o pensamento um trabalho de colagem.
sintético próprio da mente humana (The
Film Sense 5–7). O famoso exemplo lexical Moimeichego: um modernismo canibal
“frumioso” (frumious), de Lewis Carroll, o
pai das “palavras-valise”,1 ilustra a expres- Tanto a montagem de Eisenstein
são naturalmente engraçada que ocorre quanto a tradição literária da criação da
quando a mente tenta expressar tanto a palavra-valise foram absorvidas na pro-
ideia de “fumegante” (fuming) quanto de posta básica da poesia concreta, cujo sen-
“furioso” (furious). Algumas outras pala- tido reside na interação do som, estrutura,
vras-valise em circunstâncias reais também e significação verbal da linguagem, uma
são citadas, tais como “Cleptoromênia”, síntese verbivocovisual de escrita poéti-
“Carthaginoiserie” e “ferialcoólico,” analisa- ca como a descrita em 1958 no “Plano-
dos por Freud em O Chiste e Sua Relação Piloto para Poesia Concreta” de Augusto
com o Inconsciente. Mostrando o quão uni- de Campos, Haroldo de Campos, e Décio
versal este fenômeno é, o que Eisenstein Pignatari. Além disto, enquanto Eisenstein
realmente pretende justificar é o método tinha discutido montagem cinematográfi-
cinematográfico ainda não totalmente acei- ca com relação aos ideogramas japonês e
to no cinema soviético da época: a justapo- chinês,2 foram os concretistas, trabalhan-
sição de duas sequências fílmicas, a partir do com um espirito eisensteiniano, que
da qual um novo conceito poderia ser cria- primeiramente tentaram de forma cons-
do na mente dos espectadores. ciente olhar para a formação das pala-
Suficientemente intrigante, para vras-valise com um olhar ideogrâmico, em
esta inovação cinematográfica que se tor- seu método mútuo de justapor duas ou
nou uma fonte tão inspiradora para as re- mais imagens dentro de uma palavra. Um
voluções literária e artística posteriores, no exemplo clássico, citado por Pignatari em
desenvolvimento teórico da mais sintética seu “Poesia Concreta: Organização” (TPC
forma de arte o cineasta recorre a uma com- 86), é a palavra em inglês “silvamoonlake”
paração da forma linguística mais simples. em Finnegans Wake de James Joyce, uma
Ao mesmo tempo, na sinestesia instintiva obra-prima na qual “será encontrada a
de misturar o som e o significado de duas mais ampla manipulação de palavras-va-
ou mais palavras, a palavra-valise é intrin- lise”, conforme comentário de Eisenstein
secamente uma interfusão rica dos aspec- (The Film Sense 6). Dentro da palavra, as
tos semântico e aural da língua, que, con- imagens da floresta (a palavra latina “sil-
sequentemente, também cede a uma forma va”), da lua (moon) e do lago (lake) são
escrita composta. A associação visual de vistas ao mesmo tempo, formando juntos
palavras diferentes junta-se ao jogo integral uma minúscula paisagem. Entretanto, “sil-
da montagem lingüística em muitas pala- va” também assemelha-se a palavra em
vras-valise inventadas por engenhosidade. inglês “silver” (prata) que é a cor do luar,
A mistura não apenas fornece uma chance e a palavra “lake” pode ser foneticamente
para a criação de um novo conceito; através associada ao sufixo “-like.” Extrapolando a

10
palavra joyceana, Pignatari combina tra- Os precursores brasileiros dos con-
dições múltiplas para trabalhar com sua cretistas podem ser rastreados, ao menos,
ideia de “organização” poética, que, na até a primeira geração de modernistas da-
síntese deAntonio Sergio Bessa, é “um tada de 1922, marcada pela Semana de
composto que pode incluir palavras-vali- Arte Moderna, em São Paulo. Introduzindo
se (Carroll e Joyce) organizadas de acordo os movimentos modernistas europeus
com os princípios ideogrâmicos (Pound, (Cubismo, Expressionismo, Futurismo,
Ernest Fenollosa), emendadas, como em Surrealismo, etc.) para se contrapor às
um filme (Eisenstein)”. ideias literárias tradicionais no país, estes
Além dos exemplos acima, outros pre- poetas e artistas, a maioria recém-retor-
cursores da arte sintética são mencionados nada da Europa, estavam muito engaja-
no “Plano Piloto,” um manifesto que cons- dos em procurar uma identidade brasileira
cientemente traça a genealogia multilinear peculiar, assim como muitos outros mo-
da atividade poética dos concretistas. Não dernistas nacionalistas. Com este propósi-
se trata apenas de reconhecer a tradição to, o Manifesto Antropófago de Oswald de
poética da experimentação visual nos tem- Andrade, publicado em 1928, logo tornou-
pos modernos, de Mallarmé, Apollinaire, -se o texto fundamental que declara tan-
Cummings, ao Futurismo e Dadaismo. to a autoctonia cultural quanto o consumo
Particularmente interessado na correspon- de outras culturas através da metáfora do
dência entre a pintura e a música, a poesia canibalismo. Mais adiante, os concretistas
concreta presta muita atenção à música se- tomariam este legado da antropofagia para
rial de Webern, Boulez e Stockhausen, na discutir a dinâmica entre as culturas na-
qual “intervém o espaço” (de Campos, H. cional (latino-americana) e universal (eu-
218); assim como as pinturas de Mondrian ropeia), e a possibilidade de literatura de
(especialmente a série Boogie-Woogie), vanguarda em um país subdesenvolvido.4
Max Bill, e Josef Albers, onde “intervém o O manifesto de Oswald de Andrade, ainda
tempo” (Ibid.). A linhagem inclusiva que os de um tom futurista, é ele próprio um tex-
concretistas brasileiros desenharam inicial- to devorador que inclui e mistura nomes
mente, junto com suas práticas produtivas transnacionais, frases em latim, palavras
durante a década de 1950, fornece um dos em inglês e tupi – a língua nativa – , for-
primeiros – o mais teoricamente consciente mando uma representação da coexistência
– e talvez o mais influente texto literário, cultural na sociedade brasileira. O slogan
no campo da poesia experimental-visual, “Tupi or not Tupi, that is the question” no
que logo prosperou no mundo todo, na dé- manifesto dirige-se fortemente à questão
cada seguinte.3 da identidade nacional em uma apropria-
A poesia concreta tornou-se uma das ção nativa da questão universal shakespe-
mais conhecidas contribuições brasileiras à li- ariana. Ao mesmo tempo, a língua indíge-
teratura contemporânea mundial e não é por na atraía e fascinava os literatos brasileiros
acaso que esta prática poética foi lançada no como uma língua surreal ancestral ainda
Brasil. De um ponto de vista panorâmico dos existente em sua realidade cotidiana, que
movimentos modernistas brasileiros, tanto por um lado é uma cultura enigmática a ser
as características manifestas de sua síntese explorada e absorvida, e por outro lado sua
cultural quanto sua ênfase na língua falada própria identidade distintiva a digerir as
são análogas à formação lingüística confor- outras. A autoconsciência do poeta desta
me exemplificado na palavra-valise. identidade peculiar talvez seja melhor sim-

11
bolizada no nome quase-palavra-valise do Poemúsica: a palavra corpórea
personagem Moimeichego, um vaqueiro na
mais autêntica e imaginária terra brasilei- O termo “Poesia Concreta” come-
ra Urubùquaquá, no conto Cara-de-Bronze çou a circular por volta de 1955, provavel-
de Guimarães Rosa (que ganhou o nome mente herdada da declaração “somos con-
de “Joyce brasileiro”) em meados dos anos cretistas” (43) do “Manifesto Antropófago.”
1950. Neste trabalho que amplamente re- Publicado em 1953, Poetamenos de Augusto
flete a ideia de Rosa com respeito à poesia, de Campos pode ser considerada a primeira
“Moimeichego” sugere uma narrativa au- publicação poética a incluir totalmente o con-
to-referente “Eu,” cuja identidade integra ceito verbivocovisual da prática poética con-
“moi,” “me,” “ich,” e “ego,” sendo ainda um cretista. Além do arranjo tipográfico de tra-
indivíduo comum no sertão brasileiro. dição mallarmeana que enfatiza as relações
Enquanto a fusão lingüística nos trópi- de lacunas e espaços entre as letras, nos seis
cos está subjacente à complexa coexisten- poemas coletados (todos curtos o bastante
cia e à mistura étnica, a procura literária dos para serem incluídos em uma página em fon-
poetas por uma identidade nacional inevi- te Kabel), o texto está impresso em várias
tavelmente reside na reforma do português cores, diferenciando cromáticamente frases
em uma “língua brasileira” (língua brasilei- próximas, palavras, ou morfemas, dividindo
ra), como proposta por outro grande poeta as frases livremente estruturadas em várias
modernista, Mário de Andrade.5 No decorrer partes e sugerindo ainda outra camada de
desta busca, como os outros casos de ino- conexão no texto da mesma cor.
vação linguística modernista (mas com um No prefácio, Augusto de Campos
comportamento nacionalista mais forte con- descreve a forma aparentemente rimbau-
tra o português continental dominante), a diana de colorir as letras inspirado pela
retórica elaborada e antiquada da literatura técnica Klangfarbenmelodie (som/tom-cor-
anterior — que de várias formas já havia melodia) de Anton Webern. Primeiramente
sido desconectada da realidade brasileira — criado por Schoenberg para “referir-se à
foi, sem surpresa, substituída por um uso possibilidade de uma sucessão de tons e
mais direto da língua do dia-a-dia na poe- cores relacionados entre eles de uma for-
sia. Gramática simplificada, coloquialismo, ma análoga a um relacionamento entre os
e expressão nativa integrada entraram na tons em uma melodia” (Rushton), ela in-
nova literatura. A fonética foi amplamente corpora estruturalmente os timbres de cada
alterada para adquirir um tom mais sonoro instrumento em uma composição musical,
devido à influência das línguas indígenas e criando uma textura disjuntiva e ainda va-
africanas. Além disto, a incorporação mais riada na melodia, com possíveis corres-
marcante dos indígenas e afro-brasileiros pondências rítmicas adicionais. Esta técni-
por parte dos modernistas seriam seus tons ca musical refere-se alternativamente ao
e rítmos músicais, começando pelas pesqui- pontilhismo, tirado do método de pintura
sas etnomusicológicas de música popular de coloração pontilhada da história da arte
e língua indígena por Mário de Andrade. A (“Pontilhismo,” OCM). Como foi sugerido
partir daí, a colaboração entre poetas e mú- por Robert Hughes, quando Ezra Pound, aos
sicos e o surgimento de poetas-composito- 30 anos, experimentou colocar um grupo
res se tornaria um fenômeno incessante na de poemas medievais em música, a mes-
literatura brasileira, o qual também afeta o ma técnica Klangfarbenmelodie foi aplicada
cenário da música brasileira.6 em Le Testament de Villon (1919), sem o

12
conhecimento de Webern.7 A concepção de uma leitura polifônica. O poema “dias dias
Augusto de Campos para seus poemas con- dias” musicalizado e cantado por Caetano
tinua esta tradição. Tanto quanto o timbre Veloso é uma gravação amplamente conhe-
particular de cada frase/palavra/silaba/letra cida deste tipo, na qual formas diferentes de
é reconhecível por sua presença gráfica e criar sons vocais, conversar, recitar, soprar,
fonética, a coloração dos elementos textuais cantar, etc., são usadas para diferentes tex-
indica ainda as complexas “superposição e tos coloridos (https://www.youtube.com/
interpenetração temática” dentro do texto watch?v=MpXwgmMQu5c). Em outra inter-
(VV 65). No efeito visual mais direto, cada pretação musical do poema “Lygia Fingers”
cor também pode ser vista como um ins- composta por Daniel Duarte Loza e execu-
trumento de timbre distintivo, formando, no tada por um grupo musical argentino, a voz
plano geral, uma harmonia multi-cromática. distinta de cada membro do grupo torna-se
Ela denota conceitualmente ou convida a um o representante vocal das letras de uma cor
desempenho auditivo, com cada cor atribu- particular (https://www.youtube.com/wat-
ída a um som ou voz particular, formando ch?v=Zy74PDQC7zc). Realizado, portanto,

13
em um canto alternado e modulado, a prá- plos elementos semânticos, organicamente
tica promete possibilidades mais amplas de se junta para alcançar a “superposição e in-
interpretar o poema. Neste modo verbivo- terpenetração temática.” No jogo amplo de
covisual, o poema de Augusto de Campos, invenção e combinação de palavra ao longo
de forma mais imediata, parece um trabalho da coleção toda, o poema “eis os amantes”
de arte visual colorido e serve como uma (“here are the lovers”), com seu tema ma-
pontuação musical, aproximando-se do es- nifesto no projeto textual simétrico e bicolor,
tado ideal do que Pignatari chama de “o fornece o caso mais analisável do jogo do
olhouvido ouvê” (TPC 42; “the eyear hear- poeta com palavras-valise.
sees,” na tradução de Bessa, 219).8 Incorporando a união sexual de dois
Nestes trabalhos, a cor-timbre é usada amantes heterossexuais, o poema é essen-
como um dispositivo para dissecar e recos- cialmente erotico. A mensagem é revelada,
turar linhas poéticas visualmente vocais. No não por uma narrativa real, mas pelo pro-
aspecto verbal, quando a cor é aplicada para jeto espacial de palavras indicativas e a in-
diferenciar e associar os pequenos elemen- terfusão de duas cores. Diferente das cores
tos semânticos dentro de uma linha/frase/ mais brilhantes dos outros poemas em poe-
palavra, a estratégia de formação básica da tamenos, aqui o texto adota laranja e azul,
palavra-valise, cuja natureza contém multi- talvez por causa da sugestão mais corpórea

14
Fig. 1

e sexual (Fig.1, VV 75). Quando o poema ção. Na gravação de 1968, o poeta e sua
foi reimpresso mais tarde em outros lugares amada Lygia de Azeredo, respectivamente
com a tradução em inglês, um fundo azula- lendo o texto em laranja e em azul, decreta-
do foi adicionado enquanto o texto se tor- ram a união corporal do poema enunciando
nou branco e amarelo (Fig.2); e como se em as palavras em flashes.10
uma tradução cromática, a versão em inglês Conforme Claus Clüver observa,
exibe o texto azul e branco em um fundo neste poema, “a dinâmica de cor e sintaxe
amarelado (Fig.3).9 O poema composto por espacial funciona no lugar do verbo ausen-
“duas vozes-cores masculina e feminina” te” (“Language” 37). O movimento entre
(TPC 16) é também projetado para recita- os amantes, sem a ajuda semântica dos

15
Fig. 2

Fig. 3

16
verbos, deve ser lido visualmente através Após montar a cena amorosa e cor-
da interação entre as duas cores. Em uma pórea para os jovens amantes, as palavras
forma em geral simétrica, as “palavras/cor- nos dois lados começam a aproximar-se
pos” (Ibid. 38) iniciam em um estado de se- nas duas linhas seguintes, as cores come-
paração nas primeiras cinco linhas. Apesar çam a se misturar, e palavras-valise sus-
da linha de uma só palavra e a distante peitas entram no jogo. Semanticamente,
organização do texto, as primeiras cinco li- a maioria dessas palavras-valise funciona
nhas podem ser a única frase completa no apenas neste cenário poético com as inte-
poema, permitindo imediatamente que o rações dramáticas das palavras, em vez de
texto laranja no meio forme uma nova frase criadas para uma expressão universal. Mais
com um significado mais enfático dentro da ou menos como um agrupamento projeta-
frase mais longa. Ao invés de uma leitura do de frases, elas também são mais do que
normal na horizontal, o texto laranja convi- uma mera união de palavras vizinhas, mas
da a uma leitura vertical do texto, que se- executam um trocadilho ambíguo adicio-
para também os caracteres azuis, “aman- nal. Literalmente as duas linhas poderiam
tes” e “parentes,” nos dois lados. ser processadas da seguinte forma:

sisterone(irmãum) moansother/on (gemeoutrem)


topI(cimaeu) lowshe (baixela)

Conforme foi analisado por William ther), unindo os dois sexos (“um”), sendo
Bruce, o texto intencionalmente perma- tanto andrógino quanto intermutável. Este
nece ambíguo com relação ao cenário. O sentido duplo também pode ser notado no
significado da linha inferior, junto com a seguinte elemento “gemeo” (twin, gemi-
preposição “em” antes do enjambement, nus) em “gemeoutrem.” Para acrescentar
descreve uma cena horizontal de “meover outra interpretação erótica, esta palavra
sheneath” na versão em inglês. De outra também pode ser vista como “geme-ou-
perspectiva, o texto azul poderia retratar -trem(e)” (“moans-or-trembles”).
outra cena como “sister moans on top,” Seguindo estes relacionamentos
com a presença espacial real de “I” abaixo verbais ambíguos e interagentes está a
(63). Em todas as quatro palavras, “baixe- palavra “ecoraçambos” (echo-(heart)-
la” é um termo comum para “louça”. Aqui, both) no meio da linha seguinte. Esta
quando a palavra de uso cotidiano é vesti- palavra poderia ser fisicamente lida como
da com roupas bicolores, seu significado é uma nova união das duas entidades acima.
desconstruído para divertir o leitor em por- O “eco” de onde ecoa a forma simétrica
tuguês de uma forma estranha, mostrando do poema e a conotação de geminação
como uma natureza amálgama pode estar anterior, que é exibida mais amplamente
escondida em qualquer palavra comum, na versão em inglês “shechome.” A
seja pela formação linguística ou por pura palavra também se assemelha com
coincidência. A palavra “irmãum” é uma “escorçam(b)os,” que significa escorço
engenhosa invenção amálgama, que tem ou nós dois escorçamos juntos, isso
a pronúncia parecida com “irmão” (bro- pode ser contrastado em “duplampli”

17
na linha seguinte, vagamente sugerindo múltiplos emaranhamentos verbais
um outro movimento no retrato ainda indubitavelmente sugere um ato sexual
textual. Então, a linha prolongada com em andamento:

d u p l a m p l i n f a n t u n o (s) e m p r e

Esta palavra excessiva flui no ventre. Depois, as palavras separadas em


enunciado vocal, mostrando o malaba- duas novamente, mas as cores invertidas.
rismo característico da palavra-valise, Na penúltima linha, as duas palavras são
quando uma palavra/som escorrega para formadas por três pronomes demonstrati-
dentro de outra. Os elementos semânti- vos, “este” (this), “esse” (that), e “aquele”
cos aqui envolvidos estão todos associa- (that), sugerindo um aumento da distân-
dos de várias formas para visualizar a in- cia entre o referente e o falante, seguido
teração dos amantes, e uma penetração de um pronome pessoal “ele” (he), que
textual icônica é mostrada através do pode indicar uma nova vida surgida do fa-
“s” laranja implantado em parênteses. O lante. Enquanto isso, “estesse” pode ser
significado deste dispositivo torna-se ex- um trocadilho para “êxtase” (ecstasy), e o
plícito em “semen(t)emventre” da linha cenário está cheio de referências literárias
seguinte, deixando o semen/semente no do “Ecstasy”11 de John Donne:

But as all several souls contain


Mixture of things they know not what,
Love these mix’d souls doth mix again,
And makes both one, each this, and that. (ll. 33-36)

O poema de Augusto de Campos láveis e de multi-camadas devem ser ex-


termina com a palavra central unificada perimentadas, na busca do nascimento de
“inhumenoutro.” Da mesma forma que uma palavra-valise viva.
o anterior uso icônico ou ideográfico de
parênteses, aqui, como também sugerido por Colidouescapo: viagem de línguas
Bruce (Ibid.), a palavra engravida, deixando
umhomem (“humen”), ou uma palavra, Por volta do ano 1970-71, Augusto de
vivendo dentro (“em”) de outra (“outro”). Campos trouxe a público outra série de traba-
Assim como o poema represen- lhos muito envolvidos com experimentos de
ta um erotismo verbal e intelectual, ele palavras-valise. Respectivamente publicados
também é uma exploração da combinação como Linguaviagem (1970), Equivocábulos
lingüística por meio de metáforas sensu- (1970), e Colidouescapo (1971), os três tra-
ais. O “êxtase” linguístico é alcançado ao balhos também foram combinados em um
tornar “este” e “aquele” em um. Ele pro- livro, subsequentemente.
cura a afinidade e a interpenetração entre O poema de uma única palavra-vali-
as palavras, ao mesmo tempo que revela se – “vialinguagem” – , criado primeiramen-
detalhes textuais, percebendo um no ou- te em 1967, realiza novamente o conceito
tro, “inhumenoutro.” Através dos inúmeros anterior de palavra dentro de palavra, mas
encontros entre uma palavra e outra, suas adota uma construção cúbica para o tex-
relações ambivalentes, refletidas, inaba- to. Em um cubo composto por um pedaço

18
de papel retangular dobrado de modo que apareciam tanto interiormente quanto exte-
forma quatro paredes quadradas, as doze riormente nos quatro lados do cubo, criando
letras em caixa alta estão distribuídas uni- múltiplas perspectivas de leitura. Na versão
formemente nos quatro quadrados em am- original, ele tem letras verdes em um lado
bos os lados do papel, de forma que elas e azul no outro com fundo branco (Fig. 4).

Fig. 4
Linguaviagem, 1967

19
Incluído na antologia de poesia Viva cruzar nove páginas em sequencia, impres-
Vaia em 2001, este poema está dobrado so de um lado, com a letra em caixa alta
do tamanho de um CD e inserido em um verticalmente alinhada no meio da página.
envelope de papel anexado ao verso da Começando pelo “I,” a cada página mais
capa. O texto é composto em uma fonte uma letra é adicionada, consecutivamente
mais fina e o trabalho se torna todo preto aparecendo como “RI” (eu ri; ele ri; ri!),
e branco, com letras pretas em uma pá- “RIS” (tú ris), “TRIS” (três),“RISTE” (tú ris-
gina branca em um lado e, inversamen- te), “TRISTE,” “ATRISTE” (neg. triste; atriz +
te, letras brancas sobre a página preta no triste),“CICATRIS”, e “ATRISTEZA” (VV 149-
outro lado. Quando se torna um fólio do- 167). Mais uma vez, sem quaisquer outros
brado, a qualidade da instalação inicial do sinais, uma narrativa intrigante é imaginada
poema é substituída por outra experiência pelo desvendamento e empilhamento das
de leitura versatil do leitor que depende letras dentro de uma palavra-valise. Nesta
das diferentes formas tomadas pela página viagem da lingua, cada palavra deve ser ex-
desdobrada. A palavra “lingua” é disposta perimentada e sentida, aberta ao contato de
para ser facilmente dobrada para dentro, outras palavras, ao invés de ser agarrada
mostrando “viagem” (voyage) em primeiro inequivocamente e de forma autônoma.
plano, dessa maneira fazendo o processo Em um esforço para fazer as pa-
de desdobrar o texto corresponder ao pró- lavras permanecerem “equivocábulos,”
prio significado da palavra: uma viagem fluidas na forma e no significado ao invés
consumada por meio da língua (mais vo- de consertadas, a variedade de possibili-
calmente orientada). Neste caso, o texto dades de uma palavra-valise também pro-
também pode ser visto como uma palavra mete um campo experimental. De volta
inserida em uma camada mais profunda de ao “frumious” de Carroll, quando Humpty
outra, formando o jogo dinâmico em “lin- Dumpty descreve sua teoria, ele declara:
gua-viagem” (language voyage). Na leitura
linear simples do papel desdobrado, a leitu- Por exemplo, pegue as duas palavras
ra viagem é feita através (“via”) linguagem “fuming” e “furious.” Decida dizer
(mais literariamente orientada). Por meio as duas palavras, mas deixe incerto
desta simples e auto-referencial palavra/ qual você dirá primeiro. Agora abra
poema, este trabalho adota o conceito de a sua boca e fale. Se os seus pen-
viajar através das palavras, sugere uma samentos inclinarem-se mesmo que
experiência visual-vocal pela página, e leva só um pouco para “fuming,” você
adiante a palavra-valise desdobrada (ex- dirá “fuming-furious;” se eles se vol-
pressão cujo significado original é a bolsa tarem, mesmo que um pouquinho,
de couro de viagem de duas partes). para “furious,” você dirá “furious-fu-
Seguindo este caminho, Equivocábulos ming;”, mas se você tiver o mais raro
(um título palavra-valise mais astucioso) é dos dons, uma mente perfeitamente
uma coleção de vários poemas que essen- equilibrada, você dirá “frumious.” (xi)
cialmente explora rotas de viagem em uma
palavra e através de palavras, pelo caminho Na análise de Deleuze para as pa-
provocando no viajante da língua, durante lavras esotéricas de Carroll, é esta natural
o caminho, sensações variadas ou parado- “síntese disjuntiva” da palavra-valise que
xais. Por exemplo, para chegar à palavra a diferencia de outras palavras conjunti-
“CICATRISTEZA,” o leitor tem que primeiro vas. Deleuze ainda argumenta:

20
…a disjunção necessária não está en- e podemos mover-nos de uma para
tre fuming e furious, pois uma pode outra através de muitas passagens;
na verdade ser ambas de uma só daí a ideia de um livro que não narra
vez; preferencialmente, ela está en- simplesmente uma estória, mas um
tre fuming-and-furious por um lado e oceano inteiro de estórias.” (46-47)
furious-and- fuming por outro lado.
Neste sentido, a função da palavra- Ecoando a conjectura de Deleuze,
-valise consiste sempre na ramifica- em Equivocábulos, uma série especial de
ção da série na qual ela está inserida. poemas surge da contemplação das possí-
É por isso que ela nunca existe sozi- veis ramificações com base nas três pala-
nha. Ela acena para outras palavras- vras sobre o sentido do tempo: PRESENTE,
-valise que a precedem ou a seguem, PASSADO, FUTURO, que incorpora a dire-
e que mostram que cada série já está ção inclinada do tipo de letra como um
ramificada a princípio e é mais rami- componente significante. Cada uma das
ficável ainda. Michel Butor disse isso três formas é reagrupada resultando em
muito bem: “cada uma destas pa- seis formas novas agrupadas em duas pá-
lavras podem agir como uma troca ginas (Viva Vaia, 187-189):

PASSENTE PRES SADO


PRESTURO PASSURO
FUTU ADO FUTU ENTE

A tensão deste trabalho encontra-se na O livro Colidouescapo fornece uma


justaposição cacofônica dos tipos de letra que série de caminhos e junções, mas deixa a
oferece pistas indiciais da colisão dos diferen- escolha da viagem totalmente para o lei-
tes sentidos do tempo. No sentido da metá- tor. Sua forma dispersa também dificultou
fora acima de Michel Butor, ela também abre sua inclusão na antologia Viva Vaia, de
uma nova passagem em uma certa junção, Augusto. O livro contém vinte e oito pá-
onde o leitor poderia pegar diferentes direções ginas quadradas soltas, cada uma com
na viagem pelo tempo; resta uma possibilida- apenas uma palavra/morfema, metade
de infinita de interseções e rotas a pegar, que alinhada à esquerda e metade alinhada à
podem ser tão complexas quanto o sentido do direita, para que o leitor possa criar combi-
tempo que age na mente de alguém. Na pá- nações de quaisquer dois dos dois grupos,
gina seguinte, surge a composição única “PRE e devanear nas palavras plausíveis e seus
SSAURO” (191; Fig.5); o que parece uma so- possíveis significados 12.Adaptado da famo-
lução abrangente para a questão do tempo, sa palavra-valise de Joyce “collideorscape”
convida para ainda mais reorganizações do em Finnegans Wake (1939), Colidouescapo
tempo/ letra na mente do leitor. Como uma apresenta efetivamente e por meio de tro-
alquimia de palavra (conforme Rimbaud cha- cadilhos uma visão caleidoscópica da língua
mava), “PRESSAURO” torna-se uma palavra que aguarda a intervenção ativa do leitor.
microscópica para o jardim de caminhos bi- O título continua a fazer comentários
furcados de Borges, potencialmente referin- incisivos sobre a “síntese disjuntiva” das
do-se a um tempo infinito e ramificável. palavras. Por meio do “colid-ou-escapo”

21
Fig. 5

(collide or escape), ele propõe a pergunta ravilhas, o sonho cinemático, a colagem


“to be or not to be” da palavra-valise; quan- fragmentada, e o deslocamento esquizo-
do lido como “colidou-escapo” (collided, frênico. Com seus muitos componentes
escape), a natureza fugidia e escorregadia textuais apagados, resistentes e descons-
da palavra-valise está sendo retratada e trutivos (“EXIS,” “DESES,” “RESIS,” “DIS,”
contemplada. A transferência também po- etc.), este livro, assim como a mensagem
deria ser uma fuga dos significados e de ambivalente de seu título, alinha-se per-
um comprometimento essencial. Quando feitamente ao discurso pós-modernista, e
todas as palavras se bifurcam para criar torna-se uma personificação textual dos
a sensação do caleidoscópio, o trabalho fenômenos sintomáticos. Em maior medi-
virtualmente elude e nega uma autêntica da, ele também espelha a criação rápida
palavra/mundo. Concomitante com a uni- de palavras e produtos novos na cultura
ficação infinita, o que também está sendo tecnológica e de consumo e adota a era
criado é como uma miragem-país das ma- da internet, quando novas palavras-valise

22
para entretenimento são criadas diaria- mente percebidos pelo olho, ainda que ne-
mente. Todavia, o título ainda se mantém nhum deles seja de fato real. A foto parece
ambíguo no que concerne a adotar qual- refletir uma mulher na escadaria diante
quer posição crítica. de um grandioso prédio histórico, e um
Em Equivocábulos, uma fotogra- homem, na visão aparentemente direta,
fia ambígua e não atribuída está inserida está parado na calçada de uma ponte que
antes da série “PRESSAURO” (VV 185; atravessa um grande rio, com a imagem
Fig.6), em parte como uma sobreposição desfocada de um carro passando atrás e a
de duas fotos, em parte como uma foto ti- água tranqüila no fundo distante, fluindo
rada através de um vidro, capturando esse perpendicularmente na foto. Esta imagem
momento miraculoso quando o mundo ex- pode ser outro comentário de Augusto de
terior e o mundo interior são simultanea- Campos sobre a palavra-valise.

Fig. 6

23
Notas 10
Esta gravação se encontra, agora, no CD incluído

*Tradução do original em inglês: Leandro Zaquias no livro da exposição Arte Concreta Paulista – Grupo

e Julio Mendonça. Noigandres, curada por Lenora de Barros e João Bandeira


1
Em Através do Espelho, Humpty Dumpty explica “slithy” em São Paulo, 2002.

(“lithy and slimy”) a Alice: “Você vê que é como uma 11


Veja C. Ávila, Poesia Concreta 30. Salvador: Código 11,

palavra-valise – há dois significados empacotados em uma 1986 (qtd. Nogueira, 7). Campos também traduziu este

palavra” (101). “Frumious” vem de The Hunting of the poema de Donne para o português (Traduzir 112 – 117).

Snark (xi), outro livro com amplo jogo de palavras-valise, 12


Para uma versão digital de Colidouescapo pela revista

incluindo o “snark” (“shark” e “snake”) do título. Errática em homenagem a Augusto de Campos, veja
2
Veja “The Cinematographic Principle and the Ideogram”, http://www.erratica.com.br/opus/104/colidouescapo/.
The Film Form 28 – 44.
3
O poeta suiço-alemão Eugen Gomringer também começou

a prática da poesia concreta na Europa quase ao mesmo

tempo que os poetas brasileiros, por volta do ano 1952.

Veja Concrete Poetry: A World View, de Mary Ellen Solt.


4
Veja Haroldo de Campos, “Anthropophagous Reason:

Dialogue and Difference in Brazilian

Culture” (157 – 177).


5
Veja as correspondencias entre os dois grandes poetas

brasileiros, Mário deAndrade e

Manuel Bandeira. (Cartas a Manuel Bandeira).


6
A afinidade entre a poesia e a música brasileiras tem

uma enorme tradição. Para uma análise, veja o capítulo

de Charles A. Perrone “The Orphic Imperative: Lyric,

Lyrics, and the Poetry of Song” em Seven Faces: Brazilian

Poetry Since Modernism (87 – 116).


7
Robert Hughes editou e gravou um grupo de com-

posições musicais de Pound. Veja o artigo de Michael

Ingham “Pound and Music” (245).


8
Augusto de Campos compôs mais tarde um poema em

video interativo “Portas do Ouver” (“Doors of Eyear”) com

o jogo de palavra com base no radical chinês de porta

(門). Ela própria é uma palavra-valise significante e escor-

regadia; ouver simboliza a característica verbivocovisual

da Poesia Concreta.
9
A nova criação textual das versões bilíngües aparece

primeiramente em Artes Hispanicas/HispanicArts 1:3-4

(1968) em sua capa e a página que precede a página do

título. Mais tarde elas foram mostradas no verso da capa

em Concrete Poetry: A World View editado por M.E. Solt,

que também colaborou com Augusto de Campos, junto

com Marcus Guimarães, na versão para o inglês deste

poema. (Clüver, “Klangfarbenmelodie” 397)

24
Trabalhos Citados -------. The Film Sense. Trans. Jay Leyda. San Diego, New

Andrade, Mário de. Cartas a Manuel Bandeira. Rio de York & London: Harcourt Brace & Co. 1942.

Janeiro: Simões, 1956. Ingham, Michael. “Pound and Music.” The Cambridge

Andrade, Oswald de. “Cannibalist Manifesto.” Trans. Leslie Companion to Ezra Pound. Ed. Ira B. Nadel. Cambridge:

Bary. Latin American Literary Review 19:38 (Jul. – Dec. Cambridge University Press, 1999.

1991), pp. 38 – 47. Nogueira, Fernanda F. M. “Isotopia Temática e Figuratividade

Barros, Lenora de, and João Bandeira, eds. Grupo em ‘eis os amantes’ e ‘Intradução’ de Augusto de Campos.”

Noigandres. São Paulo: Cosac & Naify, 2002. Estudos Semióticos 3 (2007).

Bessa, Antonio Sergio. “Sound as Subject: Augusto de Campos’s Perrone, Charles A. Seven Faces: Brazilian Poetry Since

Poetamenos.” The Sound of Poetry, the Poetry of Sound. Eds. Modernism. Durham & London: Duke University Press, 1996.

Majorie Perloff and Craig Dworkin. Chicago & London: The “Pointillism.” The Oxford Companion to Music. Ed. Alison

University of Chicago Press, 2009, pp. 219 – 236. Latham. Oxford Music Online. Oxford University Press.

Bruce, William. “poetamenos: Campo(s) de expressão Web. 14 Mar. 2013. <http://www.oxfordmusiconline.com/

em cores.” Mester 14 (1986) (Department of Spanish and subscriber/article/opr/t114/e5256>.

Portuguese, UCLA), pp. 55 – 65. Rushton, Julian. “Klangfarbenmelodie.” Grove Music

Carroll, Lewis. The Hunting of the Snark. London: Online. Oxford Music Online. Oxford University Press. Web.

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-------. Through the Looking-Glass. New York: Rand scriber/article/grove/music/15094>.

McNally & Co. 1917. Solt, Mary Ellen, ed. Concrete Poetry: A World View.

Campos, Augusto de. Equivocábulos, Linguaviagem, Bloomington: Indiana University Press, 1970.

Colidouescapo. São Paulo: Edições

Invenção, 1971.

-------. Viva Vaia: Poesia 1949 – 1979. São Paulo: Ateliê

Editorial, 2001.

-------, Décio Pignatari and Haroldo de Campos. Teoria da

Poesia Concreta: Textos

Críticos e Manifestos 1950 – 1960. São Paulo: Livraria

Duas Cidades, 1975.

-------, and Harold de Campos. Traduzir & Trovar. São

Paulo: Papyrus, 1978. Campos, Haroldo de. Novas:

Selected Writings. Eds. Antonio Sergio Bessa and Odile

Cisneros. Evanston: Northwestern University Press, 2007.

Clüver, Claus. “Klangfarbenmelodie in Polychromatic

Poems: A. von Webern and A. de Campos.” Comparative

Literature Studies 18 (1981): 386-98.

-------. “Languages of the Concrete Poem.” Transformations

of Literary Language in Latin American Literature: From

Machado de Assis to the Vanguards. Ed. K. David Jackson.

Austin: Abaporu Press, 1987.

Deleuze, Gilles. The Logic of Sense. Trans. Mark Lester and

Charles Stivale. Ed.

Constantin V. Boundas. London: The Athlone Press, 1990.

Eisenstein, Sergei. The Film Form. Trans. Jay Leyda. San

Diego, New York & London: Harcourt Brace & Co. 1949.

25
AUGUSTO DE
CAMPOS: OUTRO
Rodolfo Mata*

A trajetória artística de Augusto principalmente a resenhar Outro (2015),


de Campos é multifacetada, polêmica e seu último livro de poemas, e sinto como
exemplar em muitos sentidos. Tentar des- necessário dar uma espécie de panorâmi-
crevê-la brevemente me confronta com a ca da trajetória que o precede, oriento-me
necessidade de classificá-la em suas dife- pelo sumário “Obras do autor”, que vem ao
rentes vertentes e nelas destacar os traba- final do volume e que tem três divisões:
lhos mais importantes. Já que me dedicarei “Poesia”, “Ensaios diversos”, “Traduções e

26
estudos críticos”. Em “Poesia”, reúnem-se os Popcretos (1964-1966) (em colaboração
trabalhos que, embora comecem com O rei com Waldemar Cordeiro) entram no terre-
menos o reino (1951), que mostra um for- no da collage, do ready-made e do adel-
mato dentro do que podemos chamar um gaçamento do verbal em favor do visual.
“livro convencional”, logo vão incursionando Os Poemóbiles (1968-1974) (em coautoria
em experiências que expandem fronteiras. com Julio Plaza) apresentam-se tridimen-
Poetamenos (1953), seguindo as ideias de sionais como poemas-objetos ou esculturas
Anton Webern sobre as melodias de tim- poéticas manipuláveis, despregáveis; os
bres, propõe poemas com letras colori- Equivocábulos (1970) constituem “aventu-
das; poemas como “Ovonovelo”, “Tensão” ras tipográficas” que propõem fusões como
e “Terremoto” (1955-1966) movem-se na a série “oeilfeujeu” ou palíndromos plásti-
página com as combinações e permutações cos como o reversível “rever”; e finalmente
próprias do concretismo em sua fase clás- poemas como “Viva vaia” (1972), “Código”
sica; o poema “Greve” (1961) maneja as (1973) ou o “Pentahexagrama para John
transparências do papel vegetal, enquanto Cage” (1977) que, por sua eficácia plástica,
“Luxo” e “Cidade” se convertem em encartes avizinham-se do logotipo.
nos quais os jogos tipográficos começam a Já na linha do verbivocovisual so-
representar um papel de suma importância; norizado e/ou animado posso mencionar:
a apresentação da série Poetamenos com
um grupo coral no Teatro Arena de São
Paulo (1955); as gravações de leituras que
Augusto fez no final dos anos 50 e prin-
cípio dos 60 (junto com seus companhei-
ros de Noigandres, Haroldo de Campos e
Décio Pignatari, e com José Lino Grünewald
e Ronaldo Azeredo); as famosas interpre-
tações vocais de Caetano Veloso de “dias
dias dias” (1973) e “O Pulsar” (1975);1 e
os CDs Poesia é risco (1995) e Viva vaia
(Poesia 1949-1979) (2001) (que acom-
panha o volume homônimo que recompila
sua poesia), ambos em coautoria com seu
filho, Cid Campos, onde aparecem aperfei-
çoadas várias das realizações anteriores.
Também estão as animações gráficas, que
iniciaram cedo, em 1984, com a articula-
ção do poema “O pulsar” e a musicalização
de Caetano Veloso, realizada pelo próprio
Augusto em um Macintosh. As animações
gráficas tiveram um importante salto, em
1992, com o “Poema bomba”, tridimensio-
nalizado em um computador naquele mo-
mento sofisticadíssimo2, e culminaram nos
clip-poemas – já produzidos sob o advento
do computador pessoal – incluídos em seus

27
livros Não (2003) – em um CD que reúne gênero híbrido “intradução”, que o poeta
poemas realizados desde 1997 – e Outro, começou a cultivar em 1974, e que na reu-
através de links para seu site oficial (www. nião Viva vaia, antes mencionada, mostra
uol.com.br/augustodecampos) e para a re- peças dedicadas a Bernart de Ventadorn,
vista Errática (www.erratica.com.br), diri- Edward Fitzgerald e William Blake. Trata-
gida por André Vallias. se de traduções criativas que interpretam
Em “Ensaios diversos”, o sumário o espírito de um poema ou um fragmento
da obra de Augusto de Campos que comen- de poema do autor em questão, e lhe dão
tava inclui, desde logo, Teoria da poesia uma dimensão plástica-tipográfica. São, na
concreta (1965, ed. Ver. 1975), publicado realidade, poemas de poemas. Os “profi-
em companhia de Haroldo e Décio, volume logramas” também têm um caráter pare-
indispensável para entender o movimento, cido. Iniciados em 1966, são composições
mas gostaria de destacar dois livros so- visuais que colocam em diálogo distintos
bre música, Balanço da Bossa (1968, ed. autores, entre eles mesmos ou com cir-
rev. 1974), realizado em colaboração com cunstâncias especiais. Em Viva vaia estão
Brasil Rocha Brito, Julio Medaglia e Gilberto reunidos quatro cujos títulos dão alguma
Mendes, e Música de invenção (1998), por- pista: “pound/maiakovski”, “hom’cage to
que dão conta de uma inclinação que dis- webern”, “Sousândrade 1874-1974 (fotop-
tingue Augusto de seus dois companheiros sicograma)” e “Janelas para Pagu”. Os se-
de Noigandres: sua paixão pela música. guintes volumes de poemas – Despoesia,
Também nesta rubrica encontramos res- Não e Outro – incluirão seções intituladas
gates literários importantes, como o de “Intraduções” e “Profilogramas”.
Joaquim de Sousa Andrade (Sousândrade)
(realizado em colaboração com Haroldo), e Os poemas de Augusto de Campos
os de Pedro Kilkerry e Patrícia Galvão (Pagu) incluídos em Outro – volume que tem uma
– figuras hoje importantes na história lite- distância temporal de mais de uma década
rária brasileira – e a publicação fac-similar do anterior, Não (2003) – conservam mui-
da Revista de Antropofagia, onde colabora- tas das características que haviam mostra-
ram os poetas Oswald de Andrade e Raul do em seus livros anteriores. Poderia dizer
Bopp (a propósito, casado com a mexica- que o leitor que os enfrenta deve seguir
na Guadalupe Puig-Casuranc, filha de José uma estratégia para decifrá-los que inclui
Manuel Puig Casauranc). Em “Traduções e vários elementos e que foi se construindo
estudos críticos”, o sumário inclui uma lar- ao longo da evolução que quis mostrar na
ga lista de trabalhos sobre autores como descrição de sua obra poética. Detenho-me
Cummings, Pound, Joyce, Maiakovski e ou- brevemente na palavra decifrar porque, se
tros poetas russos (em colaboração com efetivamente todo poema, que se preze
Haroldo e Boris Schnaiderman), Mallarmé, de sê-lo, adquire um significado estendi-
John Donne, Valéry, Keats, John Cage, do, plural, não simples ao ser interpreta-
Rilke, Hopkins, Gertrude Stein, Rimbaud, do, em sua mera dimensão linguística, os
Emily Dickinson, Lewis Carrol e vários ou- poemas de Augusto de Campos, ao gozar
tros, entre os quais se destacam os poetas ao menos da dimensão gráfica como extra
provençais como Arnaut Daniel. Um co- (nos clip-poemas ou vídeo-poemas haveria
mentário final é necessário: a obra crítica também as dimensões sonora, vocal ou de
e de tradução de Augusto se cruza inten- movimento), apresentam virtudes, dificul-
samente com sua poesia. Prova disto é o dades, complexidade e inclusive qualidades

28
refratárias que me lembram do poema de ambíguos, mas direcionados pelas áreas
Drummond “Procura da poesia”, em que as de significação que os ícones carregam:
palavras perguntam ao seu leitor: “trouxes- os dados são o azar (ou o amor); a flor
te a chave?”. Voltarei a este tema um pou- pode ser um presente, a vida; a mão que
co mais adiante, ao comentar um poema escreve talvez a ideia de comunicação, as
de Outro que se aproxima a esta situação cartas trocadas; o punhal está no lugar da
limite. Continuo agora com o processo de agressão, traição ou perigo; e os dois tipos
decifração que, de início, postula uma dis- de coração podem ser o encontro, a com-
tância entre poema e criptopoema. Mas o panhia, o outro. As posições de cada ícone
que é um criptopoema? Ensaio uma defi- também entram nas possibilidades: um co-
nição simples: é um poema difícil de deci- ração reclinado, um que tem um pequeno
frar. Augusto oferece um poema intitulado círculo debaixo de seu vértice, outro que
“Criptocardiograma” em seu volume Não, exibe um coraçãozinho inclinado em cima,
que mostra uma silhueta triangular (que outro coração pequeno que parece oprimi-
se assemelha a um coração) composta de do pela ponta de um dos punhais. Todas as
pequenos ícones, principalmente corações figuras estão em vermelho, que é a cor do
(de dois tipos), acompanhados de outros: sangue, da paixão. O asterisco pode ser um
uma mão que escreve, um punhal, uma flor, sol brilhante, mas se é um asterisco indica
uns dados e o que parece ser um asterisco. uma aclaração não resolvida, algo obscuro,
Os significados que podem ser “lidos” são uma zona notável, mas indecifrável, de um

Criptocardiograma

29
coração. Se vamos ao sentido literal do locutor (talvez ele mesmo) que dirija à “nula
poema, somamos o escondido de “cripto”, o lua lunática” essas crises causadas por suas
coração de “cardio”, a letra de “grama”, e a “orfelinas” (por serem felinas contra Orfeo)
técnica médica do “cardiograma”. É um poe- companheiras de farra. O poema desliza
ma difícil de decifrar? Sim e não. A maioria com letras pretas sobre fundo branco, mas
dos ícones usados têm um significado uni- na página seguinte nos encontramos com
versal, mas não há uma mensagem clara. um desdobramento do poema: um fundo
De que trata o poema? Só poderíamos dizer preto manchado por uma série de pequenas
que as complexidades das relações amoro- marcas brancas que seguem aproximada-
sas, o que me parece suficiente. Entretanto, mente seu contorno. São pontos e linhas?
nem sempre é assim. O exemplo de cripto- É código Morse? São as vírgulas do virgula-
poema que comento agora tem uma chave do? Pouco a pouco vamos comprovando que
difícil de achar. Trata-se de “cauteriza e coa- são os espaços fechados dentro das letras.
gula (laforgue)” (2004) da seção “Intro/in- Se conhecemos um pouco de programas de
traduções”, ou seja, é uma tradução do poe- edição gráfica como o Photoshop, podemos
ma “Stérilités” do uruguaio Jules Laforgue, imaginar que Augusto “derramou” um pote
escrito originalmente em francês. O poema de tinta preta que inundou a página branca,
constrói uma imagem ao redor de pegadas arrasou com os contornos exteriores das le-
e cicatrizes de umas grotescas “ofelias feli- tras e só não entrou nos espaços fechados
nas” comparadas com tarântulas, que de- que estas guardavam. Mas qual é a relação
vem ser “cauterizadas, coaguladas e virgu- com a versão de “Stérilités”? Certamente o
ladas”, ou seja, deixadas para trás por meio clima noturno e ominoso, com a lua e com
de uma pausa. O poeta recomenda ao inter- a esterilidade; embora o título do poema

tvgrama 4 erratum

30
de Laforgue não seja incluído na versão de semelhanças e diferenças entre suas ca-
Augusto, a alusão pode ser encontrada nas racterísticas. Finalmente podemos ler: “Ah
“orfelinas” criaturas. Parece-me que esta Mallarmé / a poesia resiste / se a tv não te
segunda parte em preto tem um estatuto vê / o cibercéu te assiste / em quick time
parecido ao “Criptocardiograma” em seu e flv / já pairas sobre os sub / tudo existe
grau de ambiguidade. / para acabar em youtube”, com interrup-
Sei que fui breve em minha defi- ções em cada verso de linhas completas da
nição de um “criptopoema”, mas melhor grafia “tvtvtvtvtvtvtvtv”. A alusão literária
continuar tratando de descrever o proces- passa primeiro pelo “tvgrama 1 (tombeau
so de decifração. Uma segunda instância de mallarmé)” (1998), de Despoesia, “Ah,
de cifrado provém dos jogos tipográficos. Mallarmé / a carne é triste / e ninguém te
A maestria de Augusto em seu manejo lê / tudo existe / para acabar em tv”, com
é evidente, pois sabe controlar seus tra- grafias “tttttttttt” de interrupção, e então
ços para conotar tons como antiguidade, por “Brisa marinha” de Mallarmé, que co-
futuro, cultura pop e midiática, alfabeto meça com “A carne é triste, sim, e eu li to-
braile, alfabetos não latinos etc. O choque dos os livros”. O processo de decifração foi
da falta de familiaridade do leitor com a relativamente simples e facilita se se es-
tipografia que lhe propõe o poeta causa cuta/vê a versão clip-poema (http://www.
um hiato no processo de decifração. O erratica.com.br/opus/98/index.html).
poema “tvgrama 4 erratum” (2009) pos- Mais três poemas me parecem
sui letras amarelo-verdosas que parecem dignos de nota nos usos tipográficos in-
pixels grossos sobre um fundo negro que tegrados ao significado do poema. O pri-
dificultam a leitura e obrigam a rastrear meiro é “deuses” (2012), em que as le-

deuses

31
humano

tras estão compostas com pontos que se as letras com que se escreve a palavra
assemelham aos que aparecem nas faces “HUMANO”. As conexões entre as ideias de
dos dados: “deuses / doam / dados / doa- “humano”, “mutações” e as que se gera-
dos / deuses / doem”. Vem-me à mente, riam consultando os textos oraculares do
de imediato, a frase atribuída a Einstein, antigo livro de advinhações chinês, esco-
“Deus não joga dados”, que também cria lhidos pela coincidência de encontrar for-
ressonâncias com o azar mallarmeano e mas de letras nos hexagramas, resultam
com a época do imaginário vinculado ao em uma espécie de acaso objetivo-sur-
aleatório, justamente aquela em que nas- realista, quase mágico. O terceiro é “ter
ceu a poesia concreta. O segundo é “hu- remoto” (2011), onde a batalha é mais
mano” (2014), em que dentro do quadra- dura para enfrentar o labirinto tipográfico,
do 8 x 8 dos 64 hexagramas do I Ching. embora a pista de que as letras duplicam
O livro das mutações, Augusto realça suas imagens como se estivessem diante

32
ter remoto

de espelhos conduza a finalmente identi- Outro procedimento na poesia de


ficar a primeira palavra e daí as seguin- Augusto de Campos é a fragmentação da
tes: “BORBOLETA / QUE / TER / REMOTO / palavra em pseudossílabas. Quer dizer, se
ACASO / FAZ O / LEVE / TREMER / DE TUA a sílaba é etimologicamente “reunião de
/ FR / AGIL / ASA / S”. O último “S” parece letras que formam um som”, a pseudos-
fora do lugar porque se o juntamos com sílaba não cumprirá com ser pronunciável,
“asa”, pluraliza a palavra e rompe a con- mas sim entrará em colisão com a prosódia
cordância. Então, o ponto abaixo dela não natural da palavra em que se encontra,
é um ponto final, mas um apêndice deco- levando à necessidade de releitura. A este
rativo nas asas da borboleta que se forma recurso de rarefação da leitura se unem
pela duplicação da letra e que podemos outros: omissão de espaços interpalavras,
ver também no “B” inicial de “borboleta”. omissão de acentos e sinais de pontuação,
A borboleta atravessou o poema? anulação do jogo maiúsculas/minúsculas

33
(por isso que tratamos de citar os poemas
assim como ele nos anota), e a existência
de letras compartilhadas por palavras vizi-
nhas. Para este tema elegi o poema “isto”
(2013) que carece de complexidades tipo-
gráficas, mas que está armado como uma
coluna: “¿ // um / ps / iu / de / pe / dr / a /
psi // que / es / quis / o / a / qui / est / e //
quis / to / es / qu / is / it / o / é // po / es /
ia / ou / sou / eu / que / ex // isto // ?” Uma
leitura decantada revela o seguinte resul-
tado: “¿um psiu de pedra psique esquiso
aqui este quisto esquisito é poesia ou sou
eu que ex isto?” A primeira observação é
que o sinal “¿” não se usa em português,
características que lamentam muitos es-
critores porque impede saber quando co-
meça uma pergunta. Isto quer dizer que
a ação interrogativa inclui toda a oração
e não sua parte final. Depois temos a in-
terjeição “psiu” que é de pedra. “ Ou é de
“pedra-psique”? Segue um “esquiso aqui”
que é problemático. Posso pensar que é
“esquizo”, raiz grega que significa “sepa-
rado”, por exemplo na palavra “esquizofrê-
nico”, que qualifica ao enfermo que possui
uma mente “cindida”, mas a ausência do
“z” acaba com essa possibilidade. Provém
do verbo latino “exquīrere”, que significa
“inquirir”, cuja forma final em espanhol
deu em “esquisar” – que significa “buscar,
escudriñar” – e que em português desapa-
receu. Não obstante, tanto em português
como em espanhol, conservou-se o adje-
tivo proveniente do particípio “exquisitus”,
que resultou em espanhol em “exquisito”
e em português “esquisito”. Esta palavra –
que é uma das favoritas para exemplificar
os “falsos cognatos” entre o espanhol e o
português – em ambos casos tem o senti-
do de “procurado diligentemente, escolhi-
do”, mas enquanto em espanhol tomou a
conotação positiva de “refinado”, em por-
tuguês inclinou-se pela de “raro, estranho”.
isto A aparição mais adiante da palavra “es-

34
quisito” e a tendência de Augusto a fazer
esse tipo de ressonância em seus poemas
reforça a proposta de que “esquiso aqui”
significa “busco aqui”. Ou seja, um “psiu”
de pedra psique busco aqui este quisto es-
quisito que é poesia ou sou eu-que-existo?
Ou a comparação se detém em “poesia” e
a frase final está separada como uma se-
gunda interrogação: “ou sou eu que exis-
to?”? Isto é, o sujeito se pergunta se sua
própria existência é a que gera a dúvida
sobre se esse “psiu” de pedra-psique é um
quisto esquisito que é poesia. É necessá-
rio acrescentar que essa sensação de es-
tranhamento do sujeito acentua-se com
a separação gráfica de existo em ex isto.
Em outras palavras, “sou eu que estou
fora (‘ex’) de ‘isto’”? Por isso a sensação
de alienação? Poderia então ensaiar uma
pontuação que, desde logo, encerra possi-
bilidades: “um psiu de pedra psique, bus-
co aqui este quisto raro, é poesia ou sou
eu que existo?”. Enfim, como se pode no-
tar, todos os elementos dificultam/tornam
rara/enriquecem a leitura. Outro exemplo
mais simples desta disposição em coluna
é “pós” (2012), que é um jogo perfeito de
sonoridades, alternâncias de acentuação e
sintaxe que afetam os significados: “és /
pó / só / pó // se / és/ pó / sê // es / se / pó
// po / es / ia”. É necessário ressaltar que
o uso do “tu”, em português, é regional
(usa-se principalmente no Rio Grande do
Sul), e em poesia tem um valor diferencia-
dor, um tanto declamativo e enobrecedor,
que começou a entrar em desuso no século
XX. A tipografia está construída a base de
pontos, obviamente grãos de pó, e o título
pode ser lido como o plural de “pó” – todos
somos grãos de pó – ou como o prefixo
“pós”, que significa “depois”, “posterior”,
como “pós-modernidade” ou “pós-datado”,
e que no poema instaura um tom de certa
superação que é celebratória mas que ca-
minha na beira do final. pós

35
A insignificância da existência e
seu paralelo com a poesia repetem-se em
“desumano” (2004), que serve como pór-
tico do livro: “des / aprender / de uma vez
/ todas as línguas / em -al em –ol em –ão
/ em –ego em –im em –ano / em –ês /
poesia / não têm / porquês // esquecer
/ esquecer / esquecer / emude / cer des
/ umano // para vol / ver a ser / no nano
/ uni vers / o / da minh / a mudez //
humano”. O poeta quer desaprender todas
as línguas, porque a poesia não tem por-
quês, e deseja esquecer tudo até um inu-
mano emudecer, para voltar a ser humano
no minúsculo universo de sua mudez. Um
detalhe importante é a fragmentação da
palavra “universo”, que nos remete tanto
a sua etimologia (universus, de unus, uno,
e versus, mudado, convertido; em outras
palavras, o todo, a unidade), como a pala-
vra “verso”, que pode se entender também
como “linha poética”, e ao desprendimento
do “o” como símbolo do indivíduo e sua
qualidade ínfima refletida também pelo
prefixo “nano”. Em contrapartida desta
diminuição, a superação celebratória está
retratada na silhueta em forma de flecha
virada para cima, que a mancha tipográfi-
ca do poema desenha na página branca.
Já se falou bastante da negação e
da negatividade na poesia e ensaística de
Augusto de Campos. Parte dela reflete-se
no prefácio intitulado “Outronão”, em que
o poeta comenta que o volume talvez seja
o último “bônus” de seu trabalho poético.
Explica que a origem do título Outro surgiu
do estranhamento diante do enigma de
encontrar em alguns discos americanos a
palavra: “custei a me dar conta de que se
tratava de um termo musical, uma pala-
vra-valise que sai de in para out, inverten-
do o sentido de intro”. Daí também surgi-
ram os títulos das seções: “Outro” contém
os poemas; “Intro”, as “intraduções”;
desumano
“Extro”, as “outraduções” – um neologis-

36
mo mais idealizado pelo poeta e que, por enquanto Augusto se concentra na beleza
sua natureza, vêm a somar-se às “home- da descrição poética. Os três parágrafos,
nagens” e aos “profilogramas”, como pe- em uma tipografia que tem um halo vio-
ças que se afastam da tradução específica leta sobre um fundo preto, vão se defor-
de textos para traduzir o temperamento mando de forma ondulatória ao largo das
artístico de um criador; “Notas”, onde dá outras três páginas, até tornarem-se ile-
referencias para explicar a origem de al- gíveis como letra, mas não como silhueta,
guns trabalhos; “Deserrata”, um poema pois pouco a pouco vão se assemelhando a
que joga com o tema das notas intituladas um polvo ou à mancha de tinta que deixa.
“Errata”; e finalmente “Clip-poemas”. A apresentação do poema é justamente a
Comento algumas das “outradu- inversa de como a descrevi: na verdade, o
ções” para concluir a resenha. A outra- polvo aparece primeiro em imagem e logo
dução “o polvo (vieira)” (2011) consiste se define em letra. Outro poema interes-
em três parágrafos tomados do Sermão sante é “occhiocanto (omaggio a scelsi 2)”
da sexagésima do padre Antonio Vieira (2010), dedicado a Giacinto Scelsi (1905-
(1608-1697) – segundo indicação do pró- 1988), compositor italiano que experimen-
prio Augusto nas “Notas”, que descrevem tou diversos aspectos da música, como os
um polvo. No original, o jesuíta português timbres e os microtons, e cuja obra mais
utiliza a imagem para dar uma lição moral famosa é Quattro pezzi su uma nota sola
mostrando a hipocrisia por meio do animal, (1961) que joga precisamente com os

o polvo (vieira) (4)

37
o polvo (vieira) (3 e 1)

38
occhiocanto
(omaggio a
scelsi 2)

timbres, modulações e durações de uma Augusto tinha já como antecedente “pó


só nota que podem dar os instrumentos de tudo (scelsi)” (1993), “intradução” que
de uma orquestra. A “outradução” é uma aparece em Despoesia e cuja disposição
imagem composta por pequenos quadros gráfica imita a capa do LP onde Scelsi pu-
em diversos tons de cinza, de aproxima- blicou seus Quattro pezzi.
damente meio centímetro, com os quais Para encerrar, quero referir-me à
se compõe o close up de um olho. À dis- “deserrata” (2003), poema que aparece
tância de leitura, aprecia-se vagamente a justamente no lugar em que se costuma
imagem, mas se distanciar-se o suficien- colocar as notícias de erratas. Viva vaia
te, é possível apreciar a direção da pupila (Poesia 1949-1979) (2001) inclui uma lis-
e outros detalhes. É como se ampliasse ta de seis erratas, por exemplo: “P.5 – 4ª
uma imagem digital em branco e preto linha, onde se lê ‘é você’ leia-se ‘é você’”.
até perceber os pixels. Possivelmente é Assim, “deserrata” nos diz, em forma de
um olho de Scelsi. A ideia do “canto de coluna e com a mesma tipografia de pon-
um olho”, sugerida pelo título, propõe um tos usada em “pós”: “on / de / se // lê //
paralelo entre a imagem e obra do autor: le / ia / se // le / ia / se / vê”. O encerra-
os quadrados, que são todos iguais em mento de Outro é rotundo, como sua pró-
sua forma, como o que é a nota musical pria capa, e nos demonstra como a poesia
em Quattro pezzi, podem construir uma pôde conviver com o mundo da imagem,
imagem variando seus tons, tal como a ao ponto de convidar-nos a ver para ler.
mesma nota, executada de diversas ma-
neiras em diferentes instrumentos, pode Augusto de Campos, Outro, Editora
construir uma peça. Esta “outradução” de Perspectiva, São Paulo, 2015, 109 pp.

39
Notas
1
Vários destes registros sonoros estão recolhidos nos CDs

que acompanham os livros Grupo Noigandres, Cosac Naify,

São Paulo, 2002, 80 pp. e Poesia Concretra: o projeto ver-

bivocovisual, Artemeios, São Paulo, 2008, 256 pp., ambos

pela curadoria de João Bandeira e Lenora de Barros.


2
Cf. Ricardo Araújo, Poesia visual vídeo poesia, Editora

Perspectiva, São Paulo, 1999, 178 pp. Em seu livro,

Ricardo Araújo narra com detalhes a construção deste

poema e de outros, como “Crisantempo” de Haroldo de

Campos, e oferece entrevistas com Augusto, Haroldo,

Cid, Décio, Arnaldo e Julio Plaza. Tive a sorte de pre-

senciar uma demonstração dos avanços desse trabalho

em uma estação de trabalho Silicon Graphics no Centro

de Computação Gráfica do Laboratório de Sistemas

Integráveis (LSI) da Universidade de São Paulo (USP), por

convite de Haroldo e Ricardo, em 1993.

*tradução do espanhol: Caio Nunes

40
NOVOS ÍNDICES PARA
“MÚSICA DE INVENÇÃO”
por Daniel Scandurra

”Na medida em que a criação encara a história como linguagem, no que diz respeito à
tradução, podemos aqui estabelecer um paralelo entre passado como ícone, como possibi-
lidade, como original a ser traduzido, o presente como ÍNDICE, como tensão criativo-tra-
dutora, como momento operacional e o futuro como símbolo, que dizer, a criação à procura
de um leitor. ”

(Julio Plaza no livro Tradução Intersemiótica, de 1989, p. 8)

”Este livro é para quem curte a música com amor & rigor. O poeta, tradutor e ensaísta
Augusto de Campos vem realizando um trabalho essencial de crítica e divulgação musical
em nossa terra de ”surdos-músicos”. Foi o primeiro a abordar compositores como Webern,
Varèse, Cage, Boulez e Nono, e a divulgar verdadeiros ”terremotos sonoros subterrâneos”
como Antheil, Cowell, Nancarrow, Scelsi e Ustvólskaia, entre outros tantos.

Da música e poesia provençal à poesia de John Cage, Música de Invenção é um mosaico


de épocas, autores e temas que apresenta ao leitor brasileiro um larco espectro da criação
musical que precisa ser conhecido. Complementa o livro, uma tradução perfeita de Pierrot
Lunaire de Schoenberg, já apresentada em concerto.

Reunindo textos escritos a partir de 1957, Música de Invenção é um documento único


sobre a vida musical e cultural brasileira das últimas décadas. Por tudo isso, este é cer-
tamente o livro mais importante sobre o assunto publicado no Brasil, obrigatório para os
interessados e estudiosos da música criativa.

Depois do Balanço da Bossa, o poeta do pós-tudo agora nos lança na pós-música dos si-
lêncios, sons e ruídos. Prazer do texto e dos ouvidos, juntos.

Só cabe, então, saudar: ” – Música, maestro Augusto!”

(Livio Tragtenberg, na contracapa da primeira edição do livro Música de Invenção 1, de


Augusto de Campos, lançado em 1998 pela ed. Perspectiva)

41
“Caro Augusto,

Como vai você? Como vai Lygia? Como anda 2017? Espero que estejam todos bem!

Apresento a primeira versão do Índice Onomástico e do Índice das Composições


Citados que acabo de organizar do seu livro MÚSICA DE INVENÇÃO n.1. Envio anexados
aqui, duas versões simplificadas em word de cada, uma organizando os nomes ou músi-
cas por ordem alfabética e outra por ordem de quantidade de citações de cada qual.

Comentei contigo ano passado que estava finalizando este processo, e finalmente con-
segui. Foi um tanto trabalhoso, você deve imaginar, mas muito prazeroso também.
Encontrei relíquias que gostaria de compartilhar contigo assim que possível, por exemplo
esse mini documentário sobre Ustvolskaia com a participação de Reinbert de Leeuw e um
cantor teatral um tanto exagerado (na certa já viu, mas vai aí o link: https://www.youtu-
be.com/watch?v=ninHa6TqgqM&t=1119s), ou uma execução despretenciosa ao vivo de
Sinister Resonance, de Henry Cowell (https://www.youtube.com/watch?v=zIZ5vt6a6Uc)
dentre outros infinitos links que sigo catalogando em busca dos mais significativos e das
gravações de boa qualidade,

O resultado do índice onomástico me espantou mais do que eu pude prever, você cita ao
todo 509 nomes (!!), mais que o dobro da quantidade total de páginas do livro. E são
curiosas as constatações possíveis a partir dos índices, a simples listagem das pessoas
mais citadas, ou das músicas mais citadas, por exemplo, já nos oferece uma especie de
paideuma crucial da música desde 1880 (Satie e Debussy), até 1990 (Ustvólskaya e últi-
mos trabalhos de Cage).

42
Eis as pessoas citadas em mais de 10 páginas do livro:

Nome Datas Total de páginas com citações


John Cage 1912-1992 75
Arnold Schoenberg 1874-1951 64
Pierre Boulez 1925-2016 57
Anton Webern 1883-1945 56
Igor Stravinski 1882-1971 40
Ezra Pound 1885-1972 38
Edgard Varèse 1883-1965 35
Charles Ives 1874-1954 27
George Antheil 1900-1959 27
Giacinto Scelsi 1905-1988 26
Erik Satie 1886-1925 24
Karlheinz Stockhausen 1928-2007 20
J. Jota de Moraes 1943-2012 18
Luigi Nono 1924-1990 18
Alban Berg 1885-1935 17
Conlon Nancarrow 1912-1997 15
Henry Cowell 1897-1965 15
James Joyce 1882-1941 15
Galina Ivânovna Ustvólskaia 1919-2006 14
György Ligeti 1923-2006 13
Stephane Mallarmé 1842-1898 13
Claude Debussy 1862-1918 12
Gertrude Stein 1874-1946 12
Robert Craft 1923-2015 11
Virgil Thomson 1896-1989 11
Décio Pignatari 1927-2012 10
Reinbert de Leeuw 1938 10

Quanto ao índice das composições, ele ainda está em fase de apuração e hipertextuali-
zação (planos de fazer um site e uma exposição), foram catalogadas 390 composições,
também mais do que a quantidade de páginas do livro (275 páginas), o que é assombro-
so. Eis as composições com mais de 4 citações no livro:

43
Compositor Composição

Antheil, George Ballet Mecanique


Stravinski, Igor Sagração da Primavera
Schoenberg, Arnold Pierrot Lunaire, Op. 21 *
Varèse, Edgard Ionisation
Webern, Anton Op. 22_ Quarteto
Webern, Anton Op. 6_ 6 Pieces For Orchestra
Pound, Ezra Le Testament De Villon
Webern, Anton Op. 5 Sätze For String Quartet
Webern, Anton Op. 27_ Piano Variations
Webern, Anton Op. 21_ Symphony
Cage, John Sonatas and interludios para piano preparado
Nono, Luigi Prometeo
Nono, Luigi La lontananza nostalgicaa utopica futura
Satie, Erik Balé Parade
Stravinski, Igor Les Noces (O Casamento)
Thomson, Virgil / Stein, Gertrude Four Saints in Three Acts
Ustvolskaia, Galina Composição 1 – Dona Nobis Pacem
Antheil, George A Jazz Symphony
Nono, Luigi ...sofferte onde serene...
Scelsi, Giacinto 4 Pezzi
Ustvolskaia, Galina Grande Dueto para Violoncelo e Piano
Ustvolskaia, Galina Composição 2 – Dies Irae
Ustvolskaia, Galina Composição 3 – Beneditus qui Venit
Varèse, Edgard Déserts
Webern, Anton Op. 19_ 2 Lieder
Webern, Anton Op. 24_ Concerto For 9 Instruments

* (sem contar páginas com a tradução dos textos/poemas utilizados por Schoenberg, de Albert Giraud)

44
Total De Págs.
Ano Comp Links
Com Citações

1923-25 17 https://youtu.be/pZ5iZ-cOb58
1913 15 https://youtu.be/QF1pTRR8l20
1912 13 https://youtu.be/KsIATAaR-X0
1929-1931 9 https://youtu.be/a9mg4KHqRPw
1930 9 https://youtu.be/osiEgrrzTVI
1909-1910 1928 8 https://youtu.be/qzqjNGM6Nxw
1919 7 https://youtu.be/h87wzHikkwc
1909 7 https://youtu.be/0DL9rbcrLVo
1936 7 https://youtu.be/ZEtqEzPakxA
1928 6 https://youtu.be/Xq2gwuKDPnY
1946-1948 5 https://youtu.be/26K9f8n6ymU
1984 5 https://youtu.be/5n-JuMnzVgA
1988-1989 5 https://youtu.be/X-CKVm8MXxU
1917 5 https://youtu.be/_Chq1Ty0nyE
1914-23 5 https://youtu.be/vsXR81dLjjE
1928 5 https://youtu.be/_GrYgNNOc28
1970-71 5 https://youtu.be/FkNZldE6Y2Y
1925 4 https://youtu.be/zJr4c5oq_uE
1976 4 https://youtu.be/6yw4i1w4QKE
1959 4 https://youtu.be/MfTjz6emd7c
1959 4 https://youtu.be/jTTQNM6u8yY
1972-1973 4 https://youtu.be/pnZ0UBC07Ow
1974-75 4 https://youtu.be/eRlaF_7qhPE
1950-1954 4 https://youtu.be/Q__g0tgC2wE
1926 4 https://youtu.be/G42CwVlD2JU
1934 4 https://youtu.be/pVQambrIKNo

45
Quanto a necessária reedição do Música de Invenção 1, espero que a editora não vacile.
Estamos há exatos 10 anos do lançamento da última edição e tb há quase exatos 20 anos
do lançamento da primeira edição, ao menos efemérides ñ faltam! Mas a grande questão
é que o livro está esgotado e merece ser relançado agora que a internet está bastante
rápida e repleta de materiais raros e carentes de estímulo ao acesso.

Enquanto isso, seguirei no garimpo e seleção de pérolas online, eis um ótimo audiovisual
com Boulez jovem regendo a Sagração da Primavera com l’Orchestre de Radio-Canada
em 1963:
https://www.youtube.com/watch?v=QF1pTRR8l20

Feliz em estarmos em contato.

Grande abraço.

Daniel Scandurra”

(Junção de 2 emails enviados para Augusto em 29/4/2017 e 1º/5/2017)

“Caro Daniel,
(...)

Não sei porque as editoras brasileiras negligenciam essa parte da editoração, que acho
tão importante. Já comecei e fiz a leitura de muitos livros a partir dos índices onomásticos
ou temáticos, e isso facilitou enormemente a compreensão das obras, franqueando-me
outras vias de acesso. Mas essa prática, que é comum nas edições americanas ou euro-
péias, quase não existe por aqui.
(...)

Entendo que há uma crise grande no setor, o público só lê o que os jornais e revistas de
massa apontam como best sellers. As distribuidoras atrasam os pagamentos de editoras
de pequeno e médio porte, demorando às vezes mais do que os 90 dias contratuais para
pagar, depois de levar os 55% de praxe… Os leitores brasileiros sofrem de um infantilismo
crônico, e apesar do grande apreço que tenho pela tecnologia e pelo mundo digital, tenho
que reconhecer que as facilidades e comodidades dos aparelhos de comunicação estão
empobrecendo muito a linguagem e a leitura, o brasileirês anda cada vez mais estropiado
e o público superficial.
(...)

Forte abraço,
Augusto”

(trechos de resposta de Augusto em email de 3/5/2017)

46
ÍNDICE REMISSIVO MÚSICA Beach, Sylvia: 193, 201
DE INVENÇÃO 1 Beach, Sylvia: 198
Editora Perspectiva Beardslee, Bethany: 42
1ª edição 1997 Beckett, L.C.: 148
Bedford, Agnes: 27
Beethoven, : 28, 95, 96, 134, 218
A Benjamin, Walter: 218
Benn, Gottfried: 219 244
Abbado, Claudio: 218 Berg, Alan: 10, 37, 87, 95, 99, 101, 102,
Abreu, Tuzé de: 89 105, 106, 111, 114, 140, 164,
Adorno, : 211 211, 215
Ady, : 219 Berio, Luciano: 87, 212, 213, 221,
Ajemian, Maro: 151 239, 241
Alais, Alphonse: 75, 113 Bernhardt, Sarah: 41
Alighieri, Dante: 19, 20 Beths, Vera: 205, 209
Álvares, Paulo: 229 Binckley, Thomas: 19, 21
Amirkhanian, Charles: 188, 191, 205, Blake, William: 234
209, 248 Blois, Louis: 224, 225
Anderson, Margaret: 198 Blok, : 219
Andrade, Oswald de: 10, 73, 75, 77, Bologna, Ronaldo: 39
88, 139 Borges, : 151
Andrade, Mario de: 27, 38, 73 Born, Bertran de: 20
Antheil, George: 10, 23, 24, 28, 29, 80, Bornelh, Giraut de: 20
114, 115, 185, 192, 193, 195–198, 201, Boulder, John: 163
202–209, 237, 238 Boulez, Pierre: 11, 32, 37–39, 41, 42, 87,
Antoni, Eric: 180 95, 97, 98, 99, 102, 104–106, 108, 109,
Antunes, Arnaldo: 151 113, 118, 121, 122, 134, 140, 142, 143,
Apolinaire, : 76 153–161, 182, 191, 211, 213, 219, 221,
Araripe, Tiago: 22 222, 239, 241, 243, 244, 247, 254
Arden, David: 229 Bour, Ernest: 39
Arditti, Irvine: 239 Bowman, : 176
Arnaud, Noel: 77 Brancusi, : 10, 205
Atenágoras, : 129 Brasil, João Carlos Assis: 79, 81
Aurenga, Raimbaut d’: 20 Brassens, Gerges: 22
Auric, : 75 Bratke, Marcelo: 100
Brecht, Bertold: 212
B Brion, Jean-Claude: 174
Brizzi, Aldo: 181, 214, 219, 233
Bach, : 98, 107, 119, 156, 192 Brown, Norman O.: 129, 139
Barrault, Jean-Louis: 155 –157 Brown, Earl: 182
Barrère, Georges: 119 Buarque, Chico: 20, 22
Bartok, Bela: 23, 87, 105, 106, 185, Bunger, Richard: 128
207, 215 Busoni, : 30, 192
Bartsch, : 20
Bashô, : 151

47
C Cowell, Henry: 10, 23, 115, 133, 153,
192, 205, 206, 231–234, 237, 238, 247
Cacciari, Massimo: 219 Cowell, Sidney: 233
Cage, John: 10, 13, 23, 24, 30, 40, 73, 75, Cozzella, Damiano: 77, 137, 144
76, 77, 80, 85, 87–89, 95, 105, 106, 114, Craft, Robert: 42, 96, 97, 98, 102, 104,
122, 127–130, 133–135, 137–144, 147– 107, 108, 196, 211
161, 163, 164, 174, 180, 184, 187, 191, cummings, e. e.: 10, 23, 141, 147, 155,
193, 206, 208, 209, 211, 213, 216, 225, 157–159
231–233, 237, 239, 241, 242, 244, 247, 254 Cunningham, Merce: 127, 128, 134, 141
Cagney, James: 197, 198
Calder, : 10, D
Campion, Thomas: 28, 208
Campos, Haroldo de: 77, 140–142, 151, Daniel, Arnalt: 17, 20, 27
152, 155, 213, 217 Debussy, Claude: 27, 38, 76, 80, 95,
Campos, Roland de Azeredo: 150 113, 115, 119, 173
Cardenal, Peire: 20, 21 Dellapiccola, Luigi: 175, 185
Carpeaux, : 77, 142 Denísov, Édison: 221, 226
Carpentier, Alejo: 103 Dickinson, Emily: 225
Carrega, Ugo: 179 Dolmetsch, Arnold: 27
Carrillo, Julián: 88 Dreyer, Frank: 229
Carter, Elliott: 247 Duarte, Rogério: 87
Carvalho, Eleazar de: 38 Duchamp, Marcel: 10, 105, 130, 134,
Castro, Fidel: 213 139, 142, 143, 159, 198
Castro, Willys de: 157 Duprat, Rogério: 77, 128, 133, 137, 141,
Cerha, Friedrich: 39 144, 151, 153
Char, René: 158 Dworecki, Perez: 39
Chase, Gilbert: 196, 202, 206
Chaucer, : 19, 27 E
Chopin, : 207
Chuang-tse, : 130 Earle, Brown: 87, 182
Chung, Chou-Wen: 122 Eberle, Gottfried: 219
Ciccolini, Aldo: 75 Eimert, Herbert: 102, 109
Citkovitz, Israel: 208 Einstein, Albert: 205
Clair, René: 76 Eisler, Hanns: 111, 122, 197, 212
Claudel, Paul: 155, 156 Elchmer, Nagib: 140, 150, 151, 213
Coburn, Alvin: 198 Eliot, T. S.: 28, 242
Cocteau, Jean: 28, 39, 79, 80, 208 Eluard, : 212
Codax, Martin: 22 Emerson, : 148
Colombo, Cristóvão: 156 Epifânio, : 129
Copland, Aaron: 193, 202, 208 Escribano, Marie-Therese: 39
Corbusier, Le: 121
Cordeiro, Waldemar: 157 F
Cordeiro, Waldemar: 142
Costa, Gal: 40 Falla, : 27
Covarrubias, Miguel: 200 Feldman, Morton: 10, 87, 159, 164, 174,

48
180, 206, 239, 243 H
Ferneyhough, : 164, 173, 242, 244
Ferreti, Edmar: 39 Haba, Alois: 88
Fitzgerald, Scott: 23 Halbreich, Harry: 174, 175, 182
Franco, : 188 247 Halle, Adam de La: 28
Franco, Walter: 20 Harper, Heather: 97
Freeman, Keith: 30, 31 Harrison, Lou: 191, 233, 237
Freund, Marya: 40 Hartleben, Otto Erich : 37, 43
Frobenius, Leo: 203 Hemingway, Ernst: 23, 198
Fuhrman, Roderich: 201, 202 Hendrix, Jimi: 40
Fuller, Buckminster: 75, 134, 139, 148 Herzog, George: 206
Higgins, Dick: 139, 141, 232
G Hiller, Lejaren: 127, 129
Hindemith, : 197
Galvão, Patrícia: 38, 73 Hirayama, Michiko: 174, 176, 181
Gandhi, : 130 Hirsbrunner, Theo: 224
Garland, Peter: 248 Hitler, Adolf: 111
Gaudi, : 150 Hoelderlin, : 215, 218
Genet, : 241 Hughes, Robert: 29, 30, 31
Gennrich, : 20 Hughes, Allen: 127
George, Stefan: 107, 108 Huidobro, : 116
Gershiwin, : 24, 33
Gesualdo, : 97 I
Gielen, Michael: 213
Gil, Gilberto: 20, 40, 87, 175 Imbs, Bravy: 201
Gilbert, Stuart: 201 Isaac, Heinrich: 108
Gilberto, João: 98, 175 Ives, Charles: 10, 13, 23, 29, 77, 80, 81, 87,
Giraud, Albert: 37, 40, 43, 44 88, 105, 106, 114, 142, 164, 174, 180, 188,
Glass, Philip: 173 193, 205, 208, 221, 225, 232, 233, 239, 247
Goethe, : 108
Goldbeck, Fred: 118 J
Goldwin, Joscelin: 232
Golschman, Vladimir: 201 Jdanov, : 73, 111, 122
Górecski, : 229 Jemnitz, : 41
Gotlleb, Gordon: 196 Jobim, Antonio Carlos : 175
Gould, Glenn: 99, 154, 180 Jone, Hildegard: 97, 109, 110
Graves, Morris: 129 Joplin, Scott: 79, 81, 196
Greenaway, : 10, Joyce, James: 10, 28, 105, 108, 128,
Gregório, Nicola: 39 129, 135, 149, 155, 157, 158, 164,
Griffith, Paul: 40 193, 198, 201, 208
Griffiths, Graham: 99 Jung, : 129
Grindenko, Tatiana: 213, 217
Grünewald, José Lino: 77
Guarnieri, Camargo: 73
Gubaidulina, Sofia: 221, 223

49
K M

Kafka, : 215 Macdonald, Ian: 222


Kagel, : 241 Machado, Antonio: 217
Kaltenecker, Martin: 216 Maderna, Bruno: 212, 239, 241
Khliébnikov, : 219 Maiakóvski, Vladmir: 212
King, Martin Luther: 130, 135 Maliévitch, : 10, 105, 224
Klee, : 10, 159 Mallarmé, Stephane: 76, 142,
Klein, Walter: 185 153–158, 161
Koehler, Egon: 185 Malov, Oleg: 222
Koellreuter, : 142, 157 Marcabru, : 20
Kontarsky, Bernhard: 220 Marjevols, Bernart Sicart: 22
Kraus, Karl: 108 Marnat, Marcel: 42
Kremer, Gidon: 213, 216 Marti, Claude: 21, 22
Krenek, Ernst: 23, 80, 96, 105, Martin, Grace-Lynne: 97
111, 203 Martinis, Luciano: 179, 184, 186, 216
Kubala, Zygmunt: 39 Massine, : 79
Kubrik, : 175 Matogrosso, Ney: 22
Kupper, Anneliese: 39 Matos, Gregório de: 22
Mauberley, Hugh Selwyn: 192
L McAlmon, Robert: 193
Mcluhan, Marshall: 135, 148
Laine, Cleo: 40, 42 McPhee, Colin: 202
Lamaire, Frans C.: 222 Medaglia, Júlio: 39, 144
Lamarr, Hedy: 208 Méfano, Paul: 181, 213, 214
Lavaud, : 20 Mellers, Wilfred: 206
Leeuw, Reinbert de: 29, 30, 31, 77, 99, Mendes, Gilberto: 77, 144, 163
196, 205, 209, 222, 229 Mendonça, Newton: 175
Leger, Fernand: 198 Messiaen, : 164, 207
Leibowitz, René: 75, 96, 102, 107, 122 Metzger, Heinz-Klaus: 106, 184,
Levi, Bill: 75 185, 217
Levine, Joseph: 99 Metzmacher, Ingo: 219
Levit, Richard: 22 Michaux, Henri: 182
Lewis, : 205 Mikhashoff, Yvar: 248
Ligeti, György: 175, 176, 180, 188, 216– Milhaud, : 23, 76, 80, 155, 156,
218, 233, 239, 241–243, 247 198, 209
Liszt, : 218 Miller, Henry: 23
Liubimov, Alexei: 229 Milosz, : 219
Lourié, Arthur: 226, 237 Moldenhauer, Hans & Rosaleen: 98,
Lucrécio, : 219 244 110, 111
Lukomska, Halina: 97 Mondrian, : 10, 105, 118, 159
Lumumba, Maurice: 212 Montale, : 176
Monteaux, Pierre: 226
Moraes, J. Jota de: 29, 39, 137–144, 215
Moraes, Renado de: 87, 175

50
Morton, Jelly Roll: 81 Perotinus, : 119
Mossolov, : 221, 223, 226, 237 Perse, St. John: 119
Mozart, : 201 Pessoa, Fernando: 151
Mullens, Joe: 202 Pestalozza, Luigi: 217
Murail, Tristan: 242 Petrarca, : 19
Petrassi, Goffredo: 185
N Peyser, Joan: 154
Pfaff, Luca: 174
Nancarrow, Conlon: 10, 173, 176, 187, Piatigorsky, Gregor: 97
188, 191, 193, 207, 209, 210, 242, 243, Picabia, : 75, 76, 113
244, 247, 248 Picasso, Pablo: 10, 76, 79, 105, 106,
Nattiez, Jean-Jacques: 153, 154 205, 206
Nestrovski, Arthur: 173, 188, 191, 192 Pignatari, Décio: 24, 77, 121, 137, 140,
247 142, 144, 151, 152, 213
Nietzsche, : 219 244 Pilarczyk, Helga: 39, 42
Nin, Anaïs: 122 Piston, Walter: 188 247
Nixon, Marni: 97 Poe, Edgar Allan: 173
Nono, Luigi: 10, 164, 211, 212, 213, 214, Poirier, Alain: 224, 225
215, 216, 217, 218, 219, 220, 221, 233, Pollini, Maurizio: 99, 215
239, 241, 242 243, 244 Ponsseur, : 106
Popov, : 223, 226
O Poulenc, : 75
Pound, Ezra: 10, 17, 20, 23, 24, 27, 28,
Obuhov, Nikolai: 88, 226 29, 30, 31, 41, 44, 80, 105, 115, 134,
Oliveira, Willy Corrêa de: 77, 144 139, 142, 150, 155, 157, 158, 159, 185,
Ornstein, Leo: 237, 238 192, 193, 195, 197, 198, 201, 203, 204,
Osawa, Seiji: 127 205, 206, 207, 213, 219, 242, 244
Ouellette, Fernand: 119 Pratti, Ugo: 207
Oullette, Fernand: 102 Price, Paul: 87, 104, 237
Ovídio, : 219, 244 Prokofiev, : 223, 237
Protopopov, Sierguei: 226
P
Q
Pagano, Caio: 77
Pärt, Arvo: 221, 229 Quasha, George: 139
Partch, Harry: 88
Passos, John dos: 23 R
Pasternak, : 219
Paz, Juan Carlos: 140, 203 Rachewiltz, Mary de: 205
Paz, Octavio: 139 Radulescu, Horatiu: 164, 233, 242
Peitieu, Guilhem de: 20 Ramakrisha, Sri: 129
Peress, Maurice: 195, 198, 202, Ravel, : 38
206, 209 Raynouard, : 20
Perle, George: 42 Raynouard, Man: 201
Perloff, Marjorie: 150 Reich, Steve: 239*

51
Reynaud, Madeleine: 155, 156 176, 179, 180, 181, 182, 183, 184, 185,
Ribeiro, João: 44 186, 214, 215, 216, 217, 221, 225, 226,
Righi, Leonardo: 39 233, 242, 243, 244
Rilke, Rainer Maria: 108, 244 Schaeffer, Pierre: 140
Rimbaud, : 159, 214, 248 Schaeffner, André: 40, 41, 44, 134
Ripellino, Angelo: 212 Schafer, R. Murray: 28, 29, 192, 203
Rockwell, John: 29 Scherchen, Herman: 121
Roldán, Amadeo: 102, 237 Scherer, Jacques: 155
Rorem, Ned: 28, 193, 206, 207 Schiff, Heinrich: 229
Rosberry, Eric: 223 Schirmer, : 174
Rosen, Charles: 97 Schleiermacher, Steffen: 237
Rosenfeld, Paul: 105 Schnittke, : 221
Rosenfeld, Anatol: 140 Schoen, William: 30
Rosenthal, Maurice: 77 Schoenberg, Arnold: 10, 23, 30, 33, 37,
Roslavetz, Nikolai: 226, 237 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 47_73, 75,
Rostand, Claude: 97, 107, 109 87, 95, 99, 101, 102 | 105, 107, 111,
Rostropóvitch, : 229 113, 114, 115, 133, 140, 159, 181, 185,
Rothenberg, Jerome: 139 211, 212, 213, 215, 232, 233, 253, 254
Rousseau, : 29 Schoenberger, Elmer: 223
Rudel, Jaufre: 20 Schroeder, Marianne: 237
Rudge, Olga: 28, 29, 198, 205 Schubert, : 30, 98, 107
Ruggles, Charles: 10, 23, 115, 208 Sciarrino, : 164
Rummel, William Morse: 27 Scriabin, : 181, 185, 218, 226
Rummel, Walter Morse: 17, Seeger, Charles: 231, 232
Russolo, Luigi: 207, 208 Sessions, Roger: 188 247
Shattuck, Roger: 75, 76
Shostakoviski, : 122, 197, 221, 222, 223
Silva, Conrado: 144
S Siohan, Robert: 101
Slonimsky, Nicolas: 102, 103, 188,
Safo, : 192 206, 247
Saghaard, Jean Noel: 39 Smalley, : 173
Saint-Saens, : 75 Smetak, Walter: 11, 85, 87, 88, 89, 175, 176
Salaris, Claudia: 179 Sousândrade, Joaquim de: 22
Samuel, Claude: 156 Stálin, : 221, 237
Samuel, Robert: 153 Stein, Gertrude: 23, 24, 33, 105, 139,
Sandri, Giovanna: 179 141, 142, 155, 158, 208, 213, 232
Santana, Rodrigo: 87 Stein, Erwin: 40
Sartre, Jean Paul: 212 Stein, Leonard: 41
Satie, Erik: 10, 24, 29, 30, 73, 74, 75, Steiner, George: 13
76, 77, 79, 80, 81, 95, 96, 105, 113, Stenze, Jurg: 215
134, 141, 197, 207, 208, 237 Stern, Isac: 97
Scarnecchia, Paolo: 174 Stettheimer, Florine: 24, 33
Scarpini, Pietro: 40 Stockhausen, : 29, 73, 87, 89, 95, 105,
Scelsi, : 10, 159, 164, 173, 174, 175, 106, 122, 142, 143, 164, 211, 212, 213,

52
221, 231, 233, 239, 241, 254 213, 233, 237, 239
Stokovski, : 115 Varèse, Louise: 113, 118, 224, 224
Strauss, : 30, 80, 102 Veloso, Caetano: 20, 40, 87, 88, 175
Stravinski, Igor: 23, 28, 37, 38, 73, 80, Ventadorn, Bernart de: 20, 22
87, 95, 96, 99, 101, 103, 105, 106, 113, Verbit, Marthanne: 209
114, 115, 118, 119, 158, 192, 196, 198, Verlaine, : 43
204, 205, 206, 207, 209, 211, 212, 222, Vermeil, Jean: 237
223, 224, 226, 231, 232 Vidal, Peire: 20
Subotnik, : 164 Villa-Lobos, Heitor: 22, 38, 103, 118, 207
Sumsion, Calvin: 130, 141 Villon, : 19, 22, 28
Surinach, Carlos: 195 Viniers, Williaume li: 28
Sverner, Clara: 32, 79, 81, 85, 98, 100, 110 Vischnia, Maria: 39
Swed, Mark: 229 Vischniegradski, : 226
Vishniegradski, Ivan: 88
T Vivaldi, : 28
Vivier, Odile: 103, 113, 121
Tablada, : 116 Volta, Ornella: 73, 76
Tarkovski, Andrei: 213, 216
Theremin, Leon: 233 W
Thomson, Virgil: 23, 24, 28, 33, 158,
202, 207, 208, 213, 225, 238 Wagner, : 207
Thoreau, Henry David: 88, 128, 129, Wagner-Stiedry, Erika: 41
130, 135, 139, 148 Webern, Anton: 10, 27, 29, 32, 37, 38,
Tobey, Mark: 184 39, 73, 75, 77, 80, 85, 95, 96, 97, 98,
Tosatti, Vieri: 174 101, 102, 103, 104 | 105, 106, 107, 108,
Toscanini, : 33 109, 110, 111, 113, 114, 115, 119, 122,
Trakl, : 108 134, 140, 143, 154, 157, 158, 159, 188,
Tsvietáieva, Marina: 225 211, 212, 215, 233, 239, 247, 253, 254
Tsvitáieva, : 164 Weid, Jean-Noel von der: 173, 174, 176, 180
Tudor, David: 159 Weill, Kurt: 23, 27
Tung, Mao Tse: 135 Weiss, Adolph: *, 233
Wellez, Egon: 40
U Whiteman, Paul: 196
Williams, Emmet: 232
Ustvolskaia, Galina Ivânovna: 10, 164, Williams, William Carlos: 207
221, 222, 223, 224, 225, 226, 227, 229, Wiser, William: 198
237, 242, 243, 244 Wiser, William: 201
Wishart, : 173
V Wisnik, José Miguel: 38
Wittgenstein, : 148, 150, 244
Valéry, Paul: 138 Wolff, Jan: 222
Varèse, Edgard: 10, 23, 32, 85, 101, 102, Wolff, Klaus Dieter: 77
103, 104, 105, 106, 113, 114, 115, 116, Wolff, Christian: 163
118, 119, 121, 122, 133, 140, 142, 164,
174, 175, 197, 198, 205, 206, 207, 208,

53
X ÍNDICE DAS MÚSICAS CITADAS POR
ORDEM ALFABÉTICA DE COMPOSITOR
Xenaquis, : 121, 180, 239 E ANO DE COMPOSIÇÃO

Y
ANTHEIL, GEORGE
Yates, Peter: 206 Airplane Sonata (1922): 209, 233
Jazz Sonata (1922): 80, 238
Z Sonate Sauvage (1922/23): 209, 238
Primeira Sonata para violino e piano
Zagrosek, Lothar: 203 (1923): 195, 205
Zanni, Amilcar: 39 Segunda Sonata para Violino e Piano
Zappa, Frank: 104, 122 (1923): 195, 205
Zehme, Albertine: 41, 44 Little Shimmy (1923): 209
Zeller, Hans Rudolf: 180 Segunda Sonata para Violino, Piano e
Zenck, Martin: 180 Tambor (1923): 195
Zukofsky, Paul: 127, 239W Ballet Mecanique (1923-24-25 *): 28,
114, 192, 193, 195, 196, 197, 198, 201,
202, 204, 205, 206, 207, 208, 209, 273
Quateto para Cordas n1 (1924): 195
A Jazz Symphony (1925): 80, 195, 196, 209
Quarteto para cordas n2 (1927rev 1943): 202
Transatlantic (1927-1928): 202, 203, 209
La Femme 100 Têtes (after Max Ernst)
(1933): 209
Helen Retires (1934): 202
Quarteto para cordas n3 (1948): 202
Sonata numero 4 (1948): 209
Terceira Sonata para Violino e Piano: 195, 205

BARTÓK, BELA:
String Quartet No.1, Op.7_ I. Lento
(1909): 85, 114
String Quartet No.1, Op.7_ II. Poco a
poco acca (1909): 85, 114
String Quartet No.1, Op.7_ III.
Introduzione. A (1909): 85
String Quartet No.2, Op.17_ I. Moderato
(1915-1917): 85
String Quartet No.2, Op.17_ II. Allegro
molto c (1915-1917): 85
String Quartet No.2, Op.17_ III. Lento
(1915-1917): 85

54
BEETHOVEN: Música das Mutações (1952): 134
5ª Sinfonia: 95 Paisagem Imaginária n.5 (1952): 134
HPSCHD (1967-1969): 127, 257
BERG, ALBAN Cheap Imitation (1969): 30, 127
4 Pieces for Clarinet and Piano (1913): 114 Sounds Received Anonymously (1969): 127
Wozzeck (1917-1922): 114, 269 Musicircus (1970): 127, 128
Lulu: 80, 102 62 Mesostics Re Merce Cunningham
Concerto de Câmara: 115 (1971): 127
O Vinho: 102 Mureau (1971): 127
Os Cantos de Maldoror Pulverizados pela
BOULEZ, PIERRE Própria Assistência (1971): 127
Eventuellement... (1952): 140 WGBM-TV (1971): 127
Messagesquisse – Mensagensaio (1976): 241 Bird Cage (1972): 127
Dialogue de l’Ombre Double – Biálogo da Etcetera (1976): 127
Sombra Dupla (1982-1985): 241 Lecture on the Weather (1976): 127
2a Sonata para piano: 100, 154, 159, 265 Renga with Apartment house (1976): 127
3a sonata para piano: 154, 155, 157, 265 Roaratorio, an Irish Circus on Finnegans
Le Marteu Sans Maître: 38, 158, 265 Wake (1981): 135
Cummings is der Dichter: 159 Postcard from heaven (1983): 164
Estudos sobre um som: 265 Europeras (1987-1991): 241
La Naissance du Verbe: 159 Freeman Etudes: 127, 239
Le Soleil des eaux: 265 Atlas Borealis com as 10 trovoadas: 135
Livre pour Quatuor: 159
Polifonia para 17 Instrumentos Solistas: 265 CARDENAL, PEIRE
Quarteto para ondas Maternot: 265 Tartassa ni Voutor: 21

CAGE, JOHN CARRILLO, JULIÁN


Bacchanale (1938): 128, 133, 254 Sonata Quase Fantasia (1926): 256
Second Construction (1940): 151, 163 Concertino (1927): 256
Third Construction (1941): 151, 163 Tepepan: 256
A Maravilhosa Viúva das 18 Primaveras
(1942): 135 CLAUDEL:
The Wonderful Widow of Eighteen Springs Christophe Colombe: 265
(1942): 158
Amores (1943): 133, 254 COWELL, HENRY
Sonatas and interludes para piano The Tides od Manaunaun (1911 -12):
preparado (1946-1948): 133, 140, 150, 232*, 234
163, 254 Adventures in Harmony (1911): 232
Quarteto de cordas em Quatro Partes Dynamic Motion (1914-15): 234, 237
(1950): 151, 163 Time Table (1914-1915): 237
Concerto para Piano Preparado (1951): Amiable Conversation (1917): 234
134, 157, 254 Fabric (1917*): 234
16 Danças (1951): 150, 157 Snows of Fujyiama (1922): 234
Music of Changes Book I (1951): 154 The Hero Sun (1922): 237
Paisagem Imaginária n.2 (1951): 134 Aeolian Harp (1923): 234, 237

55
Fairy Answer (1924): 234 The Unanswered Question (1906) (1906):
Harp of Life (1924): 234 10, 225
Ensemble (1925 1956): 115 Três Peças para Piano (1923-1924): 256
The Banshee (1925c*): 234, 237
Tiger (1928c*): 234, 235, 237 JOBIM, TOM / MENDONÇA, NEWTON
Sinister Resonance (1930c*): 234 Samba de uma nota só: 175
Ostinato Pianíssimo (1934): 237
Elastic Musics: 233 JOPLIN, SCOTT
Mosaic Quartet: 233 Mapple Leaf Rag (1899): 79
The Voice of Lir: 237 The Easy Winners (1901): 79
The Cascade (1904): 79
DEBUSSY, CLAUDE Stoptime Rag (1910): 79
Canções de Bilitis / Chansons de Bilitis
(1887-): 76 KRENEK, ERNST
Noturnos / Trois Nocturnes (1899): 76 Johny Spielt Auf (1927): 80, 203
Golliwogg’s Cakewalk (1908): 80
Minstrels (1910): 80 LIGETI, GYÖRGY
Jeux 4 pianos 1_2 (1912): 113, 115 Volumina (1961-62): 218
Syrinx (1913): 119 Lux Aeterna (1966): 175, 218
Atmosphères: 175
FELDMAN, MORTON Concerto para Piano e Orquestra: 243
Intersections: 159 Requiem: 175
Projections: 159
LOURIÉ, ARTHUR
GERSHWIN Formes en l’air (1915): 226
Porgy and Bess: 24
MAHLER
GIL, GILBERTO 6ª Sinfonia de Mahler: 94
A Voz Do Vivo (1969): 40
MILHAUD
GUBAIDULINA, SOFIA Coéforas (1915): 156
10 prelúdios (1974): 223 Trois Rag Caprices (1918): 80
In Croce (1979): 223 Création du Monde (1923): 80
L’Homme et son Désir: 155
HABA, ALOIS Le Boeuf sur le Toit: 155
Quarteto de cordas n.1 (1919): 256 Saudades do Brasil: 155
Quarteto de cordas n.5 (1923): 256
Duo para Violinos (1927): 256 MOSSOLOV
Makta (mãe) (1931): 256 3 Esboços Infantis op 18 (1926): 226
4 Anúncios de Jornal (1926): 226
HALLE, ADAN DE LA Zavód (1927): 226, 237*
Le Jeu de Robin et Marion: 28
NANCARROW, CONLON
IVES, CHARLES Studies for Player Piano: 173, 248
1ª Sonata para Piano (1902-1909): 80

56
NONO, LUIGI PARTCH, HARRY
Variazioni canoniche (1950): 214 17 Líricas de Li Po: 257
Polifonica-Monodia-Ritmica (1951): 214 Castor & Polux: 257
Il Canto Sospeso (1956): 212, 217 Ciclo Monofônico: 257
Intolleranza (1960): 212, 214, 220 Dois Excertos de James Joyce: 257
Ha venido, Canciones para Silvia (1960): 217
Canciones a Guiomar (1962-63): 217 POPOV
A Floresta é Jovem e Cheia de Vida Sinfonia de Câmara em Dó Maior, Op. 2
(1966): 212, 213 (1927): 226
Ricorda cosa ti hanno fato in Auschwitz
(1967): 218 POUND, EZRA
Non consumiamo Marx (1969): 213 Le Testament (1919): 10, 27, 28, 30, 31,
Al gran sole carico d’amore (1975): 214 115, 198, 213
...sofferte onde serene... (1976): 214, Cavalcanti (1931): 29
215, 219, 242
Guai ai gelidi mostri (1979): 244 PROKOFIEV
Con Luigi Dallapiccola (1979): 219 The Steel Stride (1926): 237*
Fragmente – Stille, An Diotima (1979-
1980): 215 RAVEL, MAURICE
Das atmende Klarsein (1980-1981): 219 Três Poemas de Stephane Mallarmé
Quando stanno morendo. Diario Polacco 2 (1913): 38
(1982): 219 Bolero: 237
Omaggio a György Kurtág (1983, 1986):
219, 220 ROLDÁN, AMADEO
Prometeo (1984): 214, 215, 218, 219, 241 Ritmicas (1930): 237
A Carlo Scarpa, architetto, ai suoi infiniti
possibili (1984): 213, 215, 216 RUGGLES, CARL
A Pierre. Dell’azzurro silencio, inquietum Man and Mountains: 115
(1985): 219
No hay caminos, hay qye caminar... SATIE, ERIK
Andrej Tarkovskij (1987): 213, 215, 217 Sarabande no. 2 (1887): 76, 79, 83
Post-prae-ludiun per Donau (1987): 219 Sarabandes No. 1 (1887): 76, 79, 83
La lontananza nostalgicaa utopica futura Sarabandes No. 3 (1887): 76, 79, 83
(1988-1989): 213, 215, 217, 218, 241 Je te veux (1887): 76, 79
“Hay que caminar” sognando (1989): Gymnopédie n°1 Lent et Douloureux
213, 215, 217 (1888): 76, 79
Gymnopédie n°2 Lent et Triste (1888): 76, 79
OBUHOV, NIKOLAI Gymnopédie n°3 Lent et Grave (1888): 76, 79
Livro da Vida: 256 Gnossiennes n°5 (1889): 30, 76
Poemas Litúrgicos: 256 Gnossiennes n°4 (1891): 30, 76
Gnossiennes n°1 (1893): 30, 76
ORNSTEIN, LEO Gnossiennes n°2 (1893): 30, 76
Wild Men’s Dance (1914): 238 Gnossiennes n°3 (1893): 30, 76
Suicide in an Airplane (1915): 238 Vexations (1893): 77,
Impressions de Notre Dame: 238 Gnossiennes n°6 (1897): 30, 76

57
Pièces froides Air à faire fuir e Danses De Trio para cordas n. 3 (1963): 181
Travers _ peças frias (1897): 76, 83 Quarteto n. 4 (1964): 182
Pièces froides Air à faire fuir n°2 (1897): Dança de Shiva (1967): 174
76, 83 Trilogia – as Três idades do Homem
Pièces froides Air à faire fuir n°3 (1897): (1967): 174
76, 83 Okanagon (1968): 174, 176
Pièces froides Danse de Travers n°2 Konx-om-pax (1969): 182
(1897): 76, 83 Antífona (1970): 174, 176
tendrement (1902): 76, 79 3 Preces Latinas (1970): 174
Prelúdios flácidos para um Cão – 4 Pranam I (1972): 174, 176
Préludes Flasques (Pour Un Chien) 1. Voix Duetos para 2 Violinos e para Violino e
D’ (1912): 76 Violoncelo (1972): 174
Le Piège De Méduse A Armadilha da Pranam II (1973): 174, 176
Medusa (1913): 75, 76, 79 L’Ame Ailé/L’ame Ouverte (1973): 181
Esportes e Divertimentos (1914): 76 In Nomine Lucis (1974): 174, 176
Três valsas distintas do Afetado Enfadado Pfhat (1974): 181, 182
– Les 3 Valses Distinguées Du Précieux Aïtsi (1974): 182
Dégoûté 1 (1914): 76 Kho-lo (1976): 181
Balé Parade (1917): 76, 77, 79, 81, 207 Maknongan (1976): 181
Socrate (1917-1918): 30, 76, 113 Ko Tha (1978): 174
Furniture Music / Música de mobiliário / Quarteto n. 5 (1984): 182
Musique d’ameublement (1917-1923): 76 Musique Sacrée: 174
Belle Excentrique (1920): 81
Furniture Music Möbelmusik: Chez un SCHOENBERG, ARNOLD
bistrot (1920): 76 op 16 Farben (1909):
Entr’acte (1924): 113 op 20 Herzgewächse (folhagens do
Mercure (1924): 76 coração) (1911): 253
Relâche (1924): 76 Pierrot Lunaire, Op. 21 Part 1_ Co
Filho das estrelas: 83 (1912): 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44,
Pedaços em forma de Pêra: 83 47, 49-69, 113, 115, 259, 269
Com Roupa de Cavalo: 83 op. 22 Quatro Lieder com orquestra
(1913-15): 253
SCELSI, GIACINTO Five Piano Pieces Op 23 (1920 1923): 113
Rotativa (1929): 185, 226 Serenade Op. 24 (1_7) (1921-1923): 115
Poème pour Piano n. 2 (1936/1939): 181 Op. 9 Sinfonia de Câmara: 99
Quartetos de corda (1944 e 1964): 174
Cinque Incantesimi (1953): 181 SHOSTAKOVITCH
Quatro Illustrazioni (1953): 181 Quinteto para Piano em Sol Menor Op. 57
Coelocanth (1955): 182 (1940): 222
Tre Canti Sacri (1958): 174, 180
4 Pezzi (1959): 173, 174, 175, 180 SMETAK, WALTER
Kya (1959): 174 Preludiando com Joseba (1974): 89
No (1960): 174 Sarabandas (1974): 89
Khoom (1962): 174, 181 Interregno – Walter Smetak & Conjunto
Cantos de Capricórinio (1962/1972): 181 de Microtons (1980): 85, 176

58
STEIN, RICHARD H. O Jogo de Cartaz (1936): 261
Peças de Concerto em Quartos de Tom Missa (1948): 261
para Violoncelo e Piano Microtônico The Rake’s Progress (A Carreira do
(1906): 255 Libertino) (1951): 261
Cantata (1951-52): 261
STOCKHAUSEN, KARLHEINZ Septeto (1952-53): 211, 261
Estudo II (1956): 267 3 songs for Shakespeare (1954): 211, 261
Licht: 29 In Memorian Dylan Thomas (1954): 211, 261
Canticum Sacrum (1956): 261
STRAUSS, RICHARD Threni (1958): 211, 261
Don Quixote: 207 Movements (Movimentos para Piano e
Orquestra) (1958-59): 211, 261
STRAVINSKI, IGOR Um Sermão, Uma Narrativa e Uma
Zwesdoliki (O Rei das Estrelas) (1911): 259 Oração (1961): 261
Tsaraiuki (1912): 259 O Dilúvio (1961-62): 261
Sagração da Primavera La consagración Abraão e Isaac (1964): 261
de la primavera Le sacre du printemps Variações (1965): 261
(1913): 37, 39, 87, 95, 99, 113, 114, Requiem-Cânticos (1966): 261
115, 198, 204, 211, 224, 260, 261, 262 Agon: 211, 261
Three Japanese Lyrics (1913) (1913): 38, Pássaro de fogo: 87, 259
114, 259 Petruchka: 114, 259
3 Peças para Quarteto de Cordas (1913): 114 Rossignol: 114, 259
3 Peças para Quarteto de Cordas (1914):
192, 260 THOMSON, VIRGIL
Pribautki (1914): 260 Sonata de Chiesa (1926): 24, 225
Les Noces (O Casamento) (1914-23):
114, 115, 207, 231, 260 THOMSON, VIRGIL / STEIN,
Berceuses du Chat (Acalantos do Gato) GERTRUDE
(1915): 260 Four Saints in Three Acts (1928):
Renard (A Raposa) (1917): 114, 115, 260 24, 28, 33, 208, 213
Estudo para Pianola (1917): 192, 207 The Mother of Us All (1947): 24, 208
Canção do Rouxinol (1917): 192 Capital Capitals for 4 Male Voices (1927):
História do Soldado (1918): 80, 260, 261 24, 208
Ragtime para 11 instrumentos (1918):
80, 261 USTVOLSKAIA, GALINA
3 Peças para Clarineta (1919): 114 Concerto para Piano (1946): 227, 229, 275
Pulcinella (1919): 261 Sonata n. 1 para Piano (1947): 227
Sinfonias para Instrumentos de Sopro O Sonho de Stenka Razin (1948): 222
(1920): 261 Sonata n. 2 para Piano (1949): 227
Mavra (1922): 261 Trio para Violino, Clarineta e Piano
Octeto (1923): 261 (1949): 222, 227
Édipo Rei (1927): 261 Octeto (1950): 222, 227
Apolo (1928): 261 Sonata n. 3 para Piano (1952): 227
O Beijo da Fada (1928): 261 Sonata para VIolino e Piano (1952): 227
Sinfonia dos Salmos (1930): 261 12 prelúdios para Piano (1953): 227, 229

59
Sinfonia n. 1 (1955): 227, 275 VILLA-LOBOS
Sonata n. 4 para Piano (1957): 227 Choros: 118
Fogo nas Estepes (1958): 222 Noneto: 118
Grande Dueto para Violoncelo e Piano
(1959): 223, 224, 227, 229 VILLON
Dueto para Violino e Piano (1964): 222, 227 Ballade des Dames du Temps Jadis: 22
Composição 1 – Dona Nobis Pacem
(1970-71): 222, 224, 225, 227, 243 WEBERN & BACH
Composição 2 – Dies Irae (1972-1973): Ricercare: 98, 107, 254
222, 224, 225, 227
Composição 3 – Beneditus qui Venit WEBERN, ANTON
(1974-75): 222, 224, 225, 227 Op. 1 Passacaglia For Orchestra (1908):
Sinfonia n. 2 (1979): 227, 275 107, 113
Sinfonia n. 3 (1983): 227, 275 Op. 2 Entflieht Auf Leichten Kähnen
Sinfonia n. 4 (Prece), para trompete, gongo, (1908): 99, 107
piano e Contralto (1985-87): 227, 275 Op. 5 Sätze For String Quartet 1. He 2. S
Sonata n. 5 em 10 Movimentos (1986): 3.Se 4. Se 5. (1909): 97, 98, 107, 108,
222, 227, 229 114, 115, 267
Sonata n. 6 para Piano (1988): 227, 229 Op. 6_ 6 Pieces For Orchestra 1. Etwa 2.
Sinfonia n. 5 (Amém) (1990): 222, 227, 275 Bewe 3. Zart 4. 5. Sehr 6. Zart (1909-
1910 e 1928): 96-97, 99, 108, 114, 182,
VARÈSE, EDGARD 253, 254
Amériques (1918-1921 e 1927): Op. 10_ 5 Pieces For Orchestra 1. Seh 2. Leb
113, 115, 205 3. Seh 4. Fli 5. Seh (1911-1913): 97, 108
Offrandes (1921): 103, 113, 118 Op. 9 6 Bagatelles quarteto de cordas
Hyperprism (1922-1923): 103, 118 (1913): 108, 114, 267
Octandre 1. Assez Lent 2. Très Vif Et Op. 11 3 Little Pieces For Cello & P~1
Nerveux 3. Grave, Animé Et Jubilatoir (1914): 108, 114
(1923): 103, 113, 118 Op. 13_ 4 Lieder 1. Wiese Im Park 2.
Intégrales (1924-1925): 103, 113, 118 Die Einsame 3. In Der Fremde 4. Ein
Arcana (1925-1927): 103, 118 Winterabend (1914-1918): 108
Ionisation (1929-1931): 32, 87, 101, Op. 12_ 4 Lieder 1. Der Tag Ist Verga 2.
102, 103, 104, 115, 133, 233 Die Geheimnisvoll 3. Schien Mir’s, Als 4.
Ecuatorial (1932 1934): 119, 122 Gleich Und Gleich (1915-1917): 108
Dénsité 21, 5 (1936): 119 Op. 14_ 6 Lieder 1. Die Sonne 2.
Étude pour “Espace” (1947): 119, 122 Abendland #1 3. Abendland #2 4.
Déserts (1950-1954): 121, 142, 197, 198 Abendland #3 5. Nachts 6. Gesang Einer
Poeme Electronique (1957-1958): 121, 122 Gefa (1917-1921): 108
Varèse_ Nocturnal (1968*): 121 Op. 15_ 5 Sacred Songs 1. Das Kreuz 2.
Morgenlied 3. In Gottes N 4. Mein Weg Ge
VENTADORN, BERNART 5. Fahr Hin, O (1917-1922): 108
Can Vei la Lauzeta Mover: 22 Op. 16_ 5 Canons For Soprano And 2
Clarinets 1. *** 2. Dormi Jesu, Mater
3. Crux Fidelis 4. Asperges Me, Domi 5.
Crucem Tuam Adora (1923-1924): 99, 108

60
Op. 17_ Traditional Rhymes, I. (1924):
108, 109, 233
Op. 18_ 3 Lieder 1. Schatzerl Klein 2.
Erlösung 3. Salve Regina (1925): 96, 99, 110
Op. 19_ 2 Lieder 1. Weiß Wie Lilien 2.
Ziehn Die Schafe (1926): 96, 98, 99, 110
Op. 20_ String Trio 1. Sehr Langsam 2.
Sehr Getragen (1927): 108, 110
Op. 21_ Symphony 1. Ruhig Schreitend 2.
Variationen (1928): 96, 97, 108, 109, 267
Op. 22_ Quartet 1. Sehr Mässig 2. Sehr
Schwungvoll (1930): 80, 96, 97, 101,
102, 108, 109, 267
Op. 24_ Concerto For 9 Instruments
(1934): 96, 97, 108, 109, 267
Op. 23_ 3 Songs From Viae Inviae
(1934): 108, 109
Op. 25_ 3 Lieder 1. Wie Bin Ich Froh 2.
Des Herzens Purp 3. Sterne, Ihr Silbe
(1934-1935): 110
Op. 26_ Das Augenlicht (1935): 110
Op. 27_ Piano Variations 1. Sehr Mäs 2.
Sehr Schn 3. Ruhig, F (1936): 32, 85, 97,
99, 107, 110, 267
Op. 28_ String Quartet 1. Mässig 2.
Gemächlich, 3. Sehr Fliess (1937-1938):
107, 110
Op. 29_ Cantata #1 1. Zündender Licht
2. Leicht Bewegt, 3. Tönen Die Selig
(1938-1939): 107, 110
Op. 30_ Variations For Orchestra (1940):
107, 110
Op. 31_ Cantata #2 1. Schweigt Auch
D 2. Sehr Tief Verha 3. Schöpfen Aus Br
4. Leichte Bürde D 5. Feindselig Ist 6.
Gelockert Aus D (1941-1943): 96, 107, 110
Schubert, German Dances, Arr. Webern:
98, 107
Quinteto para Cordas e Piano: 107

61
INVENÇÃO

62
CONTRAPOEMAS
Augusto de Campos

63
CAVE MIDiA$

64
65
AMICA VERITAS

66
67
POEMANIFESTO 2017

68
69
MERCADO(variante)

70
71
ARTIGOS/
ENSAIOS

72
DADOS OS DADOS:
MALLARMÉ VERNE*
Augusto de Campos

Quelle cacophonie! Quel déchirement des tympans! Voilà qui rappelle bien cet orchestre improvisé,
dirigé par le prince de Joinville, dans un village inconnu d’une région brésilienne! C’est à croire que
l’on éxecute sur des « vinaigrius » quelque horrible symphonie — du Wagner joué à rebours!

Jules Verne - L’île à hélice

Jules Verne, 1828-1905, Stéphane com o seu Après-midi d’un faune, acresci-
Mallarmé, 1842-1898. Não parece, à primei- do no ano seguinte pela edição de Poésies.
ra vista, uma conjunção estranha e herética? Quanto a Verne, já em 1863 faria gran-
No entanto, eles foram contem- de sucesso com o livro, Cinq Semaines en
porâneos, notáveis e notórios por mais Ballon, na sequência de peças de teatro e
de vinte anos, pelo menos de 1876 até a das primeiras obras em prosa.
morte do poeta em 1898, por mais diversa Dou por evidente o antagonismo
que fosse a literatura que praticavam. literário entre os dois escritores. Lembrar
Mallarmé publicaria seus primeiros que Hetzel apresentou a Verne, no seu
poemas em jornais e revistas em 1862, Avertissement de l’éditeur às Voyages et
ainda muito jovem. Mas só a partir de aventures du capitaine Hatteras, como
1876 se tornaria um autor mais evidente um opositor de l’art pour l’art ( “l’art

73
pour l’art ne suffit pas à notre époque nental”, como acentua Michel Brix em seu
”). E que os gostos artísticos do seu edi- ensaio “Baudelaire, disciple d’Edgar Poe ?” 1
tado eram bastante conservadores. Não Apenas um estudo literário se
demonstrava nenhum interesse pelos poe- destaca na vasta obra de Júlio Verne.
tas simbolistas, pelos pintores impressio- Justamente “Edgar Poe et ses oeuvres »,
nistas ou por músicos como Debussy ou estampado na revista Musée des Familles
Satie, seus contemporâneos. Suas prefe- (1864)2. Nele reconhece a sua dívida para
rências literárias se explicitam, por exem- com o poeta francês. Além de enfatizar a
plo, no capítulo X de Paris au XXe siècle, grande afinidade entre Poe e Baudelaire,
com a citação dos clássicos Hugo, Goethe, adota a tradução deste para as referências
Heine, Musset, no que se refere à poesia, que extrai dos textos poeanos. Há quem
e, por outro lado, na sua sátira à mú- sustente que Verne não dominava a lín-
sica do futuro, « musique cacophonique gua inglesa e por isso teria recorrido às
», tema que reaparece em L’île à héli- traduções de Baudelaire. De todo modo,
ce, com a nomeação dos programas de o eventual desconhecimento do idioma
quartetos de Mozart, Haydn, Beethoven, não invalida o fato de que usou a tradução
Mendelssohn, e no máximo uma menção baudelairiana, com grandes elogios, e até
indireta a Saint-Saëns… O pianista dos uma comparação precisa entre o tempera-
rumorosos clusters, Quinsonnas, que pre- mento artístico dos dois escritores.
tende “étonner son siècle”, parece uma Entrelaçam-se, assim, as litera-
caricatura premonitória de Schoenberg, turas de Verne e a de Baudelaire sob o
cuja primeira peça dodecafônica sairia do prisma do interesse pela obra de Edgar
piano… e assinala seguramente o desa- Allan Poe. Autor de imenso sucesso em
preço de Verne pelas dissonâncias satie- seu próprio país e fora dele, porém des-
debussyanas do seu tempo. prezado pela intelectualidade francesa,
Porém, desde 1848 Charles que considerava o romance de aventuras
Baudelaire vinha traduzindo contos de literatura inferior, só na segunda meta-
Poe. A partir de 1856, com a publicação de de do século XX encontrou Jules Verne a
Histoires Extraordinaires, tornou-se conhe- sua « re-visão », sem que chegasse ele,
cido como o grande difusor da sua obra. assim, a ver-se literariamente redimido
Nouvelles histoires extraordinaires apare- em vida. É consenso geral que foi Michel
ceria no ano seguinte. Les Aventures d’Ar- Butor, um dos mais proeminentes auto-
thur Gordon Pym, de Nantucket, o único res do “nouveau roman”, poeta e crítico,
romance de Poe, viria em 1858, vinte anos além de romancista, quem o ressusci-
depois de seu lançamento nos Estados tou para o respeito literário num estudo
Unidos, com pouco sucesso e muita polê- publicado em Répertoire 13 Precedeu-o
mica. Precisamente em 1863, Baudelaire Roland Barthes, num breve texto referi-
revelaria ao público francês o não menos do ao cinquentenário da morte de Verne,
compreendido ensaio poeano, Eureka, e mas numa abordagem superficial que,
em 1865, Histoires grotesques et sérieu- mesmo comparando desfavoravelmente
ses. Não foi Baudelaire o primeiro escritor o Nautilus de Nemo ao “Le Bateau ivre”
francês a chamar a atenção sobre Poe, mas de Rimbaud, tem o mérito de haver cha-
foi “o intermediário essencial, maior, en- mado a atenção para as relações entre
tre o escritor americano e, não somente a as duas obras4.
França, mas também toda a Europa conti-

74
Já Butor soube introduzir uma togramas, inspirada em Poe, e seu gosto
nova perspectiva na análise da obra de peculiar pelos jogos verbais, anagramas,
Verne, alargando o horizonte das pesqui- aliterações, paronomásias, e pelas enu-
sas e focalizando aspectos inobservados merações surpreendemente sonoristas
e relevantes da modernidade de sua obra. de vocábulos científicos, como em mui-
Mas não acrescentou outros nomes, além tas passagens de 20.000 léguas subma-
do óbvio, de Poe, à sua interlocução, a rinas, geralmente suprimidas nas edi-
não ser os trazidos do repertório surrea- ções populares.
lizante — Max Ernst, Henri Rousseau,
Michaux, Lautréamont e Breton —, aqui Percebeu-se, só então, devido à
mencionados na ordem em que apare- marginalização da obra verniana, que a ti-
cem no ensaio, sem contar a citação do nham apreciado autores modernos como
próprio Seconde Manifeste Surrealiste. Jean Cocteau, Alfred Jarry, Blaise Cendrars
Nenhuma referência a Mallarmé, que e Guillaume Apollinaire. Deste afirma-
aparecerá em outro contexto na edição -se que teria dito a propósito da obra de
de Répertoire 2 (1964) , em “Mallarmé Verne: “Que estilo! Só substantivos.” Mais
selon Boulez”. Butor voltaria ao tema da surpreendente foi a descoberta do relacio-
obra de Verne em outros artigos, confe- namento de Raymond Roussell, outro es-
rências e entrevistas. Não me consta que critor tardiamente rcconhecido, com a sua
Mallarmé tenha entrado em alguma de obra. O audacioso autor de “Locus Solus”
suas numerosas reflexões sobre a obra não só o visitou, como chegou a escrever
de Verne, que tão precocemente reabi- numa carta, entre outros elogios:
litou. Não obstante reconheça, numa
entrevista concedida a Michel Launay, a
influência que sobre ele teve “o Mallarmé Mon admiration pour lui est infinie.
revolucionário, como o comprenderam os Dans certaines pages du Voyage au
concretistas brasileiros”5, Rimbaud per- centre de la Terre, de Cinq semaines
maneceu a personalidade poética mais en ballon, de Vingt milles lieues sous
significativa de seus interesses literá- les mers, de De la Terre a la Lune et de
rios e de sua empatia. Em 1989, publi- Autour de la Lune, de L’Ile mystérieu-
ca Improvisations sur Rimbaud, livro no se, de Hector Servadac, il s’est élévé
qual vê o poeta, em seus dias na África, aux plus hautes cimes que puisse at-
como um personagem verniano. Numa teindre le verbe humain.
entrevista dos últimos anos, Butor, que
morreu em 24 de agosto de 2016, aos 89 Não faltaram surrealistas à reden-
anos, escolhe “Les Illuminations” como ção de Verne, já que em França o surrealis-
o livro que mudou a sua vida. Vinha de mo é até hoje “a mais completa tradução”
publicar uma antologia de Victor Hugo, o canônica de todos os futurismos e vanguar-
que parece indicar que eram outras e as dismos. Faltou a bênção de Breton, mas
mais diversas as suas motivações. “excomungados”, como Jacque Vaché, o
apreciavam. Raymond Queneau e Georges
Foi a partir dos anos 60 que Perec, representando o grupo da OuLiPo,
passaram a ser realçados literariamen- o entronizaram em seu mundo referencial,
te alguns traços peculiares da estilística de uma perspectiva diferente, marcada pelo
verniana, como a sua paixão pelos crip- artifício matemático. Cortazar o admirava,

75
como evidencia La vuelta al día en ochenta turas marítimas das “viagens extraordiná-
mundos (1967), embora Borges preferisse rias” de Julio Verne. E até uma tese muito
H.G.Wells. Em suma, Julio Verne foi pouco bem fundamentada foi proposta, assina-
a pouco reconhecido entre alguns dos mais lando pontualmente não apenas afinidades
instigantes mestres literários da modernida- mas a provável influência da obra de Verne
de. E as edições de suas obras, famosas sobre o poema de Rimbaud. Em Rimbaud
pelas encadernações e ilustrações policrô- e Jules Verne: Au sujet des sources du
micas Hetzel, que haviam sido vulgarizadas Bateau Ivre (1991) , Atsuko Takaoka, da
pela editora Hachette, desde 1914, em ma- Universidade de Osaka, resume e apro-
gras adaptações para a juventude, voltaram funda o estudo entre o poema de Rimbaud
a ser recuperadas nas edições íntegras ori- e a obra de Verne.7 A hipótese, sugerida,
ginais. Porém, isso só veio a ocorrer a par- segundo ele, por François Ruchon já em
tir de 1966 — centenário da publicação das 1929, e desenvolvida por outros autores, é
Voyages et Aventures du capitaine Hatteras a de que o poema teria sido afetado forte-
— quando as obras de Verne tornaram a ser mente, em tema e vocabulário, pela obra
impressas sem reduções, em livros de bol- de Verne, o de As Aventuras do Capitão
so, alguns muito bem comentados e ano- Hatteras (1864) e de As Vinte Mil Léguas
tados, e quase sempre com as ilustrações Submarinas (1870), em particular.
originais. Mais adiante sobrevieram, pouco
a pouco, em facsímile, as edições em gran- De fato, há fortes coincidências,
de formato, com todos os parâmetros e pa- a despeito das diferenças entre a lingua-
ramentos gráficos hetzelianos. gem poética e a prosaica. Como acentua
Roger Borderie, em prefacio à edição de
Não esquecer que Duchamp, a quem Les Voyages et Aventures du Capitaine
não faltava aguda percepção literária, alude Hatteras8, Rimbaud, ao escrever, em seu
certamente ao romance de Verne, Rayont “Bateau Ivre” (1871), “Et j’ai vu quelque
Vert, em sua instalação de mesmo título fois ce que l’homme a cru voir.” há de se
(1947). De Buenos Aires pedira, em 1918, ter recordado da frase que Julio Verne põe
em carta de 26/10/1918 a Jean Crotti, o en- na boca do personagem Aronnax, deslum-
vio de cinco ou seis exemplares de Un Coup brado com a visão do universo marítimo
de Dés, na edição NRF, de 1914, além de ou- proporcionada pelas largas escotilhas do
tras publicações, como a revista Soirées de “Nautilus”, em 20.000 Léguas Submarinas:
Paris, onde tinham sido publicados os primei-
ros caligramas de Apollinaire, e outros livros Je voudrais avoir vu ce que nul
referentes ao cubismo, para uma exposição /homme n’a vu encore,
que não chegou a realizar-se.6 quand je devais payer de ma vie cet
/insaciable besoin d“apprendre.
Nos inúmeros estudos sobre Verne
não vi, porém, nada que o ligasse à obra A influência de Baudelaire, tanto
de Mallarmé, aparentemente nas antípodas sobre Rimbaud quanto sobre Mallarmé,
do modelo literário de Verne. O “barco bê- é indiscutível. Vêm-nos à mente, desde
bado”de Rimbaud, no entanto, veio a ser logo, poemas como “L’Albatros” (1857) e
mais de uma vez aproximado das aven- “Le Voyage” (1861):

76
L’ALBATROS O ALBATROZ

Souvent, pour s’amuser, les hommes d’équipage Às vezes, por gracejo, a rude marinhagem
Prennent des albatros, vastes oiseaux des mers, Apanha um albatroz, ave alva e alta dos ares,
Qui suivent, indolents compagnons de voyage, Que segue, lentamente, o navio em viagem,
Le navire glissant sur les gouffres amers. Até os mais hostis e os mais amargos mares.

A peine les ont-ils déposés sur les planches, Jogados no convés, pobres criaturas mancas,
Que ces rois de l’azur, maladroits et honteux, Vêem-se esses reis do azul, rotos e enxovalhados,
Laissent piteusement leurs grandes ailes blanches Deixar penosamente as grandes asas brancas
Comme des avirons traîner à côté d’eux. A seu lado jazer como remos quebrados.

Ce voyageur ailé, comme il est gauche et veule ! Como o alado viajor está feio e sem graça!
Lui, naguère si beau, qu’il est comique et laid ! Antes tão belo, agora é cômico e obscuro!
L’un agace son bec avec un brûle-gueule, Um, o cachimbo em brasa, o bico lhe espicaça.
L’autre mime, en boitant, l’infirme qui volait ! Outro imita, coxeando, o voador inseguro!

Le Poète est semblable au prince des nuées O Poeta é igual ao príncipe dos céus,
Qui hante la tempête et se rit de l’archer ; Que escarnece do arqueiro e ri do trovoar;
Exilé sur le sol au milieu des huées, Exilado no solo em meio aos escarcéus,
Ses ailes de géant l’empêchent de marcher. As asas de gigante o impedem de voar.

De LE VOYAGE De A VIAGEM

VIII VIII

Ô Mort, vieux capitaine, il est temps! levons l’ancre! Ó Morte, mestra-mor, é a hora! Levantemos
Ce pays nous ennuie, ô Mort! Appareillons! Âncora! Este país nos entedia, Morte!
Si le ciel et la mer sont noirs comme de l’encre, Se o céu e o mar são negros como o breu, nós temos
Nos coeurs que tu connais sont remplis de rayons! Raios de luz no coração que afronta a sorte!

Verse-nous ton poison pour qu’il nous réconforte! Dá-nos o teu veneno que nos reconforta,
Nous voulons, tant ce feu nous brûle le cerveau, Vamos, em nosso afã de buscar um renovo,
Plonger au fond du gouffre, Enfer ou Ciel, qu’importe? Mergulhar nesse abismo, Inferno ou Céu, que importa?
Au fond de l’Inconnu pour trouver du nouveau! No fundo do Imprevisto à procura do novo!

77
Não há registro de qualquer ma- francs, le Voyage autour du Monde,
nifestação de Verne sobre as obras quer cette féerie, ce drame, cet atlas vivant
de Rimbaud quer de Mallarmé. Deste, de géographie, joint, à tout le reste les
no entanto, conhece-se uma apreciação noms populaires de Dennery et du trè-
do autor de Viagem ao redor do Mundo s-curieux Jules Verne.9
em 80 dias, numa de suas crônicas, de
1874, para a revista que criou e dirigiu, “A fantasia, o drama, o atlas vivo
La Dernière Mode, a propósito da repre- de geografia” da obra-prima do “curiosís-
sentação teatral do famoso livro: simo Julio Verne” são, pois, reconhecidos
no texto mallarmeano, demonstrando que
Ainsi, au moment où Paris regarde, o poeta não era indiferente ao celebrado
non sans un véritable intérêt, sortir de criador das ”voyages dans les mondes
la désuétude, afin de les y faire rentrer connus et inconnus”.
sciement, les pièces reprises par la
Porte Saint-Martin de ce noble Casimir São evidentes, na poesia de
Delavigne, à commencer par Don Juan Mallamé, os temas da viagem, do naufrá-
d’Autriche, il n’ignore pas qu’extraor- gio, dos gelos e do branco, em muito devi-
dinaire, vraiment par le seul chiffre dos à herança de Poe e Baudelaire. Lembre-
des dépenses invoquées, 150.000 se o celebrado “Brise Marine” (1866):

BRISE MARINE BRISA MARINHA

La chair est triste, hélas! et j´ai lu tous les livres. A carne é triste, sim, e eu li todos os livros.
Fuir! là-bas fuir ! Je sens que des oiseaux sont ivres Fugir! Fugir! Sinto que os pássaros são livres,
D´être parmi l´écume inconnue et les cieux! Ébrios de se entregar à espuma e aos céus imensos.
Rien, ni les vieux jardins reflétés par les yeux Nada, nem os jardins dentro do olhar suspensos,

Ne retriendra ce coeur qui dans la mer se trempe Impede o coração de submergir no mar
O nuits ! ni la clarté déserte de ma lampe Ó noites! nem a luz deserta a iluminar
Sur le vide papier que la blancheur défend Este papel vazio com seu branco anseio,
Et ni la jeune femme allaitant son enfant. Nem a jovem mulher que preme o filho ao seio.

Je partirai ! Steamer balançant ta mâture, Eu partirei! Vapor a balouçar nas vagas,


Lève l´ancre pour une exotique nature! Ergue a âncora em prol das mais estranhas plagas!
Un Ennui, désolé par les cruels espoirs, Um Tédio, desolado por cruéis silêncios,
Croit encore à l´adieu suprême des mouchoirs! Ainda crê no derradeiro adeus dos lenços!

Et, peut-être, les mâts, invitant les orages E é possível que os mastros, entre ondas más,
Sont-ils de ceux qu´un vent penche sur les naufrages Rompam-se ao vento sobre os náufragos, sem mas-
Perdus, sans mâts, sans mâts, ni fertiles îlots... Tros, sem mastros, nem ilhas férteis a vogar...
Mais, ô mon coeur, entends le chant des matelots! Mas, ó meu peito, ouve a canção que vem do mar!

78
Ou o menos cursivo, “Le Pitre Châtié” triônico, o traidor que acaba por entregar a
(1887, primeira versão, 1864)), onde o sua obra à água pérfida dos gelos.
poeta é alegorizado como um nadador his-

LE PITRE CHÂTIÉ O HISTRIÃO CASTIGADO

Yeux, lacs avec ma simple ivresse de renaître Olhos, lagos com a embriaguez de quem renasce,
Autre que l’histrion qui du geste évoquais Além desse histrião que o meu gesto desvela
Comme plume la suie ignoble des quinquets, Como pluma um ignóbil pó que a lâmpada mostrasse,
J’ai troué dans le mur de toile une fenêtre. Perfurei no mural de crepe uma janela.

De ma jambe et des bras limpide nageur traître, Com perna e braço, límpido traidor que nada,
A bonds multipliés, reniant le mauvais A golpes multiformes, renegando a face
Hamlet ! c’est comme si dans l’onde j’innovais De Hamlet! como se na onda eu inovasse
Mille sépulcres pour y vierge disparaître. Mil tumbas para virgem submergir em nada.

Hilare or de cymbale à des poings irrité, Hilário ouro de címbalo ao pulso que o irrita,
Tout à coup le soleil frappe la nudité Súbito o sol fustiga a nudez infinita
Qui pure s’exhala de ma fraîcheur de nacre, Que pura se exalou do nácar do meu ser,

Rance nuit de la peau quand sur moi vous passiez, Noite amarga da pele onde passas sem ver,
Ne sachant pas, ingrat! que c’était tout mon sacre, Ingrato! que era o altar de todos os meus zelos
Ce fard noyé dans l’eau perfide des glaciers. Um fardo que se foi na água infiel dos gelos.

Não há como não associar tais pe- tema sem pensar na hipótese de estar
ças à incerta busca poética do desconhe- trilhando o caminho de uma interpretação
cido ou do imprevisto aos mares glaciais, já descoberta e palmilhada.
renitentemente perseguidos pelas ator- Parece, no entanto, que a maioria
mentadas viagens imaginárias de Verne dos estudiosos de sua obra não se deu con-
em Aventuras do Capitão Hateras (1864) ta da intertextualidade dessas obras com a
e em Vinte Léguas Submarinas (1870). de Mallarmé, tendo-se fixado na referência
ao « Bateau ivre » e a Rimbaud.
No correr do tempo, à medida O nome de Jules Verne não apare-
que começou a frutificar a reabilitação ce no índice onomástico da longa tese de
de Verne para os altos estudos literários, Thierry Roger (2008), L’archive du Coup
cresceu extraordinariamente a ensaística de dés. Étude critique de la réception de
sobre a sua obra, analisada sob os mais Un Coup de dés jamais n’abolira le hasard
variados aspectos. O livro Jules Verne: (1897-2007),11 publicada em livro em 2010,
Narratives of Modernity, organizado por que identifica, pontualmente, todos os es-
Edmund Smyth, reunindo ensaios de vá- tudos conhecidos até então sobre o último
rios autores, dá uma medida da versatili- poema de Mallarmé. Ouso imaginar, portan-
dade com que ela é hoje vista.10 Tão gran- to, que os maiores estudiosos do poema de
de a sua amplitude que é difícil abordar o Mallarmé não se deram conta da aproxima-

79
ção que julgo vislumbrar entre as obras dos lançado em livro pelo editor J. Hetzel em
dois grandes autores. 22 de novembro, na sequência das Voyage
extraordinaires, com toda a pompa das pu-
Nesse sentido, chamou-me aten- blicações de luxo da coleção : 68 ilustra-
ção um fato literário, cuja sincronicidade ções, 20 grandes gravuras fora do texto em
não vi assinalada quer nos estudos vernia- cromotipografia, por George Roux, e um
nos mencionados quer nos mallarmeamos, mapa, do próprio Verne.
mas que me parece extremamente curioso
e significativo. Em 4 de maio de 1897, viria a pú-
blico, estampada na revista internacional
Em 1897, um ano antes da morte Cosmopolis a primeira versão de Un coup de
de Mallarmé, publicam ele e Verne os seus dés jamais n’abolira le hasard. Publicação
mais arriscados livros. De Jules Verne apa- incompleta, sem o desdobramento das pági-
receria Le Sphinx des glaces, a sua teme- nas pretendido por Mallarmé, mas seguindo
rária continuação das Aventuras de Arthur aproximadamente as variações tipográficas
Gordon Pym, de Poe : o romance verniano espacializadas do poeta. Os originais envia-
foi aparecendo em folhetins no Magasin dos por Mallarmé haviam sido recebidos em
d’éducation et de recréation, de 1o de ja- fevereiro, conforme carta de 4 de março de
neiro a 15 de dezembro, e acabou sendo André Lichtenberger, o diretor da revista.

Página da revista Cosmopolis

80
Hoje estão divulgados esboços manuscritos do poeta aos quais se atribuiram as datas
de fevereiro-março.

Manuscrito de Un Coup de Dés

A edição de Un Coup de dés, da NRF, de supervenientes, que se pretendem mais


1914, não respeitou totalmente as instru- fiéis ao projeto mallarmaico, a partir de
ções tipográficas de Mallarmé, e adotou um retorno mais ortodoxo às provas e ao
os tipos Elzevir, de que ele não gostava. Didot, como a edição de Mitsou Ronat e
Faltam-me dados sobre a tiragem dessa Tibor Papp, de 1980, a de Michel Pierson et
edição. Mas ela só foi reimpressa em 1940. Ptyx, de 2004 e a Ypsilon de 2007. Alguns
A terceira edição, de que tenho um exem- dos menos conhecidos e mais ousados ro-
plar, saiu em 1952. Assim se mantiveram mances de Verne só foram editados, volto a
até hoje, embora contrastadas por outras, sublinhar, a partir da década de 1960.

81
Página da edição da NRF, 1914.

Página da edição de Michel Pierson & Ptyx, 2002.

82
A paisagem imaginária das duas mum da derradeira aventura enigmática de
obras, — Le Sphynx des glaces e Un coup de Poe/Pym. Expressão “sintetico-ideográfica”
dés — pontuada por uma semântica onde uma, “analítico-discursiva” a outra, para
repontam “le hasard”, “la folie”, “l’abîme”, usar de uma fórmula apollinairiana. Mas pa-
“le naufrage”, entre reiterados termos náu- rece impressionante para mim a afinidade
ticos e marítimos, apresenta enormes afi- entre o vocabulário de Verne e de Mallarmé,
nidades, apesar de sua antinomia. O “alvo” que retoma, em 1898, ano de sua morte,
do gelo, nas viagens exploratórias de Verne em 9 de setembro, o tema do naufrágio no
aos polos, e a página branca e naufrágica poema sobre Vasco da Gama, “Au seul sou-
de Mallarmé se cruzam, sob a influência co- ci de voyager ”.

AU SEUL SOUCI DE VOYAGER À SÓ TENÇÃO DE IR ALÉM DE

Au seul souci de voyager À só tenção de ir além de


Outre une Inde splendide et trouble Uma Índia em sombras e sobras
Ce salut soit le message Seja este brinde que te rende
Du temps, cap que ta poupe double O tempo, cabo que ao fim dobras

Comme sur quelque vergue bas Como sobre a vela da nave


Plongeante avec la caravell Mergulhando com a caravela
Écumait toujours en ébats Espumante a ávida ave
Un oiseau d’annnce nouvelle Da novidade sempre vela

Qui criait monotonement A cantar com monotonia


Sans que la barre ne varie Sem jamais volver o timão
Un unutile gisement Uma jazida ali à mão
Nuit désespoir e pierrérie Noite demência e pedraria

Par son chant refété jusqu’au Que se reflete pelo casco


Sourire du pâle Vasco Ao riso pálido de Vasco

Ambos os escritores idolatraram chegar a uma obra totalizante e univer-


Baudelaire e, sobretudo, Edgar Allan Poe, sal. Mallarmé : « un livre qui soit un li-
que Mallarmé descobriu em 1860. Verne vre (...) : le Livre persuadé qu’au fond
não tornou explícita em seus romances a il n’y a qu’un (...). L’explication orphique
admiração por Baudelaire, mas seu único de la terre (...) Prouver par les portions
ensaio crítico fala por si mesmo, e a pre- faites que ce livre existe, et que j’ai connu
sença do tema de l’inconnu, presente até ce que je n’aurai pu accomplir » (carta
mesmo nos subtítulos dos seus roman- a Verlaine, 16.11.1885); « un Livre, ex-
ces, acusa mais influência de Baudelaire plication de l’Homme » (carta a Vittorio
(“au fond de l’Inconnu pour trouver du Picca, publicada em 27.11.1886). Verne
nouveau !”)‚ do que a de qualquer outro : « Mon but a été de dépeindre la Terre,
poeta. Ambos, à sua maneira procuraram et pas seulement la Terre, mais l’univers,

83
car j’ai quelquefois transporté mes lec- Mallarmé. Verne. Fracassucessos.
teurs loin de la Terre dans mes romans
» (1884). Mais : Verne : « ...pour les
quelques ouvrages que j’ai encore à fai- Tendo consultado abundante lite-
re, et qui, dans ma pensée, compléteront ratura sobre Julio Verne, só encontrei uma
la peinture de la Terre sous la forme du referência sobre uma aproximação entre
roman. » (carta a Louis-Jules Hetzel, fi- as obras dos dois grandes escritores, sem
lho do grande editor, 13 de outobro de que tenha podido precisar a sua fonte.
1890). E não seria o caso de contrastar Aparece ela, num texto não assinado que
o « Grand Livre » de Paris au XXe siè- encontrei na Wikipedia a respeito de um
cle, a obra que Verne escreveu e Hetzel outro romance da última fase de Verne, Le
recusou, em 1863, com o Livre ideal de Testament d’un excentrique, publicado em
Mallarmé ? Esse futuro « Grand Livre de la 1899, dois anos após Le Sphinx des Glaces
maison de banque », que Verne imaginou e Un Coup de dés14 :
para os anos 1960, obra requintadamente
tipográfica, com « ses encres multicolores Dans Le Testament d’un excentrique,
» que « relevaient vivement les rapports tout au contraire, les déplacements
et la pagination » e seus números onde se des concurrents ne s’exposent qu’au
destavam, em cores complementares, os hasard, par les dés que fait rouler im-
francos em vermelho escarlate e os cen- perturbablement Tornbrock. Ils n’ont
tavos em verde escuro ― alegoria pro- aucun moyen d’enrayer cette machine.
fética da tirania financeiro-mercadológica Ils ne sont pas maîtres de leur destin,
dos nossos tempos ? ils sont des pions aux mains du hasard,
São dois « Livros » totalizantes e et, pour eux, aucune feuille de route.
opostos mas que se encontram na famo- On peut penser alors au poème de
sa frase do poeta : TOUT EXISTE POUR Stéphane Mallarmé, Un coup de dés ja-
ABOUTIR EN UN LIVRE. E que têm em mais n’abolira le hasard, d’autant que
comum, ainda, o referencial ligado à ti- Verne cite le poète dans son roman.
pografia excepcional desses Livros ima-
ginários, o de Mallarmé preludiado por
seu Un Coup de Dés. De fato, apesar de tal citação não
Timothy Unwin, em Jules Verne ― se referir a Mallarmé, mas sim a versos
Journeys in Writing12 , observa « a tensão de Leconte de Lisle, esse novo romance
dos escritos de Verne entre o seu projeto mais do que extraordinário tem tudo a
totalizante e universalista e a sua frag- ver com o Coup de dés mallarmeano, e
mentação », assinalada por vários estu- quem sabe não terá sido de alguma for-
diosos, e lembra que Marie-Hélène Huet ma influenciado por ele.
vê, nas últimas obras vernianas, « um Le Testament d’un excentrique é
certo sentido de abdicação » em relação a um livro no qual o acaso e os dados de-
um projeto que ele reconhece impossível, sempenham um papel central.
concluindo que « c’est ainsi que le pro- Como assinala Marie-Hélène
jet ambitieux qu’Hetzel avait assigné au Huet, em sua introducão ao livro, na edi-
jeune écrivain se trouve realisé par son cão Pléiade (2016) [10], foi ele escrito em
échec même »13. 1897, entre 7 de março e 22 de setembro,
entregue ao editor Hetzel em 28 de julho

84
de 1898, apresentado como um folhetim concessões familiares e ter a intenção de
no Magasin d’éducation et de récréation, de concentrar-se mais do que nunca na estru-
1° de janeiro a 15 de dezembro de 1899, e tura aleatória do seu romance, ainda que a
por fim publicado em volume in 8°, ilustra- pressão de Hetzel o tenha compelido inevi-
do, em 27 de novembro desse ano. tavelmente ao “happy end”.
O livro começa mencionando a A primeira tradução para o portu-
data em que se situa o evento imaginário : guês de Le Testament d’un Excentrique vem
“Un étranger, arrivé dans la principale cité de ser publicada pela editora Carambaia,
de l ‘Illinois le matin du 3 avril de 1897, au- em tradução de Regina Schöpke e Mauro
rait pu, à bon droit, se considérer comme le Balladi (julho de 2017). Edição, de resto,
favori du Dieu des voyageurs”. Volto a frisar muito bem cuidada, elegantemente ilus-
que a revista Cosmopolis, com Un Coup de trada com fotos e trechos de mapas anti-
dés, saiu em 4 de maio de 1897. A histó- gos da União. Eu teria preferido encartar
ria do romance mais que extraordinário de à edição a estampa do “Nobre Jogo dos
Verne tem o seguinte tema. Um milionário Estados Unidos da América”, difundida pe-
norte-americano excêntrico prevê, em tes- las edicões Hetzel, e um mapa dos Estados
tamento, que sua fortuna seja distribuída Unidos com as cidades percorridas. Seriam
em herança por meio de um jogo conhecido muito úteis para a degustação das aventu-
como « jeu de l’oie » (jogo do ganso), jogo ras e correrias trepidantes dos jogadores
clássico de azar, em formato de espiral, com pelos vastos territórios daquele país. Mas
63 casas. Cada uma corresponde a um dos esta é uma consideração de ordem prática,
cinquenta estados da União, catorze delas que não empana o valor da iniciativa.
repetindo o de Illinois. Os concorrentes se- Conforme acentua Arthur B.
rão seis, determinados por escolha aleató- Evans, no estudo “Jules Verne and The
ria, e mais um, oculto sob a sigla de XKZ. French Literary Canon”, incluído no já cita-
Ao lance de dois dados, terão por obrigação do Jules Verne ― Narratives of Modernity)
viajar para as cidades que forem sorteadas, : “Embora seus romances estejam cheios
e deverão aguardar por prazo determina- de referências a Dieu, la Providence e le
do novo sorteio, indo ao acaso, de estado Créateur, eles igualmente citam le ha-
em estado. Segundo o testador, um jogo no sard, le destin e la fatalité como as forças
qual “le pur et seul hasard dirige ceux qui lu- ocultas que governam os atos dos heróis
ttent sur le champ de bataille pour rempor- e vilões” 15. Suas concessões à Deus ou à
ter la victoire”. A narrativa, com os seus in- Providência parecem ser um modo de con-
cidentes minuciosamente datados, se passa temporizar com a pressão do editor Hetzel,
entre os dias 3 de abril e 15 de julho, com que cuidava de amenizar a irreligiosidade
os concorrentes, sorteados de dois em dois fundamental de Verne (v. em L’Île à héli-
dias, partindo de 1º a 13 de maio de 1897. ce a violenta sátira à “guerra civil” entre
De uma carta de Verne a Hetzel, católicos e protestantes, que leva à des-
28 de julho de 1898, a propósito de Le truição da ilha artificial do futuro). Hetzel,
Testament d’un Excentrique, que tem algo como se sabe, recusou o manuscrito de
de seu próprio testamento: « j’en ai abso- Paris au XXe siècle, mostrando-se um vi-
lument fini avec les enfants qui cherchent gilante censor da obra de Verne, apesar
leur père, les pères qui cherchent leurs de todo o grande apreço que lhe tinha. E
enfants, les femmes qui cherchent leurs Verne chegou a modificar a identidade de
maris, etc. » .Verne parece estar farto das Nemo para atender às restrições do editor.

85
“Hasard“ é, efetivamente, palavra- que fazem com que as extraordinárias
-tema relevante, pervadindo todas as suas aventuras de Jules Verne se tornem pos-
obras. É talvez a chave última que justi- síveis e não totalmente imaginárias.
fica as « verossimilhanças » inverossímeis Alguns exemplos significativos :

AVENTURES DU CAPITAINE HATTERAS PARIS AU XXe SIÈCLE

— Vous êtes, répondit Hatteras d’une — Oui, je ris, répondit Michel, car il ne
voix à peine contenue, vous êtes un m’arrivera jamais d’avoir mêm un
homme qui prétend accorder au ha- mètre cube de terre ! à moins que le
sard et à la science une même part hasard...
de gloire ! Votre capitaine américain
s’est avancé loin dans le nord, mais le — Comment ! le hasard ! s’écria le pia-
hasard seul... niste ! voilà pourtant un mot que tu ne
comprends pas, et de qui tu te sers !
— Le hasard! s’écria Altamont ; vous — Que veux tu dire ?
osez dire que Kane n’est pas redevable — Je veux dire que hasard vient d’un
à son énergie et à son savoir de cette mot arabe, et ce mot signifie difficile !
grande découverte ? Pas autre chose ; donc en ce monde, il
— Je dis, répliqua Hatteras, que ce nom n’y a que des difficultés à vaincre ! et
de Kane n’est pas un nom à prononcer avec de la persévérance, et de l’intelli-
dans un pays illustré par les Parry, les gence, on s’en tire !
Franklin, les Ross, les Belcher, les Penny,
dans ces mers qui ont livré le passage du
nord-ouest à l’anglais Mac Clure...
— Mac Clure !, risposta vivement
l’Américain, vous citez cet homme et
vous vous élevez contre les bénéfices
du hasard ? N’est pas le hasard seul qui
l’a favorisé ?

86
LE SPHINX DES GLACES palavra « Excentrique », em semicírculo, no
título da página de rosto da primeira edição
Mon projet était de rester quelques de Le Testament d’un excentrique.
semaines de la belle saison dans cette Em 1962 foi lançado o livro Mobile
dernière île. De là, je comptais repar- de Michel Butor. Saudei-o, no ano seguinte,
tir pour le Connecticut. Cependant je no estudo “A Prosa é Móbile”. depois inclui-
n’oubliais pas de réserver la part qui do no livro À Margem da Margem (1989).
revient au hasard dans les propositions Analisei então o texto tipográfico espacial e
humaines, car il est sage, comme l’a dit colagístico de Butor, sob a ótica do « lance
Edgar Poe, de toujours« calculer avec de dados » mallarmeano e da linguagem
l’imprévu, l’innatendu, l’inconcevable, ideogrâmica dos Cantos de Ezra Pound.
que les faits collatéraux, contingents, Vejo agora que essa prosa experimental e
fortuits, accidentels, méritent d’obtenir aleatória, subtitulada ― é bom lembrar ― «
une très large part, et que le hasard Étude pour une représentation des États-
doit incessament être la matière d’un Unis », há de ter recebido a influência do
calcul rigoureux ». « testamento de um excêntrico ». É o que
observa Marie-Héléne Huet, em seu pre-
Não há de ser só o acaso que faz fácio a esse romance, na publicação das
aproximar os dois escritores franceses dos obras completas de Jules Verne pela edição
mesmos temas e das mesmas visões, ainda Pléiade, sendo certo que o Testament de
que por vias diversas e até mesmo opostas. Verne já estava embrionariamente dese-
O tardio reconhecimento de ambos, nos es- nhado no romance Le Tour du monde en
tudos de maior profundidade e espessura quatre-vingts jours, como a ensaísta o de-
literária, um por sua suposta obscuridade monstrou em sua monografia, Around the
e outro por sua suposta comunicabilidade, world in Eighty Spaces16 , na qual, entre
aponta para uma compreensão de suas obras outras considerações, publica um anúncio
sob perspectiva mais abrangente. A primei- da editora Hetzel, de 1873, onde os inci-
ra edição completa, projetada por Mallarmé dentes do “jogo entre a matemática e o
para o seu Un Coup de dés estava previs- acaso” aparecem projetados graficamente
ta para apenas 200 exemplares. Mallarmé nas casas de um “Jeu de l’Oie”. A homoní-
desejava que o seu poema fosse impresso mia de muitas cidades dos Estados Unidos,
com a tipografia Didot, conforme proje- importante elemento estrutural de Mobile,
to que confiou ao editor Ambroise Vollard, também enfatizado por Marie-Hélène Huet,
e a composição começou com essa tipolo- está explicitamente prevista no capítu-
gia, caracterizada pela serifa delgadíssima. lo intitulado « La péregrination d’Harris Y.
Chegou a ter numerosas provas (há quem Kimbale », onde Verne se refere aos ho-
afirme que já se encontraram treze) que o mônimos da cidade de Jackson, “quatre
poeta mostrava a alguns amigos e distribuía au Michigan, au Mississipi, au Tenessee et
entre eles. Alfred Firmin-Didot (1828-1913), dans Ohio, et deux Jacksonville, l’une dans
descendente da famosa família de impres- Illinois, l’autre dans Floride, à plusieurs
sores, a quem as provas mallarmaicas eram milliers de milles de la Californie”.
implacavelmente remetidas, achava que Un As últimas décadas, aguçadas pelo
Coup de dés era “obra de um louco” e relu- enciclopedismo digital, nos propiciam dados
tava em publicá-la. Vollard acabou desistin- que não tínhamos antes, reunidos num es-
do. Por acaso, os tipos Didot aparecem na pectro amplo que nos ajuda a « ver com olhos

87
novos » e « livres » o obscuro e o claro de extraordinária, que reúne sincronicamente
muitos enquadramentos canonicamente limi- ― coincidência ? ironia ? sátira ? ― as obras
tados. Dados os dados, fica proposta, para a de dois grandes autores antitéticos, afetados
nossa perplexidade, mais esta linguaviagem pelo mesmo e singular tema do acaso.

88
HOMMAGE À MALLARMÉ VERNE*

89
Notas

* Uma versão reduzida deste ensaio foi publicada na revista 8


Les Voyages et Aventures du Capitaine Hatteras,

eletrônica VERNIANA, dedicada aos estudos sobre Júlio Gallimard, Folio Classique, 2005.

Verne, volume 10 (2017-2018), em 20 de dezembro de 9


Oeuvres Complètes Poésie-Prose, “La Dernière Mode”,

2017. <http://www.verniana.org/volumes/index.en.html.> 18 octobre 1874, Mallarmé Pléiade, 1965, p. 786.


1
Michel Brix, “Baudelaire, disciple d’Edgar Poe?”, 10
Jules Verne - Narratives of Modernity, edited by

Romantisme, 2003, nº 122, Maîtres et Disciples, pp. 55-69. Edmund J Smyth, essays by him, Arthur B. Evans, Daniel
2
Musée des Familles. Tomo 31. No 7, abril de 1864, Compère, Timoty Unwin, Sarah Capitanio, David Platten,

pp. 193-208. David Meakin, Trevor Harris, Andrew Hugill, Terry


3
Michel Butor - Répertoire 1- “Le Point suprême et l’âge Hale, William Butcher. Liverpool University Press, 2000.
d’or à travers quelques œuvres de Jules Verne”, Paris: 11
http://www.theses.paris-sorbonne.fr/these.thierry.

Minuit, 1960 [1949]. roger.pdf Thierry Roger — L’archive du « Coup de Dés ».


4
Roland Barthes - Mythologies - “Nautilus et le Bateau Etude critique de la réception d’« Un coup de dés jamais

Ivre”, Paris: Aux Éditions du Seuil, 1957. n’abolira le hasard » de Stéphane Mallarmé, 1897-2007.
5
Résistances - Conversations aux Antipodes - Michel Paris, Classiques Garnier, juillet 2010.

Butor et Michel Launay , Paris, Presses Universitaires de 12


Timothy Unwin. Jules Verne ― Journeys in Writing.

France, 1983, pp 25-26: Liverpool University Press, 2005, p. 32.


13
Marie-Hélène Huet. L’Histoire des Voyages

“La façon dont ils l’ont lu a certainement Extraordinaires. Essai sur l’oeuvre de Jules Verne. Paris,

approfondi et éclairé la mienne. Ils Minard, 1973, p. 167.

ont en particulier su développer avec 14


https://fr.wikipedia.org/wiki/Le_Testament_d’un_excentri-

sa poèsie ”concrète” ce que Mallarmé que. Segundo foi apurado, o texto em questão é de Michel

entendait comme physique du livre. Kotalrek, publicado anteriormente sob o pseudônimo de

Allors que certains représentants brillants Hyperbone. Falecido há dois anos, tem dois artigos publica-

de la conscience littéraire française dos na revista J.V., do antigo Centro de documentação Jules

traditionelle (Valéry, Blanchot) se sont Verne. Dados fornecidos por Garmt de Vries e Volker Dehs.

éforcés d’interpréter les audaces du Coup 15


Ob. cit., p. 19.

de dés comme une façon de nier l’aspect 16


Marie-Hélène Huet. Around the World in Eighty Spaces.

physique du livre par lui-même, les Princeton University Library

Brésiliens, comme un Claudel avant eux, Chronicle, vol. LXXIV, No 3, Spring 2013., vol. LXXIV, No

si merveillusement parfois sensible au 3, Spring 2013.

changement, on su en recevoir l’évidence * Sobre trecho do mapa desenhado pelo próprio Verne para

“sauvage”. (…). Au Brésil le blanc de la Les Voyages et Aventures du Capitaine Hatteras (1866)

page ce sera le jungle écrasé de soleil où

au lieu d’un desert vide, c’est le désert

plein lequel il faut se tailler l’ombre

bienfaisante d’un chemin.”

6
Marcel Duchamp — Una obra que no es obra ”de arte”,

Gonzalo Aguilar e outros. Fundación Proa, Buenos Aires,

2008, pp 115-116.
7
Atsuo Takaoka - Rimbaud e Jules Verne: Au sujet des

sources du Bateau Ivre (1991) ir.library.osaka-u.ac.jp/

dspace/bitstream/.../1/gallia_30_043.pdf

90
POSSÍVEL LEITURA DO
FRAGMENTO GALÁTICO
MULTITUDINOUS SEAS 1

Armando Sérgio dos Prazeres

91
se eu lhe disser que o mar começa você dirá que ele cessa se eu lhe disser que ele avança você
dirá que ele cansa se eu lhe disser que ele fala você dirá que ele cala e tudo será o mar e nada será
o mar

Haroldo de Campos

A metáfora do mar como um livro ou para esta fala macbeth-shakespeareana:


do livro como um mar poderá funcionar, as- “multitudinoso mar purpúreo” (linha 41).
sim desejamos, à maneira de reluzente farol No fragmento galático, a frase de
nesta leitura que ora empreenderemos sobre Macbeth/Shakespeare jorra sangue noutras
o fragmento “multitudinous seas”, o terceiro frases, entre elas, as de Homero, que, ao
dos cinquenta que compõem o livro Galáxias, lado do bardo inglês, será a outra voz-guia
de Haroldo de Campos. Obra que escapa às a soprar as velas que transportarão o lei-
classificações de gênero e escola literária, as tor pelas ondas textuais da página-mar. Tais
Galáxias foram lançadas em 1984 pela Ex vozes conferirão contornos à imagem do
Libris e reeditadas em 2004 pela Editora 34. livro como um “mar multitudinário”, onde
Se para Haroldo “a viagem como li- tudo cabe, tudo sabe, como um “oceano se
vro e o livro como viagem” (2004, p. 119) abrindo como uma vulva violeta” (linha 3).
constitui um tema recorrente em Galáxias, Imagem que fomentará a apreciação total,
para nós, o mar-livro ou o livro-mar será inclusive erótica, do leitor, uma “erótica da
a imagem que vai-e-vem, que vem-e-vai, linguagem como exploração das modalida-
como ondas, pelas quarenta e três linhas do des do visível, do audível, do táctil”, como
multitudinoso fragmento. Podemos, desta disse certa vez Haroldo sobre a elabora-
feita, considerar que o fragmento conduz o ção do poema Ciropédia ou A Educação do
leitor a uma viagem ao mar aberto e revol- Príncipe, obra que, tal a tessitura galática,
to da poesia, na qual o dramaturgo e poeta almejava “dialetizar a questão da ruptura
inglês William Shakespeare iça as velas e dos gêneros (poesia/prosa)” (1992, p. 270).
dá a partida, lançando no texto haroldiano A certo passo do fragmento o lei-
a voz de Macbeth, protagonista da tragédia tor se depara com outra construção meta-
homônima, quando do seu atormentado fórica, análoga às descritas acima: “o mar
monólogo após manchar o trono de sangue: como um livro rigoroso e gratuito” (linha
“multitudinous seas incarnadine” (linha 1). 18). Rigor e acaso, princípios, a nosso ver,
Indo para o final da página, vislumbramos direcionadores da carta náutica de todas
uma espécie de transcriação de Haroldo as Galáxias (as de Haroldo e de outras tan-

92
tas empresas poéticas radicais). Não es- Metamorfose do livro em mar ou do mar
queçamos estas palavras do Poeta: “Meu em livro? Como bom poeta barroco que é,
livro Galáxias (1963-1976) é um ensaio Haroldo nada exclui. Deste modo, recria
de abolição das fronteiras entre poesia e com palavras a explosão ruidosa do mar,
prosa, que busca aliar rigor construtivista faz-nos acompanhar a gradação de cores
e proliferação neobarroca” (2013, p. 203). que o mar atinge ao longo do dia, leva-
Nas veias do fragmento, se o mar -nos a perceber a textura, o brilho de suas
de Macbeth é feito pelo transbordamento águas e o branco de suas espumas. Coloca
do sangue de inocentes em nome de seu em nossos ouvidos os movimentos das ma-
plano de ascensão ao poder, o mar homé- rés, a turbulência e a mansidão das águas.
rico (poderíamos dizer homárico, trans- Para se ter uma noção, entreguemo-
fundindo com sangue haroldiano nossas -nos à experiência verbo-mar: “a primeira
palavras) não será menos um trono man- tinta da aurora”, o “roçar rosa da dedirrósea
chado do sangue da guerra entre gregos e agora aurora” (algo como os dedos rosas da
troianos cantada na Ilíada. Guerra, diga- manhã), o “polifosfóreo noturno agora sob
-se de passagem, transcriada por Haroldo estrelas extremas mais liso e negro como
em dois volumes (Mandarim, 2001; Arx, uma pele de fera um cetim de fera um macio
2002). No multitudinoso fragmento, po- de pantera”, “o mar polifluente se ensafiran-
rém, outras vozes vêm dar o ar da graça: do a turquesa se abrindo deiscente como um
fruto que se abre e apodrece em roxoamare-
Esta celebração do mar-livro começa lo”, “o mar cor de urina sujo de salsugem e
por um verso de Shakespeare de marugem de negrugem e de ferrugem”.
(Macbeth, II, cena II), referência Sobre esse barroquismo do mar,
ao mar multitudinoso, que de verde Eugenio d’Ors nos fala:
se transmuda em vermelho-sangue,
verso da predileção de Ezra Pound e Qué gran tentación romántica el
também de Borges. Termina com o mar! Su masa informe, su caos, ori-
vocábulo grego polüphloisbos (“po- gen de toda a vida, pero privado de
lissonoro”), aplicado por Homero las estructuras de la vida y su infinito,
(Ilíada, I, 34) ao bater das ondas y su indefinición... El mar es subli-
na praia. Odorico Mendes, tradu- me. Esto, en el lenguaje de las artes,
tor “macarrônico” dos poemas ho- equivale a decir que es Barroco; ya
méricos (“a dedirrósea aurora”), é ha advertido Woelflin el barroquismo
também invocado de passagem, na esencial del género pictórico llamado
tradição épico-marinha da língua “marina” (d’ORS, 1964, p. 145).
portuguesa, que remonta a Camões,
maneirista, pré-barroco (CAMPOS, A sensação é como se, em vez de
2004, p. 121-122). palavras, lêssemos por meio de búzios,
como se encostássemos nosso ouvido a
Ao findar a página com a pala- uma concha e deitássemos à paisagem
vra “polüphloisbos”, vocábulo que vem a acústica do mar. Ouçamos um pouco: “o
condensar todo o rumor do mar, dá-nos oceano oco e regougo”, as “maretas esfare-
a sensação de que o texto, a essa altura, lando ao vento”, o “maroceano soprando”, “o
cumpre uma espécie de metamorfose ma- mar gárgulo e gargáreo gorjeando gárrulo”.
rinha, ensaiada desde o início da página. Explorando as possibilidades expressivas do

93
fonema “eme”, recorrente do início ao fim Quanto a este aspecto oral do frag-
da página, o poeta faz-nos a um só tempo mento, não poderia nos escapar aqui uma
ouvir e ver o ronco das ondas, a arrebenta- analogia com o conto Meu tio, o Iauaretê,
ção nas pedras, o vento arrepiando a pele de Guimarães Rosa. O conto recebeu de
do mar, a agitação das vagas, as procelas Haroldo um ensaio que pôs em destaque
em alto-mar: “multititudinous”, “multituidi- a metamorfose da linguagem ali contida,
nário”, “miúdas migalhas”, “maretas”, “suas por meio das sonoridades onomatopaicas
plumas mas o mar mas a escuma mas a da língua portuguesa e do tupi-guarani:
espuma mas a espumaescuma do mar re-
começado recomeçando”, “mar mareado”, O conto é um longo monólogo-diálogo (o
“mar manchado”, “mas o mar reverte mas diálogo é pressuposto, pois um só pro-
o mar verte”, “mareando marujando marlu- tagonista interroga e responde) de um
nando marlevando marsoando”. onceiro, perdido na solidão dos gerais,
Quando dissemos há pouco que que recebe em seu rancho a visita ines-
o texto cumpre ao final sua metamorfose perada de um viajante cujos camaradas
marinha, estávamos salientando o caráter se extraviaram. O onceiro, meio-bugre,
metamórfico da linguagem haroldiana, que desfia sem parar a sua fala, contando
aqui, como em vários outros fragmentos, casos de onças e de zagaieiros, bebendo
vai aos poucos se transformando na matéria cachaça, tentando entreter o hóspede
narrada. Isto é, discorrendo acerca das qua- e fazê-lo dormir, com algum propósito
lidades e propriedades do mar, por meio de maligno que sua conversa ora vela, ora
construções lexicais que plasmam semântica revela (CAMPOS, 1992, p. 59).
e morfologicamente essas características, a
linguagem acaba por personificar o mar, em- Passos adiante, Haroldo começa
butindo em “polüphloisbos” “todo o rumor a evidenciar, com meticuloso interesse, a
do mar”, esta “palavra-búzio que homero metamorfose do onceiro em onça, que cor-
soprou e que deixa transoprar”2. Podemos responde rosianamente à transmutação da
dizer que este vocábulo, carregado de sig- linguagem textual em linguagem onceira:
nificações do signo mar, atua também como
sonoridade onomatopaica, um ruído mesmo, À medida que a história flui, o que
como se o fragmento findasse com o estron- parecia bravata do tigreiro para as-
do das ondas aos ouvidos e olhos do leitor. sustar seu hóspede (“Cê tem medo?
Corrobora esta nossa consideração Mecê, então, não pode ser onça... Cê
a oralização de dezesseis fragmentos rea- não pode entender onça”; Mecê acha
lizada pelo Poeta para o CD isto não é um que eu pareço onça? Mas tem horas
livro de viagem, lançado em 1992, tam- em que eu pareço mais. Mecê não
bém encartado na 2ª. edição de Galáxias. viu”; “Eh, onça é meu tio, o jaguaretê,
Dando-nos a perceber a ênfase ao acento todas”; Então eu viro onça mesmo, hã.
oral do texto galático, Haroldo finaliza sua Eu mio”; “Onça é meu povo, meus pa-
leitura do fragmento “multitudinous seas” rentes”; “De repente, eh, eu oncei”),
prolongando o fonema “s” (ésse) do refe- os “causos” de caçada e morte, de
rido vocábulo homérico, até o apagar de gente comida de onça e de jaguaretês
sua fala, como se mínimo espocar das go- carniceiros, só familiares para o za-
tículas das ondas sibilasse em sua língua: gaieiro, que lhes conhecia os nomes e
“polüphloisbossssssss”. as manhas, tudo vai convergindo para

94
o clímax metamórfico. Este não é apre- formatizam o homem-onça e em Haroldo
sentado, mas presentado, presentifica- de Campos a palavra-mar.
do pelo texto (CAMPOS, 1992, p. 61). Isto posto, não apenas no frag-
mento que ora nos debruçamos como em
Presentificação que, segundo toda a dimensão de Galáxias, o modo de
Haroldo, se resolve assim: contar se transmuda no que é contado.
Ou, nas palavras de nosso poeta, “o obje-
A transfiguração se dá isomorficamen- to da demanda é o próprio ‘ser’ do conto,
te, no momento em que a linguagem o ‘quem’ da narração (como se poderia
se desarticula, se quebra em resíduos dizer, à maneira de Guimarães Rosa)”3. A
fônicos, que soam como um rugido linguagem se metamorfoseia porque é ela
[grifo nosso] e com um estertor (pois mesma a protagonista da cena galática,
nesse exato instante se percebe que cujos procedimentos técnico-criativos,
o interlocutor virtual também toma aquilo que Haroldo nomeia de “disposi-
consciência da metamorfose e, para tivos fono-prosódicos”, são suas artima-
escapar de virar pasto de onça, está nhas de artificialização barroca, esta ope-
disparando contra o homem-iauaretê o ração lúdica que abre na consciência do
revólver que sua suspicácia mantivera leitor as portas da imaginação para uma
engatilhado durante toda a conversa): viagem transformadora e criativa.
“Ui ui mecê é bom, faz isso comigo Insistamos na ideia do livro como
não, me mata não... Eu – Macuncôzo... um mar e das páginas como folhas.
Faz isso não, faz não... Heeé... Hé... Talvez com este excerto do fragmento
Aar-rrâ... Aaâh... Cê me arrhoôu... em leitura realizemos a analogia: “esse
Remuaci... Rêiucàanacê... Araaã... livro que se folha e refolha que se dobra
Uhm... Ui... Ui... Uh... uh... êeês... e desdobra nele pele sob pele pli selon
êê... ê... ê...” (CAMPOS, 1992, p. 62). pli”. Em “folha e refolha” parece chegar-
mos a ouvir a um só tempo o farfalhar do
Estamos cientes de que se trata manuseio das páginas do livro e os ruí-
de duas obras distintas enquanto gêneros dos do ritmo ininterrupto das ondas do
literários – um conto e um... Um o quê?! mar. Páginas e ondas fluindo e refluindo
Poema prosístico? Prosa poética? Proesia, como se as leituras de Galáxias e do mar
como queria Caetano no lançamento de coincidissem em aparência e transcur-
Galáxias? Transpoema?... Galáxias não se so, ressaltando ainda a ideia de leitura
define, vive-se. Dito assim, não estamos contínua e intercambiável. Em “dobra e
pretendendo uma análise comparativa desdobra”, atentamos para as camadas
em sentido estrito. O que urge estabele- incessantes de significâncias da lingua-
cermos entre a obra do autor mineiro e gem galática, dos signos que geram ou-
o fragmento galático é o fato de que em tros signos, das palavras que são con-
ambos os textos a linguagem se traveste duzidas e conduzem a outras palavras,
gradativamente no objeto narrado. Neste compondo assim uma cadeia de inter-
aspecto, o conceito de travestimento en- pretantes sem fim, “pli selon pli” (dobra
quanto disfarce e ambiguidade nos auxi- sob dobra), conforme pratica Haroldo,
lia a pensar a camuflagem da linguagem, remetendo-nos às noções barrocas de
a relação inextricável do referente com o infinitude e abertura, ecoando, também,
significante, que em Guimarães Rosa per- a Dobra de Leibniz via Deleuze:

95
quadros, de lugares, de pessoas, de pre-
Dobrar-desdobrar já não significa sim- senças”, aparecendo e desaparecendo?
plesmente tender-distender, contrair- Isto está nos cheirando a cinema. Palavras
-dilatar, mas envolver-desenvolver, de Haroldo: “Valho-me frequentemente de
involuir-evoluir. O organismo define-se processos cinematográficos, tais como o
pela sua capacidade de dobrar suas corte e a montagem, a fusão, o flashback
próprias partes ao infinito e de des- e o flashforward (CAMPOS, 1992, p. 274).
dobrá-las não ao infinito, mas até o Não foi por acaso que o cineasta
grau de desenvolvimento consignado carioca e amigo do Poeta, Julio Bressane,
à espécie. Desse modo, um organismo transcriou para o código audiovisual a
está envolvido na semente (pré-forma- “vertebração semântica” das Galáxias,
ção dos órgãos), e as sementes, como através do díptico videográfico Galáxia
bonecas russas, estão envolvidas umas albina (1992) e Infernalário: logodédalo -
nas outras até o infinito (encaixe de galáxia dark (1993). “Haroldo, vamos fil-
germes) (DELEUZE, 1991, p. 21). mar as Galáxias! As Galáxias são cinema,
Haroldo! Cinema!”, enfatiza Bressane no
Ativada nossa imaginação, chega- diálogo com o Poeta, que abre a primeira
mos a ver aqui uma profusão de ondas, parte do díptico. E este fragmento sobre
umas se formando e desformando sob e o qual por ora nos ocupamos foi um dos
sobre as outras, sendo cada uma delas principais vetores mobilizados no proces-
unidade de onda e totalidade de mar. A so de tradução lítero-cinematográfica, que
esse respeito, acode-nos Haroldo: levou em conta antes a essencialidade do
A ideia norteadora – a viagem como texto galático do que a literalidade de seus
livro e o livro como viagem – abarca conteúdos página a página.
tudo isso. É uma vertebração semântica Em Galáxia albina, por exemplo, o
que dá unidade subliminar à prolifera- mar “cor de urina sujo” de Macbeth “suja”
ção das diferenças na escritura galáti- os planos e as sequências do filme, re-
ca. Viagem paródica, homérica [grifo criando com imagens e sons a mortificina
nosso] e psicodélica ao mesmo tempo. que rei e rainha (Lady Mabeth) tramaram
Livro ivro (“Bateau îvre”) onde cabe o para subirem ao trono. Nesta recriação
vivido, o lido, o treslido, o tresvivido... audiovisual, o “polüphloisbos” do mar ho-
Visões vertiginosas, de quadros, de lu- mérico assoma-se ao jorro de sangue sha-
gares, de pessoas, de presenças (histó- kespeareano, como se assomam e se cru-
ricas e mitológicas) aparecem e desa- zam na mesma página galática as fúrias
parecem ao longo da tessitura verbal, das personagens Aquiles e Macbeth.
do mar de sargaços da linguagem [grifo Mas, se as Galáxias já são cinema,
nosso] (CAMPOS, 1992, p. 271). como disse Bressane, vejamos que técnicas
o “poeta-cineasta” Haroldo de Campos uti-
Esta citação, referenciada ela liza para a construção desta narrativa híbri-
mesma em outras possíveis presenças, da, que mistura procedimentos literários e
como a do poeta francês Arthur Rimbaud cinematográficos, considerada pelo próprio
(“Bateau îvre”), parece fortalecer a metá- poeta como um “audiovideotexto, video-
fora do “mar como um livro” ou do “livro textogame” (CAMPOS, 2004, p. 119):
que ao mar reverte”. Ainda quanto à ci-
tação, atentemos: “Visões vertiginosas de

96
Jogo com técnicas de narrativa que a fusão, o flashback (recuo no tempo) e o
fraturam, transgridem, tornam am- flashforward (avanço no tempo), conforme
bíguos o espaço e o tempo épico, os declaração de nosso poeta, flerta com a lin-
caracteres. Altero os registros retó- guagem-montagem do Barroco.
ricos. Dissemino as citações que dão A transversalidade citacional do
uma entonação multíplice às “falas” e fragmento, movendo-se como ondas
confundem as “vozes” narrativas. “Por dentro de ondas, “poliflui” deste modo
quem os signos dobram?” – pergunta o “verde vário” de vozes que Haroldo de
um dos fragmentos das Galáxias. Daí Campos invoca das profundezas e da su-
o tom “detetivesco” que o livro acaba perfície do oceano das literaturas para
assumindo, de uma certa perspecti- trafegar por mares para sempre navegá-
va de leitura, pois a negaça da intriga veis pelo leitor, pois este deve estar cien-
passa, por si mesma, a ser intrigante... te de que a leitura, assim como o mar,
(CAMPOS, 1992, p. 275). jamais terá fim. O mar, amor do pesca-
dor. O “livro mar”, amor de Haroldo de
Atentos a estas declarações, sobre- Campos. O mar, essa “vulva frouxa no
tudo no que tange à disseminação das cita- seu mel”, enchendo os olhos, como “uma
ções que geram múltiplas falas, chegamos árvore de verde e se vê azul é roxo é púr-
a ouvir no fragmento “multitudinous seas” pura é iodo é de novo verde glauco verde
não apenas as vozes de Shakespeare e de infestado de azuis e súlfur e pérola”. Mar
Homero, mas um mar de vozes, que, como que, como o livro, também é “fel”, “cor de
ostras, incrustam-se umas nas outras. Passos urina sujo de salsugem”, pois tanto o mel
acima, trouxemos uma citação do Poeta na quanto o fel são ondas do mesmo mar
qual ele afirma que o verso inicial “multitudi- chamado vida. E é da vida, da linguagem
nous seas incarnadine”, extraído da peça do e do homem, que tratam as Galáxias.
poeta inglês, configura um “verso da predi- Um mar de intertextualidades
leção de Ezra Pound e também de Borges”. (Homero, Shakespeare, Pound, Borges,
Sobre Ezra Pound, saiba o leitor: poeta e tra- Camões e outras vozes por estas perpas-
dutor americano, autor dos Cantares, uma sadas), de neologismos hiperbólicos que
epopeia labiríntica de citações e recriações, salientam a polifonia barroco-galática (po-
tendo alguns trechos transcriados pelos ir- liglauco, polifluente, poliestentóreo, poli-
mãos Campos e por Décio Pignatari. Sobre lido, polipantera, polifosfóreo, multitudi-
Jorge Luis Borges, escritor argentino, autor noso, multitudinário), de estrangeirismos
do Aleph, agrupamento de contos históri- sugerindo o entrecruzamento de línguas
co-maravilhosos cujo liame constitui aquele e culturas (do inglês, multitudinous seas
“miradouro aléfico” citado por Haroldo para incarnadine; do francês: pli selon pli; do
qualificar a estrutura dos fragmentos galác- grego, óinopa pónton, polüphloisbos).
ticos (CAMPOS, 2004, 119). Ao final da refe- Tudo isto um mar como fonte de
rida citação, vale retomar, o poeta ainda faz conhecimentos que se oferece ao mar de
alusão a Camões, “maneirista, pré-barroco”. conhecimentos já navegados pelo leitor. Um
Assim, parodiando Julio Bressane, mar aberto como um “livro aberto”, para
“as Galáxias são Barroco, Haroldo, Barroco!”. ser lido/navegado, porque ler/navegar será
Se mais quisermos, não podemos negar sempre preciso. Viver, também. Só assim,
que a linguagem do cinema, com seus imaginamos, poder-se-á baixar âncoras no
procedimentos como o corte e a montagem, “mar depois do mar depois do mar”.

97
Referências bibliográficas Notas

BORGES, Jorge Luis. O aleph. São Paulo: Companhia das 1


Este ensaio faz parte da tese de doutorado Haroldo

Letras, 2008. de Campos e o Barroco: a criatura de ou(t)ro - ensaios

CAMPOS, Augusto de, PIGNATARI, Décio, CAMPOS, Haroldo para um guia das Galáxias, orientada pelos professores

de. Ezra Pound: Poesia. São Paulo: Hucitec, 1985. doutores Francisco Ivan da Silva (UFRN) e Manuel

CAMPOS, Haroldo de. Transcriação. Org. Marcelo Tápia e Simplício Geraldo Ferro (Universidade de Coimbra),

Telma Médici Nóbrega. São Paulo: Perspectiva, 2013. defendida no âmbito do Programa de Pós-graduação em

________. Galáxias. Org. Trajano Vieira. São Paulo: Estudos da Linguagem – Literatura Comparada da UFRN,

Editora 34, 2004. em 2016. A conversão da tese em livro está em processo.

________. Metalinguagem e outras metas: ensaios de 2


Frase contida no frag. 45, “mais uma vez”, p. [101].

teoria e crítica literária. São Paulo: Perspectiva, 1992. 3


Cf. Galáxias, p.120, ob. cit.

DELEUZE, Gilles. A Dobra: Leibniz e o Barroco. Trad. Luiz

B.L. Orlandi. Campinas: Papirus, 1991.

d’ORS, Eugenio. Lo Barroco. Madrid: Aguilar, 1964.

Galáxia albina, dir. e roteiro Julio Bressane e Haroldo de

Campos, produção Vídeo Track e Julio Bressane, São Paulo,

1992, betacam, color e p&b, 40 min.

Infernalário: logodédalo – galáxia dark, dir. Julio Bressane,

roteiro Julio Bressane e Haroldo de Campos, produção

Vídeo Track e Julio Bressane, São Paulo, 1993, betacam,

color e p&b, 40 min.

Isto não é um livro de viagem, CD com 16 fragmentos de

galáxias, Haroldo de Campos, produção Arnaldo Antunes,

São Paulo, Editora 34, 1992.

SHAKESPEARE, William. Macbeth. Trad. Beatriz Viégas-

Faria. Porto Alegre: L&PM, 2013.

98
GALÁXIA
HAROLDO

99
DEPOIMENTO DE
AFFONSO ÁVILA
SOBRE HAROLDO
DE CAMPOS

100
(O depoimento foi colhido oralmente, durante enfermidade de Affonso Ávila, em setembro de 2012)

A amizade entre os poetas come- Desde então, Haroldo e Affonso fir-


çou com a mútua oferta de livros, quando maram uma amizade que durou até a mor-
ainda não se conheciam pessoalmente. te do primeiro, em 2003. Affonso chegou a
Em 1961, eles se conheceram estar presente em reunião do CPC, em casa
no II Congresso Brasileiro de Crítica e de Ferreira Gullar, mas, ao contrário des-
História Literária, em Assis, cujo orga- te, nunca rompeu com os concretistas, por
nizador, Jorge de Sena (por sinal, ligado aderir desde o início à ideia da necessidade
por laços de família a Fernando Pessoa) da pesquisa formal em poesia. Entre 1968
ofereceu um almoço aos participantes, em e o fim da década de 70, vários escritores e
sua casa. Nesta ocasião os participantes críticos estrangeiros procuraram a casa de
de várias regiões do Brasil puderam fazer Affonso por indicação de Haroldo, quando
contatos uns com os outros pela primei- foram a Minas conhecer Ouro Preto e outras
ra vez. Nesse congresso foi apresentada cidades históricas. Entre esses contam-se
uma tese de Décio Pignatari, propondo Michel Butor, Roman Jakobson, Tzvetan
o “salto participante” dos concretistas, o Todorov, Koellreuter, Curt Lange, além
que os aproximou do grupo Tendência, de de numerosos paulistas, entre os quais
Belo Horizonte. Houve troca de endereços os compositores Rogério e Régis Duprat,
entre os dois grupos e, no retorno a Belo Gilberto Mendes e Damiano Cozzella.
Horizonte, Affonso e sua esposa, também Affonso se recorda de ter ouvido
poeta, Laís Corrêa de Araújo, se detiveram Murilo Mendes definir Haroldo de Campos
em São Paulo, onde foram convidados para como uma “força da natureza”.
conversar com Haroldo de Campos em sua Nas décadas de 80 e 90, Haroldo
casa. Affonso era, nessa época, colabora- esteve diversas vezes em Belo Horizonte.
dor titular do Estado de São Paulo. Nessas ocasiões, pedia sempre para jan-
A partir desse primeiro contato pre- tar no restaurante Tavares, especializa-
sencial, começou-se a articular uma rede do em caças (capivara, cutia, etc.). Na
de escritores e críticos em torno da ideia de Universidade Federal, recorda-se Affonso
vanguarda participante. João Cabral de Melo que Haroldo foi uma vez recebido por um
Neto esteve, por essa época, com Ávila em público reduzido, supostamente por não
BH. Affonso apresentou, por correspondên- ser bem aceito por um bom número dos
cia, Luiz Costa Lima ao poeta pernambuca- professores. A professora Leda Martins,
no. Também nessa época, o poeta mineiro que também criou laços de amizade com
conheceu João Alexandre Barbosa. Benedito Haroldo, foi a responsável pelo convite.
Nunes fora já apresentado a Haroldo em Affonso esteve entre os primeiros
Assis e passou a fazer parte dessa rede. críticos a fazer resenhas sobre a obra de
Foi preparada a Semana de Poesia de Haroldo, tendo sido também mencionado
Vanguarda, por iniciativa de Affonso Ávila, por ele em ensaios e entrevistas. A corres-
na Reitoria da Universidade Federal de pondência entre os dois tem importância
Minas Gerais (na época ainda UMG). O car- histórica e está sendo preparada para pu-
taz foi criado por Décio Pignatari. blicação por Júlio Castañon Guimarães.

101
SOBRE OS
AUTORES
ARMANDO SÉRGIO DOS PRAZERES. Doutor em Estudos AFFONSO ÁVILA (Belo Horizonte, Minas Gerais, 1928 –

da Linguagem – Literatura Comparada (UFRN-2016). Idem, 2012). Poeta, ensaísta e pesquisador. Em 1953, pu-

Mestre em Comunicação e Semiótica (PUC-SP-2001). blica  O Açude e Sonetos da Descoberta. Em 1957, passa

Bacharel em Comunicação Social – Jornalismo (UFRN, a publicar no suplemento literário de  O Estado de Minas.

1996). Autor dos livros Pau e Pedra: o Seridó esculpido por No mesmo ano, integra a revista Tendência, de repercussão

Luzia Dantas e Dimas Ferreira (Sebo Vermelho, 2013) e nacional. Em 1961, conhece os poetas Augusto de Campos

Palavra-Som-Imagem: ensaios para ler-ouviver (8 Editora, , Décio Pignatari  e Haroldo de Campos , no 2º Congresso

2016). Co-autor e editor de Literatura e Cinema: Gregório Brasileiro de Crítica e História Literária e passa a colaborar

de Matos, Sor Juana Inés de la Cruz, Haroldo de Campos na revista Invenção; dois anos depois, organiza a Semana

(Offset Editora, 2014). Pesquisador do Barroco e da obra Nacional de Poesia de Vanguarda. Sob influência dos seus

do poeta, crítico e tradutor Haroldo de Campos. estudos seiscentistas, escreve Código de Minas (1969). Nas

décadas de 1970 e 1980 lança Cantoria Barroca  (1975)

AUGUSTO DE CAMPOS. Poeta, tradutor, crítico literário e e Barrocolagens (1981) e preside e organiza, em Ouro Preto,

musical, e ensaísta. Forma-se em Direito pela Faculdade do um congresso sobre barroco e arquitetura. Nos anos 1990,

Largo de São Francisco. Publica seu livro de estreia, O Rei publica O Visto e o Imaginado (1991 - Prêmio Jabuti). Em

Menos o Reino, em 1951. No ano seguinte, participa da cria- 2003, recebe o prêmio Apca, com A Lógica do Erro (2002).

ção do grupo Noigandres e edita uma revista com mesmo

nome, ao lado de Haroldo de Campos (1929 - 2003) e Décio DANIEL SCANDURRA é músico, poeta e designer gráfico.

Pignatari (1927), com quem também organiza o movimen- Pesquisa e realiza traduções e instalações intersemióticas

to da poesia concreta. Em 1956, participa da 1ª Exposição em redes, rios e ruas. Participou da criação do site http://

Nacional de Arte Concreta, no Museu de Arte Moderna codigorevista.org/ que mantém disponível online todos os

de São Paulo (MAM/SP), e dois anos depois é publicado números da importante revista de poesia Código (concebi-

o  Plano-piloto da Poesia Concreta. Na década de 1960, da por Antonio Risério e Erthos Albino de Souza, por quem

com Haroldo e Décio, edita a revista literária Invenção. foi editada, em Salvador-BA, de 1974 até 90). Acaba de

Em poesia, publicou Caixa Preta, Poemóbiles, Viva Vaia, lançar na internet um álbum/filme com a banda Eueueu,

Despoesia, Não e Outro, entre outros trabalhos. Como tra- aqui: https://youtu.be/5n-NgwUs-ys.

dutor, Augusto de Campos divulga em português autores

como Ezra Pound, Stephane Mallarmé, James Joyce, E.E.

Cummings e Vladímir Maiakovski. No campo da crítica li-

terária e do ensaio publica as antologias Re-Visão com as

obras de Sousândrade  e Pedro Kilkerry, respectivamen-

te, e Pagu: Vida-Obra. Estudioso da música erudita de van-

guarda, publicou os livros Música de Invenção 1 e 2.

102
INEZ XINGYUE ZHOU licenciou-se em Literatura

Inglesa pela Universidade de Pequim e doutorou-se em

Literatura Comparada pela Universidade de Califórnia

Santa Bárbara, onde é investigadora no Centro das

Humanidades Interdisciplinares. O seu interesse de pes-

quisa inclui poesia americana, poesia luso-brasileira, es-

tética do lixo, e poética comparada sino-ocidental. Foi

bolsista na Fundação Calouste Gulbenkian (2015-6) e

no Centro de Referência Haroldo de Campos (Casa das

Rosas, 2017), onde desenvolveu pesquisa sobre a teoria

do ideograma e da tradução por Haroldo de Campos.

RODOLFO MATA é tradutor e professor de literatura

latino-americana na Universidade Nacional Autônoma

do México.  É autor dos livros de poesia Parajes y para-

lajes  (Aldus, 1998),  Temporal  (CNCA, 2008) e  Qué de-

cir  (Bonobos, 2011), e do poema eletrônico  Silencio va-

cío  (http://unoyceroediciones.com/, Valencia, 2014).

Organizou diversas antologias sobre autores brasileiros,

além de traduzir e prefaciar outros tantos, como Haroldo de

Campos, Paulo Leminski, Rubem Fonseca, Dalton Trevisan,

Antonio Candido e Sebastião Uchoa Leite.

103
gestão realização

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