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Publicação: Pacs
Textos e edição: Janaína Pinto
Coordenação: Joana Emmerick Seabra
Colaboração: Aline Lima, Emília Jomalinis, Iara Moura, Marina Praça, Sandra Quintela
Revisão: Iara Moura e Thiago Mendes
Ilustrações: Bianca Sant'ana e Gabriela Caspary
Projeto gráfico e diagramação: Espaço Donas Marcianas Arte e Comunicação
Impressão: Corbã Gráfica e editora
Tiragem: 500 exemplares
Apoio: PPM, Appleton, Cese
ISBN: 978-85-89366-34-2
Facilitação Gráfica 69
tribuições são de Leila Salles e Marina Ribeiro, chama “Como fazer análise de conjuntura a
que passaram a caminhar ao nosso lado como partir do nosso lugar de fala”. Construída com
educandas do curso e transitaram como coor- base na fala de Sandra Quintela, foca na aná-
denadora - Leila, entre 2007 e 2010 - e educado- lise de conjuntura na perspectiva a luta de
ra – Marina, desde 2008 até o momento atual; classes e procura trazer um passo da passo de
e de Josinete Pinto, educadora popular no mo- como fazê-la.
vimento de Economia Solidária que contribuiu
em diversas edições do curso como educadora Já a quinta seção é fruto de uma entrevis-
até participar como educanda em 2009. ta com a intelectual-militante Mirla Cisne, da
Frente de Luta das Mulheres Potiguar, na oca-
O nome da terceira seção é “Auto-organização sião da sua contribuição ao seminário de 2015.
feminista: práticas e desafios”. Nela, as falas Este capítulo se chama “Feministas: ‘É preciso
são de Graciete Santos, da Casa da Mulher do radicalizar a democracia’” e traz uma perspec-
Nordeste, e de Sandra Quintela, coordenadora- tiva materialista marxista.
-geral do PACS. Sandra traz uma discussão so-
bre os impactos do modelo de desenvolvimento Finalmente, a sexta seção fala um pouco sobre
capitalista nas vidas das mulheres, um debate o processo de criação do vídeo Mulheres e Eco-
feito de maneira constante pelo PACS. nomia 10 anos: uma experiência de educação
popular feminista, vídeo-registro construído
A quarta parte desta cartilha tem como refe- coletivamente pelo PACS e Memória Latina, com
Apresentação
ferentes edições do curso. realizados pelas mulheres da nossa equipe e
colaboradoras. Na atual coordenação do traba-
Nesta cartilha, buscamos adaptar as falas das lho, Joana Emmerick, na organização dos semi-
educadoras ao discurso escrito, mantendo o nários, oficinas e muitas outras empreitadas:
tom de conversa e debate que prevaleceu nos Emília Jomalinis, Marina Praça, Aline Lima, Iara
encontros. Aqui e ali, adicionamos informações Moura, Leilane Brito, com contribuições de Leila
relevantes sobre ou exemplos de olhares e prá- Salles e Marcela Farfán.
ticas abordados por cada uma delas. O traba-
lho de organizar essas caixas e muitos outros Além delas, Bia Costa atuou com a facilitação
esforços não tão visíveis - mas igualmente es- gráfica do seminário de 2015 e por isso são de-
las as ilustrações desta publicação. Já Janaína
Pinto tratou a transcrição das falas de educa-
doras e educandas de ambos os seminários e
se encarregou do texto final, dando movimen-
to aos debates em cada seção, traduzindo as-
sim tantas de nossas aspirações.
limitações. Tendo como referência a proposta ção de vida - e não do lucro! -, e por uma socie-
da Economia Feminista, ainda temos muito a dade que construa a história dos povos tendo
aprender sobre visibilidade das experiências de como referência o chão onde pisa e de onde
vida das mulheres trans, submetidas a tantas vem o alimento. Pela construção de territórios
formas de violência, e das mulheres lésbicas, livres e de autonomia das mulheres!
por exemplo. Ademais, seguimos avançando
com as reflexões práticas sobre as expressões Boa leitura!
da divisão sexual e racial do trabalho e a ne-
cessidade de sua superação. Elas nos ensinam
sobre os impactos diferenciados do modelo de
desenvolvimento capitalista, patriarcal e racis-
ta na vida das mulheres, especialmente nas
periferias.
causa da escravidão sofrida pelo povo negro feminismo combate a engrenagem desses três
em nosso país por tantos anos. Outro princípio sistemas a partir da Economia Feminista. Ela
é o da classe. De acordo com a hierarquia de traz valores para além da lógica matemática e
classe, os donos e donas dos meios de produ- quantitativa que costuma prevalecer nos de-
ção têm o direito de explorar a mão de obra de bates econômicos. Por isso dá novo significado
pessoas trabalhadoras. Portanto, a partir des- ao trabalho. Diz que o trabalho social e o tra-
sa lógica, quem possui os meios de produção balho reprodutivo são elementos da economia,
goza privilégios econômicos, sociais e culturais. uma vez que questiona a separação entre tra-
A desconstrução do patriarcado é o principal balho produtivo e reprodutivo. Questiona tam-
foco do feminismo, mas a gente também preci- bém a divisão social do trabalho, que a gente
sa pensar de que forma o patriarcado alimen- define em classe - quem tem a propriedade
ta o capitalismo e de que forma o capitalismo dos meios de produção e quem vende força de
alimenta o patriarcado - e ainda, como o racis- trabalho para aqueles que detêm os meios de
mo está presente nisso tudo. produção.
Para mim, essas são questões importantes de A economia feminista debate que, para além
entender. A engrenagem desses três sistemas dessa divisão clássica social do trabalho,
resulta em desvantagens, preconceitos e desi- existe a divisão sexual do trabalho. Uma lógi-
gualdades no acesso aos direitos e na constru- ca que separa “trabalho de homem” e “traba-
ção da cidadania de nós, mulheres. lho de mulher” e que, além disso, estabelece
mem vale mais que o de mulher. A análise da to da ideia de sujeito universal - esse sujeito
divisão sexual do trabalho nos ajuda a com- único: homem branco rico - como sujeito de
preender uma série de questões que a gente acesso a direitos. Existe toda uma luta do femi-
vive no dia a dia. nismo para que nós, mulheres, sejamos reco-
nhecidas como sujeitas de direito, que podem
Por que nós trabalhamos tanto e nosso traba- decidir sobre as próprias vidas.
lho não é valorizado? Por que o nosso trabalho
é invisível? Ele não entra nas contas da econo- O projeto transformador
mia! Não é à toa que estamos em maioria nas e a diversidade feminista
ocupações entendidas como tradicionalmente
femininas: as atividades de cuidado. Na Peda- Eu compreendo o feminismo como a nossa
gogia, são mais mulheres, por exemplo. grande estratégia de transformação. Ele traz
hoje uma contribuição enorme para a huma-
Essa é uma questão central para nós neste nidade. Hoje a juventude tem uma liberdade
momento. Em que queremos compreender e maior, uma capacidade maior de escolha que
avaliar o que a economia feminista significa gerações anteriores de mulheres não tive-
nas nossas vidas, o que ela traz de prático, ram. E isso é fruto de luta.
para que a gente possa avançar.
Além disso, o feminismo hoje avança ainda
Outra questão central, que está muito relacio- mais, em direção a compreender a diversidade
Começa cedo, na escola. Somos muito poucas Quando é que existe racismo no mundo do tra-
nas pós-graduações e faculdades. Conforme o balho? Quando você é desqualificada para exer-
nível de escolaridade sobe, a porcentagem de cer uma função por causa da cor da sua pele.
mulheres negras diminui. Hoje existe cota, e o Quando escolhem uma pessoa branca para lidar
número de mulheres negras aumenta, mas ain- com o público em vez de uma pessoa negra, por
da somos poucas. exemplo, só por causa da cor de pele das duas.
Muitas vezes, isso é tratado no dia a dia como
Além do mais, o aumento desse número ainda um problema individual. Não é. É um problema
não se reflete em postos mais altos de trabalho. institucional. Nós o chamamos de racismo ins-
Somos pouquíssimas mulheres negras na políti- titucional, quando, na empresa, isso vira uma
ca, por exemplo - seja porque não nos dão espa- regra, uma norma.
ço, seja porque achamos que o outro vai falar
por nós. Que educação queremos?
Na verdade, no início do século XX, a grande mo- A população negra sempre viu a educação como
tivação do movimento feminista era a entrada um lugar de alçar determinados espaços - no
homens são organizados de todo jeito. Não sei sável por educar machista. Eles que mudem de
como os ricos fazem, mas os homens que eu lugar!
conheço vão jogar futebol e beber a cerveji-
nha deles e ali eles falam entre si. Eles pode-
riam aproveitar esses momentos para perce- Eleutéria Amora, Casa da Mulher Trabalhadora
ber no que eles precisam mudar! Diversidade e solidariedade
Eles têm esse tempo para eles porque a gente Cora Coralina é uma poetisa lá de Goiânia. Ela se
descobriu poetisa já com 60 anos. Como vou fazer 60,
fica em casa trabalhando. Senão, eles não te-
gostei da ideia de trazer um poema dela que também
riam como ir para o futebol, ou teriam menos fala de um desejo meu. Estou muito nesse espírito da
tempo para fazer isso. Todas nós vivemos atrás solidariedade e da procura por uma unidade. Não no
sentido de sermos iguais, porque não somos, e o que nos
de tempo para caminhar, tempo para não sei o
fortalece é isso. Mas reconhecemos as especificidades
quê, quase nunca sobra tempo. de cada uma. Então, em uma poesia, ela diz:
“Creio na solidariedade
Sou solidária com os homens que querem en-
humana, na superação
tender melhor a questão de gênero, porque ter dos erros e angústias do
um privilégio é tão natural que a pessoa não presente. Aprendi que
mais vale lutar do que
percebe que tem. Mas, na medida em que as
recolher tudo fácil. Antes
mulheres avançam na consciência feminista, acreditar do que duvidar.”
a folga do machismo diminui. E eles se sentem
escola da região, meu pai ficou duas madruga- para mim a minha identidade. Apesar de viver
das na fila para conseguir a minha vaga. Isso em uma família considerada branca, percebi
tudo e a escola era paga. que tenho uma identidade própria. Foi quan-
do comecei a militar no movimento de mulhe-
Sou filha de pai branco. Minha mãe é filha de res, e isso passou a ser muito presente. Nesse
negro com indígena. Meus pais tiveram quatro processo, inclusive me divorciei, porque ele não
filhas, com traços bastante diferentes. Os ex- queria nem que eu estudasse. Mas foi isso, com
tremos eram minha irmã, loira de olhos verdes, a educação popular eu reaprendi o meu lugar
e eu. Com o passar do tempo, o sol forte no ca- nesta sociedade.
minho para a escola foi me fazendo mais negra
na pele. Mulheres contra o racismo ambiental
na Baixada Fluminense
Quando terminei o colégio, resolvi entrar na fa-
culdade. Mas só podia ser paga. Precisei reor- Voltei a Caxias, onde nasci e cresci, para mili-
ganizar a vida. Saí da Baixada, comecei a tra- tar no Fórum de Atingidos pela Indústria do
balhar em Campo Grande, conheci mulheres Petróleo e Petroquímica nas Cercanias da Baía
como a Marina Ribeiro, do IFHEP. A vida seguiu. de Guanabara. O principal posicionamento do
Fórum é de enfrentamento ao modelo socioe-
O curso Mulheres e Economia foi um divisor de conômico desse tal de desenvolvimento. Para
águas. A partir dele e da graduação em Ciên- quê? Para quem? Então, discutimos os con-
A produção voltada para o cuidado da casa, do marido, dos filhos e dos idosos, da alimentação, dos
pequenos quintais e todo o lado essencial do cuidado emocional e material. Tudo isso é absolutamente
invisível para o pensamento econômico dominante. A ciência econômica dominante muito contribui para
promover ideias que simplesmente não dão visibilidade às mulheres que não têm espaço na política.
Existe, na ideologia econômica dominante, uma necessidade de generalizar a ideia de que
tudo o que é público, mercantil, econômico e racional é “naturalmente” do universo masculino.
Isso exclui o restante das pessoas da esfera econômica produtiva. No caso, o resto das
pessoas são as mulheres que praticam outra forma de produção não necessariamente
monetária e/ou mercantil.
Esse tipo de generalização/universalização é prática corrente em toda a
construção da história do pensamento econômico. A economia feminista critica isso.
Critica a invisibilização do trabalho doméstico e defendem que não exista a separação
entre as esferas pública e privada.
Educadoras Populares em Economia Solidária ele trabalhasse fora, meus avós, minha mãe e
A importância da fala da educadora a companheira do meu tio sempre trabalharam
popular feminista nas diversas muito dentro de casa. Até quando o trabalho de
frentes de luta casa vai ser escondido? É difícil perceber nosso
lugar nesta sociedade que está aí porque esta
Eu sou migrante nordestina aqui neste mundão sociedade simplesmente não abre as portas
de meu Deus. Sou pernambucana, de uma cida- para nós.
de onde cresci ouvindo dizer que o povo daquele
lugar estava sendo destruído pela cana de açú- Então, eu saí de Vitória de Santantão como mi-
car. Meus avós trabalharam na lavoura. Meus litante da Juventude Operária Cristã (JOC) e
pais também. nunca mais voltei para minha cidade. Eu perce-
bi que os desafios do feminismo e das mulhe-
O nome da cidade onde nasci é Vitória do San- res estão em todo lugar. Militei onze anos com a
tantão. Fica longe, para lá do fim do mundo. Mas JOC. Depois vim morar no Rio, conheci o PACS e,
quando eu digo que é a cidade da Pitú, muita em 2014, coloquei como desafio pessoal fazer o
gente sabe onde fica. Mas quem fabrica a Pitú? curso Mulheres e Economia, porque tinha uma
Quem são as pessoas que estão dentro da fábri- série de coisas que eu não estava entendendo.
ca há anos?
O Mulheres e Economia me revelou vários de-
Um tio meu trabalhava lá dentro. Agora está safios, mostrou que eu preciso continuar es-
mulheres catadoras. Eu perguntei para ela: mos discutido muito como vamos contribuir
por que vocês não estão na rede mista? Nes- para que as mulheres, de fato, ocupem esses
ses espaços a educação popular é a educação espaços. Nós, feministas, não somos as únicas
política! É papel de cada uma de nós, se quere- responsáveis, mas somos responsáveis tam-
mos contribuir para a transformação da reali- bém por fazer o debate de gênero sair dos es-
dade, ocupar esses espaços, senão alguém vai paços onde acontece o trabalho cotidiano das
falar por nós! mulheres, como cooperativas de mulheres e
As Marias do Seminário
ta de acesso. É preciso a gente pensar de que curso tem que reverberar, se multiplicar.
formas podemos nos aproximar dessas portas.
A educação é política, então ela precisa trans-
Como expandir o território formar, a gente precisa semear, enfrentar dis-
de ação e luta? tâncias, ela precisa ligar nossa luta de trans-
formação e a gente quer transformar o mundo
Auto-organização tem que começar a partir do a partir de nossa realidade. Então eu acho que
território, de onde eu estou. É preciso aguçar essa organização ali no local ela tem que irra-
esse olhar do nosso lugar, da nossa realidade. diar, conectando com os movimentos.
E nos fortalecer ali, pensar essa organização
neste âmbito local, mas pensar como a gente O grande desafio é a gente fazer essa con-
se conecta com o resto também. Então, é im- vergência, mas uma convergência em que
portante que a gente tenha informações, da- não adianta só a gente estar na luta, mudar
dos. Por exemplo, a gente estava falando da o mundo a partir de nós, se a gente também
questão da saúde, mas a gente precisa de da- não toca outras perspectivas que também são
dos para falar como é realmente. transformadoras, como a agroecologia, a eco-
nomia solidária. Mas como é que a gente leva
Acho que essa mesma ideia que o grupo trou- isso para dentro desses movimentos, como é
xe de um reencontro para pensar o pós, para que a gente leva o feminismo para outros es-
pensar “como a gente faz para isso ficar enrai- paços? Esse é o nosso grande desafio hoje.
Auto-organização feminista
privatização da água é que vai resolver. E vão
Sepetiba. Então ele vai ligar toda a região me- ganhar dinheiro! Porque a economia - essa que
tropolitana do Rio, a partir de Itaboraí até Ita- a gente luta contra, que a economia feminista
guaí, passando por Baixada e Zona Oeste. Isso luta contra - é a economia da escassez! Quanto
vai produzir danos tremendos, porque o alaga- mais escasso for o negócio, mais valor ele vai
mento vai aumentar muito na Baixada com o ter para o mercado. Será que é por isso que o
Arco Metropolitano, tem até tese de doutorado trabalho da mulher não tem valor? Porque é
sobre isso, provando que vai aumentar. abundante, é generoso? Não mede o que dá,
será que é por isso que não tem valor? Vamos
Então, temos a abundância de água, com as pensar...
enchentes frequentes; e a escassez de água,
nas pias das casas das e dos trabalhadores. O capitalismo sempre vai nadar de braçada.
Ontem a Leila Sales inclusive pontuou a falta Ele não está nem aí para as populações empo-
de água nessas regiões e o fato de que os rios brecidas. Inclusive, a lógica do capital funciona
estão secando. para privilegiar cada vez menos gente. Na lógi-
ca do capital, o que se estabelece diariamen-
O sistema capitalista, este sistema que a gen- te é que populações inteiras são destruídas. O
te vive, ele sempre está na boa. Se estiver capital não tem nenhum problema ético com
faltando água, ele acha ótimo! Porque o pre- esta realidade, que nós conhecemos.
ço da água vai aumentar, o negócio da água
vai aumentar, os capitalistas vão dizer que a Então, quando a gente vê a Zona Oeste, mais
to para dois portos industriais, o de Itaguaí e o pré-sal é um só – de Santa Catarina até não sei
Sudeste, sabe-se lá o que pode acontecer com onde, é um aeroporto só, que querem que seja
a população local. Sabe o projeto do submarino em Santa Cruz. É óbvio, porque já tem a base
nuclear? Também é naquela região. Esse sub- aérea de Santa Cruz. Ali, para transformar em
marino é altamente contaminante. É impor- aeroporto do pré-sal e fácil. É zona de sacrifício
tante vocês pesquisarem sobre isso, existem total mesmo.
vários estudos, inclusive um do PACS.
Então, tudo bem, a gente vai saber tudo isso e
Saiba mais em “Baía de Sepetiba: fronteira vai fazer o quê? Vai ter que lutar, vai ter que
do desenvolvimento e os limites para a conversar, vai ter que se organizar! O que digo
construção de alternativas” - é o seguinte: tem um sistema muito opressor,
http://goo.gl/FbHkuJ que oprime historicamente as mulheres, de
uma maneira brutal, e é preciso lutar contra
O pré-sal e a Baía de Sepetiba esse sistema, procurar se auto-organizar con-
tra ele, porque ele não vai parar sozinho.
Só entre a Baia de Sepetiba e a Baía de Santos,
são mais de 19 plataformas de petróleo que
vão ser instaladas. Ilha Grande, adeus! Costa
verde toda, adeus! E, neste debate eleitoral
agora, estão querendo que se instale o aero-
Auto-organização feminista
O exemplo das soviéticas
sabilidade a indivíduos e a instituições civis. co teórico estrutural que ‘gênero’ sozinho não
Para mim, isso está associado à fragilização e traz. Ela associa o patriarcado também com
à fragmentação das políticas públicas. Então classe e raça. É o que ela chama de nó. Eu tam-
os estudos de gênero vieram nesse contexto, bém trabalho com essa perspectiva de classe e
não vieram isoladamente. Junto com a palavra raça, mas em vez de gênero eu falo de relações
‘gênero’, veio, por exemplo, ‘sociedade civil or- sociais de sexo.
ganizada’, substituindo ‘classe social’ – o que
também está associado ao processo de insti- PACS – Na prática, quais diferenças você en-
tucionalização dos movimentos sociais. Muitos xerga entre o feminismo institucionalizado e
militantes passaram a se profissionalizar nas o autônomo?
ONGs, por exemplo, e o pano de fundo é este: o
neoliberalismo. Uma das intenções do neolibe- M.C. – A radicalidade. [Risos] Fundamentalmen-
ralismo é o enfraquecimento das lutas e dos te, a radicalidade que está associada à condição
movimentos sociais. Eu fui percebendo que o de autonomia. E eu destaco duas dimensões na
estímulo ao ‘gênero’ era e é funcional à lógica institucionalidade: a dependência econômica e
neoliberal. Agora é obvio que muitas autoras a dependência política. No Brasil, eu destacaria
trabalham com gênero não na perspectiva de ainda mais a política. Porque as relações, por
instrumentalização da mulher. A Safiotti de- exemplo, partidárias e governamentais têm
fende a utilização de ‘gênero’ sempre vincu- amarrado muito o avanço do próprio feminis-
lada ao conceito de patriarcado. Justamente mo. Como se as nossas bandeiras, por serem
medievais do patriarcado
se - é absolutamente funcional para a lógica
neoliberal, que é uma lógica de fragmentação Um dos grandes desafios do feminismo
atual apontado por Mirla foi também a
política dos sujeitos coletivos. necessidade de pensar ações de forma
coletiva.
PACS – Hoje, nas suas caminhadas, que inicia- Nós não precisamos ser iguais, nunca
seremos, nem queremos. Nós precisamos
tivas de movimentos feministas autônomos
ser aceitas nas nossas particularidades,
procuram provocar mudanças estruturais? como mulheres lésbicas, bissexuais, trans,
negras, trabalhadoras, enfim. Mas também
mulheres que não são trabalhadoras e
M.C. – Dos movimentos que eu conheço, eu des-
sofrem violência ou querem ter direito ao
taco o Movimento de Mulheres Camponesas. aborto. A gente tem uma diversidade de
Elas têm muito a preocupação do debate e do mulheres, e essa diversidade, diante da
conjuntura, leva ao desafio de saber pensar
enfrentamento de classe. Elas também con-
ações de forma coletiva e procurando
frontam diretamente o agronegócio - não só perceber o que nos une. As expressões
através da denúncia, mas também com o in- medievais do patriarcado nos unem, porque
são comuns a nós todas.
tuito de provocar prejuízo. Eu destaco porque
o agronegócio, que está vinculado à bancada
ruralista, é um grupo de poder muito forte na
estrutura do Brasil. Os latifundiários do agro-
negócio compõem o perfil da elite brasileira,
então o movimento das camponesas tem de-
va e não apenas dando as condições para que a gente avança, o machismo retrocede e os que
o exercício da politica ocorra. Mas as próprias não querem largar mão desse machismo retro-
mulheres exercitando a política como sujeitas cedem também. E que retrocedem para que
políticas, representando-se. Pra mim, esse é avancemos humanamente, libertariamente.
um grande desafio para a construção de uma
militância feminista ou para a construção de PACS – Além desse confronto com o patriarca-
organizações com perspectivas feministas. do, que é um grande desafio, que outros desa-
Agora, no campo da esquerda tem algo que me fios você enxerga hoje para que a militância
incomoda muito que é a percepção de que o fe- avance nessa percepção crítica da realida-
minismo divide a classe. Essa é uma concepção de? O que é um problema hoje no caminho de
machista e equivocada. É até uma redundân- construção de alternativas a partir da crítica?
cia, falar de machismo e equívoco, mas acho
que aqui vale reafirmar! Ela é uma concepção M.C. – Eu acho que tem muito disso que eu es-
machista e equivocada e que eu já ouvi de tava falando. Das pessoas reconhecerem que
companheiros que são lideranças. É uma ce- têm privilégios. Porque enquanto houver pri-
gueira política não compreender como, na ver- vilegio, há um sujeito que é desprivilegiado, e
dade, o feminismo contribui para o avanço da está se construindo uma situação de desigual-
classe trabalhadora. Eu costumo brincar com dade. Se eu tenho privilégios, eles se mantêm
uma palavra de ordem que a gente fala muito: em cima de uma exploração. Seja exploração
quando uma mulher avança, nenhum homem do trabalho – por exemplo, o trabalho domésti-
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