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CNBB

Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

Novo povo construindo o


Reino de Deus na justiça!

Roteiros Homiléticos:
primeira parte do Tempo Comum
Ano À — São Mateus

junho / agosto de 2014

ções CNS?
Novo povo construindo o Reino de Deus na justiça!
1º Edição - 2014

Diretor Editorial: Imagem da Capa:


Mons. Jamil Alves de Souza Ir. Laíde Inês Sonda
Coordenação: Projeto Gráfico:
Comissão Episcopal Pastoral para a Liturgia Henrique Billygran da Silva Santos
Revisão: Diagramação:
Leticia Figueiredo Nenn Costa
Capa:
Raul Benevides dos Santos Silva
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C747r Conferência Nacional dos Bispos do Brasil / Roteiros Homiléticos do Tempo Comum - Ano À
- São Mateus - Junho/Agosto de 2014. Brasília, Edições CNBB. 2014.

W2p.:14x21t cm
ISBN: 978-85-7972-328-5

1. Almportância da Liturgia - Solenidade - Domingo do Tempo Comum;


2. Domingo do Tempo Comum - Santíssima Trindade — Corpo de Cristo;
3. Sangue de Cristo - Domingo do Tempo Comum.

CDU: 263.941.6

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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO...
A IMPORTÂNCIA LITÚRGICA
DO TEMPO COMUM... eme

SOLENIDADE DA SANTÍSSIMA TRINDADE


15 de junho de 2014 ................. se rrrceescererrreneeercasrersareraaatna

SOLENIDADE DO SANTÍSSIMO CORPO


E SANGUE DE CRISTO
19 de junho de 2014....................nr
rss rrscerecereererreenseeseerranerraanada

XII DOMINGO DO TEMPO COMUM


22 de junho de 2014 ...................
nr crrceresereracertancesreceraaaarenanesa

XII DOMINGO DO TEMPO COMUM


29 de junho de 2014 ...................ssessersrreseeesecereerrrscesesersaneranenta

XIV DOMINGO DO TEMPO COMUM


6 de julho de 2014 .............s
ss esses srserrerereeeaeeeeeesersacenaereanesanenas

XV DOMINGO DO TEMPO COMUM


13 de julho de 2014.....................
rss cerererererecerecerrecenaaena

XVI DOMINGO DO TEMPO COMUM


20 de julho de 2014 ........cieiteetesteseeeesmeereeemeereeeereereereereerereerenes
XVII DOMINGO DO TEMPO COMUM
27 de julho de 2014 ...................n.
e sererecererererereneraneranes

XVIII DOMINGO DO TEMPO COMUM


3 de agosto de 2014........................nn
e cesrerereerrerrecererenearacas

XIX DOMINGO DO TEMPO COMUM


10 de agosto de 2014....................0.0.022crrssecesseeerensceresanereereneenanos

XX DOMINGO DO TEMPO COMUM


17 de agosto de 2014... cssscesecrecerserenecraceraenranta

XXI DOMINGO DO TEMPO COMUM


24 de agosto de 2014... ereeeererererrereeereeraracnaeaa

XXI DOMINGO DO TEMPO COMUM


31 de agosto de 2014... eerereerrrerrerreraeesa
APRESENTAÇÃO

Queridos irmãos e irmãs,

Paz em Cristo Jesus, Senhor do tempo e da eternidade!

Com satisfação e cheios de confiança em Deus, apresentamos os


Roteiros Homiléticos para a 12 parte do Tempo Comum, desde o 11º
Domingo do Tempo Comum, Solenidade da Santíssima Trindade,
no dia 15 de junho, até o 22º domingo do Tempo Comum, no dia
31 de agosto de 2014. Esses roteiros foram preparados com muito
carinho e dedicação por D. Jerônimo Pereira da Silva, do Mosteiro
Beneditino de Olinda (PE), a quem manifestamos nossos sinceros
agradecimentos.
O Tempo Comum tem por centro o Domingo, “o primeiro dia
da semana, dia da Ressurreição do Senhor, dia também que recorda
a criação em Cristo, o recapitulador da História, [...] dia do Senhor
e também dia do Homem que busca viver a liberdade”.! Assim, cele-
brando a cada Domingo a Páscoa do Senhor, o Tempo Comum nos
põe em comunhão com o mistério de Cristo em sua plenitude, o mis-
tério pascal, e vai nos configurando a Ele e à sua missão de prolongar
o Reino de Deus na história como seus discípulos missionários. Não
devemos, pois, compreender o Tempo Comum como se fosse um
tempo menos importante diante do Ciclo da Páscoa e do Natal, mas
como “tempo de a Igreja continuar a obra de Cristo nas lutas e nos
trabalhos da Igreja”.» 92

1 CNBB. Animação da Vida Litúrgica no Brasil. Documento 43, n. 113 (abril de 1989).
2 Idem,n. 132.
R
Novo povo construindo o Reino de Deus na jusliçal

Neste Íno 4, iluminados os corações pelo Evangelho de São


Mateus, seguiremos os passos da vida pública de Jesus, suas palavras e
ações, desde o seu Batismo no rio Jordão (primeiros domingos após o
Batismo do Senhor) até o conflito final em Jerusalém e o anúncio do
Último Juízo (últimos domingos desse tempo); assim, apresentam-se
com certa harmonia o Evangelho de cada Domingo e a evolução do
Ano Litúrgico. E ainda mais: o Evangelho, ponto alto da Liturgia da
Palavra, nos apresentará a vida da Igreja, a comunidade dos discípulos
missionários, lugar da presença viva do Senhor Jesus Cristo, o Mes-
tre da Justiça do Reino. Pela escuta da Palavra e pela participação na
Eucaristia se estabelecem e reforçam entre os irmãos novas relações,
inspiradas pela Boa-Nova de Jesus. Desse modo, a partir das celebra-
ções, em especial da Eucaristia, as comunidades concretizarão, em
sinais solidários, seu compromisso social pela prática da justiça.
Nessa parte do Tempo Comum, seremos igualmente impul-
sionados em nossa caminhada pessoal e comunitária pelas festas do
Senhor (Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo), da Virgem Maria
(Assunção) e dos Santos (São Pedro e São Paulo).
Como povo da Nova Aliança, sob o senhorio de Jesus Cristo,
nosso Mestre, aprendamos ainda mais a viver a comunhão fraterna,
a partilha dos bens, a misericórdia, sendo, assim, sal da terra e luz de
um mundo novo.

+ Edmar Peron
Bispo Auxiliar de São Paulo
Comissão Episcopal Pastoral para a Liturgia
A IMPORTÂNCIA LITÚRGICA
DO TEMPO COMUM

Retomamos o Tempo Comum (TC) após termos celebrado o


período pascal: Tríduo e Tempo Pascal, preparados pela Quaresma,
No desenvolvimento do Ano Litúrgico, o Tempo Comum
encerra uma grande riqueza espiritual e pedagógica pelo fato de
nos conduzir nos caminhos de Deus. O TC tem características
próprias ao longo das trinta e três ou trinta e quatro semanas. Não
se celebram aspectos especiais do mistério pascal de Cristo, mas
o mistério é visto e contemplado em sua globalidade, particular-
mente, aos domingos.”
O Tempo Comum é um tempo importante, tão importante que,
sem ele, a celebração do mistério de Cristo e sua progressiva
assimilação pelos cristãos seriam reduzidos a episódios isolados,
ao invés de impregnar toda a existência dos fiéis e das comuni-
dades. Somente quando se compreender que o Tempo Comum é
um tempo indispensável, que desenvolve o mistério pascal de
modo progressivo e profundo, pode-se dizer que se sabe o que
seja o ano litúrgico. Dar atenção unicamente aos “tempos fortes”
significa esquecer que o ano litúrgico consiste na celebração, com
sagrada lembrança no curso de um ano, de todo o mistério de
Cristo e da obra da salvação.'

O TC é um tempo privilegiado em que a comunidade apro-


funda o mistério pascal, assimila e interioriza a Palavra de Deus no
contexto da história e cultiva o compromisso batismal, lembrado e
celebrado na vigília pascal. E nesta perspectiva deve ser lembrado e
cultivado o domingo como páscoa semanal, dia da assembleia e dia
da eucaristia.”

3 Cf CNBB. Guia Litúrgico Pastoral. p. 13.


4 MARTIN,J. Lopez. Lanno litúrgico. Ed. Paoline, C. Balsamo, 1987, p. 200.
5 Cf CNBB. Guia Litúrgico Pastoral. p. 11.
Novo povo construindo o Reino de Deus na justiça! n

No TC, fazemos a leitura contínua da Sagrada Escritura pela


qual revivemos, nos diversos domingos, os inesgotáveis aspectos do
Mistério pascal de Cristo. Esses domingos recebem sua força ou
sua espiritualidade de duas fontes: dos tempos fortes e dos próprios
domingos. Assim, o Tempo Comum é vivido como prolongamento
do respectivo tempo forte. Nesta primeira parte do TC, partimos da
vida que nasceu no Natal, se manifestou na Epifania e, para produ-
zir frutos, necessita da ação do Espírito Santo que age no Batismo
de Jesus. Batizados com o Espírito Santo, como Igreja, produzimos
bons frutos.
No Ano À, fazemos na liturgia a proclamação do Evangelho de
Mateus no qual aparece a centralidade do Reino de Deus. O evan-
gelista apresenta Jesus como o Mestre da Justiça. Jesus inicia dizendo
ao ser batizado por João Batista: Por enquanto deixe como está! Por-
que devemos cumprir toda justiça (cf. Mt 3,15). No contexto das
bem-aventuranças, Jesus vai exigir dos seus seguidores uma prática
da justiça superior à burocrática e formal das lideranças judaicas. Se
a justiça de vocês não superar a dos doutores da Lei e dos fariseus,
vocês não entrarão no Reino do Céu (cf. Mt 5,20).
Exigirá para essa justiça prioridade absoluta: Em primeiro lugar
busquem o Reino de Deus e a sua justiça, e Deus dará a vocês, em
acréscimo, todas essas coisas (cf. Mt 6,33).
O Evangelho de Mateus sugere um discipulado comprometido
com a justiça que faz o Reino de Deus acontecer.

Considerações e sugestões em vista


das celebrações
1. O TC prolonga no cotidiano “o sabor da festa pascal”, dá um
sentido à vida e às lutas, reconcilia-nos com o que é comum,
rotineiro e nos ajuda a descobrir e vivenciar nos acontecimentos a

6 BECKHAUSER, Frei Alberto. Viver o Ano Litúrgico. Vozes, Petrópolis, 2003, p. 163.
Roteiros Homiléticos do Tempo Comum | — Ano À — São Mateus

presença da Páscoa de Cristo em realização na história. Nele cele-


bramos todo o mistério de Cristo em sua plenitude e globalidade.
À liturgia do TC proclama a presença atuante e amorosa do
Senhor que, pela ação vivificante e transformadora do seu Espí-
rito, realiza a Páscoa nas situações mais comuns de nossa realidade
humana como: trabalhos, encontros, conflitos, cansaços, convi-
vência, lutas e lazer, tornando-a, aos poucos, nova e ressuscitada.

O TC inicia-se na segunda-feira posterior ao domingo do


Batismo do Senhor e termina na terça-feira, antes da Quarta-
feira de Cinzas. Recomeça na segunda-feira de Pentecostes e
se conclui no sábado anterior ao primeiro domingo do Advento.
Dividido em duas partes, comporta 33 ou 34 domingos.

Os primeiros domingos fazem uma ligação maior com a festa


da Epifania e nos motivam a adorar o Senhor que se manifesta
anunciando a sua missão e chamando os primeiros discípulos.
Nos demais domingos, recordamos os fatos que marcaram a
missão de Jesus. Os últimos domingos do ano litúrgico lembram
a dimensão escatológica e nos alimentam a esperança da vinda
do Senhor.

A celebração dominical deve ser o grande encontro da comuni-


dade cristã — assembleia pascal e festiva — reunida para fazer a
memória da Páscoa de Jesus, presente em sua vida, dando-lhe
sentido e direção.

É necessário e indispensável ligar a celebração semanal da Páscoa


com os apelos que nascem na vida, seja da religiosidade popular,
das pastorais, das lutas pela vida, seja com a solicitude pela paz
mundial e convivência harmoniosa entre as nações.

Além da dinâmica pascal, o que caracteriza cada domingo do


TC é o Evangelho do dia que neste ano é o de Mateus. De
domingo a domingo, o Evangelho vai nos mostrando que os
RB
Novo povo construindo o Reino de Deus na justiçal

verdadeiros seguidores de Jesus, de algum modo, terão de ser


“pequenos” neste mundo; que o Pai dá mais chance aos que são
excluídos e rejeitados, do que aos bem instalados; que os pobres
serão felizes no Reino e apresenta “gente de nada” com quem
Cristo se identifica em nossas relações humanas (Mt 25,31-46).
Evangelizados na escola de Mateus, vamos nos educando para o
espírito de renovação e gratuidade, que é característico da cele-
bração Eucarística.

Algumas ações simbólicas dão ao domingo a característica de


Páscoa semanal: a comunidade reunida, a proclamação da Palavra
de Deus e a Ceia do Senhor, ou ceia fraterna (ágape), no caso das
celebrações da Palavra. À comunidade encontra sua maneira de
vivenciar cada um desses gestos como expressão criativa e incul-
turada de sua vida e compromisso de fé.

Será importante revalorizar durante o IC o rito pascal de acender


o círio, assim como o rito de aspersão ou toque na água batismal
como renovação da Páscoa e recordação do batismo, no início da
celebração, ou ligado à profissão de fé.

10. O Evangelho de cada domingo, trazendo presente um aconteci-


mento da vida de Jesus, ou mesmo as outras leituras e o salmo, em
geral sugerem um símbolo ou gesto que marca aquele domingo e
ajuda a comunidade a “suardar no coração” a Palavra, vivendo-a
no decorrer da semana.
11. À espiritualidade litúrgica, sobretudo no TC, inspira-se nos
evangelhos sinóticos e permite “fazer do rito um ato de amor” e
desenvolver um estilo mais espontâneo, afetuoso, orante, alegre
e comprometido de celebrar, em que as pessoas que se reúnem se
tornam o símbolo primeiro e indispensável. É importante cuidar
que cada gesto, rito ou ação simbólica sejam realizados com o
corpo todo, expressando o sentido teológico e a atitude espiritual
correspondente.
XI DOMINGO DO TEMPO COMUM

Solenidade da Santíssima Trindade


15 de junho de 2014

“DEUS DE AMOR. NÓS TE ADORAMOS...”

Leituras: Ex 34,4b-6.8-9; Sl: Dn 3,52-56;


2Cor 13,11-13; Jo 3,16-18.

Situando-nos brevemente
Caros irmãos e irmãs, com a celebração de domingo passado, concluí-
mos o Ciclo Pascal. À Solenidade de Pentecostes se coloca como
cume de um percurso litúrgico, por meio do qual a Igreja nos introduz
no mistério da redenção operada por Deus o Pai a nosso favor por
meio de Jesus Cristo. Essa obra de redenção não se conclui com a
vinda do Espírito Santo ela continua na vida da Igreja. Se prolonga
nos séculos, pois Jesus continua vivo e operante entre nós, como
ele mesmo prometeu ficar entre nós até a consumação dos séculos
(cf. Mt 28,20). Esse seu estar em meio a nós se concretiza de modo
especial em cada celebração eucarística em que ele está sempre
presente. “Está presente no sacrifício da Missa, quer na pessoa do
ministro — “O que se oferece agora pelo ministério sacerdotal é o
mesmo que se ofereceu na Cruz” — quer, sobretudo, sob as espécies
eucarísticas. Está presente com o seu dinamismo nos Sacramentos,
de modo que, quando alguém batiza, é o próprio Cristo que batiza.
Está presente na sua palavra, pois é Ele que fala ao ser lida na Igreja
a Sagrada Escritura. Está presente, enfim, quando a Igreja reza e
canta, Ele que prometeu: “Onde estiverem dois ou três reunidos em
Novo povo construindo o Reino de Deus na justiçal

meu nome, Eu estou no meio deles” (Mt 18,20). Essa presença


constante celebraremos de modo explícito e festivo na próxima
quinta-feira com a Solenidade de Corpus Christi, fazendo memória
do grande dom da Eucaristia que nos foi dado para a vida do mundo.
O calendário litúrgico prevê que o domingo que segue a Soleni-
dade de Pentecostes ceda lugar a Solenidade da Santíssima Trindade.
À liturgia dos Padres da Igreja sempre considerou a Trindade no
contexto da completude da história da salvação e consequentemente
a viu como uma realidade dinâmica em ato no momento celebrativo
segundo o conhecidíssimo esquema da liturgia romana: “ao Pai, pelo
Filho, no Espírito Santo”. De fato toda a liturgia é obra da San-
tíssima Trindade (cf. CIgC, n. 1077-1109). Toda essa celebração é
antes de tudo uma obra da Santíssima Trindade. Único Deus em três
pessoas que acabou de nos falar quando abundantemente as leituras
bíblicas nos foram proclamadas.

Recordando a Palavra
As três leituras de hoje descrevem uma espécie de itinerário da
progressiva revelação do mistério do Deus uno e trino feita aos
homens: na primeira leitura ele se revela como um “Deus misericor-
dioso e clemente, paciente, rico em bondade e fiel”. Esses adjetivos,
ou atributos divinos, que são conhecidos, por conceitos, a todos os
homens, alcançou um grau superlativo quando “na plenitude dos
tempos” (Gl 4,4), “Deus amou tanto o mundo, que deu seu Filho
unigênito, para que não morra todo aquele que nele crer, mas tenha a
vida eterna”, nos testemunhou João em seu Evangelho.
À obra da revelação iniciada no âmbito da Primeira Aliança não se
esgota, porém, num ato que poderia parecer um ponto final. O Deus
que tira os véus que envolvem o seu mistério se faz um Deus pere-
grino com o seu povo que não tem vergonha de invocar a Sua presença,

7 SC,n.7.
Roteiros Homiléticos do Tempo Comum | — Ano A - São Mateus

porque não pode se esconder em argumentos e subterfúgios: Ele se


revela um Deus que “caminha conosco”, “embora sejamos um povo de
cabeça dura”. Ele se revela um Deus não vingativo, como os deuses dos
pagãos, mas um Deus que “perdoa nossas culpas e nossos pecados”.
Ele se revela um Deus que “acolhe-nos como propriedade sua”. Ele
se revela um Deus que permanece sempre conosco: “vivei em paz, e o
Deus da paz estará sempre convosco”, nos lembrou São Paulo.
A plenitude da revelação é a salvação: “Deus não enviou o seu
Filho para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por
ele”, ou seja, o mistério da Trindade que se revelou a nós é um “mis-
tério de amor”. À simples invocação do seu nome santifica (sobre as
oferendas), isto é, santifica, torna saudável o homem.

Atualizando a Palavra
Se as coisas estão assim desveladas, poderíamos nos perguntar por que
falamos ainda de um “mistério da Santíssima Trindade”? Mistério,
em primeiro lugar, no universo bíblico/patrístico, não significa
alguma coisa de sombrio e obscuro, diante da qual os homens se
colocam com a sua “aguçada e perspicaz inteligência” para desvendar,
esclarecer e publicar, como um crime ou uma situação incógnita,
como se vê no mundo fictício das aventuras de Sherlock Holmes.
Mistério é alguma coisa tão grande e ao mesmo tempo tão simples
que provoca tamanha admiração, que diante dela os homens se
colocam em espírito de admiração. Assim é, por exemplo, o mistério
da Encarnação; o que dizemos quando nos encontramos na gruta de
Belém e vemos o “Deus de Deus, Luz da Luz, Deus verdadeiro de
Deus verdadeiro, gerado não criado, consubstancial ao Pai” deitado
fragilmente sobre as palhas de uma manjedoura? Para o mistério não
se busca explicação, do mistério se tira, se colhe uma lição.
O mistério, digno de admiração, que celebramos hoje é esse:
“Deus é uno e trino porque é amor”, uma verdadeira escola de belas
relações. Deus é amor em si mesmo e para que haja amor é preciso
Novo povo construindo o Reino de Deus na justiça! BR

haver um amante e um amado, caso contrário o que existe é somente


um “sentimento doentio” que se poderia chamar de egocentrismo.
A Palavra de Deus nos ensina e a fé católica corrobora que Deus é
amor em si mesmo desde sempre porque tem em si mesmo um Filho,
o Verbo, ao qual ama com um amor infinito. Esse amor infinito é o
Espírito Santo. “Lá onde Deus é concebido como potência ou poder
absoluto, não tem necessidade de mais pessoas, porque a potência
pode ser exercida muito bem por um só”.º Entre nós os cristãos, Deus
é concebido como amor, isso faz dele uno e único e ao mesmo tempo
trino, múltiplo, porque todo amor implica relação. Assim podemos
pensar a Trindade como comum-unidade.
Contemplar a Trindade sob este prisma pode e deve provocar
um profundo impacto transformador nas nossas vidas. À Trindade-
-amor se apresenta a nós como um “lugar” de “sadias relações”, não
porque as pessoas da Trindade se relacionam entre si, mas porque
elas são relações. Nós humanos temos relações com pais, filhos, ami-
gos, cônjuges, mas essas relações não nos definem, pois continua-
mos a existir mesmo fora dessas relações. Em Deus, ao contrário, as
pessoas só existem em relação: o Pai é Pai em relação ao Filho que é
Filho em relação ao Pai e ambos são o que são em relação ao Espírito
Santo, que é o que é em relação aos dois primeiros.
A lição que colhemos da contemplação do mistério da Santís-
sima Trindade é o da beleza da relação e o que faz uma relação ser
livre e gratificante é o amor nas suas mais variadas expressões. Eis
aqui a importância de vivenciar Deus como amor e não como poder:
o amor doa e liberta, o poder toma para si e domina. O que destrói
uma relação, de qualquer nível, é o querer exercer o domínio sobre
o outro, O espírito de possessão, de instrumentalização. O que faz
frutificar uma relação é a acolhida gratuita, a doação sem cobranças.

8 R. Cantalamessa. Dal vangelo alla vita. PEMME, Milano, 2012, p. 64.


n Roteiros Homiléticos do Tempo Comum | — Ano À — São Mateus

Ligando a Palavra com a ação eucarística


À coleta da missa de hoje é rica de significativa referência à dimensão
histórico-salvífica da Trindade — “Ó Deus, nosso Pai, enviando ao
mundo a Palavra da verdade, revelastes o vosso inefável mistério de
amor” — e nos coloca em atitude de ação de graças. Daqui a pouco
nos voltaremos todos para uma sequência ritual que expressa a nossa
inenarrável gratidão a Deus Trindade pelo imenso amor dispensado
a nós: ofereceremos em ação de graças aquilo que temos de mais
precioso: o próprio Filho de Deus transubstanciado, ou escondido,
nas espécies do pão e do vinho santificados.
Essa participação nossa a esse banquete sagrado é para nós um
mergulho na dimensão da relação trinitária, ou seja, ele nos con-
formará a “Cristo” que, pela sua encarnação, se transformou em
nós, e dessa forma passaremos de estranhos a concidadãos daquela
pátria que é a Trindade (Beata Elizabete da Trindade). Esse estar
na Trindade fará da nossa comunidade, santificada pelas águas
lustrais do batismo, um lugar de manifestação do amor de Deus
para com a humanidade. Essa Eucaristia nos faz todos missioná-
rios da Trindade.

Sugestões para a celebração “TT


À Instrução Geral do Missal Romano (IGMR) lembra que “os gestos
e posições do corpo tanto do sacerdote, do diácono e dos ministros,
como do povo devem contribuir para que toda a celebração resplan-
deça pelo decoro e nobre simplicidade, se compreenda a verdadeira e
plena significação de suas diversas partes e se favoreça a participação
de todos. Deve-se, pois, atender às diretrizes desta Instrução Geral
e da prática tradicional'do Rito romano e a tudo que possa contri-
buir para o bem comum espiritual do povo de Deus, de preferência
ao próprio gosto ou arbítrio”? Um dos gestos do corpo de singular

9 IGMR,n. 42.
Novo povo construindo o Reino de Deus na justiça! BR

importância é a inclinação, “pela qual se manifesta a reverência e a


honra que se atribuem às próprias pessoas ou aos seus símbolos”.
Para solenizar esse dia, não somente pelo fato de ser a Festa da
Santíssima Trindade, mas também pelo fato de ser um domingo,
Páscoa semanal e pelo zelo da rs celebrandi, se sugere observar o
que prescreve a IGMR no número 275: “Faz-se inclinação de cabeça
quando se nomeiam juntas as três Pessoas Divinas, ao nome de Jesus, da
Virgem Maria e do Santo em cuja honra se celebra a Missa”.
Três fórmulas rituais cantadas podem ser valorizadas neste
domingo: o Kyrie eleison (Senhor, tende piedade), o Salmo Respon-
sorial e o Prefácio.

O Kyrie eleison
A IGMR ensina que: “Depois do ato penitencial inicia-se sempre
o Senhor, tende piedade, a não ser que já tenha sido rezado no
próprio ato penitencial. Tratando-se de um canto em que os fiéis
aclamam o Senhor e imploram a sua misericórdia, é executado
normalmente por todos, tomando parte nele o povo e o grupo de
cantores ou o cantor. Via de regra, cada aclamação é repetida duas
vezes, não se excluindo, porém, um número maior de repetições
por causa da índole das diversas línguas, da música ou das circuns-
tâncias. Quando o Senhor é cantado como parte do ato peniten-
cial, antepõe-se a cada aclamação uma “invocação” (“tropo”).1º Fica
claro que o Senhor, tende piedade não é parte do ato penitencial
(salvo as exceções apresentadas no próprio texto, se tenha presente
a III fórmula de Ato penitencial prevista pelo Missal Romano),
mas que assume, depois da absolvição um caráter de “aclamação” ao
Senhor que tem usado de misericórdia. A tríplice invocação pode
evocar as pessoas da Santíssima Trindade.

10 IGMR, n. 52.
n Roteiros Homiléticos do Tempo Comum | - Ano A — São Mateus

O Salmo Responsorial
Uma das grandes novidades da Reforma Litúrgica foi o restauro
do Salmo Responsorial e sua colocação como um rito próprio, ou
seja o canto do Salmo Responsorial é um rito dentro da Liturgia da
Palavra.! Além disso a IGMR sublinha a sua importância pastoral
em “favorecer a meditação da palavra de Deus”, por isso, correspon-
dendo à leitura, é tomado normalmente do lecionário.
A IGMR prossegue indicando ritualmente a forma deste rito
particular: “De preferência, o salmo responsorial será cantado, ao
menos no que se refere ao refrão do povo. Assim, o salmista ou can-
tor do salmo, do ambão ou outro lugar adequado profere os versículos
do salmo, enquanto toda a assembleia escuta sentada, geralmente parti-
cipando pelo refrão, a não ser que o salmo seja proferido de modo contínuo,
isto é, sem refrão [...]. Se o salmo não puder ser cantado, seja recitado
do modo mais apto para favorecer a meditação da palavra de Deus!”,
por fim lembra que tal salmo só pode ser substituído pelos responsó-
rios apresentados pelos Graduais Romanum ou Simplex, o que equi-
vale dizer que não pode ser substituído pelos chamados “cantos de
meditação”.
Por causa do caráter litânico do Salmo Responsorial deste
domingo, sugerimos que a criatividade dos músicos o transforme
num momento alto da Liturgia da Palavra, especialmente pelo estilo
laudativo, quase que antecipando a grande “doxologia” do Prefácio.

O Prefácio
À oração eucarística, que é o centro e ápice de toda a celebração, tem
início com o convite feito pelo sacerdote a todo o povo para que esse
eleve os corações ao Senhof na oração e ação de graças “e o associa à
prece que dirige a Deus Pai, por Cristo, no Espírito Santo, em nome

11 Cf IGMR,n.37a.
12 IGMR, n. 61.
Novo povo construindo o Reino de Deus na justiça! BR

de toda a comunidade”.!* Em seguida o sacerdote profere o Prefácio.


A IGMR afirma ser “conveniente que o sacerdote cante as partes da
Oração eucarística, enriquecidas pela música”! e entre essas partes
está em primeiríssimo lugar o Prefácio, que nesse caso específico, se
trata de um texto que se manteve quase que inalterado por mais de
1200 anos.
Atenção: o Glória, que também se configura como um ritol,
constituirá uma grande tentação para os músicos. É preciso lembrar
que não se trata de “um hino trinitário”, portanto o “ideal seria cantar
o texto mesmo, tal como nos foi transmitido desde a antiguidade,
que se encontra no Missal Romano”? »16 e não utilizar certas formas
de doxologia trinitárias que se tornam “um falso glória”, Não encon-
trando um que se “harmonize” com o texto oficial, é mais digno
recitá-lo com criatividade, por exemplo com alternância entre homens
e mulheres, ou lado direito/lado esquerdo, ou ministro e povo, etc.

13 IGMR,n. 78.
14 IGMR,n. 147.
15 Cf. IGMR,n.37a.
16 CNBB, Guia litiúrgico-pastoral. Edições CNBB, Brasília, sd, p. 35.
SOLENIDADE DO SANTÍSSIMO
CORPO E SANGUE DE CRISTO
19 de junho de 2014

ESTE É O PÃO QUE DESCEU DO CÉU!

Leituras: Dt 8,2-3.14b-16a
Salmo responsorial: SI 147(147b),12-13.14-15.19-20 (R/.12a);
ICor 10,16-17; Evangelho: Jo 6,51-58

Situando-nos brevemente
Celebramos a Instituição da Eucaristia, sacramento da doação,
morte e ressurreição de Jesus. À Festa do Corpo e Sangue de
Cristo, celebrada neste dia, após a solenidade da Santíssima
Trindade, ressoa como eco da celebração da Quinta-feira Santa —
do Tríduo Pascal.
À festa de Corpus Christi foi introduzida no Calendário Uni-
versal pelo Papa Urbano IV, com a Bula Transiturus de 11 de agosto
de 1264. À festa teve sua origem na paróquia de Saint Martin em
Liêge, em 1230, por influência da freira agostiniana Juliana de Mont
Cornillon, que requeria uma festa da Eucaristia no Ano Litúrgico.
À cultura barroca enriqueceu a festa com todas as suas características
de pompa. Corpus Christi passou a ser celebrado com uma profu-
são de cores, músicas e expressões de grandeza. O povo simples, no
entanto, exprime a grandeza de sua fé e de sua devoção à Eucaristia
pelas procissões e por inúmeras manifestações de piedade.
A Eucaristia é, por excelência, “mistério da fé”. A fé da Igreja
é essencialmente fé eucarística e alimenta-se, de modo particular,
à mesa da Eucaristia. Quanto mais viva for a fé eucarística no povo
Novo povo construindo o Reino de Deus na justiçal RB

de Deus, tanto mais profunda será a participação na vida eclesial por


meio de uma adesão convicta à missão que Cristo confiou aos seus
discípulos” (Sacramentum Caritatis, n. 6).
A festa é expressão pública da fé na presença de Cristo na sua
Igreja por meio da Eucaristia, que congrega seu povo e o confirma
na unidade pela participação à mesa da comunhão do Corpo e San-
gue do Senhor. “A Igreja pode celebrar e adorar o mistério de Cristo
presente na Eucaristia, precisamente porque o próprio Cristo se deu
primeiro a ela no sacrifício da cruz” (Sacramentum Caritatis, n. 14).
Na solenidade do Corpo de Cristo, louvemos a Deus porque Ele
continua derramando seu amor em nós pelo Espírito Santo e nos
alimentando com a Eucaristia, pão da vida (cf. Jo 6,35)

Recordando a Palavra
Na celebração eucarística, realiza-se a promessa de Jesus: “Eu sou
o pão vivo que desceu do céu. Quem come deste pão, viverá para
sempre. E o pão que eu vou dar é a minha própria carne, para que
o mundo tenha vida” (Jo 6,51). Depois de realizar a multiplicação
dos pães, Jesus, sensível à multidão entusiasmada pelo miraculoso
alimento, revela-lhe que o “sinal do pão” é ele mesmo: “pão vivo
que desceu do céu”, novo dom de Deus à humanidade. Comendo
do pão e bebendo do cálice da Eucaristia, recebemos Jesus como
alimento e bebida: sua vida doada para a vida do mundo, até a efusão
de seu sangue, torne-se nossa vida, para a eternidade. “Assim Jesus
manifesta-se como o pão da vida que o Pai eterno dá aos homens”
(Sacramentum Caritatis, n. 7).
À multidão revelou-se sensível aos problemas da fome que afli-
gem o corpo. O Evangelista reage e convida à busca do pão que ali-
menta o corpo e fortalece o espírito. A palavra de Jesus e seus gestos
são o “pão” do qual a multidão tem maior necessidade. Um alimento
que não só imortaliza, mas que projeta a existência ao futuro, destrói
a morte em perspectiva da ressurreição. Jesus como pão, diferente
' Roteiros Homiléticos do Tempo Comum | — Ano A — São Mateus

do maná do deserto, assegura o êxito da libertação e a vida para o


mundo futuro.
“E o pão que eu vou dar é a minha carne, para que o mundo
tenha vida”. Jesus aqui está se referindo ao mistério de sua encarna-
ção. À realidade do Espírito de Deus manifesta-se e comunica-se na
realidade humana. Através desta, o dom de Deus torna-se concreto,
história e adquire realidade para as pessoas humanas. Nesta mesma
realidade, o Filho de Deus, fazendo-se “carne”, transforma-se em
dom de vida e de amor do Pai para o mundo. O dom da vida é ofe-
recido a todos e se comunica através da realidade humana de Jesus.
“Como pode esse homem dar-nos a sua própria carne?”
Os judeus não entendem a metáfora do pão e sentem-se desorien-
tados e inseguros. Não entendendo o que significava “comer a sua
carne”, buscam explicações e não as encontram. Jesus apenas quis
lhes dizer que o “pão” é a sua própria realidade humana.
L /

Jesus prossegue afirmando: “Se vocês não comem a carne do


Filho do Homem e não bebem o seu sangue, não terão a vida em
vocês”. É uma referência ao sacrifício da cruz. Ele dará sua carne,
sendo imolado. Nesta hora manifestará a vida, o Espírito, o amor e a
glória. Não terão vida, isto é, não haverá realização, senão pela assi-
milação daquilo que Jesus é. “Assimilar”, neste contexto, tem o sen-
tido de aceitação e de adesão. O que dá vida aos humanos é o “comer
sua carne e beber seu sangue”, isto é, assimilar sua realidade humana.
Na perspectiva eucarística, Jesus é o novo maná, alimento que for-
talece e vivifica. À Eucaristia é o memorial de sua vida e morte, é
dom que comunica seu amor e sua vida. Da parte dos seguidores de
Jesus, a Eucaristia é aceitação que gera nova conduta. O dom rece-
bido impulsiona à doação. E o amor que responde com gestos de
amor solidário.
O “comer da carne e o beber do sangue” produz íntima comu-
nhão com Jesus e faz o discípulo viver em estreita identificação com
ele. À aceitação de Jesus é sempre adesão de amor, que estabelece
Novo povo construindo o Reino de Deus na justiça! n

comunhão de vida que procede do Pai. Comungando o corpo e o


sangue de Jesus Cristo, nos tornamos participantes de sua vida divina
de modo sempre mais adulto e consciente. Cristo alimenta-nos,
unindo-nos a ele (cf. Sacramentum Caritatis, n. 70).
O discurso simbólico do Evangelho de João, referindo-se ao
comer e beber, ao pão e vinho, ao corpo e sangue, é um evidente
direcionamento à ceia eucarística celebrada nas comunidades cristãs.
Não se trata de um simples ágape, mas do memorial da morte e da
ressurreição do Senhor (ao Filho do Homem). Comer do pão partido
e beber do sangue derramado é um gesto simbólico, por meio do qual
a comunidade cristã (e pessoalmente cada cristão) assimila como seu
o projeto de vida de Jesus Cristo.
A Eucaristia é memorial da presença de Deus na história de seu
povo. “Deus o alimentou com o maná, que nem você e nem seus ante-
passados conheciam”. Na histórica caminhada do deserto, o maná se
transformou no sinal da presença amorosa e fiel de Deus no meio de
seu povo. Alimentando-se desse dom, o povo tinha forças para olhar
para o futuro e caminhar em direção à Terra Prometida (1º Leitura).
Assim como na experiência do deserto, os hebreus, alimen-
tando-se do maná, foram se transformando no povo de Deus, hoje,
na opinião de Paulo, a participação e a comunhão no corpo e sangue
de Jesus, o novo maná nos transforma em membros do Corpo Cristo,
a comunidade eclesial, o novo Povo de Deus a caminho da nova terra
e do novo céu (2º leitura).

Atualizando a Palavra
À festa de Corpus Christi é a festa do reconhecimento e da memória.
À comunidade cristã reconhece as obras realizadas pelo Senhor e
celebra o memorial do Deus que se dá em alimento para saciar a
fome; de Deus que se oferece como força no caminhar: “Lembra-te
de todo o caminho, que o Senhor Deus fez você percorrer”. A Eucaristia é
R Roteiros Homiléticos do Tempo Comum | — Ano A - São Mateus

memorial de Deus que atuou e continua presente na história. Por isso,


a Eucaristia é uma memória dinâmica, aberta, ágil e transformadora,
que impulsiona na busca do novo céu e da nova terra, comprome-
tendo a organização e a vivência de relações sociais e comunitárias à
luz do projeto de Jesus.
A aclamação memorial “eis o mistério da fé” expressa o sentido
central da Eucaristia: Ánunciamos, Senhor, a vossa morte e proclama-
mos a vossa ressurreição. Vinde, Senhor Jesus!”. Na ação eucarística, pela
ação de graças pronunciada sobre o pão e sobre o cálice com vinho,
atualiza-se ritualmente, de forma simbólico-sacramental, a vitória e
o triunfo da morte de Jesus até que ele venha. Aquilo que se realizou
uma vez na última ceia e na morte de Jesus na cruz, acontece hoje
para a comunidade, em mistério, no sacramento, toda a vez que cele-
bramos como corpo eclesial.
A Eucaristia é o “memorial da morte e ressurreição de Jesus:
sacramento de piedade, sinal de unidade, vínculo de caridade, ban-
quete pascal, em que Cristo é comunicado em alimento, o espírito é
repleto de graça e nos é dado o penhor da futura glória” (cf. Sacra-
mentum Caritatis, n. 47). “A Eucaristia, embora constitua a plenitude
da vida sacramental, não é prêmio para os perfeitos, mas um remédio
generoso e um alimento para os fracos” (Evangelii Gaudium, n. 47).
A Eucaristia é também sacramento do Reino em processo de
sua plena realização. Enquanto aguardamos e atuamos em favor do
Reino, a Eucaristia é estímulo de ativa esperança na dedicação diá-
ria de cada um aos próprios deveres e a toda a caminhada histórica
(cf. Ecclesia de Eucharistia, n. 20). “Na Eucaristia, testamento de seu
amor, ele se fez comida e bebida espirituais, que nos sustentam na
caminhada para a Páscoa eterna. Com esta garantia da ressurreição
final, esperamos participar do banquete do vosso Reino” (Prefácio
da Eucaristia III).
À Eucaristia é sacramento de unidade. Ela é pão formado por
muitos grãos de trigo para que sejamos um só corpo. São João Cri-
sóstomo pergunta: “Com efeito, o que é o Pão? É o corpo de Cristo.
Novo povo construindo o Reino de Deus na justiçal BR

E em que se transformam aqueles que o recebem? No corpo de Cristo;


não muitos corpos, mas um só corpo. De fato, tal como o pão é um só
apesar de constituído por muitos grãos, e estes, embora não se vejam,
todavia estão no pão, de tal modo que a sua diferença desapareceu
devido à sua perfeita e recíproca fusão, assim também nós estamos
unidos reciprocamente entre nós e, todos juntos, com Cristo” (Eccle-
sia de Eucharistia, n. 23). Jesus perpetua sua presença entre os seus
como alimento que é consumido no pão partido e repartido entre
irmãos. O vinho bebido é o sangue derramado, sinal da aliança nova e
eterna. O ato de comer o pão e beber o vinho envolve o compromisso
de viver conforme o mistério pascal em comunidade, o que supõe o
compromisso de construir uma sociedade sem fome, sem guerras,
sem discriminações, buscando juntos os caminhos da solidariedade,
do respeito e da compreensão mútua.
A Eucaristia é sacramento de comunhão. O pão e o vinho con-
sagrados na Eucaristia, que celebramos em memória do Senhor, são
o Corpo e o Sangue vivo e verdadeiro do Senhor. Santo Agostinho
explicita este mistério de comunhão com as seguintes palavras: “Se
vocês são o corpo e os membros de Cristo, é o sacramento de vocês
que é colocado sobre a mesa do Senhor. É o sacramento de vocês mes-
mos que vocês recebem. Vocês respondem “Amém àquilo que rece-
bem. Vivam, pois, como um membro de Cristo, para que o Amém de
vocês seja verdadeiro” (Homilia in 1Cor 27,4). É precisamente esta
comunhão que suplicamos ao Pai: “Concedei que, alimentando-nos
com o Corpo e o Sangue de vosso Filho, sejamos repletos do Espí-
rito Santo e nos tornemos em Cristo um só corpo e um só espírito”
(Oração Eucarística III). À Eucaristia não pode ser adequadamente
compreendida, nem plenamente vivida fora da comunhão eclesial.
A Igreja é o Corpo de Cristo: caminha-se “com Cristo”, na medida
em que se está em relação com o seu corpo (Mane nobiscum Domine,
n. 20). “A Eucaristia é Cristo que se dá a nós. Edificando-nos con-
tinuamente como seu corpo” — Ela é, pois, “constitutiva do ser e do
agir da Igreja” (Sacramentum Caritatis, n. 14 e 15).
Roteiros Homiléticos do Tempo Comum | — Ano A - São Mateus

À Igreja vive da Eucaristia. O Concílio Vaticano II afirmou que


a Eucaristia é a “fonte e o centro de toda a vida cristã” (SC, 10).
Por esta razão, desde o Pentecostes, quando a Igreja, povo da nova
aliança, iniciou a sua peregrinação para a pátria celeste, este sacra-
mento divino foi ritmando os seus dias, enchendo-os de consoladora
esperança. À Eucaristia contém o tesouro espiritual da Igreja, isto
é, o próprio Cristo, a nossa Páscoa e o pão vivo que dá a homens e
mulheres a vida mediante a sua carne vivificada e vivificadora pelo
Espírito Santo (cf. Ecclesia de Eucharistia, n. 01).

Ligando a Palavra com a ação eucarística


O Senhor, hoje, presente no meio de seu povo, alimenta-nos com a
Palavra e com pão para que tenhamos vida e vida em abundância,
e nos transformemos num culto agradável ao Pai. Todavia, “o culto
agradável a Deus nunca é um ato meramente privado, sem conse-
quências nas nossas relações sociais; requer o testemunho público da
própria fé” (Sacramentum Caritatis, n. 83).
Neste dia de Corpus Christi, a fé no Deus que, encarnando-
-se, se fez nosso companheiro de peregrinação, seja proclamada em
todo o lugar e particularmente em nossas ruas e entre nossas casas,
como expressão do nosso grato amor e fonte de inexaurível bênção
(cf. Mane nobiscum Domine, n. 18).
Na apresentação das oferendas do pão e do vinho, frutos da terra
e que serão transformadas pelo Espírito Santo em Corpo e Sangue
do Senhor, elevemos nossa ação de graças ao Pai pela obra de suas
mãos e de seu Filho para a salvação do mundo. “Bendito sejais, Senhor,
Deus do universo, pelo pão que recebemos de vossa bondade, fruto da terra
e do trabalho humano, que agora vos apresentamos, e para nós se vai tor-
nar pão da vida e vinho da salvação”,
Neste dia do Corpo de Deus, a comunidade cristã recorda o
Deus que se fez companheiro de caminhada, armando sua tenda no
meio do povo e estabelecendo com ele a aliança; acolhe a Palavra
Novo povo construindo o Reino de Deus na justiça! BR

libertadora de Jesus e proclama o triunfo sobre as forças da morte;


renova a comunhão com Ele participando da ceia eucarística. “Todas
as vezes que comemos deste pão e bebemos deste cálice, anunciamos, Senhor,
a vossa morte, enquanto esperamos a vossa vinda!”.
Grande mistério, a Eucaristia! Mistério que deve, antes de
tudo, ser bem celebrado. É preciso que a santa Missa seja posta
no centro da vida cristã e que, em cada comunidade, se faça tudo
para celebrá-la com decoro, segundo as normas estabelecidas, com
a participação do povo. É preciso, em particular, cultivar, quer na
celebração da Missa, quer no culto eucarístico fora da missa, a viva
consciência da presença real de Cristo, tendo o cuidado de testemu-
nhá-la com o tom da voz, com os gestos, com os movimentos, com
todo o conjunto do comportamento” (cf. Mane nobiscum Domine,
n. 17 e 18).
“A Eucaristia, enquanto mistério a ser vivido, oferece-se a cada
um de nós na condição concreta em que nos encontramos, fazendo
com que essa mesma situação vital se torne um lugar onde viver
diariamente a novidade cristã. O próprio sacramento da Eucaristia,
a partir da convocação litúrgica, compromete-nos na realidade
cotidiana a fim de que tudo seja feito para a glória de Deus” (Sacra-
mentum Caritatis, n. 79).
O encontro com Cristo, aprofundado na Eucaristia, suscita, na
comunidade e em cada batizado, a urgência de testemunhar e de
evangelizar. Entrar em comunhão com Cristo no memorial de sua
Páscoa significa, ao mesmo tempo, experimentar o dever de fazer-se
missionário do acontecimento libertador atualizado pela celebração
eucarística. O Senhor novamente nos envia a impregnar a sociedade
dos valores da Eucaristia.

Preparando a celebração
É muito recomendável, na celebração da solenidade do Corpo é do
Sangue de Cristo, que a equipe de liturgia dê particular atenção:
Roteiros Homiléticos do Tempo Comum | — Ano A — São Mateus

à à Mesa da Palavra: a procissão com o Livro da Palavra de


Deus — Cristo é o pão da Palavra — acompanhada com expres-
sões corporais e canto adequado;

à procissão de oferendas: com o pão e o vinho, dons da Eucaris-


tia, outros dons podem ser trazidos, sinais que tornam presentes
os inúmeros gestos de amor, de caridade e de solidariedade da
comunidade cristã. À coleta de alimentos não perecíveis para
serem distribuídos aos necessitados lembra a dimensão social da
Eucaristia (cf. Sacramentum Caritatis, n. 89);

ao pão eucarístico: onde for possível, confeccionar e usar pão


ázimo: “A verdade do sinal exige que a matéria da celebração
eucarística pareça realmente um alimento (IGMR, n. 283; cf.
Guia Litúrgico Pastoral, Pão para a celebração da Eucaristia.
p. 41-42);
à comunhão sob as duas sagradas espécies: preparar o que
for necessário e dar condições para que todos participem da
comunhão sob as duas espécies sagradas — Corpo e Sangue
do Senhor;
à procissão: onde houver procissão eucarística pelas ruas e ave-
nidas, fazê-la após a celebração eucarística e não antes. Pela
procissão, “o povo cristão dá um testemunho público de fé e
piedade para com o Santíssimo Sacramento nas procissões em
que a Eucaristia é levada pelas ruas em rito solene com canto.
Entre as procissões eucarísticas adquire importância e signi-
ficado especiais na vida pastoral da paróquia ou da cidade a
que costuma ser realizada cada ano na solenidade do Corpo e
do Sangue de Cristo ou outro dia mais apropriado perto desta
solenidade. Convém, pois, que, onde as circunstâncias dos tem-
pos atuais o permitirem e onde puder ser realmente um sinal
de fé e adoração da comunidade, esta procissão seja mantida,
segundo a determinação do direito. Convém que a procissão
Novo povo construindo o Reino de Deus na justiça! B

com o Santíssimo Sacramento se realize após a Missa na qual


se consagrará a hóstia a ser levada na procissão. Os cantos e
as orações deverão contribuir para que todos manifestem sua
fé em Cristo, atentos somente ao Senhor. No final da procis-
são, se dará a bênção com o Santíssimo Sacramento na Igreja
ou outro lugar mais apropriado; em seguida, se repõe o Santís-
simo Sacramento” (Ritual Romano — À Sagrada Comunhão e
o Culto Eucarístico fora da Missa, n. 101 a 108).
à “A exposição da Santíssima Eucaristia (...) leva-nos a reconhe-
cer na mesma admirável presença de Cristo e convida-nos à
íntima união com ele, união que alcança o seu ápice na comu-
nhão sacramental. Por isso, a exposição é excelente meio de
favorecer o culto em espírito e verdade devido à Eucaristia.
Deve-se cuidar que nas exposições transpareça a relação do
culto do Santíssimo Sacramento com a Missa. Evite-se na
exposição todo aparato que de qualquer modo possa contra-
riar o desejo de Cristo ao instituir a Santíssima Eucaristia,
sobretudo para nos servir de alimento, remédio e conforto”
(Ritual Romano — À Sagrada Comunhão e o Culto Eucarís-
tico fora da Missa, n. 82).
à À exposição do Santíssimo Sacramento pode ser prolongada
ou breve. “As exposições breves do Santíssimo Sacramento
sejam organizadas de tal modo que, antes da bênção com o
Santíssimo Sacramento, se dedique tempo conveniente à lei-
tura da palavra de Deus, aos cânticos, preces e a oração silen-
ciosa prolongada por algum tempo. Proíbe-se a exposição feita
unicamente para dar a bênção” (Ritual Romano — A Sagrada
Comunhão e o Culto Eucarístico fora da Missa, n. 89).
XII DOMINGO DO TEMPO COMUM

22 de junho de 2014

DOS HOMENS NÃO DEVEMOS TER NEM TEMOR NEM MEDO: DE DEUS POREM
DEVEMOS TER TEMOR, MAS NÃO MEDO.

Leituras: Jr 20,10-13; Sl 68(69),8-10.14-17.33-35;


Rm 5,12-15; Mt 10,26-33.

Situando-nos brevemente
Caros irmãos e irmãs, este XII Domingo do Tempo Comum pode
ser considerado como o “primeiro” da “segunda parte” deste tempo
litúrgico. Domingo passado celebramos a Solenidade da Santíssima
Trindade, como uma extensão do grande mistério da Ressurreição de
Cristo celebrado no arco de tempo de praticamente 90 dias do Ciclo
Pascal: 40 dias de preparação (Quaresma), celebração (Noite Santa
da Páscoa e “Domingo da Páscoa”) e 50 dias de vivência (Tempo
Pascal). O domingo passado, portanto, nos ensinava que a obra da
redenção operada em Jesus Cristo é na verdade uma obra da Trindade.
O Tempo Comum, ou tempo durante o ano (ger annum), que
retomamos domingo passado, “tem uma personalidade própria, um
significado teológico específico, referido sempre ao mistério pascal
de Cristo e à vida da Igreja. Se trata de um tempo importante, tão
importante que, sem ele, a celebração do mistério pascal de Cristo e
a progressiva assimilação desse mistério por parte da Igreja correria o
risco de reduzir-se a simples episódios isolados ao invés de empenhar
toda a existência dos fiéis e da inteira comunidade eclesial”!

17 Cr.M. Augé. Lanno liturgico, é Cristo stesso presente nella sua chiesa. LEV, Città del Vaticano,
2009, p. 217-218.
Novo povo construindo o Reino de Deus na justiça! B

Este domingo, portanto, como todos os outros domingos, é a


nossa páscoa semanal. Este o dia do Senhor ressuscitado, é o dia
da nossa ressurreição, é o princípio e o fim da nossa semana. É a
imagem do próprio Jesus Cristo que disse ser ao mesmo tempo o pri-
meiro e o último, o começo e o término de todas as coisas (Ap 1,8).
O centro deste magnífico dia é a Eucaristia, Ceia do Senhor, “onde
toda a comunidade dos fiéis se encontra com o Senhor ressuscitado,
que os convida ao seu banquete [...]. O domingo é o dia por excelên-
cia da assembleia litúrgica em que os fiéis se reúnem “para, ouvindo
a Palavra de Deus e participando da Eucaristia, lembrarem-se da
paixão e ressurreição do Senhor Jesus, e darem graças a Deus que os
regenerou para a viva esperança, pela ressurreição de Jesus Cristo de
entre os mortos”?,

Recordando a Palavra
O Evangelho de hoje começa com uma sentença capital da parte de
Jesus: “Não tenhais medo”. Não é a primeira vez que Jesus se dirige
de forma tão enfática aos seus discípulos. Ele sabe da fragilidade do
“pequeno rebanho” (Lc 12,32)? enviado “como ovelha entre lobos”
(Mt 10,16). O texto do capítulo 10 do Evangelho de São Mateus que
acabamos de ouvir está dentro do contexto do envio missionário cujo
único anúncio é a proximidade do advento do Reino e a paz (v. 7).
Tal anúncio é acompanhado por sinais que exprimem não um poder
de tipo “superman” mas a gratuidade dos que foram abençoados por
Cristo: “curai, ressuscitai, purificai, expulsai... De graça recebestes,
de graça dai” (v. 8). Tal gratuidade se revelará na confiança suprema
em Deus da parte do missionário, que “sai” sem os “equipamentos”
humanos que lhe garantiriam o “sucesso”: “ouro, prata, cobre, alforje,
duas túnicas, sandálias, cajado” (v. 9-10) e com o “consolo” que será

18 CIgC, n. 1166-1167.
19 CF. Jo 6,20; Lc 5,10; 8,50; Mc 6,50. De modo especial o ressuscitado convida aqueles que
o encontram a não terem medo: Mt 28,10; Lc 24,38-39.
No Roteiros Homiléticos do Tempo Comum | - Ano A — São Mateus

tratado como trataram o seu Senhor (v. 16-25). O capítulo se conclui


com um texto síntese (v. 37-42).
Ás três vezes que no Evangelho de hoje o Senhor exorta o cris-
tão, seu discípulo, a não ter medo, expressa a razão pela qual o cristão
não deve apavorar-se: o cristão não deve ter medo dos homens, por-
que a fragilidade dos homens é tão grande, que nem os seus segredos
mais íntimos se manterão velados por muito tempo (v. 26), mesmo
que estes sejam muitos e tenham a arte de espalhar o pavor “em
redor” (12 leitura). Jesus lembra que a sua mensagem é maior e mais
forte que a fortaleza dos homens e não é destinada a um pequeno
grupo, um grupo de elite, de privilegiados, mas sim uma “boa-nova”
que precisa ser dita “à luz do dia” e proclamada “sobre os telhados”
(v. 27); o cristão não deve ter medo dos que matam o corpo, porque
não podem fazer mais do que isso (v. 28) e o cristão não deve ter
medo de declarar-se a favor do seu mestre publicamente, porque tem
um Deus que lhe ama tanto e se preocupa tanto consigo a ponto
de conhecer até o número dos cabelos da sua cabeça e valorizá-lo
mais que os pardais (v. 30-32).?º No texto, porém, encontramos outro
imperativo: “temei” (v. 28), todavia não relacionado aos homens ou
às circunstâncias contrárias à vida e à mensagem do Evangelho, mas
relacionado com Deus. Dos homens não devemos ter nem temor
nem medo; de Deus porém devemos ter temor, mas não medo.

Atualizando a Palavra
Um mundo dominado pelo medo faz com que construamos relações
baseadas na desconfiança. O outro constitui sempre uma ameaça
para mim. Os muros das nossas casas são cada vez mais altos, telecá-
meras de segurança são espalhadas nas ruas, nos lugares públicos
e privados, nos tornamos a cada dia prisioneiros dentro dos nossos
próprios lares.

20 Pode ser interessante fazer referência a Mt 6,25-34.


Novo povo construindo o Reino de Deus na justiça!

Dos homens não devemos ter nem temor nem medo; nos ensina
o Evangelho deste domingo, de Deus porém devemos ter temor, mas
não medo. O medo é a mais clara manifestação do nosso instinto
fundamental de conservação. O medo é o instinto natural de defesa
contra absolutamente tudo que nos arranca o que temos de mais pre-
cioso: a vida. Ele é a pronta resposta a um perigo que se manifesta
clara ou veladamente. O medo se manifesta diante do perigo mais
temido por todo ser vivente: a morte; se manifesta diante dos peri-
gos aparentemente pequenos que ameaçam a nossa tranquilidade, a
nossa saúde física, o nosso mundo afetivo, a nossa vida financeira,
familiar, profissional, etc. Para o medo humano não tem escola. Ele
chega improvisamente diante do perigo, “as coisas se encarregam por
si mesmas de incutir-nos medo; o temor de Deus, ao contrário, se
deve aprender. “Vinde, filhos, escutai-me” diz um salmo “vos ensina-
rei o temor do Senhor' (Sl 33,12)”.?! Para aprender o temor de Deus
é preciso fazer escola.
O sentido do temor de Deus é completamente diferente daquele
do medo. “Temer a Deus é o princípio do saber” (Sl 111,10), isto é,
tem sua fonte exatamente no saber quem é o Senhor. Se o medo nasce
da obscuridade do desconhecido, o temor de Deus nasce do conheci-
mento de Deus. O temor do Senhor é um maravilhar-se diante dele,
como diante de alguém que é imensamente maior. Como o povo que
ficou todo “tomado de temor e glorificava a Deus” diante do jovem
filho da viúva de Naim que estava morto e voltou a viver (Lc 7,16).
Temer a Deus é outro nome para o estupor, para o maravilhar-se
diante dele e louvá-lo. Esse tipo de temor é irmão gêmeo do amor. À
Oração do dia da missa de hoje é muito significativa porque coloca
esses “sentimentos” como inseparáveis para aqueles que são firmados
no amor de Deus e por Ele conduzidos: “Dai-nos por toda a vida
a graça de vos amar e temer”. Ele, o temor, é o receio de desagra-
dar ao amado que se percebe em toda verdadeira relação amorosa.

21 R. Cantalamessa. Dal vangelo alla vita. PIPEMME, Milano, 2012, p. 89-90.


n Roteiros Homiléticos do Tempo Comum | — Ano A — São Mateus

O temor implica uma segurança inabalável no Outro e constitui uma


graça. O temor é também uma forma de profissão de fé, como nos
atesta a Antífona de Entrada: “O Senhor é a força do seu povo, for-
taleza e salvação do seu ungido”.?? Para o profeta Jeremias (1º leitura)
a relação com o Senhor é uma relação de inteira confiança. O Senhor
é aquele ao qual, nos momentos de tribulação e angústia, o crente
pode declarar sem medo a sua causa, porque quando ele permite que
o cristão seja provado é com o objetivo de “ver os sentimentos do
(seu) coração” e ao mesmo tempo ele se coloca ao lado do perseguido
e humilhado “como forte guerreiro”. Maravilhado, então, o profeta
convida: “Cantai ao Senhor, louvai o Senhor, pois ele salvou a vida
de um pobre homem”.
O salmista encontra no temor do Senhor a garantia da escuta do
seu grito no “tempo favorável”, pois a salvação que vem do Senhor é
aquela “salvação que nunca falha”. O que teme o Senhor se coloca sob
o seu olhar com imensa confiança porque sabe que “o Senhor guarda
todo aquele que o teme” (Sl 44,20). Ele mesmo, o Senhor, tem se
apresentado como pastor do seu povo, que é capaz de dar a vida por
suas ovelhas (2º ant. da comunhão), por isso todos os olhos se voltam
esperançosos para ele que no tempo certo sacia abundantemente a
todos (1º ant. da comunhão).
Como sempre o Evangelho nos ajuda a olharmos para os nossos
dias com olhar transfigurado e lança luzes sobre o nosso cotidiano.
O nosso tempo é um tempo de angústia e a ansiedade e o medo têm
se tornado as doenças por excelência e principais causas de infartos
e suicídios. Como se pode explicar essa situação se na atual conjun-
tura temos tantos recursos, em relação ao passado, que nos garantem
segurança econômica, planos de saúde, meios para enfrentar doenças
e formas para retardar o envelhecimento e a morte? Não será que na
nossa sociedade diminuiu o temor de Deus e quanto mais se diminui

22 O hinário litúrgico da CNBB propõe a seguinte tradução: “Do seu povo ele é a força, salvação
do seu ungido, salva, Senhor, teu povo, socorre os teus queridos”. CNBB, Hinário litúrgico, 3º
fascículo, domingos do tempo comum anos a, be c. Edições Paulinas, São Paulo, 1991, p. 122.
Novo povo construindo o Reino de Deus na justiçal

o temor de Deus se cresce o medo dos homens? Os adolescentes e


jovens que perderam o temor dos pais, que por sua vez perderam
o temor de Deus, são mais livres e seguros de si?

Ligando a Palavra com a ação eucarística


À celebração eucarística é desde sempre aquela escola na qual os
homens aprendem a maneira correta de relacionarem-se com Deus
(dimensão vertical do culto) e com os irmãos (direção horizontal
do culto). Onde se aprende por ritos e preces (SC, n. 48) a temer a
Deus pela escuta atenta da sua palavra (liturgia da palavra) e a amar
os irmãos no amor de Cristo. Tudo na ação ritual é um constante
maravilhar-se. Os cinco sentidos penetram e são penetrados por uma
atmosfera sagrada. Os gestos humanos são fecundados pelo Espírito
e grávidos de vida espiritual nos comunicam a vida em plenitude
por sons, cores, perfumes, sabores, toques, símbolos. À eucaristia é
o “sacrifício de reconciliação” (oração sobre as oferendas) que nos
purifica dos medos que nos distanciam de Deus em primeiro lugar,
e consequentemente, dos irmãos; ela promove a reconciliação e nos
impulsiona a celebrar “devotamente” a salvação que nos vem do
Senhor (depois da comunhão). Daqui a pouco todos nos aproxima-
remos do altar para recebermos o alimento que nos fortalece, o pão
que “alimenta e que dá vida e o vinho que nos salva e dá coragem”
(Oração eucarística V). À eucaristia é exatamente o alimento dos
simples que encontram nela a coragem para não se amedrontarem
diante das adversidades e perseguições. O rito é o anjo do Senhor que
toca o peregrino cansado e o desperta dizendo “levanta-te e come,
pois do contrário o caminho te será longo demais” (1Rs 19,7). Que
a participação neste banquete eucarístico nos arranque o medo dos
homens e nos encha do temor de Deus.
Roteiros Homiléticos do Tempo Comum | - Ano A — São Mateus

Sugestões para a celebração “MO


Infelizmente em muitos lugares o canto e a música litúrgica ainda
não são considerados partes integrantes do rito (SC, n. 112). Seria
interessante para este, como para todos os domingos, tomar os textos
próprios musicados das antífonas de entrada e de comunhão trazidos
pelo Hinário Litúrgico? respectivamente indicados às páginas 122 e
252. O refrão para o canto de comunhão faz uma perfeita ligação entre
a liturgia da palavra e a participação à mesa eucarística: “Nenhum
mal vai vencer-nos, Senhor: esta ceia é reforço constante”. O Missal
apresenta ainda como segunda opção de antífona para a comunhão
o salmo 22 que o hinário reproduz com fidelidade à página 383.
O mesmo Hinário apresenta ainda uma série de cantos opcionais para
a comunhão, além das indicações melódicas para o salmo responso-
rial e o aleluia com o seu versículo.”
Não é demais recordar a importância de se cantar os textos pró-
prios das missas dos respectivos domingos dos tempos. Isso carac-
teriza a música sacra/litúrgica: “A tradição musical da Igreja é um
tesouro de inestimável valor, que excede todas as outras expressões
da arte, sobretudo porque o canto sagrado, intimamente unido com
o texto, constitui parte necessária ou integrante da Liturgia solene |...)
A música sacra será, por isso, tanto mais santa quanto mais intima-
mente unida estiver à ação litúrgica, quer como expressão delicada da
oração, quer como fator de comunhão, quer como elemento de maior
solenidade nas funções sagradas” (SC, n. 112).
Um dado importantíssimo para a boa execução da música litúr-
gica é o da consciência de que se tratam de cânticos comunitários,
mas não só, é preciso valorizar os solistas (nos salmos/estrofes das
antífonas de entrada e comunhão, salmo responsorial, versículo ale-
luiático), a música instrumental (durante a apresentação das ofertas,

23 CNBB, Hinário litúrgico, 3º fascículo, domingos do tempo comum anos a, b e c. Edições Paulinas,
São Paulo, 1991.
24 Cf. CNBB, Hinário litúrgico, 3º fascículo, domingos do tempo comum anos a, be c. Edições
Paulinas, São Paulo, 1991, p. 475.
Novo povo construindo o Reino de Deus na justiça! to

por exemplo, ou depois da comunhão, mas nunca durante as orações,


leituras e de modo especial durante a oração eucarística) e a música
coral. Instrumentos simples como a flauta doce junto com o violão
podem provocar um ambiente sereno. É de fundamental importân-
cia observar a métrica rítmica das melodias evitando “invencionis-
mos” e distorções ritmo-musicais. Lembramos ainda que a postura
dos cantores e instrumentistas é de fundamental importância para o
exercício do ministério sagrado do canto litúrgico. Os pastores preci-
sam despertar nos que servem à assembleia litúrgica com os talentos
musicais aquela ideia de que “se canta a missa e não na missa”.
EE ES LAO DEE E RE RISE DD AEE: SE VEN DN o

XIII DOMINGO DO TEMPO COMUM


São Pedro e São Paulo, Apóstolos —
Solenidade

29 de junho de 2014

COMPLETE! A CORRIDA, GUARDE A FÉ!

Leituras: (Missa do dia) At 12,1-11; Sl 33(34),2-3.4-5.6-7.8-9;


2'Tm 4,6-8.17-18; Mt 16,13-19.

Situando-nos brevemente
Diletíssimo povo de Deus, “o martírio dos apóstolos Pedro e
Paulo tornou sagrado para nós este dia”, escreveu Santo Agosti-
nho. E é verdade. Este dia para nós é duplamente sagrado.
Sagrado em primeiro lugar porque é o domingo, o dia do
Senhor, o “dia em que celebramos a vitória de Cristo sobre o
pecado e a morte”, dia em que ele “arrombou portas de bronze e
quebrou trancas de ferro das prisões” arrancando-nos “das trevas
pavorosas e despedaçando nossas correntes, nossos grilhões”.?
Esse dia é ainda sagrado pela dádiva destas duas grande colunas
da Igreja, Pedro e Paulo que com as suas vidas, combatendo o
bom combate, guardaram a fé que nos salva e que estamos com
esta eucaristia publicamente confessando.
A solenidade de hoje se insere no ha/! daquelas festas que são
muito caras a todo o povo brasileiro. Festas que celebram com grande
alegria “gigantes da fé” com os quais o nosso povo se identifica tanto:
Santo Antônio e São João.

25 Agostinho de Hipona, Discurso 295, in PL 38, 1348.


26 Cf. S1 106,14.16.
Novo povo construindo o Reino de Deus na justiça! RB

Hoje, por determinação da VII Assembleia da CNBB, em


todas as igrejas e oratórios espalhados pelos quatro cantos do Brasil,
comemora-se o dia do papa. Momento em que com as nossas orações
voltamos nossos afetos de amor e veneração, respeito e obediência,
aquele que sucedendo São Pedro na sé de Roma tem o ministério de
confirmar os seus irmãos na fé. Tal ministério nasce exatamente da
palavra que acabamos de escutar no Evangelho de hoje.

Recordando a Palavra
Os textos da Liturgia da Palavra desta Solenidade não têm como
objetivo narrar feitos gloriosos das Testemunhas de Cristo, mas
como o Senhor faz triunfar aqueles que o querem sempre ao seu lado
e que não se perdem em especulações, mas sabem com a clareza do
“Pai que está no céu”.
A primeira leitura nos falou da Igreja nascente que vê seus
“membros” padecendo a tortura e a espada e nos apresenta, passando
pela cruz, os três discípulos que experimentaram antecipadamente
sobre o Tabor o brilho da glória que sucede à morte injusta dos jus-
tos Pedro, Tiago e João. Pedro está preso nos dias dos “Pães ázi-
mos” (como Jesus — cf. Lc 22,21), dias da páscoa judaica e dias em
que a Igreja nascente provavelmente também celebrava a memó-
ria anual da Páscoa de Cristo.” O texto é eminentemente pascal:
Pedro está aferrolhado e vigiado por guardas, como Jesus estava
no sepulcro (cf. Mt 27,62-66), dormia e foi acordado por um anjo.
Os termos “dormir” e “acordar” no Novo Testamento são usados
para indicar a morte e a ressurreição. O texto se conclui com uma
frase que se liga perfeitamente ao Salmo Responsorial (Agora sei,
de fato, que o Senhor enviou o seu anjo para me libertar), também
esse pleno de “tonalidades” e “cores pascais”: “De todos os temores
me livrou o Senhor Deus”. Ele é o salmo do Servo de Javé que fez a

27 Cf M. Augé. Lanno liturgico, é Cristo stesso presente nella sua chiesa. LEV, 2009, p. 108-109.
Roteiros Homiléticos do Tempo Comum | — Ano A - São Mateus

experiência de não ser abandonado na mansão dos mortos (At 2,24).


O Salmista é o Senhor ressuscitado. É também o salmo das suas
testemunhas que “todas as vezes que o buscaram, ele os ouviu e de
todo os temores os livrou”. Feita sua experiência pascal, Pedro, no
entardecer do seu ministério repetirá a palavra do salmista dizendo
já ter experimentado, provado e visto a bondade do Senhor (1Pd 2,2).
Ouvimos na segunda leitura “o testamento de Paulo”, prestes a
“ser derramado em sacrifício”, às portas do “momento da sua par-
tida”. Paulo não se vitimiza, sabe que a única vítima é Jesus Cristo.
Sabe também que para receber a coroa de justiça, das mãos do justo
juiz, para ele reservada, é preciso passar pelo processo da kenosis, pelo
qual passou Jesus. Assim como toda a vida de Jesus foi um percurso
“kenótico”, toda a vida de Paulo foi uma experiência de combate do
bom combate, de guardar a fé e de completar a corrida do anúncio do
Evangelho. Também Paulo “reproduz” o “Salmista”: “Todas as vezes
que o busquei, ele me ouviu”, porque “o Senhor esteve ao meu lado
e me deu forças”. E mais, “O Senhor me libertou de toda angústia”,
“fui libertado da boca do leão”. À glória para Paulo reside no fato de
ter conquistado tantos fieis para Cristo, ele que também foi alcan-
çado por Cristo (Fl 3,12). Por isso perto de “completar sua corrida”
afirmou: “Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim.
Minha vida presente na carne vivo-a na fé no Filho de Deus, que me
amou e se entregou a si mesmo por mim” (Gl 2,20).
Esta fé no Filho de Deus pela qual Paulo vive, é a mesma professada
por Pedro no Evangelho de hoje que se abre com uma pergunta, da
parte de Jesus, “capciosa” e cheia de trocadilhos: “Quem dizem os
homens (com “h” minúsculo) que é o Filho do Homem (com “H”
maiúsculo)? Para Santo Ambrósio “a opinião da multidão também
não é sem importância” porque ela é baseada não na revelação, mas
na expectativa gerada pelo “extraordinário”, o que resulta uma ima-
gem limitada e limitante de Jesus e de sua missão: ele é “algum dos
profetas”. O segundo ponto de interrogação é mais direto e íntimo:
“E vós, quem dizeis que eu sou?”. À resposta de Pedro não se baseia
Novo povo construindo o Reino de Deus na justiça! BR

no “extraordinário humano”, mas naquilo que vem do alto: Tu és o


Messias, o Filho do Deus vivo”. Também Jesus revela a Pedro coisas
que vem do alto: a “construção” de um novo povo (Igreja) que tem
como fundamento a Pedra da profissão de fé de Pedro. Então, por-
que Pedro se tornou uma “porta da fé” Jesus lhe confia “chaves do
Reino dos Céus”.

Atualizando a Palavra
Numa perspectiva de fé nos perguntamos: o que confiou Jesus a
Pedro quando lhe entregou “as chaves do Reino dos céus”? Responde-
-nos São João Crisóstomo: “O que pertence propriamente a Deus,
como apagar os pecados, garantir a resistência da Igreja, malgrado
as ondas com que será batida, comunicar a um pobre pecador uma
firmeza superior à do mais sólido rochedo, a despeito dos ataques
da terra inteira. [...] Confia a um homem mortal todo o poder dos
céus, do qual dá as chaves, espalha sua Igreja sobre a superfície do
globo; e a estabelece mais solidamente que os céus; porque disse:
os céus e a terra passarão, mas minhas palavras não passarão”
(Mt 24,35). Pastoralmente falando, dizemos que Jesus conferiu a
Pedro o “ministério/serviço” de conduzir o rebanho de Deus (S1 94,7)
rumo à porta que é o próprio Cristo (Jo 10,7). Este ofício petrino
“e dos outros Apóstolos faz parte dos fundamentos da Igreja e é
continuado pelos Bispos sob o primado do Papa”?
Pastorear o rebanho do Senhor é um empenho próprio daqueles
que foram ordenados para esse fim, mas o dever de zelar por esse
rebanho, não seria de todo batizado? Depois do Concílio Vaticano II
ouvimos falar do “protagonismo dos leigos”, preferimos usar o termo
“comprometimento do batizado com a causa do Reino”, evidenciando
que a construção do Reino, o anúncio “integral da mensagem”, a
“peleja do bom combate”, o “guardar a fé”, faz com que homens e
239)

28 João Crisóstomo. Homilia sobre São Mateus. 54, 1-2, in PG 49, 1145.
29 ClgC,n. 881.
Roteiros Homiléticos do Tempo Comum | - Ano A - São Mateus

mulheres, de todas as raças e idades se identifiquem com a missão


do anúncio do Evangelho. Pedro e Paulo nos ensinam que o impor-
tante é levar a missão do anúncio até as últimas consequências e que,
quando pensarmos que é chegado o termo final, certamente “o anjo
do Senhor virá acampar ao redor dos que o temem e os salvará”. A
Solenidade de hoje é de fato um belo convite a toda a Igreja: “Provai
e vede quão suave é o Senhor”.

Ligando a Palavra com a ação eucarística


Irmãos e irmãs, os Apóstolos que hoje celebramos, são os nossos pais
na fé. Eles nos transmitiram a fé como dom, como primícias (coleta).
Não só a fé em nível de conhecimento, de verbalização, mas acima
de tudo nos transmitiram uma fé em nível de celebração. À liturgia
não é outra coisa senão a fé celebrada, a fé colocada em ação, e a
Igreja reconhece nessa dimensão da fé “o cume e a fonte” de toda o
seu existir.'º É precisamente para esse momento que se dirige toda a
atividade pastoral da Igreja e, ao mesmo tempo, é desse momento que
a Igreja sorve toda a sua vitalidade.
É a celebração do Mistério Pascal de Cristo, do qual estamos
agora fazendo memória, e do qual participaremos em plenitude
quando comermos do Corpo e bebermos do Sangue do Senhor ao
aproximarmo-nos do altar, que nos impulsionará para sermos tes-
temunhas do Ressuscitado. À eucaristia que receberemos daqui a
pouco tempo é realmente aquele “pão que alimenta e que dá vida”,
aquele “vinho que nos salva e dá coragem” e que desperta em nós
a certeza de “quão suave é o Senhor”, e nos capacita a professar
com Pedro: “Agora eu sei, de fato, que o Senhor enviou o seu anjo
para 'nos' libertar”, e com Paulo: “O Senhor esteve sempre a meu
lado e me deu forças... e eu fui libertado da boca do leão”. Por fim
esta eucaristia, nos fará “viver de tal modo na Igreja”, perseverando

30 Cf. SC,n. 10e 14.


Novo povo construindo o Reino de Deus na justiça! n

“na doutrina dos Apóstolos” e enraizados no amor do Senhor, que nos


tornaremos “um só coração e uma só alma” (Depois da comunhão).

Sugestões para a celebração


À profissão de fé, ou o “Credo” na celebração eucarística constitui
um rito e uma forma de adesão à Palavra.'! A Instrução Geral do
Missal Romano ensina que “o símbolo ou profissão de fé tem por
objetivo levar todo o povo reunido a responder à palavra de Deus
anunciada da sagrada Escritura e explicada pela homilia, bem como,
proclamando a regra da fé através de fórmula aprovada para o uso
litúrgico, recordar e professar os grandes mistérios da fé, antes de
iniciar sua celebração na Eucaristia”.*
Infelizmente não encontramos nem no Hinário Litúrgico da
CNBB uma melodia para solenizar a Profissão de Fé. Ficaria, por-
tanto, como desafio aos músicos experimentados, musicar tão belo
e significativo texto. Das três fórmulas (dos Apóstolos, Niceno-
-constantinopolitano e Batismal) se poderia escolher uma que não
seja a “convencional” na comunidade chamando a atenção para esse
momento ritual de singular importância na celebração da Eucaristia.
As comunidades que não têm “missa” poderiam aproveitar o
momento da Profissão de Fé, logo depois reflexão do Evangelho,
seguido de um período de silêncio, para utilizar a fórmula batismal,
com bênção da água e aspersão.”

31 Cf IGMR, n. 55.
32 IGMR, n. 67-68.
33 Cf. Ritual de bênçãos por ministros leigos. Paulus, São Paulo, 1997,
XIV DOMINGO DO TEMPO COMUM

6 de julho de 2014

"EU TE LOUVO, Ó PAI

Leituras: Zc 9,9-10; Sl 144(145),1-2.8-9.10-11.13cd-l4;


Rm 8,9.11-13; Mt 11,25-$=30

Situando-nos brevemente
Amados irmãos e irmãs em Cristo, a palavra “eucaristia”, vem do
grego e se traduz como “ação de graças”. Ela tem três significados:
o primeiro, o ato de dar graças. O Concílio Vaticano II restaurou essa
conotação da palavra eucaristia quando preferiu, nos livros litúrgicos,
chamar a “celebração dos divinos mistérios” de “Celebração Eucarís-
tica”, ou seja todo esse rito que estamos agora celebrando se chama
“eucaristia”. O segundo significado da palavra eucaristia se aplica à
oração por meio da qual damos graças. Assim a oração central desta
“celebração eucarística” é chamada de “Oração Eucarística”. Já no
seu início encontramos o sentido de dar graças: “Demos graças ao
Senhor nosso Deus”. Os antigos não tinham uma palavra semelhante
ao nosso “obrigado”, então para se agradecer a alguém por algum
bem recebido, o “agraciado” comentava publicamente o que aquela
determinada pessoa, o agraciador, tinha feito em seu benefício, assim
os Prefácios das Orações Eucarísticas, fazendo memória dos benefi-
cios que Deus nos fez, lhe rende graças. Para a Igreja, Jesus Cristo é o
nosso motivo de Eucaristia, de ação de graças: “Compadecendo-se da
nossa fraqueza humana, ele nasceu da Virgem Maria. Morrendo no
lenho da Cruz, ele nos libertou da morte. Ressuscitando dos mortos,
Novo povo construindo o Reino de Deus na justiça! R

ele nos garantiu a vida eterna”.** “Por ele, vós nos chamastes das
trevas à vossa luz incomparável”* , etc. Por fim a terceira realidade
à qual se aplica o termo eucaristia, são os elementos sobre os quais, na
celebração eucarística, se pronuncia a oração eucarística, isto é, o pão e o
vinho eucarísticos, o Corpo e o Sangue de Cristo.
Neste sentido, a celebração deste nosso XIV Domingo do Tempo
Comum é, em todos os sentidos, eminentemente eucarística.

Recordando a Palavra
O Evangelho deste domingo está entre as páginas mais intensas e
profundas de todo o Evangelho; ele, na verdade é composto de três
partes. À primeira é uma oração: “Te louvo, ó Pai, Senhor do céu
e da terra”, a segunda é uma narração dos feitos salvíficos de Deus
em favor do seu povo: a revelação “destas coisas aos pequeninos”, a
entrega, por parte do Pai, de todas as coisas ao Filho — “Tudo me
foi entregue por meu Pai” e a profunda intimidade entre o Paie o
Filho que resulta na “revelação” do rosto paterno de Deus àquele “a
quem o Filho o quiser revelar”. Essas duas primeiras partes, oração
e memória, nós podemos afirmar que são “eucarísticas”. À terceira
parte é um convite: “vinde a mim”.
Os destinatários da revelação feita pelo Pai são os pequeninos,
os humildes, os simples. Os pequeninos deste Evangelho são em pri-
meiro lugar os discípulos de Jesus; todo e qualquer discípulo de Jesus,
como é afirmado em Mt 10,42: “quem der, nem que seja um copo
d'água fria a um destes pequeninos, por ser meu discípulo, receberá
a vida eterna”. Às coisas que o Pai escondeu “aos sábios e entendidos”
consiste no “mistério do Reino dos céus”, como ouviremos no Evan-
gelho do próximo domingo: “Porque a vós foi dado o conhecimento
dos mistérios do Reino dos céus” (Mt 13,11).

34 Prefácio dos domingos do Tempo Comum II.


35 Prefácio dos domingos do Tempo Comum 1.
al Roteiros Homiléticos do Tempo Comum | — Ano A — São Mateu!

Nesta perspectiva, no entanto, encontramos Jesus como o mais


pequenino entre os pequenos, o mais humilde entre os humildes,
o mais simples entre os mais simples. Tal imagem é evidenciada
pela figura real, plena de contradições, apresentada na primeiras
leitura: o rei, o justo, o salvador. O rei é humilde e vem sentado
num jumento; é justo porque vem eliminar “os carros de Efraim e
os cavalos de Jerusalém e quebrar o arco de guerreiro”, mas o sez
estandarte é a paz; é simples mas tem um “domínio” que se estende
de mar a mar e de rios a rios, “até aos confins da terra”. Este rei dc
qual fala o oráculo é Jesus Cristo.
Estas “contradições” do Rei-Messias estão ainda expressas nz
coleta da missa de hoje: é pela humilhação, pela queda, pelo rebai-
xamento, pela desclassificação do Filho que o Pai reergue o mundc
decaído. Esta verdade revelada aos pequeninos nos remete a ums
aclamação eucarística: “Jesus Cristo deu-nos vida por sua morte”.*

Atualizando a Palavra
Irmãos caríssimos escutando esta página do Evangelho muitos de nós
podemos interpretá-la “ideologicamente” que Deus se revela, ou revel:
os mistérios do Reino, a uma categoria social e a outra não, mas issc
não corresponde à mensagem do Jesus Cristo que não faz acepção de
pessoas, “pois ele é Senhor de todos, rico para com todos os que c
invocam”;37 O Pai não “esconde o Reino” aos sábios e inteligentes, mas
ele o “protege” dos que se arrogam inteligentes e se recusam a toda
e qualquer forma de obediência e submissão âquele conhecimento
que não vem necessariamente através da comprovação científica: c
conhecimento da fé. O fechamento a toda revelação que vem do altc
e portanto à fé, não é consequência da inteligência, mas do orgulho,
A falsa ideia do homem de pensar saber tudo de todas as coisas anulz

36 Aclamação da Oração Eucarística IV.


37 Rm 10,12.
Novo povo construindo o Reino de Deus na justiça! R

e bloqueia o conhecimento de Deus, eis porque a Bíblia afirma que


“Deus resiste aos soberbos, mas dá a graça aos humildes” (Tg 4,6).
É verdade que muitas vezes os “humildes” são identificado com
os “pobres”, o que não quer dizer, necessariamente, que os desprovidos
do bem material sejam humildes. Pobreza e humildade são sinônimos
na Bíblia de abertura e disponibilidade à novidade, à disponibilidade
à dependência de Deus, e estes se opõe por natureza à riqueza/gran-
deza como sinônimo de autossuficiência, que é uma espécie de orgulho
que consiste na recusa de toda dependência e na reivindicação de uma
autonomia absoluta com relação ao próximo e a Deus.
O convite de Jesus hoje é feito a todos nós, mas especialmente
aqueles que entre nós estão cansados e afadigados sob o jugo da super-
fluidade que nasce da busca desenfreada por essa “pobre riqueza”:
“Vinde a mim todos vós que estais cansados e fatigados sob o peso
dos vossos fardos”. O teólogo do V século, Filoxeno de Mabboug
(440-523) diz que “a busca da riqueza humana é um caminho que
não tem fim na vida: quanto mais se avança, mais ele se alonga
diante de nossos passos; só a morte marcará o seu fim”; e prossegue o
sapiente e atual teólogo: “O mundo pesa sobre nós com todas as suas
ocupações, e os que carregam seus fardos, não têm consciência disto,
porque o amam; vão de encontro a ele, como cegos, sem discernir;
carregam pesados fardos, e os acham leves; cansam-se na busca de
prejuízos, sem o saber” coisas.º* Eu não vos farei ricos, diz o Senhor,
não como estes ricos que precisam de muitas coisas, pelo contrário
vos farei ricos verdadeiros, que de nada precisam, pois o verdadeiro
rico não é o que tem muito, mas aquele a quem nada falta; pois existe
uma riqueza que empobrece e existe uma pobreza que enriquece,
assim como existe um saber que obscurece o entendimento e um
“não saber” que é sapientíssimo.
O texto de hoje se conclui com outro trocadilho da parte do Sal-
vador. Ele fala de “jugo suave e fardo leve”. O seu jugo e o seu fardo

38 Filoxeno de Mabboug. Homilia IX, 270-273. in SCh 44, p. 254-256.


Roteiros Homiléticos do Tempo Comum | — Ano A — São Mateus

são suaves não porque são menos exigentes, permissivos, licenciosos,


mas porque eles fazem do homem um ser verdadeiramente livre e ao
mesmo tempo somente os livres os podem tomar sobre si.

Ligando a Palavra com a ação eucarística


Vinde a mim, diz Jesus nesta eucaristia, vinde a esta mesa. À primeira
antífona para a comunhão deste domingo nos coloca em conexão
com a solenidade de domingo passado e uma extensão do convite do
Evangelho: “Provai e vede quão suave é o Senhor, feliz o homem que
tem nele o seu refúgio”.
À oração depois da comunhão pede para “que enriquecidos por
tão grande dádiva (eucaristia), possamos colher os frutos da salvação
sem jamais cessar” o louvor. À Eucaristia (o pão eucaristizado) que
daqui a pouco receberemos não é só “fruto” da eucaristia/celebra-
ção que estamos colocando em ato, mas é também ela “fonte” de
eucaristia/louvor/oração.
À participação neste banquete deve nos levar “cada vez mais a
viver a vida” do Reino, nos ensina a oração sobre as oferendas. À vida
do Reino é uma vida de “santa alegria” de “gozo das alegrias” eternas
que tem sua fonte na consciência de que fomos libertados da escra-
vidão do pecado e da morte, como nos ensina a coleta da missa de
hoje. À vida do Reino nos foi descrita por São Paulo hoje na segunda
leitura: “Se o Espírito daquele que ressuscitou Jesus dentre os mortos
habita em vós, então aquele que ressuscitou Jesus Cristo dentre os
mortos vivificará também os vossos corpos mortais por meio do seu
Espírito que mora em vós”.
Que a “eucaristia” de hoje — celebração/oração/Corpo e San-
gue de Cristo — transforme a nossa vida numa “vida eucarística”;
assim uniremos a nossa voz à voz de Cristo para dizer: “Eu te
louvo, ó Pai”!
Novo povo construindo o Reino de Deus na justiça! RB

Sugestões para a celebração O


À oração eucarística ocupa o primeiro lugar entre as partes que
competem ao celebrante e é o “cume de toda a celebração”, mas
não só, ela é também o “ápice de toda a celebração” é como também
aquela grande “prece de ação de graças e santificação”. “O sacerdote
convida o povo a elevar os corações ao Senhor na oração e ação
de graças e o associa à prece que dirige a Deus Pai, por Cristo, no
Espírito Santo, em nome de toda a comunidade”. As coisas assim
estando a Igreja nos lembra da postura que o sacerdote e a assembleia
devem ter durante esse momento essencial para que a Igreja celebre a
eucaristia nas suas três dimensões: somente o sacerdote pode proferi-
-la*!, procurar valorizar os diversos gestos corporais sem afetação,
tais como o abrir e fechar os braços, juntar as mãos, inclinar-se,
ajoelhar-se, erguer os olhos etc.º, cantar ao menos o prefácio e a
doxologia final? que deve ser concluída com um sonoroso e efusivo
“amém” da parte da assembleia que dela participa “respeitosamente
e em silêncio”.*
Para este domingo específico sugerimos “À Oração eucarística
IV [que] possui um Prefácio imutável e apresenta um resumo mais
completo da história da salvação”. Pastoralmente ela “Pode ser usada
quando a Missa não possui Prefácio próprio, bem como nos domin-
gos do Tempo comum”. Embora não se possa “inserir nesta Oração,
devido à sua estrutura, uma fórmula especial por um fiel defunto”
esses são inseridos na Páscoa de Jesus como comunidade dos remi-
dos no memento: “lembrai-vos também dos que morreram na paz do
vosso Cristo e de todos os mortos dos quais só vós conhecestes a fé”.

39 IGMR, n. 30.
40 IGMR, n. 78.
41 IGMR, n. 147.
42 Cf IGMR, n. 148,
43 IGMR, n. 216.
44 IGMR, n. 78.
45 Para todas as citações deste parágrafo cf. IGMR, n. 365 d.
EO PME LIVES

XV DOMINGO DO TEMPO COMUM

13 de julho de 2014

JESUS CRISTO É O SEMEADOR E A SEMEADURA.

Leituras: Is 55,10-11; Sl 64(65),10.11.12-13.14;


Rm 8,12-23; Mt 13,1-23.

Situando-nos brevemente
Diletos, é na liturgia que a Escritura se sente verdadeiramente
em casa, porque na proclamação litúrgica a Escritura se torna
plenamente aquilo que é: Palavra de Deus viva, presente em meio a
nós. O Concílio Vaticano II nos ensina que a proclamação da Palavra
de Deus na liturgia tem um valor sacramental da presença de Cristo,
pois “é Ele que fala ao ser lida na Igreja a Sagrada Escritura”.
O Concílio ensina que “é enorme a importância da Sagrada Escri-
tura na celebração da Liturgia. Porque é nela que se vão buscar as leituras
que se explicam na homilia e os salmos para cantar; com o seu espírito
e da sua inspiração nasceram as preces, as orações e os hinos litúrgicos;
dela tiram a sua capacidade de significação as ações e os sinais".” Por
causa desse imenso valor dado a Sagradas Escrituras, o mesmo Con-
cílio pediu que fossem “mais abundante, variada e bem adaptada a
leitura da Sagrada Escritura nas celebrações litúrgicas” e exortou que
se preparasse para os fiéis, com maior abundância, a mesa da Palavra de
Deus e se abrissem mais largamente os tesouros da Bíblia.”

46 SC,n. 7.
47 SC,n. 24.
48 SC,n. 35,1.
49 Cf. SC,n. 51.
Novo povo construindo o Reino de Deus na justiça! RB

Neste XV Domingo do Tempo Comum de maneira especial


somos convidados a uma atenção maior a esse dado, à riqueza com
que a Palavra de Deus acaba de ser semeada nos nossos corações.
“A proclamação litúrgica infunde vida nos ossos ressequidos das anti-
gas palavras escritas, as desperta para fazê-las tornarem-se, no mundo,
a presença transformadora e fecundante de Cristo ressuscitado”?
Eis-nos, pois, neste domingo diante de uma realidade ímpar,
uma das mais desconcertantes e, ao mesmo tempo, reconfortante
realidades: Deus fala. O Deus da Bíblia é um Deus que fala. “Um
dos traços mais característicos do Deus vivo — escreveu alguém —
é que ele fala aos homens. Revela-se não só na linguagem silenciosa da
natureza e dos sinais das criaturas; 'fala' por suas intervenções histó-
ricas de salvação e de misericórdia”! Ele acabou de falar-nos neste
evento histórico, que é esta celebração eucarística e na proclamação
solene das leituras das Sagradas Escrituras. É o que nos disse?

Recordando a Palavra
O Evangelho que acabamos de ouvir é tirado do capítulo 13 de
São Mateus; os biblistas o chamam de capítulo das parábolas, que
se insere dentro de uma sessão própria do evangelista Mateus, na
qual ele reúne os discursos de Jesus feitos de forma “metafórica”.
O capítulo reúne sete parábolas, cujo tema central é o Reino de Deus,
não como uma realidade teórica, mas como uma proclamação
que só se entende depois que se responde positivamente ou negati-
vamente. Os que respondem positivamente encontrarão o reino
como um tesouro, uma pérola, os que respondem negativamente
são “sufocados pelos espinhos”, “comidos pelos pássaros” e morrerão
entre os “pedregulhos” da terra, sufocados pelo calor do sol.
As parábolas são: a do semeador, com sua explicação, a que
acabamos de ouvir; a do joio; a do grão de mostarda; a do fermento,

50 N. Bonneau. I//ezionario domenicale, origine, struttura, teologia. EDB, Bologna, 2012, p. 7.


51 Comentário in Missal dominical, missa! da assembleia cristá. Paulus, São Paulo, 1995, p. 742.
' Roteiros Homiléticos do Tempo Comum | - Ano A - São Mateus

que ouviremos no próximo domingo; a do tesouro; a da pérola;


e a da rede, que ouviremos no domingo seguinte.
Algumas parábolas, como a de hoje, tem uma estrutura litúrgica:
uma “proclamação” e uma “homilia”, ou exposição do sentido teoló-
gico/moral da palavra anunciada. Jesus Cristo é ao mesmo tempo o
proclamador e o homileta. A parábola tem como personagem principal
um agricultor que tem um objetivo preciso, isto é, “saiu para semear”.
Tal agricultor é aparentemente descuidado, ou desprovido do senso
da sua profissão. Ele parece “desperdiçar” a semente. Ele a deixa cair
à beira do caminho, em terreno pedregoso, em meio aos espinhos,
outras porém caíram “em terra boa”. Reparem que a parábola não fala
de “terra pronta, perfeita”, mas terra boa, isto é, terra propensa a aco-
lher a semente. Na “segunda parte da parábola”, Jesus deixa claro quem
são os “personagens” da sua parábola: o semeador é Deus, a semente é
a Palavra de Deus (cf. Mc 4,14), a beira do caminho, o terreno pedre-
goso, o terreno espinhoso e a terra boa são o coração do homem. Certo
que por coração não se entende o “órgão corporal”, mas a vida do
homem, o cotidiano, o existencial, mas não só, indica também o lugar
onde o homem centraliza a sua existência, onde ele “esconde” a sua
fonte vital. Isto quer dizer que da parte de Deus vem o dom, a gratui-
dade da Palavra que cria todas as coisas, da parte do homem deve vir a
responsabilidade de abrir espaço para a Palavra germinar.
À primeira leitura também é uma parábola e, como o Evangelho,
ela também tem como tema central o Reino de Deus. Aqui o profeta
usa outra imagem para a Palavra: ela é chuva e neve. Ela vem do
céu, ela vem irrigar e fecundar a terra, ela é eficaz, “assim a palavra
que sair de minha boca, não voltará para mim vazia; antes, realizará
tudo que for da minha vontade e produzirá os efeitos que pretendi, ao
enviá-la”. Claro está que tanto lá no Evangelho como aqui na profe-
cia “semente e chuva” são, não coisas, mas uma pessoa, Jesus Cristo.
Assim como a chuva e a semente veem de cima, Jesus vem do alto;
a semente é Sua imagem porque gera a vida, a chuva é Sua imagem
porque alimenta a vida, porque permite à semente germinar.
Novo povo construindo o Reino de Deus na justiça! RB

O salmista usando a linguagem de um agricultor resume toda a


História da salvação com imagens emocionantes: é Deus quem visita
a terra com a sua chuva, Jesus Cristo, e a faz transbordar de fartura,
confirmou o povo ao ver ressuscitado a viúva de Naim: “um grande
profeta surgiu entre nós e Deus visitou o seu povo” (Lc 7,16), “con-
forme prometera a nossos pais” (Lc 1,55) “o Senhor Deus de Israel,
visitou e redimiu seu povo fazendo para nós surgir um poderoso Sal-
vador” (Lc 1,68-69), como os “pastos que brotam no deserto” e “coli-
nas que se enfeitam de alegria e os vales que se revestem de trigais”.

Atualizando a Palavra
Amados irmãos, esta Palavra é mais que atual. O sistema no qual
vivemos nos obriga a sermos cada vez mais insensíveis à Palavra.
Quantas vezes ela soa estranha aos nossos ouvidos. “A Palavra é fogo
(outra metáfora), escreve Pronzato. E nós atiramos sobre ela baldes de
água de nosso bom-senso, de nossa falsa prudência, de nossa incrível
preguiça. Eis o que significa “tornar inócua” a Palavra, atraiçoar a
Palavra, ter o coração empedernido. Portanto, a culta não deve ser
procurada [somente] e nossa cultura deficiente [pois o semeador é
“aparentemente” descuidado e não de fato). [...] A causa profunda deve
ser procurada, como podemos [deduzir], em uma atitude fundamental
que está errada. O coração empedernido, precisamente. O terreno já
está ocupado: por nós mesmos, pelos nossos esquemas, pelos nossos
preconceitos, pelo nosso bom-senso. À Palavra em nós deve tornar-se
vida. Não pode permanecer no estágio da inteligência e nem também
naquele do vago sentimentalismo. É preciso que se torne vida, caso
contrário acaba por se desvirtuar, envilecer, tornar-se incompleta”
Irmãos, intencionalmente, e não por negligência, o divino seme-
ador semeia a Palavra sobre o caminho, entre os espinhos, e em ter-
reno pedregoso. “Deus parece semear seu Reino em pura perda, entre

52 À. Pronzato. Evangelhos que incomodam. Paulinas, São Paulo, 1975, p. 140-141.


E Roteiros Homiléticos do Tempo Comum | — Ano A -— São Mateus

os homens, mas dessas estéreis tão pouco promissoras surge “uma


ceifa que supera todas as esperanças”.* Ele semeou no coração de
Saulo e este se tornou Paulo, no coração de uma prostituta e ela se
tornou Maria Egipcíaca, semeou no coração do mundano Francisco,
o Francisco “do mundo” e ele se tornou o Francisco “de Assis”, ele
semeia ainda hoje no coração de um estuprador e ele se transforma
num pregador, semeia no coração de um drogado e ele se torna um
voluntário num hospital infantil do câncer, ele semeia no coração de
um assassino e ele se transforma em um missionário na África.
Repreende-se justamente um semeador por fazer assim, por não
ser atento à técnica da semeadura, por não fazer uma planilha, um
cálculo, por não consultar um engenheiro. À técnica e o bom-senso
sabem e nos ensinam que “a pedra não poderia tornar-se terra, os
espinhos não podem deixar de ser espinhos, o caminho não pode
deixar de ser caminho. Nas ordem das coisas espirituais não é assim:
a pedra pode ser transformada em terra fértil, o caminho pode não
ser mais pisado pelos transeuntes e tornar-se um campo fecundo; os
espinhos podem ser arrancados e permitir ao grão, uma vez desem-
baraçado, frutificar. Se tudo isso não fosse possível, o [divino] seme-
ador não teria espalhado o seu grão”.** Lembremos do salmista:
“É assim que preparais “a nossa terra”: os seus sulcos com a chuva
amoleceis... Transborda a fartura onde passais, brotam pastos no
deserto. Às colinas se enfeitam de alegria... Nossos vales se revestem
de trigais: tudo canta de alegria”.

Ligando a Palavra com a ação eucarística


Conta-se que um jovem padre assumiu uma paróquia localizada em
uma zona rural e na sua primeira semana de pastoral, com o seu belo
carro, começou a percorrer os sítios. Passou de frente a um belíssimo

53 Cf. Bible et Vie Chrétienne, 87 (1978), p. 42.


54 João Crisóstomo. Homilia sobre Mateus. 44, 3, in PG 49, 983.
Novo povo construindo o Reino de Deus na justiça! BR

campo arado, onde o milho e o feijão já estavam bem viçosos, e, para


demonstrar-se simpático, dirigiu-se ao agricultor que estava sentado
sob uma árvore:
— Seu José, que beleza de campo. Veja a obra estupenda que
Deus fez.
Ão que o agricultor respondeu com simplicidade:
— Pois é, seu padre, pena que o senhor chegou atrasado. O senhor
deveria ter passado aqui pra ver quando Ele trabalhava sozinho. Isso
aqui era um matagal só.
De fato, a perfeição da obra de Deus não exclui a nossa parte, o
nosso esforço em preparar o terreno. O gesto que estamos preste a
realizar, de trazer processionalmente pão e vinho, “fruto do trabalho
humano”, é de fundamental importância para que Deus opere aquela
transformação dos nossos dons no maior de todos os dons, o “Pão
da vida eterna e cálice da salvação”. Esse grande mistério acontece
pela Palavra, e ao mesmíssimo tempo esse mistério é a Palavra: “Ele
é a vossa Palavra viva pela qual tudo criaste”.> Não só a Liturgia da
Palavra é um semear. Também, e especialmente, na Liturgia Eucarís-
tica, pela participação à mesa, a Palavra que foi proclamada no Evan-
gelho, que se tornou carne humana no seio da Virgem Maria, que se
transformará em Pão, será “semeada”, “plantada” dentro de nós.
Sim, Jesus Cristo é para nós o Semeador, o que proclama a Pala-
vra, e a Semeadura, a Palavra proclamada.

Sugestões para a celebração Ee


Limitamo-nos a reproduzir na íntegra o que nos ensina a Igreja sobre
a liturgia da Palavra, “onde Cristo está realmente presente e atuante
pelo Espírito Santo”.

55 Prefácio Oração Eucarística II.


56 Todo o texto seguinte se encontra em CNBB, Guia litúrgico-pastoral, Edições CNBB,
Brasília, sd, p. 31-33.
Bo Roteiros Homiléticos do Tempo Comum | — Ano A — São Mateus

à Daí decorre a exigência para os leitores, ainda maior para


quem proclama o Evangelho, de ter uma atitude espiritual de
quem está sendo porta-voz de Deus que fala ao seu povo.

à À preparação espiritual se alia a preparação técnica: postura


do corpo, tom da voz, semblante, a maneira de aproximar-se
da mesa da Palavra, as vestes.

à À função do salmista é de suma importância. Sua função


ministerial corresponde à função dos leitores e leitoras, pois
o salmo é também Palavra de Deus posta em nossa boca para
respondermos à sua revelação. Por isso, o salmo deve ser pro-
clamado do ambão e, se possível, cantado, (ao menos o refrão).

à À Palavra é valorizada também por momentos de silêncio, por


exemplo, após as leituras, o salmo e a homilia, fortalecendo
a atitude de acolhida à Palavra. No silêncio, o Espírito torna
fecunda a Palavra no coração da comunidade.

à Já que a mesa da Palavra forma, com a mesa da Eucaristia,


um só ato de culto, há de se manter um equilíbrio de tempo
entre as duas. Demasiada atenção dada à procissão de entrada
e a outras procissões, bem como homilias prolongadas, intro-
duções às leituras parecendo comentários ou pequenas homi-
lias prejudicam a Liturgia Eucarística que, em consequência,
passa a ser feita de forma apressada.
à Priorize-se a entrada solene do Evangeliário na procissão ini-
cial. Na falta deste, embora não mereçam a mesma soleni-
dade, podem ser trazidos o Lecionário ou a Bíblia. A entrada
com a Bíblia se faça só em ocasiões bem especiais.
XVI DOMINGO DO TEMPO COMUM

20 de julho de 2014

“PACIÊNCIA” DE DEUS, A CIÊNCIA DA PAZ!

Leituras: Sb 12,13.16-19; Sl 85(86),5-6.9-10.15-16a;


Rm 8,26-27; Mt 13,24-43.
[24-30] breve

Situando-nos brevemente
Caros irmãos e irmãs, passada uma semana que ouvimos o Evangelho
do semeador a Igreja insiste positivamente em nos apresentar modelos
de “terra boa” aberta à Palavra semeada. Esta semana quatro grandes
testemunhas do que pode o divino Semeador, rico em paciência, fazer
em favor daqueles que lhe abrem o coração, nos serão apresentadas
na sagrada liturgia: terça-feira próxima celebraremos a memória de
Santa Maria Madalena, a primeira discípula missionária do Cristo
ressuscitado. Na sexta-feira 25 celebraremos a festa de São Tiago,
chamado Maior; ele que foi testemunha da transfiguração interce-
derá em nosso favor para sermos, também nós, transfigurados em
Cristo. E por fim, no sábado 26, celebraremos os santos Joaquim e
Ana, pais da Bem-Aventurada Virgem Maria.
Os santos são testemunhas da fé levada até as últimas conse-
quências, por isso a Igreja, desde tempos remotos, os introduziu na
celebração do mistério pascal de Cristo. Assim como cada domingo,
também esse, nossa Páscoa semanal, nos abre a possibilidade de nos
encontrarmos mais uma vez na casa do Senhor, para sermos nutridos
com o Pão da Palavra e da Eucaristia, elementos que nos dão forças
para que também nós nos tornemos suas testemunhas até os pontos
mais extremos da terra e da nossa existência.
n Roteiros Homiléticos do Tempo Comum | - Ano A - São Mateus

Uns fazem esse percurso com mais rapidez e agilidade, outros


com maior lentidão e dificuldades, alguns sob tantas dificuldades,
outros com certa facilidade. O Senhor, que “sabe de que barro somos
feitos” (Sl, 102), tem exercido a nosso favor uma paciência em saber
esperar o tempo justo e o momento oportuno para colher nas nos-
sas vidas o que ele tem plantado com o anúncio da Palavra e com a
vivência dos sacramentos. Foi sobre essa paciência divina que a litur-
gia da Palavra nos falou hoje. Rememoremo-la.

Recordando a Palavra
Como dito domingo passado, o Evangelho deste XVI Domingo do
Tempo Comum, é continuação do capítulo 13 do Evangelho de São
Mateus, e nos apresenta uma série de três parábolas: a do joio, a da
semente de mostarda e a do fermento, ambas ditas por Jesus para
ilustrar o modo de “entender” como se manifesta o Reino de Deus.
Das três o texto de Mateus sublinha a primeira, para a qual “Jesus fez
uma homilia”, explicando-a, em casa, aos seus discípulos, e dando-lhe
sentido. Também a nós neste momento, como aos discípulos “ele nos
abre e revela as Escrituras e parte o Pão para nós”.
Com essas três parábolas Jesus também traça a situação do Reino
espalhado pelo mundo, do qual a Igreja é um sinal. A parábola da
semente de mostarda que “um homem pega e semeia no seu campo”
e que, “embora seja a menor de todas as sementes, quando cresce, fica
maior do que as outras plantas. E torna-se uma árvore, de modo que
os pássaros vêm e fazem ninhos em seus ramos”, indica o crescimento
do Reino sobre a terra. Uma semente pequena, lançada numa terra
distante, árida, desértica, confiada a um pequeno grupo, se estende
por toda a terra. Comparar o Reino com o fermento “que a mulher
pega e mistura com três porções de farinha, até que tudo fique
fermentado”, equivale também a indicar o crescimento do Reino,
não tanto em extensão, quanto mais em intensidade; indica a força
transformadora do Evangelho, que fermenta a massa dos batizados,
Novo povo construindo o Reino de Deus na justiçal B

a Igreja, fazendo-a transformar-se em pão/alimento/oferenda para a


salvação dos homens seus irmãos.
A parábola do joio é esclarecida, como já sublinhamos, pelo
/

próprio Jesus: o homem que semeia a boa semente é Ele mesmo, o


campo é o mundo, a “boa semente semeada são os que pertencem ao
Reino”. O inimigo que veio semear a má semente enquanto todos
dormiam, é o diabo. O trigo, fruto da boa semente e o joio, fruto da
má semente, crescem juntos até o dia da colheita, identificado com
o fim do mundo. Naquele dia se colherá primeiro o joio, que são
aqueles que “fazem os outros pecar e os que praticam o mal; depois
de que os lançarão na fornalha de fogo”; e depois, então se colherá o
trigo, os justo que “brilharão como o sol no Reino” dos céus. Os anjos
farão essa colheita.
O Apóstolo Paulo nana segunda nda leitura
óstolo Paulo leitura fala
fala do Espírito
spírito Sant
Santo,
que “vem em socorro da nossa fraqueza”; ele que intercede por nós.
Colocand
olocando-nos diante
diante des e desse “d “divino personagem”,
gem”, Paul
Paulo o apresenta
resent
a nós como aquele que foi enviado para nos ajudar a nos aproximar-
mos do “divino agriculto” com ânimo confiante na sua virtude por
excelência: a paciência. A “paciência” é a “ciência da paz”, da qual o
“divino agricultor” é o príncipe.
, 4

Atualizando a Palavra
O tema central da parábola do joio é a paciência de Deus. “A liturgia
o sublinha com a escolha da primeira leitura que é um hino à força
de Deus que se manifesta sob a forma de paciência e indulgência.
À paciência de Deus não é um esperar o dia do juízo para então
punir com mais satisfação. Ele é verdadeiramente como canta o
salmo responsorial, 'clemente e fiel, amor paciência e perdão”?
O belo é que a paciência do patrão deve servir de modelo aos servos.

57 R. Cantalamessa. Da! vangelo alla vita. PIPEMME, Milano, 2012, p. 98.


Roteiros Homiléticos do Tempo Comum | — Ano A — São Mateus

Jesus ao inaugurar o Reino não se apresenta como um juiz que


vem para discriminar os homens separando-os por categorias de bons
e maus. Ele não exclui ninguém do Reino. “Todos são convocados,
todos podem entrar nele. Por sua atitude durante toda a sua vida,
Jesus encarna a paciência divina em relação aos pecadores. Nenhum
pecado arranca o homem ao poder misericordioso do Pai. À vontade
divina de perdão é ilimitada”.º* Tamanha generosidade e paciência
tem certamente um pano de fundo ou uma força motriz, um segredo:
o amor. Jesus ama aos homens como ele é amado pelo Pai. À uni-
versalidade do amor não permite distinções, ele, o amor convida e
provoca uma perfeita reciprocidade. Para responder generosamente
ao amor dado, uma reciprocidade de amor que seja plenamente ver-
dadeira e livre, exige tempo. O amor com que os homens são amados
por Deus em Jesus Cristo pode ser qualificado como amor paciente
porque é totalmente respeitoso dos limites e dos ritmos. Esse amor
paciente se constrói pouco a pouco, o seu percurso de construção é
uma verdadeira aventura espiritual, onde “os avanços andam juntos
com os recuos” e a gratuidade e o doar-se são parceiros constantes do
egoísmo e o voltar-se sobre si.
Essa paciência amorosa de Jesus se manifesta plenamente na
cruz, porque ele ama o homem até quando este está atolado em seu
pecado, mesmo aí o amor é persistente e sobre a cruz manifesta-se
vitorioso; como lembrou alguém, “nenhum pecado pode cortar irre-
mediavelmente as pontes de comunicação com a força misericordiosa
de Deus”.”
Sendo a Igreja o corpo de Cristo, ela tem como missão primeira
encarnar entre os homens a paciência de Cristo, o “divino semeador”.
Ela não tem como missão separar ou “categorizar” os homens entre
bons e maus. À sua missão verdadeira é aquela de revelar a fisionomia

58 T. Maertens e J. Frisque. Guia da assembleia cristã. Vozes, Petrópolis, Petrópolis, 1970,


p. 205-207.
59 Comentário in Missal dominical, missal da assembleia cristã. Paulus, São Paulo, 1995,
p. 749.
Novo povo construindo o Reino de Deus na justiçal RB

de Deus, a verdadeira fisionomia do amor. No seio da Igreja, que


está no mundo, o trigo sempre estará misturado com o joio € entre
essas duas categorias não existe uma clara linha que delimita espaço
e terreno. Não temos a capacidade de discernimento que seja correta
e segura; a triagem não nos compete. Dentro de nós também coe-
xistem trigo e joio, é preciso muito tempo, o tempo de Deus para
um verdadeiro discernimento, que também esse não compete a nós.
Importa sim que sigamos o conselho do sábio de que o “justo” seja
humano (primeira leitura), ou seja, haja com humanidade para com
os seu próximo, isto significa despojar-se do velho homem para pas-
sar a uma vida nova (depois da comunhão).
Um grande teólogo do século passado nos lembrou que “A Igreja
é aqui na terra e permanecerá até o fim uma comunidade mista: trigo
ainda na palha, arca contendo animais puros e impuros, embarcação
cheia de maus passageiros que sempre parece a ponto de levá-la ao
naufrágio... Os pecadores que não a renegam continuam a pertencer-
“lhe realmente, e sabemos muito bem que eles são a imensa maioria.
Sem viverem segundo o Evangelho, ainda creem entretanto, por meio
dela, no Evangelho, e este elo, que certamente não seria suficiente
para construir a Igreja, é suficiente, mesmo que debilitado quase ao
extremo, para que esses pecadores permaneçam seus membros, ainda
que 'enfermos', 'estéreis', 'corrompidos” ou “mortos”. À Santa Igreja os
conserva com paciência. Quanto aos melhores de seus filhos, tam-
bém eles estão a caminho da santificação, e sua santidade é sempre
precária. Todos tem sempre que se refugiar da malícia do mundo,
na misericórdia de Deus... Cada dia esta Igreja que nós somos, deve
dizer sem exceção: 'Perdoai-nos as nossas ofensas" (Mt 6,12), cada dia
ela deve implorar a força e a compaixão do seu Salvador. Cada dia
desta terra, é para ela um dia de purificação; cada dia ela deve lavar
sua veste no sangue do Cordeiro, 'até que seja purificada pelo fogo do
céu e consumada em Deus”,*º

60 H. De Lubac. Meditation sur "'église. Montaigne, Paris, 1953, p. 86.


N Roteiros Homiléticos do Tempo Comum | - Ano A — São Mateus

Ligando a Palavra com a ação eucarística


Na coleta desta missa imploramos a Deus: “sede generoso para
com os vossos filhos e filhas e multiplicai em nós os dons da vossa
graça”, isto é, lhe pedimos que usasse de paciência para conosco, que
redobrasse o amor para conosco, que os dons da sua graça fossem
em nós multiplicados. O dom maior da sua graça é Jesus Cristo que
neste altar vem se fazer comunhão. À Oração Eucarística IV faz
memória do Evangelho de São João ao proclamar que Jesus sabendo
que chegara a hora de ser glorificado pelo Pai “tendo amado os seus
que estavam no mundo, amou-os até o fim”. Esse amar-nos até o
fim é o sinal de que ele não se desespera de nós, não nos despreza na
nossa constante mutação e metamorfose trigo/joio.
Eis que a Eucaristia que receberemos, saída deste altar é a prova
concreta do seu amor que não nos obriga, não nos aprisiona, não nos
constrange, porque é ele quem livremente se aprisiona sob a forma de
pão e de vinho e por seu aprisionar-se nos liberta das nossas amarras
para respondermos com generosidade e gratuidade o seu amor. À
Eucaristia, abolindo classificações e categorias, se dá a todos os que
dela se aproximam com coração reto e purificada intenção. Dá-se
indistintamente a quem vier à sua presença com as mãos estendidas,
porque se estão estendidas é sinal de que estão vazias e de tudo e se
elevam para serem preenchidas do Tudo.

Sugestões para a celebração E RP


O rito da apresentação das oferendas é cheio de profunda signifi-
cação para toda a ação litúrgica. Ele é oração antes de tudo pelo gesto
e depois pelo conteúdo do que se é apresentado porque mais tarde se
torna Salvação.
Dependendo das disposições da comunidade seria interes-
sante enriquecer esse momento ritual com elementos do Evan-
gelho que “significam” isto é que representam a Igreja, tais como
espigas de trigo, um grande e substancioso pão fermentado, grãos.
Novo povo construindo o Reino de Deus na justiça! 64

Esses “símbolos” podem ser trazido processionalmente e organiza-


dos de maneira visível ao pé do altar.
Uma atenção toda especial poderia se dar ao Cântico para a
Apresentação das Ofertas.

61 Ousamos apresentar a música do compositor Zé Vicente, As mesmas mãos:


As mesmas mãos que plantaram a semente aqui estão.
O mesmo pão que a mulher preparou aqui está.
O vinho novo que a uva sangrou jorrará no nosso altar.
À liberdade haverá, a igualdade haverá; e nessa festa,
Onde a gente é irmão, o Deus da vida se faz comunhão (bis)
Na flor do altar o sonho da paz mundial.
À luz acesa é a fé que palpita hoje em nós.
Do livro aberto o amor se derrama total no nosso altar.
Bendito sejam os frutos da terra de Deus.
Bendito sejam o trabalho e a nossa união.
Bendito seja Jesus, que conosco estará além do altar.
Ma aa SDS AD

XVII DOMINGO DO TEMPO COMUM

27 de julho de 2013

O PREGO DO GRATUITO,
Leituras: 1Rs 3,5.7-12; Sl 118(119),57.76-77.127-128.129-130;
Rm 8,28-30; Mt 13,44-52.

Situando-nos brevemente
Dileto povo de Deus, de maneira vertiginosa nos encaminhamos
para o término de mais um mês e mais uma vez nos encontramos em
torno da mesa da Palavra e da Eucaristia para celebrarmos a nossa
Páscoa semanal. Esse templo, no qual estamos reunidos, nos abriu
suas portas como para indicar a nossa entrada naquela Jerusalém que
almejamos, e da qual já cruzamos os umbrais através dos mistérios
que celebramos.
Costumamos chamar o domingo de “fim de semana”, mas não
é bem assim, este dia na verdade “é o primeiro da semana”, “dia em
que Jesus Cristo venceu o mal e a morte”, é aquele que encabeça
a nossa semana de trabalho e nós, com alegria, o consagramos a
Deus através deste culto, desta obra divina. Este XVII Domingo do
Tempo Comum nos abre uma semana plena de oportunidades de
nos admirarmos da maravilhas que o Senhor tem operado em favor
do seu povo. Os santos do calendário nos testemunham essa ver-
dade. Na próxima terça-feira 29, celebraremos Santa Marta que jun-
tamente com sua irmã Maria e seu irmão Lázaro são os hospedeiros
do Senhor; na quinta-feira 31 celebraremos Santo Inácio de Loiola,
grande propagador e defensor da fé, e nos dia seguinte celebraremos
Santo Afonso Maria de Ligório, abrindo o mês vocacional.
Novo povo construindo o Reino de Deus na justiça! RB

Eis que todos nós fomos “vocacionados” neste domingo, quer


dizer, fomos chamados pelo Senhor a abrirmos o ouvido do nosso
coração para a sua doce voz. E o que nos diz a sua voz? Nós a escuta-
mos há alguns minutos quando os irmãos nos proclamaram as Escri-
turas. Façamos memória, |

Recordando a Palavra
O trecho do Evangelho que ouvimos hoje, como já sublinhamos
há dois domingos passados, conclui o capítulo 13 do livro de São
Mateus, o capítulo das parábolas do Reino. Trata-se de três brevís-
simas parábolas: a primeira parábola, a do tesouro escondido, fala
de “um homem que o encontra e o mantém escondido. Cheio de
alegria, vai, vende todos os seus bens e compra aquele campo” onde
ele sabe que está escondido aquele tesouro de inestimável valor, a
segunda parábola compara o Reino dos céus a um comprador de
pérolas preciosas, que “quando encontra uma pérola de grande valor,
vai, vende todos os seus bens e compra aquela pérola”; a terceira é a
parábola da rede lançada para pegar peixe. Ela apanha todo tipo de
peixe e só no fim é que se faz uma seleção. Lembra, na sua estrutura,
a parábola do joio, sobre a qual meditamos domingo passado.
Nestas três últimas parábolas Jesus não enfatiza a expansão nem o
crescimento do Reino, como fez nas parábolas da semente de mostarda
e do fermento, mas ele trata do valor, da preciosidade do Reino. Tal
proposição nos remete imediatamente à primeira leitura: O Senhor
aparece em Gabaon a Salomão, recentemente coroado rei de Israel, e
lhe faz a proposta dos sonhos de todas as pessoas da face da terra: “pede
o que desejas, e eu te darei”. Salomão não desejou para si nem “lon-
gos anos de vida”, o último sonho de consumo da humanidade, “nem
riquezas, nem a morte de seus inimigos”, embora soubesse ser isso tudo
de extrema necessidade para um edificação de um reino, pediu para si
o que era essencial: “Dá, pois, ao teu servo, um coração compreensivo,
capaz de governar o teu povo e de discernir entre o bem e o mal”.
n Roteiros Homiléticos do Tempo Comum | — Ano A - São Mateus

Esta “arte da boa escolha” o salmista a canta. O mandamento do


Senhor se torna o seu maior tesouro. O dom gratuito da lei saída da
boca do Senhor “vale mais do que milhões em ouro e prata”, “mais
que o ouro, muito mais que o ouro fino”. Feita essa escolha os man-
damentos se tornam maravilhosos e a Palavra do Senhor, ao revelar-
-se lhe “ilumina”. Na segunda leitura, Paulo lembra aos romanos a
preciosidade do amor de Deus, que escolhe o homem e o conforma
à imagem do seu Filho. Esse “escolher” da parte de Deus, é mais do
que um simples distinguir entre um e outro, é um predestinar, um
chamar, um justificar, um glorificar.

Atualizando a Palavra
Como as duas parábolas do grão de mostarda e do fermento, ouvidas
domingo passado, não se diferenciam muito entre si, assim também
as parábolas do tesouro e da pérola se assemelham: tanto uma como a
outra nos fazem entender que devemos preferir e estimar o Evangelho
acima de tudo. São João Crisóstomo lembra que “com estas duas
parábolas nós aprendemos não somente que é necessário despojar-se
dos outros bens para abraçar o Evangelho, mas que devemos fazer
esse gesto com alegria. Quem renuncia a quanto possui, deve estar
convencido de que o que faz é um negócio, não uma perda. Vês como
o Evangelho escondido no mundo — prossegue o Santo, boca de ouro
— é comparável a um tesouro, e como esse esconde em si todos os
bens? Se não vendes tudo, não podes conquistá-lo e, se não tens uma
alma que o procura com a mesma solicitude e com o mesmo ardor
com os quais se procura um tesouro, não poderás encontrá-lo”.
Este tesouro, no qual estão escondidos todos os tesouros da sabe-
doria e da ciência (cf. Cl 2,25), é o Verbo de Deus, que se revela se
escondendo no Corpo de Cristo. Quando alguém encontra em Cristo
tão grande verdade, deve renunciar a todas as riquezas deste mundo,

62 João Crisóstomo. Homilia sobre São Mateus. 47, 2, in PG 49, 407.


Novo povo construindo o Reino de Deus na justiça! R

para “possuir” o maior bem que encontrou. “uma só é a pérola de


grande valor — afirma São Jerônimo —, isto é, o conhecimento do Sal-
vador, o sacramento da sua paixão, o mistério da sua ressurreição”.* O
mercador que a descobriu, à semelhança do Apóstolo Paulo, considera
tudo o que tinha vivido até aquele momento como lixo e banalidade
para ganhar a Cristo (cf. Fl 3,8). Não porque a descoberta da nova
pérola comporta em si condenação das antigas, mas porque ao seu con-
fronto, todas as outras pérolas se tornam de muito menor valor. É aqui
que reside todo o segredo do Reino. Não é que as outras realidades
sejam más em si mesmas, elas têm o seu valor justo e bom e podem até
ser lícitas, porém não podem conduzir o homem àquela realidade ou
aquele nível de verdadeira riqueza evangélica que só “aquele tesouro”
e “aquela pérola” podem oferecer.
Eis a grande novidade do Reino, eis o preço do gratuito. O Reino,
isto é Jesus Cristo, o seu conhecimento, “não é algo que possa estar
simplesmente acrescido à nossa vida pessoal, ainda que tomando uma
grande parte de nosso pensamento e de nossa atividade. Só se tem
o verdadeiro cuidado do reino quando este cuidado domina tudo. O
Reino é absoluto: não admite o mais ou menos; não é qualquer coisa
que se possui pela metade, ou da qual se faz uma parte. Só é possuído
quando tudo foi abandonado por ele”.
O Reino é exclusivo, mas não é exclusivista, ele não exclui, não
elimina o humano. À presença de Deus não afasta o humano: ela o
penetra e o transforma. Por isso esta mensagem não se aplica somente
aos religiosos, que pela profissão religiosa, “abandonam tudo”. Esta
proposta é para todo batizado, para todo aquele de boa vontade que
encontrou verdadeiramente Jesus Cristo em seu caminho. Qualquer
estado de vida na Igreja que não tem como meta o encontro deste
grande tesouro, não pode ter tudo, todos os tesouros que se encontram
encerrados neste grande tesouro, nesta-preciosa pérola, Jesus Cristo,

63 Jerônimo. Comentário a Mateus, IH, 13, 44-46 in CCL 78, 107-108.


64 Yves de Montcheuil. Le royaume et ses exigences. Ed. de "Épi, Paris, 1957, p. 33-35.
n Roteiros Homiléticos do Tempo Comum | — Ano A - São Mateus

Ligando a Palavra com a ação eucarística


Eis que daqui a pouco, em clima de ação de graças, nos aproxima-
remos do altar, onde a gratuidade de Deus se revelou plenamente
no altíssimo preço que pagou Jesus por nós. Por quê? Porque nós
nos tornamos para Deus um tesouro e uma pérola pelos quais Ele
foi capaz de tudo dar sem medidas, quando nos deu o próprio Jesus
Cristo, seu único Filho. E agora essa realidade se acentua de modo
particular e espera de nós uma resposta à altura.
Aproximar-se do banquete eucarístico servirá para a humanidade
de sinal que nós escolhemos o que há de mais precioso; ainda que o
nosso tesouro seja aos olhos dos mundo aparentemente “pequeno e
ordinário” sabemos do seu preciosíssimo valor. À Eucaristia, que é o
Corpo e o Sangue de Cristo, oferecidos para a vida do mundo, é para
nós esta “dádiva temporal” que se transforma à cada celebração “remé-
dio para a vida eterna”. À vida é o preço do Dom gratuito do Pai.

Sugestões para a celebração


A Instrução Geral do Missal Romano, falando da “Estrutura geral da
missa” a apresenta da seguinte forma: “Na Missa ou Ceia do Senhor,
o povo de Deus é convocado e reunido, sob a presidência do sacerdote
que representa a pessoa de Cristo, para celebrar a memória do Senhor
ou sacrifício eucarístico. Por isso, a esta reunião local da santa Igreja
aplica-se, de modo eminente, a promessa de Cristo: “Onde dois
ou três estão reunidos no meu nome, eu estou no meio deles” (Mt
18,20). Pois, na celebração da Missa, em que se perpetua o sacrifício
da cruz, Cristo está realmente presente tanto na assembleia reunida
em seu nome, como na pessoa do ministro, na sua palavra, e também,
de modo substancial e permanente, sob as espécies eucarísticas”*,
e nos números seguintes dá uma atenção toda especial ao papel do
presidente da celebração eucarística, enfatizando aquelas orações

65 IGMR, n. 27.
Novo povo construindo o Reino de Deus na justiça! n

e partes da missa que são próprias do sacerdote, isto é, que não podem
ser delegadas sob o pretexto da “participação ativa dos fiéis”. A beleza
da ars celebrandi, consiste exatamente no fato de que cada “membro/
ator” da celebração exerça com dignidade eficiente o seu papel.
“Entre as partes que competem ao sacerdote ocupa o primeiro
lugar a Oração eucarística, cume de toda a celebração. À seguir, vêm
as orações, isto é, a oração do dia (coleta), a oração sobre as oferendas e
a oração depois da Comunhão. O sacerdote, presidindo a comunidade
como representante de Cristo, dirige a Deus estas orações em nome
de todo o povo santo e de todos os circunstantes. É com razão, por-
tanto, 3 que são chamadas “orações presidenciais”,
Em seguida a IGMR dá indicações pastorais de capital importân-
cia para o ministério da presidência, sublinhando a discrição necessária
para que a celebração dos divinos mistério não se torne um momento
de “verbosidade” infinita: “Da mesma forma cabe ao sacerdote, no
desempenho da função de presidente da assembleia, proferir certas
admoestações previstas no próprio rito. Quando estiver estabelecido
pelas rubricas, o celebrante pode adaptá-las um pouco para que aten-
dam à compreensão dos participantes; cuide, contudo, o sacerdote de
manter sempre o sentido da exortação proposta no Missal e a expresse
em poucas palavras. Cabe ao Sacerdote presidente também moderar
a palavra de Deus e dar a bênção final. Pode, além disso, com bre-
víssimas palavras, introduzir os fiéis na missa do dia, após a saudação
inicial e antes do ato penitencial, na liturgia da palavra, antes das lei-
turas; na Oração eucarística, antes do Prefácio, nunca, porém, dentro
da própria Oração; pode ainda encerrar toda a ação sagrada antes da
despedida”.& O adjetivo “brevíssimas”, aplicado às palavras de introdu-
ção da missa e nas outras partes previstas, é de valor inestimável para

66 “Nas celebrações litúrgicas, limite-se cada um, ministro ou simples fiel, exercendo o seu
ofício, a fazer tudo e só o que é de sua competência, segundo a natureza do rito e as leis
litúrgicas”. SC, n. 28.
67 IGMR, n. 30.
68 IGMR, n. 31.
No Roteiros Homiléticos do Tempo Comum | — Ano A - São Mateus

evitar que nas celebrações estas sejam “poluídas” de pequenas homilias


ou explicações desnecessárias, já que o rito deve falar por si mesmo.“
À Instrução prossegue fazendo observações a nível prático, que
têm como pano de fundo, além da delicadeza para com a assembleia,
a importância da semeadura da Palavra que passa, também e de modo
singular pela comunicação verbal. Por fim o número em questão
adverte sobre uma tendência que vem se alastrando pelo Brasil: a do
fundo musical, durante as orações, que segundo o conceito de alguns,
serve para “criar um clima”: “À natureza das partes 'presidenciais' exige
que sejam proferidas em voz alta e distinta e por todos atentamente
escutadas. Por isso, enquanto o sacerdote as profere, não haja outras
orações nem cantos, e calem-se o órgão e qualquer outro instrumento”.”
Ainda sobre a estética vocal da presidência a Instrução adverte
para as orações que são ditas em alta voz e aquelas, conhecidas como
apologia sacerdotis, que são proferidas com voz submissa. As rubricas
às vezes se apresentam de forma meio confusas com relação a essas
apologia sacerdotis, resquícios da influência franco/germânica do VIII
e XIX séculos. Algumas vezes as rubricas indicam que essas orações
sejam ditas em voz baixa, noutros lugares que sejam “proferidas em
silêncio”, uma ou outra forma indica que estas orações não devem ser
“ouvidas” pela assembleia. Diz a IGMR: “Na verdade, o sacerdote,
como presidente, reza em nome da Igreja e de toda a comunidade
reunida e, por vezes, também somente em seu nome para cumprir
o seu ministério com atenção e piedade. Estas orações, propostas
antes da proclamação do Evangelho, na preparação das oferendas e
antes e depois da Comunhão do sacerdote, são rezadas em silêncio”.”
Quanto âquelas na “preparação das oferendas”, convém observar o
que dizem as rubricas do, próprio missal para as situações em que não
se executa um “Cântico para a apresentação das Ofertas”.

69 Cf. SC,n.21 e 34.


70 IGMR, n. 32.
71 IGMR, n. 33.
XVII DOMINGO DO TEMPO COMUM

3 de agosto de 2014

TENHO COMPAIXÃO,

Leituras: Is 55,1-3; Sl 144(145),8-9.15-16.17-18 (R/.cf 16);


Rm 8,35.37-39; Mt 14,13-21.

Situando-nos brevemente
Amados irmãos e irmãs, esse XVIII Domingo do Tempo Comum
se coloca como uma série de domingos nos quais a Igreja se volta de
modo especial para as vocações. À palavra “vocação” tem sua raiz
num termo latino que significa “chamado”. Nesse sentido é significa-
tivo que na metade do mês celebremos a Solenidade da Assunção de
Maria Santíssima, esse ano no domingo 17, porque ela foi a primeira
“vocacionada” por Cristo, se tornando assim o modelo de todos os
batizados, porque todos os batizados foram e são constantemente
convocados à santidade.
O mês não é caracterizado somente como o mês do chamado,
mas também como o mês da resposta. Esta é uma excelente oportu-
nidade para refletirmos sobre como temos respondido ao constante
chamado que Deus nos faz à santidade e ao bem. Não podemos neste
mês dispensar uma atenção “toda especial” às vocações sacerdotais
e religiosas sem fazer o mesmo para com a vocação matrimonial. O
matrimônio é uma escola de santidade, “uma admirável invenção
de Cristo para que a Eucaristia seja vivida a dois”, mas não só, a »72

família é o berço de toda e qualquer grande vocação. Sacerdotes e

72 H. Caffarel. Mariage et eucharistie, in Lnneau d'Or - Le mariage, rout vers Dieu, 117-118,
maio-agosto (1964), p. 242.
E Roteiros Homiléticos do Tempo Comum | — Ano A - São Mateus

religiosos têm a casa paterna/materna como a primeira escola de


teologia e de oração.
É de fundamental importância que nas famílias criemos o hábito
de partir o pão da Palavra como partimos “o pão nosso de cada dia”.
Eis o que nos comunicou a liturgia da Palavra que acabamos de ouvir,
da qual fazemos agora memória.

Recordando a Palavra
Um dia Jesus se tinha retirado sozinho, sobre uma barca, para um
lugar deserto e despovoado, às margens do mar da Galileia. Quando
desembarcou encontrou uma grande multidão que o esperava. Ele
“sentiu compaixão da multidão e curou os seus enfermos”. Falou à
multidão do Reino de Deus. No entanto, sem que se apercebessem,
começou a declinar o dia. Os discípulos, que se sentiam “o pessoal
da logística”, sugeriram que se “despedisse” a multidão para que
as pessoas fossem às aldeias vizinhas comprar o que comer. Jesus,
porém, os desnorteia, dizendo-lhes: “Dai-lhes vós mesmos de comer”.
“Aqui não temos mais que cinco pães e dois peixes”, responderam os
discípulos, pensando que se tratasse, se não de uma insanidade, de
uma brincadeira. Jesus pede que tragam aquilo que aos discípulos
era “somente”. Convida toda a multidão a sentar-se na grama. Pega
os cinco pães e os dois peixes, ora, levantando os olhos para os
céus, dá graças, parte os pães, entrega-os aos discípulos, e estes às
pessoas. “Todos comeram e ficaram satisfeitos. Recolheram as sobras
e encheram doze cestos. Os que comeram eram cinco mil homens,
sem contar mulheres e crianças”. Foi o piguenigue mais fantástico de
toda a história da humanidade.
À primeira leitura, do livro do profeta Isaias, escrito mais de cinco
séculos antes do evento narrado pelo Evangelho, parece descrevê-lo. O
profeta se dirige âqueles que não têm dinheiro e os convida a comprar
trigo e leite sem dinheiro. Aos que têm sede o profeta anuncia um
tempo de saciedade. Pratos suculentos são colocados à disposição dos
Novo povo construindo o Reino de Deus na justiça!

que nada têm. O texto fala de um alguém que será a “testemunha de


Javé para os povos, líder e soberano das nações”. É sua função convo-
car um povo desconhecido e esse povo desconhecido, essa massa anô-
nima o procurará como a multidão fez com Cristo no Evangelho. Esse
alguém encontra sua realização completa em Jesus Cristo.
Por que esse “alguém” opera esse milagre em favor de um povo
sem rosto, desconhecido, que na contagem exclui mulheres e crian-
ças? Porque é capaz de compadecer-se, de preocupar-se, de amar.
Esse amor é louvado por São Paulo na segunda leitura de hoje:
“Quem nos afastará do amor de Cristo: tribulação, angústia, perse-
guição, fome, nudez, perigo, espada?”. Eis uma das mais belas pági-
nas das Sagradas Escrituras. O nosso Deus se move por amor. Essa
também poderá ser hoje a nossa profissão de fé: “Estou convencido
de que nem a morte nem a vida, nem anjos nem potestades, nem pre-
sente nem futuro, nem poderes, nem alturas nem profundidade, nem
criatura alguma nos poderá separar do amor de Deus manifestado
em Cristo Jesus, nosso Senhor”.

Atualizando a Palavra
O que nos ensina então a Palavra de Deus hoje? Ensina-nos o correto
modo de procurar o Senhor. Para ouvir Jesus, o povo abandona suas
aldeias e parece esquecer-se do próprio alimento. Estão na verdade
famintos de uma forma diferente “não fome de pão ou sede de água,
mas de ouvir a palavra do Senhor” (Am 8,11). A Palavra de Deus nos
ensina ainda que Jesus é aquele que “sente compaixão” do homem
todo, compreende o homem e o sacia na sua alma e no seu corpo.
Às almas ele distribui largamente a Palavra que salva, aos corpos ele
cura e proporciona o pão.
Como Jesus opera a multiplicação de tão pouco para tantos? Ele
não usou um truque ou um passe de mágica, não fez um projeto finan-
ceiro para uma entidade rica do outro lado do mar, não enviou um
pedido de ajuda a uma nação rica disposta a partilhar o que lhe sobra
no Roteiros Homiléticos do Tempo Comum | —- Ano À — São Mateus

com os indigentes desse lado do mundo. Não. Ele lançou em primeiro


lugar um desafio, o desafio fez com que os discípulos percebessem
que nem sempre a logística do “despedir os famintos” por causa dos
cálculos e das planilhas é a melhor solução. Então ele faz o convite
à partilha. Ele poderia ter operado o milagre sem precisar “fazer
charme”, colocando os discípulos em situação constrangedora. Mas
o diálogo provocado não era “charme” era “escola”, o discípulo é
aquele que se torna não só testemunha do “milagre”, mas é aquele
que aprende a operar o milagre como faz o mestre. Os discípulos se
colocam, assim, como modestos colaboradores que primeiro têm de
apreciar a insuficiência de seus próprios meios e depois desprender-
-se do pouco que tem.
O que aconteceria aos milhares de famintos espalhados pelo
Brasil e pelo mundo se colocássemos em comum aquilo que a gene-
rosidade da mãe terra tem nos dado sem parcimônia? Como pode-
mos acusar Deus pela fome dos nossos irmãos com as nossa piedo-
sas perguntas “ai, meu Deus, por que tanta miséria no mundo?”,
quando todo ano destruímos milhões de toneladas de sobras de
alimento, que chamamos, sem nenhum escrúpulo, de “excedente”,
para não baixar o preço?
Sabemos que a coisa não é assim tão simples. Têm os interesses
governamentais que não permitem a solidariedade entre as nações
mais ricas e aquelas menos abastadas ou miseráveis. Mas não só.
Corremos o gravíssimo risco de colocar a questão somente em larga
escala. À generosidade e a partilha, características dos nossos pais na
fé, parece que lentamente estão desaparecendo dos vocabulários das
nossas famílias e sociedades cristãs.

Ligando a Palavra com a ação eucarística


Os verbos usados pelo evangelista Mateus e os gestos feitos por Jesus,
são os mesmo usados para a narrativa da ceia: “elevou os olhos”,
“tomou o pão”, “deu graças”, “partiu” e “distribui”. Todos os Padres
» «
Novo povo construindo o Reino de Deus na justiça! R

da Igreja leem neste milagre o prenúncio daquele grande milagre,


o da Eucaristia.
Santo Efrém, o Sírio, comentando este texto diz que “Nosso
Senhor, no deserto, multiplicou o pão, como tinha transformado a
água em vinho, em Caná. Ele assim habituou os seus a seu pão e a
seu vinho, esperando a hora de dar-lhes o seu Corpo e o seu Sangue.
Ele os fez saborear um pão e um vinho transitórios, para excitar neles
o desejo do seu Corpo e do seu Sangue vivificantes. Deu-lhes libe-
ralmente essas coisas menores para que soubessem que o seu Dom
supremo seria gratuito. Deu-lhes gratuitamente pão e vinho, embora
eles pudessem comprá-los, a fim de que soubessem que não lhes
pediria que pagassem uma realidade inestimável”.”
À Igreja aprendeu com o Mestre e a cada domingo partilha com
os batizados, celebração dos divinos mistérios, o pão da Palavra e o
Pão da Eucaristia. Também aqui é válida a pergunta de Jesus: “O que
tendes?”. E nós lhe apresentamos a miséria de poucos pães e de um
pouco de vinho, mas dessa disponibilidade da Igreja, ele faz nascer,
por meio da oração litúrgica, o pão que alimenta para a vida.
A mesa da Eucaristia não nos exclui dos compromissos para com os
famintos desabrigados e pobres da nossas sociedade, ela se torna uma
escola. À Sagrada Liturgia, que certamente merece o melhor do que
cada um pode oferecer, deve também nos ensinar a oferecer o melhor
a Jesus, que se esconde no irmão marginalizado. Ensina-nos São João
Crisóstomo: “Não consideremos suficiente para a realização da nossa
salvação apresentar à mesa sagrada um vaso de ouro enriquecido de
pedrarias, após havermos despojado as viúvas e os órfãos. [...] Não
tenhamos, pois, por cuidado único oferecer cálices de ouro, mas cáli-
ces adquiridos com justiça... À Igreja não é um museu de ouro e de
prata; é uma assembleia. Não era de ouro a mesa, não era de ouro o
cálice em que Cristo ofereceu aos discípulos o seu sangue a beber e, no
entanto, tudo não era menos precioso, nem menos digno de respeito,

73 Efrém. Comentário sobre o evangelho de Mateus. in SCh 121, p. 213.


n Roteiros Homiléticos do Tempo Comum | — Ano A - São Mateus

porque tudo estava cheio do Espírito divino, Quereis glorificar o corpo


do Salvador? Não o menosprezeis quando o virdes coberto de trapos;
após o terdes honrado na igreja com vestes de seda, não o deixeis fora
sofrer o frio e a miséria... Ainda uma vez, prossegue o santo, Deus não
precisa de cálices de ouro, mas de almas de ouro”.

Sugestões para a celebração - TT

Um elemento que cada vez mais se distancia da nossa realidade de


assembleias litúrgicas é o silêncio. Criamos, infelizmente, as catego-
rias de “missas boas”, o que corresponde a “missa barulhenta”, onde
se fala o tempo todo ou onde todo espaço é preenchido por cânticos
“animados”, e “missas mortinhas”. Dessa forma excluímos do nosso
contexto ritual aquele elemento fundamental que a SC chama de
“sagrado Silêncio”.”? Convém observar o que prescreve a IGMR
sobre esse elemento sagrado no rito litúrgico.
“Oportunamente, como parte da celebração deve-se observar o
silêncio sagrado. À sua natureza depende do momento em que ocorre
em cada celebração. Assim, no ato penitencial e após o convite à oração,
cada fiel se recolhe; após uma leitura ou a homilia, meditam breve-
mente o que ouviram; após a comunhão, enfim, louvam e rezam a
Deus no íntimo do coração.
Convém que já antes da própria celebração se conserve o silêncio
na igreja, na sacristia, na secretaria e mesmo nos lugares mais próxi-
mos, para que todos se disponham devota e devidamente para reali-
zarem os sagrados mistérios”.
A Liturgia da Palavra é um espaço propício para o exercício
4

desta fonte de graça, que é o silêncio: “A liturgia da palavra deve ser


celebrada de tal modo que favoreça a meditação; por isso deve ser de
todo evitada qualquer pressa que impeça o recolhimento. Integram-na

74 João Crisóstomo. Homilia 50a sobre o evangelho de são Mateus. 2-4, in PG 53, 347,
75 SC,n. 30.
76 IGMR, n. 45.
Novo povo construindo o Reino de Deus na justiça!

também breves momentos de silêncio, de acordo com a assembleia reu-


nida, pelos quais, sob a ação do Espírito Santo, se acolhe no coração
a Palavra de Deus e se prepara a resposta pela oração. Convém que
tais momentos de silêncio sejam observados, por exemplo, antes de
se iniciar a própria liturgia da palavra, após a primeira e a segunda
leitura, como também após o término da homilia”.”

77 IGMR, n. 56.
XIX DOMINGO DO TEMPO COMUM

10 de agosto de 2014

CORAGEM! SOU EU. NÃO TENHAIS MEDO!

Leituras: IRs 19,9a.11-13a; Sl 84(85),9ab-10.11-12.13-14 (R/. 8);


Rm 9,1-5; Mt 14,22-33.

Situando-nos brevemente
É domingo, o dia do Senhor ressuscitado, mas não só, este é também
o dia da Igreja por excelência. Faz sentido que seja assim porque a
Igreja é o corpo do Cristo ressuscitado, ela é o sinal visível da presença
do Cristo entre os homens, ela é o sinal do advento do Reino; pelos
seus sacramentos o Cristo continua vivo e operante entre nós.
O Catecismo da Igreja Católica ensina que “já presente na sua
Igreja, o Reino de Cristo ainda não está consumado 'com poder
e grande glória” (Lc 21,17) pelo advento do Reino na terra. Esse
Reino é ainda atacado pelos poderes maus, embora estes já tenham
sido vencidos em suas bases pela Páscoa de Cristo. Enquanto tudo
não for submetido, 'enquanto houver novos céus e a nova terra, nos
quais habita a justiça, a Igreja peregrina leva consigo nos seus sacra-
mentos e nas suas instituições, que pertencem à idade presente, a
figura deste mundo que passa e ela mesma vive entre as criaturas
que gemem e sofrem dores de parto até o presente e aguardam a
manifestação dos filhos de Deus”. Por este motivo os cristãos oram,
sobretudo na Eucaristia, para apressar a volta de Cristo dizendo-
lhe: “Vem, Senhor”?

78 CIgC, n. 671.
Novo povo construindo o Reino de Deus na justiça! N

Precisamente desta “imagem da Igreja” nos falou a Liturgia da


Palavra deste domingo. Esta mesma mensagem a “ouviremos” e a
“reconheceremos” nos dois grandes Santos que marcarão a nossa
semana: Santa Clara de Ássis, que celebraremos amanhã, 11 de
agosto, e São Maximiliano Maria Kolbe, que faremos memória do
seu martírio, no dia 14, quarta-feira próxima.
O que nos ensina esta mensagem de Jesus sobre si e sobre a
Igreja, neste XIX domingo do Tempo Comum?

Recordando a Palavra
O texto do Evangelho de hoje sucede imediatamente o texto do
Evangelho de domingo passado, do qual faz explícita referência:
“Depois da multiplicação dos pães”. Mateus prossegue dizendo que
Jesus “ordenou” que os discípulos embarcassem para a outra margem
do mar, enquanto ele mesmo se encarregava de despedir a multidão
saciada do pão da palavra e do pão do corpo. Depois Jesus, como de
costume se coloca em oração até as “altas horas” da noite. Terminada
a oração, Jesus se dirige ao encontro com os seus, caminhando por
sobre o mar, enquanto isso um forte vento se abatia sobre a barca dos
discípulos e as ondas ameaçavam engoli-la. Uma cena cômica acontece
com os discípulos que vendo Jesus, pensam se tratar de um fantasma e
se põe a gritar; então Jesus diz a célebre frase, que nos diz a nós nesta
Eucaristia: “Coragem! Sou eu. Não tenhais medo”. Pedro se oferece
para ir até Jesus caminhando sobre as águas, mas por medo começa a
afundar. Pedro não tem medo porque começa a afundar, mas Pedro
começa a afundar porque tem medo. O medo é o maior de todos os
males. Ele é o contrário não só da confiança, mas é o contrário do
amor, porque quem ama não tem medo. Mas da goela de Pedro sai
uma das mais belas orações da Sagrada Escritura: “Senhor, salva-me”,
Pedro, como Jesus na eminência da morte reza os salmos: “Salva-me,
ó Deus, pois a água sobe até o meu pescoço. Estou atolado no lodo
profundo, onde não posso ficar de pé; caí nas águas profundas e as
Roteiros Homiléticos do Tempo Comum | — Ano A — São Mateus

ondas me arrastam. Cansei-me de gritar, minha voz ficou rouca, meus


olhos se consomem à espera do meu Deus”.” Jesus exorta Pedro, sobe
na barca, os ventos se acalmam e os discípulos todos prostrados se
dirigem a Jesus dizendo: “verdadeiramente, tu é o Filho de Deus”.
Essa frase dos discípulos não é somente uma profissão de Fé pascal,
mas é também uma “oração sálmica”: “O Senhor para nós é refúgio
e vigor, sempre pronto, mostrou-se um socorro na angústia, assim
não tememos, se a terra estremece, se os montes desabam, caindo nos
mares, se as águas trovejam e as ondas se agitam, se, em feroz tempes-
tade, as montanhas se abalam. Conosco está o Senhor do universo!
O nosso refúgio é o Deus de Jacó!”.*º
Esta “oração sálmica” unida à calmaria que acontece quando o
Senhor “entra” na barca, nos remete imediatamente à experiência de
Deus feita pelo profeta Elias no monte Horeb, como nos narrou a
primeira leitura. Deus se manifesta ao profeta, não no trovão, no
vento impetuoso e forte que desestabiliza as montanhas e quebra os
rochedos, nem no terremoto, mas na suavidade da brisa. É um Deus
que surpreende sempre. O Senhor passa tão suavemente que pode
ser despercebido por quem o busca nos fatos extraordinários, quando
na verdade Ele se revela na cotidianidade, no comum, no simples.
Ele não vem como “um fantasma”, ou como uma visão, Ele vem com
rosto humano. É Ele na criança do presépio, é Ele no adolescente no
templo entre os doutores, é Ele o que chora a morte de Lázaro e se
comove com o choro da viúva da cidade de Nain, é Ele desfigurado
na Cruz, é Ele escondido na hóstia branca e sem gosto que recebere-
mos como alimento daqui a pouco.

Atualizando a Palavra
Irmãos e irmãs caríssimos, os fatos do Evangelho não foram escritos
para servirem somente como histórias para serem contados e

79 S169,2-4.
80 S145,2-4.
Novo povo construindo o Reino de Deus na justiça! R

recontados, mas, acima de tudo, para serem revividos pela comuni-


dade. Assim todas as vezes que escutamos o Evangelho na Igreja,
somos convidados a entrar na cena do Evangelho, a nos identifi-
carmos com os personagens, a ler a nossa história à luz do Evangelho.
Os gestos e as palavras, as circunstâncias e os acontecimentos
devem nos comunicar o mistério e nos ensinar a vivermos a vida
cristã à imitação daquele do qual temos o nome impresso em nós
pelo batismo.
Assim a primeira coisa que dos atos de Jesus neste Evangelho
aprendemos é que depois de um milagre ele sempre despede a multi-
dão, para nos ensinar a fugir da procura de aplausos ou de pensarmos
que “o povo é nosso”, para evitar o monopólio, para “nos ensinar
a não procurar de nenhuma maneira a glória dos homens e não se
arrastar atrás das multidões”.” Naquele fim de tarde ele “empurrou”
a barca para o mar, hoje ele “empurra” a Igreja para o vasto mar do
mundo e ensina a necessidade da oração sincera, solitária, íntima e
pessoal. Oração que é encontro, livre da agitação do mundo. Essa
oração transfigura o homem, o faz caminhar por sobre o mar, vencer
os ventos e as tempestades. À solidão orante, escreve S. João Cri-
sóstomo, é a mãe de toda pacificação, é um porto tranquilo que nos
coloca em segurança de todo o tumulto.*?
Jesus não aparece imediatamente para libertar os seus dos tor-
mentos para ensiná-los a crer e a suportar com coragem as tempes-
tades da vida. Quantas vezes a nossa vida não se parece com aquela
barca agitada por causa do “vento contrário”? À barca em dificul-
dade pode ser o matrimônio, o trabalho, a saúde, a vocação, a escola,
a amizade... O “vento contrário” que sopra na direção oposta do
nosso objetivo pode ser a hostilidade e incompreensão das pessoas,
a mudança de sorte, a dificuldade de relacionamento, de diálogo, de
compreensão, a dificuldade de encontrar um emprego, uma casa, etc.

81 João Crisóstomo. Homilia sobre São Mateus, in PG 49, 3; 50, 1-2.


82 João Crisóstomo. Homilia sobre São Mateus.
n Roteiros Homiléticos do Tempo Comum | - Ano A - São Mateus

Talvez no começo esse “vento contrário” fosse enfrentado com cora-


gem, mas depois, vendo que a provação se alonga sempre mais, se
tornando sempre mais difícil, vai-se, lentamente, perdendo o ânimo,
a coragem de lutar. Daí se começa a afundar. Se afunda na vida não
por medo de estar afundando, mas se está afundando porque se deixa
amedrontar. O medo faz afundar todas as coisas. O medo faz com
que façamos confusão e, muitas vezes, faz com que transformemos
nossa salvação em fantasmas. Nestas horas nos salva a oração: “E
gritaram de medo”.
Para não cairmos na tentação de buscar o Senhor no “sensacional”
(trovão, raios, visões, milagres, sensacionalismo, etc. — cf. I leitura) ele
nos fala: “Coragem! Sou eu. Não tenhais medo”. Quando, por causa
da escuridão da noite que atravessamos, ou por causa do medo que nos
aterroriza, não conseguirmos reconhecer o Senhor que está acima do
mar que quer nos engolir, a sua Palavra vem em nosso auxílio.
Revela-se a eles somente depois que começaram a gritar.
Desse modo, quanto maior foi o terror que os atingiu, muito mais
se alegram ao vê-lo. À oração unida à escuta da Palavra nos livra
das tempestades. Só então se pode dizer como Pedro: “Manda-me
ir ao teu encontro”. Pedro não pede antes de tudo para “caminhar
sobre as águas”, antes de tudo ele pede para caminhar ao encontro do
Senhor. Aí sim, quando se caminha ao encontro do Senhor, se pode
caminhar sobre as águas, caso contrário, não se encontra firmeza e
estabilidade para os pés. O grande milagre não está em caminhar por
sobre as águas, o grande milagre está em caminhar para o Senhor.
Eis o grande segredo da alegria de Pedro, que deve ser também o
nosso: não temos plena alegria por “caminhar sobre o mar que nos
tenta afogar”, temos plena alegria porque “caminhamos para Aquele
que nos faz caminhar sobre o mar que tenta nos afogar”.
Mas, como acontece ordinariamente, não nos assustamos com
as coisas grandes, nos aterrorizamos com as pequenas. Assim Pedro
não teve medo de afundar-se no mar, mas fraquejou na fé “quando
Novo povo construindo o Reino de Deus na justiçal Rn

sentiu o vento”. Venceu a violência do mar, apavorou-se com o sopro


do vento. Assim é a natureza humana. Apavorou-se Pedro, mesmo
estando próximo de Jesus. Não serve estarmos fisicamente próximos
do Salvador se lhe estamos distantes pela fé.
Por que o Senhor lhe estende a mão no lugar de fazer o vento
cessar? Para ensinar-nos que não é o ímpeto do vento que faz o cris-
tão afundar, sucumbir, mas a pobreza da fé é o real motivo do nosso
“afundar” na vida. Jesus lhe diz: “Homem fraco na fé, por que duvi-
daste?”. Se Pedro não tivesse fraquejado na fé teria suportado tam-
bém o vento. À prova disto é que o Senhor, mesmo depois de ter
pegado Pedro pela mão, deixou que o vento continuasse a “esmurrar”
com toda a sua força, para manifestar que esse não poderia absoluta-
mente fazer Pedro submergir, se a sua fé fosse mantida firme.

Ligando a Palavra com a ação eucarística


Feita a experiência transformante, sai de cena Pedro e entram
em cena “todos os que estavam no barco”. À profissão de fé é comu-
nitária, eclesial.
Nós, como Pedro e os seus companheiros, estamos na barca da
Igreja que navega no mar deste imenso mundo, e experimentamos as
levas “das águas do mar da vida” que nos querem afogar. A Eucaris-
tia se nos apresenta em meio a essa grande cena da nossa existência
como “a mão estendida do Senhor” para nos soerguer e nos livrar dos
nosso medos, dos nossos temores.
À Eucaristia é Jesus ressuscitado que nos estende sua mão e diz
não ser um fantasma, mas sim aquele, que como fez aos discípulos de
Emaús, nos revela as Escrituras e parte o Pão para nós. Aproximar-
-se da Eucaristia é aceitar caminhar sobre as águas, é viver da alegria
de saber que toda a segurança está em saber para onde se caminha e
não simplesmente por onde se caminha. Estender a mão para receber
a Eucaristia é reconhecer publicamente nele a voz que diz: “Cora-
gem! Sou eu. Não tenhais medo”,
Fe Roteiros Homiléticos do Tempo Comum | — Ano A — São Mateus

Sugestões para a celebração


Sendo a Oração eucarística o centro sobre o qual gravita toda o culto
cristão, sugerimos observar a composição desta “verdadeira escola de
oração”. O número 79 da Instrução Geral do Missal Romano nos
apresenta os principais elementos que a compõem:
a) Ação de graças (expressa principalmente no Prefácio) em que o
sacerdote, em nome de todo o povo santo, glorifica a Deus e
lhe rende graças por toda a obra da salvação ou por um dos seus
aspectos, de acordo com o dia, a festividade ou o tempo.
b) A aclamação pela qual toda a assembleia, unindo-se aos espíritos
celestes canta o Santo. Esta aclamação parte da própria Oração
eucarística, é proferida por todo o povo com o sacerdote.º*
c) 4 epiclese, na qual a Igreja implora, por meio de invocações
especiais a força do Espírito Santo, para que os dons oferecidos
pelo ser humano sejam consagrados, isto é, se tornem o Corpo
e Sangue de Cristo, e que a hóstia imaculada se torne a salvação
daqueles que vão recebê-la em Comunhão.
d) Anarrativa da instituição e consagração, quando pelas palavras e
ações de Cristo se realiza o sacrifício que ele instituiu na última
Ceia, ao oferecer o seu Corpo e Sangue sob as espécies de pão e
vinho, e entregá-los aos apóstolos como comida e bebida, dando-
“lhes a ordem de perpetuar este mistério.

83 Atenção: o número 78 da IGMR lembra que a oração eucarística se abre com o “Diálogo
Introdutório ou Diálogo Invitatório”. Diz: “Inicia-se a Oração eucarística, centro e ápice de
toda a celebração, prece de ação de graças e santificação. O sacerdote convida o povo a elevar
os corações ao Senhor na oração e ação de graças e o associa à prece que dirige a Deus Pai,
por Cristo, no Espírito Santo, em nome de toda a comunidade. O sentido desta oração é que
toda a assembleia se una com Cristo na proclamação das maravilhas de Deus e na oblação do
sacrifício. À oração eucarística éxige que todos a ouçam respeitosamente e em silêncio”.
84 Convém recordar que o Prefácio é parte integrante da oração eucarística. Nós do rito romano
temos dois tipos de oração eucarística: orações com prefácio próprio (por ex. as OE II, IV, V)
e orações com prefácios móveis (por ex. as OE Ie III). Pastoralmente durante a concelebração
se o presidente da eucaristia precisar anunciar o número da oração eucarística, por causa
da mobilidade do prefácio usado, deve fazê-lo antes do diálogo invitatório e não depois do
Sanctus, para evitar uma separação entre o prefácio e o “Canon”.
Novo povo construindo o Reino de Deus na justiça! R

e) A anamnese, pela qual, cumprindo a ordem recebida do Cristo


Senhor através dos Apóstolos, a Igreja faz a memória do próprio
Cristo, relembrando principalmente a sua bem-aventurada pai-
xão, a gloriosa ressurreição e a ascensão aos céus.

4 oblação, pela qual a Igreja, em particular a assembleia atu-


almente reunida, realizando esta memória, oferece ao Pai, no
Espírito Santo, a hóstia imaculada; ela deseja, porém, que os
fiéis não apenas ofereçam a hóstia imaculada, mas aprendam a
oferecer-se a si próprios, e se aperfeiçoem, cada vez mais, pela
mediação do Cristo, na união com Deus e com o próximo, para
que finalmente Deus seja tudo em todos.”
g) As intercessões, pelas quais se exprime que a Eucaristia é cele-
brada em comunhão com toda a Igreja, tanto celeste como ter-
restre, que a oblação é feita por ela e por todos os seus membros
vivos e defuntos, que foram chamados a participar da redenção e
da salvação obtidas pelo Corpo e Sangue de Cristo.

h) A doxologia final que exprime a glorificação de Deus, e é confir-


mada e concluída pela aclamação “Amém” do povo.

85 Aqui sim acontece o “ofertório” da missa.


E» NRP

XX DOMINGO DO TEMPO COMUM


Solenidade da Assunção da
Bem-Aventurada Virgem Maria

17 de agosto de 2014

RAINHA DOS CÉUS, ALEGRAIL-VOS. ALELUIA!

Leituras: (Missa do dia) Ap 11,19a; 12,1.2.-6a.10ab;


SI 44(45),10bc.11.12ab.16 (R/. 10b);
1ICor 15,20-27a; Lc 1,39-56.

Situando-nos brevemente
Caros irmãos e irmãs, por motivos pastorais, a Igreja no Brasil
transfere a Solenidade da Assunção de Nossa Senhora, do dia 15 de
agosto para o domingo seguinte a essa data. Portanto, hoje, 17 de
agosto, como é já sabido, o XX Domingo do Tempo Comum, cede
lugar a esta grande Solenidade.
É conveniente lembrar que é sempre Páscoa. Este domingo é
o dia em que celebramos a ressurreição do Senhor, na qual está
inserido o mistério que hoje celebramos. É o dia em que celebramos
também o prenúncio da nossa ressurreição, e esta Solenidade nos
aponta para isso. O Catecismo da Igreja Católica nos lembra que
“a Imaculada Virgem, preservada imune de toda mancha da culpa
original, terminado o curso da vida terrestre, foi assunta em corpo
e alma à glória celeste. E, para que mais plenamente estivesse
conforme a seu Filho, Senhor dos senhores e vencedor do pecado
e da morte, foi exaltada pelo Senhor como Rainha do universo.
A Assunção da Virgem Maria é uma participação singular na
Novo povo construindo o Reino de Deus na justiça!

Ressurreição de seu Filho e uma antecipação da ressurreição dos


outros cristãos”.ºº
O dogma da Assunção de Maria foi definido pelo papa Pio
XII, em 1950. À Igreja, na verdade, celebra neste dia a realização do
“Mistério Pascal” de Cristo na Virgem Maria, a “cheia de graças”,
sem mancha alguma do pecado original, aquela que o Pai quis asso-
ciar à ressurreição de Jesus, o Filho de ambos.
Olhemos com atenção para os textos da Sagrada Liturgia e apren-
damos que frutos colhemos da Solenidade que agora celebramos.

Recordando a Palavra
Às três leituras que acabamos de ouvir, todas do Novo Testamento,
nos falam muito vivamente dos valores da assunção de Nossa Senhora,
nos revelam o lugar que tal mistério, que agora celebramos, ocupa no
plano da salvação e nos ensinam como vivermos plenamente a nossa
humanidade que encontra seu termo no mesmo lugar que a Mãe de
Deus encontrou o seu.
Na primeira leitura, tirada do livro do Apocalipse, João nos fala
de uma das suas visões, imagem de Maria, imagem da Igreja. Ele vê,
em primeiríssimo lugar, o Templo contendo a “arca da aliança”, depois
vê “uma mulher vestida de sol, tendo a lua debaixo dos pés e sobre a
cabeça uma coroa de doze estrelas”. A mulher está grávida e prestes a
dar à luz. “Ela deu à luz um filho homem, que veio para governar todas
as nações”. À mulher é perseguida por um grande dragão. O Filho foi
levado para junto de Deus e a mulher levada para o lugar que “Deus
lhe tinha preparado”. O texto joanino se conclui mostrando que esse
evento é a síntese da história da salvação: “Agora realizou-se a salvação,
a força e a realeza do nosso Deus, e o poder do seu Cristo”,
Na segunda leitura Paulo coloca a ressurreição de Cristo não
como única, mas como “primícia”, isto é, como primeira, como

86 ClgC, n. 966.
No Roteiros Homiléticos do Tempo Comum | — Ano A — São Mateus

inauguração de uma série que se eleva ao infinito: “Como em Adão


todos morreram, assim também em Cristo todos reviverão”. Existe
uma ordem sequencial necessária, segundo Paulo: “em primeiro lugar
Cristo; depois os que pertencem a Cristo”. Assim Paulo anuncia com
determinação a morte da morte.
Na terceira leitura vemos a belíssima cena de uma jovem, que
apenas soube que estava grávida do Filho de Deus, “naqueles dias,
partiu para a região montanhosa, dirigindo-se apressadamente” para
servir à sua prima idosa Isabel, também ela grávida. Isabel ao vê-la
fica cheia do Espírito Santo e “com grande grito exclama” a frase
mais repetida em todo o mundo: “Bendita és tu entre as mulheres e
bendito é o fruto do teu ventre!” e conclui a sua “gritaria” com uma
das primeiras profissões de fé pascais registradas pelos cristãos pri-
mitivos: aquela jovem de nome Maria está grávida do seu “Senhor”.
Como toda pessoa apaixonada, Maria que estava apaixonadíssima
por Deus, cantou o seu belo hino, repetido pela Igreja todos os dias
ao crepúsculo: o Magnificat. O trecho do Evangelho se conclui com
uma frase significativa para a Solenidade que ora celebramos: Maria
“voltou para casa”.

Atualizando a Palavra
Isso mesmo, a Solenidade da Assunção de Maria não é outra
L

coisa senão a celebração do seu retorno para a casa e a prefigu-


ração do nosso. Maria é a “arca da nova aliança”, ou seja, no seu
ventre guardou Aquele que por seu sangue nos colocaria definitiva-
mente em comunhão com Deus pelo sangue derramado na cruz. À
afirmação de João é maravilhosa: “Ela é uma mulher”, filha, esposa,
mãe, serva e rainha, isto equivale a dizer que ela é gente como a gente.
Ela é figura de toda pessoa humana que diz sim à vocação da vida,
figura de todo aquele que diz sim à Vida, Jesus Cristo. Assim ela
se torna imagem da Igreja, sempre grávida de Jesus Cristo, sempre
perseguida pelos sistemas de morte, pelo dragão que quer devorar
Novo povo construindo o Reino de Deus na justiça! EB

os seu Filho, isto é, que quer impedir sua mensagem, que quer fazer
“abortar” sua missão. Por isso ela foi levada, segundo o mistério que
hoje celebramos, ao “lugar que Deus lhe tinha preparado”. O que
é ressuscitar senão está plena e eternamente junto de Deus? Quem
com ele está já ressuscitou, que dele se afasta já se declara morto.
Assim a Virgem da Assunção se torna anúncio e meta final
da redenção: a glorificação da humanidade em Cristo. “Muitos não
gostam de ouvir falar em 'salvação das almas”, escreveu alguém.
Expressando-se assim, parece-lhes que a vida, com suas cores,
sabores e complementos que a tornam agradável, vá desaparecer,
parece-lhes que o corpo não serve para nada. Têm razão, porque
não será assim. Maria, assunta ao céu é garantia de que o homem
todo se salva, de que os corpos ressurgirão. Para os cristãos a salva-
ção é ressurreição dos corpos, um mundo novo e uma terra nova”.*”
Eis porque João disse ter visto no céu “uma mulher”, Essa mulher/
humanidade é elevada na sua completude, expressou a oração da
coleta desta missa: “Elevaste à glória do céu em corpo e alma a
imaculada Virgem Maria”,
Essa “mulher/humanidade” se expressa através do canto. O seu
cântico é profético ele nos ensina a olhar a história do mundo e, con-
sequentemente, a nossa história pessoal, com outros olhos. Deus é
visto como Senhor, todo-poderoso, santo e ao mesmo tempo visto
como um Deus próximo e pessoal “meu salvador”; excelso e trans-
cendente e ao mesmo tempo cheio de zelo e amor pelas suas criatu-
ras. O cântico também evidencia a triste realidade de divisão que se
acentua sempre mais no mundo: potentes e humildes, ricos e pobres,
fartos e famintos, mas não se detém em contemplar como expectador
indiferente a catástrofe da calamidade mundial, anuncia a reviravolta
que Deus decidiu operar em Jesus Cristo entre essas “categorias”:
“Derrubou dos tronos os poderosos...”.

87 Comentário in Missal dominical, missal da assembleia cristã. Paulus, São Paulo, 1995, p. 1346.
No Roteiros Homiléticos do Tempo Comum | — Ano A — São Mateus

No seu cântico, Maria fala de si: “Doravante todas as gerações


me chamarão bem-aventurada”. “Desta glorificação de Maria somos
nós mesmos testemunhas 'oculares'. Que criatura humana foi mais
amada e invocada, na alegria, na dor e no pranto, qual nome é aflo-
rado mais do que o seu sobre os lábios dos homens? Não é isto o
equivalente a chamá-la bem-aventurada? À qual criatura, depois
de Cristo, têm os homens elevado mais orações, hinos, catedrais?
Que rosto se procurou reproduzir na arte mais do que o seu?”.*
Qual homem ou mulher tem na face da terra mais títulos do que ela?
À ela recorrem os homens, as mulheres, as crianças, os jovens,
os anciãos. À ela se recorre no período do plantio e da colheita,
da chuva e da seca, na hora do parto e da partida, em tempos de
vestibular e primeiro dia de aula, nas festas e nos funerais, nos tem-
pos de bonança e de catástrofes, no pranto e na alegria, na esperança
e no desespero. Ela é a Senhora da boa viagem, do bom parto, da
boa morte, das luzes, da guia, das dores, das alegrias ou dos prazeres.
Ela tem o rosto de cada povo: é de Lourdes, é de Fátima, é de Gua-
dalupe, é Aparecida no Brasil. À seus pés encontram refúgios freiras
e prostitutas, padres e cafetões, papas e ateus, cristãos e muçulmanos.
Todas as línguas hoje cantam: “Rainha dos céus, alegrai-vos |

Ligando a Palavra com a ação eucarística


“Através dela, a eternidade rejuvenesce, aparecendo-nos sob a forma
de uma criança”*, mas não só, a eternidade que rejuvenesceu através
dela, hoje se torna alimento para nós.
Na eucaristia temos o pão da imortalidade que se identifica com
o pão nosso de cada dia. Identifica-se sem confundir-se. À eucaristia
é precisamente o sinal e a garantia cotidiana daquela salvação que
eleva o homem todo, na sua realidade complexa. Esse pão resgata

88 R. Cantalamessa. Dal vangelo alla vita. PPEMME, Milano, 2012, p. 408.


89 D. Fulton e J Sheen. O primeiro amor do mundo. Editora Educação Nacional, Porto, 1955,
p. 171.
Novo povo construindo o Reino de Deus na justiça! RB

o homem da corruptibilidade da morte e o introduz de forma ante-


cipada na dimensão dos ressuscitados. E pela comunhão nesse sacra-
mento que de forma antecipada chegamos à glória da ressurreição.

Sugestões para a celebração”

No dia 3 de abril de 1969, o papa Paulo VI, com a promulga-


ção da Constituição Apostólica Missale Romanum, aprovou o novo
Missal Romano, reformado de acordo com os paradigmas deseja-
dos pelo Concílio Vaticano II, lembrando que o novo missal está
em perfeita continuidade com o precedente, que durante quatro
séculos, não só havia “dado aos sacerdotes de rito latino a norma
para a celebração do sacrifício eucarístico”, mas que tinha sido uma
fonte onde inúmeros santos havia encontrado substrato para nutrir
sua piedade para com Deus.”

A cada dia a Igreja abre e reabre as páginas do Missal porque


nas suas fórmulas essa encontra há séculos aquela oração litúrgica
que celebra o memorial do seu Senhor, que morreu e ressuscitou. À
Igreja continuará até o fim a abri-lo e reabri-lo para fazer memória
dos acontecimentos da salvação; para obedecer ao mandamento de
Jesus de celebrar na fidelidade o mistério de sua Páscoa; para fazer
presente em todo tempo e lugar aquela graça santificante que flui de
cada Eucaristia, de cada sacramento.
À fé viva e eficaz da Igreja, reunida em torno dos seus pastores,
dá vida a cada texto que passa pelos lábios —, ontem, em latim, agora
felizmente em nossa língua — daquele que preside a ação litúrgica.
“Sem a eficácia desta fé e deste amor, as inúmeras orações, antigas
e recentes, do Missal se assemelhariam aos ossos secos da visão de

90 J. Pereira. Dilata os tuum et implebo illud (Ps. 80, 11), 1 vocalizzare, il mangiare e il baciare, atti
della bocca nella celebrazione eucaristica: fonti di spiritualitã per la vita cristiana, Tesi di licenza in
Sacra Teologia con specializzazione in Liturgia Pastorale. S. Giustina, Padova 2012, p. 29-30, n.e.
91 Cf. Paulo VI, Missale Romanun, const. ap. 3 de abril 1969, in EnchVat 3, n. 996-1008.
N Roteiros Homiléticos do Tempo Comum | — Ano A — São Mateus

Ezequiel: o sopro da devoção, que vem da presença de Cristo e do


poder do Espírito Santo infunde novidade e eficácia neles”.??

O Missal é o livro da celebração da memória da história da sal-


vação, que permite à Igreja recordar a manifestação do seu Senhor
no tempo tornado sagrado, e indica o esquadrinhamento deste para
atualizá-lo periodicamente. É próprio do Missal recordar a gloriosa
tradição dos santos da Igreja, para marcar a vida cristã em suas diver-
sas fases, acompanhar o batizado em seu caminho sacramental, e
predispor o povo de Deus em peregrinação para a terra prometida,
a viver com “Eucaristia” as necessidades e circunstâncias especiais,
e alimentar a sua esperança para a chegada da Páscoa definitiva de
cada homem. “E assim, abrindo o missal, a Igreja canta sua alegria,
revela sua espera, dá graças, implora pela presença do seu Senhor
e suspira o cumprimento da salvação no retorno de seu Esposo. O
missal é o sinal da fidelidade esponsal da Igreja e de sua piedade”.
Dada a importância do Missal é bom que em cada assembleia
litúrgica esse “instrumento” seja valorizado, não substituindo pelo
jornalzinho, ou livrinhos feitos para as determinadas celebrações.
Que as suas fórmulas sejam bem pronunciadas e proferidas sem alte-
rações desnecessárias e que as rubricas sejam observadas com inte-
ligência. A Igreja também expressa sua atenção para com o Missal
quando o guarda com cuidado e zelo nas sacristias, sabendo que se
trata do livro por excelência da oração da Igreja.

92 1. Biffi. 1) messale libro della preghiera della chiesa. in RL 10 (1976), p. 831.


93 1. Biffi. 1) messale libro della preghiera della chiesa. p. 831.
E

XXI

24 de agosto de 2014

A MISSÃO DO DISCÍPULO QUE PROFESSA A FÉ EM CRISTO — O FILHO DE DEUS.

Leituras: Is 22,19-23; Salmo Responsorial: Sl 137(138);


Rm 11,33-36; Evangelho: Mt 16,13-20.

Situando-nos brevemente
Domingo da profissão de fé de Simão Pedro. Animados pela
presença do Ressuscitado em nossa caminhada de discípulos, somos
convidados a proclamar a fé e a recordar o sentido de nossa missão.
Jesus é o Messias inteiramente devotado ao serviço do projeto do
Pai, que é o de salvar a todos. Os que assumem esse projeto tornam-se
agentes promotores da vida e servidores do bem comum, libertando
as pessoas das forças do mal. No exercício da missão, os discípulos de
Jesus se veem envoltos em situações delicadas que requerem muita fé.
O anúncio da Boa-Nova do Reino exige dos discípulos e missioná-
rios convicção profunda, mas, em certos momentos, eles fraquejam e
sentem-se impotentes.
Celebra-se o mistério da páscoa de Jesus Cristo que se manifestou
em todas as pessoas e grupos que professam sua fé em Jesus e tornam-se
testemunhas do Reino. Conscientes de nossa pobreza e fragilidade, dispo-
nhamo-nos à graça de Deus que nos faz proclamar a mesma fé de Simão
Pedro: “Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo”. Recordamos com carinho
neste dia os vocacionados para os ministérios e serviços na comunidade.
Recordemos, hoje, os catequistas em sua importante missão de
educadores da fé.
' Roteiros Homiléticos do Tempo Comum ! — Ano A — São Mateus

Recordando a Palavra
Jesus e os discípulos chegam nas imediações de Cesareia de Filipe,
a cerca de 50 quilômetros do lago de Genesaré. Cesareia chamava-
-se Paneas, em honra ao deus Pan, a quem eram oferecidos cultos
numa gruta. Quando Herodes, o Grande, recebeu esta região do
Imperador Augusto, construiu ali um templo consagrado ao culto do
Imperador. Com a morte de Herodes, a região passou a ser governada
pelo tetrarca Filipe. Este, para cultuar César, passou a chamar
a cidade de Cesareia de Filipe. A população, em sua quase totali-
dade, era pagã. Portanto, Jesus e os discípulos estão fora do centro
político, econômico e religioso. Estão em uma verdadeira periferia,
se olharmos a partir do sistema dominante de Israel.
Enquanto caminhavam próximos da cidade de Cesareia, Jesus
interpela os discípulos: “Quem dizem os homens que é o Filho do
Homem?”. Os discípulos, pegos de surpresa, apresentam as mais
diferentes versões. Os testemunhos demonstram que o povo desco-
nhece e não acredita que Jesus seja o Messias, pois esperava por outro
messias, poderoso e triunfante. Circula entre a gente uma imagem
distorcida do Filho do Homem, por causa de sua humanidade. Jesus
não se enquadrava nas expectativas, no imaginário do povo.
Seguindo em frente na caminhada, o Mestre deseja saber
o que eles, os discípulos, pensam a seu respeito: “E vocês quem
dizem que eu sou?”. Todos se calam, menos Pedro que responde:
“Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo”. À confissão do discí-
pulo reconhece em Jesus a messianidade e a divindade — Messias e
Filho de Deus. Observemos que Jesus será condenado mais tarde
por estas realidades proclamadas por Simão Pedro (cf. Jo 5,18;
10,33). O Mestre felicita o discípulo por sua resposta: “Você é
feliz, Simão, filho de Jonas, porque não foi um ser humano que
lhe revelou isso, mas o meu Pai que está no céus”. À profissão de
fé do discípulo é fruto da revelação do Pai que foi se sedimen-
tando pela escuta dos ensinamentos do Mestre. “Um ser humano”,
Novo povo construindo o Reino de Deus na justiça! BR

sem o auxílio da graça de Deus, jamais chegaria ao conhecimento


da divindade do Filho de Deus.
Numa expressão solene, Jesus proclama: “Você é Pedro, e sobre
essa pedra construirei a minha Igreja, e o poder da morte nunca
poderá vencê-la”. Jesus reconhece que o discípulo é uma “rocha” que
dará solidez à Igreja, isto é, ao novo povo de Deus. Só Mateus usa
a palavra “Igreja” para designar a reunião daqueles que constituíam
o verdadeiro povo de Deus, que, pela fé, formam um reino messiá-
nico. Jesus se apresenta como o “construtor” (construirei) do edifício
que é o novo povo (a Igreja). Pedro, como alicerce, dará consistên-
cia e durabilidade ao novo edifício. A metáfora, mais do que uma
realidade material, refere-se à nova sociedade constituída por todos
aqueles que aderirem aos ensinamentos dos apóstolos. O reino do
mal ou o poder da morte não terá domínio sobre a nova sociedade.
O poder do inferno estará sempre lutando contra o Reino anunciado
por Jesus, estará permanentemente pondo a Igreja à prova, mas não
vencerá. O Mestre garante que sua Igreja permanecerá viva e será
portadora de vida. Mas, no curso da história, ela terá que resistir e
superar muitas tensões e provações.
“Eu lhe darei as chaves do Reino do Céu...”. As chaves são sím-
bolo do poder que se exerce tanto sobre o reino da morte como sobre
a Vida. À quem se entregam as chaves de uma cidade, concede-se a
faculdade de governá-la. Jesus reconhece em Pedro a autoridade de
liderança da comunidade do novo povo. Ele, como administrador da
Igreja, exercerá o poder de admitir ou de excluir, de absolver ou de
condenar, de desligar ou de ligar alguém ao mal, Suas decisões serão
ratificadas no Reino do Céus (Evangelho).
O Profeta Isaías critica severamente o administrador do palácio
real encarregado de “abrir e fechar” as portas da casa do rei, pois ele
usava o cargo de confiança em benefício próprio, enquanto o povo
vivia na maior crise. Para perpetuar sua memória, o administrador
manda construir um túmulo de luxo, ele é substituído. As chaves
pn Roteiros Homiléticos do Tempo Comum | — Ano A - São Mateus

são entregues a Eliacim, filho de Helcias. À forma como o Profeta


fala da investidura revela q que é o Senhor q quem incumbe uma p pessoa
nas funções de ser “um pai para os habitantes de Jerusalém e para
a casa de Judá”. Eliacim recebe as chaves da administração da casa
para o bem comum. Como um “ministro da casa civil”, a ele cabe
[é soa “1%

administrar os bens do rei e decidir quem pode ser recebido ou não


pelo soberano (12 Leitura). Assim como Deus olha para os humildes,
quem recebeu as chaves deve agir em favor do povo (Sl 137/138).
O apóstolo Paulo exalta o sábio agir de Deus. “Como é pro-
funda a riqueza, a sabedoria e a ciência de Deus!”.! Quantos fatos na
»

vida das pessoas e dos povos são, à primeira vista, imprevisíveis e


incompreensíveis. Situações que humanamente não têm explicação.
Depois de certo tempo, deslumbra-se nelas a ação de Deus. O Após-
tolo dos Gentios admira-se e bendiz a ação de Deus diante do fato de
“bovos pagãos” acolherem a Boa-Nova e, pela fé, encontrarem, antes
de Israel, a salvação. Por isso, “a ele pertence a glória para sempre.
Amém? (22 Leitura).

Atualizando a Palavra
A palavra de Deus, deste domingo, é uma mina de grande valor.
Podemos contemplá-la sob diferentes ângulos. Eliacim e Simão
Pedro, por serem pessoas tementes a Deus, receberam uma missão,
ou seja, as “chaves”. Na perspectiva da fé, qual seria a missão dos
discípulos e missionários do Senhor em nossos dias?
Na caminhada da vida, constantemente Jesus nos interpela: “e
vocês quem dizem que eu sou?”. O povo de Israel assimilara uma
imagem distorcida do Messias e não tinha clareza sobre sua identi-
dade. Hoje, como outrora, as pessoas são presas fáceis das novas pro-
postas religiosas e pseudorreligiosas. Estes responderão vagamente à
interpelação do Mestre (cf. Estudos da CNBB, 104, n.118-128).
Pedro confessou sua fé no Cristo, Filho de Deus vivo, graças à
escuta de sua palavra e à cotidiana convivência. O Discípulo reconheceu
Novo povo construindo o Reino de Deus na justiça! RB

o Messias porque a revelação do Pai encontrou nele abertura e acolhida.


Quer dizer, descobre a verdade dos desígnios de Deus quem se deixa
iluminar pela luz da fé. Com razão, reconhece o Documento de Apa-
recida: “À fé em Jesus como o Filho do Pai é a porta de entrada para a
Vida. Como discípulos de Jesus, confessamos nossa fé com as palavras
de Pedro: Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo” (DAp, n. 101). A
fé é um dom de Deus, é uma adesão pessoal a ele. Crer só é possível
pela graça e pelos auxílios interiores do Espírito Santo. Por isso, “a fé
cristã nos faz reconhecer um propósito na existência: não somos frutos
do acaso, fazemos parte de uma história que se desenrola sob o olhar
amoroso de Deus” (Diretório Nacional de Catequese, n. 15).
Sem sombra de dúvida, o grande desafio da Igreja, dos discípulos
e missionários é anunciar a verdade sobre Jesus Cristo; ter a coragem
de proclamar ao povo, aos grupos humanos, às diferentes culturas
e realidades quem é o Filho de Deus; despertar e alimentar a fé no
Cristo, não apenas com palavras, mas pelo testemunho e pela prática
solidária da caridade, sobretudo através de iniciativas que favoreçam
a experiência de Jesus Cristo. Para dar uma resposta convincente de
fé, os cristãos precisam conhecer a fundo Jesus Cristo, saber sempre
mais sobre sua pessoa e obra pela leitura e meditação dos Evangelhos
e pelos encontros com ele por meio da ação litúrgica, em particular,
dos sacramentos.

“A vida das pequenas comunidades, revitalizadas pela Palavra e


alimentadas pela Eucaristia, será expressão de uma novidade tradu-
zida mais como um novo jeito de viver a fé cristã de forma comunitá-
ria, do que o resultado de novas iniciativas que passam organizar téc-
nicas e processos que nem sempre qualificarão o ser cristão” (Estudos
da CNBB 104, n. 170).
À grande missão do discípulo e missionário é “proteger e alimen-
tar a fé do povo de Deus e recordar também aos fiéis que, em virtude
do seu batismo, são chamados a ser discípulos e missionários de Jesus
Cristo. [...] Em um período da história, caracterizado pela desordem
n Roteiros Homiléticos do Tempo Comum | - Ano À — São Mateus

generalizada que se propaga por novas turbulências sociais e políticas,


pela difusão de uma cultura distante e hostil à tradição cristã e pela
emergência de variadas ofertas religiosas que tratam de responder, à
sua maneira, à sede de Deus que nossos povos manifestam” (DÃAp, 10).
“Sobre essa pedra construirei a minha Igreja” — na fé professada
por Simão Pedro, Jesus edificará a Igreja. À fé é o sólido fundamento
da comunidade eclesial. Professando a fé em Jesus Cristo, Filho do
Deus vivo, as pessoas tornam-se membros da Igreja — novo povo de
Deus. A Igreja alicerça-se solidamente sobre Cristo e seu Evangelho.
O que torna a Igreja um “sólido edifício” contra o qual as forças
do mal não prevalecerão é o testemunho e espírito de comunhão.
Comunhão que se alimenta pelo incentivo às formas associativas e
comunitárias que oferecem aos cristãos experiência de convivência,
solidariedade, participação ativa e corresponsável; comunhão ecle-
sial alimentada pela escuta da Palavra de Deus, pela oração e pelos
sacramentos.

“Eu lhe darei as chaves do Reino do Céu, e o que você ligar na


terra será ligado no céu, e o que você desligar na terra será desli-
gado no céu”. Jesus concede a Pedro, à Igreja, o poder de construir
a unidade. Pedro e Eliacim receberam as chaves para o bem de toda
a coletividade, para serem “um pai para todos os habitantes”. Aos
discípulos e missionários de Jesus, mais do que condenar e excluir,
cabe acolher e perdoar, absolver e reconciliar em nome de Jesus
Cristo. São chamados a ser construtores de paz entre os povos e
nações. Na pessoa de Pedro, a Igreja é chamada a ser escola perma-
nente de verdade e justiça, de perdão e reconciliação para construir
uma paz autêntica.
Todos nós, como pessoas de fé, na Igreja, somamos com Pedro
como pequenas pedras. Por simples ou modestas que sejam estas
pedras, todas devem estar densas do dom da fé. Aderindo a Jesus
Cristo, Filho do Deus vivo, somos parte do seu Corpo, a Igreja,
contra a qual as forças do mal não triunfarão. Contudo, precisamos
Novo povo construindo o Reino de Deus na justiça! BE

fortalecer a fé, para encarar os novos desafios, uma vez que estão
em jogo o desenvolvimento harmônico da sociedade e a identidade
católica dos povos.

Ligando a Palavra com a ação eucarística


A Eucaristia é o lugar privilegiado do encontro do discípulo com
/

Jesus Cristo. Celebrando a Eucaristia, Jesus nos atrai para si e nos


faz entrar em seu dinamismo em relação a Deus e ao próximo. Há
íntima unidade entre crer, celebrar e viver o mistério de Jesus Cristo.
Em cada celebração eucarística, a comunidade celebra e assume o
mistério pascal, participando n'Ele. Portanto, os fiéis devem viver sua
fé na centralidade do mistério pascal de Cristo, através da Eucaristia,
de maneira que toda a sua vida seja cada vez mais vida eucarística.
Isto evidencia que “a fonte da nossa fé e da liturgia eucarística é o
mesmo acontecimento: a doação que Cristo faz de si próprio no
mistério pascal” (SCa, n. 34).
Pela proclamação e pela escuta atenta da Palavra de Deus, a
assembleia dos discípulos reunidos, alimenta e fortalece sua fé, cul-
tiva uma relação de profunda amizade com Jesus Cristo e assume
com fidelidade a vontade do Pai. “É tão grande o poder ea eficácia
que se encerra na Palavra de Deus, que ela constitui sustentáculo e
vigor para a Igreja, e, para seus filhos, firmeza da fé e alimento da
alma, pura fonte da vida espiritual” (CIgC, n. 131). Todas as comu-
nidades e grupos eclesiais darão fruto na medida em que a Eucaristia
for o centro de sua vida e a Palavra de Deus for o farol de seu cami-
nho e de sua atuação na única Igreja de Cristo.
À Igreja edifica-se como “Corpo de Cristo” pela Eucaristia: “A
Eucaristia é Cristo que se dá a nós, edificando-nos continuamente
como seu corpo”. À pedra sobre a qual Cristo edifica sua Igreja é sim
a fé, mas em relação íntima com a participação eucarística. “Partici-
pando no corpo e sangue de Cristo, sejamos reunidos, pelo Espírito
Santo, num só corpo” (Oração Eucarística II).
HOR Roteiros Homiléticos do Tempo Comum | — Ano A - São Mateus

Em sua Palavra e na Eucaristia, Jesus nos oferece o alimento para


prosseguir na caminhada da fé como seus discípulos. Participando do
banquete eucarístico, Cristo reforça a comunhão entre os irmãos, esti-
mula na busca do perdão e da reconciliação, impulsiona ao diálogo e ao
compromisso missionário em favor da justiça e da paz.

Preparando a celebração TT
Neste domingo da profissão de fé de Pedro e de todos os que seguem
a Jesus, “o Messias, o Filho do Deus vivo”, a equipe de liturgia é
convidada a dar particular atenção:
à à acolhida carinhosa e fraterna das pessoas que chegam para
tomar parte da celebração;
à ao clima orante, antes e durante toda a celebração, que favo-
reça o encontro da assembleia com o mistério da salvação
revelado pelo Messias e Senhor;

à à procissão de entrada — uma pessoa da equipe de liturgia,


junto com os ministros e demais servidores, entra carregando
a vela acesa que será colocada sobre o altar — a luz da fé que
ilumina os batizados nas trevas das tempestades da vida;

à à aspersão da água benta no Ato Penitencial — sublinhando,


com este rito, a renovação de nosso batismo;

à à Liturgia da Palavra iniciada com a entoação de um refrão que


disponha a assembleia à escuta atenta da Palavra proclamada;
à à proclamação do Evangelho — preparar sua proclamação de
modo que possa ser dialogada, precedida pelo canto do Aleluia;
à à profissão de Fé (Creio) — segundo a fórmula da Vigília Pascal
— a assembleia pode dar uma resposta cantada (por exemplo:
creio Senhor, mas aumentai a minha fé) estendendo a mão
direita em direção ao Evangeliário ou ao Círio aceso elevado à
vista de todos;
Novo povo construindo o Reino de Deus na justiça! E

à à Oração Eucarística — solenizar a ação de graças pelo canto


do Santo, das aclamações e do Amém do “Por Cristo e com
Cristo” (a doxologia);
à à comunhão eucarística — possibilitar que toda a assembleia
comungue sob as duas sagradas espécies. Concluída a comu-
nhão, reservar um momento de silêncio para o colóquio com
o Senhor;
» ao rito da bênção e envio final da celebração — recordar o
gesto de Jesus que enviou os discípulos para a outra margem
do lago. Apesar das dificuldades, todos somos discípulos e
missionários da Boa-Nova do Reino. Abençoar, em especial,
os catequistas.
XXI DOMINGO DO TEMPO COMUM

31 de agosto de 2014

RENÚNCIA E SEGUIMENTO A JESUS CRISTO.

Leituras: Jr 20,7-9;
Salmo Responsorial: SI 62(63),2.3-4.5-6.8-9 (R/. 2b);
Rm 12,1-2; Evangelho: Lc Mt 16,21-27.

Situando-nos brevemente
Domingo da renúncia de tudo para seguir livremente Jesus.
Quem deseja seguir Jesus, fazendo dele “caminho, verdade e vida”
ouve de imediato o apelo: “Renuncie a si mesmo, tome sua cruz e
siga-me”. É a certeza de que caminhar com Ele implica a entrega
e a doação radical.
No seguimento de Jesus Cristo, aprendemos e praticamos as
bem-aventuranças do Reino, o estilo de vida do próprio Jesus: seu
amor e obediência filial ao Pai, sua compaixão entranhável frente à
dor humana, sua proximidade aos pobres e aos pequenos, sua fideli-
dade à missão, seu amor serviçal até a doação de sua vida.
Celebramos a páscoa de Jesus Cristo que se revela e amadurece
nas inúmeras pessoas e comunidades que, renunciado a si mesmo e
carregando a cruz, doam sua vida em favor dos valores da Boa-Nova
do Reino. Necessitamos nos fazer discípulos dóceis, para aprender-
mos de Jesus, em seu seguimento, a dignidade e a plenitude da vida.
Recordamos, com carinho hoje, os diferentes servidores em nos-
sas comunidades eclesiais.
BR
Novo povo construindo o Reino de Deus na justiçal

Recordando a Palavra
Jesus inícia uma nova fase de vida. Até aqui ele foi instruindo os
discípulos e o povo, começando pela Galileia. Agora ele revela o
mistério de sua pessoa, o caminho da cruz, da paixão e ressur-
reição. O Mestre passa a se dedicar mais à formação interna do
grupo dos discípulos.
O caminho da cruz é marcado pela urgência de ir a Jerusalém,
cidade centro do poder político e religioso. Aqui será preso, torturado
e condenado à morte, mas ressuscitará depois de três dias (v. 21). Jesus
está determinado e consciente dos riscos que corre por causa da justiça
do Reino que anunciou. Na Judeia os anciãos, os chefes dos sacerdotes e
dos escribas vão oferecer resistência e determinadamente opor-se a Jesus.
Uma realidade dura demais para a cabeça de Pedro. O discípulo
que professara sua fé no Messias, “Filho de Deus vivo,” não consegue
entender as consequências de sua missão messiânica. Simão, que não
compreende o mistério do Filho de Deus, propõe uma alternativa
e repreende a Jesus: “Deus não permita tal coisa, Senhor! Que isto
nunca te aconteça!”. Ele, a exemplo do povo judeu, está arraigado a
um messianismo poderoso e vencedor.
Pedro constitui-se para Jesus em uma pedra de tropeço no cami-
nho. Por isso a reação do Mestre é violenta: “Fique longe de mim,
Satanás! Você é uma pedra de tropeço para mim, porque não pensas
as coisas de Deus, mas as dos homens!” (v. 23). O discípulo deseja
que Jesus seja feito à imagem e semelhança dos critérios humanos.
Todavia, o Messias não é como os humanos querem. Pelo contrário,
ele convida para ser aquilo que ele é, seguindo-o pelo caminho da
cruz. As condições implicam a renúncia de si mesmo e o carregar a
própria cruz. Realidades que identificam o discípulo com o Mestre,
que encontrou a vida na doação de sua própria vida. O discípulo que
perde a vida tem a grande vantagem: a entrega total como Jesus.
A única forma de realização total será sempre viver para os outros.
Este é o caminho da Cruz (Evangelho).
a Roteiros Homiléticos do Tempo Comum | — Ano A — São Mateus

O texto de Jeremias pertence à sua 5º confissão. Em suas confis-


sões, ele abre seu coração e desabafa diante do insucesso da missão
profética num ambiente refratário e hostil. Ele se dá conta de que
entrou “numa fria”. O que mais o angustia é o silêncio de Deus, já
que não vê nenhum sinal de sua atuação que confirme a verdade de
sua pregação dirigida aos concidadãos. Pessoalmente o profeta tem
consciência do chamado de Deus e da missão de falar em nome do
Senhor ao povo. Vive um profundo dilema entre o insucesso da mis-
são e o fogo ardente da Palavra que deve anunciar. Esta não lhe per-
mite calar-se. Na missão, o profeta experimenta a violência de Deus
e de sua palavra: “Tu me seduziste e eu me deixei seduzir. Foste mais
forte do que eu e venceste” (v. 7). Da Palavra que não surte resultados
imediatos, brota o grito de lamento e de sofrimento de Jeremias em
relação a Deus, que se transforma em oração e em aceitação obe-
diente à sua vontade (1º leitura).
Paulo, no capítulo 12 da carta aos Romanos, ressalta o compor-
tamento cotidiano do cristão. À vida cristã caracteriza-se por uma
contínua busca da vontade de Deus, na cotidiana adesão ao seu pro-
jeto e como resposta total e fiel ao chamado, à vocação, às orientações
de sua Palavra e da Boa-Nova de Jesus. O apóstolo conclui que a vida
do cristão é um verdadeiro sacrifício. A meta de todo o discípulo e
missionário de Cristo é fazer da própria vida um culto agradável a
Deus. Isto requer discernimento constante e empenho por aquilo que
suscita, promove e sustenta a vida. Esse é o sacrifício que agrada a
Deus (2º Leitura).

Atualizando a Palavra
A compreensão da Boa-Nova de Jesus para o domingo de hoje
constitui-se no fundamento da vida e da espiritualidade cristã,
entendidas como seguimento na existência cristã. Seguir e contem-
plar o Cristo glorioso é fácil e consolador. Mas o Cristo dos Evange-
lhos, apresentado como modelo da prática cristã e fonte de inspiração,
Novo povo construindo o Reino de Deus na justiçal Pp

é o Mestre que convida ao seguimento, pela renúncia total e pelo


carregar a própria cruz, pois quem deseja ser fiel ao projeto do Reino
deve identificar-se com o Servo Sofredor, abandonando, de uma vez
por todas, a mentalidade do falso messianismo.
Os primeiros cristãos tinham o mesmo desejo de seguir Jesus,
viver como discípulos. Procuravam ter, em seu coração, os senti-
mentos que animavam Jesus (cf. Fl 2,5). Queriam segui-lo a ponto
de serem um com ele, tanto na vida como na morte e ressurreição.
Mas o caminho era exigente e tornou-se fonte de muitas tensões,
para as quais não havia respostas prontas. Pedro, ao repreender Jesus,
revela a tentação da comunidade, que consistia em pensar e agir em
conformidade com o sistema dos fariseus e dos escribas.
O seguimento supõe vinculação, adesão à pessoa de Jesus.
Assim, , o seguidor
8 adere à sua causa, , aos seus ideais e à sua missão ,

transformando-se “num pescador de homens” para o Reino e num


mensageiro da paz (cf. Mt 10,12ss).
O seguimento requer renúncia dos próprios conceitos acabados,
da ruptura das velhas seguranças, do abandono dos projetos pessoais.
Ao lado de Jesus, não há espaço para outros mestres. Para os seguido-
res dos rabinos, era recomendado que, no processo de aprendizagem,
tivessem diversos mestres. Ãos seguidores de Jesus, ao contrário,
era-lhes ensinado: “Um só é o vosso Mestre” (Mt 23,8.10).
À adesão incondicional a Jesus Cristo prolonga-se até a paixão,
morte e ressurreição. Assumir o projeto e as atitudes de Jesus deixa o
discípulo exposto às injúrias, à rejeição e à agressão, isto é, os segui-
dores de Jesus acompanham o Mestre no caminho da cruz e no sacri-
fício: “Se alguém quer me seguir, tome sua cruz e me siga” (v. 24).
“Quem não carregar sua cruz e não caminhar atrás de mim, não pode
ser meu discípulo” (Lc 14,27).
O seguimento traz consigo a exigência da inserção numa comu-
nidade plural na sua expressão cultural, no modo de viver, de pensar,
etc. Nesta comunidade, os seguidores são chamados a constituir uma
OA Roteiros Homiléticos do Tempo Comum | — Ano A — São Mateus

fraternidade alternativa à experiência social cotidiana: “Eles serão


os irmãos, filhos do mesmo Pai” (cf. Mt 23,8s) pelo serviço mútuo
(cf. Mc 10,425), no perdão fraterno (cf. Mt 18,15s) e com espírito de
generosa gratuidade (cf. Mt 5,46).
A opção de seguir Jesus, caminho verdade e vida, traz consigo a
exigência da disponibilidade do discípulo a tudo o que o Mestre soli-
citar-lhe na realização da missão. Jesus vivia existencialmente cati-
vado pelo Reino. Anunciar o reino, torná-lo presente, comunicá-lo é
missão de quem opta com radicalidade pelo seguimento. À causa do
Reino é tão apaixonante e tão absorvente, que todo o resto é relativo
e provisório. O amadurecimento no seguimento de Jesus e a paixão
por anunciá-lo requerem que a Igreja renove-se constantemente em
sua vida e ardor missionários.
No sentido amplo da palavra, toda a pessoa de fé é seguidora de
Jesus Cristo, aderindo à sua pessoa, comprometida com sua causa,
convidada a compartilhar do seu destino: sofrimento da cruz, morte
e ressurreição, alegria pela vitória (cf. Evangelium Gaudium, 88).
À Igreja é seguidora de Jesus porque é sacramento de Cristo. É o novo
povo de Deus que o Espírito Santo conduz nas pegadas do Senhor
Crucificado e Ressuscitado. No tempo da continuidade da missão
de Jesus, até a sua plena realização, o seguimento é obra do Espírito
Santo. Neste tempo, uma autêntica evangelização concretiza-se no
seguimento de Cristo na Cruz; no padecer por Cristo por causa da
justiça; no perdão e no amor aos inimigos. Esse amor supera o amor
humano e participa do amor divino, único eixo cultural capaz de
construir uma cultura da vida.

Ligando a Palavra com a ação eucarística


Hoje, ao participarmos, em comunidade, da celebração eucarís-
tica, o Senhor nos revela e nos insere em seu mistério redentor
que tem como caminho a cruz, a paixão. Como no passado, no
tempo presente, Jesus sai ao encontro das pessoas, convidando-as
Novo povo construindo o Reino de Deus na justiça! =

a segui-lo. Como o profeta Jeremias “deixamo-nos seduzir pelo


Senhor”. Na Eucaristia, Cristo unindo-nos a ele, nos atrai para
dentro de seu mistério.
A liturgia fortalece a caminhada, a fim de levar a termo,
mediante o compromisso transformador da vida, a realização plena
do Reino, conforme o plano de Deus. O que celebramos na mesa
eucarística deve ser expresso e confirmado na vida. À Eucaristia não
se reduz a um meio de regeneração interior. Ela é um projeto de
transformação da sociedade e do mundo. Ela perpassa os sonhos,
as buscas e as esperanças das pessoas. À Eucaristia é um caminho
em direção à terra prometida, anunciada pela Palavra proclamada no
seio da comunidade reunida em nome do Senhor.
À participação à mesa eucarística, com a consequente identifi-
cação ao ser e à prática de Cristo, transforma nosso modo de pensar
e de agir. Ajuda-nos na busca das coisas com a mente e a vida reno-
vadas (cf. Ef 4,23). Assim iluminados pelo encontro com Cristo-luz,
nos será possível, com maior facilidade, discernir a vontade do Pai,
aquilo que é bom e que lhe agrada. Nesse sentido, a participação no
banquete eucarístico compromete os comensais a viverem, no coti-
diano da vida, de tal forma que tudo seja para a glória de Deus.
Neste dia, a assembleia reunida reza: “Renova-nos com o teu
Espírito de verdade, ó Pai, para que não nos deixemos seduzir
pelas solicitações deste mundo, mas como verdadeiros discípulos,
convocados por tua Palavra, saibamos discernir aquilo que é bom e
te agrada, para carregar a cruz de cada dia no seguimento de Cristo,
nossa esperança”.
O mesmo Espírito Santo, que transforma os dons de pão e de
vinho em Corpo e Sangue do Senhor, nos faz assimilar a Palavra de
Deus, purifica-nos do pecado e incorpora-nos a Cristo. O Espírito
suscita, em cada um de nós, os mesmos sentimentos e atitudes de
serviço, doação de si mesmo, obediência ao Pai e dedicação total à
missão que marcaram a caminhada do Filho de Deus.
109 Roteiros Homiléticos do Tempo Comum | - Ano A - São Mateus

À celebração eucarística é expressão culminante e fonte de toda


a vida cristã, entendida como seguimento de Jesus Cristo. Aquilo
que aconteceu uma vez, na última ceia e na morte de Jesus na cruz,
acontece hoje para nós, no sacramento da Eucaristia.
“Todas as vezes que comemos deste pão e bebemos deste cálice,
anunciamos, Senhor, a vossa morte, enquanto esperamos a vossa
vinda?” Assim, a Eucaristia é sacramento do Reino de Deus.

Preparando a celebração O
No domingo da renúncia para seguir a Jesus, a equipe de liturgia
prepara com antecedência e esmero a celebração da comunidade
cristã, considerando:
à acolher com carinho as pessoas que chegam para tomar parte
da celebração;
à preparar o ambiente da celebração de tal forma que as pessoas
percebam-se acolhidas e inseridas no mistério da celebração;
à reservar tempo para o ensaio de cantos e um momento para a
oração pessoal. O clima orante pode ser favorecido pelo canto
de um refrão meditativo;
à introduzir, na procissão de entrada, uma Cruz e colocá-la em
lugar de destaque junto à mesa da Palavra e da Eucaristia,
fazendo referência à renúncia e ao seguimento de Jesus pobre
e crucificado;
à reservar, na oração da coleta, uns instantes de silêncio para
a oração pessoal e depois solicitar à assembleia que erga seus
braços suplicantes, durante a oração proferida pelo ministro;
à erguer solenemente a cruz, após concluída a homilia, enquanto a
comunidade diz: “Nossa glória é a cruz ...' ou “Todos nós deve-
,

mos gloriar-nos na cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo...”, reno-


vando a fé. Em seguida efetuam-se as Preces diante da cruz;
Novo povo construindo o Reino de Deus na justiça! E

à preparar, nas celebrações da Palavra de Deus, onde não é pos-


sível a celebração da Eucaristia, o momento de louvor e ação
de graças com salmos, hinos, cânticos, ladainhas ou ainda
benditos e outras expressões da religiosidade popular de lou-
vor, concluindo com o Santo;
» solenizar a ação de graças — a Oração Eucarística — cantando
as aclamações, inclusive a resposta do “Eis o mistério da fé”;» e
o “Amém” do “por Cristo, com Cristo”,
» dar relevo ao “gesto da fração pão”, acompanhado pelo cântico
do Cordeiro de Deus;
» valorizar a comunhão sob as duas espécies, em conformidade
às orientações da Igreja;
» sublinhar, nos ritos finais, a relação da vida com o mistério
celebrado — Vida como seguimento de Jesus Cristo. O com-
promisso de uns auxiliarem outros no empenho de carregar a
Cruz;

à preceder a saída da assembleia, no envio para a missão, com a


saída da Cruz trazida na procissão de entrada, Os cristãos, ali-
mentados pelo pão da Palavra e da Eucaristia, comprometem-
-se a seguir o caminho da Cruz redentora.

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