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INTRODUÇÃO À

CIÊNCIA DA RELIGIÃO
KLAUS HOCK

Tradução:
M onika Otterm ann

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Edições Loyola
T itu lo original:
E inführung in d ie Religionswissenschaft
2. durchgesehene A u fla ge
© 2006 by W issenschaftliche Buchgesellschaft, D arm stad t
1. A u fla g e 2002
H indenburgstrasse 40, 64295 - D a rm sta d t G erm any
ISBN 978-3-534-20048-1

P reparação: M aurício Balthazar Leal


C apa: M auro C. Naxara
D iagram ação: R onaldo H id e o Inoue
Revisão: Sandra G. C u stód io

Edições Loyola
Rua 1822, 341 - Ipiranga
04216-000 São Paulo, SP
T 55 11 3385 8500
F 55 11 2063 4275
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EM MEMÓRIA DE FRITZ STOLZ (1 9 4 2 -2 0 0 1 )
Um dos poucos a conseguir demonstrar,
de modo convincente,
o nexo interior entre Ciência da Religião e Teologia:
ISBN 978-85-15-03737-7 com o não separadas e ^ .
© EDIÇÕES LOYOLA, São Paulo, Brasil, 2010 sob preservação de suas respectivas integridades,
e ainda assim para o proveito de ambas.
CAPÍTULO I

O TERMO SISTEMÁTICO

A Ciência da Religião é a pesquisa empírica, histórica e sistem ática da


religião e de religiões. Para tanto, abrange uma diversidade de discipli­
nas que analisam e apresentam religiões e fenôm enos religiosos sob
aspectos específicos.
Tradicionalm ente distingue-se Ciência da Religião H istórica (H is­
tória da Religião) de Ciência da Religião S istem ática (Sistem ática da
Religião). A pesquisa religioso-histórica dedica-se à form ação h istóri­
ca e concentra-se na análise e na descrição do particular, fre q u e n te ­
m ente na form a de descrições diacrônicas. A pesquisa religioso-sis-
tem ática, em contraste, dirige sua atenção ao genérico e procura evi­
denciar o típico, na form a de descrições sincrônicas. As duas vertentes
estão numa estreita relação recíproca: a Sistemática da Religião de­
senvolve sua sistem ática e suas tipologias com base em material em ­
pírico disponibilizado pela pesquisa da História da Religião: vice-versa,
a Sistem ática da Religião disponibiliza à História da Religião os crité­
rios e as categorias necessárias para um registro ordenado da diver­
sidade histórica.
Desde sua emancipação com o disciplina autônom a, nas últimas
três décadas do século XIX, a Ciência da Religião diversificou-se em
várias subdisciplinas. A própria História da Religião perm aneceu por
m uito tem po atrelada a uma orientação estritam ente filológica: isso
era natural já pelo fato de que lidava m ajoritariam ente com textos lite­
rários, especialm ente de culturas extraeuropeias ou passadas. ^
No âm bito da Sistemática da Religião, a Fenomenologia da Reli­
gião a\cançou, no início do século XX, uma importância tão grande que
os term os técnicos "Fenom enologia da Religião" e "S istem ática da
Religião" foram ocasionalm ente usados quase com o sinônim os. Foi
o objetivo da Fenomenologia da Religião ordenar sistem aticam ente Ao lado dessas disciplinas "clássicas" da Ciência da Religião de­

os distintos fenôm enos religiosos, definir seus conteúdos religiosos vem ser mencionadas ainda algumas outras vertentes da pesquisa que

e compreender, dessa maneira, a "essência" da religião. Na segunda nas últimas décadas contribuíram consideravelm ente para o desen­

metade do século XX, a Fenomenologia da Religião em sua form a tra­ volvim ento da Ciência da Religião. A Geografia da Religião trata dos

dicional se tornou alvo de fortes críticas. Por isso, os prim eiros novos im pactos m útuos entre religião e am biente (frequentem ente tam bém

inícios são tímidos, renunciam deliberadam ente a essa "contem plação sob o term o "Pesquisa de Religião e M eio A m biente" ou "Geografia

da essência" e dirigem sua atenção à pergunta pelas intenções com da A titude Espiritual"), analisando tanto o im pacto da religião sobre o

as quais pessoas atribuem aos fenôm enos um sentido religioso, isto m eio ambiente (influência sobre o m eio ambiente) com o o im pacto do

é, um sentido que é, para elas, obrigatório e inquestionável. m eio ambiente sobre a religião (dependência do meio ambiente). A Es­

A Sociologia da Religião dedica-se a questões da relação entre tética da Religião pergunta por aquilo que nas religiões pode ser perce­

religião e sociedade. Como denominação de uma disciplina científica, bido pelos sentidos e procura analisar a relação complexa entre religião

o term o remonta a Max W eber e concentrou-se, desde o tem po dele, e processos de percepção. A Economia da Religião, por sua vez, uma

principalmente na pesquisa de religiões em sociedades complexas mo­ subdisciplina em ascensão, está interessada nas questões da relação

dernas. São de seu especial interesse questões como, por exemplo, a entre religião e economia, enfocando tanto as condições econômicas

relação entre religião e form as da organização social, religião e política, com o as consequências econômicas da atuação religiosa.

religião e camadas sociais ou religião e família. Temas com o "seculari- Também a Fundamentação da Religião e a Crítica da Religião per­

zação',' "fundam entalism o" e "religião civil" estão, em certa medida, há tencem à área da pesquisa acadêmica da religião, bem com o a Filoso­

muitas décadas entre os tem as centrais da Sociologia da Religião. fia da Religião. Conform e sua autocom preensão com o ciência, porém,

Em contraste com a Sociologia da Religião, a Etnologia da Reli­ a Ciência da Religião se confronta com seu objeto aqui necessaria­

gião especializou-se prioritariam ente na pesquisa de religiões em so­ m ente de modo "crítico'.' Uma perspectiva de cooperação entre a Ciên­

ciedades de passado ágrafo, mais exatam ente em sociedades menos cia da Religião e a Filosofia está se abrindo no esforço partilhado em

complexas. Além disso, o critério do "culturalm ente alheio" represen­ prol da elaboração de uma linguagem científica com um , com base

ta outra diferença entre as duas disciplinas, que quase não diferem em padrões e modos de procedim ento m etodologicam ente claros.

em seus métodos. No nível teórico de seu objeto, a Etnologia da Reli­ Especialmente disputada é a pergunta pela relação entre Teolo­

gião trabalha, por exemplo, com a análise de m itos — os equivalentes gia e Ciência da Religião. Tanto a sintetização na form a da "Ciência da

aos "escritos sagrados" — , e no nível da prática religiosa trabalha, por Religião Teológica" com o o distanciam ento e o fecham ento de uma

exemplo, com a análise de form as de rituais. Não obstante, considera- Ciência da Religião que, alegadamente, trabalha de modo neutro e

se que os dois níveis estão numa estreita relação recíproca. Em sua objetivo, contra a Teologia, não são m odelos que têm futuro. Diante d e ^

tentativa de com preender cientificam ente algo culturalm ente alheio, a estratégias de apoderam ento teológico e tam bém por causa de estra­

Etnologia da Religião colocou, há algum tem po, seu enfoque na pes­ tégias de imunização da parte da Ciência da Religião, é fundam ental

quisa de form as sim bólicas de expressão, por m eio das quais espera m anter o princípio de que a Ciência da Religião, com o disciplina aca­

ganhar maior com preensão de sistem as religiosos de significação. dêmica autônoma, apresenta uma série de pontos de contato com a

A Psicologia da Religião, em contraste, dedica-se prioritariam en­ Teologia. No entanto, nem m esm o no caso de seu vínculo institucional

te à relação entre o indivíduo e a religião, partindo da constatação de com faculdades teológicas a Ciência da Religião se dilui na Teologia. É

que a religião — especialm ente no plano da experiência religiosa e da justam ente a possibilidade de distinguir Ciência da Religião deTeologia

práxis religiosa — tem seu lugar na experiência individual dos seres que nos oferece, para além de um sim ples lado-a-lado m etodologica­

humanos. Tanto vertentes de orientação empírica com o da psicologia m ente controlado, a perspectiva de convivência que se recomenda por

profunda contribuíram decisivam ente para o desenvolvim ento dessa causa dos objetos de suas pesquisas.

disciplina. Por causa de sua grande experiência com m étodos quantita­ Ao longo de sua breve história, a Ciência da Religião com o dis­

tivos e qualitativos, a psicologia empírica da religião te m ganhado, re­ ciplina acadêmica conseguiu firm ar sua posição tanto em faculdades

centem ente, uma crescente importância para a pesquisa da religião. de Ciências Flumanas, com o de Filosofia ou Ciências Culturais, com o
I N T R OD U Ç Ã O À

«b C IÊ N C IA DA R E L IG IÃ O

em faculdades de Teologia, embora nestas últimas em m enor m edi­


da. Contudo, isso não deve levar a deixar de perceber que ela ainda
está altam ente marginalizada, institucionalm ente, especialm ente nas 0 QUE É RELIGIÃO?
universidades alemãs — e isso não obstante uma situação na qual
religião e religiões passaram ao centro dos acontecim entos políticos,
especialm ente internacionais. Q uestões com o o papel das religiões
com o agentes em conflitos culturais globais, o papel dos chamados
novos m ovim entos religiosos ou o papel de fatores religiosos no con­
texto de migração e integração tornaram-se subitam ente tem as polí­
ticos de extrem a explosividade nas agendas da Ciência da Religião.
Onde a religião se torna objeto do interesse público, no contexto de
"co n flito s culturais',' a Ciência da Religião é especialm ente bem qua­
lificada para abordar esses tem as de m odo adequado, pois há algum
tem po ela realizou uma mudança de perspectiva que recentem ente
pôde ser observada tam bém em outras disciplinas acadêmicas: a volta A pergunta pelo conceito e pelo te rm o religião leva im ediatam ente ao
para questões científico-culturais. Com preendendo a religião com o um centro da Ciência da Religião e, ao m esm o tem po, a um de seus deba­
sistem a cultural, a Ciência da Religião se posiciona com o uma discipli­ tes internos mais im portantes, que não será concluído num futuro pró­
na das Ciências Culturais cujo trabalho de pesquisa é de considerável xim o — e provavelmente tam bém não poderá ser concluído. Quase
relevância social. todas as "Introduções" rem etem ao psicólogo da religião James Leuba,
que já no início do século XX tinha reunido quase cinquenta definições
diferentes de "religião'.' É claro que rejeitou todas e ofereceu a sua
própria, com o alternativa. De lá para cá, as tentativas de definir "re li­
gião" cresceram para um número que já não pode ser registrado, e
sua mera enum eração já está além das possibilidades deste peque­
no volume. Também não seria de grande ajuda acrescentar às muitas
definições de "religião" mais uma e justificar exaustiva e detalhada­
m ente a opção por ela. Por isso serão abordadas a seguir apenas algu­
mas questões fundam entais da lida com o conceito de religião, para
servirem com o uma primeira orientação na mata fechada das defini­
ções de religião.
Um dos problemas na definição do term o "religião" reside no
fato de que o próprio term o nasceu num contexto cultural e históri­
co m uito específico — num prim eiro m om ento, pertence à história
intelectual ocidental. O mais tardar quando tentam os aplicar o term o
religião, com o term o universal, a fenôm enos em outros contextos his­
tóricos e culturais, surgem dificuldades inesperadas.
No entanto, já o próprio term o "religião" não é usado de m odo D efin içõ es do
te rm o religio
uniform e, e até sua derivação term inológica é disputada. Basicamente,
a palavra latina religio, à qual rem onta, descreve a "atuação com con­
sideração" ou a "observância cuidadosa'.' Embora, para os romanos, a
palavra religio trouxesse principalm ente o aspecto da exatidão ritual,
IN T R O D U Ç Ã O À .. , —. À

18 CIÊNCIA DA RELIGIÃO ■ i 'V i­

da atuação correta no ato religioso, o term o pode ser interpretado em Na época da Reforma surge, no uso do term o religio, um desloca­
vários sentidos. m ento do acento de amplas consequências: por um lado, os hum anis­
Cícero (106-43 a.C.), em seu tratado De natura deorum (Sobre tas com eçam a relacionar religio sem pre mais com aquilo que a lingua­
a natureza dos deuses) define reügio com o cultus deorum, ou seja, gem popular chama de "fé cristã c o m u m " ou tam bém de "confissão"
com o "cu lto aos deuses',' com o "cu ltivo " ou "adoração" dos deuses, Com a Reforma, "religião" se torna um term o que desem penha uma
estando em evidência o com portam ento ritual correto. Quase com o função crítica: contra "superstição" e "m ag ia" mas tam bém contra a
term o oposto de neglegere, "negligenciar" relegere, "observar cui­ atuação cúltica da Igreja Católica Romana em seus serviços divinos,
dadosamente',' se refere à realização e à sequência correta dos atos que, aos olhos dos reformadores, era errada. Por outro lado, te m iní­
no culto, no serviço a deus ou, mais corretam ente, no "se rviço aos cio uma tendência à generalização do term o religião que se impõe,
deuses'.' Desse modo, Cícero expressa a com preensão romana de aos poucos, com o llum inism o. Num prim eiro m om ento, "religião" se
"religião" conform e a qual se trata na religião menos de crer correta­ torna algo que, de form a conceituai, está por trás da diversidade das
m ente do que. de realizar corretam ente os atos dirigidos aos deuses distintas religiões e, com o term o, acima dessa diversidade. (Cf. para
— portanto, a religião romana caracteriza-se não pela ortodoxia, mas isso, por exemplo, a com preensão de religião com o natural religion
pela ortopraxia. [religião natural] em David Hume [1711-1776].)
Lactâncio, um escritor e orador cristão do século lll/IV, porém, Esse desenvolvim ento continua no llum inism o tardio. "Religião" A generalização
indica um outro significado: ele deriva reügio óe re lig a re — ligar (amar­ aparece com o um "to d o " ideal que está presente nas religiões som en­ do te rm o religião
no llu m inism o
rar), ligar de novo, ligar de volta, levar de volta. Mais tarde, o grande te de form a truncada e insuficiente. Com isso, o term o, o conceito de
teólogo cristão Agostinho (354-430) adota essa definição e descreve a religião entra numa relação de dupla tensão com as religiões reais. Por
religio vera, a "religião verdadeira',' com o aquela que é orientada pelo um lado, volta-se de maneira crítica contra as form as históricas con­
zelo de reconciliar e "ligar de vo lta " a alma que se afastou de Deus ou cretas das religiões existentes, declarando a religião em si um ponto
se desgarrou dele. arquimediano a partir do qual pode ser formulada a crítica às formas
R ecentem ente foi proposta uma terceira variante: derivar religio concretas de religião. Por outro lado, a religião em si é tirada da com ­
de rem ligare, "am arrar a coisa',' no sentido de "descansar das inquie­ petência da Crítica da Religião, já que em tal form a sem form a ela não
tudes'.' pode ser verificada em nenhuma realidade existente. Essa relação de
O debate sobre a derivação certa do term o religio mostra que a tensão dupla entre religião e religiões reflete uma ambivalência cons­
definição do term o não é possível nos m oldes de uma definição obje­ tante do term o e conceito de religião do llum inism o, que pretende anu­
tiva, "dada',' mas perm anece vinculada a um contexto histórico-cultural lar dentro de si a Crítica da Religião e a Fundamentação da Religião. A
específico. chamada "Parábola do anel',' na peça teatral Natã, o Sábio, de Gotthold
A m udança do te rm o Não obstante, uma série de indícios favorece a derivação do ter- Ephraim Lessing (1729-1781), é um exem plo especialm ente im pressio­
reiigião na históna mo cu/fus deorum no sentido da "atuação correta'.' Por exem-
r e n g j0
intelectual ocidental nante disso: por um lado, as religiões concretas — no caso, judaísmo,
plo, o term o contrastante de religio, a superstitio, não se referia a uma cristianism o e islam ism o — são subm etidas a uma crítica voltada prin­
fé errada (posteriorm ente "superstição"), mas a uma atuação errada cipalm ente contra suas respectivas pretensões de superioridade. Por
— errada no sentido de um ato incorreto ou tam bém realizado de modo outro, essa crítica se baseia na ideia da religião única e verdadeira em
exagerado, sem legitimação ou autorização. Como outro indício em fa­ si que abre aos seres humanos futuro e vida (sobrevivência).
vor dessa derivação deve ser considerado que, apesar da mudança de Especialmente na aplicação do term o geral "religião" à história do O te rm o religião a
enfoque teológico provocada por Agostinho acerca da compreensão cristianism o, a relação de dupla tensão entre o term o e conceito de re­
se rviço da Critica
da Religião e da
de religio, tam bém no cristianism o foi preservado, por algum tem po, o ligião e religiões concretas levou, nos séculos XIX e XX, sempre de novo Fundam entação
aspecto da ortopraxia: re lig io sisão monges e freiras, ou seja, m em bros tanto à justificação da crítica ao cristianism o com o à fundam entação da Religião

de ordens e congregações, e o status religionis com o status perfectio- da exigência do cristianism o de ser reconhecido com o absoluto. Por
nis encontra sua expressão principalmente na atuação cúltica correta, um lado, o term o geral religião é usado para refutar categoricam ente a
e não naquilo que é "crido'.’ pretensão do cristianism o de possuir uma posição sobrenatural, alega-
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20 C IÊ N C IA DA R E L IG IÃ O

dam ente "absoluta" fora da história, e para descrever a religião cristã desse modo, evoca associações m uito diferentes de nosso term o re­
juntam ente com todas as outras religiões, no m esm o nível e dentro ligião. O Alcorão menciona, por exemplo, o yaw m ad-dín, o "D ia do
da mesm a história universal. Por outro lado, o evolucionism o histórico, A certo" (do Julgamento). Em árabe, dín (plural: adyân) pode sem pro­
em sua combinação com a conceituação de "religião" com o term o blema designar uma religião ou religiões no sentido de nosso term o.
geral no singular, fez que a exigência de reconhecer o caráter absoluto No entanto, ao m esm o tem po, dín descreve tam bém mais do que
do cristianism o pudesse ser justificada de maneira nova: pela suposi­ sim plesm ente "religião',' a saber, form as de vida, costum es e hábitos
ção de que "a religião" perpassaria um processo de desenvolvim ento (ordenados conform e ordem e direito).
linear e, desse modo, estaria se movendo em direção à sua realização No âm bito Índico, a situação é outra ainda. Aqui, o term o corres­ Religião co m o
no mundo, e nesse processo o cristianism o, com o form a mais civiliza­ d harm a?
pondente, dharma (darma), do sânscrito, é derivado da raiz dhr, que
da e mais altam ente desenvolvida de religião, estaria mais perto desse significa aproxim adam ente "carregar, segurar"
ideal do que as outras religiões da humanidade. Darma inclui um leque extrem am ente amplo de significados e
Portanto, desde a era do llum inism o estam os lidando com o pro­ associações, e a gama vai desde conceitos míticos segundo os quais
blema de que o term o religião, com o um term o da história intelectual os deuses "seguram , mantêm unido" o cosmo, passando por concei­
ocidental, deve sua origem e a definição de seu conteúdo ao contex­ tos de um princípio ordenador do cosm o ou uma com preensão de dar­
to histórico-cultural específico da Europa, por um lado, mas que ele, ma com o "lei',' até a denominação da ordem de castas em tradições
com o conceito geral, por outro, reivindica a possibilidade de nomear hindus, que colocam em evidência, com esse uso do term o, aspectos
tam bém em outros contextos histórico-culturais algo que corresponde do sistema de ordenam ento ritual e social.
àquilo que ele descreve no Ocidente ("cristão"). Nas tradições do budismo, por sua vez, o te rm o — em páli,
Na Grécia Mas a coisa é ainda mais complicada. Não som ente em outras dhamm a — é relacionado com o ensinam ento do Buda, parcialm ente
clássica: falta de
culturas, tam bém em outras épocas históricas não há uma correspon­ tam bém à chamada "Senda Ó ctupla" com o concretização do ensina­
correspondências
com o te rm o dência com o term o "religião'.' M esm o o berço da cultura ocidental, mento. Isso reflete im ediatam ente a autocom preensão budista de
m oderno de religião
a Grécia clássica, não conhece um term o que corresponda ao nosso que o Buda não anunciou verdades m etafísicas e dogm as "re lig iosos"
term o religião: eusébeia designa te m o r e respeito, porém não se diri­ mas expressa em seu ensinam ento sim plesm ente a ordem — o dar­
ge apenas aos deuses, mas tam bém a seres humanos (pessoas vene­ ma — das coisas com o são verdadeiramente. Entretanto, darma pode
ráveis) ou objetos (valores ou normas comprovados); latreía pode se designar tam bém o sistem a doutrinal de outros m estres — ou até os
referir a um serviço cúltico, mas em prim eiro lugar designa um serviço ensinam entos, as doutrinas e a "le i" de outras religiões. Mas isso não
prestado, num sentido m uito geral e profano, e threskéia descreve basta: darma descreve a prática do ensinam ento respectivam ente da
um ato concreto no sentido do cum prim ento de um m andam ento. É ordem cósmica no sentido de sua realização até o nirvana — e este,
verdade que há um denom inador com um entre esses term os e nosso por sua vez, pode ser usado com o sinônim o de darma. Mas, com o
term o religião, mas o significado dos term os gregos vai m uito além categoria ética, darma pode caracterizar a conduta correta; e final­
daquilo que chamaríamos de "religião'.' Portanto, nosso term o religião m ente é usado com o categoria ontológica, portanto relacionada com
exclui aspectos im portantes que, conform e a com preensão grega, a com preensão da existência, para a descrição daqueles fatores sobre
não podiam ser separados de "religião',' pelo m enos não conform e o os quais repousa, conform e a com preensão budista, a existência das
aspecto term inológico, e assim seria estreito demais para abranger coisas. Também aqui fica evidente que há apenas um denom inador
todas as áreas abraçadas pelos term os gregos. com um relativam ente pequeno entre nosso te rm o religião e a ampla
A situação não fica mais fácil quando com eçam os a procurar por gama de significado de darma.
correspondências term inológicas com o nosso term o religião em con­ O problema continua quando colocam os outros term os em re­ Religião co m o ta o?
textos culturais fora do Ocidente. lação com nosso te rm o religião. Se escolhem os do âm bito asiático-
Religião co m o dín ? No âm bito islâmico, a palavra árabe dín é considerada com o tal oriental o te rm o tao — com o "ca m in ho" ou "princípio" que está na
term o. É derivada da raiz semítica dâna, que significa aproxim adam en­ base de tudo que é real — , então abrem-se perspectivas inteiram ente
te "acertar algo" — a saber, aquilo que se deve (a Deus) — e que, novas sobre o objeto que designam os com o "religião'.' Pois tao tem ,
nesse sentido, tan to um significado mais específico com o um signifi­ volvidos principalm ente em duas direções: por um lado, tenta-se pro­
cado mais genérico do que "religião',' ao designar a ordem do cosm o curar esse com um em determ inados conteúdos, numa "substância"
inteiro, mas ao m esm o te m p o descreve a harmonia de princípios que com um (compreensão substancialista, às vezes tam bém substancial);
estão interligados e se condicionam m utuam ente. Quando procuramos certos pesquisadores de religião até esperam poder descobrir, desse

definir a diversidade das religiões chinesas por m eio de uma espécie modo, a "natureza',' a "essência" da religião que está na base de to ­

de term o coletivo — por m eio do te rm o bai shen, aproxim adam ente das as religiões distintas. Outra tentativa consiste em perguntar por

"veneração dos deuses" — , estam os nos movendo numa área que, aquilo que as distintas religiões realizam (independentem ente de seus

por um lado, se aproxima m uito de nossa com preensão de religião, conteúdos distintos), quais estruturas têm em com um , independente­

mas, por outro, enfoca som ente um único aspecto de "religião" no m ente de objetos e aspectos de conteúdos individuais, quais funções
cum prem (compreensão funcional, que está tam bém na base da com ­
contexto chinês.
Uma perda total de qualquer chão seguro há, por exemplo, no preensão funcionalista, mas que deve ser distinguida desta).

caso das religiões africanas ou oceânicas, onde geralm ente não en­ Quanto à com preensão substancialista de "religião',' os conteú­ C om preensão
dos que parecem constituir o m enor denom inador com um das reli­ substancialista da
contram os nada que se destaque com o uma área parcial claramente religião
distinguível de "religião" dentro do com plexo geral da cultura. Não é giões são definidos de m odo mais am plo ou menos amplo.

de admirar que, antigam ente, viajantes ou etnógrafos que se confron­ Dado o vínculo do term o religião com a história cultural e inte­

taram com essas culturas julgaram ou que ali não haveria religião algu­ lectual do Ocidente, não surpreende que m uitas vezes "D e u s" seja

ma ou concluíram que ali tudo seria religião. indicado com o o elem ento fundam ental constitutivo de tais definições
Seja o que fo r que te n te m o s fazer, ou nosso te rm o "religião" — ocasionalmente de form a m uito concreta, às vezes tam bém na for­
0 te rm o religião
en tre validade é estreito demais, ou é am plo dem ais para abranger aquilo que em ma de um abstrato ("divindade") ou no plural ("de use s").
universal e
outras tradições religiosas e culturais é descrito com te rm o s que pa­ Por exemplo, Günter Lanczkowski definiu religião com o "u m fe­
vinculação cultural
recem corresponder a ele. Além disso, nesses term os ressoam sig­ nôm eno primordial inderivável, uma grandeza sui generis, constituída

nificados não explícitos que não correspondem im ediatam ente àquilo através da relação recíproca existencial entre ser humano e Deus, por

que está em nossas m entes quando pensam os em "religião'.' Portan­ um lado, [...] e, por outro, através das reações do ser humano, sua

to, a pergunta é: será que é realm ente possível encontrar na diver­ 'direção rumo ao absoluto, incondicionado"' (12, p. 33 s.). Indicando o

sidade das religiões algo com o o m enor denom inador com um que fenôm eno primordial da religião e o caráter inderivável e extraordinário

pode ser representado, com razão, pelo te rm o "religião" com o term o da religião com o fenôm eno de qualidade inteiram ente particular — sui

universal? Ou será que não é justa a aplicação de um te rm o universal generis — , Lanczkowski define religião com o algo que é com um a

de religião que barra uma com preensão adequada da "religião" distin­ todos os seres humanos e consiste no fato de os seres humanos ex­

ta, porque, nesse caso, sem pre estam os reduzindo nossa percepção perim entarem Deus existencialm ente e reagirem a isso. Dessa manei­

da outra religião àquilo que corresponde à nossa com preensão de ra, Deus se torna a grandeza constitutiva da religião; não pode haver
religião sem Deus.
"religião"? Para todos os efeitos, há bons m otivos de levar tal ques­
tionam ento a sério. Qualquer que seja nossa resposta, ela não muda Tal definição de religião não é unicamente de Lanczkowski. Uma

nada no problema básico: em últim a análise, subsiste uma tensão das definições clássicas" de "religião" no âm bito de uma teoria de

não dissolúvel que surge do fato de que nosso te rm o religião, por um religião mais antiga, formulada no contexto de assuntos da antropolo­

lado, perm anece vinculado ao contexto histórico-cultural do Ocidente, gia cultural e ainda com pletam ente sob a influência do evolucionismo,

mas que ele, por outro, sendo um te rm o universal, te m a pretensão pode ser considerada a predecessora dessa definição: Edward Burnett Religião com o
Tylor (1832-1917) definiu religião com o "fé em seres espirituais" (133, fé em "sere s
de captar adequadam ente fenôm enos correspondentes fora desse su p e rio res"
p. 383 s.). Essa definição se distingue da de Lanczkowski apenas pelo
contexto histórico-cultural.
O problema estaria resolvido se conseguíssem os identificar aqui­ detalhe de que Tylor presum e que na fase primitiva do desenvolvim en­
lo que é com um a todas as religiões e defini-lo term inologicam ente to da humanidade teria existido a fé em espíritos, posteriorm ente subs­
com o "religião'.' A té agora, esforços nesse sentido estão sendo desen­ tituída pela fé em m uitos deuses (politeísmo), respectivam ente em um
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0 Q U E É R ELIG IÃ O '?

deus (monoteísmo). Como term o universal para deuses (no singular ou


medida a "transcendência',' a "experiência da transcendência" são
plural), espíritos ou outros seres superiores serve-lhe o term o "seres
constitutivas para o budism o prim itivo, mas tam bém para o confucio-
espirituais" (spiritualbeings).Também o sociólogo da religião M ilford E. nism o ou o taoism o.
Spiro define, nessa tradição, religião com o instituição constituída por
Tais dificuldades parecem não ocorrer naquelas definições que re­ Com preensão
uma "interação culturalm ente determ inada com seres sobre-hum a­ funcional de religião
nunciam a definições substancialistas de religião. Estas não perguntam
nos (superhum an beings) culturalm ente postulados" (apud 23, p. 21).
o que a religião é, mas o que ela faz, respectivam ente o que ela causa,
Günther Kehrer, que adere a essa compreensão de religião, constata
ou seja, qual seu empenho e quais as funções que cumpre. Com isso
com razão que "todas as definições substanciais de religião desem bo­
é vinculada a suposição de que a religião reage a problemas humanos
cam, de uma maneira ou de outra, na definição de que religião é a fé
com uns e fundam entais que não podem ser resolvidos de m odo "té c ­
em seres sobrenaturais e, com isso, são em última análise modifica­
nico" — necessidades básicas, perguntas pelo sentido, crises existen­
ções da definição deTylor" (ibid., p. 23).
ciais etc. — , e que seu empenho consiste em oferecer "soluçõ es" para
Contra tais definições de religião levantou-se repetidam ente a
esses problemas. C onsequentem ente, a religião faz parte da condição
objeção de que nem todas as religiões conhecem algo com o deus,
humana do ser humano. No entanto, é discutível em que medida os
deuses ou "seres sobrenaturais',' e aqui volta-se sem pre a apontar para
problemas mencionados ocorrem "em si','ou seja, independentem ente
o budism o prim itivo. Outras definições substancialistas de religião ten­
de culturas; e se esse não é o caso tam bém as respostas à pergunta
tam contornar a dificuldade ao definir fenôm enos mais fundam entais
pelo em penho de religião precisam ser m uito diversificadas, conform e
com o conteúdo ou objeto de religião.
os diferentes contextos culturais, e estam os, de repente, confrontados
Sacralidade e Especialm ente na tradição da fenom enologia da religião clássi­
com uma multiplicidade de definições funcionais de religião.
experiência de
ca, esse lugar foi ocupado pelo te rm o sagrado ou sacralidade. Nathan
transcendência Im portante é tam bém perguntar quais em penhos se espera da re­
Sõderblom constatou explicitam ente que religião é possível tam bém
ligião, em vista da cultura em seu conjunto. Na perspectiva dos modelos
"se m um conceito determ inado de divindade',' e chega à conclusão:
funcionalistas "clássicos" a função principal da religião consiste na inte­
"Sacralidade é a palavra determ inante na religião" (destaque meu;
gração na sociedade. Seus representantes são, em primeiro lugar, o de­
apud 73, p. 76). Ao m esm o tem po, Rudolf O tto define em sua obra
fensor do funcionalismo etnológico, Bronislaw M alinowski (1884-1942),
Das H eilige (O sagrado) o sagrado com o categoria fundam ental pela
mas tam bém o sociólogo da religião Émile Durkheim (1858-1917). Vin­ Integração social
qual se capta "religião'.' Essa linha da tradição é adotada e desenvolvi­
culado com estas teorias está geralm ente um m odelo harmonizante
da em m uitos casos: para Gustav M enschling, "religião é o encontro
de cultura: a suposição é de que a cultura "fun cion e" de m odo ideal
experienciado do ser hum ano com a realidade do sagrado e a atuação
quando as diferentes áreas parciais nas quais existe (ciência, econo­
responsorial do ser hum ano determ inada pelo sagrado" (37, p. 15);
mia, direito, religião...) se com plem entam mútua e harm onicam ente e
e, embora Mircea Eliade afirm e estar isento da responsabilidade de
estão em recíproca sintonia. Nesse contexto, a função e o desem pe­
definir "religião" devido à m etodologia por ele escolhida, da apresen­
nho particular da religião seria integrar as pessoas à sociedade e, des­
tação m orfológica de fenôm enos religiosos, ele se refere de facto
sa maneira, garantir o funcionam ento harm ônico da sociedade. Mas
à categoria do sagrado que se manifesta, segundo sua opinião, no
será que isso se verifica? Será que m uitos exem plos — especialm ente
m odo de form ação de diferentes form as fenom enológicas do sagra­
da história da religião mais recente — não atestam que a religião tem
do — na "m odalidade" de diferentes "h ie ro fa n ia s" (76, p. 31 s. et
tam bém uma função desintegrante e, nessa forma, pode ter tam bém
passim). Outras definições substancialistas de religião trabalham com um efeito desestabilizador?
uma abstração ainda m aior e definem com o a essência fundam ental Também definições funcionais de religião têm seus limites: quan­
de religião a transcendência, respectivam ente a experiência da trans­
to mais concretam ente relacionadas com culturas determinadas, tanto
cendência. Mas é duvidoso se isso pode realm ente resolver o proble­ mais diversificadas serão as respostas à pergunta: "O que é religião?"
ma com um a todas as definições substancialistas de religião: a saber,
De m odo semelhante ao caso de definições substancialistas de reli­
que uma definição do te rm o "religião" conform e seu conteúdo exclui gião, tam bém definições funcionais de religião são tanto mais gené­
determ inadas "religiões'.' Por exemplo, perm anece polêm ico em que ricas quanto mais abstratamente é definido o em pehho de "religião'.'
CAPÍTU LO II f f ,
I N T R OD U Ç Ã O Ã
0 Q U E É R E L IG IÃ O ? Cl
C IÊ N C IA DA R E L IG IÃ O

Um exemplo para um grau especialmente alto de abstração é a teoria islam ism o e a Antiguidade [...] para uma im agem 'prototípica' de reli­
O rientação e
oferta de sentido de religião do sociólogo da religião (falecido em 1998) Niklas Luhmann, gião [...]. Esse ponto de partida orientado no p ro tó tip o favorece uma

que define o empenho de religião aproximadamente assim: o mundo é busca substancialista que procura o 'essencial' de uma religião em de­

contingente — isto é, ele é como é por acaso, e poderia m uito bem ser term inados conteúdos. Contudo, essa busca torna-se provavelmente

diferente; diante dessa situação de insegurança e indefinição, a religião tanto mais problemática quanto mais se afasta do contexto cultural e
histórico do protótipo" (15, p. 34).
torna o indefinível definível, ao reduzir a complexidade: seleciona entre
a infinidade de todas as possibilidades e, dessa maneira, produz "se n ti­ Além disso, tam bém no contexto de definições substancialistas

do'.' Portanto, o empenho particular da religião consiste em sua função de religião não é possível definir com absoluta nitidez o que, afinal, é

orientadora. Religião é a prática de lidar com a contingência por meio da religião" e o que não é. A religião com o fenôm eno cultural é tão amal­

redução da complexidade. Devido a seu alto grau de abstração, a defi­ gamada com outras áreas da cultura — economia, direito, arte, ordem

nição de Luhmann pode ser aplicada com relativa facilidade às formas política e social etc. — que não pode ser contemplada com o fenôm eno

concretas e diferentes de religião. Mas tanto a definição de Luhmann autônomo, mas som ente nessa interdependência: com o parte da eco­

com o as outras definições funcionais de religião foram submetidas às nomia (por exemplo, proibição de trabalhar aos domingos), com o parte

mais variadas críticas: elas ignorariam totalm ente conteúdos específi­ do direito (por exemplo, com o direito islâmico do estado pessoal), com o

cos e, junto com isso, tam bém a "introspecção" da religião, reduziriam parte da arte (por exemplo, uma pintura com m otivos religiosos), co­
m o parte da ordem social e política (por exemplo, com o uma cerimônia
a religião a elem entos meramente não religiosos e tornariam elem entos
religiosos e não religiosos totalm ente intercambiáveis, por meio de sua de coroação)... Portanto, a religião não pode ser fixada em conteúdos
inequívocos, não pode ser captada conform e sua "essência'.'
pergunta pelo empenho, pela função da religião.
A parentem ente, tanto definições substancialistas com o funcio­ Por isso recomenda-se, efetivam ente, renunciar a uma definição
A porias de
d efin içõ es do term o religião, com o propôs, por exemplo, o cientista da religião
nais de religião apresentam uma série de problem as que nos m ostram
substancialistas
Hans Kippenberg, de Bremen. Isso vai ao encontro da tendência ob­
e fu ncionalistas com nitidez que estam os provavelmente ainda longe de uma definição
de religião servada tam bém em outros cientistas da religião a deixar a questão
clara de "religião'.'
em aberto, em definir religião com o "conceito aberto" (18, p. 33). Não Religião co m o
Diante dos lim ites e insuficiências de ambas as aproximações foi
"c o n c e ito aberto"
proposta uma "com binação do m étodo funcional e do m étodo subs­ obstante, tal renúncia à definição do term o religião acarreta novos pro­
blemas: se realmente for impossível definir "religião',' isso não deveria
tancial" para se aproximar passo a passo de uma definição da religião e
neutralizar as respectivas fraquezas das definições funcionalistas m e­ significar renunciar à Ciência da Religião com o disciplina independente

diante as forças das substancialistas, e vice-versa: "Leva-se em conta o e dissolvê-la em suas disciplinas parciais — desde as Filologias, da So­
ciologia e da Etnologia, passando pela Psicologia e até a Orientalística e
aspecto exterior da religião através da ligação dos conteúdos e formas
outras disciplinas das Ciências Flumanas — ou integrá-la numa unidade
religiosas com o problema da constituição de sentido social e indivi­
dual, e o aspecto interior da religião, através da consideração de sua maior — na Teologia ou na Filosofia? Portanto, se for desejável preser­
var a autonomia da pesquisa da religião com o disciplina científica, talvez
relação com o transcendente e das form as de tornar o transcendente
seja preciso estabelecer não necessariamente uma definição estreita,
contem plável" (185, p. 190). Mas, diante da diversidade das autodefi-
nições e alterdefinições de "religião','tam bém sem elhante combinação mas pelo menos uma caracterização aproximativa de "religião"

de definições funcionais e substancialistas de "religião" provavelmente De fato, isso foi e está sendo tentado de vários lados. Não é

não nos presenteará, num futuro próximo, com nenhum term o supra- raro que as respectivas propostas procurem uma articulação das com -
preensões funcional e substancialista de religião. Por exemplo, Jacques Religião co m o
histórico com um de religião que abranja todas as religiões.
siste m a de
Provavelmente, uma definição de religião proveniente do contex­ Waardenburg define "religião no nível abstrato principalmente com o
orientação

to ocidental "cristão" vai se orientar sem pre prim eiram ente por aquilo orientação, e religiões com o uma espécie de sistem as de orientação"

que ela conhece com o "religião" no quadro de sua história cultural. (18, p. 34). Isso tem vantagens em dois sentidos: por um lado, o ter­

Como constatou Fritz Stolz, cientista de religião de Zurique, nesse m o religião não é definido de modo demasiado estrito, mas mantido

processo se form am "experiências com o cristianism o, o judaísmo, o aberto, de m odo que podem ser contem plados tam bém tais sistemas
de orientação que se caracterizam a si m esm os com o não religiosos aspecto e elevado à qualidade de fundam ento da respectiva definição
mas, conforme uma análise mais atenta, apresentam efetivam ente de religião. Dessa maneira, religião aparece com o "fé',' com o "experiên­
elem entos religiosos; por outro lado, o term o religião não é ampliado cia',' com o "ética',' com o "sistem a de pensamento',' com o “ ato" (ritual)
aleatoriamente, mas descreve fenôm enos afins que têm certas carac­ etc. Portanto, sem elhante procedim ento reduz "religião" a determ ina­
terísticas em comum , Waardenburg pessoalm ente menciona, entre ou­ do aspecto, pois precisa, ao m esm o tem po e para m anter a definição
tros, elem entos com o "experiências e condutas especiais relacionadas universalm ente válida, abstrair tão fortem ente que a religião concreta,
com forças e contextos religiosos que estariam na base da vida e do vivida, mal pode ser reconhecida por trás da definição abstrata. Simul­
m undo [...], normas e valores tidos com o absolutos [...], determinados taneam ente, a definição de religião assim apurada revela m uita coisa
pontos de orientação do além, de valor incondicionado, até absoluto, sobre as pessoas que a estabeleceram, ela até informa geralm ente
que têm o efeito de gerar sentido [...]" (18, p. 34 s.) Ele vê a função mais sobre as posições e preferências dos pesquisadores do que so­
religiosa de semelhantes sistemas de orientação no fato de que "sua bre a própria religião.
geração de sentido efetivam ente é aceita com o objetiva, absolutamente Essa observação leva a uma segunda: "religião" abrange toda
válida e, por isso, com o evidente" (18, p. 35). Essa definição funcional uma "fam ília" de com ponentes. Portanto, o term o religião precisa se
perm ite observar, por um lado, a mudança de "sistem as de orientação" referir a uma coleção de diferentes fatores, critérios e dim ensões que,
que se afastam das religiões e se aproximam de "sistem as meramente em seu conjunto, descrevem um quadro no qual a ciência da religião
sociais" e, por outro, analisar, em term os científico-religiosos, o efeito pode inserir seu objeto. No entanto, esse quadro não é "preestabeleci­
"religioso" de sistemas de orientação não religiosos. do objetivamente',' mas "construído" por meio da atuação de cientistas
Foi tentado repetidam ente tam bém de outros lados nomear cri­ da religião: são eles — os pesquisadores — que constroem , a partir de
térios que perm itam definir mais concretam ente aquilo que se quer elem entos relacionados entre si e de form as de expressão, um esque­
dizer com "religião',' sem fechá-lo na camisa-de-força de uma definição ma ideal-típico que determina o que pode ser considerado "religião'.'
D im ensões estreita. Aqui deveríamos mencionar, entre outras, as tentativas de­ Então, o que é "religião"? Primeiramente um construto científico Religião com o
de religião senvolvidas por Charles Glock e Rodney Stark de descrever várias "d i­ " co n stru to "
que abrange todo um feixe de definições de caráter funcional de con­
científico
m ensões" de religiosidade: a dimensão ideológica, a dimensão ritua- teúdo, através do qual podem ser captados, com o "religião',' num es­
lista, a dimensão da experiência, a dimensão intelectual e tam bém a quema, elem entos relacionados entre si e form as de expressão, com o
dimensão pragmática. O próprio Glock reduziu posteriorm ente as cinco objeto e área de pesquisa científico-religiosa (e outra). Pertencem a
dim ensões por ele propostas a quatro, mas outros, por sua vez, encon­ esses elem entos e formas, entre outros, dim ensões da ética e da
traram mais: por exemplo, o cientista da religião britânico Ninian Smart atuação social (normas e valores, padrões de com portam ento, form as
(falecido em 2001) distingue em sua obra clássica sobre a experiência de vida), dim ensões rituais (atos cúlticos e outros atos simbólicos), di­
religiosa da humanidade as dim ensões ritual, mitológica, magisterial, m ensões cognitivas e intelectuais (sistemas de doutrina e de fé, m ito­
ética, social e experim ental; Ursula Boos-Nünning, por sua vez, acres­ logias, cosm ologias etc., ou seja, todo o saber "religioso"), dim ensões
centa às cinco dim ensões estabelecidas por Glock e Stark uma sexta sociopolíticas e institucionais (formas de organização, direito, perícia
— o vínculo com a comunidade — , mas sintetiza várias outras numa religiosa etc.), dim ensões sim bólico-sensuais (sinais e símbolos, arte
categoria mais genérica de "religiosidade em geral'.' religiosa, música etc.) e dim ensões da experiência (experiências de vo­
Esses exemplos m ostram que tam bém a definição de distintas cação e de revelação, sentim entos de união mística, experiências de
dim ensões ou com ponentes de "religião" perm anece extrem am ente cura e de salvação, experiências de com unidade e de unificação...).
não uniform e, até contraditória. No entanto, essa tentativa de identifi­ Com essas definições renuncia-se a uma definição inequívoca
car uma série de fatores que nos perm item analisar mais concretam en­ de "religião"; no sentido de Waardenburg, o term o religião permanece
C om plexidade te o campo do significado de "religião" mostra duas coisas: a primeira conscientem ente aberto. Desse modo, tam bém a pergunta pela prefe­
e p luralism o na é que as definições "costum eiras" de "religião" são geralm ente ca­ rência de uma compreensão mais substancialista ou mais funcional de
d efinição de
"re lig iã o " racterizadas pelo fato de definirem seu objeto de m odo "unidim ensio­ religião passa a segundo plano, tanto mais que é preservada a possibili­
nal'.' Entre a grande variedade dos fatores é selecionado determ inado dade de articular os dois conceitos. Ao m esm o tem po, são levados em
ih t r o g u ç Ao A j /

CIÊNCIA DA RELIGIÃO ~ ' V

consideração os próprios pesquisadores, que em sua atuação "cons­


trutora" atribuem pesos diferentes às distintas dimensões da área e do
objeto científico-religioso e, correspondentem ente, colocam acentos HISTÓRIA DA RELIGIÃO
diferentes na definição de "religião'.' No entanto, na Ciência da Religião
há amplo consenso sobre o fato de que uma compreensão científico-
religiosa de "religião" por sua vez não deve ser "religiosa" portanto
deve ser feita uma nítida distinção entre o discurso religioso — afirma­
ções religiosas, portadores de atuação, sím bolos e categorias etc. — e
construções científico-religiosas — a definição de elem entos relacio­
nados entre si e form as de expressão, com ajuda de um padrão de
form ações term inológicas formais no nível de uma "m etalinguagem "
uma linguagem específica científica, além da linguagem religiosa.
No entanto, neste ponto deve-se te r cuidado para não jogar fora
A realidade a criança com a água do banho. A constatação de que o term o de
da religião
religião é um construto científico não significa que estaríamos lidando A história da religião com o disciplina acadêmica repousa sobre duas
com uma mera ficção que não teria sua correspondência na realida­ colunas: a Ciência da Religião Histórica ou História da Religião e a Ciên­
de. Antes, "religião" m anifesta-se não som ente em nossa linguagem cia da Religião Sistemática, tam bém chamada de Ciência da Religião
cotidiana, ela tam bém é considerada com o um dado estabelecido no Comparativa. Esta distinção rem onta ao cientista da religião Joachim
direito e na legislação. Com isso, religião é mais do que apenas "som Wach (1898-1955), que propôs estruturar a disciplina dessa maneira já
e fum aça" — é uma realidade social, um processo de comunicação em 1924. Aqui, hoje com o antigam ente, a distinção se refere a duas
específico que cria realidade e ganha form a real através de atos so­ subáreas da Ciência da Religião, não a duas disciplinas. Esta observa­
ciais. Contudo, devem os estar conscientes do fato de que "religião" ção é importante, já que a Ciência da Religião com o disciplina acadêmica
tanto no que se refere à definição de seu conteúdo com o a respeito é registrada, na Alemanha, sob nomes diferentes: onde está integrada
de suas funções, está atualm ente subm etida a uma rápida mudança e em faculdades teológicas, chama-se não raramente "H istória da Reli­
a profundas transform ações. Religião política, esporte com o religião, gião'.' No entanto, isso não significa que ali seja feita apenas Ciência da
religião na cultura popular, religião e m eios de comunicação, nova reli­ Religião Histórica. Aqui com o em outros lugares, a maioria dos e das
giosidade, N ew Age etc. seriam alguns tópicos que indicam esse tipo cientistas da religião trabalham em ambas as áreas da disciplina.
de transform ação. Essas mudanças e rupturas poderiam nos obrigar a
procurar por um novo te rm o religião que reflita de modo adequado a
situação transformada. 1. HISTÓRIA DA RELIGIÃO COMO DESCRIÇÃO DO LADO DE FORA

A Ciência da Religião Histórica visa descrever os desenvolvim entos


históricos de distintas religiões e, assim, os desenvolvim entos históri­
cos dentro delas. Portanto, história da religião é prim eiram ente "traba­
lhar algo particular" (11, p. 35), e toda a diversidade das religiões pode
se tornar objeto de interesse: doutrina e prática de fé, costum es e
form a de organização, formação de tradições dentro da religião, assim
com o sua relação com outras religiões. Nesse trabalho, a História da
Religião se serve dos habituais m étodos histórico-críticos e procura
apoio de ciências afins, com o Psicologia, Sociologia, Etnologia etc.
Sob aspectos formais, a História da Religião pode ainda ser subdividi-

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