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INTRODUÇÃO À
CIÊNCIA DA RELIGIÃO
KLAUS HOCK
Tradução:
M onika Otterm ann
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Edições Loyola
T itu lo original:
E inführung in d ie Religionswissenschaft
2. durchgesehene A u fla ge
© 2006 by W issenschaftliche Buchgesellschaft, D arm stad t
1. A u fla g e 2002
H indenburgstrasse 40, 64295 - D a rm sta d t G erm any
ISBN 978-3-534-20048-1
Edições Loyola
Rua 1822, 341 - Ipiranga
04216-000 São Paulo, SP
T 55 11 3385 8500
F 55 11 2063 4275
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EM MEMÓRIA DE FRITZ STOLZ (1 9 4 2 -2 0 0 1 )
Um dos poucos a conseguir demonstrar,
de modo convincente,
o nexo interior entre Ciência da Religião e Teologia:
ISBN 978-85-15-03737-7 com o não separadas e ^ .
© EDIÇÕES LOYOLA, São Paulo, Brasil, 2010 sob preservação de suas respectivas integridades,
e ainda assim para o proveito de ambas.
CAPÍTULO I
O TERMO SISTEMÁTICO
os distintos fenôm enos religiosos, definir seus conteúdos religiosos vem ser mencionadas ainda algumas outras vertentes da pesquisa que
e compreender, dessa maneira, a "essência" da religião. Na segunda nas últimas décadas contribuíram consideravelm ente para o desen
metade do século XX, a Fenomenologia da Religião em sua form a tra volvim ento da Ciência da Religião. A Geografia da Religião trata dos
dicional se tornou alvo de fortes críticas. Por isso, os prim eiros novos im pactos m útuos entre religião e am biente (frequentem ente tam bém
inícios são tímidos, renunciam deliberadam ente a essa "contem plação sob o term o "Pesquisa de Religião e M eio A m biente" ou "Geografia
da essência" e dirigem sua atenção à pergunta pelas intenções com da A titude Espiritual"), analisando tanto o im pacto da religião sobre o
as quais pessoas atribuem aos fenôm enos um sentido religioso, isto m eio ambiente (influência sobre o m eio ambiente) com o o im pacto do
é, um sentido que é, para elas, obrigatório e inquestionável. m eio ambiente sobre a religião (dependência do meio ambiente). A Es
A Sociologia da Religião dedica-se a questões da relação entre tética da Religião pergunta por aquilo que nas religiões pode ser perce
religião e sociedade. Como denominação de uma disciplina científica, bido pelos sentidos e procura analisar a relação complexa entre religião
o term o remonta a Max W eber e concentrou-se, desde o tem po dele, e processos de percepção. A Economia da Religião, por sua vez, uma
principalmente na pesquisa de religiões em sociedades complexas mo subdisciplina em ascensão, está interessada nas questões da relação
dernas. São de seu especial interesse questões como, por exemplo, a entre religião e economia, enfocando tanto as condições econômicas
relação entre religião e form as da organização social, religião e política, com o as consequências econômicas da atuação religiosa.
religião e camadas sociais ou religião e família. Temas com o "seculari- Também a Fundamentação da Religião e a Crítica da Religião per
zação',' "fundam entalism o" e "religião civil" estão, em certa medida, há tencem à área da pesquisa acadêmica da religião, bem com o a Filoso
muitas décadas entre os tem as centrais da Sociologia da Religião. fia da Religião. Conform e sua autocom preensão com o ciência, porém,
Em contraste com a Sociologia da Religião, a Etnologia da Reli a Ciência da Religião se confronta com seu objeto aqui necessaria
gião especializou-se prioritariam ente na pesquisa de religiões em so m ente de modo "crítico'.' Uma perspectiva de cooperação entre a Ciên
ciedades de passado ágrafo, mais exatam ente em sociedades menos cia da Religião e a Filosofia está se abrindo no esforço partilhado em
complexas. Além disso, o critério do "culturalm ente alheio" represen prol da elaboração de uma linguagem científica com um , com base
ta outra diferença entre as duas disciplinas, que quase não diferem em padrões e modos de procedim ento m etodologicam ente claros.
em seus métodos. No nível teórico de seu objeto, a Etnologia da Reli Especialmente disputada é a pergunta pela relação entre Teolo
gião trabalha, por exemplo, com a análise de m itos — os equivalentes gia e Ciência da Religião. Tanto a sintetização na form a da "Ciência da
aos "escritos sagrados" — , e no nível da prática religiosa trabalha, por Religião Teológica" com o o distanciam ento e o fecham ento de uma
exemplo, com a análise de form as de rituais. Não obstante, considera- Ciência da Religião que, alegadamente, trabalha de modo neutro e
se que os dois níveis estão numa estreita relação recíproca. Em sua objetivo, contra a Teologia, não são m odelos que têm futuro. Diante d e ^
tentativa de com preender cientificam ente algo culturalm ente alheio, a estratégias de apoderam ento teológico e tam bém por causa de estra
Etnologia da Religião colocou, há algum tem po, seu enfoque na pes tégias de imunização da parte da Ciência da Religião, é fundam ental
quisa de form as sim bólicas de expressão, por m eio das quais espera m anter o princípio de que a Ciência da Religião, com o disciplina aca
ganhar maior com preensão de sistem as religiosos de significação. dêmica autônoma, apresenta uma série de pontos de contato com a
A Psicologia da Religião, em contraste, dedica-se prioritariam en Teologia. No entanto, nem m esm o no caso de seu vínculo institucional
te à relação entre o indivíduo e a religião, partindo da constatação de com faculdades teológicas a Ciência da Religião se dilui na Teologia. É
que a religião — especialm ente no plano da experiência religiosa e da justam ente a possibilidade de distinguir Ciência da Religião deTeologia
práxis religiosa — tem seu lugar na experiência individual dos seres que nos oferece, para além de um sim ples lado-a-lado m etodologica
humanos. Tanto vertentes de orientação empírica com o da psicologia m ente controlado, a perspectiva de convivência que se recomenda por
profunda contribuíram decisivam ente para o desenvolvim ento dessa causa dos objetos de suas pesquisas.
disciplina. Por causa de sua grande experiência com m étodos quantita Ao longo de sua breve história, a Ciência da Religião com o dis
tivos e qualitativos, a psicologia empírica da religião te m ganhado, re ciplina acadêmica conseguiu firm ar sua posição tanto em faculdades
centem ente, uma crescente importância para a pesquisa da religião. de Ciências Flumanas, com o de Filosofia ou Ciências Culturais, com o
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da atuação correta no ato religioso, o term o pode ser interpretado em Na época da Reforma surge, no uso do term o religio, um desloca
vários sentidos. m ento do acento de amplas consequências: por um lado, os hum anis
Cícero (106-43 a.C.), em seu tratado De natura deorum (Sobre tas com eçam a relacionar religio sem pre mais com aquilo que a lingua
a natureza dos deuses) define reügio com o cultus deorum, ou seja, gem popular chama de "fé cristã c o m u m " ou tam bém de "confissão"
com o "cu lto aos deuses',' com o "cu ltivo " ou "adoração" dos deuses, Com a Reforma, "religião" se torna um term o que desem penha uma
estando em evidência o com portam ento ritual correto. Quase com o função crítica: contra "superstição" e "m ag ia" mas tam bém contra a
term o oposto de neglegere, "negligenciar" relegere, "observar cui atuação cúltica da Igreja Católica Romana em seus serviços divinos,
dadosamente',' se refere à realização e à sequência correta dos atos que, aos olhos dos reformadores, era errada. Por outro lado, te m iní
no culto, no serviço a deus ou, mais corretam ente, no "se rviço aos cio uma tendência à generalização do term o religião que se impõe,
deuses'.' Desse modo, Cícero expressa a com preensão romana de aos poucos, com o llum inism o. Num prim eiro m om ento, "religião" se
"religião" conform e a qual se trata na religião menos de crer correta torna algo que, de form a conceituai, está por trás da diversidade das
m ente do que. de realizar corretam ente os atos dirigidos aos deuses distintas religiões e, com o term o, acima dessa diversidade. (Cf. para
— portanto, a religião romana caracteriza-se não pela ortodoxia, mas isso, por exemplo, a com preensão de religião com o natural religion
pela ortopraxia. [religião natural] em David Hume [1711-1776].)
Lactâncio, um escritor e orador cristão do século lll/IV, porém, Esse desenvolvim ento continua no llum inism o tardio. "Religião" A generalização
indica um outro significado: ele deriva reügio óe re lig a re — ligar (amar aparece com o um "to d o " ideal que está presente nas religiões som en do te rm o religião
no llu m inism o
rar), ligar de novo, ligar de volta, levar de volta. Mais tarde, o grande te de form a truncada e insuficiente. Com isso, o term o, o conceito de
teólogo cristão Agostinho (354-430) adota essa definição e descreve a religião entra numa relação de dupla tensão com as religiões reais. Por
religio vera, a "religião verdadeira',' com o aquela que é orientada pelo um lado, volta-se de maneira crítica contra as form as históricas con
zelo de reconciliar e "ligar de vo lta " a alma que se afastou de Deus ou cretas das religiões existentes, declarando a religião em si um ponto
se desgarrou dele. arquimediano a partir do qual pode ser formulada a crítica às formas
R ecentem ente foi proposta uma terceira variante: derivar religio concretas de religião. Por outro lado, a religião em si é tirada da com
de rem ligare, "am arrar a coisa',' no sentido de "descansar das inquie petência da Crítica da Religião, já que em tal form a sem form a ela não
tudes'.' pode ser verificada em nenhuma realidade existente. Essa relação de
O debate sobre a derivação certa do term o religio mostra que a tensão dupla entre religião e religiões reflete uma ambivalência cons
definição do term o não é possível nos m oldes de uma definição obje tante do term o e conceito de religião do llum inism o, que pretende anu
tiva, "dada',' mas perm anece vinculada a um contexto histórico-cultural lar dentro de si a Crítica da Religião e a Fundamentação da Religião. A
específico. chamada "Parábola do anel',' na peça teatral Natã, o Sábio, de Gotthold
A m udança do te rm o Não obstante, uma série de indícios favorece a derivação do ter- Ephraim Lessing (1729-1781), é um exem plo especialm ente im pressio
reiigião na históna mo cu/fus deorum no sentido da "atuação correta'.' Por exem-
r e n g j0
intelectual ocidental nante disso: por um lado, as religiões concretas — no caso, judaísmo,
plo, o term o contrastante de religio, a superstitio, não se referia a uma cristianism o e islam ism o — são subm etidas a uma crítica voltada prin
fé errada (posteriorm ente "superstição"), mas a uma atuação errada cipalm ente contra suas respectivas pretensões de superioridade. Por
— errada no sentido de um ato incorreto ou tam bém realizado de modo outro, essa crítica se baseia na ideia da religião única e verdadeira em
exagerado, sem legitimação ou autorização. Como outro indício em fa si que abre aos seres humanos futuro e vida (sobrevivência).
vor dessa derivação deve ser considerado que, apesar da mudança de Especialmente na aplicação do term o geral "religião" à história do O te rm o religião a
enfoque teológico provocada por Agostinho acerca da compreensão cristianism o, a relação de dupla tensão entre o term o e conceito de re
se rviço da Critica
da Religião e da
de religio, tam bém no cristianism o foi preservado, por algum tem po, o ligião e religiões concretas levou, nos séculos XIX e XX, sempre de novo Fundam entação
aspecto da ortopraxia: re lig io sisão monges e freiras, ou seja, m em bros tanto à justificação da crítica ao cristianism o com o à fundam entação da Religião
de ordens e congregações, e o status religionis com o status perfectio- da exigência do cristianism o de ser reconhecido com o absoluto. Por
nis encontra sua expressão principalmente na atuação cúltica correta, um lado, o term o geral religião é usado para refutar categoricam ente a
e não naquilo que é "crido'.’ pretensão do cristianism o de possuir uma posição sobrenatural, alega-
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dam ente "absoluta" fora da história, e para descrever a religião cristã desse modo, evoca associações m uito diferentes de nosso term o re
juntam ente com todas as outras religiões, no m esm o nível e dentro ligião. O Alcorão menciona, por exemplo, o yaw m ad-dín, o "D ia do
da mesm a história universal. Por outro lado, o evolucionism o histórico, A certo" (do Julgamento). Em árabe, dín (plural: adyân) pode sem pro
em sua combinação com a conceituação de "religião" com o term o blema designar uma religião ou religiões no sentido de nosso term o.
geral no singular, fez que a exigência de reconhecer o caráter absoluto No entanto, ao m esm o tem po, dín descreve tam bém mais do que
do cristianism o pudesse ser justificada de maneira nova: pela suposi sim plesm ente "religião',' a saber, form as de vida, costum es e hábitos
ção de que "a religião" perpassaria um processo de desenvolvim ento (ordenados conform e ordem e direito).
linear e, desse modo, estaria se movendo em direção à sua realização No âm bito Índico, a situação é outra ainda. Aqui, o term o corres Religião co m o
no mundo, e nesse processo o cristianism o, com o form a mais civiliza d harm a?
pondente, dharma (darma), do sânscrito, é derivado da raiz dhr, que
da e mais altam ente desenvolvida de religião, estaria mais perto desse significa aproxim adam ente "carregar, segurar"
ideal do que as outras religiões da humanidade. Darma inclui um leque extrem am ente amplo de significados e
Portanto, desde a era do llum inism o estam os lidando com o pro associações, e a gama vai desde conceitos míticos segundo os quais
blema de que o term o religião, com o um term o da história intelectual os deuses "seguram , mantêm unido" o cosmo, passando por concei
ocidental, deve sua origem e a definição de seu conteúdo ao contex tos de um princípio ordenador do cosm o ou uma com preensão de dar
to histórico-cultural específico da Europa, por um lado, mas que ele, ma com o "lei',' até a denominação da ordem de castas em tradições
com o conceito geral, por outro, reivindica a possibilidade de nomear hindus, que colocam em evidência, com esse uso do term o, aspectos
tam bém em outros contextos histórico-culturais algo que corresponde do sistema de ordenam ento ritual e social.
àquilo que ele descreve no Ocidente ("cristão"). Nas tradições do budismo, por sua vez, o te rm o — em páli,
Na Grécia Mas a coisa é ainda mais complicada. Não som ente em outras dhamm a — é relacionado com o ensinam ento do Buda, parcialm ente
clássica: falta de
culturas, tam bém em outras épocas históricas não há uma correspon tam bém à chamada "Senda Ó ctupla" com o concretização do ensina
correspondências
com o te rm o dência com o term o "religião'.' M esm o o berço da cultura ocidental, mento. Isso reflete im ediatam ente a autocom preensão budista de
m oderno de religião
a Grécia clássica, não conhece um term o que corresponda ao nosso que o Buda não anunciou verdades m etafísicas e dogm as "re lig iosos"
term o religião: eusébeia designa te m o r e respeito, porém não se diri mas expressa em seu ensinam ento sim plesm ente a ordem — o dar
ge apenas aos deuses, mas tam bém a seres humanos (pessoas vene ma — das coisas com o são verdadeiramente. Entretanto, darma pode
ráveis) ou objetos (valores ou normas comprovados); latreía pode se designar tam bém o sistem a doutrinal de outros m estres — ou até os
referir a um serviço cúltico, mas em prim eiro lugar designa um serviço ensinam entos, as doutrinas e a "le i" de outras religiões. Mas isso não
prestado, num sentido m uito geral e profano, e threskéia descreve basta: darma descreve a prática do ensinam ento respectivam ente da
um ato concreto no sentido do cum prim ento de um m andam ento. É ordem cósmica no sentido de sua realização até o nirvana — e este,
verdade que há um denom inador com um entre esses term os e nosso por sua vez, pode ser usado com o sinônim o de darma. Mas, com o
term o religião, mas o significado dos term os gregos vai m uito além categoria ética, darma pode caracterizar a conduta correta; e final
daquilo que chamaríamos de "religião'.' Portanto, nosso term o religião m ente é usado com o categoria ontológica, portanto relacionada com
exclui aspectos im portantes que, conform e a com preensão grega, a com preensão da existência, para a descrição daqueles fatores sobre
não podiam ser separados de "religião',' pelo m enos não conform e o os quais repousa, conform e a com preensão budista, a existência das
aspecto term inológico, e assim seria estreito demais para abranger coisas. Também aqui fica evidente que há apenas um denom inador
todas as áreas abraçadas pelos term os gregos. com um relativam ente pequeno entre nosso te rm o religião e a ampla
A situação não fica mais fácil quando com eçam os a procurar por gama de significado de darma.
correspondências term inológicas com o nosso term o religião em con O problema continua quando colocam os outros term os em re Religião co m o ta o?
textos culturais fora do Ocidente. lação com nosso te rm o religião. Se escolhem os do âm bito asiático-
Religião co m o dín ? No âm bito islâmico, a palavra árabe dín é considerada com o tal oriental o te rm o tao — com o "ca m in ho" ou "princípio" que está na
term o. É derivada da raiz semítica dâna, que significa aproxim adam en base de tudo que é real — , então abrem-se perspectivas inteiram ente
te "acertar algo" — a saber, aquilo que se deve (a Deus) — e que, novas sobre o objeto que designam os com o "religião'.' Pois tao tem ,
nesse sentido, tan to um significado mais específico com o um signifi volvidos principalm ente em duas direções: por um lado, tenta-se pro
cado mais genérico do que "religião',' ao designar a ordem do cosm o curar esse com um em determ inados conteúdos, numa "substância"
inteiro, mas ao m esm o te m p o descreve a harmonia de princípios que com um (compreensão substancialista, às vezes tam bém substancial);
estão interligados e se condicionam m utuam ente. Quando procuramos certos pesquisadores de religião até esperam poder descobrir, desse
definir a diversidade das religiões chinesas por m eio de uma espécie modo, a "natureza',' a "essência" da religião que está na base de to
de term o coletivo — por m eio do te rm o bai shen, aproxim adam ente das as religiões distintas. Outra tentativa consiste em perguntar por
"veneração dos deuses" — , estam os nos movendo numa área que, aquilo que as distintas religiões realizam (independentem ente de seus
por um lado, se aproxima m uito de nossa com preensão de religião, conteúdos distintos), quais estruturas têm em com um , independente
mas, por outro, enfoca som ente um único aspecto de "religião" no m ente de objetos e aspectos de conteúdos individuais, quais funções
cum prem (compreensão funcional, que está tam bém na base da com
contexto chinês.
Uma perda total de qualquer chão seguro há, por exemplo, no preensão funcionalista, mas que deve ser distinguida desta).
caso das religiões africanas ou oceânicas, onde geralm ente não en Quanto à com preensão substancialista de "religião',' os conteú C om preensão
dos que parecem constituir o m enor denom inador com um das reli substancialista da
contram os nada que se destaque com o uma área parcial claramente religião
distinguível de "religião" dentro do com plexo geral da cultura. Não é giões são definidos de m odo mais am plo ou menos amplo.
de admirar que, antigam ente, viajantes ou etnógrafos que se confron Dado o vínculo do term o religião com a história cultural e inte
taram com essas culturas julgaram ou que ali não haveria religião algu lectual do Ocidente, não surpreende que m uitas vezes "D e u s" seja
ma ou concluíram que ali tudo seria religião. indicado com o o elem ento fundam ental constitutivo de tais definições
Seja o que fo r que te n te m o s fazer, ou nosso te rm o "religião" — ocasionalmente de form a m uito concreta, às vezes tam bém na for
0 te rm o religião
en tre validade é estreito demais, ou é am plo dem ais para abranger aquilo que em ma de um abstrato ("divindade") ou no plural ("de use s").
universal e
outras tradições religiosas e culturais é descrito com te rm o s que pa Por exemplo, Günter Lanczkowski definiu religião com o "u m fe
vinculação cultural
recem corresponder a ele. Além disso, nesses term os ressoam sig nôm eno primordial inderivável, uma grandeza sui generis, constituída
nificados não explícitos que não correspondem im ediatam ente àquilo através da relação recíproca existencial entre ser humano e Deus, por
que está em nossas m entes quando pensam os em "religião'.' Portan um lado, [...] e, por outro, através das reações do ser humano, sua
to, a pergunta é: será que é realm ente possível encontrar na diver 'direção rumo ao absoluto, incondicionado"' (12, p. 33 s.). Indicando o
sidade das religiões algo com o o m enor denom inador com um que fenôm eno primordial da religião e o caráter inderivável e extraordinário
pode ser representado, com razão, pelo te rm o "religião" com o term o da religião com o fenôm eno de qualidade inteiram ente particular — sui
universal? Ou será que não é justa a aplicação de um te rm o universal generis — , Lanczkowski define religião com o algo que é com um a
de religião que barra uma com preensão adequada da "religião" distin todos os seres humanos e consiste no fato de os seres humanos ex
ta, porque, nesse caso, sem pre estam os reduzindo nossa percepção perim entarem Deus existencialm ente e reagirem a isso. Dessa manei
da outra religião àquilo que corresponde à nossa com preensão de ra, Deus se torna a grandeza constitutiva da religião; não pode haver
religião sem Deus.
"religião"? Para todos os efeitos, há bons m otivos de levar tal ques
tionam ento a sério. Qualquer que seja nossa resposta, ela não muda Tal definição de religião não é unicamente de Lanczkowski. Uma
nada no problema básico: em últim a análise, subsiste uma tensão das definições clássicas" de "religião" no âm bito de uma teoria de
não dissolúvel que surge do fato de que nosso te rm o religião, por um religião mais antiga, formulada no contexto de assuntos da antropolo
lado, perm anece vinculado ao contexto histórico-cultural do Ocidente, gia cultural e ainda com pletam ente sob a influência do evolucionismo,
mas que ele, por outro, sendo um te rm o universal, te m a pretensão pode ser considerada a predecessora dessa definição: Edward Burnett Religião com o
Tylor (1832-1917) definiu religião com o "fé em seres espirituais" (133, fé em "sere s
de captar adequadam ente fenôm enos correspondentes fora desse su p e rio res"
p. 383 s.). Essa definição se distingue da de Lanczkowski apenas pelo
contexto histórico-cultural.
O problema estaria resolvido se conseguíssem os identificar aqui detalhe de que Tylor presum e que na fase primitiva do desenvolvim en
lo que é com um a todas as religiões e defini-lo term inologicam ente to da humanidade teria existido a fé em espíritos, posteriorm ente subs
com o "religião'.' A té agora, esforços nesse sentido estão sendo desen tituída pela fé em m uitos deuses (politeísmo), respectivam ente em um
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C APÍTU LG II
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0 Q U E É R ELIG IÃ O '?
Um exemplo para um grau especialmente alto de abstração é a teoria islam ism o e a Antiguidade [...] para uma im agem 'prototípica' de reli
O rientação e
oferta de sentido de religião do sociólogo da religião (falecido em 1998) Niklas Luhmann, gião [...]. Esse ponto de partida orientado no p ro tó tip o favorece uma
que define o empenho de religião aproximadamente assim: o mundo é busca substancialista que procura o 'essencial' de uma religião em de
contingente — isto é, ele é como é por acaso, e poderia m uito bem ser term inados conteúdos. Contudo, essa busca torna-se provavelmente
diferente; diante dessa situação de insegurança e indefinição, a religião tanto mais problemática quanto mais se afasta do contexto cultural e
histórico do protótipo" (15, p. 34).
torna o indefinível definível, ao reduzir a complexidade: seleciona entre
a infinidade de todas as possibilidades e, dessa maneira, produz "se n ti Além disso, tam bém no contexto de definições substancialistas
do'.' Portanto, o empenho particular da religião consiste em sua função de religião não é possível definir com absoluta nitidez o que, afinal, é
orientadora. Religião é a prática de lidar com a contingência por meio da religião" e o que não é. A religião com o fenôm eno cultural é tão amal
redução da complexidade. Devido a seu alto grau de abstração, a defi gamada com outras áreas da cultura — economia, direito, arte, ordem
nição de Luhmann pode ser aplicada com relativa facilidade às formas política e social etc. — que não pode ser contemplada com o fenôm eno
concretas e diferentes de religião. Mas tanto a definição de Luhmann autônomo, mas som ente nessa interdependência: com o parte da eco
com o as outras definições funcionais de religião foram submetidas às nomia (por exemplo, proibição de trabalhar aos domingos), com o parte
mais variadas críticas: elas ignorariam totalm ente conteúdos específi do direito (por exemplo, com o direito islâmico do estado pessoal), com o
cos e, junto com isso, tam bém a "introspecção" da religião, reduziriam parte da arte (por exemplo, uma pintura com m otivos religiosos), co
m o parte da ordem social e política (por exemplo, com o uma cerimônia
a religião a elem entos meramente não religiosos e tornariam elem entos
religiosos e não religiosos totalm ente intercambiáveis, por meio de sua de coroação)... Portanto, a religião não pode ser fixada em conteúdos
inequívocos, não pode ser captada conform e sua "essência'.'
pergunta pelo empenho, pela função da religião.
A parentem ente, tanto definições substancialistas com o funcio Por isso recomenda-se, efetivam ente, renunciar a uma definição
A porias de
d efin içõ es do term o religião, com o propôs, por exemplo, o cientista da religião
nais de religião apresentam uma série de problem as que nos m ostram
substancialistas
Hans Kippenberg, de Bremen. Isso vai ao encontro da tendência ob
e fu ncionalistas com nitidez que estam os provavelmente ainda longe de uma definição
de religião servada tam bém em outros cientistas da religião a deixar a questão
clara de "religião'.'
em aberto, em definir religião com o "conceito aberto" (18, p. 33). Não Religião co m o
Diante dos lim ites e insuficiências de ambas as aproximações foi
"c o n c e ito aberto"
proposta uma "com binação do m étodo funcional e do m étodo subs obstante, tal renúncia à definição do term o religião acarreta novos pro
blemas: se realmente for impossível definir "religião',' isso não deveria
tancial" para se aproximar passo a passo de uma definição da religião e
neutralizar as respectivas fraquezas das definições funcionalistas m e significar renunciar à Ciência da Religião com o disciplina independente
diante as forças das substancialistas, e vice-versa: "Leva-se em conta o e dissolvê-la em suas disciplinas parciais — desde as Filologias, da So
ciologia e da Etnologia, passando pela Psicologia e até a Orientalística e
aspecto exterior da religião através da ligação dos conteúdos e formas
outras disciplinas das Ciências Flumanas — ou integrá-la numa unidade
religiosas com o problema da constituição de sentido social e indivi
dual, e o aspecto interior da religião, através da consideração de sua maior — na Teologia ou na Filosofia? Portanto, se for desejável preser
var a autonomia da pesquisa da religião com o disciplina científica, talvez
relação com o transcendente e das form as de tornar o transcendente
seja preciso estabelecer não necessariamente uma definição estreita,
contem plável" (185, p. 190). Mas, diante da diversidade das autodefi-
nições e alterdefinições de "religião','tam bém sem elhante combinação mas pelo menos uma caracterização aproximativa de "religião"
de definições funcionais e substancialistas de "religião" provavelmente De fato, isso foi e está sendo tentado de vários lados. Não é
não nos presenteará, num futuro próximo, com nenhum term o supra- raro que as respectivas propostas procurem uma articulação das com -
preensões funcional e substancialista de religião. Por exemplo, Jacques Religião co m o
histórico com um de religião que abranja todas as religiões.
siste m a de
Provavelmente, uma definição de religião proveniente do contex Waardenburg define "religião no nível abstrato principalmente com o
orientação
to ocidental "cristão" vai se orientar sem pre prim eiram ente por aquilo orientação, e religiões com o uma espécie de sistem as de orientação"
que ela conhece com o "religião" no quadro de sua história cultural. (18, p. 34). Isso tem vantagens em dois sentidos: por um lado, o ter
Como constatou Fritz Stolz, cientista de religião de Zurique, nesse m o religião não é definido de modo demasiado estrito, mas mantido
processo se form am "experiências com o cristianism o, o judaísmo, o aberto, de m odo que podem ser contem plados tam bém tais sistemas
de orientação que se caracterizam a si m esm os com o não religiosos aspecto e elevado à qualidade de fundam ento da respectiva definição
mas, conforme uma análise mais atenta, apresentam efetivam ente de religião. Dessa maneira, religião aparece com o "fé',' com o "experiên
elem entos religiosos; por outro lado, o term o religião não é ampliado cia',' com o "ética',' com o "sistem a de pensamento',' com o “ ato" (ritual)
aleatoriamente, mas descreve fenôm enos afins que têm certas carac etc. Portanto, sem elhante procedim ento reduz "religião" a determ ina
terísticas em comum , Waardenburg pessoalm ente menciona, entre ou do aspecto, pois precisa, ao m esm o tem po e para m anter a definição
tros, elem entos com o "experiências e condutas especiais relacionadas universalm ente válida, abstrair tão fortem ente que a religião concreta,
com forças e contextos religiosos que estariam na base da vida e do vivida, mal pode ser reconhecida por trás da definição abstrata. Simul
m undo [...], normas e valores tidos com o absolutos [...], determinados taneam ente, a definição de religião assim apurada revela m uita coisa
pontos de orientação do além, de valor incondicionado, até absoluto, sobre as pessoas que a estabeleceram, ela até informa geralm ente
que têm o efeito de gerar sentido [...]" (18, p. 34 s.) Ele vê a função mais sobre as posições e preferências dos pesquisadores do que so
religiosa de semelhantes sistemas de orientação no fato de que "sua bre a própria religião.
geração de sentido efetivam ente é aceita com o objetiva, absolutamente Essa observação leva a uma segunda: "religião" abrange toda
válida e, por isso, com o evidente" (18, p. 35). Essa definição funcional uma "fam ília" de com ponentes. Portanto, o term o religião precisa se
perm ite observar, por um lado, a mudança de "sistem as de orientação" referir a uma coleção de diferentes fatores, critérios e dim ensões que,
que se afastam das religiões e se aproximam de "sistem as meramente em seu conjunto, descrevem um quadro no qual a ciência da religião
sociais" e, por outro, analisar, em term os científico-religiosos, o efeito pode inserir seu objeto. No entanto, esse quadro não é "preestabeleci
"religioso" de sistemas de orientação não religiosos. do objetivamente',' mas "construído" por meio da atuação de cientistas
Foi tentado repetidam ente tam bém de outros lados nomear cri da religião: são eles — os pesquisadores — que constroem , a partir de
térios que perm itam definir mais concretam ente aquilo que se quer elem entos relacionados entre si e de form as de expressão, um esque
dizer com "religião',' sem fechá-lo na camisa-de-força de uma definição ma ideal-típico que determina o que pode ser considerado "religião'.'
D im ensões estreita. Aqui deveríamos mencionar, entre outras, as tentativas de Então, o que é "religião"? Primeiramente um construto científico Religião com o
de religião senvolvidas por Charles Glock e Rodney Stark de descrever várias "d i " co n stru to "
que abrange todo um feixe de definições de caráter funcional de con
científico
m ensões" de religiosidade: a dimensão ideológica, a dimensão ritua- teúdo, através do qual podem ser captados, com o "religião',' num es
lista, a dimensão da experiência, a dimensão intelectual e tam bém a quema, elem entos relacionados entre si e form as de expressão, com o
dimensão pragmática. O próprio Glock reduziu posteriorm ente as cinco objeto e área de pesquisa científico-religiosa (e outra). Pertencem a
dim ensões por ele propostas a quatro, mas outros, por sua vez, encon esses elem entos e formas, entre outros, dim ensões da ética e da
traram mais: por exemplo, o cientista da religião britânico Ninian Smart atuação social (normas e valores, padrões de com portam ento, form as
(falecido em 2001) distingue em sua obra clássica sobre a experiência de vida), dim ensões rituais (atos cúlticos e outros atos simbólicos), di
religiosa da humanidade as dim ensões ritual, mitológica, magisterial, m ensões cognitivas e intelectuais (sistemas de doutrina e de fé, m ito
ética, social e experim ental; Ursula Boos-Nünning, por sua vez, acres logias, cosm ologias etc., ou seja, todo o saber "religioso"), dim ensões
centa às cinco dim ensões estabelecidas por Glock e Stark uma sexta sociopolíticas e institucionais (formas de organização, direito, perícia
— o vínculo com a comunidade — , mas sintetiza várias outras numa religiosa etc.), dim ensões sim bólico-sensuais (sinais e símbolos, arte
categoria mais genérica de "religiosidade em geral'.' religiosa, música etc.) e dim ensões da experiência (experiências de vo
Esses exemplos m ostram que tam bém a definição de distintas cação e de revelação, sentim entos de união mística, experiências de
dim ensões ou com ponentes de "religião" perm anece extrem am ente cura e de salvação, experiências de com unidade e de unificação...).
não uniform e, até contraditória. No entanto, essa tentativa de identifi Com essas definições renuncia-se a uma definição inequívoca
car uma série de fatores que nos perm item analisar mais concretam en de "religião"; no sentido de Waardenburg, o term o religião permanece
C om plexidade te o campo do significado de "religião" mostra duas coisas: a primeira conscientem ente aberto. Desse modo, tam bém a pergunta pela prefe
e p luralism o na é que as definições "costum eiras" de "religião" são geralm ente ca rência de uma compreensão mais substancialista ou mais funcional de
d efinição de
"re lig iã o " racterizadas pelo fato de definirem seu objeto de m odo "unidim ensio religião passa a segundo plano, tanto mais que é preservada a possibili
nal'.' Entre a grande variedade dos fatores é selecionado determ inado dade de articular os dois conceitos. Ao m esm o tem po, são levados em
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