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Regina Vargas1
I - Direitos Humanos – conceitos e origem
A expressão direitos humanos traduz um conceito construído e desenvolvido ao longo de um
processo histórico, civilizatório, contínuo – ainda que não linear, pois que conhece retrocessos. É,
por essa razão, um conceito em constante transformação, um processo social (ELIAS, 2006; 27-
33) mundial, não planejado, resultante da crescente interdependência entre as sociedades
humanas.
Embora a noção de direitos humanos seja muito antiga na história da humanidade, só mais
recentemente passa a ser definida explicitamente e adquire reconhecimento mundial. São
diversas as definições e denominações que têm sido utilizadas para referir direitos humanos:
direitos fundamentais da pessoa, direitos naturais, direitos públicos subjetivos, garantias
individuais, direitos do homem e do cidadão, liberdades fundamentais, entre várias outras.
Os direitos humanos podem ser definidos como as condições que deve ter cada pessoa, desde o
nascimento e sem distinção de qualquer espécie, para que possa desenvolver-se plena e
livremente em todas as áreas de sua vida e que lhe permitam conviver em liberdade, igualdade e
dignidade com outras pessoas. Neste sentido, são faculdades, prerrogativas e liberdades
fundamentais inerentes à condição humana, isto é, que cada pessoa possui pelo simples fato de
ser humana.
1
Regina Vargas, é consultora em Projetos Sociais. rebea.vargas@gmail.com. O presente texto de sua autoria, foi
elaborado para apresentação no Curso de Especialização em Projetos Sociais. PPGA/UFRGS. 2007 (Mimeo)
2
Ver “Curso Sistematico de Derechos Humanos” - http://www.iepala.es/curso_ddhh/
o fato de ter sua origem em premissas metafísicas abstratas, sem uma especificação
histórica concreta.
Assim, a historicidade se constitui no traço essencial do conceito de direitos humanos, permitindo
afirmar, como Lopez Calera, que:
"As bases teórico-práticas hoje atribuídas aos Direitos Humanos não se explicam por razões
metafísicas e, sim, principalmente, por ser expressão de uma consciência de classe, de
comunidade, que revela aquilo que em cada momento histórico se considera intangível e inalienável
para uma convivência justa e pacífica. A historicidade dos Direitos Humanos se revela como uma
característica especial das novas reivindicações ante a imutabilidade dogmática dos antigos
3
iusnaturalismos".
O Curso Sistemático de Direitos Humanos da Red EuroSur propõe uma definição que busca,
entre outros objetivos:1) enfocar direitos humanos como um conceito histórico; 2) superar a
concepção puramente jurídica; 3) superar também a clássica oposição jusnaturalismo-positivismo;
e 4) resgatar a tríplice dimensão ético-jurídico-política dos direitos humanos. Nesta perspectiva,
propõe a seguinte definição, reconhecendo no entanto que, como as anteriores, tem limitações:
“Direitos Humanos são aquelas demandas de poder social, cuja tomada de consciência pelos
indivíduos e grupos sociais, em cada momento histórico, enquanto manifestação dos valores sociais
fundamentais, supõe a pretensão de garanti-los, seja pela via institucional, seja através de meios
extraordinários."
A noção de direitos humanos assenta-se sobre princípios que se caracterizam, de um lado, pela
estabilidade e permanência e, de outro, pela historicidade. Diz-se, portanto, que é um sistema de
princípios com uma estrutura formal permanente, mas de conteúdo variável, posto que no curso
da história vai adquirindo sentido e significado de acordo com cada época.
Sua base formal, universalmente aceita, é a da dignidade inerente da pessoa humana cujos
contornos – significado e conteúdo – variam conforme as culturas e as épocas em que são
considerados. As conquistas para a dignidade da pessoa humana em cada época transformam-se
no mínimo imprescindível para épocas futuras.
Além disso, os princípios que formam a base para os direitos humanos implicam/produzem um
conjunto de deveres básicos correlatos juridicamente estabelecidos.
Os princípios fundamentais de direitos humanos podem ser classificados conforme sua natureza
ético-jurídica e política em:
3
LOPEZ CALERA, N.M.: Derecho natural (citado em Curso Sistemático de Derechos Humanos).
2
Consideraremos aqui apenas a fundamentação jurídico-positiva. Para uma explanação sobre as
demais classes, recomendo acessar o sítio da IEPALA – Instituto de Estudios Políticos para
América Latina y África, Curso Sistematico de Derechos Humanos4.
A fundamentação jurídico-positiva dos direitos humanos reside nos valores e princípios expressos
e reconhecidos, ainda que apenas implicitamente, nas constituições e/ou nos tratados e convênios
internacionais de proteção dos direitos humanos.
Tais instrumentos se constituem em garantias dos direitos humanos e dizem respeito à pessoa
humana entendida como sujeito de direitos e portadora da dignidade inerente à condição humana.
Neste sentido, os direitos humanos portam a exigência intrínseca do respeito aos mesmos.
I. 2 – Breve histórico
Já o código de Hammurabi (1700 a.C. aproximadamente) mencionava leis de proteção dos mais
fracos e de freio para a autoridade. Na civilização egípcia, o poder dos faraós era concebido como
serviço. Os profetas judeus vinculavam o exercício do poder a deveres fundados em princípios
religiosos que inspiravam uma ética baseada na responsabilidade de todos os homens pelos seus
atos. Buda, Confúcio e Zoroastro pregavam a supremacia do direito e da justiça, o ensino da
fraternidade e da generosidade, visando a plena realização da natureza humana e a formação de
uma sociedade pacífica e justa. Na Grécia do século V a.C., os cidadãos já controlavam as ações
do Estado (polis); o limite do poder era dado pelo direito que exercem os cidadãos ao participar
dos assuntos públicos.
A positivação dos direitos humanos no ocidente tem como marcos fundadores mais expressivos:
a Carta Magna da Inglaterra, de 1215, documento imposto ao Rei João Sem-Terra pelo
Papa e pelos Barões ingleses que o forçava a renunciar a certos direitos, a respeitar
determinados procedimentos legais e a aceitar que a vontade do rei seja limitada pela lei;
a Carta Inglesa de Direitos (Bill of Rights), de 1689, que estabeleceu o direito de cidadão
de peticionar o Monarca, bem como certos requisitos constitucionais, pelos quais as ações
da Coroa demandavam o consentimento dos governados através de sua representação no
Parlamento;
a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, votada em agosto de 1789 pela
Assembléia Nacional Constituinte Francesa;
a Carta Americana de Direitos, de 1791, que estabelecia as primeiras 10 emendas à
Constituição Norte-Americana que limitam explicitamente os poderes do Governo Federal
impedindo o Congresso de restringir as liberdades de expressão, de imprensa, de
associação, de consciência, entre outras;
4
Disponível em: http://www.iepala.es/curso_ddhh/
3
a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, aprovada em abril de 1948,
através da Resolução XXX da IX Conferência Internacional Americana, em Bogotá.
a Declaração Universal de Direitos Humanos das Nações Unidas, aprovada em 10 de
dezembro de 1948, resposta às atrocidades e à tragédia humana ocorridas com a II
Grande Guerra.
Diversos critérios têm sido utilizados para classificar os direitos humanos, ao quais têm por
objetivo esclarecer seus diferentes aspectos sem, contudo, tentar estabelecer qualquer hierarquia
entre eles. Todos os direitos humanos têm igual importância e devem ser igualmente respeitados
e garantidos.
O primeiro critério que se pode utilizar é o que se denomina “em razão do sujeito”, isto é,
atendendo quem exerce ou exige o cumprimento de determinados direitos. Segundo este critério,
os direitos humanos podem ser classificados em direitos individuais e direitos sociais.
Conforme sua natureza, os direitos humanos também podem ser classificados em: direitos civis e
políticos, direitos econômicos, sociais e culturais, e direitos dos povos ou de solidariedade. Esta
classificação foi proposta pelo jurista francês Karel Vasak e inspira-se nos ideais da Revolução
Francesa: “Liberté, Egalité, Fraternité”.
a) Direitos civis e políticos – Surgem com a Revolução Francesa como revolta contra o
absolutismo do monarca. Refletindo o individualismo liberal-burguês emergente dos
séculos XVII e XVIII, estes direitos tendem a impor ao Estado obrigações negativas, ou
seja, abstenções, ao invés de intervenções, e estão associados à noção de liberdade. São
direitos de titularidade individual, embora alguns sejam exercidos em conjuntos de
indivíduos. Impõem ao Estado o dever de respeitar os direitos fundamentais do ser
humano:
• à vida
• à integridade física e moral
• à liberdade
• à segurança pessoal
• à igualdade perante a lei
• ao devido processo legal
• à liberdade de pensamento, de consciência e de religião
• à liberdade de expressão e de opinião
• de resistência e de inviolabilidade do domicílio
• à liberdade de movimento ou de livre trânsito
• à justiça
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• a uma nacionalidade
• a solicitar e receber asilo político
• a participar no governo e na direção de assuntos políticos
• a eleger e a ser eleito a cargos públicos
• a formar um partido ou afiliar-se a um
• a participar em eleições democráticas
• à propriedade privada
b) Direitos econômicos, sociais e culturais – São constituídos por direitos coletivos que
surgem como resultado da Revolução Industrial, das revoltas operárias dos séculos XIX e
XX e das teorias socialistas. Protegem o direito de desfrutar de condições de vida dignas,
contemplando as necessidades econômicas, sociais e culturais das pessoas. Enquanto os
direitos civis e políticos visam proteger o indivíduo contra o poder do Estado, estes direitos
demandam uma certa intervenção do Estado para garantir o acesso aos bens sociais
básicos. Estão associados à noção de igualdade e incluem os direitos:
• à educação
• à saúde
• à moradia
• à alimentação
• à seguridade social
• ao trabalho e à proteção contra o desemprego
• a um salário igual por igual trabalho
• ao descanso e a jornadas de trabalho razoáveis
• a um salário justo que assegure à pessoa e a sua família uma vida digna
• a usufruir os benefícios da ciência
• a participar da vida cultural e econômica da comunidade e do país
c) Direitos de solidariedade ou direitos dos povos – Surgem em nosso tempo e devem ser
compreendidos à luz do processo de ascensão e declínio do Estado-Nação ao longo da
segunda metade do século XX. Referem-se à proteção das nações ou dos povos, como
unidades culturais que habitam um determinado território, contra as diferentes “poluições”
que os ameaçam como conseqüência das novas tecnologias e das perversidades do
sistema econômico. Estão associados à noção de fraternidade e de solidariedade. Incluem
os direitos:
• à paz
• à autodeterminação
• a um ambiente saudável e sem contaminação
• ao desenvolvimento sustentável
• à informação.
São também chamados direitos difusos. Considerados direitos coletivos por excelência, sua
concretização depende do esforço coordenado em âmbito mundial ainda por ser realizado.
Esta mesma classificação é também denominada classificação por gerações, sendo os direitos
civis e políticos ditos de primeira geração, os econômicos, sociais e culturais, de segunda
geração, e os direitos de solidariedade, de terceira geração. A denominação decorre tão somente
da ordem cronológica em que os direitos humanos foram sendo reconhecidos e não deve, de
modo algum, ser entendida como alguma forma de hierarquia ou de “evolução” desses direitos, no
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sentido de que o surgimento de uma nova geração anulasse ou tornasse obsoleta a anterior. A
indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos vêm sendo reiteradamente afirmadas
pela Assembléia Geral das Nações Unidas.
Esta classificação não é isenta de críticas. Nas palavras do Prof. Cançado Trindade:
“Nunca é demais ressaltar a importância de uma visão integral dos direitos humanos. As tentativas
de categorização de direitos, os projetos que tentaram - e ainda tentam - privilegiar certos direitos às
expensas dos demais, a indemonstrável fantasia das “gerações de direitos”, têm prestado um
desserviço à causa da proteção internacional dos direitos humanos. Indivisíveis são todos os
direitos humanos, tomados em conjunto, como indivisível é o próprio ser humano, titular desses
direitos.” (TRINDADE, A. A. 1998: 120)
• São inerentes ou inatos a todo ser humano, porque derivam da própria natureza humana
e da dignidade intrínseca a esta natureza.
• Constituem um corpo integral, único e indivisível – nenhum direito humano pode ser
sacrificado com o pretexto de defender outro. As pessoas devem gozar de todos seus
direitos humanos para realizarem-se plenamente e viver com dignidade.
A proteção internacional dos direitos humanos é garantida pelo sistema normativo global,
composto de instrumentos de alcance geral e especial, e pelo sistema regional, este último
integrado pelos sistemas americano (no qual o Brasil está inserido), o europeu e o africano.
A legislação internacional sobre direitos humanos impõe obrigações aos Estados, no sentido de
assegurar o efetivo gozo dos direitos humanos a todos os cidadãos e cidadãs sob a jurisdição
daqueles. Tais compromissos implicam não só regular a conduta dos agentes estatais, como
também atuar no sentido de evitar que as ações de indivíduos e instituições particulares violem os
direitos humanos de outras pessoas.
Neste sentido, a cultura e a conduta social de um povo são também determinantes para o respeito
aos direitos humanos. Estes constituem um referencial para as regras de conduta individual.
Quando falamos de “direitos”, nos referimos a expectativas de comportamentos por parte de
outros, que, em última instância, devem ser assegurados pelo poder público.
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Assim, o contexto político e social em que nascem e se aplicam as normas de direitos humanos
tem grande importância para o êxito do propósito visado por elas, que não é outro senão o
respeito por parte de todos da dignidade humana de cada um.
Para ser efetivo, um tal sistema deveria ter por pressuposto o caráter universal dos direitos
humanos. Além disso, deveria elencar estes direitos, impor aos Estados obrigações em relação
aos direitos listados e estabelecer mecanismos de controle a cargo de órgãos internacionais que
seriam responsáveis por fiscalizar o respeito aos mesmos direitos.
II. 1 – A Organização das Nações Unidas e a Declaração Universal dos Direitos Humanos
O único consenso alcançado foi o de adoção pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em 10
de dezembro de 1948, da Declaração Universal dos Direitos Humanos – “um ideal comum pelo
qual todos os povos e nações devem esforçar-se”. Embora a DUDH não visasse um
desdobramento jurídico e o caráter de obrigatoriedade para os Estados Parte, ela representou um
passo importantíssimo no sentido de trazer o tema dos direitos humanos à agenda internacional.
Após sua adoção, o mundo esperou ainda 20 anos para que os primeiros pactos gerais,
obrigatórios, pudessem ser adotados, e outros 10 para que estes passassem a vigorar. O Pacto
Internacional de Direitos Civis e Políticos (PIDCP) e seu Protocolo Opcional e o Pacto
Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) foram adotados pela
Assembléia Geral da ONU em 16 de dezembro de 1966. O PIDCP e seu Protocolo passaram a
vigorar a partir de 23 de março de 1976; o PIDESC, em 3 de janeiro de 1976.
Estes três instrumentos – a DUDH, o PIDCP e o PIDESC – compõem o que se denomina a Carta
Internacional de Direitos Humanos (International Bill of Human Rights).
A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi o ponto de partida para uma série de pactos,
tratados e outros mecanismos de proteção dos direitos humanos, cuja progressão, conforme
Giuseppe Tosi, segue três tendências:
7
• Universalização – de 48 países que aderiram à Declaração Universal da ONU, em
1948, hoje são quase a totalidade das nações do mundo – 184 dos 191 países
membros da comunidade internacional.
• Multiplicação – progressivamente outros direitos vêm sendo incorporados aos
mecanismos internacionais de proteção dos direitos humanos: a natureza e o meio
ambiente, a identidade cultural dos povos e das minorias, o direito à comunicação e a
imagem;
• Diversificação – as Nações Unidas também definiram melhor quais eram os sujeitos
titulares dos direitos. A pessoa humana não foi mais considerada de maneira abstrata
e genérica, mas na sua especificidade e nas suas diferentes maneiras de ser: como
mulher, criança, idoso, doente, homossexual, etc...
A Convenção Relativa ao Status de Refugiado e seu Protocolo, 1951 e 1967 – cujo órgão
de monitoramento é o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR)
A Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (CERD),
1965
A Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher
(CEDAW), 1979
A Convenção contra a Tortura (CAT), 1984
A Convenção sobre os Direitos da Criança (CRC), 1989
É importante ressaltar, neste ponto, que a proteção dos direitos humanos compete primeiramente
aos governos nacionais. A proteção internacional é subsidiária e possui, assim como os Estados,
além da responsabilidade de proteger, a de promover e difundir os direitos humanos no sentido de
garantir que sejam acessados universalmente.
A idéia da cooperação interamericana, contudo, é bem mais antiga. Na década de 1820, Simón
Bolívar vislumbrou uma região “unida pelo coração”. Em 1890, os países da região constituíram o
Escritório Comercial das Repúblicas Americanas, que deu origem à União Pan-Americana e, mais
tarde, à OEA. Desde 1948, a Organização dos Estados Americanos vem crescendo com a
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incorporação dos países anglófonos do Caribe e o Canadá, o que lhe proporcionou uma
perspectiva mais ampla, de abrangência hemisférica.
Com quatro idiomas oficiais – espanhol, francês, inglês e português –, a OEA reflete a grande
diversidade de povos e culturas das Américas. Conta com 35 Estados membros, os países
independentes das Américas do Norte, Central e do Sul e do Caribe. (O governo de um Estado
membro, Cuba, foi afastado da OEA em 1962). Países do mundo inteiro são observadores
permanentes e acompanham de perto as questões que são críticas para as Américas,
emprestando, com freqüência, importante apoio financeiro aos programas da OEA.
Os Estados membros estabelecem as principais políticas e metas por meio da Assembléia Geral
que reúne anualmente os ministros das relações exteriores do Hemisfério. O Conselho
Permanente, constituído de embaixadores designados pelos Estados membros, reúne-se
periodicamente na sede da OEA, na cidade de Washington, com vistas a orientar as políticas e as
ações em andamento. De três em três meses alterna-se a presidência do Conselho Permanente,
segundo a ordem alfabética dos países. Todos os Estados membros têm o mesmo direito à
palavra, e as decisões são adotadas quase sempre por consenso.
O sistema interamericano tem importância fundamental para a defesa dos direitos humanos na
América Latina. Divide-se em dois subsistemas, um que se aplica aos Estados membros da OEA
que não são parte da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San Jose, Costa
Rica, 1969) e outro que se aplica aos Estados que aderiram ou ratificaram esta Convenção.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos tem por atribuições julgar casos de supostas
violações à Convenção Americana de Direitos Humanos por um Estado parte e, também, emitir
pareceres. Está composta por sete juízes oriundos dos Estados membros da OEA, embora não
necessariamente dos Estados partes da Convenção. Os Estados partes apresentam como
candidatos e elegem juristas “de elevada autoridade moral, de reconhecida competência em
matéria de direitos humanos e que reúnam condições para o exercício das mais altas funções
judiciais de acordo com a lei do seu país ou do Estado que os apresente”. O mandato é de seis
anos e não pode haver dois juízes de uma mesma nacionalidade.
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Cada país expressa em sua Constituição a proteção dos direitos humanos, bem como na
regulamentação daquela através das leis, códigos e outras normas nacionais.
Além disso, os direitos humanos são salvaguardados nacionalmente pelos convênios, tratados e
pactos internacionais firmados e ratificados pelo Estado nacional. Uma vez ratificados, estes
instrumentos passam a fazer parte da legislação nacional e, portanto, os governos estão
obrigados a cumpri-los. Em outras palavras, eles são juridicamente exigíveis.
O Brasil é signatário dos mais importantes tratados internacionais de direitos humanos tanto na
esfera da Organização das Nações Unidas (ONU) como da Organização dos Estados Americanos
(OEA), entre os quais o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP); o Pacto
Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC); a Convenção contra a
Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes; e a Convenção
Americana sobre os Direitos Humanos. O país não faz reservas em relação a qualquer desses
instrumentos jurídicos.
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Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de
18/12/1979 4377(*) 13/09/2002
Discriminação Contra as Mulheres
Convenção Contra a Tortura e outros Tratamentos ou
10/12/1984 40 15/02/1991
Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes
Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a
09/12/1985 98386 09/11/1989
Tortura
Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre
Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, 17/11/1988 3321 30/12/1999
Sociais e Culturais (Protocolo de San Salvador)
Convenção sobre os Direitos da Criança 20/11/1989 99710 21/11/1990
Protocolo à Convenção Americana sobre Direitos
08/06/1990 2754 27/08/1998
Humanos Relativo à Abolição da Pena de Morte
Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e
09/06/1994 1973 01/08/1996
Erradicar a Violência contra a Mulher
O Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH), lançado pelo Brasil em 13 de maio de 1996,
fez deste um dos primeiros países do mundo a cumprir recomendação da Conferência Mundial de
Direitos Humanos (Viena, 1993), atribuindo aos direitos humanos o status de política pública
governamental.
O programa original conferia maior ênfase à garantia de proteção dos direitos civis. O processo de
revisão do PNDH, impulsionado pela sociedade civil através da IV Conferência Nacional de
Direitos Humanos, ocorrida em maio de 1999, eleva os direitos econômicos, sociais e culturais ao
mesmo patamar de importância dos direitos civis e políticos.
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IV – Direitos Humanos e Desenvolvimento
A Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento adotada pela Assembléia Geral das Nações
Unidas em 1986 estabelece expressamente que
Com base neste pressuposto, Mahbub ul Haq idealizou o Índice de Desenvolvimento Humano
(IDH) e o Relatório de Desenvolvimento Humano que vem sendo publicado anualmente pelo
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).
O IDH consiste em um índice composto, que mede o alcance médio em três dimensões básicas
do desenvolvimento humano: uma vida longa e saudável, o acesso ao conhecimento e um padrão
de vida decente. Assim, além de computar o PIB per capita, corrigido pelo poder de compra da
moeda de cada país, o IDH leva em conta ainda dois outros componentes: a longevidade e a
educação. Para aferir a longevidade, o indicador utiliza números de expectativa de vida ao nascer.
O item educação é avaliado pelo índice de analfabetismo e pela taxa de matrícula em todos os
níveis de ensino. A renda é mensurada pelo PIB per capita, em dólar PPC (paridade do poder de
compra, que elimina as diferenças de custo de vida entre os países). Essas três dimensões têm a
mesma importância no índice, que varia de zero a um.
O depoimento de Sen revela a significância da criação deste índice para a mudança de paradigma
para o desenvolvimento:
"Devo reconhecer que não via, no início, muito mérito no IDH em si, embora tivesse tido o
privilégio de ajudar a idealizá-lo. A princípio, demonstrei bastante ceticismo ao criador do
Relatório de Desenvolvimento Humano, Mahbub ul Haq, sobre a tentativa de focalizar, em
um índice bruto deste tipo - apenas um número - a realidade complexa do desenvolvimento
e da privação humanos. (...) Mas, após a primeira hesitação, Mahbub convenceu-se de que
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a hegemonia do PIB (índice demasiadamente utilizado e valorizado que ele queria
suplantar) não seria quebrada por nenhum conjunto de tabelas. As pessoas olhariam para
elas com respeito, disse ele, mas quando chegasse a hora de utilizar uma medida sucinta
de desenvolvimento, recorreriam ao pouco atraente PIB, pois apesar de bruto era
conveniente. (...) Devo admitir que Mahbub entendeu isso muito bem. E estou muito
contente por não termos conseguido desviá-lo de sua busca por uma medida crua.
Mediante a utilização habilidosa do poder de atração do IDH, Mahbub conseguiu que os
leitores se interessassem pela grande categoria de tabelas sistemáticas e pelas análises
críticas detalhadas que fazem parte do Relatório de Desenvolvimento Humano."
Entre 2003 e 2004, o Brasil apresentou alguma melhora no Índice de Desenvolvimento Humano
(IDH), embora tenha recuado uma posição no ranking mundial: da 68ª, caiu para a 69ª posição
num rol de 177 países e territórios, conforme aponta o Relatório de Desenvolvimento Humano de
2006, do PNUD.
Os índices do referido relatório não permitem comparação com os relatórios anteriores, pois os
indicadores e metodologias utilizados passaram por revisão e aperfeiçoamento. No entanto, para
não prejudicar a análise das tendências históricas de desenvolvimento humano, o RDH 2006
procedeu também ao recálculo do IDH de 2003 e de seis anos referência anteriores (1975, 1980,
1985, 1990, 1995 e 2000) utilizando as novas séries estatísticas.
Apesar da mudança, o IDH brasileiro apresentou crescimento, de 0,788, em 2003, para 0,792, em
2004, permanecendo assim entre as 83 nações de médio desenvolvimento humano (IDH entre
0,500 e 0,799). Já o grupo de 63 nações que apresentam desenvolvimento humano elevado é
encabeçado, pelo sexto ano consecutivo, pela Noruega (IDH de 0,965).
No ranking, o Brasil está colocado logo abaixo de Dominica (Caribe) (0,793) e logo acima da
Colômbia (0,790). Na América Latina e Caribe, 13 países apresentam desempenho superior ao
brasileiro, entre eles México (53º no ranking, IDH de 0,821), Cuba (50º no ranking, IDH de 0,826),
Uruguai (43º no ranking, IDH de 0,851), Chile (38º no ranking, IDH de 0,859) e Argentina (36º no
ranking, IDH de 0,863).
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A leve melhora neste índice não foi suficiente para mudar a situação do Brasil como o país mais
desigual entre aqueles com Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) superior ao seu — o que
mais se aproxima é o Chile, com um índice de Gini de 0,571.
Além disso, em apenas oito países os 10% mais ricos da população se apropriam de uma fatia da
renda nacional maior que a dos ricos brasileiros. No Brasil, os mais ricos detêm 45,8% da renda,
menos que no Chile (47%), Colômbia (46,9), Haiti (47,7), Lesoto (48,3%), Botsuana (56,6%),
Suazilândia (50,2%), Namíbia (64,5%) e República Centro-Africana (47,7%).
No outro extremo, só em sete países a parcela da riqueza apropriada pelos 10% mais pobres é
menor que no Brasil. Os pobres brasileiros detêm apenas 0,8% da renda, fatia superior à dos
pobres de Colômbia, El Salvador e Botsuana (0,7%), Paraguai (0,6%), e Namíbia, Serra Leoa e
Lesoto (0,5%). A comparação entre os 20% mais ricos e os 20% mais pobres mostra que, no
Brasil, a fatia da renda obtida pelo quinto mais rico da população (62,1%) é quase 24 vezes maior
do que a fatia de renda do quinto mais pobre (2,6%).
O novo enfoque das capacidades na análise do desenvolvimento das nações tem origem nos
estudos sobre a teoria da escolha social e da economia do bem-estar desenvolvidos por Amartya
Kumar Sen – áreas em que ele se tornou autoridade mundial. Uma de suas primeiras publicações
sobre o tema surgiu em 1981: Poverty and Famines: An Essay on Entitlement and Deprivation
(Pobreza e Fomes: um ensaio sobre direitos e privações) (SEN,1999). Neste livro, ele demonstra
que a ocorrência das crises de fome não são provocadas unicamente pela escassez de alimentos,
mas pelas desigualdades que se constroem nos mecanismos de distribuição deste.
A abordagem das capacidades trabalha sobre a questão das “liberdades substantivas” como
fatores essenciais para o desenvolvimento. Sen entende por liberdades substantivas as
“capacidades” ou oportunidades disponíveis às pessoas para ser ou fazer algo, para levar o tipo
de vida que elas têm motivos para valorizar. Nesta perspectiva, a pobreza é vista, antes, como
privação das capacidades básicas, do que meramente como o baixo nível de renda, critério
tradicional de mensuração da pobreza. (SEN, 2000).
O que as pessoas podem efetivamente realizar é afetado tanto pelas oportunidades econômicas,
quanto pelas liberdades políticas e sociais e pelo acesso a boas condições de saúde e de
educação básica, entre outras.
Sob este enfoque, a igualdade é tratada por Sen de modo mais complexo, não se resumindo a
uma questão de redistribuição de renda e sim na construção de um conjunto de mecanismos que
possibilitem a eliminação das assimetrias estruturais que obstaculizam as escolhas pessoais
autênticas. Nas palavras de Sen “[...] rendas iguais podem ainda deixar bastante desigual nosso
potencial de fazer o que podemos valorizar
5
The Tanner Lectures on Human Values (Conferências Tanner sobre Valores Humanos) – instituição sem fins
lucrativos vinculada à Universidade de Utah (EUA), que promove anualmente uma série de palestras e seminários
posteriormente reunidos e publicados em um volume anual subsidiado pelos curadores da instituição. Acesso às
publicações das conferências no sítio da instituição: http://www.tannerlectures.utah.edu/
14
fazer. Uma pessoa incapacitada não pode realizar funcionamentos do modo que uma pessoa com
o “corpo hábil” pode, ainda que ambas tenham exatamente a mesma renda (Sen, 2001).
BIBLIOGRAFIA SUGERIDA
ELIAS, Norbert. Escritos & Ensaios, 1: Estado, processo, opinião pública. (org.) Federico Neiburg
e Leopoldo Waizbort. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2006
MARTINS, Paulo Haus. A lei das OSCIPS. In.: ESPÍRITO SANTO. Ministério Público.
Procuradoria- Geral de Justiça. Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional. Terceiro Setor:
Fundações e entidades de interesse social. Vitória: CEAF, 2004.
PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Max
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