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é l i c a s c o m o
Igrejas evang s i l
a s e l e i t o ra i s n o B ra
m á q u i n
g i n a l d o P randi
Re
i a m d o s S antos
l
Renan Wil
a s s i m o B onato
M
resumo abstract
as aceitam em sua totalidade. Em decorrên- outras não param de declinar. Tal sucesso,
cia disso, perde-se também a coerência da contudo, também vem ligado a uma fra-
dimensão cultural, pois cada fiel traduz suas queza, inerente à transformação da oferta
concepções em diferentes práticas, repre- religiosa em bem de consumo livremente
sentações, costumes alimentares, orientações buscado em vez de obrigação tradicional-
sexuais, vestuários, etc. Por fim, torna-se mente imposta: nada garante que o “cliente”
frágil a articulação da dimensão emocional, seja fidelizado, no sentido de eleger tal ou
abalizada em um sentimento de “nós” que qual denominação como ponto exclusivo de
quase não encontra mais fundamento real seu consumo religioso2.
(Hervieu-Léger, 2015, pp. 66-8). Um paradoxo se apresenta, assim, quando
Para contornar essa busca de autono- nos deparamos com o contínuo aumento de
mia individual, que junto com o pluralismo visibilidade e de participação de evangélicos
e o igualitarismo constitui os três pontos na esfera política brasileira. Como pode a
fundamentais da descrição sociológica da religião em geral se tornar cada vez mais
modernidade religiosa (Santos, 2016), as um acessório simbólico, sujeito às brico-
religiões precisam se valer das mais diversas lagens individuais e alheio às regulações
estratégias que as possibilite assumir um institucionais, ao mesmo tempo em que
papel relevante nas contínuas construções as igrejas evangélicas parecem dispor de
pessoais de sentido dos fiéis. Quanto mais um crescente controle até mesmo sobre as
o sentido religioso se ausenta das práticas concepções políticas de seus adeptos? Para
rotineiras dos indivíduos, menos impor- resolver esse paradoxo, é preciso analisar,
tância terão os ensinamentos transmitidos em primeiro lugar, outra questão fundamen-
nos cultos, e vice-versa (Ammerman, 2017, tal: as religiões evangélicas formulam visões
p. 202). Mais do que nunca, portanto, as de mundo que levariam os fiéis a dotar de
religiões precisam se fazer presentes e um sentido religioso suas escolhas políticas,
persuasivas para que suas doutrinas não ou seu trunfo eleitoral, na verdade, estaria
sejam simplesmente ignoradas, pois não se ligado a outro fator que não propriamente
pode mais esperar que a comunidade por a mensagem pregada nas igrejas?
si mesma exerça sobre o indivíduo uma Para responder a essas questões, o pre-
pressão social que o conforme às normas sente trabalho se vale principalmente de
religiosas tradicionais. dados coletados pelo Instituto Datafolha em
No Brasil, as religiões evangélicas1 dezembro de 2016, por meio de uma amos-
são as que mais têm obtido sucesso nessa tra representativa do conjunto da população
empreitada. Elas são as que mais conver- nacional, na qual foram entrevistados 2.828
tem e crescem ininterruptamente, enquanto
TABELA 1
Segue totalmente
os ensinamentos
ou recomendações
45,1 56,2 57,6 (*) (*) 52,8
sobre o uso de
roupas adequadas
no dia a dia
Segue totalmente
os ensinamentos
ou recomendações
25 58,6 54,7 (*) (*) 42,6
sobre os tipos de
alimentos que
devem ser evitados
Segue totalmente
os ensinamentos
ou recomendações 43,9 74,1 79,9 (*) (*) 61,7
sobre não consumir
bebidas alcoólicas
Segue totalmente
os ensinamentos
ou recomendações
sobre conteúdos 39,5 63,5 69,1 (*) (*) 54,5
impróprios na TV e
internet que devem
ser evitados
Segue totalmente
os ensinamentos
ou recomendações
39,4 64,5 66,4 (*) (*) 56,1
sobre festas e datas
comemorativas que
devem ser evitadas
riamente sua tradução na prática, o simples O que ocorre, porém, quando se mede
fato de os evangélicos se sentirem menos esse peso da orientação religiosa em temas
à vontade do que os demais para declarar relativos à política? Uma vez que a prega-
que não seguem totalmente as orientações ção evangélica tende a ser mais efetiva na
de suas igrejas já é, por si só, significativo. regulamentação de práticas do cotidiano
TABELA 2
Protestantes Pentecostais e
Católicos Espíritas Afro-brasileiros Total Brasil
históricos neopentecostais
A igreja que você
frequenta atualmente
possui ensinamentos
ou recomendações
14,1 24,6 32,6 3,2 4,4 19,2
sobre dar preferência
a pessoas religiosas
nas eleições para
cargos públicos
Segue totalmente
os ensinamentos
ou recomendações
sobre dar preferência 32,8 49 54,3 (*) (*) 44,6
a pessoas religiosas
nas eleições para
cargos públicos
Em época de eleição,
não leva em
consideração a
opinião de líderes
89,7 78,8 75,8 95,1 91,1 85,3
da sua igreja que
fazem campanha
para políticos
ligados à igreja
Líderes religiosos não
deveriam se candidatar 67,2 49,8 48,6 77,4 62,2 62,2
a cargos políticos
Políticos ligados à Igreja
Católica são melhores 11,4 5,8 8,2 1,6 4,4 8,7
que os demais políticos
Políticos ligados às
igrejas evangélicas
5,2 13,5 16,5 1,6 9,3 8,2
são melhores que os
demais políticos
Políticos ligados a
religiões de matriz
2,9 0,5 1,6 3,3 15,6 2,8
africana são melhores
que os demais políticos
Os valores religiosos
devem ter pouca ou
71,4 57,7 64 80,4 77,3 68,7
nenhuma influência
na política
Número de casos 1.416 208 611 62 45 2.828 (**)
a qualquer campanha política: “irmãos” que uma via de financiamento livre dos constran-
são donos ou que trabalham em gráficas, que gimentos impostos aos canais tradicionais
são advogados, que possuem carros de som, da prática política.
que trabalham nos cartórios eleitorais, nos Um dos sinais de que esses mecanismos
Correios, etc. Essa gama de contatos fornece organizacionais das instituições evangélicas
a qualquer candidatura um capital social não estão sendo usados de forma crescente no
contabilizado que permite alcançar círculos apoio a uma série de candidaturas é o fato
muito mais distantes daquele centrado no de que o próprio Estado, via esfera jurí-
bairro da própria comunidade religiosa. dica, está começando a ajustar seu radar
Por último, mas não menos importante, para captar e reprimir aquilo que vem sendo
com as restrições de doação atualmente tipificado como “abuso de poder religioso”
impostas aos canais tradicionais do fazer – uma mescla de abuso de poder econômico
político, as instituições religiosas também (devido à captação ilegal de recursos para
podem funcionar como forma de canaliza- uma campanha) e abuso de autoridade (por
ção de recursos financeiros para as cam- ser exercido por alguém que tem proeminên-
panhas eleitorais. Não há ainda sobre elas cia hierárquica sobre um grupo de pessoas),
os controles e fiscalização de doações que com o simbolismo e com as crenças religio-
amarram as instituições seculares, como sas (o atrelamento da orientação política aos
partidos, sindicatos e ONGs. Os próprios desígnios divinos) (TRE-MG, 2016).
dízimos, esmolas, ofertas e outras formas No município de Limeira, no estado
de donativos não tributáveis oriundos dos de São Paulo, por exemplo, um candidato
fiéis engrossam, assim, o poderio financeiro a vereador foi denunciado pelo Ministé-
mobilizável pelos líderes religiosos. Uma rio Público em 2016 por pedir votos no
vez direcionados à igreja, esses recursos altar de uma igreja evangélica e por ter
podem respaldar o funcionamento daquela contado com os esforços da instituição em
série de mecanismos citados anteriormente, sua candidatura, “inclusive mediante pro-
lubrificando e potencializando o poder das paganda irregular”8. O vereador defendeu-
máquinas eleitorais religiosas com expedien- -se afirmando que nasceu naquela igreja e,
tes que não poderiam ser mobilizados por naturalmente, a campanha foi feita em seu
outras organizações políticas. Nesse caso, ambiente, sendo apenas apresentado pelo pas-
conta-se com um verdadeiro caixa dois de tor, que em seguida fez uma oração em favor
difícil fiscalização. de sua campanha9. A princípio, a denúncia
As igrejas se mostram, portanto, como foi rejeitada pelo juiz responsável pelo caso
um celeiro de lideranças político-religiosas sob a alegação de que “a legislação eleitoral
que podem dispor de: uma capilaridade não relaciona especificamente a influência
sem igual, alcançando desde comunidades
carentes até círculos empresariais; um amplo
repertório simbólico, que lhes permite se 8 Disponível em: https://g1.globo.com/sp/piracicaba-
comunicar com variados tipos de demandas -regiao/noticia/tre-sp-cassa-mandato-do-vereador-
-anderson-pereira-por-abuso-de-poder-religioso-em-
políticas – as quais, como vimos, raramente -eleicao-de-limeira.ghtml. Acesso em: 25/6/2018.
são ligadas a valores religiosos –; e, por fim, 9 Idem.
Outros casos podem ser citados, como o das doações empresariais pelo Supremo
afastamento do deputado pastor João Luiz, Tribunal Federal, hoje quem tem dinheiro?
pelo TRE-AL, em 2016. O pastor era uma As igrejas. Além do poder de persuasão. O
das principais lideranças da Igreja do Evan- cidadão reúne 100 mil pessoas num lugar
gelho Quadrangular de Alagoas. Tal como e diz: ‘Meu candidato é esse’. Estamos
nos casos anteriores, mas sem mencionar discutindo para cassar isso” 22.
a tipificação “abuso de poder religioso”, As lideranças evangélicas mais ativas
a denúncia descrevia a “transformação do na esfera política, obviamente, não veem
templo em espécie de plataforma e base de com bons olhos essas pretensões de regu-
campanha”19. Nas eleições de 2018, a Jus- lamentação jurídica de suas práticas elei-
tiça Eleitoral do Rio de Janeiro chegou até torais. Questionado sobre o assunto, o icô-
a montar uma força-tarefa de fiscais que, nico deputado Marco Feliciano, pastor da
sem os coletes de identificação, adentraram Assembleia de Deus, afirma que se essa
e percorreram os arredores de “templos e caracterização de abuso de poder coubesse
igrejas, de todas as religiões, para fisca- aos pastores, deveria também ser estendida
lizar, flagrar, coibir e multar o que já é a outros profissionais, “um médico sobre
chamado de abuso do poder religioso” 20. seus pacientes, por exemplo” 23. O racio-
O procurador responsável pelas diligências cínio, no entanto, deixa de lado o fato de
afirma ainda “não ter dúvidas de que as que os templos religiosos são caracteriza-
ações desenvolvidas por igrejas em apoio a dos pela lei eleitoral como “‘bens públicos
candidatos sejam um esquema organizado, de uso do povo’, mesmo caso de cinemas,
não apenas casos isolados” 21. paradas de ônibus e lojas, por exemplo” 24.
Uma vez que a tipificação do abuso de A controvérsia sobre esse tema, por-
poder religioso ainda não é oficial, não tanto, está apenas começando. Para os
se tem um número exato de casos com propósitos da discussão apresentada neste
o mesmo viés, mas o TSE vem buscando artigo, contudo, mais do que o surgimento
a elaboração de uma cláusula para bar- ou não de regulamentações jurídicas ou a
rar sobretudo a canalização de recursos coerência dos argumentos apresentados por
financeiros por meio das igrejas para as ambos os lados, o que importa é deixar
campanhas eleitorais. Conforme a fala do claro que a reconhecida existência desses
ministro do STF Gilmar Mendes, à época mecanismos institucionais religiosos com
presidente do TSE: “Depois da proibição fins eleitorais é sociologicamente signi-
o segundo turno: Bolsonaro com 46% e uma carpintaria política cuja matéria-prima
Haddad com 29% dos votos válidos (que fundamental e determinante é o poder orga-
excluem os votos nulos e os em branco). nizacional e financeiro das igrejas evangéli-
Já na pesquisa do Datafolha divulgada cas, que, ao contrário dos aparelhos seculares
às vésperas do segundo turno, Bolsonaro de organização política, atuam livres de uma
aparecia com 69% dos votos válidos no série de constrangimentos (como a fiscali-
segmento evangélico, enquanto Haddad zação de doações oriundas dos dízimos e
obtinha 31%27. Esses dados apontam que ofertas), não pagam impostos sobre os espa-
o voto evangélico teve em Bolsonaro, eleito ços físicos que ocupam (os templos), além
com 55% dos votos do conjunto total da de contar com uma mão de obra voluntária
população, seu candidato preferencial. e uma rede de contatos e de divulgação que
Ao que tudo indica, portanto, a mensagem dificilmente estaria disponível mesmo aos
religiosa é só um verniz, a última camada de partidos políticos de grande porte.
TRE-MG. Ação de Investigação Judicial Eleitoral n. 537003. Relator Paulo Cézar Dias,
Relator Designado Maurício Pinto Ferreira. Publicação: DJEMG - Diário de Justiça
Eletrônico-TREMG, 2016. Disponível em: http://apps.tre-mg.jus.br/aplicativos/php/
divulga_plenario/index.php?acao=processo&nomenu=true&protocolo=4203162014&s
essao=120&dia=13/08/2015. Acesso em: 25/6/2018.
VITAL DA CUNHA, Christina. “Religião x democracia? Reflexões a partir da análise de
duas frentes religiosas no Congresso Nacional”, in Comunicações do ISER, n. 69, 2014,
pp. 119-30.