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Mulheres nos Seringais do Amazonas:

sociabilidade e cotidiano

Women In The Rubber Plantations Of The State Of Amazonas: sociability and


everyday life

Antonio Emilio Morga


Universidade Federal do Amazonas ­ Brasil
aemorga@ibest.com.br

Mônica Maria Lopes Lage


Universidade Federal de Minas Gerais ­ Brasil
monica.lage@hotmail.com

Resumo Resumo
Descritos pela historiografia regional como Described by regional historiography as a
território masculino os seringais do male territory, the rubber tree plantations of
Amazonas povoavam o imaginário the state of Amazonas used to figure in socio­
sociocultural como lugar inóspito e selvagem. cultural imagery as a wild and inhospitable
Lugar de doenças, brutalidades e de árduo place. A place of diseases, brutality and hard
trabalho. Os seringais se constituíram, ao work. The rubber tree groves were formed,
longo do tempo, essencialmente masculinos. over time, as a primarily male environment.
Entretanto, com a explosão comercial do However, with the commercial explosion of
látex, com a onda imigratória para o latex, along with the wave of immigration
Amazonas na busca pela riqueza que jorrava towards the state of Amazonas in search of
farta pelo Rio Amazonas e seus afluentes, eis the wealth that flowed fed by the Amazon
que surge na documentação pesquisada a River and its tributaries, the researched
visibilidade feminina. Nas páginas dos archives brings to light a visible female
periódicos as mulheres surgiram numa presence. In the pages of magazines, women
pluralidade de possibilidades colocando e assume a plurality of possibilities, revealing
expondo seu cotidiano no mundo dos their daily lives in the world of rubber
seringais. Poder­se­ia dizer que são imagens plantations. It could be said that the printed
difusas sobre o viver feminino. Contudo, a images compose a hazy portrait of female
sua maneira, as mulheres se fizeram presentes life. However, in their own way, women were
no mundo dos seringais. present in the world of the rubber.

Palavras­Chave: Seringal; Cotidiano; Keywords: Rubber plantation; Everyday life;


Imagens Femininas. Female images.

Revista Latino-americana de Geografia e Gênero, Ponta Grossa, v. 6, n. 1, p. 91 - 104, jan. / jul. 2015.
Mulheres nos Seringais do Amazonas:
sociabilidade e cotidiano

Introdução agitação do lugar.


As viagens nos vapores que cruzavam os
No apagar das luzes do século XIX e no rios, levando e trazendo mercadorias e
crepúsculo do século XX o Amazonas vive pessoas, eram em sua grande maioria longas e
um intenso movimento econômico e levavam dias e dias até alcançar o destino.
imigratório impulsionado pela riqueza da Nesse percurso faziam­se amizades, liam­se
extração da borracha. O Estado do Amazonas romances, faziam­se festas, jogavam­se
neste período e as comarcas viviam um cartas, dormia­se em redes, firmavam­se
acentuado progresso. Seduzidas pela acordos comerciais, além das longas
borracha, milhares de pessoas migraram para conversas sobre política e sobre os últimos
o Amazonas em busca de uma vida melhor. A preços da borracha na região.
possibilidade de educar os filhos e de possuir Boa parte da literatura amazonense que
determinados bens atraiu estes imigrantes. trata desse período tende a dizer que
Milhares deles abandonaram seus lares, suas inúmeros homens que foram para trabalhar
cidades, amigos, compadres, familiares e diretamente na produção da borracha, como
partiram rumo ao novo eldorado – o seringueiros, foram sozinhos, deixando
Amazonas. Poder­se­ia dizer que embalados mulheres e filhos em sua paragem de origem.
pelos seus sonhos e diante deles que homens, Esse fato, explica, em parte, a escassez de
mulheres e crianças de diversas procedências trabalhos sobre a visibilidade feminina nos
sociais, econômicas e culturais se lançaram seringais. Entretanto, essa mesma literatura
na doce aventura de desbravar e desvirginar a também indica que os homens que vieram em
floresta farta e abundante de prazeres e uma posição melhor, como patrões,
riquezas. Por ela e nela homens e mulheres se profissionais liberais, cultores de letras e
entregaram em busca dos seus mais secretos comerciantes, em sua grande maioria se
sonhos e desejos. fizeram acompanhados por mulheres e filhos,
Por volta de 1870, aproximadamente, só que nem todas elas adentraram na mata,
começaram a surgir os primeiros seringais no muitas preferiram estabelecer suas moradas
Amazonas. Anteriormente, a borracha era nos “grandes centros” ou nas comarcas mais
colhida na região, pelos índios que trocavam próximas aos seringais. E isso não implica em
as “drogas do sertão” por mercadorias. dizer que não havia mulheres nos seringais.
Somente a partir de 1870 quando a maciça A vivência dessas mulheres nessas
migração nordestina atingiu o Amazonas é localidades trouxe de certa forma ares de
que os seringais surgem com a forma de urbanidade e de sociabilidade ao mesmo
organização gerencial – econômico tempo em que trouxe a visibilidade feminina
administrativo e política. para os seringais, lugar, muitas vezes,
O tráfego de pessoas nesses lugares era descrito como inóspito e apresentado como
intenso. Na imensidão dos rios amazonas, os território masculino.
navios se entrecruzavam trazendo O trânsito de mulheres nas comarcas era
trabalhadores, crianças, mulheres (mãe, intenso. Além das que residiam no local, via­
esposa, filha, prostitutas), comerciantes, se constantemente grupos de mulheres ou até
seringalistas com interesses múltiplos, que mesmo mulheres sozinhas, levando pelas
desembarcavam diariamente nos portos mãos o filho caçula a choramingar,
improvisados nas encostas dos barrancos. transitando pelas ruas tortuosas das pequenas
Quando as embarcações atracavam o vilas e comarcas. Também se encontravam
burburinho aumentava promovendo a nesse intenso burburinho àquelas que

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estavam de passagem pela região, visitando imagens de mulheres debruçadas nas janelas
familiares, adquirindo os produtos das lojas, dos barracões, com olhares vagos para o
vendo as últimas novidades em tecidos e terreiro, onde geralmente ficavam os homens
artigos de luxo, ou, simplesmente passeando. em volta das grandes pélas1 de borracha.
As mulheres pertencentes à insipiente (FIGUEIREDO, 1997.p.13)
burguesia amazonense, oriunda do comércio Essas imagens buscam reproduzir a ideia
da exploração da borracha, possuíam de que possuir uma mulher no seringal era
privilégios em relação às mulheres pobres. privilégio reservado apenas aos patrões, aos
Além de terem destaque na iconografia, donos dos barracões, quando muito,
existe uma farta documentação sobre elas, privilégio somente daqueles que possuíam
possibilitando assim o resgate de suas condições de mantê­las nos seringais.
histórias. Na iconografia é comum vermos

Figura 1. Aspectos da Vida nos Seringais.

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Nos jornais, bailam constantemente A cidade do século XIX é um espaço


notícias sobre os encontros sociais sexuado. Nela as mulheres, se
frequentados por elas, anúncios sobre inseriam como ornamentos,
casamentos e óbitos, dicas de saúde e beleza, estritamente disciplinadas pela
além de trazerem as últimas tendências sobre moda, que codifica suas aparências,
à moda de Paris, que influenciava as roupas e atitudes, principalmente no
mulheres que viviam no entorno dos caso das mulheres burguesas cujo
pequenos e grandes seringais. O mundo lazer ostentatório tem como função
feérico se apresentava ao mundo feminino mostrar a fortuna e a condição do
que habitava a cercanias da floresta com o marido. Atrizes no verdadeiro
fetiche dos ares da modernidade que sentindo do termo, elas desfilam nos
adentrava a mata pelas correntezas dos seus salões, no teatro ou no passeio
rios. público, [...].(PERROT, 1989, p.
Paris do século XIX e início do século XX 10).
não encantavam somente pelos traçados de
suas ruas, avenidas e luzes que piscavam na Inserido no mundo cosmopolita o mundo
imaginária de quem acalentava o sonho de que constituía os seringais na medida do
um dia experimentá­la. Paris instigava pelo possível se integrava aos ventos de
voar de sua civilidade trazida radiante pela urbanidade, sociabilidade e de civilidade que
Belle Époque que penetrava pelos recônditos varria a Europa. E na medida da prosperidade
mais distantes e secretos da sociedade do comércio da borracha os comerciantes
amazonense. A feminilidade amazonense não locais faziam de tudo para atender às
se encontrava imune ao canto da sereia. Pelo necessidades das demandas de consumo
contrário, encantava­se pela moda que a oriundas dos seringais.
cidade das luzes ditava. As lojas, para satisfazer sua clientela,
Paris é a cidade da moda, é a única parte apresentavam constantemente as últimas
do nosso globo que dá o verdadeiro tom, a novidades em tecidos e artigos de luxo que
nota sonante e harmoniosa ao coquetismo enchiam os olhos das mulheres. Nas páginas
mundial, nos adornos femininos que tendem a dos periódicos locais proliferavam anúncios
prender o sexo contrario, enleando­o nas sobre uma gama de produtos como, por
múltiplas esquisitas e sedutoctoras vestes, exemplo, este da loja 'Modas e Confecções',
talhadas pela arte e traços seductores. situada na comarca de Sena Madureira, na
(JORNAL 'O ALTO MADEIRA', 11­12­ oportunidade a loja anuncia que aceita
1922). encomendas para enxovais, batizados e
Acompanhar a moda de Paris representava casamentos. O final do século XIX e início
para a mulher da mata um exemplo de do século XX marca uma época em que era
sofisticação e bom gosto, afinal elas tinham muito comum entre as mulheres da elite
que aparecer bonitas nos bailes, nos encomendar a uma modista seus belos
encontros sociais, ao lado dos maridos, dos vestidos ou até mesmo seus enxovais.
pais, dos filhos e dos pretendentes que
geralmente eram patrões, coronéis, cultores Modas e Confecções – A casa Marie
das letras, filhos, profissionais liberais ou vende artigos finos para senhoras e
grandes comerciantes. senhoritas, interessantes creações
cariocas. Madame Mansourt,
modista. Acceita encommendas de

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enxovaes para baptizados, [...], previne aos seus freguezes que


casamentos, etc. Rua Purus. acaba de receber optimo sortimento
(JORNAL 'O ALTO PURUS', 28­02­ de calçados, chapéos, camisas para
1915). senhoras e homens; rêdes, brins
especiaies, aqrreios para sellas, tinta
Umas das mais conceituadas lojas e óleo, gasolina e muitos outros
femininas da região de Lábrea, lugar de artigos. (JORNAL 'O ALTO
grande concentração de seringais chamava­se PURUS', 11­04­1915).
Casa Catiana. Por meio das páginas do jornal
'Alto Purus', ela anunciava à sua distinta Apesar de viverem na solidão da mata, as
clientela que suas prateleiras e seu estoque mulheres que habitavam nas cercanias das
encontravam­se repletos de grande comarcas ou no entorno dos seringais se
sortimento para atender às senhoras de fino apresentavam em diversas oportunidades
trato. sociais, políticas e culturais com requinte e
esmero. Contavam com a “cumplicidade” de
Vestidos de sêda parisiense, vestidos um comércio que oferecia uma
brancos e de cores, espartilhos multiplicidade de bens de consumo que no
ultima moda, meias de sêda e fio de entendimento das mulheres as deixavam
escossia, fitas de velludo e de sêda, sempre em dia com a coquetterie. Porque,
rendas de crepú e de sêda ultima além do se vestir bem, a moda suscitava no
moda, sombrinhas de sêda, diversas imaginário das mulheres mais abastadas certa
côres, bolsas, bordados, ligas de distinção social: “[...], a moda corresponde ao
galão de sêda, tafetá de sêda, luvas desejo de distinção social. A maior parte das
de sêda e algodão, camisa, camisões leis suntuárias atesta a intenção, [...], de
e combinações, anagoas, matinées, manter as distinções de classe sobre as quais
saia de casemira. (JORNAL 'O a sociedade repousava”. (SOUZA, 1987, p.
ALTO PURUS', 28­02­1915). 47)
Podemos dizer que a moda ao mesmo
Em suas páginas, esse mesmo jornal tempo em que empresta certa distinção social
anunciava para sua encantadora freguesia o também produz sensualidade, exageros e
que as lojas acabavam de receber, como um exibem mutações econômicas. A intimidade
grande sortimento de luvas, chapéus, tecidos corporal passa a ser mostrada. O frescor da
finos, seda, meias, sapatos, uma variedade de sociedade das aparências e das
pulseiras e água de cheiro, tudo vindo da representações transita com leveza e graça
cidade das luzes. Segundo esse anúncio, esses pelos olhares que contemplam a graciosidade
artigos eram para mulheres de requinte e bom dos movimentos.
gosto. (JORNAL 'O ALTO PURUS', 18­08­ Um dos princípios da moda parece ser o
1914) de que, uma vez aceito um exagero, ele se
Em 11 de abril de 1915, o comerciante torna cada vez maior. Assim, no final da
Francisco Barreira Nana, estabelecido na Rua década, as saias armadas pelas crinolinas
Amazonas, anuncia por meio das páginas do eram verdadeiramente prodigiosas, ao ponto
jornal 'Alto Purus' que seu estabelecimento de tornar impossível que duas mulheres
acabara de receber um grande sortimento de entrassem juntas em uma sala ou sentassem
mercadorias de diversas procedências, tudo no mesmo sofá, pois os babados dos vestidos
por preços cômodos: ocupavam todo o espaço. A mulher era um

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navio majestoso navegando orgulhosamente depravada, proclama Rosseau. [...]. E Rétif


na frente, enquanto um pequeno escaler – seu de La Bretonne diz: Renunciaste ao pudor do
acompanhante masculino – navega atrás. teu sexo; já não és uma mulher, o Homem já
(LAVER, 1989, p. 178­179). nada tem a ver contigo”. (BOLONGE, 1990,
Não podemos esquecer lembrando Gilda p. 11).
de Mello e Souza que a distinção social por O jurista Viveiro de Castro (1897), em seu
meio do vestuário a partir do século XV estudo sobre a moral feminina, assevera que
ganha outro sentindo: a vida moderna levava a mulher a romper
com a antiga educação que a preparava para a
[...], descobriu­se que as roupas maternidade e para a vida 'na intimidade
poderiam ser usadas com um silenciosa do lar':
compromisso entre o exibicionismo
e o seu recalque (a modéstia). Desde [...], e hoje temos a mulher moderna,
então, [...], a de devassar o corpo, vivendo nas ruas, sabendo de tudo,
fazendo com que o exibicionismo discutindo audaciosamente as mais
triunfe sobre o pudor, o instinto escabrosas questões, sem fundo
sexual, [...]. (SOUZA, 1987, p. 47). moral, sem freio religioso, ávida
unicamente de luxo e sensações,
Instigante por suscitar no seu leitor e vaidosa e fútil, presa fácil e muita
leitora certa inquietude, a nota publicada no vez até espontaneamente oferecida à
jornal 'Alto Madeira', por criticar os modos e conquista do homem. (RAGO, 1981,
o vestuário feminino de algumas moiçolas p. 144).
casamenteiras, e distintas senhoras que
compareceram na domingueira na residência Entretanto, não podemos inferir que no
de um dos mais abastados seringalista com Brasil do séc. XIX, somente as mulheres
vestidos que segundo o cronista eram pertencentes a burguesia acompanhavam a
insinuantes em demasia, deixando moda. Nas camadas populares a moda
transparecer a opulências dos fartos colos e perfilava acentuando a sensação democrática
formas anatômicas que se tornava incomodo nos usos e costumes como bem ressalva
aos olhares desprevenidos. Diz ainda que Gilda de Mello e Souza:
certas modas e modos mais se aproximam das
moças alegres parisienses que de tempos em [...], é no século XIX, quando a
tempos sobem ou descem o rio para refrescar democracia acaba de anular os
os mais baixos instintos carnais de pobres privilégios de sangue, que a moda se
homens que passam a vida na lida da espalha por todas as camadas e a
extração da borracha. (JORNAL 'O ALTO competição, ferindo­se a todos os
MADEIRA', 20­10­1917). momentos, na rua, no passeio, nas
Insinuações sobre os modos, a moda, a visitas, nas estações de água, acelera
afetividade, a sociabilidade e a sexualidade a variação dos estilos, que mudam
feminina transpareciam com certa frequência em espaços de tempo cada vez mais
nas páginas dos jornais. Sempre alertas, os breve. (SOUZA, 1987, p. 47).
baluartes da moralidade estavam atentos,
vigilantes e questionando o comportamento O confinamento da mulher na intimidade
que no olhar de quem vigia era considerado do lar, teoria difundida por várias correntes
inconveniente: “A mulher sem pudor é no século XIX, tinha como objetivo implícito
evitar a desagregação familiar. É importante

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observar que o discurso médico­higienista A reclusão, portanto, segundo os


associava o crescimento urbano à dissolução moralistas era apresentada como um meio
dos usos e costumes. Assim, o pensamento para evitar a desonra. A mulher nos dizeres da
médico e jurídico do século XIX fornecia cientificidade tratava de elaborar conceitos
argumentos para normatizar as práticas referentes ao viver feminino:
afetivas femininas.
A reclusão da mulher era, portanto, a
O século XIX, em especial, reforçou melhor garantia para a sua
muitas concepções negativas e honestidade e boa forma, como se a
estigmatizantes sobre a condição própria sociabilidade e a
feminina, principalmente ao recorrer participação na vida da comunidade
a métodos supostamente científicos constituíssem outras tantas ocasiões
para provar sua inferioridade física e de pecado. (SILVA, 1984, p. 69).
mental em relação ao homem.
(SOUZA, 1987, p. 148­9). No transcurso do século XIX, aprisionadas
pelos discursos morais, éticos, jurídicos,
religiosos e sexuais, as mulheres se

Figura 02. Armazém.

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entretinham diante do bucólico tédio do tempo em que empresta certa distinção social
mundo privado colecionando objetos que as também produz sensualidade, exageros e
remetiam a lembranças de um tempo de exibem mutações econômicas. A intimidade
entregas secretas, ora aprisionando o rosto do corporal passa a ser mostrada. O frescor da
amado de aventuras vividas, ora recordando sociedade das aparências e das
por meio das lágrimas momentos representações transita com leveza e graça
experimentados. “As mulheres têm paixão pelos olhares que contemplam a graciosidade
pelos porta­jóias, caixas e medalhões onde dos movimentos.
encerram seus tesouros: [...], permitem
aprisionar o rosto amado, [...], alimentam Um dos princípios da moda parece
uma nostalgia indefinidamente declinada”. ser o de que, uma vez aceito um
(PERROT, 1989, p. 10). exagero, ele se torna cada vez maior.
Entretanto não podemos inferir ao Assim, no final da década, as saias
universo dos seringais que somente as armadas pelas crinolinas eram
mulheres pertencentes à principesca verdadeiramente prodigiosas, ao
burguesia amazonense em ascensão ditavam ponto de tornar impossível que duas
a moda e as práticas de sociabilidade e mulheres entrassem juntas em uma
afetividade. Nas camadas populares, a moda sala ou sentassem no mesmo sofá,
perfilava acentuando a sensação democrática pois os babados dos vestidos
nos usos e costumes como bem ressalva ocupavam todo o espaço. A mulher
Gilda de Mello e Souza: era um navio majestoso navegando
orgulhosamente na frente, enquanto
[...], é no século XIX, quando a um pequeno escaler – seu
democracia acaba de anular os acompanhante masculino – navega
privilégios de sangue, que a moda se atrás. (LAVER, 1989, p. 178­9).
espalha por todas as camadas e a
competição, ferindo­se a todos os Segundo Gilberto Freyre, no nordeste
momentos, na rua, no passeio, nas patriarcal, onde a vontade do homem sobre a
visitas, nas estações de água, acelera mulher cujo papel na vida masculina era ser
a variação dos estilos, que mudam um objeto ornamental, com a finalidade de se
em espaços de tempo cada vez mais embelezar para aos olhos dos seus homens,
breve. (SOUZA, 1987, p. 21). os adornos “passaram a constituir testemunho
do apreço dos homens” diante de suas
A sensação de igualdade, 'lugar de mulheres que, "
expressão privilegiada', a moda e o modo de [...], por suas graças físicas que deviam
se vestir expressavam essa 'sensibilidade merecer o máximo de aperfeiçoamentos,
nova', ou seja, essa maneira de ser e de estar através de artifícios que enfatizassem
inserido no mundo cosmopolita – 'o desejo de artisticamente os encantos naturais de
purificar' o corpo, a alma, os usos e costumes condições especificamente feminina"
de um cotidiano repleto de ambiguidades e (FREYRE, 1987, p. 42).
inquietudes. Nessa perspectiva, a principesca Outra característica formulada por Freyre
burguesia amazonense “segue sua carreira para o gosto feminino pelos atavios é
luxuosa num cenário adaptado aos próprios correlacionada à miscigenação sanguínea e
gostos e recursos”. (DIBIE, 1988, p. 83). aos aspectos socioculturais do Brasil
Podemos dizer que a moda ao mesmo patriarcal. (MORGA, 1994, p. 48) A essa

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reciprocidade de influências, na moda resulta das miríades de ranhuras


feminina, pode­se acrescentar: microscópicas existentes na pedra. E
nas opalas usadas com demasia
[...], a de adornos de Nossa Senhora freqüência, essas ranhuras
e de santas, mulheres, que, de desfazem­se e em breve a pedra se
adornos de altar, passaram a ser torna completamente baça e
adaptados a mulheres comuns, ou apagada. (Jornal O Alto Purus,
que, de mulheres comuns, foram 25/04/1915).
transferidos ao status de adorno de
santas (FREYRE, 1987, p. 42). O uso de joias nas manifestações de festa
e fé religiosas por mulheres, ao que tudo
E é dentro desse cenário de luxo e de indica, era constante nesses acontecimentos
recursos que os seringais propiciaram que o socioreligiosos. Contudo, como demonstra
periódico 'O Alto Purus', em 25 de abril de Mary Del Priore que para além do ritual
1915, em sua coluna de curiosidades traz ao sacro, esses espaços se constituíam no
seu indulgente leitor algumas considerações imaginário popular: “[...], também em
sobre o uso de adornos: espaços secularizados: pontos buliçosos de
reunião, praças de congreçamento, palcos
– Julgam as senhoras em geral que para a explosão da libido e até mesmo arenas
podem usar sem prejuízo de violência”. (PRIORE, 1987, p. 89).
continuamente as suas jóias, E foi exatamente em uma briga não
guarnecidas de pedras preciosas. explicada por um cronista do jornal 'O
Enganam­se, pois e tais condições as Purus', que no leilão em benefício da igreja
jóias se alteram profundamente. de Nossa Senhora de Narareth na sessão de
– As perolas finas, em especial, objetos perdidos anunciava­se: “Gratifica­se
usadas sem discrição, amarelam, com 50$000 a pessoa que tiver encontrado
perdem o oriente e acabam um anel de brilhante perdido no leilão de
positivamente morrendo. O brilho Nossa Senhora de Nazareth e fizer restituição
das pedras preciosas gasta­se a luz. nesta redação”. (JORNAL 'O ALTO
– A esse respeito fizeram­se em PURUS', 30­11­1915).
Paris, experiências cujos resultados Dias depois, o cronista insinuava pelas
tornaram concludentes. Rubis e páginas do mesmo jornal que a peleja de
outras pedras preciosas foram sopapos e tapas ocorrera em virtude de um
colocadas uns expostos a luz e marido enciumado, diante dos gracejos
outros na obscuridade e ninguém trocados em confidências entre sua bela
durante dois anos lhes tocou. esposa e um charmoso galanteador da região.
– Ao cão desse tempo, compararam­ Insinua ainda, o nosso cronista, que a bela
se as pedras referidas. As que morena­esposa se encontrava trajada em um
tinham ficado na obscuridade lindo vestido azul marinho, vindo de Paris
estavam como antes da experiência; exclusivamente para a festa, de decote
expostas a luz, tinham sofrido generoso, deixando transparecer os graciosos
consideravelmente na cor e no e fartos colos opulentos. E ao finalizar suas
brilho. insinuações ele pergunta aos apreensivos
– Quanto as opalas, são geralmente leitores, que olhares atentos e observadores
delicadas. O seu efeito prismático da beleza deixariam escapar tão imensa

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paisagem singela? ambigüidades corriqueiras de um


cotidiano carregado de
No jogo de sedução que se representações simbólicas de certa
estabeleceu não era importante quem castidade homilias se colocava para
seduziu ou quem era seduzido. Não os modernos como aprendizado
havia vencedor ou vencido, mas constante de um mundo cintilante de
duas pessoas que aprendiam a se encantos, sonhos e desejos.
conhecer. [...], uma longa abordagem (MORGA, 2009, p. 231).
amorosa que reclamava tempo,
paciência e o prazer de uma sublime Porém, no recôndito da mata, a condição
gradação feita também de espertezas em que viviam as classes menos privilegiadas
e descaminhos para ficarem a sós. era de tamanha pobreza que algumas
(PRIORE, 2008, p. 147). mulheres não tinham o que vestir, e muitas
usavam roupas feitas com tecido de estopa e
É interessante notarmos que a moda no juta. Como relata o viajante Joaquim
Brasil no final do século XIX e início do Gondim, ao descrever a condição em que
século XX sofria forte influência da moda encontrou algumas mulheres em viagem feita
parisiense, sendo que seu ponto de chegada ao rio Purus.
ao país era a cidade do Rio de Janeiro, que,
por sua vez, ditava as tendências para as No baixo rio pude aquilatar do gráo
outras regiões do Brasil. Mas acompanhar a de miséria dos habitantes penetrando
moda nesse período não era peculiar ao em barracas onde muitas pessoas
mundo feminino, como bem mostrou Antonio não apareciam, envergonhadas do
Emilio Morga ao pesquisar sobre a elegância seu estado de nudez. Muitas mocas
masculina em Nossa Senhora do Desterro2 no pobres usam saias de estopa, e as
século XIX. Sua pesquisa aponta que o traje que ano possuem este vestuário
masculino possuía na perspectiva do mundo ridículo e atestador da miséria,
burguês desterrense a representação e cingem parte do corpo com o próprio
aparência das formalidades da nova cobertor que lhes serve durante o
urbanidade instaurada na sociedade sono. (RELATÓRIO, Dois anos de
desterrense do século XIX: “A necessidade saneamento no Amazonas, 1940, p.
de estar bem trajado diante não somente das 12).
conveniências sociais, mas, sobretudo, diante
das formalidades de um mundo público, À medida que nos distanciamos das
requeria certos cuidados”. (MORGA, 2009, comarcas ou dos 'grandes centros', aonde
p. 231). geralmente residiam as mulheres mais
Segundo o autor, esses cuidados com as privilegiadas economicamente, e seguimos
aparências e representações requeriam o em direção à mata, ao seringal, deparamo­nos
exercício constante diante de um mundo de com um quadro bastante diferente do que foi
mutações constantes. Onde as formas de apresentado até aqui.
desejos e encantos se davam em uma As mulheres que residiam na mata eram
pluralidade de simbologias impregnadas de mulheres acostumadas ao trabalho pesado,
sentidos diversos. habituadas a lavar as roupas nos rios, a subir
e descer ladeiras com filhos nos quadris, a
Simular o exercício das mutações encerar a casa com argila, a cozinhar no
excessivamente tediosas pelas fogão a lenha, a passar as roupas na brasa, a

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cuidar da pequena horta nos fundos do contudo de um lugar para outro, sendo pior
quintal, enfim, mulheres que viviam um no oeste da Amazônia, escassamente
cotidiano distinto ao das mulheres urbanas. povoado, que parece ter atraído seringueiros
Os seringais, onde essas mulheres viviam solteiros e solitários”. (WEINSTEIN, 1993,
se localizavam em meio à selva, cercado por p. 42).
mata fechada, cheia de bichos, plantas e A ausência de mulheres brancas e
animais. Os barracões onde geralmente se 'honradas' na mata fez com que os
localizava toda a sede administrativa ficavam seringueiros recorressem a mulheres índias e
em um lugar mais acessível próximo a um as prostitutas, buscando nelas suprir toda
igarapé, por onde os seringueiros passavam, falta que uma mulher podia causar.
de preferência uma vez por semana para Os estudos apontam que várias foram as
fazer os devidos acertos com o patrão. Eram tentativas de amenizar a falta de mulheres
casebres de madeira com varanda ao redor, nos seringais do Amazonas, desde
janelas grandes e, geralmente, ficavam encomendá­las às casas aviadoras até retirá­
suspensos do chão, escorados com paus. las à força dos cabarés de Manaus e enviá­las
O romancista Paulo Jacob, ao descrever o aos seringais. Recuperando a narrativa de
seringal Andirá consegue expressar de forma Alfredo Lustrosa Cabral, Cristina Wolff,
brilhante como eram estes barracões e seu registra em diversas passagens de seu
entorno: trabalho a condição de Manaus como pólo
fornecedor de prostitutas aos seringais do
A mata cerrava perto. Os galhos interior. Mostrando que tudo era feito com a
abraçando o alpendre, mordendo as aquiescência das autoridades públicas:
negras paredes de itaúba do velho
barracão do seringal Andirá. No A polícia de Manaus, de ordem do
interior, o cheiro ativo de estiva. governador do Estado, fez requisição
Embaixo das grandes pernas da nos hotéis e cabarés dali de umas
construção, ciscavam as galinhas, cento e cinqüenta rameiras. Com tão
patos babujavam à lama, grandes estranha carga, encheu­se um navio
porcos, com os pés fartos de bicho cuja missão foi a de soltar, de
de pé, metiam a focinheira no solo, distribuir as mulheres em Cruzeiro
revolvendo a terra. Um cão com as do Sul, no Alto Juruá. Houve
orelhas caídas, corpo ossudo de destarte, um dia de festa e de maior
fome, rosnava para um gato pirento. pompa que se tinha visto. (WOLFF,
Em frente rolava o igarapé da Anta. 1999, p. 86).
(JACOB, 2003, p. 71).
A prática de enviar mulheres para lugares
Quando surgiram os seringais no distantes, onde elas representavam a minoria
Amazonas, por volta do ano de 1870, o em relação aos homens, não parece ter sido
número de mulheres que moravam neles era um ato apenas das autoridades do Amazonas,
bastante reduzido e só aumentou à medida pois Leila Mezan Algrant afirma que a
que os seringais foram ficando mais gênese desse comportamento se encontra
populosos. Estudos comprovam que em desde o estabelecimento dos primeiros
determinadas regiões não havia a presença de portugueses no Brasil. Poucas eram as
uma mulher sequer, e essa situação fazia com mulheres que acompanhavam seus maridos
que os seringueiros se sentissem sozinhos e na travessia perigosa do Atlântico, cujos
solitários. “O grau de isolamento variava, riscos atiçavam a imaginação com crenças

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em monstros e relatos de naufrágios que [...], a ordem na sociedade do séc.


aterrorizavam a população, porém a visão XIX era constituída por três mundos,
paradisíaca das novas terras induzia os o mundo do governo, constituído
homens mais aventureiros e menos temerosos pelos grandes homens, o mundo do
a enfrentarem a travessia. As mulheres, trabalho, constituído pelos escravos
entretanto, permaneciam no reino à espera do e o mundo da desordem, que era o
retorno de seus maridos, espera, muitas mundo ligado ao não trabalho, onde
vezes, prolongada que se tornava infrutífera. habitavam as prostitutas, os
Bem cedo, portanto, a Coroa e os agentes mendigos, os pobres e todos aqueles
colonizadores defrontaram­se com o que viviam a margem da sociedade
problema de falta de mulheres brancas que poluindo o cenário social. (ENGEL,
pudessem casar com os portugueses na 1989, p. 58).
América e auxiliar na conquista e no
povoamento da colônia no início da O ato de retirar as prostitutas das ruas e
colonização. Para a historiadora Algranti: dos cabarés de Manaus e enviá­las aos
seringais do Amazonas cumpria assim duas
[...], a primeira medida empreendida funções sociais distintas: a de 'limpar' as ruas
pela Coroa para amenizar a falta de de Manaus que vivia o auge da Belle Époque
mulheres, concentrou­se no envio de e a de satisfazer as necessidades ardentes dos
órfãs que pudessem casar­se no seringueiros. Com o passar dos anos, as
Brasil. Com esse Intuito Manuel da migrações foram aumentando e a diferença
Nóbrega, solicita ao monarca que entre a quantidade de homens e de mulheres
envie donzelas, mesmo que não nos seringais foi diminuindo, um maior
fosse das mais honestas. equilíbrio entre os gêneros foi se
(ALGRATIN, 1993, p. 53). estabelecendo, com a vinda de pessoas dos
mais diversos lugares, em maior número do
Nenhum estudo rigoroso foi feito sobre a
nordeste, esses migrantes foram tomando
história das mulheres que foram enviadas aos
seus lugares na mata e estabelecendo ali seus
seringais do Amazonas para servirem como
costumes, sua cultura e seu modo de viver.
prostitutas. Pouco se sabe sobre a história que
Ao chegarem, as mulheres foram se
elas construíram ao chegarem aos seringais,
agrupando as outras que já residiam nos
quantas se adaptaram, quantas rejeitaram o
seringais, na maioria das vezes essas eram
novo modo de vida, quantas se casaram e
esposas ou filhas de seringalistas,
constituíram famílias, quantas optaram por
seringueiros ou de comerciantes locais. Aos
continuar na vida do meretrício ou quantas
poucos elas foram se inserindo nas mais
retornaram a Manaus, estas são perguntas que
variadas atividades econômicas que os
ainda carecem de respostas.
seringais ofereciam, podendo trabalhar
Contudo, a mulher de “vida fácil” foi tida
diretamente na extração da borracha, cuidar
por muito tempo como um mal que deveria
da pequena horta3 que a maioria dos
ser extirpado das ruas, porque não se
seringueiros possuía nos fundos do quintal
incluíam no cenário moderno das grandes
para ajudar na subsistência da família, cuidar
cidades brasileiras em ascensão, elas faziam
da casa e dos filhos ou, ainda, trabalhar na
parte do mundo da desordem como mostrou
extração de outros produtos da floresta.
Magali Engel:

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Além das funções acima mencionadas, borracha.


algumas mulheres se destacavam na floresta
por exercerem atividades como parteiras, __________________________
rezendeiras, feiticeiras ou curandeiras. Essas
mulheres exerciam influências sobre os 1 Bola de borracha.
demais habitantes da mata. Para Cristina
Sheibe: 2 Atual cidade de Florianópolis.

[...], foram elas que acudiram as 3 Sobre o cultivo de hortas, sabe­se que a
espinhelas caídas, os peito­aberto, princípio essa era uma prática proibida pelo patrão,
mal de reza, mal de mulher, dor de afinal era de seu interesse manter o seringueiro
dente, dor de goela, zipra, cobreiro, somente na extração da seringa, mas essa priobição
quebrante e foram elas que fizeram com o tempo foi dissolvida.
os partos, fácies e difíceis dos
Referências
muitos filhos dos seringais.
(WOLFF,1999, p. 134).
ALGRANTI, Leila Mezan. Honradas e
Por muito tempo a vida no seringal seguiu Devotas: Mulheres da Colônia feminina
um percurso normal, com muito trabalho, nos conventos e recolhimentos do Sudeste
muitas dificuldades e algumas alegrias, mas, do Brasil, 1750­1822. José Olympio,
com a crise da borracha, as coisas mudaram e Brasília: Edunb, 1993.
os habitantes da mata tiveram que encontrar
outros meios de sobrevivência. Por volta do BOLONGE, Jean Claude. História do
ano de 1911, milhares de pessoas começaram pudor. Rio de Janeiro: Elfos Ed./Lisboa:
a abandonar os seringais em busca de Teorema, 1990.
trabalho em regiões urbanas, e a
sobrevivência dos seringueiros que ali DIBIE, Pascal. O quarto de dormir: um
permaneceram foi garantida pela diversidade estudo etnológico. Rio de Janeiro: Globo,
das atividades, que só foi possível com a 1988.
incorporação de mulheres ao grupo e a
formação de grupos familiares que passaram ENGEL, Magali. Meretrizes e Doutores:
a centralizar a produção. Saber Médico e Prostituição no Rio de
A história das mulheres que viveram Janeiro (1840­1890). São Paulo: Editora
nos seringais do Amazonas não é diferente Brasiliense, 1989.
das histórias de muitas mulheres que viveram
em outras regiões interioranas espalhadas FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. No tempo
pelo Brasil. As que tiveram o privilégio de dos seringais. São Paulo: Atual, 1997.
nascer ou de passar a fazer parte da burguesia
em ascensão puderam desfrutar do luxo e do FREYRE, Gilberto. Modos de homem &
conforto que a riqueza da borracha ofereceu. modas de mulher. Rio de Janeiro: Record,
Já as que não tiveram a mesma sorte foram 1987.
obrigadas a encontrar uma maneira de
reinventar a vida. Em um cotidiano, talvez, JACOB, Paulo. Andirá. Manaus: Edições
hostil aos que permaneceram no outro lado Governo do Estado do Amazonas/Secretaria
da margem econômica do Amazonas da do Estado de Cultura/Editora da
Universidade Federal do Amazonas, 2003.

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