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sociabilidade e cotidiano
Resumo Resumo
Descritos pela historiografia regional como Described by regional historiography as a
território masculino os seringais do male territory, the rubber tree plantations of
Amazonas povoavam o imaginário the state of Amazonas used to figure in socio
sociocultural como lugar inóspito e selvagem. cultural imagery as a wild and inhospitable
Lugar de doenças, brutalidades e de árduo place. A place of diseases, brutality and hard
trabalho. Os seringais se constituíram, ao work. The rubber tree groves were formed,
longo do tempo, essencialmente masculinos. over time, as a primarily male environment.
Entretanto, com a explosão comercial do However, with the commercial explosion of
látex, com a onda imigratória para o latex, along with the wave of immigration
Amazonas na busca pela riqueza que jorrava towards the state of Amazonas in search of
farta pelo Rio Amazonas e seus afluentes, eis the wealth that flowed fed by the Amazon
que surge na documentação pesquisada a River and its tributaries, the researched
visibilidade feminina. Nas páginas dos archives brings to light a visible female
periódicos as mulheres surgiram numa presence. In the pages of magazines, women
pluralidade de possibilidades colocando e assume a plurality of possibilities, revealing
expondo seu cotidiano no mundo dos their daily lives in the world of rubber
seringais. Poderseia dizer que são imagens plantations. It could be said that the printed
difusas sobre o viver feminino. Contudo, a images compose a hazy portrait of female
sua maneira, as mulheres se fizeram presentes life. However, in their own way, women were
no mundo dos seringais. present in the world of the rubber.
Revista Latino-americana de Geografia e Gênero, Ponta Grossa, v. 6, n. 1, p. 91 - 104, jan. / jul. 2015.
Mulheres nos Seringais do Amazonas:
sociabilidade e cotidiano
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estavam de passagem pela região, visitando imagens de mulheres debruçadas nas janelas
familiares, adquirindo os produtos das lojas, dos barracões, com olhares vagos para o
vendo as últimas novidades em tecidos e terreiro, onde geralmente ficavam os homens
artigos de luxo, ou, simplesmente passeando. em volta das grandes pélas1 de borracha.
As mulheres pertencentes à insipiente (FIGUEIREDO, 1997.p.13)
burguesia amazonense, oriunda do comércio Essas imagens buscam reproduzir a ideia
da exploração da borracha, possuíam de que possuir uma mulher no seringal era
privilégios em relação às mulheres pobres. privilégio reservado apenas aos patrões, aos
Além de terem destaque na iconografia, donos dos barracões, quando muito,
existe uma farta documentação sobre elas, privilégio somente daqueles que possuíam
possibilitando assim o resgate de suas condições de mantêlas nos seringais.
histórias. Na iconografia é comum vermos
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entretinham diante do bucólico tédio do tempo em que empresta certa distinção social
mundo privado colecionando objetos que as também produz sensualidade, exageros e
remetiam a lembranças de um tempo de exibem mutações econômicas. A intimidade
entregas secretas, ora aprisionando o rosto do corporal passa a ser mostrada. O frescor da
amado de aventuras vividas, ora recordando sociedade das aparências e das
por meio das lágrimas momentos representações transita com leveza e graça
experimentados. “As mulheres têm paixão pelos olhares que contemplam a graciosidade
pelos portajóias, caixas e medalhões onde dos movimentos.
encerram seus tesouros: [...], permitem
aprisionar o rosto amado, [...], alimentam Um dos princípios da moda parece
uma nostalgia indefinidamente declinada”. ser o de que, uma vez aceito um
(PERROT, 1989, p. 10). exagero, ele se torna cada vez maior.
Entretanto não podemos inferir ao Assim, no final da década, as saias
universo dos seringais que somente as armadas pelas crinolinas eram
mulheres pertencentes à principesca verdadeiramente prodigiosas, ao
burguesia amazonense em ascensão ditavam ponto de tornar impossível que duas
a moda e as práticas de sociabilidade e mulheres entrassem juntas em uma
afetividade. Nas camadas populares, a moda sala ou sentassem no mesmo sofá,
perfilava acentuando a sensação democrática pois os babados dos vestidos
nos usos e costumes como bem ressalva ocupavam todo o espaço. A mulher
Gilda de Mello e Souza: era um navio majestoso navegando
orgulhosamente na frente, enquanto
[...], é no século XIX, quando a um pequeno escaler – seu
democracia acaba de anular os acompanhante masculino – navega
privilégios de sangue, que a moda se atrás. (LAVER, 1989, p. 1789).
espalha por todas as camadas e a
competição, ferindose a todos os Segundo Gilberto Freyre, no nordeste
momentos, na rua, no passeio, nas patriarcal, onde a vontade do homem sobre a
visitas, nas estações de água, acelera mulher cujo papel na vida masculina era ser
a variação dos estilos, que mudam um objeto ornamental, com a finalidade de se
em espaços de tempo cada vez mais embelezar para aos olhos dos seus homens,
breve. (SOUZA, 1987, p. 21). os adornos “passaram a constituir testemunho
do apreço dos homens” diante de suas
A sensação de igualdade, 'lugar de mulheres que, "
expressão privilegiada', a moda e o modo de [...], por suas graças físicas que deviam
se vestir expressavam essa 'sensibilidade merecer o máximo de aperfeiçoamentos,
nova', ou seja, essa maneira de ser e de estar através de artifícios que enfatizassem
inserido no mundo cosmopolita – 'o desejo de artisticamente os encantos naturais de
purificar' o corpo, a alma, os usos e costumes condições especificamente feminina"
de um cotidiano repleto de ambiguidades e (FREYRE, 1987, p. 42).
inquietudes. Nessa perspectiva, a principesca Outra característica formulada por Freyre
burguesia amazonense “segue sua carreira para o gosto feminino pelos atavios é
luxuosa num cenário adaptado aos próprios correlacionada à miscigenação sanguínea e
gostos e recursos”. (DIBIE, 1988, p. 83). aos aspectos socioculturais do Brasil
Podemos dizer que a moda ao mesmo patriarcal. (MORGA, 1994, p. 48) A essa
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cuidar da pequena horta nos fundos do contudo de um lugar para outro, sendo pior
quintal, enfim, mulheres que viviam um no oeste da Amazônia, escassamente
cotidiano distinto ao das mulheres urbanas. povoado, que parece ter atraído seringueiros
Os seringais, onde essas mulheres viviam solteiros e solitários”. (WEINSTEIN, 1993,
se localizavam em meio à selva, cercado por p. 42).
mata fechada, cheia de bichos, plantas e A ausência de mulheres brancas e
animais. Os barracões onde geralmente se 'honradas' na mata fez com que os
localizava toda a sede administrativa ficavam seringueiros recorressem a mulheres índias e
em um lugar mais acessível próximo a um as prostitutas, buscando nelas suprir toda
igarapé, por onde os seringueiros passavam, falta que uma mulher podia causar.
de preferência uma vez por semana para Os estudos apontam que várias foram as
fazer os devidos acertos com o patrão. Eram tentativas de amenizar a falta de mulheres
casebres de madeira com varanda ao redor, nos seringais do Amazonas, desde
janelas grandes e, geralmente, ficavam encomendálas às casas aviadoras até retirá
suspensos do chão, escorados com paus. las à força dos cabarés de Manaus e enviálas
O romancista Paulo Jacob, ao descrever o aos seringais. Recuperando a narrativa de
seringal Andirá consegue expressar de forma Alfredo Lustrosa Cabral, Cristina Wolff,
brilhante como eram estes barracões e seu registra em diversas passagens de seu
entorno: trabalho a condição de Manaus como pólo
fornecedor de prostitutas aos seringais do
A mata cerrava perto. Os galhos interior. Mostrando que tudo era feito com a
abraçando o alpendre, mordendo as aquiescência das autoridades públicas:
negras paredes de itaúba do velho
barracão do seringal Andirá. No A polícia de Manaus, de ordem do
interior, o cheiro ativo de estiva. governador do Estado, fez requisição
Embaixo das grandes pernas da nos hotéis e cabarés dali de umas
construção, ciscavam as galinhas, cento e cinqüenta rameiras. Com tão
patos babujavam à lama, grandes estranha carga, encheuse um navio
porcos, com os pés fartos de bicho cuja missão foi a de soltar, de
de pé, metiam a focinheira no solo, distribuir as mulheres em Cruzeiro
revolvendo a terra. Um cão com as do Sul, no Alto Juruá. Houve
orelhas caídas, corpo ossudo de destarte, um dia de festa e de maior
fome, rosnava para um gato pirento. pompa que se tinha visto. (WOLFF,
Em frente rolava o igarapé da Anta. 1999, p. 86).
(JACOB, 2003, p. 71).
A prática de enviar mulheres para lugares
Quando surgiram os seringais no distantes, onde elas representavam a minoria
Amazonas, por volta do ano de 1870, o em relação aos homens, não parece ter sido
número de mulheres que moravam neles era um ato apenas das autoridades do Amazonas,
bastante reduzido e só aumentou à medida pois Leila Mezan Algrant afirma que a
que os seringais foram ficando mais gênese desse comportamento se encontra
populosos. Estudos comprovam que em desde o estabelecimento dos primeiros
determinadas regiões não havia a presença de portugueses no Brasil. Poucas eram as
uma mulher sequer, e essa situação fazia com mulheres que acompanhavam seus maridos
que os seringueiros se sentissem sozinhos e na travessia perigosa do Atlântico, cujos
solitários. “O grau de isolamento variava, riscos atiçavam a imaginação com crenças
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[...], foram elas que acudiram as 3 Sobre o cultivo de hortas, sabese que a
espinhelas caídas, os peitoaberto, princípio essa era uma prática proibida pelo patrão,
mal de reza, mal de mulher, dor de afinal era de seu interesse manter o seringueiro
dente, dor de goela, zipra, cobreiro, somente na extração da seringa, mas essa priobição
quebrante e foram elas que fizeram com o tempo foi dissolvida.
os partos, fácies e difíceis dos
Referências
muitos filhos dos seringais.
(WOLFF,1999, p. 134).
ALGRANTI, Leila Mezan. Honradas e
Por muito tempo a vida no seringal seguiu Devotas: Mulheres da Colônia feminina
um percurso normal, com muito trabalho, nos conventos e recolhimentos do Sudeste
muitas dificuldades e algumas alegrias, mas, do Brasil, 17501822. José Olympio,
com a crise da borracha, as coisas mudaram e Brasília: Edunb, 1993.
os habitantes da mata tiveram que encontrar
outros meios de sobrevivência. Por volta do BOLONGE, Jean Claude. História do
ano de 1911, milhares de pessoas começaram pudor. Rio de Janeiro: Elfos Ed./Lisboa:
a abandonar os seringais em busca de Teorema, 1990.
trabalho em regiões urbanas, e a
sobrevivência dos seringueiros que ali DIBIE, Pascal. O quarto de dormir: um
permaneceram foi garantida pela diversidade estudo etnológico. Rio de Janeiro: Globo,
das atividades, que só foi possível com a 1988.
incorporação de mulheres ao grupo e a
formação de grupos familiares que passaram ENGEL, Magali. Meretrizes e Doutores:
a centralizar a produção. Saber Médico e Prostituição no Rio de
A história das mulheres que viveram Janeiro (18401890). São Paulo: Editora
nos seringais do Amazonas não é diferente Brasiliense, 1989.
das histórias de muitas mulheres que viveram
em outras regiões interioranas espalhadas FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. No tempo
pelo Brasil. As que tiveram o privilégio de dos seringais. São Paulo: Atual, 1997.
nascer ou de passar a fazer parte da burguesia
em ascensão puderam desfrutar do luxo e do FREYRE, Gilberto. Modos de homem &
conforto que a riqueza da borracha ofereceu. modas de mulher. Rio de Janeiro: Record,
Já as que não tiveram a mesma sorte foram 1987.
obrigadas a encontrar uma maneira de
reinventar a vida. Em um cotidiano, talvez, JACOB, Paulo. Andirá. Manaus: Edições
hostil aos que permaneceram no outro lado Governo do Estado do Amazonas/Secretaria
da margem econômica do Amazonas da do Estado de Cultura/Editora da
Universidade Federal do Amazonas, 2003.
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