Вы находитесь на странице: 1из 154

ORLANDO FERNANDES

DIREITO DAS OBRIGAÇÕES


SUMÁRIOS DESENVOLVIDOS

LUANDA

2006

1
CAPÍTULO I : - INTRODUÇÃO

1.- Objecto do Direito das Obrigações

O Direito das Obrigações posiciona-se, em termos didácticos, a jusante


da disciplina de Teoria Geral do Direito Civil, numa sequência que pode, de
algum modo, ser detectada no próprio plano sistemático do Código Civil. Com
efeito, a cadeira indicada em último lugar serve de iniciação a toda uma série
de ramos do Direito, incluindo o Direito das Obrigações. O modus faciendi
desse serviço iniciático passa por incursões pelos vários compartimentos do
Direito Civil, com particular predominância pela Parte Geral.
Contudo, qualificando figuras, equacionando problemas e desenvolvendo
soluções, numa perspectiva mais ou menos generalizante, não pode a
disciplina de Teoria Jurídica do Direito Civil furtar-se a uma verdade
incontornável: o seu núcleo duro condensa-se no estudo, em moldes científicos
e sistematizados, das soluções que resultam de um bom quinhão de normas
contidas no Livro I do Código Civil.
Como ramo da doutrina, o Direito das Obrigações tem por objecto a
elaboração sistemática e em moldes científicos das soluções facultadas pelas
normas reguladoras das relações de crédito1.
Neste sentido, o Direito das Obrigações surge-nos sob a forma de
manuais, tratados, compêndios, em suma, de obras que delimitam as relações
de crédito, fixam os princípios que as comandam, apuram o conceito de
obrigação e confrontam-no com figuras afins, analisam os elementos da
relação creditória e a articulação entre eles, estabelecem a função e a
influência do dever de prestar, listam as fontes das obrigações e as respectivas
modalidades, examinam o cumprimento e o inadimplemento das obrigações,
passam em revista as outras causas de extinção das obrigações, bem como a
sua transmissão e respectivas garantias.
O Direito das Obrigações, como divisão do Direito objectivo, é, por seu
turno, o conjunto de normas que disciplinam as relações de crédito, ou dito de
outro modo, que regulam as relações em que ao direito subjectivo atribuído ao
credor corresponde um dever específico de prestar, imposto a uma dada
pessoa que recebe o nome de devedor2. Numa tal perspectiva, o Direito das
Obrigações compreende as normas que vão do art.º 397.º ao art.º 1250.º e
todas quantas regulam aquela categoria de relações jurídicas3.
A relação obrigacional, como se verá, difere de outras espécies
relacionais próximas, como os direitos reais, de personalidade, os direitos
potestativos, os poderes-deveres, etc., por um apanágio especificamente seu:
o dever de prestar.

2.- O Direito das Obrigações no Código Civil angolano

1
.- VARELA, ANTUNES, Direito das Obrigações, vol. 1.º, 10.ª edição, Almedina, Coimbra, 2003,
p. 16.
2
.- VARELA, ANTUNES, ob. cit., pp. 15 e s.
3
.- Os artigos que sejam indicados, sem menção do diploma em que se contêm, devem ser
reportados, em princípio, ao Código Civil angolano.

2
O Código Civil angolano, inspirado na pandectística germânica, consagra
o Livro II ao Direito das Obrigações. O sobredito Livro, num total de 854 artigos,
compreende dois títulos: o primeiro reporta-se às obrigações em geral - arts.
397.º a 873.º - e o segundo trata dos contratos em especial – arts. 874.º a
1250.º.
O título I abarca oito capítulos, ordenados pelas seguintes epígrafes:
disposições gerais, fontes das obrigações, modalidades das obrigações,
transmissão de créditos e de débitos, garantia geral das obrigações, garantias
especiais das obrigações, cumprimento e não cumprimento das obrigações e
outras causas de extinção das obrigações.
O título II comporta, por sua vez, dezasseis capítulos, com as seguintes
epígrafes: compra e venda, doação, sociedade, locação, parceria pecuária,
comodato, mútuo, contrato de trabalho, prestação de serviço, mandato,
depósito, empreitada, renda perpétua, renda vitalícia, jogo e aposta e
transacção.

3.- Importância do Direito das Obrigações

O Direito das Obrigações reveste extraordinária importância prática.


Desde logo, a esfera jurídico-patrimonial das pessoas é autuada pelo
Direito das Obrigações. É através das Obrigações que “se desenvolve e opera,
na vida real, o importantíssimo fenómeno da colaboração económica entre os
homens”. O asserto, prenhe de actualidade, pertence ao Prof. Manuel de
Andrade, um renomado civilista do século passado4.
As Obrigações regulam grande parte da vida económica, quer no plano
das relações jurídico-civis – os principais tipos contratuais estão, v.g., insertos
nas Obrigações e nelas buscam igualmente regulação os contratos atípicos -,
quer ao nível das relações comerciais (seguros, transporte, negócios bancários,
títulos de crédito, etc.). Com efeito, as Obrigações contêm a disciplina que
subsidiariamente é aplicável a este último plano.
A circulação de pessoas e bens, a colaboração humana tendo em vista a
instituição e o funcionamento de pessoas colectivas, a prevenção de riscos, o
ressarcimento de danos, a regulação de intervenções não autorizadas em
interesses alheios, a extirpação de locupletamentos injustificados são tópicos
que certificam a importância prática desta área nevrálgica do Direito.
Mas as Obrigações relevam também em termos teóricos.
A dogmática das Obrigações é milenar, tendo-se desenvolvido sem
grandes soluções de continuidade, ao longo dos tempos. Uma das razões
dessa evolução assenta no facto de elas se ocuparem de temas ou interesses
que embora não sejam atemporais, são contudo menos permeáveis a
alterações políticas, religiosas, económicas, sociais, etc. Elas podem, assim,
ser consideradas relativamente neutrais em face daquelas instâncias, ao
contrário do que sucede com os Direitos Reais, com o Direito da Família ou
com o Direito Sucessório5.
Outra determinante deste apuramento doutrinário das Obrigações reside
na sua relativa constância no espaço. De facto, as Obrigações constituem um

4
.- ANDRADE, MANUEL DE, Teoria Geral da Relação Jurídica, I, 1960, p. 11.
5
.- As alterações operadas nos Direitos Reais e no Direito da Família, no período subsequente
à Independência, dão disso mesmo conta. As Sucessões clamam, igualmente, por uma
reforma de fundo.

3
domínio onde a colaboração e a convergência de juristas de diferentes
latitudes e longitudes, é possível sem grandes aporias.
As Obrigações gozam, assim, de uma acentuada constância espácio-
temporal. A constância ora referida alcandorou, decididamente, a dogmática
das Obrigações aos patamares elevadíssimos e únicos que se conhecem. Este
aprimoramento dogmático aclara as razões porque as Obrigações, numa lógica
de subsidiariedade, são, recorrentemente, instadas a equacionar, enquadrar e
solucionar aspectos pertinentes a outros ramos do Direito6.
As sobreditas estabilidades não devem ser entendidas em moldes
absolutos. Pretende-se somente significar que as transformações implicadas
pelas diferentes instâncias da vida têm, nas Obrigações, um impacto menos
severo. Um tal posicionamento não equivale, deste modo, a dizer que, neste
sector do Direito Civil, não se reclamem, igualmente, reformas, embora de
menor extensão.
Há, por exemplo, que alterar os irrisórios limites estabelecidos para a
responsabilidade objectiva fundada em acidentes de viação (art.º 508.º) e
instalações de energia eléctrica ou gás (art.º 510.º), bem como os fixados no
art.º 1143.º. Importa também que as alusões à superveniência de filhos
legítimos, constantes, v.g., dos artigos 450.º/2, 722.º e 970.º, desapareçam dos
nossos textos legais.
Não seria, por outro lado, dispiciendo instituir, no Código Civil, a chamada
sanção pecuniária compulsória. Ela vem já estabelecida na Lei sobre as
Cláusulas Contratuais Gerais, mas há que conferir ao instituto uma posição
mais central. Na senda das reformas, parece-nos ser, igualmente, pertinente
conciliar o instituto do arrendamento com a praxis social reinante nesta matéria
que caminham, em largas zonas, de costas viradas.
O próprio contrato-promessa, maxime em matéria de compra e venda de
imóveis, começa a colocar os promitentes-compradores à mercê dos
promitentes-vendedores. A especulação imobiliária, em Angola, é de tal modo
galopante, que, para os promitentes-vendedores, se torna mais aliciante
restituir o sinal em dobro do que celebrar o contrato prometido. Com efeito, as
mais-valias especulativas, para além de facilmente cobrirem a indemnização,
proporcionam ainda ganhos consideráveis.
A eventual reforma pode igualmente conduzir à nominalização e
tipificação jurídicas de contratos que, gozando já de nomenclatura e tipicidade
sociais, apresentam um acentuado peso na contratualização angolana e,
inclusivamente, dos que já têm um nomen juris mas a que falta o
correspondente regimen juris.
Não se devem, por último, descurar as lições resultantes da
modernização das Obrigações, no âmbito da Reforma do BGB, de 2001/2002.
As reformas já empreendidas, aliadas às acabadas de gizar, atestam, pois, do
impacto, embora atenuado, que as coordenadas tempo e espaço podem
exercer sobre as Obrigações.

4.- Princípios fundamentais do Direito das Obrigações

6
.- Mormente os de Direito Privado, mas também os de Direito Público, como ocorre no caso do
contrato administrativo e no da relação fiscal.

4
O Direito das Obrigações não corresponde a um simples amontoado de
regras jurídicas colimadas à disciplina das relações de crédito. Bem pelo
contrário, ele apresenta-se como um todo harmónico, uno e ordenado, pautado
por uma lógica própria.
As várias normas que conformam o tecido das Obrigações relacionam-se
num espírito de sistema, em razão de determinados valores apreensíveis a
partir de institutos principais deste ramo do Direito. Nesses valores estão
contidas as ideias basilares, ou seja, os princípios que estruturam o Direito das
Obrigações.
Os princípios fundamentais das Obrigações podem ser considerados
como os pilares sob que assenta todo o edifício deste ramo do Direito. Por eles,
as Obrigações ganham sentido e legitima-se a função a que se propõem.
O elenco desses princípios fundamentais ou gerais é variável. Na
exposição subsequente, vamo-nos circunscrever aos princípios da autonomia
privada, da boa fé e da responsabilidade patrimonial.

4.1.- Autonomia privada

Na vida em comunidade, os conflitos de interesses decorrentes da


escassez de bens são dirimíveis ou pelo recurso a soluções de competência –
e estaremos no plano da heteronomia - ou por via de soluções de paridade – e
operaremos, então, no quadro da autonomia privada7.
Ora, o Direito Civil é, por excelência, tributário da autonomia privada ou
da vontade. Trata-se de uma nota nele instilada, a partir do período clássico da
civilização romana, com os sopros de liberdade vindos do mundo helénico.
O Direito canónico deu, igualmente, uma contribuição decisiva à
construção da doutrina da autonomia da vontade e, consequentemente, à visão
clássica do contrato. Os canonistas, ao terçarem pela suficiência do consenso,
em termos de validade do negócio jurídico, fizeram com que do simples pacto
brotasse o dever jurídico. A acção da canonística é, de resto, a responsável
pela fórmula exnudo pactum nascitur8.
A tudo isto, somar-se-ia a teoria do Direito natural, verdadeiramente
decisivo na elevação da autonomia da vontade a verdadeiro dogma. A
constituição de direitos e obrigações teria na vontade a única fonte legitimadora.
As doutrinas liberais, então em voga, pregavam a separação absoluta
entre a sociedade e o Estado, arredando, este último, de quaisquer
intervenções na arena privada. Ao Estado somente competiria garantir a
autonomia da vontade. Aliás, a própria legitimação do Estado resultaria do
contrato social, ele mesmo um corolário da autonomia da vontade.
Literalmente, a expressão “autonomia privada” significa a possibilidade
que os particulares têm de estabelecer as suas próprias normas. A disciplina
das situações jurídico-privadas seria prosseguida pelo recurso a normas
criadas não já pelo legislador, mas pelos particulares.
Ora, os privados não criam regras jurídicas, posto que estas são
genéricas e abstractas. A autonomia privada deve, assim, ser entendida como
a liberdade de o indivíduo estabelecer as consequências jurídicas que se irão

7
.- A autonomia privada atravessa todos os planos da actividade humana e a sua denegação
só numa hipótese puramente orwelliana vingaria.
8
.- MARQUES, CLÁUDIA, Contratos no Código de Defesa do Consumidor, Editora Revista dos
Tribunais, São Paulo, 2002, p. 41

5
repercutir na sua esfera jurídica9. Um tal entendimento permite reconduzir a
autonomia privada ao poder reconhecido a cada indivíduo de, no quadro da
ordem jurídica imperante, criar a disciplina jurídica a que se subordinam os
seus interesses.
A autonomia, assim configurada, estará sempre referida a um
ordenamento jurídico imperante. O Estado pode, pois, reconhecer um largo
âmbito e uma vasta eficácia à actuação das partes, cujo fundamento último
será sempre o ordenamento jurídico.
A autonomia privada resolve-se, deste modo, no reconhecimento, às
partes, do poder de autodeterminação da sua esfera jurídica, num primeiro
momento, e, num segundo instante, no da composição espontânea dos
respectivos interesses, sob a sanção da ordem jurídica.
Os afloramentos do princípio, na Lei Constitucional angolana revista em
1992, contêm-se nos arts. 11.º/3, relativo à liberdade de iniciativa privada, 20.º,
referente à consagração da liberdade pessoal, e 46.º/3, respeitante à liberdade
de escolha e exercício de profissão.
A projecção do princípio da autonomia privada, nos diferentes
departamentos do Direito Civil, conhece diferenças de densidade e de
intensidade. Nos Direitos Reais, o princípio conhece limitações, posto que se
trata de uma área com grande presença de normas injuntivas e porque
predomina, aqui, a regra do numerus clausus, expressa no artigo 1306.º/1.
Igualmente, no Direito da Família, vigoram diversos regimes cogentivos, como,
de resto, sucede no Direito das Sucessões e nos direitos de personalidade.
Incluem-se, no âmbito do princípio da autonomia privada, a liberdade de
associação, no respeitante à constituição e à instituição de pessoas colectivas,
a liberdade de testar, no plano do Direito das Sucessões, a liberdade de
celebrar acordos que não sejam contratos, no quadro do Direito da Família, e a
liberdade de celebrar e modelar negócios jurídicos, no plano do Direito das
Obrigações.
Uma consequência importante da autonomia privada, no âmbito do
Direito das Obrigações, radica no carácter supletivo das suas regras. O relevo
dado à autonomia privada, neste domínio, implica que, de uma maneira geral,
as regras estabelecidas por lei cedam em face de estipulação em sentido
diverso.
A produção reflexiva de efeitos jurídicos que vem de ser apontada
depende, por seu turno, da utilização de um expediente jurídico específico: o
negócio jurídico.
De conformidade com MOTA PINTO, os “negócios jurídicos são actos
jurídicos constituídos por uma ou mais declarações de vontade, dirigidas à
realização de certos efeitos práticos, com intenção de os alcançar sob tutela do
Direito, determinando o ordenamento jurídico a produção dos efeitos jurídicos
conformes à intenção manifestada pelo declarante ou declarantes”10.

4.1.1.- Liberdade contratual e respectivos conteúdos

9
.- LEITÃO, MENEZES, Direito das Obrigações, vol. I, 3.ª edição, Almedina, 2003, pp. 20 e ss.
10
.- PINTO, MOTA, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, 3.ª edição actualizada, 1999,
p. 379.

6
O princípio da autonomia privada afirma-se, com intensidade, no terreno
do Direito das Obrigações. O plano dos negócios jurídicos bilaterais ou
plurilaterais é, todavia, o campo privilegiado de actuação do princípio11.
A liberdade contratual é o corolário da autonomia privada, quando esta
se dobra sobre as Obrigações. A autonomia privada, quando tem como
referente o negócio jurídico, mormente o contrato, resolve-se, pois, no
chamado princípio da liberdade contratual (art.º 405.º), ou seja, na faculdade de
as partes decidirem se contratam ou não, com quem contratam e de conformar,
dentro dos limites da lei, o conteúdo dos contratos.
A liberdade contratual admite, tradicionalmente, duas vertentes: a
liberdade de celebração e a liberdade de estipulação, também denominada
liberdade de modelação ou de fixação do conteúdo contratual. Na liberdade
contratual, inclui-se, também, a liberdade de extinguir, por mútuo acordo, o
contrato, nos termos do art.º 406.º/1, in fine. Tal acordo recebe o nome de
distrate ou distrato12.
O art.º 405.º do Código Civil consagra, ex professo, a liberdade de
modelação. Esta vertente da liberdade contratual analisa-se na faculdade
reconhecida, às partes, de livremente escolherem os efeitos jurídicos que, in
concreto, querem ver produzidos, sob a sanção da ordem jurídica.
Às partes, é reconhecida a faculdade de, livremente, delimitar o conteúdo
dos contratos, não tendo de se ater, necessariamente, aos tipos contratuais
legalmente recortados. A sua extensão vai ao ponto de, mesmo ante um
contrato típico ou paradigmático, elas puderem afastar a aplicação das regras
legalmente previstas.
Como bem resulta do art.º 405º, a liberdade de estipulação incide quer
sobre os contratos previstos no Código Civil e noutros textos legais – são os
contratos nominados que podem ser típicos ou atípicos – como relativamente a
contratos não previstos na lei – são os chamados contratos inominados,
geralmente atípicos13.
A liberdade de estipulação pode ser exercida no momento da celebração
do contrato, isto é, concomitantemente à liberdade de celebração, como
posteriormente, mediante aditamentos ou modificações a um contrato já
celebrado.
A liberdade de celebração ou de conclusão de contratos resulta,
igualmente, da norma em foco, embora por via implícita. A liberdade de fixação
do conteúdo contratual tem a pressupô-la a liberdade de celebração de
contratos. Ao dispor, de modo genérico mas claro, sobre a liberdade de fixação
do conteúdo dos contratos, está, no referido preceito, comportada,
implicitamente, a liberdade de celebração.
Parece-nos, igualmente, que a expressão “celebrar contratos diferentes
dos previstos neste código”, contida no art.º 405.º do Código Civil, depõe,
decisivamente, a favor da afirmação da liberdade de celebração. Se há
liberdade de celebração de contratos diferentes dos previstos no Código, a
fortiori ou, pelo menos, por identidade de razão, tal faculdade existirá, quando
se trate de celebrar contratos nele previstos.

11
.- Os negócios jurídicos unilaterais são autuados pela tipicidade taxativa, embora o
tópico em cause se configure controverso.
12
.- LEITÃO, MENEZES, ob. cit., p. 25
13
.- VASCONCELOS, PEDRO PAIS DE, Contratos Atípicos, Almedina, 1995, pp. 27 e
ss.

7
A liberdade de celebração traduz-se, assim, na faculdade reconhecida às
partes de celebrar ou não o contrato. Cada uma das partes decide se quer ou
não celebrar o contrato e com quem lhe aprouver, podendo,
discricionariamente, recusar ou aceitar qualquer proposta contratual.

4.1.1.2.- Restrições ao princípio da liberdade contratual

As duas vertentes da liberdade contratual que vêm de ser referidas


conhecem restrições14.
Começando pela liberdade de celebração, o primeiro grupo de limitações
corresponde às hipóteses em que, verificados determinados pressupostos, as
pessoas singulares ou colectivas ficam adstritas a contratar.
Tal dever ocorre, desde logo, no contrato-promessa, isto é, quando as
partes tenham assumido a obrigação de celebrar, no futuro, determinado
contrato. O promitente fica, então, vinculado a fazê-lo.
Há casos em que o dever jurídico em causa resulta já não de convenção,
mas de imposições directas da lei. As empresas concessionárias de serviços
públicos, v.g., não se podem recusar a celebrar o contrato, quando o utente
preencha os requisitos fixados nos regulamentos correspondentes. As
actividades das mesmas são essenciais, exercem-se em regime de exclusivo e
não celebrar equivaleria a excluir o utente do acesso a um bem ou serviço que
mais ninguém fornece ou presta.
Outrossim sobre determinadas profissionais, como médicos e advogados,
nos termos dos estatutos das respectivas ordens profissionais, impõem-se-lhes,
em dados circunstancialismos, deveres jurídicos de contratar.
De sinal contrário às discriminadas no grupo anterior, são as restrições
provenientes de normas que proíbem a celebração de certos contratos com
determinadas pessoas. Os exemplos paradigmáticos são os que se contêm
nos arts. 579.º, 876.º, 877.º e 953.º. Este último reporta-se às doações a favor
de pessoas abrangidas pelas indisponibilidades relativas constantes dos arts.
2192.º a 2198.º.
Outra limitação resulta da renovação do contrato ou da cessão da
posição contratual imposta a um dos contraentes. A lei impõe a um dos
pactuantes a renovação do contrato ou a transmissão para terceiro da posição
contratual da contraparte.
O exemplo é o do art.º 1095.º, em sede do qual a renovação do contrato
de arrendamento é imposta ao senhorio. No trespasse de estabelecimento
comercial ou industrial, plasmado no art.º 1118.º, temos o exemplo acabado de
uma transmissão da posição contratual que se impõe ao senhorio.
Por último, certas pessoas, para contratar, necessitam do assentimento
ou do consentimento de outrem ou da aprovação de uma certa entidade. É o
que ocorre nas ilegitimidades conjugais e na inabilitação. A alienação de certos
bens dos cônjuges, nos termos dos arts. 56.º e 57.º do Código da Família,
requer a anuência do outro consorte e, quanto aos inabilitados, os actos destes
estão sujeitos à autorização do curador, nos termos do art.º 153.º. Igualmente,

14
.- Alguns autores referem a liberdade de escolha da contraparte como outra das vertentes da
liberdade contratual. Vide COSTA, ALMEIDA, ob. cit., p.

8
a compra e venda de explosivos carece de prévia autorização da Polícia
Nacional, nos termos do correspondente regulamento15.
A existência de restrições à liberdade de modelação é, desde logo,
postulada pela locução “dentro dos limites da lei”, contida no art.º 405.º do
Código Civil.
Em primeiro lugar, consubstanciam restrições à liberdade de estipulação,
os requisitos do objecto do negócio jurídico, expressos nos arts. 280.º e ss. e
no art.º 398.º/2. Os limites resultam, igualmente, de toda a legislação que
comina com a ineficácia ou a inexistência a celebração de negócios com certo
conteúdo.
A segunda limitação tem a ver com os contratos normativos e com os
contratos colectivos que são uma espécie de contratos preliminares ou
preparatórios. Trata-se de padrões, cujo conteúdo é fixado em termos
genéricos, com a obrigatoriedade de serem observados, nos contratos
individuais. O exemplo vem-nos das convenções colectivas de trabalho16.
A terceira limitação decorre de determinadas normas imperativas que se
reflectem no conteúdo dos contratos. É o caso do art.º 1146.º sobre as taxas
máximas de juros17, dos arts. 1025.º e 1080.º, sobre os prazos máximos e
mínimos da locação, e do princípio da boa fé.

4.1.1.3.-Cláusulas contratuais gerais como restrição de facto18

Uma importante limitação, de ordem meramente prática ou de facto, tem


a ver com os contratos celebrados através de cláusulas contratuais gerais que,
prevalentemente, se resolvem nos denominados contratos por adesão. A
limitação à liberdade de modelação ocorre, aqui, apenas no domínio dos factos,
pois que, no plano da lei, nada há que impeça a livre fixação do conteúdo dos
contratos, apenas por um dos pactuantes.
Na técnica contratual clássica, a celebração de um contrato tinha a
precedê-la uma discussão completa de todas as suas cláusulas, fossem elas
essenciais, naturais ou acidentais. Este modus operandi começou a ver-se
dobrado, de modo massivo, no dealbar do século XX.

4.1.1.3.1.- Origens e difusão do fenómeno

Às cláusulas contratuais gerais são apontados antepassados remotos


como os formulários utilizados pelos notários, na Idade Média, mormente no
norte da Itália. Tabeliões e peritos em leis, assessorando juridicamente
negociantes, curavam de elaborar formulários de contratos, com vista à sua
ampla difusão no meio mercantil19.

.- SILVA, BURITY DA, Teoria Geral do Direito Civil, Gráfica de Coimbra, Lda.,
15

Coimbra, 2004, p. 138.


16
.- VARELA, ANTUNES, ob. cit., p. 249.
17
.- A Lei n.º 3/03, de 14 de Fevereiro, introduziu, neste domínio, alterações de vulto.
18
.- É a acuidade do tema que justifica a subsequente desenvolução e que, em grande parte, é
tributária da nossa Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de Direito de Lisboa,
sob a epígrafe “O Dever de Informação na Lei Angolana sobre as Cláusulas Contratuais
Gerais”.
19
.- ROPPO, ENZO, Contratti Standard, Milano, 1975, pp. 2 e s.

9
Mais próximos dos contratos com base em cláusulas contratuais gerais
estão os contratos de seguro marítimo, que, segundo GARCIA-AMIGO, nos
surgem já bem descritos no século XIX20.
Para MENEZES CORDEIRO, a utilização de cláusulas contratuais gerais,
no comércio jurídico, está, historicamente, ligada à actividade bancária. Com
efeito, na década de 80 do Século XIX, começaram a surgir, nos livros de
cheques, cláusulas redigidas em letras reduzidas, condensando deveres e
cuidados do cliente. Por seu turno, a doutrina debruçou-se, pela primeira vez,
sobre o fenómeno das cláusulas contratuais gerais, a propósito dos banqueiros
e do Direito bancário21.
OLIVEIRA ASCENSÃO sustenta que o instituto tem a ver com a reacção
contra os excessos da autonomia privada, no início do século XIX. A sociedade
de massas tornou patente que a liberdade contratual se exauria na liberdade
formal de aceitar ou recusar a celebração do contrato22.
O período inflacionário subsequente à 1.ª Guerra Mundial e o crash de
29 tiveram, igualmente, a ver com o fenómeno das cláusulas contratuais gerais.
Os empresários tornaram-se mais conscientes dos riscos assumidos,
mormente em contratos com prestações duradouras e daí que, pelo recurso a
cláusulas contratuais gerais, tenham engendrado esquemas de protecção da
empresa contra danos decorrentes da inflação23.
Em derradeira análise, é nas profundas alterações ocorridas na
economia ocidental, no século XIX e princípios do século XX, que se localizam
a génese e a difusão das técnicas de contratação de massa, podendo-se,
assim, dizer que as cláusulas contratuais gerais são, na sua origem, um
produto do capitalismo monopolista ou oligopolista.
Daquela altura a esta parte, a projecção do fenómeno, no mercado, foi
de tal ordem que os contratos assim modelados cifrar-se-ão, na actualidade,
em algo como noventa e nove por cento, do cômputo da contratação total24.
Este procedimento, típico do tráfego negocial moderno, corresponde,
como refere OLIVEIRA ASCENSÂO, a uma manipulação fatal das sociedades
de massas, conforme com a sociedade técnica contemporânea que, assim,
marcha sem se puder pôr em causa25.
As necessidades a que responde tal maneira de modelação do contrato
são diversas.
À cabeça, surgem-nos vertentes como a racionalização, a programação e
a celeridade negociais26. A actuação homogénea, ao nível periférico, das
directrizes do centro e a possibilidade de, com antecipação, calcular os riscos e
os custos ligados à actividade negocial da empresa são outrossim associadas
ao emprego de cláusulas contratuais gerais.

20
.- GARCIA-AMIGO, MANUEL, Consideraciones en torno a la teoria de las condiciones
generales de los contratos y de los contratos por adhesion, in Revista de Derecho Español y
Americano, C.E.J.H., p. 16, nota 8.
21
.- CORDEIRO, MENEZES, Manual de Direito Bancário, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, 2001,
p. 449.
22
.- ASCENSÃO, OLIVEIRA, Cláusulas Contratuais Gerais, Cláusulas Abusivas e Boa Fé, ROA,
p. 574.
23
.- RIBEIRO, SOUSA, O Problema do Contrato, As Cláusulas Contratuais Gerais e o Princípio
da Liberdade Contratual, Colecção Teses, Almedina, Coimbra, 1999, cit., p. 47.
24
.- ROPPO, ENZO, Contratti Standard cit., pp. 2-3, 12 e 13.
25
.- ASCENSÂO, OLIVEIRA, Acções e Factos Jurídicos, vol. III, 1991/1992, p. 364.
26
.- ASCENSÂO, OLIVEIRA, Acções e Factos jurídicos cit., p. 364.

10
A simplificação, a redução de custos nas transacções, a paridade no
tratamento de clientes ou fornecedores de uma mesma empresa ou de um
sector de actividade correspondem a outras tantas razões que impuseram a
alteração do paradigma contratual clássico27.
Ao seu emprego está, de igual modo, ligada a rentabilização
administrativa, resultante da aplicação da mesma disciplina jurídica, à
generalidade das relações do mercado28.
O emprego de cláusulas contratuais gerais permite, ainda, uma
delimitação detalhada e quase perfeita das prestações devidas, com a
consequente regulação pormenorizada do contrato. Eliminam-se incertezas e,
com elas, a possibilidade de uma série de controvérsias jurídicas, contendo a
litigiosidade e evitando riscos e custos processuais29.
A pré-redacção elimina, igualmente, a contratação mitigada,
simplificando ao máximo o processo de formação de contratos.
Consequentemente, introduz-se uma elevada celeridade na celebração de
negócios jurídicos. Um único órgão ou um só representante de uma pessoa
colectiva podem, em lapsos reduzidos de tempo, celebrar, v.g., inúmeros
contratos.
O empresário dos nossos tempos, compelido a celebrar diariamente
inúmeros contratos com vários indivíduos, não tem condições de discutir, em
pormenor, com cada um dos singulares contraentes, todos os elementos que
conformam o negócio. Neste sentido, o emprego de cláusulas contratuais
gerais satisfaz plenamente a vida económica moderna.
A disciplina pormenorizada do contrato com base em cláusulas
contratuais gerais apresenta vantagens do ponto de vista do acabamento e
adequação da regulação legal. Nesta modalidade de contratação, as lacunas e
a generalidade da lei são largamente supridas, para dar lugar a uma regulação
detalhada e ajustada à específica realidade sectorial a que pertence o
contrato30.
São apontadas outras vantagens menores, como a de a contratação com
base em cláusulas contratuais gerais implicar uma situação de igualdade para
toda a massa difusa de destinatários, em face do predisponente, inviabilizando
a possibilidade de um destinatário menos avisado obter cláusulas mais
desvantajosas do que um mais astuto31.
Mas a celebração de negócios jurídicos pelo recurso a cláusulas
contratuais gerais, a despeito das vantagens ora assinaladas, comporta facetas
negativas.
Elas analisam-se, desde logo, na oneração da parte mais fraca. O
predisponente é tentado a acautelar, até à exaustão, os seus interesses, em
detrimento dos do destinatário, votados a uma marcada indiferença. A
desigualdade é o atributo sobrelevante deste novo contexto negocial. A
supressão da liberdade de modelação coloca uma das partes em posição de
abusar do seu poder negocial e de desequilibrar o balanço contratual a seu
favor.

27
.- ALMEIDA, FERREIRA DE, Contratos I, 2.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2003, p. 113.
28
.- ROPPO, ENZO, Contratti cit., pp. 32 a 44.
29
.- ROPPO, ENZO, Contratti cit., p. 44.
30
.- MONTEIRO, PINTO, Contratos cit., p. 742.
31
.- GARCIA-AMIGO, MANUEL, Consideraciones cit., p. 104.

11
As reservas a este figurino de contratação foram-se acentuando devido,
justamente, à situação precária para que, as mais vezes, era remetido o
contraente mais fraco e menos prevenido.
O predisponente, geralmente forte no plano económico e
convenientemente assessorado do ponto de vista técnico-jurídico, usava e usa
esta nova técnica de formação do contrato para reforçar a sua posição
contratual e debilitar a do destinatário, limitando os riscos que, nos termos da
lei, lhe corresponderiam.
A redacção das cláusulas em letra minúscula, de forma ambígua ou
ininteligível, o facto de o destinatário não as ler, quer porque somente chegam
ao seu poder após a celebração do contrato, quer porque não conhece a sua
existência são outros tantos perigos assinalados ao seu emprego.
O outro perigo consistiria no facto de a sua utilização contribuir para a
eliminação da concorrência. Não raras vezes, as cláusulas contratuais gerais
são fruto de um acordo entre empresas, tornando-se idênticas, para um dado
sector, por via de exercícios de cartelização32.
Pensou-se, inicialmente, que o desequilíbrio entre as partes seria
atenuado pela concorrência que as empresas fazem entre si. O desequilíbrio
nunca seria de monta, posto que apenas em situações de monopólio ou de
oligopólio estaria arredada a concorrência.
Mas os factos demonstrariam, a jusante, que empresas que têm em vista
alcançar os mesmos propósitos económicos se coligam, para compilarem, de
antemão, as cláusulas contratuais a que aderirá a massa difusa de
destinatários.
Numa perspectiva com algum pendor normativista, ser-se-ia tentado a
dizer que, mediante o uso de cláusulas contratuais gerais, as empresas
legislam através de contratos e, inclusivamente, em moldes autoritários, sem
terem que o aparentar. Os contratos celebrados mediante cláusulas contratuais
gerais podem, pois, convolar-se em instrumentos de recriação de relações de
vassalagem33.
A Ciência do Direito cedo se apercebeu da especificidade do fenómeno.
“Contratos de adesão” foi o nome de baptismo atribuído por RAYMOND
SALEILLES ao novo fenómeno, em 1901, num estudo intitulado “De la
déclaration de volonté, contribution à l’étude de l’acte juridique dans le code
civil allemand”.
Com tal nome, designava, o renomado jurista francês, os contratos em
que predominava, em absoluto, uma só vontade que, operando em moldes
unilaterais, ditava a sua lei, já não a um indivíduo mas a um universo
indeterminado de indivíduos. A expressão vulgarizar-se-ia, nas décadas
seguintes, mormentecom a sua inclusão em epígrafes de diversas obras.
A novidade do fenómeno determinou, num primeiro momento, uma falsa
dicotomia nos contratos: aos contratos paritários, individuais - contrats gré a
gré, Individualverträgen, contratti individuali - contrapor-se-iam os contratos por
adesão34.
As primeiras décadas do século XX são marcadas por reflexões algo
difusas sobre o fenómeno e com muitas soluções de continuidade. Com efeito

32
.- GARCIA-AMIGO, MANUEL, Consideraciones cit., pp. 106-107.
33
.- BIANCA, MASSIMO, Le Autorita Private, Casa editrice Dott. Eugenio Jovene, Napoli, 1977,
pp. 62 e ss.
34
.- GARCIA-AMIGO, MANUEL, Consideraciones cit., p. 93.

12
e a despeito de a descoberta de SALEILLES remontar a 1901, os escritos
sobre a matéria continuarão, até 1930, a revelar-se escassos, em França35.
Na Alemanha, o tema das allgemeine Geschäftsbedingungen
amadureceu mais tarde, em comparação com a “descoberta” francesa, a
despeito da introdução, ainda em 1908, do termo e do conceito de
Massenvertrag. Seria, porém, a partir de 1935, que se multiplicaria o interesse
pelo tema, ao ponto de rapidamente se converter numa autêntica “neuralgische
Zone des deutschen Privatrechts”, num locus classicus do Direito das
Obrigações36.
No Direito transalpino, os estudos sobre o fenómeno, não muito
expressivos antes de 1942, ganham, a partir dessa altura e em razão dos
artigos 1341, 1342 e 1370 do novo Codice, um substancial fulgor.
Já na literatura anglo-americana, o tema dos standardized mass contracts
ou dos contracts of adhesion surge, nos anos trinta, com as características
próprias de um produto de importação, a que não será, de resto, estranha a
formação continental, maxime germânica, de alguns autores que, então
emigrados, levantam o problema, na Inglaterra e nos Estados Unidos37.
Na esteira de todo este cenário, as atenções da doutrina e da
jurisprudência, num primeiro momento, viriam a concentrar-se na natureza
iníqua de algumas das cláusulas insertas nos contratos por adesão, mormente
quando os aderentes fossem consumidores.
Não é assim de espantar que a Directriz comunitária pertinente ao
fenómeno, logo que se revelou possível o seu surgimento, viesse colimada à
compatibilização das legislações dos Estados-membros, em matéria de
supressão de “cláusulas abusivas nos contratos celebrados com
consumidores”38.
Num segundo momento, o fenómeno concitou a atenção dos
legisladores de diversos países, com a promulgação de leis específicas sobre a
matéria.
Tais intervenções resolveram-se, prevalentemente, na exclusão das cláusulas
mais gritantemente injustas quando, na negociação, não tivessem sido
comunicadas e/ou informadas ao contraente mais débil ou, numa evolução
posterior, quando delas não tivesse conhecido o sentido e o alcance.
Já num momento anterior, se tinha procurado atalhar aos males
decorrentes dos contratos por adesão, com medidas de cariz económico. Na
América, por meio da política do New Deal tentou-se obstar aos exageros das
actividades dos trusts. Na Inglaterra, tal missão viria a caber ao livre jogo das
forças económicas, ao uso e ao costume.
Portanto, a traça típica dos contratos por adesão consiste no facto de
serem prevalentemente formados por predisposições unilateralmente
colocadas por uma das partes e dirigidas a um universo difuso ou
indeterminado de aderentes, sem possibilidades de influírem na modelação do
conteúdo negocial.
Para MENEZES CORDEIRO, a problemática das cláusulas contratuais
gerais que se foi firmando e expandindo ao longo do século XX, nos diversos
países europeus, pode, em termos de evolução da correspectiva disciplina, ser

35
.- ROPPO, ENZO, Contratti Standard cit., pp. 18-23.
36
.- ROPPO, ENZO, Contratti Standard cit., pp. 19-23.
37
.- ROPPO, ENZO, Contratti Standard cit., pp.19-23.
38
.- ALMEIDA, FERREIRA DE, Contratos cit., p. 114.

13
apresentada sob quatro cenários: aplicação das regras gerais, autonomização
jurisprudencial, pequena referência legal e regime legal completo39.
O primeiro cenário resolve-se na aplicação das regras comuns, quer em
razão do desconhecimento do problema das cláusulas contratuais gerais ou
porque, a despeito da presença do fenómeno, o seu reconhecimento é negado.
As questões que o fenómeno suscita são, assim, tratadas à luz dos
dispositivos legais comuns pertinentes ao negócio jurídico. A boa fé, os bons
costumes, a ordem pública, o dolo, o erro, a usura, etc., são alguns dos
expedientes de cariz comum, chamados a enfrentar os problemas que, nesta
etapa, o tópico das cláusulas contratuais gerais suscita.
Todavia, a unicidade do predisponente ou a facilidade de um acordo
entre predisponentes em termos de adopção das mesmas cláusulas
contratuais gerais produzem um contexto que não se quadra, na integralidade,
aos esquemas de intelecção e ordenação próprios dos dispositivos legais
comuns.
Pode-se dizer que o nosso ordenamento jurídico, antes da LCGC – Lei
n.º 4/03, de 18 de Fevereiro -, reconduzia o tratamento das cláusulas
contratuais gerais aos parâmetros próprios desta fase.
O segundo cenário é o jurisprudencial. Por via da concretização de
princípios gerais, a jurisprudência veio a facultar soluções particulares para as
cláusulas contratuais gerais. A partir dos tribunais, passaram a ser obtidas
decisões especificamente ajustadas ao fenómeno.
A autonomia jurisprudencial, relativamente ao tratamento das cláusulas
em apreço, teve a precedê-la e a acompanhá-la, em regra, adequados estudos
doutrinários. Por obra da jurisprudência, foram logradas a exclusão de
cláusulas desconhecidas ou não cognoscíveis e a invalidade de cláusulas
proibidas.
O método de pequena referência legal corresponde aos sistemas italiano
e etíope. O art.º 1341.º do Código Civil italiano e os arts. 1686 e 1738/2 do
Código Civil da Etiópia40 consagram medidas conducentes à ineficácia das
cláusulas impossíveis de conhecer por parte do destinatário. Os preceitos em
causa visam estimular a tomada de consciência por parte do potencial
aderente, quando se trate de cláusulas contratuais gerais que lhe possam ser
prejudiciais.
A despeito da relevância de ambos os esquemas, eles não dedicam, ao
problema, as soluções mais ajustadas ao fenómeno. Com efeito, é importante
conscientizar o aderente, mas, no quadro do fenómeno sob análise, tal
démarche peca por insuficiência e está inquinada de irrealismo, como assinala
MENEZES CORDEIRO41.
O Direito, estribado na sua Ciência, permite, na actualidade, aspirar a
voos mais altos42.
Na normalidade social, a tendência é a de o destinatário ser levado a
subscrever ou a aceitar as cláusulas que lhe são presentes quer por
necessidade, quer na expectativa de jamais se confrontar com dissídios
decorrentes do texto do contrato. Mas a experiência, à escala universal,

39
.- CORDEIRO, MENEZES, Manual cit., p. 454.
40
.- A Etiópia foi o segundo país do mundo a legislar sobre os contratos por adesão. Fê-lo em
1960.
41
.- CORDEIRO, MENEZES, Manual cit., p. 456.
42
.- CORDEIRO, MENEZES, Manual cit., pp. 454-455.

14
demonstra que o fenómeno das cláusulas contratuais gerais comporta
problemas verdadeiros, só elimináveis não já com paliativos, mas mediante
soluções de fundo.
O problema deve ser encarado de frente e com normas adequadas. As
normas em causa não podem exaurir-se na disciplina comum à celebração de
negócios jurídicos, com enfoques meramente formais. Este figurino de
contratação, atendendo à situação precária em que muitas vezes se encontra o
contraente mais fraco e menos avisado, exige uma disciplina autónoma e
completa.
A disciplina do fenómeno, nos moldes assim configurados, corresponde
ao quarto cenário que é possível detectar no tratamento jurídico das cláusulas
contratuais gerais. Angola, com a sobredita Lei n.º 4/03, de 18 de Fevereiro, faz
já parte, desde 2003, do universo de Estados munidos de uma disciplina
própria do fenómeno das cláusulas contratuais gerais, passando, directamente,
da primeira para a quarta fase.
Como acentua MOTA PINTO, o Direito “não pode minimizar esta
situação sociológica de submissão ou sujeição e continuar a proceder como se
se estivesse perante uma normal aceitação, a não ser…a não ser que o Direito
se queira comportar como uma arte de negar com método as realidades
sociais”43.

4.1.1.3.2.- Problemas de conceituação

Na literatura jurídica e nos vários textos legais sobre a matéria, nomeia-se o


fenómeno que vimos referindo, por via de toda um leque de locuções que
parecem autorizar o seu uso metonímico. A locução “cláusulas contratuais
gerais” não se pode arrogar a fórmula única para designar o sobredito
fenómeno.
Contratos por adesão, cláusulas gerais dos contratos, condições gerais
dos contratos, contratos estandardizados são apenas algumas das outras
designações. Em sequência, cumpre passá-las em revista, ainda que muito
sumariamente.

4.1.1.3.2.1.- Contratos por adesão

O que diferencia os contratos por adesão dos demais é que, naqueles,


há adesão pura e simples à oferta e, nos restantes há uma oferta última,
formada com base em negociações. Nos contratos por adesão, a primeira
oferta é, quase sempre, a última44.
Importa, entrementes, assinalar que o facto de serem as cláusulas
contratuais gerais o modo prevalente de modelação do conteúdo dos contratos
por adesão, não tem o sentido de a formação destes últimos se exaurir nos
moldes acima apontados.
Com efeito, o emprego de cláusulas contratuais individuais pode
outrossim desembocar na formação de contratos por adesão. Nesta esteira, a
fórmula contratos por adesão abarca todos os contratos nascidos de uma
imposição unilateral de vontade.

.- PINTO, MOTA, Contratos de Adesão, RDES, p. 123.


43
44
.- ALBALADEJO, MANUEL Compendio de Derecho Civil, 2.ª edicion, Libreria Bosch,
Barcelona, p. 225.

15
Sempre que uma das partes esteja em posição de impor, à outra, as
suas condições, numa lógica de «pegar ou largar» e a despeito de essas
cláusulas contratuais se apresentarem destituídas do atributo da generalidade,
teremos, igualmente, contratos por adesão. A figura abrange também os
contratos individuais ou singulares, sempre que o respectivo conteúdo seja
modelado unilateralmente45.
Para GALVÃO TELLES, este argumento não é impressionante, posto
que a adesão terá que ser algo de estrutural e constante e não qualquer coisa
de contingente e esporádico. O estar uma das partes em posição de impor, à
outra, as suas condições, numa lógica de «pegar ou largar», nem sempre terá
o sentido de termos pela frente este peculiar modo de formação do contrato46.
Só haveria contratos por adesão quando as condições fossem
rigidamente fixadas, de antemão e em abstracto, para toda uma série de
contratos da mesma natureza. Unicamente, ante uma contratação de massa,
uniforme e estandardizada se colocaria o problema do contrato por adesão47.
Mas tudo aponta para o facto de os contratos por adesão
corresponderem a uma categoria mais genérica, passível de se não esgotar
nos contratos celebrados pelo recurso a cláusulas contratuais gerais. Em regra,
o contrato por adesão é concluído através de cláusulas contratuais gerais. Mas,
quando, às cláusulas pré-formuladas, falta a nota da generalidade, quebra-se a
tendência48.
A despeito de, geneticamente, a locução “contratos por adesão” ter sido
pensada para contratos padronizados através de cláusulas contratuais gerais,
em bom rigor, a fórmula revela-se mais abrangente, posto que os contratos
individualizados podem outrossim formar-se por adesão49.
Outrossim não é correcto assimilar, tout court, a noção de cláusulas
contratuais gerais a de contratos por adesão. De per si, as cláusulas
contratuais gerais não são contrato. Só pela aceitação, elas entram a fazer
parte dos diferentes contratos singulares que visam modelar. Não se nos
afigura, pois, lídima a utilização indistinta das duas fórmulas, como se de
sinónimos se tratasse.
Por outro lado, considera-se preferível o uso da expressão “contratos por
adesão” à expressão “contratos de adesão”. Com efeito, a partícula “de”
introduz a um problema de conteúdo do contrato. Ora, o que subjaz a esta
categoria resolve-se no modo específico de formação do contrato em causa;
neles, o consenso é obtido por adesão.
Daí a preferência de alguns autores, como MENEZES CORDEIRO, pela
expressão “contratos por adesão”, cuja pertinência é igualmente apontada por
ALMEIDA COSTA50.

45
.- TELLES, GALVÃO, Das Condições Gerais dos Contratos e da Directiva Europeia sobre as
Cláusulas Abusivas, in O Direito, ano 127.º, III-IV, Jul. - Dez., pp. 300 e ss.
46
.- TELLES, GALVÃO, Das Condições cit., pp. 300 e s.
47
.- TELLES, GALVÃO, Das Condições cit., pp. 300 e s.
48
.- MONTEIRO, PINTO Clausulas Contratuais Gerais, in Estudos de Direito do Consumidor, n.º
3, Coimbra, 2001, p. 136.
49
.- ALMEIDA, FERREIRA DE, Contratos I cit., pp. 114-115, e também MONTEIRO, PINTO,
Contratos de adesão, ROA, ano 46, Lisboa, 1986, p. 136.
50
.- CORDEIRO, MENEZES, Tratado de Direito Civil Português, I, Tomo I, Parte Geral, 2.ª
edição, Almedina, 2000, p. 425 e COSTA, ALMEIDA, Direito das Obrigações, 9.ª edição,
Almedina, 2004, p. 221, nt. 2.

16
Também, na doutrina italiana, assiste-se ao uso indistinto das duas
locuções: há autores, como GENOVESE, que preferem a expressão contratto
di adesione, enquanto ANDREANI, GIORDANO, SCOGNAMIGLIO, SCIALOJA,
DE MARTINI utilizam a fórmula contratto per adesione.
A despeito de, na óptica de PINTO MONTEIRO, a fórmula “contratos por
adesão” conhecer poucos seguidores51, parece-nos, pelas razões aduzidas, ser
a que melhor quadra à designação do fenómeno. Portanto, nos contratos por
adesão, atende-se mais ao modo como se forma o acordo, evidenciando-se,
numa relação jurídica concreta, o papel de mera adesão a um modelo
previamente fixado, que é reservado à contraparte.
As questões suscitadas pelos contratos por adesão – incluam ou não
cláusulas contratuais gerais – dizem, preponderantemente, respeito à
consideração de certas cláusulas como abusivas, embora o problema não se
exaura, unicamente, em juízos ou critérios de validade de conteúdo.
Por outro lado, o problema das cláusulas abusivas não é um apanágio
exclusivo dos contratos por adesão. No plano dos contratos paritários, podem-
nos ser dadas a ver cláusulas abusivas, como sucede com as cláusulas
leoninas, a que se refere o art.º 994.º.
A correspondência entre a formação de contratos por adesão e o
desequilíbrio em que se resolve o problema das cláusulas abusivas é, apenas,
uma relação de elevado grau de probabilidade52. Bem pode suceder que num
contrato por adesão, o clausulado respectivo não se resolva em qualquer
desequilíbrio para o aderente.
Por último, importa sublinhar que não há justaposição necessária entre o
regime especial dos contratos por adesão e a protecção legal dos
consumidores. Nem esta se circunscreve ao regime em causa, nem aquele tem
as relações de consumo como marco forçoso.
A despeito de ambas as situações, em obediência ao princípio da
paridade jurídica, instilarem, no sistema jurídico, regimes de protecção trata-se,
na verdade, de tópicos diversos, se bem que afins ou até mesmo enleáveis,
como revelam diversas opções legislativas53.

4.1.1.3.2.2.- Condições gerais dos contratos e contratos estandardizados

A incidência da mesma ideia, já não a partir do resultado obtido, mas das


cláusulas a partir das quais se formam os contratos, gerou a expressão
“condições contratuais gerais” (Allgemeine Geschäftsbedingungen), de origem
germânica. A locução veio a ser adoptada pela paradigmática AGB-Gesetz, a
lei alemã, de 1976, colimada à disciplina das cláusulas contratuais gerais.
De igual modo, o legislador italiano de 1942 utiliza, no artigo 1341 do
Código Civil, a locução condizioni generali di contratto.
Quer a locução “condições contratuais gerais” quer a fórmula “condições
gerais do contrato”, predominantes nos sistemas jurídicos germânico e
transalpino, não nos parecem, na esteira de ALMEIDA COSTA e MENEZES

51
.- MONTEIRO, PINTO, Contratos de Adesão cit., p. 136.
52
.- ALMEIDA, FERREIRA DE, Contrato I cit., p. 115.
53
.- ALMEIDA, FERREIRA DE, Contrato I cit., p. 115.

17
CORDEIRO, tecnicamente sofríveis. O termo condição tem, no nosso Código
Civil, o sentido específico resultante dos artigos 270.º e ss.54.
Prefere-se, destarte, a tradução de Bedingungen por cláusulas e não já
por condições, de molde a não gerar confusões com o conceito de condição.
MOTA PINTO, por exemplo, dá, claramente, preferência à locução
cláusulas contratuais gerais e, na mesma linha, coloca-se ANTUNES
VARELA55.
Referindo a mesma situação, outros autores preferem destacar, em vez
dos limites de negociação a que uma das partes está de facto sujeita, o
conteúdo repetitivo dos contratos assim formados, usando expressões como
“contratos estandardizados”. Com a expressão “contratos estandardizados”,
acentua-se o facto de se tratar de contratos em série, de massa.
Contratti Standard é, justamente, o título da célebre obra de ENZO ROPPO
que vimos citando. Na mesma senda, surgem denominações como contratos
padronizados, contratos de série, contratos-tipo ou contratos pré-redigidos56.
Para GALVÃO TELLES, das expressões compendiadas, a locução
contratos estandardizados seria a que melhor colhe, posto que inequívoca e,
ipso facto, mais segura. O que temos neste específico modo de contratar
seriam, segundo este Autor, protótipos inalteráveis, arquétipos negociais
padronizados ou normalizados “que se repetem um número indeterminado de
vezes, como os múltiplos exemplares que se produzem a partir da mesma
chapa ou da mesma matriz”57.
Ao nos dobrarmos sobre esta matéria, verifica-se, todavia, que se visa,
antes de mais, a disciplina do fenómeno das cláusulas contratuais gerais in toto
e não apenas dos contratos singulares decorrentes desse mesmo fenómeno58,
a despeito da sua elevada recorrência.
É um facto indesmentível que as cláusulas contratuais gerais relevam, de
modo especial, quando integradas no contrato. Há-de, porém, convir que,
antes mesmo de tal inserção, elas comportam já um quid de jurígeno, como
resulta, v.g., da acção inibitória.

4.1.1.3.2.3.- Cláusulas gerais dos contratos

Esta expressão é passível de gerar ambiguidades, quando confrontada


com a fórmula “cláusulas gerais”. Estas são critérios valorativos de apreciação,
a concretizar pelo julgador.
São predominantemente usadas na técnica de formulação de normas
jurídicas mediante simples directivas. Mas e com alguma parcimónia, delas se
vale também a técnica de formulação através de conceitos gerais-abstractos.
Para o domínio sob análise, o adjectivo “gerais” deve operar por
referência às “cláusulas contratuais” e não, unicamente, por referência ao
substantivo “cláusulas”.
Da fórmula “cláusulas gerais dos contratos” valeu-se o legislador
angolano para baptizar a lei que disciplina o fenómeno. “Lei sobre as Cláusulas
54
.- COSTA, ALMEIDA e CORDEIRO, MENEZES, Cláusulas Contratuais Gerais - Anotação ao
Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, Coimbra, 1986, p.18.
55
.- PINTO, MOTA, Contratos de adesão, RDES, pp. 124 e ss.; VARELA, ANTUNES, ob. cit., p.
258.
56
.- ROPPO, ENZO, O Contrato, Almedina, 1988, p. 311.
57
.- TELLES, GALVÃO, Das Condições cit., p. 301.
58
.- COSTA, ALMEIDA e CORDEIRO, MENEZES, Cláusulas Contratuais Gerais cit., p. 18.

18
Gerais dos Contratos” é a inadequada epígrafe que nos surge no frontispício do
diploma sub judice.
Uma tal opção só serve para revelar que o legislador angolano, ou pelo
menos os autores materiais da lei, não se muniram dos elementos dogmáticos
já produzidos, em termos de Direito comparado, sobre o assunto, maxime no
universo jurídico português.
Aliás, mesmo em Portugal, onde a fórmula “cláusulas contratuais gerais”
corresponde a um dado adquirido, um diploma recente - o Decreto-Lei n.º
7/2004, de 7 de Janeiro -, ao transpor para a ordem jurídica interna a Directriz
n.º 2000/31/CE, de 8 de Junho, utiliza a locução “cláusulas gerais”, no seu
artigo 28.º.
A denominação do texto legal angolano tem, quanto a nós, como única
utilidade, o facto de facilmente o distinguir, em termos de abreviatura – LCGC -,
do seu congénere português - LCCG. Mas o valor das epígrafes é relativo,
devendo, por isso, ceder perante resultados extraídos, como é o caso, dos
elementos literal e sistemático do texto legal.
Na verdade, importa salientar que o legislador angolano se redime, ao
longo de todo o articulado, nunca mais utilizando tal fórmula. Os artigos 1.º/1,
2.º, 3.º/1, 3 e 4, 4.º, 6.º, 7.º, 8.º, 10.º, 15.º, 18.º, 19.º, 20.º/2, 21.º/1, 23.º/1,
24.º/1, 25.º/1, 26.º/1, 27.º, 28.º/1, 30.º e 31.º da LCGC são a expressão deste
asserto.

4.1.1.3.2.4.- Nomenclatura e conceito adoptados

Tudo se coliga, assim, para preferirmos o uso da fórmula “cláusulas


contratuais gerais” e não já da equívoca expressão “cláusulas gerais dos
contratos”.
OLIVEIRA ASCENSÃO considera que a fórmula poderia ser melhorada
para outrossim recobrir as cláusulas predispostas à celebração de negócios
jurídicos unilaterais59. Nesta esteira, a fórmula “cláusulas negociais gerais”
poderia ter o condão de recobrir o fenómeno em toda a sua dimensão.
Todavia, a fórmula “cláusulas contratuais gerais” representa aquela que
a maioria dos autores considera satisfatória para designar o fenómeno60.
Começamos por frisar que o autor das cláusulas contratuais gerais
recebe o nome de predisponente, na medida em que as pré-elabora e,
consequentemente, predispõe as cláusulas a integrar nos futuros contratos
singulares. O predisponente predomina-se das cláusulas em questão,
impondo-as.
Do ponto de vista jurídico, refere GALVÃO TELLES que predisponente e
utilizador são atributos que se fundem numa única e mesma pessoa. Não
releva o facto de o autor material das cláusulas em apreço ser uma entidade
diversa da pessoa que delas se serve. Esta, ao se servir das cláusulas
contratuais gerais, avoca-as como suas, perfilha-as como próprias. Desta feita,
o utilizador pode não ser o predisponente de facto, mas, no plano jurídico, sê-
lo-á sempre61.
O destinatário das cláusulas contratuais gerais será uma das pessoas
pertencentes ao universo difuso daqueles que o predisponente tem em vista,
59
.- ASCENSÃO, OLIVEIRA, Cláusulas contratuais cit., p. 575.
60
.- COSTA, ALMEIDA, Direito das Obrigações cit., p. 222.
61
.- TELLES, GALVÃO, Das Condições cit., p. 300.

19
quanto à modelação de futuros contratos. O destinatário toma o nome de
aderente quando se torna, efectivamente, contraparte no contrato62. A
subjectividade desta realidade negocial é, destarte, preenchida pelo
predisponente, tendo, no contrapólo, o destinatário que, com a celebração do
contrato, se converte em aderente.
Em termos de conceituação, a AGB-Gesetz, agora acolhida no BGB
Reformado, define as Allgemein Geschäftsbedingungen, no seu § 1, como
sendo todas as condições contratuais, para uma pluralidade de contratos, que
uma parte apresenta à outra, na celebração do contrato.
Por seu turno, a Lei 7/1998, de 13 de Abril, outrossim denominada Lei
das Condições Gerais de Contratação, da Espanha, elaborada com vista à
transposição da Directriz comunitária 93/13/CEE, de 5 de Abril, define as
cláusulas contratuais gerais como aquelas cuja “incorporação, no contrato, é
imposta por uma das partes, independentemente da autoria material das
mesmas, da sua aparência externa, da sua extensão e de quaisquer outras
circunstâncias e redigidas com a finalidade de serem incorporadas numa série
de contratos”.
Da Lei n.º 4/03, de 18 de Fevereiro, pode-se, por via do artigo 1.º,
desentranhar outrossim um conceito descritivo. Cláusulas contratuais gerais, à
luz do diploma em apreço, são aquelas que, “sem prévia negociação individual”,
“proponentes ou destinatários indeterminados se limitem”, respectivamente, “a
subscrever ou aceitar”, “independentemente da sua comunicação ao público,
da extensão que assumam nos contratos a que se destinam, do seu conteúdo
ou de terem sido elaboradas pelo proponente, pelo destinatário ou por
terceiros”.
Nas formulações legais estão presentes os traços essenciais deste novo quid
jurídico, em que uma das partes, a que actua profissionalmente, o predispõe, e
a outra, podendo ser uma pessoa singular ou jurídica, se limita a aderir.
As cláusulas contratuais gerais são, pois, estipulações predispostas em
vista de uma pluralidade de contratos singulares ou de uma generalidade de
pessoas, para serem aceites em bloco, sem negociação individualizada ou
possibilidade de alterações.
Uma definição de cláusulas contratuais gerais predicada pela
generalidade ou indeterminação, pela imodificabilidade – os atributos
essenciais -, pela pré-formulação, pela complexidade e desigualdade das
partes – notas sequentes àquelas - é esclarecida por uma análise mais
sofisticada.
A generalidade ou indeterminação traduz-se na propositura, pelo
estipulante de negócios que comportam cláusulas contratuais gerais, a um
universo indeterminado ou difuso de pessoas ou na aceitação de propostas
dirigidas aos utilizadores, apenas em determinados moldes ou com um dado
conteúdo.
Parece preferível o termo “generalidade” a “indeterminação”, posto que
esta última instila a ideia de que o instituto exige indeterminação em termos
numéricos e de identidade dos potenciais aderentes. A indeterminação deve
ser interpretada, no sentido de se bastar com a “multiplicidade (Veilzahl, no § 1,
n.º 1, da lei alemã) dos potenciais aderentes e a sua indiferenciação no que
respeita à negociação prévia do clausulado contratual63.

.- ALMEIDA, FERREIRA DE, Contratos I cit., p. 121.


62
63
.- ALMEIDA, FERREIRA DE, Contrato I cit., p. 118.

20
Ora, este sentido logra-se mais facilmente com o termo “generalidade”,
menos marcado e mais neutro do que o termo “indeterminação”. As cláusulas
contratuais gerais correspondem, assim, a proposições destinadas à inserção
numa multiplicidade de contratos, na totalidade dos quais se prevê a
participação, como contraente, da entidade que, para esse efeito, as pré-
elaborou ou adoptou64.
Por outro lado, é irrelevante que as cláusulas em questão se assumam
como uma parte autonomizada do contrato ou estejam incluídas nele, nem
importa a extensão que tenham no instrumento em que se contêm ou a forma
que este revista.
A imodificabilidade infunde-lhes como nota característica a rigidez que é
atributo deste paradigma de contratação. São cláusulas pré-fabricadas e,
portanto, fora de discussão. A lex contractus é elaborada por um só dos
contraentes, sem nenhum debate prévio com a contraparte, a respeito do
respectivo conteúdo.
À contraparte, resta, apenas, a liberdade de aceitar ou não o clausulado
contratual que lhe é presente, mas já não a de discutir a substância das
soluções nele firmadas. É pegar ou largar, take it or leave it ou, ainda, c’est à
prendre ou à laisser65.
Com elas, busca-se a disciplina de todos os aspectos negociais, numa
atitude de complexidade. Bem pode suceder que, na lei, os aspectos em
questão só estejam previstos na generalidade ou que, de todo em todo, nem
estejam, nela, disciplinados66.
A pré-formulação traduz-se na sua natureza formulária ou de pré-
elaboração. Do destinatário exigem-se, unicamente, os seus elementos de
identificação que serão apostos a um impresso ou formulário pré-existente.
Em suma, a predisposição unilateral comporta a ideia de elaboração
anterior ao contrato, mas completa-a com mais duas notas: a iniciativa de
elaboração é unilateral, porque cabe apenas ao estipulante, sem prévia
negociação com o destinatário, e a sua inserção, em contratos futuros,
corresponde a uma intenção planeada ab origine.

4.1.1.3.3.- Regime instituído pela LCGC/Níveis de controlo fixados

A Lei n.º 4/03, de 18 de Fevereiro, institui, em termos de regime, três níveis de


controlo. O primeiro deles corresponde ao capítulo I, o segundo encontramo-lo
no capítulo II e o terceiro corresponde ao capítulo III.

4.1.1.3.3.1.- Deveres de comunicação e de informação

No capítulo I, a lei começa por fixar algumas disposições gerais sobre o


seu âmbito de aplicação. No artigo 1.º, o texto legal coloca-nos ante a
descrição comum do fenómeno, como sublinhámos em sede própria.
Entretanto, o artigo 1.º/5 distende, mutatis mutandis, o regime da LCGC
às cláusulas contratuais individualizadas, quando se resolvam em contratos por

64
.- ALMEIDA, FERREIRA DE, Contrato I cit., p. 118.
65
.- TRABUCCHI, ALBERTO, Instituzioni di Diritto Civile., 36ª ed., Cedam, Padova, p. 642.
66
.- PINTO, MOTA, Contratos cit., p. 123.

21
adesão. Pode-se dizer que a LCGC visa, em princípio, uma aplicação a todas
as cláusulas, gerais ou não, bastando, para tanto, que elas desemboquem em
contratos por adesão. Desta feita, o regime estabelecido na LCGC aplica-se a
todos os contratos por adesão.
Ora, se o diploma regula a totalidade dos contratos por adesão, obrigado
fica o intérprete a reler o articulado da LCGC, no sentido da substituição da
locução “cláusulas contratuais gerais” pela expressão “cláusulas contratuais
não negociadas individualmente” ou pela fórmula mais analítica “cláusulas
contratuais gerais e cláusulas contratuais individuais em contratos por adesão”.
Esta é a lógica consequência de o regime estabelecido pelo diploma, para as
primeiras, ser mandado aplicar, “igualmente”, às segundas, “com as
necessárias adaptações”67.
O primeiro risco da contratação com base em cláusulas contratuais
gerais ocorre logo ao nível da formação do contrato. Não havendo negociações
entre as partes, sobre o destinatário impende o risco de desconhecer as
cláusulas a que vai aderir.
As disposições relativas a este primeiro nível de controlo contêm-se no
art.º 3.º da LCGC, que estabelece deveres de comunicação e de informação.
O risco que, neste plano, se coloca é de tal modo real que as primeiras
soluções jurisprudenciais, em termos de regime das cláusulas contratuais
gerais, arrancaram, justamente, da reprovação de posições em que, ao
destinatário, nem haviam sido informadas as cláusulas a que teria aderido. Foi,
igualmente, desta premissa que partiu a doutrina, para encetar uma elaboração
autónoma sobre a problemática das cláusulas contratuais gerais.
Assim, o perigo de desconhecimento das cláusulas contratuais gerais
inseridas no contrato singular evita-o a LCGC, impondo, no seu artigo 3.º,
deveres de comunicação e de informação que correm por conta e risco do
predisponente.
Reconhece-se, pela contraposição dos interesses, o desequilíbrio de
facto entre as partes, maxime, no plano informativo. O predisponente detém
geralmente um conhecimento mais amplo sobre a matéria contratual do que a
contraparte e há contratos que, pela sua complexidade, implicam, da
contraparte, um lapso de tempo significativo para a apreensão da sua
abrangência.
A informação e a comunicação alavancam a parte mais fraca à posição
de avaliar correctamente os seus interesses e expô-los ou realizá-los no
momento da contratação. Embora as únicas opções que restam ao pólo mais
vulnerável da relação se mantenham confinadas ao “pegar ou largar”, a
verdade é que, com a informação, se tratará já de um “pegar ou largar”
conscientizado.
Nos termos dos n.º 1 e 2 do aludido preceito, impende, sobre o
predisponente, o dever de comunicação, ao destinatário, de todas as cláusulas
contratuais gerais, com os requisitos neles indicados. Procura-se garantir o
efectivo conhecimento do clausulado negocial projectado, enquanto que, com o
dever de informação, se trata de colocar o potencial aderente a par do
conteúdo de todas as cláusulas predispostas.
A integralidade a que o artigo 3.º/1 alude tem como referente as próprias
cláusulas contratuais gerais. Todas as cláusulas contratuais gerais que

.- ALMEIDA, FERREIRA DE, Contrato cit., p. 136.


67

22
conformam o impresso, o formulário ou contidas em tabuletas, etc., devem ser
comunicadas ao destinatário.
Os moldes em que a comunicação deve ser processada acham-se
comportados no número seguinte. Com efeito, o artigo 3.º/2 aponta a clareza, a
adequação e a antecedência como sendo o acervo de notas indispensáveis por
que deve afinar a comunicação. São os atributos que a comunicação deve, em
si mesma, revestir, para ser juridicamente relevante.
O preceito é perpassado, na diagonal, pelo sentido de transparência que
deve revestir a comunicação e a atestá-lo estão os copiosos recursos lexicais
utilizados.
No preceito, recorre-se profusamente a locuções denotativas da
transparência, como “claramente”, “na íntegra”, “completo”, “efectivo”,
“adequada”, “clarificação” e “esclarecimento”. A densidade de notas,
aparentemente tautológica, está, justamente, dirigida à colocação em evidência
do princípio da transparência.
O reparo que vai dirigido ao n.º 1 do artigo 3.º funda-se no emprego
menos exacto, segundo nos parece, do substantivo “aderentes”. Afigura-se-nos,
com efeito, que os destinatários de cláusulas contratuais gerais só se
convertem em aderentes com a subscrição ou aceitação das referidas
cláusulas.
Tão-só com a adesão, se tornam aderentes, existindo, antes disso, a
mera potencialidade de virem a sê-lo. Ora, o dever de comunicação ocorre
antes da adesão, é cronologicamente anterior à celebração do contrato por
adesão. Para esta fase, em que não há ainda um contrato, parece-nos que
melhor serventia teria o emprego do vocábulo “destinatários”, ao invés de
“aderentes”.
Por outro lado, a forma verbal “recorra” parece-nos não traduzir, com
liquidez suficiente, a situação de prevalência em que se encontra o
predisponente. Com efeito, recorrer significa valer-se e manda a verdade dizer,
que quer o predisponente, quer o destinatário se valem de cláusulas
contratuais gerais. Na satisfação da necessidade de que é presa o destinatário,
está, para este último, o valimento das cláusulas contratuais gerais.
O predisponente, para lá de se valer das cláusulas contratuais gerais,
prevalece-se delas. Os deveres de comunicação e de informação impendem
sobre aquele que se prevalece das cláusulas contratuais gerais.
Teria sido, assim, preferível a utilização da forma verbal se prevaleça, ao
invés da forma recorra, dada a ineptidão desta última, para verbalizar a relação
de predomínio que caracteriza o fenómeno das cláusulas contratuais gerais.
Deste modo e com nitidez, não se deixaria esbatida a distinção entre a parte
creditoris e a parte debitoris da informação.
Não é o destinatário quem deve, por iniciativa própria, tentar conhecer o
conteúdo das cláusulas. É sobre o estipulante que impende o dever de lhe
propiciar condições para o efeito. Um dever que, evidentemente, é cumprido
antes de a contraparte se vincular, de forma definitiva.
Portanto, o grau de diligência exigível, ao destinatário, e que releva, para
efeitos de cálculo do esforço a pôr na comunicação, é o comum, nos termos do
artigo 3.º/2, in fine. A apreciação desse grau é efectuada em termos abstractos,
como, em regra, sucede no Direito Civil, com base no critério do bonus pater
familias e não já no da diligentia quam in suis rebus adhibere solet.

23
Mas o seu cumprimento deve ter por pauta as circunstâncias típicas de
cada caso. Assim, devem ser levadas em linha de conta variáveis como, v.g., o
nível de instrução do destinatário ou o facto de ser este um ancião analfabeto.
Em ambas as situações, impõe-se, em termos de comunicação e informação,
um atendimento mais demorado e personalizado68.
A cominação para a inobservância de tais deveres há-de consistir na
exclusão das cláusulas não informadas ou em que não tenha ocorrido a
comunicação, conforme prescreve o art.º 5.º. Mantém-se o contrato na parte
restante e, pelo recurso às normas supletivas, reedifica-se a parte excluída. Em
caso de necessidade, recorre-se às regras de integração dos negócios
jurídicos, consagradas no artigo 239.º do Código Civil,
Isto é o quantum satis para serem dados como cumpridos os deveres de
comunicação e de informação. Apenas assim se considerará vencida a
primeira etapa para a integração das cláusulas contratuais gerais, no contrato
singular.
A LCGC fixa, no que toca a este primeiro nível de controlo, uma regra de
relevantes consequências práticas: no contexto do dever de informação, faz
impender sobre o estipulante de cláusulas contratuais gerais o ónus da prova
do cumprimento dos deveres em apreço (art.º 3.º/4). Faz-se correr, por conta
do “contraente que apresente a proposta das cláusulas contratuais gerais”, o
ónus da prova da comunicação e da informação. Mais ajustado, seria, segundo
nos parece, dizer “predisponente”, na medida em que a proposta contendo
cláusulas contratuais gerais pode partir do próprio destinatário, nomeadamente
nas situações em que o predisponente impõe o conteúdo da oferta que lhe
deve ser dirigida.
Para a LCGC, as cláusulas contratuais gerais que tenham sido pactuadas
individualmente traduzem melhor do que qualquer outra o efectivo consenso. À
luz da LCGC, as partes podem, simultânea e lateralmente, acordar noutras
cláusulas específicas. O dispositivo do art.º 4.º fixa a prevalência das cláusulas
especificamente negociadas sobre as gerais.
Presume-se que as partes, ao incluírem cláusulas específicas, quiseram, com
elevada probabilidade, apartar-se das cláusulas contratuais gerais
estabelecidas para este ou aquele ponto do contrato69. A lei considera que,
relativamente às cláusulas específicas, a estrutura jurídica da informação não
apresenta os desequilíbrios próprios que as cláusulas contratuais gerais
encerram.
O art.º 6.º da LCGC complementa, de certo modo, o controlo efectuado ao nível
da formação do contrato. Em matéria de interpretação e integração, manda-se,
na primeira parte e como princípio geral, recorrer às regras sobre a
interpretação e integração do negócio jurídico – arts. 236.º e ss. do Código Civil
-, e, na segunda parte, atende-se, de imediato, às peculiaridades da situação.
Por outro lado, estabelecem-se no artigo 7.º duas regras, a respeito das
cláusulas ambíguas: a primeira, plasmada no n.º 1, situa-se, ao que nos parece,
na linha da aplicação da teoria da impressão do destinatário, e a segunda,
acolheria o conhecido brocardo in dubio contra stipulatorem70.
Os riscos de uma ambiguidade insanável correm por conta do
predisponente. O princípio tem vindo a ser positivado nas leis modernas sobre

68
.- CORDEIRO, MENEZES, Manual cit., p. 467.
69
.- CORDEIRO, MENEZES, Manual cit., p. 468.
70
.- MONTEIRO, PINTO, Contratos cit., p. 752.

24
cláusulas contratuais gerais, assim tendo acontecido com o § 5.º da antiga
AGB-Gesetz alemã, com o art.º 11.º da LCCG portuguesa e, agora, com a
LCGC, no preceito em apreço.
A interpretação, nos moldes assinalados, impele o predisponente a
propiciar, com verdade, o conhecimento das cláusulas contratuais gerais. A
pedagogia subjacente é a de evitar que o destinatário não tome ciência das
obrigações a que se vincula e dos direitos de que se despoja, ao celebrar o
contrato.

4.1.1.3.3.2.- Proibição e nulidade

O segundo nível de controlo surge-nos, sob a epígrafe “Cláusulas


Proibidas”, no capítulo II da LCGC, tendo a boa fé consagrada, logo no seu
frontispício, como princípio geral.
Este nível revela-se necessário, posto que o aderente pode conhecer,
perfeitamente, as cláusulas a que vai aderir e, não obstante, elas serem
abusivas. Bastar-se com a tomada de conhecimento do carácter abusivo das
cláusulas em questão, para daí inferir que o destinatário sempre pode declinar
o projecto contratual que lhe é proposto, é assaz falacioso.
Na esteira desta constatação, o diploma, desde logo, alcandora a boa fé
a trave-mestra deste nível, proibindo as cláusulas contrárias ao princípio em
apreço, como bem resulta do artigo 8.º. O princípio da boa fé assume-se, aqui,
como uma cláusula sindicante que perpassa, transversalmente, toda esta
matéria. Será perante esta cláusula geral que todas e quaisquer cláusulas
contratuais gerais terão de se justificar e buscar legitimação.
O princípio da boa fé, como cláusula geral que é, comporta toda a carga
de inconveniências assinaladas a critérios normativos desta índole. A
imprecisão e a excessiva generalidade são apanágios indissociáveis da boa fé,
enquanto princípio. É, por exemplo, sob estas vestes que ela se nos apresenta,
nos artigos 227.º/, 239.º, 334.º, 437.º e 762.º/2 do C.C.
Nesta conformidade, a LCGC curou de suprir as notas negativas que
vêm de ser assinaladas, aduzindo alguns subsídios mais concretizadores,
como sejam os valores e os princípios fundamentais do Direito, a confiança
suscitada nos contraentes, o escopo visado pelos contraentes e um critério
assente nas prestações das partes. Estes índices surgem documentados no
artigo 8.º do diploma em apreço.
Trata-se de meros parâmetros de orientação, a relevar em face da
situação concreta, a despeito de, mesmo assim, a indeterminação poder vir a
persistir. A LCGC cura de evitar, com estes índices, frustrações em relação ao
princípio da boa fé, num domínio particularmente dela carente.
De resto, está-se numa área em que, como afirma PINTO RIBEIRO, “a
celeridade histórica e o engenho dos interessados poderiam vir a contornar
habilmente as proibições expressas, tornando-as obsoletas”71.
Nos dispositivos subsequentes procura-se explicitar melhor a cláusula
geral da boa fé, com exemplos de diversas cláusulas proibidas. Os níveis de
controlo situados a montante e a jusante ficariam incompletos se a LCGC não
concretizasse, em moldes específicos, as cláusulas consideradas proibidas.

71
.- MONTEIRO, PINTO, Contratos cit., p. 755.

25
Listam-se as cláusulas em absolutamente proibidas e em relativamente
proibidas, quer no âmbito das relações entre comerciantes e/ou entidades
equiparadas ou das relações com consumidores finais72.
Na LCGC, o catálogo de proibições ordena-se em quatro séries: as
cláusulas absolutamente proibidas entre comerciantes e/ou equiparados, no
art.º 10.º; as cláusulas relativamente proibidas entre comerciantes e/ou
equiparados, no art.º 11.º; as cláusulas absolutamente proibidas nas relações
com consumidores finais, no art.º 13.º, e as cláusulas relativamente proibidas
nas relações com consumidores finais, no art.º 14.º.
A distinção tem um duplo relevo: permite facultar aos destinatários, nas
duas categorias de relações, uma protecção diferenciada e melhor ajustada à
sua natureza. Por outro lado, evidencia o propósito da lei angolana de conferir
uma protecção geral.
A lei impõe menos limitações, em termos de autonomia privada, aos
comerciantes e/ou equiparados, nas relações entre si. Ou melhor, a posição do
destinatário, quando seja comerciante ou equiparado, é menos densamente
tutelada em comparação com a do consumidor final73. In genere, o teor das
proibições deixa, às partes, nas relações entre comerciantes ou equiparados,
maior autonomia.
A protecção diferenciada decorre de, neste último tipo de relações, existir
um maior poder de barganha. Há pois uma protecção mitigada, em cotejo com
aquela que é dispensada às relações com consumidores finais.
Todavia, a vulnerabilidade também faz morada nas relações entre
comerciantes e/ou equiparados. Com efeito, grandes empresas podem utilizar
cláusulas contratuais gerais, nas suas relações com pequenos comerciantes
e/ou equiparados, merecedores, igualmente, de protecção.
A protecção conferida aos comerciantes corresponde a fasquia mínima a
observar em todas as circunstâncias. Para as relações com consumidores
finais, houve que gizar arranjos acrescidos, em matéria de tutela74.
Para a LCGC, em se tratando de relações com consumidores finais, são
proibidas tanto as cláusulas indicadas na secção II, como igualmente as

72
.-MARQUES, CLÁUDIA, Contratos cit., p. 797.
O modelo alemão lista, igualmente, as cláusulas contratuais gerais em termos de
absoluta proibição, ao lado de outras, cuja proibição é relativa; completa-se o sistema com a
consagração de uma cláusula geral, assente na boa fé. Mas a lei alemã não se aplica, por
exemplo, às relações entre comerciantes, por considerar que estes, mais avisados, podem
livremente actuar, no seio da autonomia privada.
A lei alemã comporta, portanto, duas listas de cláusulas contratuais gerais. Uma de
cláusulas consideradas sempre ineficazes, compendiadas na chamada lista negra do § 309 do
BGB - Reformado. A outra, com cláusulas que podem, a critério do juiz, ser consideradas
ineficazes e coligidas na lista cinza do § 308 do BGB - Reformado, correspondente ao antigo §
10 da AGB-Gesetz.
Para englobar os casos não previstos expressamente nas listas, contém-se, no § 307 do
BGB - Reformado, uma cláusula geral de proibição de condições contratuais gerais contrárias à
boa fé e que criem uma desvantagem exagerada. Incorporou-se, assim, o antigo § 9 da lei
alemã de 1976.
Na versão reformada do BGB que entrou em vigor em Janeiro de 2003, a cláusula do §
9 da AGB-Gesetz mudou de nome. Agora, recebe, no § 307, a denominação de controlo de
conteúdo (Inhaltskontrolle) e não mais cláusula geral (Generalklausel), como sucedia na lei de
1976.
73
.- CORDEIRO, MENEZES, Manual cit., p. 476.
74
.- CORDEIRO, MENEZES, Manual cit., p. 473.

26
cláusulas constantes da secção III. Na esteira do artigo 12.º, cumulam-se, pois,
as proibições constantes das duas secções.
Tutelam-se, desta feita, com maior densidade os interesses do
consumidor final, sem confinar, todavia, a sindicância do conteúdo das
cláusulas contratuais gerais a esta vertente. Com efeito, não é descurada a
tutela dos próprios comerciantes e/ou equiparados, quando intervenham nessa
qualidade e no âmbito da sua actividade específica.
De resto, as condições vigentes em Angola são de particular fragilidade,
pelo que dispensar alguma protecção a esta categoria de agentes económicos,
maxime em face de outros profissionais de outras latitudes, geralmente mais
acutilantes e organizados, parece-nos dever corresponder a um desígnio a que
a LCGC não pode alhear-se.
A presença de cláusulas absolutamente proibidas é cominada, desde
logo, com a sua nulidade. Já no que toca às relativamente proibidas, o seu
afastamento resulta da dimensão negativa que apresentam, no caso concreto.
Umas só são proibidas após valoração judicial, enquanto as outras são-no
imediatamente e em qualquer contexto. As relativamente proibidas podem,
entretanto, não ser passíveis de nulidade, desde que assim se ajuíze.
Casuisticamente e dentro das bitolas estabelecidas pelos artigos 11.º e 14.º,
ambos da LCGC, o julgador poderá determinar a sua exclusão ou inclusão.
Estes dispositivos legais consubstanciam o paradigma ante o qual se
deve ajuizar sobre determinada cláusula. Consoante a sua adequação ou
divergência acentuada em relação ao “quadro negocial” de um determinado
sector de actividade, estabelece-se se a cláusula é relativamente proibida ou
não75.
Pretende-se, justamente, explicitar que a concretização das proibições
relativas deve operar perante as cláusulas em si, no seu conjunto e segundo os
padrões em jogo. Exemplificando, ensina MENEZES CORDEIRO que, postos
ante um formulário de compra e venda de um automóvel usado, haverá que
ponderar se o prazo de entrega é excessivo, atentos a esse tipo de venda e
não àquela venda in concreto76.
Nos termos dos artigos 10.º e 13.º da LCGC, as cláusulas absolutamente
proibidas não podem ser incluídas, a qualquer título, em contratos por adesão.
Cláusulas deste teor são, irremediável e imediatamente, feridas de nulidade, na
esteira do artigo 15.º da LCGC.
Mas a técnica utilizada, em termos de formulação deste último preceito,
não se revela feliz. Com efeito, “celebradas” não são as cláusulas contratuais
gerais; “celebrados” mediante cláusulas contratuais gerais são os contratos.
Os desvios ao regime da nulidade têm, aqui, a ver com o princípio do
maior aproveitamento dos contratos. A nulidade, nos termos gerais, conduz à
invalidade de todo o contrato, ressalvadas as hipóteses da redução e da
conversão, plasmadas nos artigos 292.º e 293.º, respectivamente.
O regime geral da nulidade comporta inconvenientes para o destinatário.
O artigo 16.º da LCGC, reconhecendo tal dado, estipula que o aderente possa
optar ou pelo regime geral, isto é, pela nulidade com hipótese de redução ou
pela manutenção do contrato.
De harmonia com o referido art.º 16.º/1, declarada a nulidade da cláusula,
o aderente pode optar pela manutenção do contrato, o que implica a vigência,
75
.- MONTEIRO, PINTO, Contratos cit., p.755.
76
.- CORDEIRO, MENEZES, Manual cit., p. 475.

27
quanto à parte afectada, das normas supletivas aplicáveis, com recurso, se
necessário, aos demais critérios de integração dos negócios jurídicos.
A solução consagrada na LCGC, ao conferir ao aderente o privilégio de
optar pela manutenção ou não do contrato, quando existam, neste, cláusulas
nulas parece-nos ser justificável.
Com efeito, tais cláusulas, com toda a carga abusiva que encerram ou
podem encerrar, são introduzidas unilateralmente pelo predisponente, fazendo
tábua rasa dos interesses da contraparte. Quem, com elas, visa avantajar-se é
o estipulante, pelo que a desvantagem configurada na sua nulidade, com a
sequente opção reconhecida ao aderente, representa um risco que só ao
predisponente pode ser assacado77.

4.1.1.3.3.4.- Acção inibitória

Este é o último nível em termos de controlo de contratos celebrados


mediante cláusulas contratuais. A questão prende-se com a insuficiência e a
inadequação dos meios processuais tradicionais, para debelar os problemas
que o fenómeno suscita.
O destinatário, por indiferença, carência de meios ou pelas exíguas cifras
monetárias coenvolvidas, não reage, as mais das vezes, contra uma concreta
violação dos seus direitos. Uma acção de desfecho incerto é, desde logo, o
primeiro factor de inibição, maxime quando o estipulante é, como geralmente
acontece, um potentado económico, com uma assessoria jurídica eficientíssima.
E mesmo que o aderente o faça, o eventual caso julgado favorável que
obtenha, apenas produz efeitos naquela situação concreta, ficando o
predisponente com as mãos livres para continuar a empregar as mesmas
cláusulas noutros contratos singulares.
Na prática, o interesse na restauração dos contratos com cláusulas
proibidas e, portanto, nulas, somente ocorre em negócios dotados de alguma
relevância económica. Apenas a este nível se assiste ao efeito útil dos moldes
processuais tradicionais.
Já os negócios correntes, dada a diminuta componente pecuniária que
encerram, não impelem, propriamente, o destinatário a mover uma acção
sempre onerosa e de epílogo aleatório, para lograr a nulidade de alguma
cláusula78.
Desta constatação, partem as diversas ordens jurídicas para
prescreverem soluções colimadas a enfrentar o problema, num duplo sentido.
Mantém-se a solução clássica, traduzida na possibilidade de o aderente, junto
dos tribunais, exigir as providências adequadas, em relação às cláusulas
abusivas. Estas serão as que, constando de catálogos ou por desconformidade
à boa fé, se revelam, à luz da experiência e mormente da jurisprudência, como
inequitativas79.
Por outro lado, consagra-se um novo nível na sindicância das cláusulas
contratuais gerais. Como forma complementar de tutela do difuso universo de
destinatários, prevê-se, nos arts. 18.º e ss. da LCGC, uma acção inbitória, com
fins preventivos.

77
.- Em sentido contrário, veja-se TELLES, GALVÃO, Das Condições Gerais cit., p. 309, que,
em face da disposição paralela da LCCG, considera tal opção injustificada.
78
.- CORDEIRO, MENEZES, Manual cit., p. 472.
79
.- CORDEIRO, MENEZES, Manual cit., p. 457.

28
Trata-se de um controlo judicial de natureza preventiva, por via do qual
os tribunais podem vir a declarar contrárias à lei, porque abusivas e
consequentemente proibidas, determinadas cláusulas pré-redigidas para futura
utilização generalizada, independentemente da sua inserção efectiva em
contratos80.
Assim e independentemente da sua inclusão num concreto negócio
jurídico, as cláusulas contratuais gerais, elaboradas para utilização futura,
desde que interditas por lei – arts. 8.º, 10.º, 11.º, 13.º e 14.º da LCGC - podem
ser proibidas por decisão judicial. Confere-se, a determinadas entidades, a
faculdade de requererem a apreciação, em abstracto, da idoneidade das
cláusulas contratuais gerais, mesmo antes da sua inclusão em contratos.
A legitimidade activa, para este efeito, compete ao Ministério Público,
oficiosamente ou mediante solicitação de qualquer interessado, bem como às
associações de defesa do consumidor, associações sindicais e profissionais ou
de interesses económicos, nos termos do artigo 19.º do referido diploma.
A acção pode ser intentada quer contra quem proponha contratos ou
aceite propostas com base em cláusulas contratuais gerais por si predispostas,
quer contra quem apenas as recomende a terceiros, de conformidade com o
artigo 20.º/1 da LCGC.
A sentença proibitiva, uma vez transitada em julgado, torna as cláusulas
contratuais gerais objecto dessa decisão insusceptíveis de serem incluídas em
contratos singulares que o demandado venha a celebrar. Da mesma forma,
não podem essas cláusulas continuar a ser recomendadas. É a doutrina
plasmada no artigo 25.º.
A LCGC não consagra o controlo administrativo que se analisa na
imposição aos utilizadores de modelos elaborados ou aprovados por entidades
independentes. Um tal método de controlo suscita problemas decorrentes da
competência técnica e da completa isenção dessas entidades, de molde a não
caírem sob a influência dos futuros utilizadores dos formulários ou impressos.
Em face da concreta realidade de Angola, parece-nos que os tribunais
podem oferecer melhores garantias ao exercício desta função sindicante, do
que propriamente tais entidades, consabidas as debilidades que as
caracterizam. De resto, é nesta mesma linha que se situam a lei alemã e a
portuguesa.
Uma das grandes inovações que a LCGC introduz, na ordem jurídica
angolana e por via da acção inibitória, é a figura da sanção pecuniária
compulsória. À sanção pecuniária compulsória refere-se, ex professo, o art.º
26.º da LCGC. Trata-se de um dos casos em que um instituto de aplicação
geral, chega ao ordenamento jurídico, através de lei específica.
Em termos de dogmática geral, o problema tem uma particular acuidade
nas prestações de facto infungíveis, embora não seja delas privativo. Nelas, o
devedor não pode ser substituído, na realização da prestação, por terceiro. Ao
credor não interessa apenas o objecto da obrigação, mas também a habilidade,
o saber, a destreza, a força, o bom-nome ou outras qualidades pessoais do
devedor.
Assim, no próprio processo de execução forçada, a lei, como único meio
de obrigar o devedor a prestar, impõe-lhe uma espécie de multa civil por cada
dia que ele tarde a cumprir ou por cada vez que ele falte ao cumprimento.

80
.- CORDEIRO, MENEZES, Manual cit., p. 457.

29
Como sublinha ANTUNES VARELA, compele-se o devedor, à bruta, ao
cumprimento. Chamam-lhe, os franceses, astreintes, e os alemães, Geldstrafe.
O legislador português, perifrasticamente designou-a de sanção pecuniária
compulsória, consagrando-a, em termos gerais, através do Decreto-Lei n.º
262/83, de 16 de Junho, que aditou, ao Código Civil, o artigo 829.º-A81.
É outrossim com o mesmo nome que a figura se acha positivada na
ordem jurídica angolana. Como já referimos, numa eventual e reforma do
Código Civil, a consagração, com carácter geral, deste instituto, seria
pertinente.
No restrito âmbito da LCGC, a sanção pecuniária compulsória opera
como um relevante instrumento de pressão sobre o demandado, vencido na
acção inibitória. Exige-se-lhe que respeite a sentença, eximindo-se de utilizar
ou recomendar cláusulas contratuais gerais abarcadas pela inibição.
Os recalcitrantes ficam sujeitos à referida sanção pecuniária, cujo
montante se destina, em partes iguais, ao requerente e ao Estado. Visa-se
assegurar, em simultaneidade, o cumprimento das injunções judiciais, o
prestígio da própria justiça e a protecção da massa anónima de destinatários.

4.2.- Princípio da boa fé

A boa fé perpassa toda a ordem jurídica, funda os alicerces em que


assentam os vínculos jurídicos, mormente o contrato, e, na esteira de um
levantamento realizado por MENEZES CORDEIRO, surge documentada, no
Código Civil vigente em Portugal, em setenta artigos, ora em sentido subjectivo
ora em sentido objectivo82.
Trata-se de uma cifra que já não vale para o Código Civil que vigora em
Angola, dada a revogação do Livro IV. Por exemplo, o art.º 1902.º/1 do CC
português que alude à inoponibilidade dos actos praticados por um dos pais a
terceiro de boa fé, já não vigora na ordem jurídica angolana, em razão da
sobredita revogação.
A boa fé corresponde a um conceito que, no plano do Direito, se revela
polissémico. Em sentido psicológico ou subjectivo, traduz um estado de
ignorância em relação à lesão de direitos de outrem ou relativamente à
violação de uma norma jurídica.
Neste sentido, ela pode apresentar-se-nos sob as vestes de boa fé
psicológica ou de boa fé ética. Na primeira vertente, o estado em questão
exaure-se no mero desconhecimento, ao passo que a boa fé ética se
consubstancia na ignorância sem culpa. Para a vertente psicológica, o artigo
243.º/2 do Código Civil pode servir de exemplo. Já o artigo 291.º/3 do mesmo
Código documenta a boa fé em sentido ético.
A boa fé pode, outrossim, ser considerada em sentido objectivo ou
normativo, definindo-se como um ditame, como uma regra de conduta. A boa fé,
enquanto princípio, corresponde a uma cláusula geral que se instila em todas
as relações de direito privado. As partes, ao exercitarem direitos ou assumirem
obrigações, devem pautar as suas condutas, pelos ditames da boa fé. A
despeito de fazer morada em todo o Direito privado, o campo dos contratos é o
especialmente predicado pela boa fé.

81
.- VARELA, ANTUNES, Das Obrigações cit., p. 101.
82
.- CORDEIRO, MENEZES, Tratado cit. p. 221.

30
Enquanto princípio normativo, a boa fé irrompe como um critério
norteador de comportamentos, impondo, às partes, uma conduta valorável
pelas bitolas da honestidade, correcção e lealdade83. As partes devem actuar
com esmero e diligência.
A lei estabelece deveres de boa fé para ambos os sujeitos da relação
obrigacional. Prossegue-se, por esta via, o pleno aproveitamento da obrigação,
satisfazendo o interesse do credor, mas curando, igualmente, de evitar que, da
sua realização, resultem danos, quer para o credor, quer para o devedor84.
A contraparte que é levada a acreditar na manutenção de um certo
status quo deve ser protegida. Se a parte investe energias pessoais e/ou
materiais, convicta da permanência de uma dada situação, que a contraparte
subverte ou perverte, tudo será assacado a esta última, porquanto, na esteira
da tutela da confiança, deveria respeitar o cenário dado como certo pelo outro
contraente85.
Tal protecção não deve ser presa do casulo da mera ritualidade, da
formalidade, da abstracção das fórmulas, devendo-se buscar antes os valores
materiais que estão subjacentes às normas. A norma deve quadrar aos valores
mais internos, sob pena de desconformidade à boa fé. A apreciação das
condutas deve ser autuada não apenas pelo ângulo da sua consonância com
as normas jurídicas, mas, outrossim, de harmonia com as realidades materiais
implicadas86.
A doutrina germânica desdobra as funções da boa fé objectiva, em duas
vertentes: como uma medida objectiva (objektive Masstab) -, um paradigma de
conduta para as partes -, por um lado, e como uma medida de decisão
(Entscheidungsmasstab) -, um instrumento objectivo de que se socorre o juiz
para apreender a realidade, por outro lado87.
No âmbito das Obrigações, a boa fé objectiva encontra-se plasmada em
vários institutos: no da responsabilidade pré-contratual – artigo 227.º/1; no da
integração dos negócios jurídicos – artigo 239.º; no da condição – art.º 272.º;
no do abuso do direito – artigo 334.º; no da resolução ou modificação dos
contratos, por alteração das circunstâncias – artigo 437.º/1 - e no do
cumprimento – artigo 762.º/288.
A boa fé, a despeito das virtudes que encerra, não pode, todavia, ser
configurada como a panaceia, dados os riscos que comporta.
OLIVEIRA ASCENSÃO aponta alguns riscos associados ao princípio da
boa fé, como: o de possibilitar uma certa ligeireza na indagação do regime
aplicável, com o recurso apressado ao critério geral, sem exaurir, previamente,
as virtualidades técnicas do sistema; o de concorrer para o acréscimo da
insegurança do tráfico jurídico; e o de abrir a porta à discricionaridade do
julgador89.

83
.- ALARCÃO, RUI DE, Direito das Obrigações, com a colaboração de J. S. RIBEIRO,
ALMENO DE SÁ e J.C.PROENÇA, Coimbra, 1983, p. 110. A edição da UAN não referencia os
nomes dos três últimos autores.
84
.- LEITÃO, MENEZES, Direito das Obrigações cit., pp. 56 e s.
85
.- CORDEIRO, MENEZES, Tratado cit., p. 235.
86
.- CORDEIRO, MENEZES, Da Boa Fé no Direito Civil, Colecção Teses, Almedina, 2001, pp.
1234 e ss. e 1252 e ss.
87
.- MARQUES, CLÁUDIA, Contratos cit., pp.186 e ss.
88
.- CORDEIRO, MENEZES, Tratado cit., p. 229.
89
.- ASCENSÃO, OLIVEIRA, Direito Civil - Teoria Geral, III, p. 180.

31
A boa fé, na sua veste de cláusula geral, não chega a ter um suporte
fácticocom contornos que possibilitem subsunções directas das situações da
vida. A boa fé opera, assim, por via dos deveres laterais ou acessórios e que
podem ser descompartimentados em três tipos: deveres acessórios de
informação, de protecção e de lealdade90.
É por via da complementação ou concretização da relação que vêm, ao
de cima, os deveres de que a boa fé é fonte. À boa fé, como cláusula em
demanda de concreção e complementação, cabe iluminar quer a formação,
quer a execução do contrato, projectando-se, inclusivamente, para lá do seu
término91.
Os deveres de protecção (Schutzpflichten)92 visam resguardar a pessoa
da contraparte bem como o seu património de prejuízos evitáveis e perpassam
o contrato ab initio.
Para CARNEIRO DA FRADA, os deveres de protecção, configurados
como tudo o que se impõe a um dos contraentes para resguardar a contraparte
de prejuízos, implicam os demais deveres laterais ou acessórios. Os restantes
deveres acessórios, nomeadamente o de lealdade e o de informação,
correriam sob o signo da protecção, porque dimana deles o ditame específico
de protecção dos interesses da contraparte, de protecção da integridade das
posições jurídicas recíprocas93.
Parece-nos, efectivamente, que se trata de deveres interreferentes, de
tipos que se impregnam reciprocamente, mas que não deixam, por esse facto,
de guardar a sua relativa autonomia. Entre eles, parece não intercederem
relações de supra/infra-ordenação, sem que se pretenda arrancar, daí, para os
considerar como compartimentos estanques.
Os deveres de lealdade (Leistungspflichten)94 abarcam, igualmente, as
duas partes, amparam a confiança em todas as fases do contrato, concitam a
colaboração recíproca na realização da prestação, evitando tudo quanto possa
impedi-la ou dificultá-la. Trata-se de deveres que preparam e asseguram a
realização da prestação.
Os deveres acessórios de informação (Informationspflichten e
Aufklaerungspflichten ou obligation de renseignements, em francês)95 impõem,
às partes, a prestação de todas as informações necessárias para a boa marcha
do contrato. Os deveres de informação decorrentes da boa fé expandem-se por
todas as etapas do contrato: pré-contratual, contratual e pós-contratual.
Em síntese, a boa fé comporta uma função criadora
(pflichtenbegrundende Funktion), seja como fonte de novos deveres
(Nebenpflichten) – deveres acessórios, como os deveres de informação, de
protecção e de lealdade -, seja como fonte de responsabilidade por factos
ilícitos (Vertrauenshaftung). Comporta outrossim uma função limitadora

90
.- CORDEIRO, MENEZES, Da Boa Fé cit., pp. 586 e ss.
91
.- MARQUES, CLÁUDIA, Contratos cit., pp.749-751.
92
.- FABIAN, CHRISTOPH, O Dever de Informar no Direito Civil, Editora Revista dos Tribunais,
2002, p. 64
93
.- FRADA, CARNEIRO DA, Contrato e Deveres de Protecção, separata do vol. XXXVIII do
supl. do BFDC, Coimbra, 1994, p. 42.
94
.- FABIAN, CHRISTOPH, ob. cit., p. 64.
95
. -MARQUES, CLÁUDIA, Contratos cit., p.186 e ss.

32
(Schranken-bzw. Kontrollfunktion), quando, à luz dela, é limitada a própria
liberdade de actuação dos contraentes96.

4.3.- Princípio da responsabilidade patrimonial

Um outro princípio que perpassa o Direito das Obrigações é o da


responsabilidade patrimonial. Esta analisa-se na faculdade reconhecida ao
credor de, em caso de inadimplemento, executar o património do devedor, com
vista à satisfação do seu crédito. Só se reconhece ao credor o poder de
executar o património do devedor, mas já não o de agir contra a pessoa deste.
Difere da responsabilidade civil, porquanto não se busca aqui o
ressarcimento de um dado. No âmbito do princípio, a prestação é ainda
possível e o respectivo propósito não é o de imputar danos a quem os causa. A
ideia sobrelevante é a de dirigir o poder de execução não já contra a pessoa do
devedor, mas contra o seu património, enquanto a prestação é possível.
Se a prestação não é já possível por facto imputável ao devedor, o
credor só pode exigir uma indemnização, nos termos dos arts. 798.º, 808.º e
801.º. O direito à indemnização é um sucedâneo do direito de crédito inicial,
não se confundido com ele97.
O princípio situa-se na linha de uma longa evolução milenar.
O Direito romano da fase arcaica, impunha, em casos de incumprimento,
que o devedor respondesse com a sua própria pessoa. O inadimplemento
podia conduzir a consequências que se reflectiam ao nível da pessoa do
devedor.
Tal regime viria a ser suavizado pela Lei das Doze Tábuas, de 450 a.C.
Na Tábua III pode ser encontrado a disciplina reservada aos inadimplentes.
Numa primeira fase, o devedor, confessada a dívida ou judicialmente
condenado a cumprir, ficava obrigado a efectuar a prestação, no prazo de trinta
dias, contados a partir da confissão ou da condenação.
Volvidos os trinta dias e persistindo no incumprimento, o devedor era
aprisionado pelo credor (manus iniectio directa) e levado à presença do
magistrado, ou capturado pelo tribunal para ser entregue ao credor (manus
iniectio indirecta). O devedor era amarrado, pelo pescoço e pés, com cadeias
de 15 libras de peso máximo, e ficava, a partir de então, sob cárcere privado.
Nos sessenta dias subsequentes, o devedor, ainda sob cárcere privado,
era, em três dias, levado à feira, onde se proclamava, em voz alta, o valor da
dívida, em busca de alguém que o resgatasse, pagando-a. Nesse período,
podia suceder o se nexum dare,i.e., o devedor podia oferecer-se como escravo.
Nada disto ocorrendo, o credor, depois do terceiro dia de feira, podia
reduzir o devedor à condição de escravo, vendê-lo a um estrangeiro (venda
trans Tiberim) ou matá-lo. Sendo vários os credores, o corpo do devedor era
esquartejado em tantos pedaços (secanto partes) quanto o número daqueles,
recebendo cada credor o seu pedaço.
Em 326 A.C., a Lex Poetelia Papiria de nexis veio proibir o se dare
nexum e a redução do devedor à situação de escravo. De igual modo, ficou, a
partir de então, proibida a morte do devedor, mantendo-se todavia a situação
de cárcere privado.

96
.- MARQUES, CLÁUDIA, Contratos cit., p. 909.
97
.- LEITÃO, MENEZES, ob. cit., p. 62.

33
Em evoluções posteriores, assiste-se a Lex Julia a permitir a cessio
bonorum e, em 491 d.C., Zenão ordena que a prisão por dívidas se efectue em
cadeias do Estado.
A prisão por dívidas, na esteira desta evolução e de outras subsequentes,
pode, actualmente, ser dada como um resquício de tempos idos. Na ordem
jurídica angolana, as únicas reminiscências de prisão por dívidas encontramo-
las nos arts. 410.º (arresto em caso de alcance), 854.º (depositário judicial) e
904.º (arrematação em hasta pública), todos do C.P.C.98.
Ao credor, unicamente é reconhecida a possibilidade de agredir o
património do devedor, e não já a sua pessoa física. Os crimes de cativeiro e
de cárcere privado são cominados com as penas prescritas nos arts. 328.º e
330.º do C.P.
A responsabilidade patrimonial estrutura-se em três postulados básicos:
-A sujeição à execução de todo o património do devedor (art.º 601.º);
-E apenas desse património (art.º 817.º);
-Estando os credores, se forem vários, em posição de igualdade (art.º
604.º)99.
À luz do primeiro postulado do princípio, não são abarcados pela
execução os bens impenhoráveis (arts.822.º e 823.º do C.P.C. e 259.º do C.F).
A função sócio-económica dos bens em causa, a sua conexão com a
sobrevivência e a dignitas humana determinam a sua impenhorabilidade.
Os bens integrados em patrimónios autónomos ou separados, como a
herança jacente, são, igualmente, exceptuados do princípio documentado no
art.º 601.º. Exemplo de património autónomo é a herança que, nos termos dos
arts. 2070.º e 2071.º, só responde pelas dívidas do herdeiro, depois de pagos
os credores do de cujus. Os credores do património autónomo gozam de
preferência em relação aos credores do património principal, durante cinco
anos.
As limitações à responsabilidade patrimonial podem ser de ordem
convencional ou determinadas por terceiro, como resulta dos arts. 602.º e 603.º,
respectivamente.
O segundo postulado limita a execução unicamente aos bens do devedor.
Com este fito, o art.º 817.º prescreve exactamente a acção creditória, que se
desdobra na acção de cumprimento e na de execução, dirigindo-a contra o
património do devedor.
O art.º 818.º abre, entretanto, algumas excepções à regra. Bens de
terceiros podem ser chamados a responder, nos casos de garantias prestadas
por terceiros (fiança – art.º 627.º -, penhor ou hipoteca constituídos por
terceiro – arts. 667.º e 717.º) ou quando a transmissão de bens para terceiro
tenha sido paulianamente impugnada (arts. 610.º e ss.).
O terceiro postulado analisa-se na par conditio creditorum, ou seja, os
vários credores concorrem em pé de igualdade sobre o património do devedor
(art.º 604.º/1). No caso de este se revelar insuficiente para cobrir todos os
créditos, pela regra de três simples, rateia-se o património subsistente, para
todos se pagarem na proporção dos seus créditos.
Exemplificando, B pode estar constituído em três dívidas, uma, para com
A, de kzs. 4.000.00, outra de kzs. 5.000.00, para com C e a terceira de kzs.
6.000.00, para com D, estando o seu património avaliado em apenas kzs.
98
.- COSTA, ALMEIDA, ob. cit., pp. 86 e s., nt. 4.
99
.- LEITÃO, MENEZES, ob. cit., pp. 62 e s.

34
10.000.00. Nestes casos, considera-se que o total da dívida, isto é, kzs.
15.000.00, está para 100%, assim como cada débito estará para a
percentagem correspondente. A percentagem respeitante a cada um dos
débitos, aplicada ao património existente, isto é, aos kzs. 10.000.00, equivale
ao que cada um dos credores há-de receber.
Assim, dos kzs. 10.000.00 competiriam a A, kzs. 2.666.66, conformes
aos 26,66%, a C, kzs. 3.333.33, relativos aos 33,33% e a C, kzs. 4.000.00,
concernentes aos 40%.
A excepção à regra consta do art.º 604.º/2. A existência de qualquer
causa de preferência, como um direito real de garantia, determina que o credor
colocado nessa situação seja pago com prioridade em relação aos demais,
relativamente à coisa sobre que incide o direito real.

5.- Conceito de obrigação

O termo obrigação revela-se polissémico, em razão da multiplicidade de


sentidos que comporta. Na vida corrente, fala-se de obrigação quer para
designar vinculações de índole metajurídica como de índole jurídica.
As obrigações de, v.g., cumprir os Dez Mandamentos, praticar o bem ou
de oferecer, no autocarro, o assento aos mais idosos referem-se a ordens
normativas metajurídicas, como a religião, a moral e a cortesia.
Abstraindo dos variados sentidos que o termo colhe na linguagem
corrente, interessam-nos antes as suas acepções na literatura jurídica, onde,
numa perspectiva lata, nos surge com o sentido de dever jurídico, de sujeição
ou estado de sujeição, de ónus jurídico e até de poder-dever.

5.1.- Dever jurídico

Desde logo, a obrigação não se confunde com o dever jurídico,


porquanto este corresponde a um conceito de género, correlato de qualquer
direito subjectivo propriamente dito. Ao dever jurídico podem contrapor-se
direitos de crédito, direitos reais e direitos de personalidade. O dever jurídico
não se confunde com o lado passivo da relação obrigacional em que há um
dever de prestar.
Com efeito, o dever jurídico abarca, por um lado, os casos de vinculação
de uma pessoa a uma conduta específica, impondo um dever de prestar, e, por
outro lado, as vinculações a um comportamento genérico, estabelecendo um
dever geral de abstenção, isto é, a chamada obrigação passiva universal. O
dever jurídico é, pois, mais amplo do que o dever de prestar correspondente à
obrigação.
O termo obrigação pode, assim, ser utilizado numa perspectiva mais
circunscrita, ou dito de outro modo, ela pode ser referida apenas ao lado
passivo da relação. O vocábulo terá, nestas hipóteses, o sentido de dever de
prestar, como sucede, v.g., nos arts. 879.º, 954.º, 1129.º, etc. Com este
alcance, a obrigação será, então, uma das duas espécies de dever jurídico.

5.2.- Estado de sujeição

O estado de sujeição é a situação inelutável de suportar, na esfera


jurídica própria, as consequências correspondentes ao exercício do direito

35
potestativo, situando-se no contrapólo do direito potestativo. O poder
reconhecido a uma das partes traduz-se, para a contraparte, na situação
inelutável que vem de ser apontada.
Os exemplos são os da revogação do mandato (art.º 1170.º), da
resolução (art.º 432.º), do divórcio (art.º 78.º e ss. do C.F.), do repúdio da
herança (art.º 2062.º), da exclusão do sócio (art.º 1003.º), etc.
A parte sobre que impende a sujeição não fica adstrita a uma conduta.
Conduzindo-se de um ou outro modo, as consequências hão-de produzir-se
inexoravelmente. Actuando ou não, o resulto é o mesmo.
Ora, se no estado de sujeição não se põe qualquer conduta, não haverá,
a este nível, qualquer dever jurídico. Este consiste justamente na necessidade
de ser observado um dado comportamento. A inexistência de um dever jurídico
preclude a aparição de qualquer dever de prestar, pelo que é de, liminarmente,
afastar a eventual coincidência entre o estado de sujeição e a obrigação, com o
alcance apontado em 5.1.

5.3.- Ónus jurídico

O ónus jurídico traduz-se na necessidade de observância de certo


comportamento, não por imposição legal, mas como meio de aquisição ou
manutenção de uma vantagem, para o próprio onerado. É, como sublinha
alguma doutrina, um dever livre; os alemães chamam-lhes meras incumbências
ou encargos100.
Em processo civil, deparamo-nos, v.g., como o ónus de contestar (art.º
484.º do CPC), o de impugnação especificada (arts. 490.º e 505.º do CPC),
bem como o de registo (arts. 4.º e 5º do Código do Registo Predial). No Direito
Civil, deparamo-nos, v.g., com o ónus de denúncia do defeito da coisa e o de
comunicação do resultado da prova (arts. 921.º/3 e 4 e 925.º/3.
A lei não quer impor um dever de contestar, de impugnar, de registar, de
denunciar ou de comunicar. O réu, por exemplo, contesta se quiser, mas, se
não o faz, consideram-se admitidos os factos aduzidos na petição inicial.
No ónus, as consequências fixadas pela lei não têm o sentido de uma
sanção que cubra juridicamente um dever, pelo que não se confunde com a
obrigação, na perspectiva apontada no sobredito ponto 5.1.

5.4.- Direitos – deveres (poderes funcionais)

Os direitos – deveres ou poderes funcionais recebem, na doutrina


transalpina, o nome de potestá e os exemplos temo-los nos deveres recíprocos
entre os cônjuges, no poder paternal, na tutela, na curatela, etc.
Trata-se de poderes funcionais atribuídos no interesse não do seu titular
ou não apenas dele, mas, também, da outra ou outras pessoas, tendo que ser
exercidos em consonância com a função que lhes está assinalada.
A figura assimila-se aos direitos de crédito, porque o seu titular tem o
poder de exigir de outra pessoa uma dada conduta. Mas a diferença reside no
facto de o seu exercício não ser livre; o seu titular é obrigado a exercê-los em
conformidade com a função social a que o direito se encontra adstrito.
Todavia, o exercício desgarrado dos direitos de crédito pode ver-se
obstado pela intervenção da cláusula do abuso do direito. O exercício do direito
100
.- VARELA, ANTUNES, ob. cit., p. 58.

36
ao arrepio da boa fé, dos bons costumes ou do fim social ou económico a ele
subjacente é ilegítimo (art.º 334.º). Nesta conformidade, também, em relação
aos direitos de crédito e a despeito de subjectivos, se assiste, na actualidade, a
uma certa funcionalização101.

5.5.- Obrigação em sentido técnico

Mas a obrigação vem, no Livro II do CC, recortada com um sentido


predominantemente técnico. É com tal sentido que ela nos surge definida no
art.º 397.º, como sendo o vínculo jurídico por virtude do qual uma pessoa fica
adstrita para com outra à adopção de um determinado comportamento, com
vista à satisfação de um interesse do credor, digno de protecção legal102. Este
último subsídio resulta do art.º 398.º/2.
Em sentido técnico, o termo obrigação abrange quer o lado passivo, quer
o lado activo da relação. A obrigação, abarcando, simultaneamente, o dever de
prestar e o poder de exigir a prestação, designa, então, a relação jurídica
obrigacional, na totalidade dos seus dois pólos. Ao lado activo dá-se o nome de
crédito e ao lado passivo o nome de débito ou dívida.
Na obrigação em sentido técnico, ao direito subjectivo de uma das partes
corresponde o dever jurídico de prestar, imposto à contraparte. Como se viu, tal
dever não se confunde com a sujeição, em que não é imposta uma conduta,
nem com o ónus jurídico, em que não há qualquer dever jurídico. Outrossim
não se identifica com o dever jurídico correlato dos direitos absolutos. Este é
genérico, traduzindo-se numa omissão generalizada, imposta a todos os
demais.
Na obrigação, temos um dever jurídico específico, posto que recai
apenas sobre determinadas pessoas, através do seu património, e o seu
objecto consiste numa prestação.
A prestação traduz-se num dado comportamento ou conduta do obrigado.
Não pode ser definida como uma actividade ou acção, posto que bem pode
consistir numa abstenção, num non facere103.
A locução “direito de crédito” é prevalentemente utilizada para referir o
lado activo da obrigação. Mas pode também ser utilizada para referir a
obrigação no seu conjunto, abarcando o lado passivo e o activo.
Em suma, de obrigação também se fala em sentido técnico para
designar uma espécie de relação jurídica: a relação jurídica obrigacional. A
obrigação em sentido técnico não se confunde com o alcance que a refere
apenas ao lado passivo.

5.6.- Obrigações unas ou simples e complexas ou múltiplas

As relações obrigacionais podem ser consideradas unas ou simples.


Nestas, ao direito subjectivo atribuído a uma das partes corresponde o dever
de prestar que recai sobre a contraparte. Esta visão macroscópica da

101
.- COSTA, ALMEIDA, Direito das Obrigações cit., pp. 69 e ss.
102
.- A obrigação em sentido técnico pode ser definida pelo lado activo e será, então, “a relação
jurídica por virtude da qual uma pessoa – ou eventualmente mais de uma - pode exigir de
outra – ou hipoteticamente de mais do que uma - a realização de uma prestação”. Cfr. VARELA,
ANTUNES, ob. cit., p. 62.
103
.- O ponto fica de remissa. A propósito da estrutura da obrigação, voltaremos a ele.

37
obrigação corresponde àorientação tradicional e corrente, estribada no
conceito romano de obligatio.
A estreiteza de um tal entendimento não permite, entretanto, apreender e
exprimir, na sua unidade teleológica, a panóplia de vínculos patentes na
obrigação.
Houve que dobrar a tese em como a obrigação se exauria tout court no
esquema tradicional da relação jurídica una ou simples A contribuição da
doutrina alemã das décadas de 50 e 60 do século XX, ao introduzir uma visão
dinâmica e total da obrigação, foi, neste particular, decisiva. A obrigação, vista
microscopicamente, teria um conteúdo complexo, sendo exprimida por
locuções como “organismo”, “quadro”, “estrutura” e “processo”.
A referida doutrina, cujo acolhimento progressivo se tem hoje por assente,
veio revelar, nas décadas mencionadas, que avultam, na relação obrigacional,
para além dos direitos e deveres primários ou principais de prestação, deveres
secundários de prestação, deveres acessórios ou laterais, direitos potestativos
e estados de sujeição, ónus jurídicos, excepções, expectativas jurídicas, etc.104.
A relação jurídica, assim configurada, recebe o nome de relação obrigacional
complexa (Schuldverhältniss im weiterem Sinn) ou apenas obrigação complexa
ou múltipla. Pelo recurso a tal locução visa-se exprimir um sistema com vários
vínculos de índole diversa, mas despoletados pela obrigação e unificados pela
finalidade por ela prosseguida105.
O próprio BGB de 1896, com a reforma de 2001 e 2002, privilegia já, no
seu Livro 2, a expressão “relação obrigacional” (Schuldverhältniss), pondo o
entono na dinâmica da obrigação e considerando-a não já como um mero acto
isolado, mas antes como um processo, com princípio, meio e fim. O processo
atinge o seu apogeu quando a prestação principal passa a ser exigível, mas os
deveres instrumentais, nele presentes, vinculam as partes desde o momento
de aproximação negocial106.
Todos estes elementos formam um todo articulado e coerente. Ao invés
de um agregado informe de vinculações, eles confederam-se, de molde a ser
atingido o fim da obrigação.
Os deveres primários ou principais de prestação colocam-se, obviamente,
na posição de correlatos dos direitos de crédito que os têm por objecto. Tais
deveres definem a traça típica da obrigação, sendo eles que comportam, por
assim dizer, o seu ADN. A realização de tais deveres faz com que se atinja o
fim por que se constituiu a obrigação.
Na obrigação, pode, igualmente, detectar-se a presença de deveres
secundários substitutivos ou complementares, consoante sejam um sucedâneo
(Ersatz) ou um complemento da prestação principal. Os deveres secundários
têm a seu cargo a missão de aprontar o cumprimento da obrigação ou a de
possibilitar a sua perfeita realização.
Os deveres secundários podem ser meramente acessórios da prestação
principal – o dever de embalar a coisa vendida ou de a conservar até à sua
entrega – ou secundários com prestação autónoma, em que o dever pode ser
sucedâneo do dever primário de prestação – o dever de indemnizar por
inadimplemento do contrato, substitutivo do dever primário de prestação– ou

104
.- MARQUES, CLÁUDIA, Contratos cit., pp.186 e ss.
105
.- PINTO, MOTA, Teoria Geral do Direito Civil cit., pp. 178-179.
106
.- MARQUES, CLÁUDIA, Contratos cit., pp. 614-615.

38
com ela coexistente – a indemnização moratória que se soma à prestação
principal107.
Amparados na complexidade da obrigação, podem ser, ainda,
detectados os chamados deveres acessórios ou deveres laterais. Tais deveres
situam-se na linha do escorreito processamento da obrigação e não interferem
directamente com os deveres principais de prestação.
Com efeito, os deveres acessórios bem podem operar em domínios marcados
pela ausência de deveres primários de prestação, como ocorre nos casos de
culpa in contrahendo ou de culpa post pactum finitum. Os contratos
sinalagmáticos, mormente os que envolvem prestações duradouras e que, por
consequência, apelam para a confiança e para a cooperação, são o terreno de
eleição dos deveres laterais ou acessórios.
Os deveres acessórios podem ter a sua origem em convenção, na lei
(arts. 46.º/ g) da LGT e 1038.º/ h) e na boa fé. Os mais frequentes e
importantes deveres acessórios ou laterais são, como assinalámos em sede do
princípio da boa fé, os deveres de protecção, de lealdade e de informação.
Na doutrina germânica, do leque de funções assinaladas à boa fé, as
chamadas Funktionskreise, assume relevância a que se traduz no
completamento da obrigação, fazendo emergir os deveres acessórios. A boa fé
é fonte de deveres acessórios que completam e concretizam a obrigação,
acentuando a colaboração inter partes, para o exacto processamento da
relação obrigacional108.
Em termos históricos, a construção dos deveres acessórios decorreu da
necessidade de melhor precisar o conteúdo das obrigações e o respectivo
cumprimento, partindo de lacunas detectadas no sistema do BGB109. Há,
porém, autores que remontam a origem da teoria dos direitos acessórios a
JHERING, com base no instituto da culpa in contrahendo110.

5.7.- Obrigações autónomas e heterónomas (não autónomas)

Há obrigações que carecem de autonomia porque pressupõem a


existência, entre as partes, de um vínculo especial de outra natureza. O vínculo
pré-existente pode ser de índole real, como sucede na compropriedade,
quando a lei obriga o comproprietário a concorrer para as despesas de
conservação ou fruição da coisa (art.º 1411.º), ou quando obriga o condómino a
suportar os encargos da conservação ou fruição das partes comuns do edifício
(art.º 1424.º/1), ou nos casos do 1311.º/1, in fine. O vínculo pré-existente pode
ser de natureza familiar, quando determinadas pessoas são obrigadas a
prestar alimentos (art.º 249.º do C.F.) ou ser de carácter sucessório, quando se
obriga o herdeiro a cumprir com as forças da herança, os legados feitos pelo
testador (art.º 2068.º).
Tais obrigações recebem o nome de heterónomas ou não autónomas,
por contraposição às autónomas que não dependem da prévia existência de
um vínculo que não tenha natureza obrigacional.
Em todos estes casos há uma relação prévia de índole distinta da
obrigacional e de cariz subordinante. A obrigação heterónoma surge-nos numa

107
.- COSTA, ALMEIDA, ob. cit., p. 66.
108
.- FABIAN, CHRISTOPH, O Dever de Informar cit., pp. 61-63.
109
.- FABIAN, CHRISTOPH, O Dever de informação cit., pp. 62-63.
110
.- MARQUES, CLÁUDIA, Contratos cit., pp. 614-615.

39
posição de subordinação à relação prévia pressuposta, pelo que se questiona
da aplicabilidade da disciplina condensada no Livro II a este tipo de obrigações.
Ora, às obrigações não autónomas, dada a identidade de estrutura que
apresentam, aplica-se-lhes a disciplina das autónomas, com os desvios
decorrentes da natureza especial da relação pré-existente. No art.º 1411.º/1
está, por exemplo, documentado um desvio, quando se faculta ao obrigado a
possibilidade de se eximir do encargo, renunciando ao seu direito. Deste modo,
o mecanismo da acção creditória (art.º 817.º) pode-se ver precludido, por via do
dispositivo contido no sobredito art.º 1411.º/1. Outro desvio é o que se encontra
no art.º 259.º do C.F., prescrevendo a impenhorabilidade do direito a alimentos,
pelo que o princípio geral contido no art.º 601.º não se estende à obrigação de
alimentos.
De resto, a problemática da autonomia foi suscitada nos trabalhos
preparatórios e o facto de, do CC, ter desaparecido qualquer referência a ela,
depõe no sentido de o regime das obrigações autónomas ser aplicável, mutatis
mutandis, às não autónomas.

6.- Estrutura da obrigação

A obrigação é, como vimos de assinalar, uma relação jurídica. Assim e à


semelhança de qualquer relação jurídica, os elementos que a compõem são os
sujeitos, o objecto, o facto jurídico e a garantia111.
Todos estes elementos são de algum modo periféricos, formando a face
exterior da obrigação, o que é de todo evidente relativamente ao facto jurídico.
O mesmo acontece com os sujeitos, posto que não estão no centro da relação,
mas nos seus extremos112.

6.1.- Os sujeitos

Os sujeitos são os titulares da obrigação, recebendo o titular activo o nome de


credor e o passivo o de devedor.
O credor é a pessoa a quem se proporciona a vantagem resultante da
prestação, sendo ele que define as linhas com que se cose a tutela do seu
interesse. Isto equivale a afirmar que tal tutela está na dependência da sua
vontade, enquanto titular do direito à prestação.
Já o devedor é a pessoa sobre a qual incide o dever específico de
realizar a prestação. O direito à prestação de que o credor é titular, em princípio,
apenas pode ser exigido do devedor. A lei fixa, entretanto, excepções, como
ocorre, desde logo, no art.º 818.º.
O direito à prestação, por só vincular uma dada pessoa – o devedor -,
tem carácter relativo, ao contrário dos direitos reais ou de personalidade, que
são considerados absolutos, dada a sua oponibilidade erga omnes.
O credor pode não estar determinado no momento em que a obrigação
se vê constituída (art.º 511.º), como sucede no caso do art.º 459.º. Mas, tem
que ser determinável, sob pena de nulidade. Já a figura do devedor
indeterminado não encontra guarida no C.C.

111
.- Cfr. PINTO, MOTA, Teoria Geral cit. pp. 168 e ss. e COSTA, ALMEIDA, Direito das
Obrigações cit., pp. 129 e ss.
112
.- ANDRADE, MANUEL, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. I, p. 6.

40
A obrigação pode ser plural ou singular, quer do lado activo, quer do lado
passivo, como, simultaneamente, de ambos os lados.
A obrigação pode, por outro lado, conhecer vicissitudes em matéria de
sujeitos, sem que ela perca a sua identidade. A transmissão das obrigações,
mediante expedientes como a cessão de créditos (arts. 577.º e ss.), a sub-
rogação (arts. 589.º e ss.), a assunção de dívida (arts. 595.º e ss.) e a cessão
da posição contratual (arts. 424.º e ss.) não impede a subsistência da
obrigação.
É, assim, que a locução “ambulatoriedade da obrigação” é
particularmente feliz para exprimir a possibilidade de a obrigação ver mudados
os seus sujeitos, sem que se veja prejudicado o respectivo ser, ao contrário do
que sucede na novação (artigos 857.º e ss.), em que surge uma obrigação
nova113.

6.2.- O objecto da obrigação: a prestação debitória

O objecto da obrigação consiste na prestação debitória, isto é, na


prestação devida ao credor. A prestação traduz-se num comportamento,
expresso numa acção ou num non facere ou ainda numa atitude de tolerância
(pati).
A prestação é o objecto imediato da obrigação. Mas, nas obrigações com
prestação de coisa é usual distinguir-se o objecto em imediato e mediato.
Nesta perspectiva, o objecto imediato será o comportamento a que se está
adstrito, isto é, a prestação, e o mediato, a coisa em si mesma considerada, ou
seja, o objecto da própria prestação.
As prestações podem prestar-se a distintas classificações, com as
consequentes variações de regime.

6.2.1- Prestações de facto e prestações de coisa

A resposta ao quesito “quid debetur” oscilará entre um facto ou uma


coisa. Outrora pontificavam as prestações de coisa, mas, no arranjo presente,
predominam as prestações de facto.
A prestação será de facto se o seu objecto se esgota num facto. A
prestação pode ser de facto positivo, quando o facto se traduz numa acção, ou
negativo, quando o facto consiste numa omissão, abstenção ou tolerância.
O exemplo da primeira é o da conduta que impende sobre o mandatário,
o trabalhador – mas não já a que pesa sobre o empregador -, o empreiteiro, os
promitentes, o obrigado à preferência, etc. Nestes dois últimos casos, a
prestação consistirá na emissão de uma declaração negocial, com um certo
conteúdo (artigos 410.º e 414.º).
A prestação de facto negativo desdobra-se em duas variantes.
Numa vertente, o devedor vincula-se a não fazer (non facere), abstendo-
se da prática de certos actos, como a de o trabalhador não prestar a sua
actividade laboral a um empregador concorrente, durante certo lapso de tempo
(art.º 47.º da LGT), a de não abrir outro estabelecimento na área em que o
devedor trespassou o primeiro, a de não se abastecer a partir de outro
fornecedor, como normalmente ocorre no contrato de agência.

113
.- VARELA, ANTUNES, ob. cit., p. 78.

41
Já na segunda vertente, o devedor suporta ou consente (pati) que o
credor pratique certos actos que, de outra forma, lhe estariam vedados. O
exemplo está documentado no art.º 1038.º/e), quando se obriga o locatário a
“tolerar as reparações urgentes, bem como quaisquer obras ordenadas pela
autoridade pública”.
O facto a prestar pode ser material ou jurídico. A reparação de uma
viatura, a realização de certa obra, na empreitada (1207.º), são factos materiais,
ao passo que, no mandato (1157.º), no contrato-promessa (410.º), no pacto de
preferência (414.º), etc., a prestação há-de analisar-se em factos jurídicos.
O facto a prestar pode referir-se a um terceiro, ou seja, o devedor
vincula-se a obter de um terceiro uma prestação de facto. É o caso de alguém
se vincular a vender um bem utilizado por ambos os cônjuges (art.º 56.º do
C.F.), assegurando que obterá o consentimento do outro cônjuge, ou de se
obrigar a conseguir que um terceiro se abstenha da prática de um facto.
O terceiro, na senda do art.º 406.º/2, não fica vinculado. O único
obrigado é o devedor que fica, deste modo, adstrito a conseguir a prestação de
terceiro. Em bom rigor, o que se promete é um facto próprio, isto é, conseguir o
facto do terceiro.
O ponto interessa para apurar, em razão da vontade declarada pelas
partes, do grau de responsabilidade a que o devedor se quis sujeitar.
Em algumas situações, o devedor apenas se vincula, para conseguir a
prestação de facto de terceiro, a empregar as diligências tidas como normais.
Na hipótese de o terceiro não querer ou não puder realizar a prestação, o
devedor não se vincula a indemnizar. Só indemnizará se houver culpa, nos
termos gerais.
Estaremos, então, perante uma obrigação de meios. Nelas, o devedor
não se compromete a proporcionar um certo resultado ao credor, como ocorre
na obrigação de curar o enfermo que recai sobre o médico ou de defender o
réu, que impende sobre o advogado.
Noutros casos, o devedor assegura a verificação do resultado,
vinculando-se a responder civilmente, ante a contraparte, independentemente
de culpa, na eventualidade de o terceiro não querer ou não puder praticar o
facto. Estaremos, nestas situações, em face de obrigações de resultado.
A prestação é de coisa se o objecto mediato da obrigação consiste numa
coisa. As prestações de coisa podem, na ordem jurídica angolana, consistir
num dar, prestar ou restituir.
As de dar correspondem aos casos em que o devedor entrega ao credor
uma coisa já pertencente a este último, desde o momento da constituição da
obrigação (arts. 408.º e 879.º/b) ou que passa a ser dele por virtude da entrega,
escolha ou envio (arts. 539.º e ss.). Nas de prestar114, apenas se entrega uma
coisa para uso e fruição do credor, continuando ela a pertencer ao devedor
(art.º 1031.º/a). As de restituir põem-se quando se devolve ao credor uma coisa
que este cedera para uso e fruição do devedor e que já lhe pertencia mesmo
antes da constituição da obrigação, ou que confiara ao devedor para custódia,
administração ou a qualquer outro título (arts. 1142.º e 1038.º/i).

114
.- “Obrigação de entregar” é o nome que alguma doutrina, com ANTUNES VARELA à cabeça,
lhes dá (Cfr. VARELA, ANTUNES, ob. cit. p. 89). Mas, como nas três modalidades está
sempre envolvida uma operação de entrega, a locução “obrigação de prestar” parece-nos
preferível.

42
A prestação de coisa incide geralmente sobre coisas existentes. Na
esteira do art.º 399.º a prestação pode, entretanto, incidir sobre coisas futuras,
salvo proibição legal (art.º 942.º/1). Na ampla acepção resultante do art.º 211.º,
coisas futuras são as inexistentes em termos naturalísticos, mas também as já
existentes, desde que a elas o disponente não tenha direito, ao tempo da
celebração do negócio.
Os arts. 211.º e 399.º perfilam-se no sentido de sujeitar os actos de
alienação ou oneração de coisa a que o disponente, ao momento, não tem
direito mas conta vir a adquirir, às regras referentes aos negócios sobre bens
futuros (arts. 880.º e 893.º) e não ao regime da venda de bens alheios (art.º
892.º).

6.2.2.- Prestações fungíveis e prestações infungíveis

São fungíveis as prestações que podem ser realizadas pelo devedor


como por pessoa diferente do devedor, sem prejuízo do credor. Arrotear um
campo, pagar uma dada importância, reparar um muro são exemplos de
prestações fungíveis.
São infungíveis as prestações que necessariamente têm de ser
realizadas pelo devedor. Pintar um retrato, efectuar uma operação cirúrgica são
exemplos de prestações infungíveis.
A regra da fungibilidade está consagrada no art.º 767.º/1 e a excepção
comportada no n.º 2 só serve para a provar. Na esteira do referido n.º 2, a
infungibilidade pode ser convencional, quando expressamente se acorda que a
prestação deva ser realizada apenas pelo devedor, ou natural, quando, pela
própria natureza da prestação, a realização por terceiro prejudique o credor.
No contrato de trabalho qualificado, não é, por exemplo, indiferente que
a actividade laboral seja prestada pelo trabalhador ou por terceiro. Nas
prestações impregnadas pelo chamado intuitus personae (mandato, depósito,
empreitada, trabalho, prestação de serviço, etc.) a substituição do devedor por
terceiro pode lesar o interesse do credor.
As prestações de coisa são, geralmente, fungíveis, independentemente
da fungibilidade ou infungibilidade da coisa. “O Pensador” ou a “Mwana-Pó”, da
estatuária lunda-chokwé, são coisas infungíveis (art.º 207.º), mas a prestação
que se analisa na sua entrega é, em princípio, fungível. Pode ser efectuada
pelo devedor ou por um terceiro, sem qualquer prejuízo para o interesse do
credor.
A prestação de coisa determinada é passível de execução específica
(art.º 827.º). O credor requer que a coisa lhe seja entregue judicialmente. O
credor, quando a prestação de facto é fungível, pode requerer que o facto seja
prestado por outrem, à custa do devedor (art.º 828.º). Fenómeno similar ocorre
no plano das prestações de facto negativo fungíveis. Se a actuação consiste
na realização de uma obra, pode ser requerida a sua demolição a expensas do
que se obrigou a não erigi-la (art.º 829.º). Mesmo no contrato-promessa, em
que a prestação é de facto jurídico, admite-se a execução específica, por via de
uma sentença substitutiva das declarações negociais em falta (art.º 830.º).
A distinção das prestações em fungíveis e infungíveis releva,
principalmente, no domínio das prestações de facto e reflecte-se no regime da
execução específica da obrigação. Quando a prestação é infungível, na

43
eventualidade de o devedor não cumprir, ao credor restará apenas o direito a
uma indemnização, na esteira do art. 798.º. Nemo ad factum cogi potest.
Uma das grandes inovações introduzidas pela LCGC, na ordem jurídica
angolana é a figura da sanção pecuniária compulsória. A sanção pecuniária
compulsória, como em sede própria sublinhámos, vem referida no art.º 26.º da
LCGC.
Em termos de dogmática geral, o problema tem uma particular acuidade
nas prestações de facto infungíveis. Nelas, o devedor não pode ser substituído,
na realização da prestação, por terceiro. Ao credor não interessa apenas o
objecto da obrigação, mas também a habilidade, o saber, a destreza, a força, o
bom-nome ou outras qualidades pessoais do devedor. Assim, a lei, como único
meio de obrigar o devedor a prestar, impõe-lhe uma espécie de multa civil por
cada dia que ele tarde a cumprir ou por cada vez que ele falte ao cumprimento.
A sanção pecuniária compulsória funciona como instrumento de pressão
sobre o devedor da prestação de facto infungível. Assegura-se, deste modo, o
respeito pela sentença, com os recalcitrantes a serem sujeitos à referida multa
e, em simultaneidade, o prestígio da própria justiça e a protecção do interesse
do credor.
Nas infungíveis, a impossibilidade da prestação relativa à pessoa do devedor
extingue a obrigação, por não ser admitida a sua substituição por terceiro (art.º
791.º). Se, v.g., o maestro contratado para reger um dado concerto vê, em
razão de um acidente, amputado os braços, extingue-se a prestação a que
estava adstrito.

6.2.3- Prestações instantâneas e prestações duradouras

Segundo o modo como se realizam no tempo, as prestações podem ser


instantâneas ou duradouras115.
Nas instantâneas, a prestação esgota-se num único momento,
consistindo num acto isolado. A devolução da coisa pelo comodatário (art.º
1128.º) ou a entrega da coisa pelo vendedor (art.º 879.º) são exemplos de
prestações instantâneas, i.e., de prestações quae unico actu perficuntur.
Nas duradouras, a execução da prestação distende-se no tempo, ou
ininterruptamente, durante um período mais ou menos longo, ou repetindo-se
em prestações singulares sucessivas, com intervalos regulares ou inconstantes.
A primeira modalidade corresponde às prestações de execução
continuada de que são exemplos as condutas a que estão adstritos o locador,
o provedor de serviços de Internet, o fornecedor de electricidade, o trabalhador,
etc. A segunda modalidade é preenchida pelas prestações reiteradas,
periódicas ou com trato sucessivo, de que são exemplos as obrigações do
locatário, do utente de serviços de Internet, do consumidor de água ou
electricidade, do empregador, etc.
Diferentes das periódicas são as prestações fraccionadas. Nestas, o
cumprimento é efectuado por partes ou fracções. O objecto da obrigação está
previamente definido e o tempo só serve para escalonar a sua execução. As
prestações fraccionadas correspondem a uma única prestação que se cumpre
por partes.

115
.- Nesta classificação, as fórmulas oscilam acentuadamente. Cfr. COSTA, ALMEIDA, ob. cit.,
p. 645.

44
A dívida liquidável em prestações (art.º 781.º) e o preço pago a
prestações (art.º 934.º) funcionam como exemplos. O termo “prestações” tem,
nos dois casos apontados, o sentido especial de fracções ou parcelas.
O confronto das prestações duradouras, maxime das periódicas, com as
fraccionadas coloca em evidência o regime específico de cada uma delas. Nas
prestações duradouras, o tempo é o responsável pela modelação da prestação.
Por exemplo, paga-se a factura de electricidade relativa a Março porque, nesse
mês, foi consumida energia eléctrica.
Apenas as dívidas liquidáveis em prestações estão sujeitas às duas
regras que vêm de ser apontadas. O art.º 781.º aplica-se à generalidade de
obrigações cujas prestações sejam fraccionadas e o art.º 934.º circunscreve-se
à venda a prestações. Os regimes ora apontados são inaplicáveis às
prestações reiteradas ou periódicas.
O não pagamento de uma prestação importa, nas fraccionadas, o
vencimento de todas as demais (art.º 781.º). Em princípio, na venda a
prestações, o vencimento de todas as subsequentes só ocorre quando a
prestação em falta exceda a oitava parte do preço (art.º 934.º)116. Um tal regime
não tem paralelo nas prestações periódicas.
A título de exemplo, não pagando o aluno a propina referente a um dado
mês, nem por isso se vencem imediatamente as propinas referentes aos
meses subsequentes. Evidencia-se, neste último caso, que o tempo modela a
própria prestação e determina o seu número.
O modo como a resolução opera, consoante a prestação seja periódica
ou fraccionada, é também distinto. A resolução, nas periódicas, tem efeitos
exnunc (arts. 434.º/2 e 277.º/1), ou seja, não abrange as prestações já
efectuadas (arts. 433.º e 289.º).
A independência entre as vencidas e as vincendas, assente na
subordinação de cada prestação singular a um dado lapso temporal, e o facto
de as vencidas serem geralmente o correspectivo de contraprestações
insusceptíveis de reversão justificam o sobredito regime. A título de exemplo, a
resolução do contrato de trabalho não tem que determinar a restituição, ao
empregador, dos salários já vencidos, até porque a contraprestação, a cargo
do trabalhador, é irreversível. Cada uma das partes fica com o direito às
prestações executadas, enquanto vigorou o contrato.
Nas fraccionadas, a resolução opera, em princípio, ex tunc, atingindo,
quer as prestações vencidas, quer as vincendas. Vale, aqui, a regra
consagrada no art.º 434.º/1, até porque, nas fraccionadas, o objecto da
obrigação está fixado ab initio.

6.2.4.- Requisitos da prestação

A prestação deve reunir, sob pena de nulidade, os requisitos do objecto


do negócio jurídico, nos termos do art.º 280.º.
Temos, assim, que a prestação deve ser possível, quer física, quer
legalmente, não contrária à lei, determinável, não contrária à ordem pública e
não ofensiva dos bons costumes. A falta destes requisitos pode, colateralmente,
acarretar responsabilidade civil, por culpa in contrahendo (art.º 227.º).

116
.- O preceito pode ser formulado matematicamente, nos termos seguintes: Pf»1/8p=Vi e
Pf « 1/8p = NVi, em que Pf é a prestação em falta, p o preço, Vi o vencimento imediato e
NVi o não vencimento imediato.

45
6.2.4.1.- A possibilidade física e legal

O objecto da obrigação, i.e., a prestação debitóra deve ser física e


legalmente possível.
A impossibilidade física, também conhecida por impossibilidade material,
natural, real ou de facto é a resultante da própria natureza das coisas, ou seja,
ex rerum natura. A venda de um automóvel já destruído por um incêndio, a
promessa de escoar o Atlântico, ou de erguer um peso de mil quilos e, dum
modo geral, a vinculação a prestações de facto que excedem a capacidade
humana posiciona-se na linha da impossibilidade física.
Já a impossibilidade legal resulta da lei, ou seja, trata-se de uma
impossibilidade que funciona ope legis ou ope juris. Legalmente impossível é
aquilo cuja realização a lei, de todo em todo, veda. A lei coloca um obstáculo
tão completo e insuperável, como o que a lei da gravidade põe a quem
pretenda realizar um salto em comprimento de vinte metros.
Exemplificando, é legalmente impossível a venda de uma servidão
predial, separada do prédio a que pertence ( art.º 1545.º/1), a doação de bens
futuros (art.º 942.º) e a compra de bens litigiosos por certas pessoas (art.º
876.º).
Nos termos do art.º 401.º/3, só se considera impossível a prestação que
o seja relativamente ao objecto e não apenas em relação à pessoa do devedor.
Só aquela torna o negócio nulo. Nas prestações de facto infungíveis, a
impossibilidade subjectiva do devedor não desencadeia sequer a nulidade,
mas apenas a extinção da obrigação (art.º 791).
Por outro lado, só a impossibilidade originária gera a nulidade da
obrigação. A impossibilidade superveniente importa unicamente a extinção da
obrigação (art.º 790.º/1).
Mas a impossibilidade originária pode não acarretar a nulidade da
obrigação. A lei admite excepções, todas elas comportadas no art.º 401.º.
Assim, a obrigação pode ser assumida para o caso de a prestação se tornar
supervenientemente possível, ou, estando dependente de condição suspensiva
ou de termo inicial, a obrigação ser assumida para o caso de a prestação se
tornar possível até à verificação da condição ou até ao vencimento do termo.

6.2.4.2.- Não contrariedade à lei

A prestação é contrária à lei quando é ilegal, ou seja, quando viola uma


norma proibitiva. O direito não permite uma combinação negocial com aqueles
efeitos, porque violadora da lei, distinguindo-se da prestação legalmente
impossível, na medida em que, relativamente a esta, a lei se opõe
insuperavelmente à prestação – quod jure impleri non potest. À distinção entre
esta figura e a precedente não está associado qualquer alcance prático
sobrelevante.
Contrário à lei é, v.g., o contrato-promessa de matar outrem, mas já não
a compra e venda de uma arma para o fazer, salvo se o fim for comum ao
comprador e ao vendedor. Contrárias à lei serão as prestações contra legem,
ou seja, as que ofendem frontalmente a própria letra da lei, bem como as
prestações in fraudem legis, isto é, as que contornam uma proibição legal,
como que ofendendo o espírito da lei.

46
A prestação em fraude à lei ocorre quando as partes, embora
indirectamente, alcançam, por intermédio dela, um resultado proibido. A fraude
à lei é um modo oculto de violar a lei, já que não podendo as partes vincular-se
a determinadas condutas proibidas pelos seus resultados, alcançam esses
mesmo resultados por outras vias.

6.2.4.3.- Determinabilidade

Exige-se que a prestação seja determinada ou no mínimo determinável,


isto é, que possa vir a ser concretamente individualizada, de harmonia com os
critérios fixados no negócio jurídico ou na lei.
A prestação pode limitar-se à simples indicação de um género e de uma
quantidade a preencher depois. Mas, a prestação não pode ser tão vaga ao
ponto de a nada vincular as partes ou de as liberar mediante condutas irrisórias
ou insignificantes.
Os chamados géneros supremos - os genera suma - não podem, v.g.,
servir de objecto à prestação. Assim, no caso da alguém prometer a outrem a
entrega de um animal, a sua determinação seria de todo em todo
impossibilitada, acrescendo, igualmente, que a entrega de qualquer animal,
como por exemplo uma pulga, satisfaria, ao prometido.
Não há obrigação válida, quando não seja possível precisar aquilo a que
o devedor se vincula.

6.2.4.4.- Não contrariedade à ordem pública

A prestação é contrária à ordem pública e, por consequência, nula se a


obrigação colide com os princípios fundamentais, subjacentes ao sistema
jurídico e cuja prevalência interessa ao Estado e à sociedade, ao ponto de se
deverem sobrepor às convenções privadas.
A noção de ordem pública é temporalmente flutuante, pelo que tais
princípios não se prestam a uma enumeração exaustiva.
A assunção da obrigação de não trabalhar é, v.g., contrária à ordem
pública117.

6.2.4.5.- Inexistência de ofensa dos bons costumes

A prestação que vá ao arrepio do conjunto de regras éticas, aceites pelas


pessoas íntegras, dignas, de boa fé, num dado momento e lugar, desencadeia,
igualmente, a nulidade.
Os bons costumes são os boni mores, variando em razão do tempo e do
espaço. Não se tratará da moral sublime, religiosa ou filosófica, mas do sentido
ético preponderante na comunidade social. Se, por exemplo, alguém se vincula
a prestar favores sexuais a outrem estaríamos ante a ofensa dos bons
costumes e, por consequência, uma prestação de tal índole seria nula.

6.2.5.- Patrimonialidade da prestação

O Código Civil, no art.º 398.º/2, afastou o entendimento tradicional que


via a prestação necessariamente com um conteúdo económico e portanto
117
.- CORDEIRO, MENEZES, Tratado cit., I, p. 508.

47
susceptível de avaliação pecuniária. A prestação não tem, à luz da referida
norma, que possuir valor pecuniário118.
Basta, assim, que ela corresponda a um interesse do credor, digno de
protecção legal. Um interesse ideal ou espiritual pode perfeitamente preencher
o conteúdo da prestação, como sucede nos casos em que o devedor se vincula
a se retratar publicamente ou a pedir desculpas119, por injúrias proferidas
contra o credor.
Com o referido preceito visou-se excluir da tutela das Obrigações
comportamentos correspondentes a simples manias ou caprichos do credor –
não desfrisar o cabelo, não se dirigir a uma dada pessoa por ser inimiga do
credor, etc. - ou tutelados por outras ordens normativas, como a religião, a
moral, etc.120.
Para MENEZES CORDEIRO, nada impede que manias ou meros
caprichos, para a generalidade das pessoas (v.g., a realização de uma
tatuagem), relevem de modo a corresponderem a um interesse do credor digno
de protecção legal121. Nestes termos, o interesse será digno de protecção legal,
quando da interpretação do negócio resulte um verdadeiro sentido de
vinculação jurídica e o capricho ou a mania preencha uma situação jurídica.
A obrigação de compensar por danos não patrimoniais (art.º 496.º) é
outro dos casos em que a prestação não é apreciável em dinheiro. Em
derradeira análise, a prestação pode não ter natureza patrimonial, embora a
tendência, na maioria dos casos, seja essa.

6.3.- Facto jurídico

O facto jurídico é o acontecimento humano ou natural que despoleta os


efeitos jurídicos contidos na relação jurídica. A obrigação, enquanto relação
jurídica, precisa de uma fonte, isto é, de um facto jurídico que a faça descer do
plano das essências para o da realidade.
Os factos constitutivos de obrigações tomam o nome de fontes das
obrigações. Como o tratamento detalhado das fontes das obrigações será
empreendido em rubrica próxima, ficam de remissa mais desenvolvimentos
sobre o tópico em epígrafe.
Por ora, importa apenas assinalar que a obrigação, vista como relação
jurídica, corresponde a um modelo ou paradigma, abstractamente posto. Para
ganhar peso terreno, ou dito de outro modo, para se convolar de abstracta em
realidade concreta, precisa, à semelhança de qualquer relação jurídica, de um
facto que liberte a energia nela acumulada.
O facto jurídico, apesar de exterior à obrigação, modela a estrutura
interna da mesma e concorre para o estabelecimento do respectivo regime.
Impõe-se, igualmente, sublinhar que os factos jurídicos, para além de
constitutivos de obrigações, podem também ser modificativos ou extintivos das
mesmas. Mas, em rigor, só os factos constitutivos e os modificativos são

118
.- A patrimonialidade da prestação é, por vezes, entendida na lógica da responsabilidade
patrimonial, i.e., no sentido de a execução incidir sobre o património do devedor e não já sobre
a sua pessoa. Sobre este duplo entendimento que é associado à patrimonialidade da prestação,
vide COSTA, ALMEIDA, Direito das Obrigações cit., pp. 83 e ss.
119
.- LEITÃO, MENEZES, ob. cit., p. 95.
120
.- VARELA, ANTUNES, ob. cit., pp.108 e s.
121
.- CORDEIRO, MENEZES, Direito das Obrigações 1.º, Lisboa, AAFDL, 1980, pp. 239 e ss.

48
elementos da obrigação. Os extintivos, na medida em que extinguem a própria
obrigação, não podem propriamente considerar-se elemento seu.

6.4.- Garantia da obrigação

A garantia da obrigação é representada pelo conjunto de providências


que a lei põe à disposição do credor, em ordem à satisfação do seu crédito. O
credor goza da protecção da lei e, sob o seu impulso, podem ser accionados
os mecanismos por ela aparelhados, em ordem a impedir a violação do direito
de que é titular ou a ameaça de violação que sobre ele pesa.
A garantia, quando se estende a todos os credores, é geral ou comum.
Os credores, quando apenas gozam da garantia geral (arts. 601.º e ss), dizem-
se comuns ou quirografários, por contraposição aos preferenciais, que são os
credores munidos de garantias reais. Os comuns podem-se fazer pagar, em pé
de igualdade, à custa do património do devedor.
Em determinadas hipóteses, à garantia geral somam-se as garantias
especiais, que podem ser pessoais ou reais (arts. 623.º e ss.).
Em geral, o modo de garantir o interesse do credor, em caso de
incumprimento da obrigação, passa pela indemnização dos danos causados a
ele causados, nos termos do art.º 789.º do CC. Se possível, a preferência vai
para a reconstituição in natura do direito violado.
Os mecanismos apontados em ordem à realização coactiva da obrigação,
designadamente a acção creditória, (arts. 817.º e ss.) são, igualmente, dirigidos
à garantia da obrigação.
O esquema acabado de esboçar é válido para as obrigações civis. Já as
obrigações naturais, em razão da incoercibilidade do vínculo, têm uma garantia
bastante mitigada, expressa na soluti retentio, i.e., na retenção da prestação a
título de pagamento, posto não existir qualquer condictio indebiti122.

7.- Função da obrigação e relevância do interesse do credor

A obrigação, em si mesma, não é um fim, mas um meio aparelhado para


satisfazer o interesse do titular activo. Esta é a função que lhe cabe. A
proeminência que se atribui ao interesse do credor manifesta-se em todas as
fases da marcha da obrigação.
Nos termos do art.º 398.º/2, logo no momento da constituição, a
prestação deve corresponder a um interesse digno de protecção legal. Um
mero devaneio, uma fantasia, uma mania ou situações pertencentes a outros
complexos normativos são descartadas do conteúdo da obrigação, conforme
vimos de assinalar, na rubrica anterior.
O interesse do credor há-de ser ainda o sobrelevante nas vicissitudes que
a obrigação conhece ao longo da sua vida. A título exemplificativo, a assunção
de dívida e a cessão da posição contratual apenas se consumam mediante o
assentimento do credor (arts. 595.º e 424.º).
Mesmo na extinção da obrigação, o interesse do credor vem sempre ao
de cima. A atestá-lo, está o facto de o cumprimento por terceiro apenas ser
admissível nos casos em que o interesse do credor não é prejudicado (art.º
767.º) e o da dação em cumprimento, em que a prestação de coisa diversa da

122
.- Em sentido contrário, ver TELLES, GALVÃO, ob. cit., p.52.

49
devida, embora de valor superior, só libera o devedor se o credor der o seu
assentimento (art.º 837.º).
Não se pode dizer que o Código se tenha alheado da protecção do
interesse do devedor. Com efeito, em várias sedes legais impera a ideia do
favor debitoris (v.g., arts. 539.º, 543.º, 558.º, 783.º, etc.). A consagração da
ideia da protecção da parte mais fraca não prejudica, porém, que, na obrigação,
o interesse do credor seja o subordinante.

8.- Distinção entre direitos de crédito e direitos reais

A distinção entre direitos de crédito e direitos reais tem um interesse


particular, em razão da contraposição de uns aos outros, em termos estruturais.
Uma tal contraposição não é, por vezes, pacífica, na medida em que há
autores que, por a garantia incidir sobre uma coisa ou sobre o património,
consideram a obrigação como um direito real sobre o património. Outros, em
nome da teses personalistas do direito, proclamam a intersubjectividade de
qualquer relação jurídica, contestando a possibilidade de relações entre pessoa
e coisa e, concomitantemente, a ideia de o direito ser um poder do titular sobre
a res. “Il n’y a pas de droits contre les choses” sentenciava DEMOGUE123.
A existência da obrigação passiva universal e a admissão da eficácia externa
das obrigações esbateriam a distinção entre os direitos reais e os de crédito,
para privilegiar o surgimento da dicotomia direitos mais fortes e direitos mais
fracos, mas integrados nas Obrigações. Os mais fortes estabelecer-se-iam
directamente entre o seu titular e todos os demais e os mais fracos
directamente entre o credor e a pessoa ou pessoas vinculadas à prestação,
devendo os terceiros respeitar o direito daquele124.
Os argumentos ora invocados não obnubilam, contudo, as profundas
dissemelhanças entre as duas categorias de direitos, a despeito dos vários
pontos de contacto.
A obrigação estabelece-se entre duas ou mais pessoas que, no mínimo,
são determinadas, à data do cumprimento (arts. 459.º e 511.º). Este vínculo
especial reconduz as obrigações aos direitos relativos. Os direitos de crédito
valem, desta forma, unicamente inter partes. Corresponde-lhes um dever
especial e não já geral, pelo que só podem ser ofendidos pelo devedor ou
devedores. O credor só indirectamente aproveita a indemnização feita por
terceiro, por via do commodum repraesentationis (arts. 794.º e 803.º),
acontecendo o mesmo na sub-rogação do credor ao devedor (arts. 606.º e ss.).
Os direitos relativos operam por contraposição aos absolutos ou erga
omnes. Cabem, nesta categoria, os direitos reais e os direitos de personalidade.
O correlato dos direitos absolutos traduz-se na chamada obrigação passiva
universal, também conhecida por dever geral de abstenção. Nestes casos,
assiste-se a um dever que impende sobre a generalidade das pessoas, no
sentido de não perturbarem o exercício do direito absoluto.
O carácter absoluto dos direitos reais tem como afloramentos o direito de
preferência e o de sequela.
O primeiro, também conhecido por direito de prevalência, analisa-se na
possibilidade reconhecida ao titular do direito real de sacrificar todos os direitos
posteriormente constituídos sobre a mesma coisa e que se revelem com ele
123
.- VARELA, ANTUNES, ob. cit., p.164 e s.
124
.- VARELA, ANTUNES, ob. cit., p. 166.

50
incompatíveis. A regra prior tempore potior jure pontifica efectivamente nos
direitos reais.
Ela pode, entretanto, conhecer excepções, como sucede no caso de
colisão entre um direito real de garantia e um privilégio imobiliário que se
resolve na prevalência deste último (art.º 751.º), independentemente do
momento da constituição de um e outro. A título de exemplo, o Estado, pela
sisa, goza de privilégio imobiliário sobre o credor hipotecário. Em relação aos
direitos reais sujeitos a registo, prevalece não já o direito constituído em
primeiro lugar, mas o primeiro registado.
O direito de preferência é igualmente apanágio dos direitos pessoais de
gozo. A despeito de serem direitos de crédito, o art.º 407.º fixa, nestes casos, a
prevalência do “direito mais antigo em data”. Se o senhorio loca um imóvel
duas vezes, prevalece o direito do primitivo arrendatário.
O direito de sequela ou de persecução faculta ao titular do direito real a
possibilidade de o fazer valer onde quer que a coisa se encontre, mesmo que
seja na esfera jurídica de um terceiro. A regra ubi rem meam invenio, ibi vindico
acha-se consagrada no art.º 1311.º, sob o nome de acção de reivindicação.
Outro corolário da sequela é a acção de preferência, prevista no art.º
1410.º. A regra faculta, ao titular do direito de preferência legal, o exercício do
mesmo directamente contra o terceiro adquirente.
A sequela comporta, igualmente, excepções como sucede na
inoponibilidade das invalidades a terceiros de boa fé que hajam registado a sua
aquisição, nos termos do art.º 291.º ou nas hipóteses do art.º 409.º/2, a
contrario, isto é, quando o alienante não regista a cláusula de reserva da
propriedade relativa à alienação de imóveis ou móveis sujeitos a registo.
Em relação aos direitos de crédito, vigora o princípio da atipicidade
(numerus apertus). Com efeito, as partes podem, na esteira da liberdade
contratual (art.º 405.º), recorrer aos tipos previstos na lei, celebrar contratos
mistos e até contratos não previstos na lei. O art.º 398.º/1, por seu turno,
preconiza a liberdade de modelação, dentro dos limites da lei, do “conteúdo
positivo ou negativo da prestação”.
Os direitos reais obedecem ao princípio da tipicidade taxativa ou do
numerus clausus, não podendo ser constituídos, com carácter real, direitos não
previstos na lei. O princípio da tipicidade dos direitos reais está consagrado no
art.º 1306.º/1.
Há razões que justificam a limitação expressa no princípio.
Em primeiro lugar, a admissibilidade da atipicidade dos direitos reais
facultaria aos intervenientes a possibilidade de constituírem situações jurídicas
oponíveis erga omnes, para surpresa destes e grave turbação do comércio
jurídico.
Por outro lado, a disciplina do direito de propriedade e dos outros direitos
reais não pode ser deixada às mãos dos particulares. Essa disciplina é de
ordem pública, em atenção ao facto de nela se condensarem as regras em que
se funda o uso dos bens e a exploração dos principais recursos.
A terceira e última razão aponta para os inconvenientes económicos e
sociais que podem advir da contitularidade de direitos reais de gozo sobre
certa coisa. No plano económico, os contitulares hão-de, tendencialmente,
procurar maximizar os benefícios, sem curar de investir em ordem à frutificação
da coisa. No plano social, a contitularidade de direitos é, não raras vezes, a

51
causa de dissídios perturbadores da paz social e da própria reprodutividade
económica das coisas125.
Os direitos de crédito também diferem dos reais pelo facto de os
primeiros conferirem ao credor o direito a uma prestação, ao passo que estes
últimos concedem ao seu titular um poder directo e imediato sobre a coisa. O
direito real põe o seu titular em contacto directo com a coisa. É um ius in re,
não sendo necessária qualquer intermediação para se chegar à coisa. Já nos
direitos de crédito e tratando-se, obviamente, de prestação de coisa, o credor
necessita da cooperação do devedor para chegar à coisa.
“Os direitos reais – escreve RADBRUCH – constituem-se para durar; são
criados para durar indefinidamente. É justamente no seu exercício que se
manifesta a sua afirmação permanente. Exercerem-se é continuarem a existir.
O direito de crédito traz em si o germ da sua morte; extingue-se quando,
pelo cumprimento da obrigação, é atingido o fim para que se constituiu.
Exercer-se é, para ele, morrer”126
Mas nem tudo se exaure em diferenças. Há diversos pontos de que
ambas as categorias comungam.
Desde logo, tanto uns como outros podem ser constituídos, modificados,
transmitidos e extintos mediante contrato. O art.º 408.º consagra justamente a
eficácia real do contrato, instituindo o sistema do título.
Há direitos reais que têm uma função instrumental em relação aos
direitos de crédito. Os direitos reais de garantia visam assegurar o
cumprimento de obrigações e o seu tratamento, quer sistemático (arts. 656.º a
761.º), quer didáctico é feito no âmbito do Direito das Obrigações.
Por outro lado, podem os direitos reais constituir-se sobre direitos de
crédito. O penhor de direitos (arts. 679.º e ss.), o usufruto de direitos
(arts.1439.º e ss.) e a penhora de créditos (art.º 856.º do CPC) servem de
exemplo.
Uma outra afinidade exprime-se no facto de a violação de um direito real
ou de personalidade despoletar a obrigação de indemnização (arts. 483.º e ss.
e 562.º e ss.).
Por último, a afinidade traduz-se no facto de, em certas obrigações, o
devedor ser conhecido pela titularidade do direito real. Tais obrigações
recebem o nome de ambulatórias ou reais. São também chamadas obrigações
ob rem ou propter rem (arts. 1411.º, 1428.º/3 e 4, 1472.º/3 e 1567.º).

Capítulo II.- Fontes das Obrigações

9.- Ordenamento clássico das fontes, críticas e sistematização seguida no Código


Civil

As fontes das obrigações são os factos jurídicos que despoletam a


energia contida na relação creditória. São os factos jurídicos que geram a
obrigação.
Gaio, nas Institutas, referia duas fontes fundamentais: o contrato e o
delito. O Digesto veio acrescentar as variae causarum figurae, um tertium
genus colimado a dar guarida aos factos geradores de obrigações
insubsumíveis às duas categorias que vêm de ser apontadas.
125
.- VARELA, ANTUNES, ob. cit., pp. 187 e s.
126
.- MONCADA, CABRAL DE, Filosofia do direito, p. 26.

52
Mas foi a seriação justinianeia das fontes que preponderou até ao séc.
XIX. Na esteira das compilações justinianeias, as fontes tetrapartiam-se em
contratos, quase-contratos, delitos e quase-delitos.
Os contratos, com o típico acordo de vontades que os caracteriza, foram
e continuam a ser a fonte mais importante das obrigações. Nos quase-
contratos, caberiam os factos voluntários lícitos geradores de obrigações, mas
de que estaria ausente o acordo. Os exemplos estariam na gestão de negócios,
na tutela, no enriquecimento sem causa, na solvência de legados, etc.
Os delitos recobririam os factos ilícitos extracontratuais praticados com
dolo, ao passo que os quase-delitos os praticados com mera culpa.
À guisa de crítica, pode-se dizer que um tal modo de sistematizar as
fontes apresenta-se, actualidade, largamente dobrado.
Com efeito, a categoria dos quase-contratos padece de alguma
imprecisão em matéria de realidades abrangidas, ao que acresce a sua larga
indeterminação enquanto conceito. Os quase-contratos são um dos produtos
do dogma da vontade, no seu afã de tudo reconduzir à vontade do indivíduo e
sempre relutante em aceitar vinculações fundadas na solidariedade social, na
lei e na colaboração humana.
Por outro lado, a dicotomia delitos versus quase-delitos tem, na
actualidade, escasso interesse prático. O tratamento jurídico que se dispensa
às duas categorias é praticamente comum. Apenas, pontualmente, nos
deparamos com excepções ao regime comum que lhes é reservado, como
ocorre no art.º 494.º. O interesse numa tal dicotomia não se compara, v.g., ao
que resulta da bipartição da responsabilidade extracontratual, em
responsabilidade por factos ilícitos e responsabilidade civil pelo risco.
O Código Civil de 1966 apartou-se dos modelos clássicos de arrumação
das fontes das obrigações. O diploma legal em apreço sistematiza-as, nos arts.
405.º a 510.º, em contratos, negócios jurídicos unilaterais, gestão de negócios,
enriquecimento sem causa e responsabilidade civil.
As obrigações não autónomas têm, por seu turno, a sua fonte noutras
sedes do Código. O mesmo sucede com a obrigação de indemnizar por culpa
in contrahendo – art.º 227.º - e com os casos de responsabilidade civil por
factos lícitos, esparsos por diversos locais do C.C.

10.- Contratos

Os contratos são, do ponto de vista histórico, a fonte de obrigações mais


antiga e também a mais importante, a despeito da tão propalada crise que
estariam a atravessar. Da comparação entre as várias sistematizações ressalta
a constância espácio-temporal do contrato, enquanto fonte de obrigações. As
demais categorias não se podem arrogar a um tal curriculum.
Este estatuto do contrato – o de ser a fonte mais anciã e importante das
obrigações – não implica, porém, que o seu papel se exaura a este plano. Os
direitos reais – 1316.º -, os familiares127 e os sucessórios – 2026.º - podem ter
por fonte um contrato.

.- O casamento, em certas ordens jurídicas, é um contrato, como bem o ilustra o


127

art.º 1577.º do CC português. No Direito angolano, quer de iure constituto – art.º 20.º
do C.F. - como de iure constituendo, a arquitectura do casamento é posta em termos
anti-contratualistas.

53
São várias as definições compiladas de contrato. Em todas elas, vem, ao
de cima, a ideia de, nesta fonte, estarmos ante um acordo vinculante,
estruturado sobre declarações de vontade contrapostas, mas ajustáveis entre
si, visando a produção de determinados efeitos prático-jurídicos, sob a sanção
da ordem jurídica.
A ideia sobrelevante é a de que solus consensus obligat. Para ser
vinculante, o Direito tem, entretanto, de estender o seu manto tutelar sobre o
acordo. As declarações de vontades são, por seu turno, de sinal oposto. O
declarante emite uma proposta ou oferta; a aceitação é, por sua vez, a
declaração que dimana do destinatário da proposta: o declaratário.
No contrato de arrendamento, por exemplo, o senhorio quer obter o
dinheiro relativo à renda, desfazendo-se temporariamente do gozo do imóvel
locado, e o arrendatário quer obter o gozo do imóvel, despojando-se do
dinheiro de que dispõe para a renda. As declarações, embora opostas, são
harmonizáveis entre si, isto é, casam-se entre si, produzindo o resultado
jurídico unitário visado pelas partes.
A configuração do contrato, nestes termos, reconduz-se à tese
voluntarista, de larga tradição e mais ajustada à conceituação do contrato.
À tese voluntarista opõe-se a normativista ou preceptivista. Esta última
considera o contrato como um regulamento, equiparando-o a normas jurídicas.
O contrato seria um acto normativo.
Ora, repugna que simples particulares possam editar normas jurídicas,
pela razão básica de estas serem predicadas pela generalidade e pela
abstracção.
Em termos de enquadramento legal, para além da disciplina
contemplada nos artigos 217.º e ss., aos contratos aplicam-se os dispositivos
contidos nos artigos 405.º a 456.º, em que o Código fixa disposições genéricas
para todos os contratos, e nos artigos 874.º a 1250.º, em que se cuida de
regular alguns contratos em especial.
Em sede deste curso, versaremos sobre os contratos obrigacionais, com
algumas referências aos reais. O estudo dos contratos constitutivos ou
modificativos de relações de carácter familiar, sucessório, administrativo, etc. é
prosseguido no âmbito das disciplinas correspondentes e não já no Direito das
Obrigações.

10.1.- Relações contratuais de facto

A viga-mestra do contrato estrutura-se, pois, no acordo bilateral ou


plurilateral das partes, fundado no encontro das suas declarações de vontade,
nos moldes acima referidos. Consequentemente, as normas disciplinadoras do
contrato só seriam aplicáveis às situações que teriam por base o sobredito
acordo vinculante.
Porém, em 1941, GÜNTHER HAUPT deparou-se com relações jurídicas
estruturadas à margem de qualquer acordo de declarações de vontade e ipso
facto insubsumíveis aos contratos, mas que se reclamavam do regime destes
últimos. Na génese destas puras actuações de facto não haveria qualquer
negócio jurídico.

54
Deu-se-lhes o nome de relações contratuais de facto. Sob a rubrica das
faktishe Vertragsverhältnisse, podem ser agrupadas três categorias128.
A primeira categoria compreenderia as relações nascidas do simples
contacto negocial, tendente à celebração de um negócio jurídico129. Antes das
negociações ou independentemente da conclusão do negócio jurídico, surgem
situações jurídicas que, embora não sendo contratos, se reconduzem ao
regime destes, como ocorre na culpa in contrahendo, regulada no art.º 227.º.
A segunda categoria comportaria as situações resultantes de contratos
ineficazes. A ineficácia de certos contratos não impede que se lhes apliquem
as normas típicas dos negócios jurídicos válidos. Nas hipóteses da sociedade
de facto ou da relação laboral de facto, a invalidade do contrato não produz
efeitos ex tunc.
Na senda do artigo 21.º/4 da LGT, preceitua-se que o contrato de
trabalho inválido, enquanto se mantiver em execução, produz efeitos como se
fosse válido. Ficciona-se a sua validade, não se produzindo os efeitos
estabelecidos no art.º 289.º, nomeadamente a retroactividade.
Idêntica doutrina vale para a sociedade de facto. A eficácia dos negócios
jurídicos celebrados à sua sombra não é afectada pela invalidade do contrato
de sociedade e nem sequer libera os sócios de realizar ou completar as suas
entradas. A solução vem prevista no art.º 55.º da LSC.
Numa terceira vertente, estariam compreendidos os casos em que há
actos materiais das partes, indicando vontade de negociar, mas insubsumíveis
ao mútuo consenso. A sociedade de massas em que vivemos é prenhe de
exemplos como a utilização dos transportes públicos, dos parques de
estacionamento pago, das cabines públicas de telefone, de máquinas
automáticas, etc., em que os utentes não estabelecem acordos com as
empresas que exploram tais serviços.
Em todos estes casos não há nenhum acordo de declarações de vontade,
mas a disciplina jurídica dos contratos é chamada à colação.
As questões que se põem gravitam em torno da real necessidade de
recorrer às relações contratuais de facto, para recobrir as categorias vindas de
apontar. Pode bem duvidar-se da valia dogmática da figura das relações
contratuais de facto, até porque os problemas ora inventariados podem ser
reconduzidos, sem grandes aporias, aos quadros do contrato.
No que toca à primeira categoria, importa sublinhar que o princípio da boa
fé é extensivo à formação do contrato – art.º 227.º/1. A culpa in contrahendo
basta-se com o princípio da boa fé. As obrigações, maxime a de indemnização,
que emergem da culpa na formação do contrato decorrem da violação de
deveres acessórios que defluem do princípio da boa fé.
A segunda categoria visa ratificar, como sublinhámos, efeitos de negócios
jurídicos inválidos, mas já executados. Ora, a subsistência dos efeitos já
produzidos estriba-se no próprio regime da ineficácia, que, em determinados
casos, pode operar unicamente ex nunc e já não ex tunc (art.º 289.º). Nenhuma
128
.- ALARCÃO, RUI DE, Direito das Obrigações, Colecção FDUAN, Luanda, 1999, pp. 88 e ss.
A edição da UAN omite os nomes dos demais co-autores da obra.
129
.- A maioria dos autores utiliza a fórmula “contacto social”. Em nossa opinião, tal fórmula tem
um pendor marcadamente sociológico. A expressão “contacto negocial”, a despeito das críticas
que já nos foram endereçadas em sede de Mestrado, afigura-se-nos ser a que melhor se ajusta
à verbalização do fenómeno. Juridicamente relevante não é qualquer contacto social, mas
somente o direccionado para a conclusão de um negócio jurídico. Cfr. o nosso “Dever de
Informação na Lei Angolana sobre as Cláusulas Contratuais Gerais”, 2004, p. 23.

55
razão justifica a recondução dos casos de ineficácia ex nunc à categoria das
relações contratuais de facto130.
Os comportamentos típicos que preenchem a terceira categoria analisar-
se-iam na formação do contrato sem declaração de aceitação. No tráfico
hodierno de massas, tal tipo de relações é recorrente, como vem de se dizer.
A subsunção aos quadros do contrato explica-se a partir da possibilidade
de este poder ser dado como concluído sem declaração de aceitação. Em
determinados casos, o contrato basta-se com a intenção de aceitar, conforme
documenta o art.º 234.º.
Por outro lado, estas hipóteses podem ser reconduzidas às declarações
negociais tácitas. O protagonista de um comportamento social típico não pode
querer um sentido diverso do apreendido por um declaratário médio, colocado
na situação do real declaratário, sob pena de venire contra factum proprium ou
de se estar a sufragar uma situação de enriquecimento sem causa131. A
declaração negocial tácita, prevista no art.º 217.º, é, assim, suficientemente
compreensiva para abarcar os comportamentos sociais típicos
Em derradeira análise, as relações contratuais de facto que, mesmo na
Alemanha, sempre se apresentaram controversas, correspondem, hoje, a um
arquitectura dogmática em declínio132. De uma análise mais atenta, resulta ser
despiciendo o expediente das relações contratuais de facto, como modo de
intelecção e ordenação dos tópicos sobreditos, mas sobretudo como fonte de
obrigações.

10.2. – Modalidades de contratos

Os contratos prestam-se a várias classificações. Elas não atendem a


preocupações de índole meramente teórica. Com efeito, a recondução do
contrato a esta ou aquela categoria jurídica podem resultar consequências
importantes, em termos de regime.

10.2.1.- Contratos formais e não formais

A classificação em epígrafe assenta num critério estruturado na maneira como


se exteriorizam as declarações negociais que conformam o contrato,
interessando-nos mais o formalismo resultante de imposição legal e não tanto o
adveniente de convenção (art.º 223.º).
A forma do contrato é o modo como ele se manifesta, como se revelam
as respectivas declarações negociais. A forma é distinta das formalidades.
Estas são exteriores ao contrato, completando-o, ao passo que a forma
pertence à estrutura do contrato. O reconhecimento de uma assinatura ou o
registo do contrato são, por exemplo, formalidades.

130
.- Em sentido contrário, vide MARTINEZ, PEDRO ROMANO, Direito das Obrigações,
Lisboa, AAFDL, 2003, pp.149 e s. Parece-nos que a posição adoptada por este Autor
é duvidosa. Com efeito, nos “casos em que o comportamento social típico conduz a
uma situação de contornos idênticos ao contrato, sem a necessária manifestação de
vontade para a sua formação”, bastará fazer intervir o art.º 234.º para improceder o
apelo às relações contratuais de facto.
131
.- Conforme LEITÃO, MENEZES, ob. cit., pp. 511 e s.
132
.- Neste último sentido, vide LEITÃO, MENEZES, ob. cit., pp. 507 e s.

56
Os contratos podem ser formais e não formais. Os formais ou solenes são
aqueles em que o acordo tem de se pautar por certa forma, prescrita pela lei e
têm carácter de excepção (art.º 219.º). Os não formais ou consensuais são
todos os que se bastam com o simples acordo de vontades, sem a exigência
de qualquer formalismo especial, assentando no princípio do consensualismo.
Nos direitos antigos, o contrato era de feição predominantemente
formalista, exigindo-se a observância de certos rituais exteriores. Houve até um
tempo em que todos os negócios eram formais133.
Os contratos não formais constituem a regra (art.º 219.º), numa linha que
evoluiu a partir da própria norma romana, com os ulteriores subsídios dos
canonistas. Estes, ao terçarem pela suficiência do consenso, em termos de
validade do negócio jurídico, fizeram com que do simples acordo brotasse o
dever jurídico.
A favor da forma, militam argumentos como os de permitir a ponderação
dos efeitos do contrato, a facilidade de prova, a completude e clareza dos
termos do clausulado, a segurança e a publicidade do negócio. Contra ela,
alegam-se as dilações e os escolhos que suscita na celebração de negócios
jurídicos, assim como as eventuais injustiças resultantes da manipulação, por
um dos contraentes e ao arrepio da boa fé, da nulidade por vício de forma,
numa atitude eventualmente reconduzível ao abuso do direito (art.º 334.º).
A observância do ius strictum pode conduzir a injustiças, mas a
preservação do negócio viciado, em nome da boa fé, abre fendas na certeza e
segurança jurídicas, uma das vigas-mestras do Direito. Ao lado da sentença
dura lex sed lex convive a máxima summum jus summa injuria, ambas
merecedoras de respeito.
Os contratos não formais recebem, por vezes, o nome de consensuais.
Mas de consensuais também se fala a propósito das contratos que se
contrapõem aos contratos reais quanto à constituição.
Formais são, v.g., a compra e venda de imóveis (art.º 875.º), a doação
de imóveis (art.º 947.º) ou a doação verbal de móveis (art.º 947.º/2),
determinados contratos de arrendamento (1029.º), o mútuo a partir de certos
valores (art.º 1143.º), etc. Nuns casos exige-se documento autêntico, noutros a
lei basta-se com documento particular (art.º 363.º), sob pena de nulidade (art.º
220.º).

10.2.2.- Contratos nominados ou inominados e típicos ou atípicos.

O contrato diz-se nominado ou inominado, consoante tenha ou não um


nomen iuris. Ao contrato nominado consagra a lei um nome. A subsunção de
um dado contrato a certo nomen legal obedece à correspondência entre os
seus essentialia negotii com os da categoria legal. Se os elementos principais
do contrato não se deixam reconduzir à nomenclatura contratual fixada na lei, o
contrato será inominado.
O universo dos contratos nominados conheceu, por obra da Lei do
Investimento Privado – Lei n.º 11/03, de 13 de Maio -, um acentuado
incremento. Figuras contratuais como o franchising134, o know-how135, a joint

133
.- ANDRADE, MANUEL DE, Teoria Geral da Relação Jurídica, II, p. 48.
134
.- O franchising ou franquia é o contrato mediante o qual o detentor de um conjunto de
direitos de propriedade industrial (marcas, patentes, desenhos, etc.) e de um dado know-how –
o franquiador - concede a outro empresário – o franquiado - o direito de utilizar os referidos

57
venture136e o leasing137já têm, na ordem jurídica angolana, um nomen juris.
A classificação dos contratos em típicos e atípicos atende, por seu turno,
à existência ou à ausência de um certo regimen iuris138. O contrato é típico,
quando a lei lhe fixa a disciplina respectiva, sendo atípico na hipótese
inversa139.
A compra e venda (art.º 874.º) e a doação (art.º 940.º) reconduzem-se,
por exemplo, à categoria dos típicos. O sponsoring (patrocínio), o countertrade
(troca de mercadorias), o factoring140ou cessão financeira o engineering, a
garantia autónoma são, v.g., atípicos.
À disciplina própria dos contratos típicos podem ser acrescidas cláusulas
tendentes ao enriquecimento do seu conteúdo, sem prejuízo da
correspondente identidade. Dito de outra forma, a tipicidade do contrato não
prejudica a liberdade contratual.
Os contratos nominados podem ser típicos, como acontece com a
compra e venda (arts. 874.º e ss.) ou atípicos, como sucede com o contrato de
hospedagem (art.º 755.º/b)) e com o de troca ou escambo (art.º 480.º do C.
Com.). Os inominados são, geralmente, atípicos141.
Os contratos atípicos, por assentarem na atipicidade normativa, têm de
ser disciplinados pelas disposições aplicáveis à generalidade dos contratos.
Não bastando, chamam-se à colação as normas pertinentes aos contratos
típicos com que apresentem mais intensa analogia e que não tenham carácter
excepcional142.

10.2.3.- Contratos sinalagmáticos e não sinalagmáticos

sinais distintivos, transmitindo-lhe também o necessário know-how, contra o pagamento de


royalties, a que, eventualmente, pode acrescer um direito de entrada pago (initial fee). O
franchising pode ser comercial, industrial ou de serviços e os exemplos podem ser encontrados
na rede multinacional de franquias Coca-Cola ou na rede de fast food McDonald’s. Cfr.
RIBEIRO, MARIA DE FÁTIMA, O Contrato de Franquia, Almedina, Coimbra, 2001, pp. 13 e ss.
135
.- O know-how é o contrato pelo qual se transfere “saber-fazer”, em regra, conhecimentos
técnicos ou práticos, total ou parcialmente secretos, mas juridicamente protegidos, mediante
uma licença concedida pelo titular dos direitos sobre esses bens incorpóreos, a troco de uma
quantia em dinheiro, fixa ou variável.
136
.- A joint-venture é o contrato mediante o qual duas ou mais pessoas jurídicas, abdicando ou
não das respectivas personalidades, se põem de acordo em relação à realização, em conjunto,
de um empreendimento. Cfr. PINHEIRO, LUÍS DE LIMA, Direito Comercial Internacional,
Almedina, Coimbra, 2005, pp. 47.
137
.- O leasing é um contrato pelo qual o locatário, precisado de uma coisa móvel ou imóvel,
indica-a, após negociações com o fornecedor, ao locador financeiro que, por seu turno, a
adquire para proporcionar, ao primeiro, o seu uso, por um período determinado, com a
faculdade deste exercer, após o pagamento do preço e de outros encargos, a chamada opção
de compra pelo valor residual da coisa. O locador, para efeitos de garantia, mantém, na sua
esfera, a propriedade jurídica sobre a coisa, ficando o locatário com a propriedade económica.
138
.- Para vários autores, contratos nominados e contratos típicos são uma única e mesma
realidade, o mesmo sucedendo com os inominados e os atípicos. Cfr. TELLES, GALVÃO, ob.
cit., p.68, e VARELA, ANTUNES, ob. cit., p. 272
139
.- Um contrato é socialmente típico quando, a despeito da inexistência de estatuto legal, tem
um regime imposto pela prática jurídica.
140
.- O factoring é o contrato mediante o qual o credor, também denominado cliente ou aderente,
cede, total ou parcialmente, o seu crédito ao factor e, contra o pagamento dos juros e despesas
de gestão, recebe deste último uma antecipação de fundos. A sua matriz pode ser localizada
na cessão de créditos (arts. 577.º e ss.).
141
.- VASCONCELOS, PEDRO PAIS DE, Contratos Atípicos, Almedina, 1995, pp.27 e ss.
142
.- TELLES, GALVÃO, ob. cit., p. 68.

58
É consabido que os contratos podem ser bilaterais ou sinalagmáticos e
unilaterais ou não sinalagmáticos, conforme originem ou não obrigações
recíprocas para todas as partes coenvolvidas. Nos contratos sinalagmáticos ou
bilaterais, é-se, simultaneamente, credor e devedor da contraparte ou
contrapartes. Nos contratos não sinalagmáticos, apenas uma das partes fica
obrigada.
Já os bilaterais imperfeitos são considerados por alguns autores como um
tertium genus, embora a posição predominante os reconduza aos contratos
não sinalagmáticos143.
Nos bilaterais imperfeitos, geram-se, inicialmente, obrigações para uma
das partes, mas, no quadro da sua execução, podem eventualmente surgir
prestações cometidas à contraparte ou contrapartes. No mandato (arts. 1157.º
e ss.) e depósito (arts. 1185.º e ss.), quando gratuitos, a lei prevê o
aparecimento de obrigações a cargo do mandante (art.º 1167.º/ a), c) e d) ou
do depositante (art.º 1199.º/ b) e c).
Nestes casos, à eventualidade da obrigação acresce o facto de ela não
representar qualquer contraprestação da obrigação a cargo da contraparte. Há
uma décalage entre as duas prestações: uma é primária e a outra secundária.
A eventualidade da obrigação e a inexistência de reciprocidade, ao nível das
prestações, são as notas que afastam os contratos em causa da categoria dos
sinalagmáticos.
O nexo que se estabelece entre as duas prestações recebe o nome de
sinalagma. O sinalagma é genético quando cada prestação apareça ligada,
logo no momento da celebração do contrato, ao surgimento da contraprestação.
Cada prestação é a razão de ser da outra. O exemplo é o da obrigação de
entregar a coisa, para o vendedor, que é a razão da de pagar o preço, para o
comprador, e vice-versa (879.º/ b) e c).
Celebrado o contrato, as prestações em relação de correspectividade,
tornam-se interdependentes. A interdependência mantém-se ao longo de toda
a execução do contrato. Assim, uma prestação não pode ser realizada sem a
outra e impossibilitada uma, extingue-se a outra.
Esta interdependência das prestações, ao longo de toda a vida do
contrato, recebe o nome de sinalagma funcional. O sinalagma funcional aponta
essencialmente para a ideia de as obrigações deverem ser realizadas em
paralelo, posto que a execução de cada uma delas é o pressuposto lógico da
outra. A excepção de não cumprimento do contrato (art.º 428.º), a resolução
por incumprimento (art.º 801.º/2) e a caducidade por impossibilidade (795.º/1)
são afloramentos do sinalagma funcional.
Em suma, à fase da formação do contrato corresponde o sinalagma
genético e à da execução do contrato, o sinalagma funcional. A ratio do
sinalagma, seja ele genético ou funcional, assenta na justiça comutativa,
obstando-se, deste modo, ao desequilíbrio do contrato que ocorreria com a
realização de apenas uma das prestações sem que a outra fosse igualmente
efectuada.

10.2.4.- Contratos onerosos e gratuitos

143
.- Neste último sentido vide LEITÃO, MENEZES, ob. cit., p. 206.

59
A classificação dos contratos em onerosos e gratuitos tem relações com a
anterior mas é dela distinta. A distinção entre uns e outros releva, atentos aos
diversos regimes que cabem a cada uma das categorias.
Nos contratos onerosos há atribuições patrimoniais, ou seja, sacrifícios
avaliáveis em dinheiro para as partes, mesmo faltando o equilíbrio entre as
referidas atribuições. A venda não deixa de ser onerosa mesmo quando, em
termos de mercado, seja viliore pretio.
Já nos contratos gratuitos, uma das partes retira as vantagens, sendo os
sacrifícios suportados pela contraparte (art.º 940.º)144.
Nos gratuitos, o processo de formação do contrato encerra mais
melindres em confronto com os onerosos (arts. 219.º, para a venda de móveis,
e 947.º/2, para a doação verbal de móveis) e a responsabilidade pelas
perturbações da prestação importa um regime mais favorável (arts. 956.º e
957.º, referentes à doação, em face dos arts. 892 e ss., 905.º e 913.º,
respeitantes à compra e venda). A extinção dos gratuitos pauta-se por
preceitos mais ténues em confronto com os onerosos (arts. 974 e ss. e 1140.º
e ss. em confronto com os arts. 228.º e ss.) e a sua interpretação é realizada
de acordo com o sentido menos gravoso para o disponente (art.º 237.º)145. Em
suma, da gratuitidade resulta um regime de favor, ou seja, de protecção para a
parte que realiza a atribuição patrimonial.
A classificação em epígrafe presta-se, não raras vezes, a equívocos
quando confrontada com a anterior. Os critérios em que se fundam as duas
classificações são todavia distintos.
Os contratos sinalagmáticos e os não sinalagmáticos estruturam-se na
presença ou ausência de reciprocidade de prestações. Os onerosos e os
gratuitos assentam, por sua vez, na presença ou ausência de reciprocidade de
atribuições patrimoniais.
GALVÃO TELLES considera onerosos todos os contratos sinalagmáticos.
Para MENEZES LEITÃO, “os contratos sinalagmáticos são sempre onerosos,
uma vez que, ao gerarem obrigações recíprocas para ambas as partes,
implicam sempre atribuições patrimoniais para ambas”146. É cum grano salis
que devem ser entendidos os assertos dos dois Autores.
Com efeito, a prestação pode não ter um conteúdo patrimonial, bastando
que corresponda a um interesse do credor digno de protecção legal (art. 398.º).
Exemplificando, dois indivíduos, outrora desavindos, podem obrigar-se, por
contrato, a retratações recíprocas, pelas injúrias proferidas por cada um contra
o outro. Este contrato é sinalagmático, mas não será oneroso, por dele estar
ausente qualquer vantagem avaliável em dinheiro.
Sem embargo deste e de outros casos de fronteira, a tendência é,
entretanto, a de os contratos sinalagmáticos serem onerosos, não sendo a
inversa verdadeira. A compra e venda vincula as partes às obrigações
estabelecidas nos arts. 874.º e 879.º e, nesta medida, é bilateral. Ela é também
onerosa porque ambos os contraentes atribuem-se reciprocamente vantagens
patrimoniais, com o vendedor a abdicar da coisa e o comprador do preço.
Mas nem todos os contratos onerosos são sinalagmáticos. O mútuo
retribuído é um contrato não sinalagmático, mas oneroso (art.º 1145.º).

144
.- O contrato a favor de terceiro pode ser, simultaneamente, oneroso e gratuito. Cfr. TELLES,
GALVÃO, ob. cit., p.79.
145
.- LEITÃO, MENEZES, ob. cit., pp. 208 e s.
146
.- Neste sentido, TELLES, GALVÃO, ob. cit., p. 81 e LEITÃO, MENEZES, ob. cit., p. 208.

60
A falta de sinalagmaticidade do mútuo retribuído resulta do facto de a
entrega do capital não representar uma obrigação para o mutuante, mas antes
um elemento constitutivo do próprio contrato. A única obrigação existente – a
de restituição do capital e dos juros - pesa sobre o mutuário. O contrato é,
assim, unilateral.
Mas será, entretanto, oneroso, posto que ambos os contraentes colhem
dele atribuições patrimoniais: o proveito patrimonial para o mutuante são os
juros e para o mutuário, a disponibilidade do capital por certo lapso de tempo147
ou vistas as coisas por outro prisma, a privação do capital mutuado por certo
lapso de tempo e o pagamento de juros são os sacrifícios suportados
respectivamente pelo mutuante e pelo mutuário.

10.2.5.- Contratos comutativos e contratos aleatórios

A classificação em apreço restringe-se aos contratos onerosos, na


medida em que na sua base terão que estar duas ou mais atribuições
patrimoniais.
Nos contratos comutativos, todas as atribuições patrimoniais
apresentam-se como certas. Nos aleatórios, todas ou pelo menos uma das
atribuições patrimoniais apresentam-se como incertas, ficando subordinadas a
um acontecimento futuro, quer quanto à sua verificação (contrato de renda
vitalícia), quer no respeitante ao momento dessa mesma verificação (contrato
de seguro).
O jogo e aposta (arts. 1245.º e ss.), a renda vitalícia (arts. 1238.º e ss.), o
seguro (arts. 425.º e ss.) e o risco (arts. 626.º e ss. do Código Comercial), são
exemplos de contratos aleatórios. Em todos eles, os efeitos do contrato ficam
na dependência de um risco. A álea traduzir-se-á na incerteza em relação à
verificação de um facto ou na incerteza relativamente ao momento dessa
verificação.
Em alguns contratos aleatórios, ambas as atribuições apresentam-se
como incertas. A álea, nesta modalidade, é bilateral e o exemplo que a ilustra é
o do contrato de jogo e aposta. Nele, ambas as atribuições patrimoniais estão
sujeitas a uma álea, correndo qualquer uma das partes a possibilidade de
ganho ou de perda.
Quando apenas uma das atribuições patrimoniais se apresenta como
incerta, a álea é, por seu turno, unilateral. Os exemplos temo-los na lotaria, no
contrato de seguro e no de renda vitalícia. A título de exemplo, no contrato de
seguro de responsabilidade civil automóvel, o segurado paga, periodicamente,
um prémio certo e o segurador unicamente indemniza havendo sinistro. A
atribuição patrimonial da seguradora é, nesta medida, incerta.

10.2.6.- Contratos mistos

Nos contratos mistos, fundem-se os regimes de dois ou mais contratos


total ou parcialmente típicos (art.º 405.º/2). A fusão entre um contrato típico e
um atípico conduz a um contrato parcialmente típico, mas já não misto, nos
termos da referida norma.

147
.- TELLES, GALVÃO, ob. cit., pp. 81 e s.

61
Os contratos mistos podem ser múltiplos ou combinados, de tipo duplo
ou geminados, cumulativos, indirectos ou stricto sensu e complementares.
Nos contratos múltiplos ou combinados, uma das partes, contra uma
única prestação comum, vincula-se a uma contraprestação global reconduzível
a dois ou mais tipos contratuais. O exemplo é o da locação de uma casa
mobilada, com o locador a obrigar-se a duas prestações – uma típica do
arrendamento e outra do aluguer -, unicamente contra o pagamento da renda,
pelo locatário (arts. 1022.º e 1023.º).
Os contratos de tipo duplo ou geminados, também conhecidos por
acoplados148 caracterizam-se por, à prestação única de cada uma das partes,
corresponder uma contraprestação de um tipo contratual diferente. O exemplo
seria o do arrendamento de um apartamento (art.º 1022.º), vinculando-se a
arrendatária a prestar a sua actividade laboral (art.º 1152.º) como empregada
de limpeza do prédio. Se a empregada, para além de prestar a sobredita
actividade, tivesse que pagar também uma renda, o contrato seria combinado.
Nos contratos cumulativos, indirectos ou stricto sensu utiliza-se a
estrutura de um dado tipo contratual como plataforma para lograr uma
finalidade característica de outro tipo contratual. O negotium mixtum cum
donatione, a chamada doação mista, em que por via da compra e venda se
alcançam fins típicos da doação, serve de exemplo149.
Nos contratos mistos complementares, fundem-se elementos essenciais
de um tipo contratual com elementos acessórios de outro tipo contratual. O
exemplo é o da venda de uma motorizada, com a obrigação acessória de o
vendedor cuidar da manutenção do veículo.
Os contratos mistos suscitam conflitos entre regimes potencialmente
aplicáveis, em razão do facto de a sua atipicidade resultar da fusão de regimes
de dois ou mais contratos típicos. A busca do regime aplicável é largamente
tributária da qualificação que for dada ao contrato misto, articulada com as
soluções decorrentes das teorias da absorção, da combinação e da analogia.
Na determinação do regime aplicável ao contrato misto, deve-se,
primafacie, ir à lei, para apurar da existência ou inexistência de disciplina
aplicável ao contrato150. Concluindo-se pela inexistência de regime aplicável,
do art.º 1028 pode ser extraído um critério de actuação conducente à absorção
ou à combinação151.
Deste modo, a preponderância dos elementos de um dado tipo
contratual, na esteira do art.º 1028.º/3, resultará na aplicação do respectivo
regime ao contrato misto. A solução passa, assim, pela teoria da absorção que
preconiza a aplicação, a todo o contrato, do regime correspondente à
prestação típica principal.
A inexistência de qualquer predomínio de uma prestação sobre as
demais pode conduzir à aplicação concertada dos vários regimes típicos que

148
.- COSTA, ALMEIDA, ob. cit., pp. 338 e 369. O Autor qualifica o contrato-promessa unilateral
remunerado como um contrato misto, havendo, de um lado a obrigação de contratar, típica do
contrato-promessa, e, do outro, a de remunerar, típica de um contrato inominado. A proposição
é deveras duvidosa, porquanto, da fusão de um contrato nominado típico com um inominado,
resulta um contrato atípico, mas já não um contrato misto. A isso opõe-se o próprio conceito de
contrato misto que o Autor produz a pgs. 337 e a letra do art.º 405.º/2.
149
.- VARELA, ANTUNES, ob. cit. vol. I, pp. 295 e ss.
150
.- VARELA, ANTUNES, ob. cit. vol. I, pp. 290 e ss.
151
.- LEITÃO, MENEZES, ob. cit., p.215.

62
lhes correspondem. A solução brota do art.º 1028.º/1, estruturado na linha da
teoria da combinação.
Tendencialmente, os contratos múltiplos ou combinados e os de tipo
duplo ou geminados reclamam-se, em termos de regime, da teoria da
combinação. Os cumulativos, indirectos ou stricto sensu e os complementares,
também por tendência, seriam disciplinados pelo recurso à teoria da absorção.
Assim, no negotium mixtum cum donatione, o regime da doação absorveria o
da compra e venda.
Em ambos os casos e desde que a própria economia do contrato aponte
em sentido diverso, a tendência pode ser quebrada.
Já a teoria da integração analógica considera o contrato misto como
totalmente atípico, obnubilando, de todo em todo, o facto de ele ser a
resultante de dois ou mais contratos típicos. Em termos de disciplina, seriam
aplicadas as normas gerais, mas, quanto aos seus aspectos específicos,
haveria verdadeiras lacunas, a integrar analogicamente.
Nestes termos, dever-se-ia encarar a hipótese de a disciplina de um
dado contrato típico ser analogicamente aplicada ao contrato misto, atentos à
identidade de interesses. Impossibilitada a analogia, importaria “encontrar, no
quadro da situação concreta, a disciplina mais razoável, partindo das
valorações e interesses envolvidos, da função económico-social do negócio, da
vontade real e hipotética das partes, subordinada à boa fé ( cfr. art. 239.ª)”152.
Pode duvidar-se da procedência e utilidade da teoria da analogia.
Em primeiro lugar, ela desvirtua a natureza do contrato misto,
considerando-o como um qualquer contrato atípico, quando, em bom rigor, ele
é a resultante de dois ou mais contratos típicos. Por outro lado, a teoria não
permite a individualização das normas aplicáveis, exaurindo-se, antes, na
fundamentação dessa aplicação que é a própria analogia153.

10.2.7.- União de contratos

A união de contratos distingue-se dos contratos mistos. Nela, os


contratos mantêm a sua individualidade, conservam a sua identidade e os
vários regimes não se fundem, mas cumulam-se.
A união, também denominada coligação ou junção de contratos, pode
ser externa ou acidental, interna ou essencial e alternativa.
Na união externa, dois ou mais contratos estão ligados acidentalmente,
em razão de terem sido celebrados ao mesmo tempo, pelos mesmos sujeitos e,
não raras vezes, por constarem do mesmo documento. São completamente
autónomos e cada contrato segue o seu regime. O exemplo é o de alguém que
vai a cantina da Universidade e compra simultaneamente um livro, uma
esferográfica e um caderno. Há, aqui, três contratos perfeitamente autónomos
e a união só resulta do facto de terem sido celebrados ao mesmo tempo e
pelos mesmos sujeitos.
Na união interna, também denominada união com dependência154, o
laço entre os contratos é de subordinação. A validade e vigência de cada um
dos contratos ficam na dependência da validade e vigência do outro. São
contratos associados economicamente, mas a cada um deles será aplicado o

152
.- COSTA, ALMEIDA, Direito das Obrigações cit., pp. 340 e s.
153
.- LEITÃO, MENEZES, ob. cit., p.214.
154
.- TELLES, GALVÃO, Direito das Obrigações cit., p. 71.

63
correspondente regime. É o caso de alguém só adquirir um dado televisor se
simultaneamente lhe for vendido um DVD.
Na união alternativa, as partes declaram celebrar um ou outro contrato,
consoante se dê ou não certa condição. Os vários contratos estão pois na
dependência de um evento futuro e incerto. Verificada a condição, um dos
contratos some de cena e outro reputa-se celebrado. O exemplo é o do
funcionário que, na iminência de ser transferido, declara celebrar contrato de
arrendamento, no Huambo ou no Lubango, com a condição de apenas
prevalecer o relativo à cidade para que for efectivamente transferido.

10.2.8.- Contratos obrigacionais e reais quanto aos efeitos

Em termos de eficácia jurídica, os contratos podem ser obrigacionais,


reais quoad effectum, familiares, sucessórios, etc. É uma classificação que
atende aos efeitos que o contrato despoleta, interessando-nos, nesta sede,
unicamente as duas primeiras categorias.
Os contratos são obrigacionais ou reais consoante originem, modifiquem,
transmitam ou extingam direitos de crédito ou direitos reais. Os contratos reais
quanto aos efeitos recebem igualmente o nome de contratos com eficácia real.
A regra é a de a transmissão dos direitos reais operar por mero efeito do
contrato (art.º 408.º/1). A norma consagra o sistema do título, i.e., a
transmissão dos direitos reais basta-se apenas com o contrato, independendo
de qualquer acto posterior.
Basta, assim, o contrato para que o adquirente se converta em
proprietário. Mas importa, para o efeito, que as coisas sejam presentes,
determinadas e autónomas. Coligados estes requisitos, o adquirente torna-se
titular do direito real, passando o risco da perda ou deterioração da coisa
objecto do direito a correr por conta do proprietário, a partir do momento da
celebração do contrato (art.º 796.º/1), salvo se derivar de causa imputável ao
alienante.
A eficácia dos contratos reais pode não ser imediata, como sucede
quando incidem sobre coisas futuras, indeterminadas, frutos naturais ou partes
componentes e integrantes (art.º 408.º/2). A transferência do direito de
propriedade é, nestes casos, diferida para um momento ulterior ao da
celebração do contrato.
Sendo a coisa relativa ou absolutamente futura (art.º 211.º), o momento
da aquisição da propriedade é respectivamente o da aquisição derivada ou o
da aquisição originária do direito sobre a coisa pelo alienante.
Consequentemente, o risco, apenas nesse momento, passa a correr por conta
do adquirente.
Quanto às coisas indeterminadas, a transferência dá-se com a respectiva
determinação, com conhecimento de todas as partes155. Deste regime são
exceptuadas as obrigações genéricas (arts. 539.º e ss.) e a empreitada (art.º
1241.º/1), mas já não as obrigações alternativas (arts. 543.º e ss.).
Tratando-se de frutos naturais, a transferência ocorre no momento da
colheita. A partir desse momento, o risco passa a correr por conta do
adquirente. Se forem partes componentes ou integrantes, a transferência
ocorre com a respectiva separação da coisa composta ou principal a que
155
.- O art.º 408.º/2 refere-se a “ambas as partes”. Como o contrato pode ser plurilateral,
preferível seria dizer “todas as partes”.

64
estavam ligadas. É também a partir de tal instante que o risco se transfere para
o adquirente.
Nas soluções documentadas no art.º 408.º/2, protela-se, como
sublinhámos, a transferência da propriedade para um momento ulterior. Tal
transmissão, embora mediata, continua, no entanto, a ser uma consequência
directa do contrato, posto não ser necessário qualquer outro acto posterior do
alienante.

10.2.8.1.- A cláusula de reserva da propriedade

Vem de ser apontado que os contratos de alienação de coisa presente,


determinada e autónoma implicam a imediata transferência da propriedade
(art.º 408.º/1). Mas a regra não é, entretanto, injuntiva, na medida em que pode
ser afastada, pela aposição de uma cláusula de reserva da propriedade
(pactum reservati dominii).
A cláusula confere, ao alienante, a faculdade de manter, na sua
titularidade, a propriedade da coisa até ao cumprimento, total ou parcial, das
obrigações que impendem sobre a contraparte ou até à verificação de qualquer
outro evento (art.º 409.º/1), como por exemplo a realização de uma prestação a
favor de terceiro.
A compra e venda a prestações – o art.º 934.º faz referência à venda a
prestações com reserva de propriedade - ou com espera de preço é o terreno
de eleição da cláusula. A sua aposição tem o escopo de acautelar o alienante
em relação aos elevados riscos decorrentes de uma tal modalidade de venda.
A cláusula protege o alienante e facilita a concessão do crédito.
Com efeito, o proprietário, com a celebração do contrato, passa, pela
regra do art.º 408.º/1, a ser um mero credor quirografário, pelo que, não
havendo qualquer causa de preferência, o vendedor deterá apenas um direito
de crédito. A única garantia é o património do comprador (art.º 601.º) e se os
credores comuns forem vários entrará em cena o concurso de credores (art.º
604.º). O mais frustrante e iníquo analisar-se-ia na hipótese de a coisa vendida
ser o único bem existente no sobredito património e serem vários os credores.
Perante um património insuficiente para responder por todas as dívidas, ao
vendedor, nas vestes de credor comum, nada mais restaria que a sujeição à
regra do rateio, nos termos do art.º 604.º.
Este cenário, associado ao constrangimento estabelecido no art.º 886.º -
a ratio desta disposição é a de facilitar a transmissão de bens, evitando
reversões - tornou recorrente o emprego de cláusulas de reserva da
propriedade.
A convenção que manda reservar a propriedade para o alienante pode
ser referida a qualquer coisa. Tratando-se de imóveis ou de móveis sujeitos a
registo, só a cláusula constante de registo é oponível a terceiros (art.º 409.º/2).
Nos demais casos, isto é, nas hipóteses de móveis não sujeitos a registo,
a cláusula é sempre oponível a terceiros. Alegar a sua inoponibilidade a
terceiros de boa fé, como o faz ROMANO MARTINEZ, inutiliza o efeito prático
assinalado à referida cláusula, na venda de móveis não sujeitos a registo156.
Com efeito, a cláusula de reserva de propriedade mantém o direito de
propriedade sobre a coisa móvel, na esfera do vendedor. Nada justifica, neste
156
.- MARTINEZ, ROMANO, ob. cit., pp. 140 e s. Cfr., de resto, os reparos que acertadamente
faz LEITÃO, MENEZES, in. ob. cit., p. 201, nt. 394.

65
domínio, a intervenção de quaisquer excepções à regra do nemo plus iuris in
alium transferre quam ipse habet. A lei, quando protege terceiros de boa fé,
cuida de tomar posição expressa nesse sentido, como ocorre nos artigos 243.º
e 291.º. A pretensa inoponibilidade colidiria, deste jeito, com o direito de
sequela, justamente lá onde não se divisam razões para afastá-lo.
Quanto à natureza jurídica da cláusula, importa sublinhar que ela não se
assimila à condição (art.º 270.º e ss.), seja ela suspensiva – a tese da condição
suspensiva tem em GALVÃO TELLES e ANTUNES VARELA dois dos seus
defensores157 - ou resolutiva – a posição da condição resolutiva foi sustentada
por CUNHA GONÇALVES158.
A primeira subordina a transmissão da propriedade ao pagamento do
preço ou à verificação do evento, pondo o risco a correr por conta do vendedor
(art.º 796.º/3, in fine). A solução não satisfaz, maxime quando o comprador está
já investido nos poderes de uso e fruição.
Na tese da qualificação da convenção como condição resolutiva, o
comprador ficaria logo investido na titularidade do direito de propriedade. O
inadimplemento da obrigação, isto é, a verificação da condição, importaria,
porém, a resolução do contrato, com efeitos ex tunc. Consequentemente, a
propriedade reverteria para a titularidade do vendedor.
De lege ferenda, esta seria, para efeitos de risco, a solução mais
congruente, em razão da doutrina expendida no artigo 796.º/3, primeira parte.
A tese encontra, porém, um obstáculo intransponível, no art.º 409.º/1 que
preceitua, expressis verbis, a reserva da propriedade da coisa para o
alienante159.
De qualquer forma, a subordinação dos efeitos do negócio ao
cumprimento de uma obrigação não é uma condição. A condição é algo de
exterior ao negócio, ao passo que o cumprimento de uma obrigação é um
efeito essencial, nada tendo de extrínseco relativamente ao negócio.
A solução mais ajustada é a que considera ambos os intervenientes
como titulares de situações reais. A cláusula investe o comprador numa
posição de domínio sobre a coisa, com os poderes de usar e fruir a coisa. O
poder de disposição mantém-se, por seu turno, na esfera do alienante, para
efeitos de garantia.
Na senda da concepção risco-proveito, o comprador suporta o
perecimento ou deterioração da coisa, posto que, para a sua esfera, são
carreadas as vantagens da coisa. A perca ou deterioração da coisa, para o
vendedor, há-de implicar unicamente o risco da extinção da garantia160que era
o único proveito que dela retirava.
A entrega da coisa deve ser interpretada no sentido da transferência da
posse e por consequência do risco. O gozo da coisa, pelo adquirente, justifica
que a assunção do risco passe a correr por conta deste. O risco está associado
à titularidade das vantagens sobre uma coisa. Dito de outro jeito, a traditio
investe o adquirente nessas vantagens161, não ficando exonerado do
pagamento do preço em caso de perda ou deterioração fortuita da coisa.
157
.- TELLES, GALVÃO, ob. cit., pp. 67 e s. e VARELA, ANTUNES, ob. cit., p. 305.
158
.- GONÇALVES, CUNHA, Tratado de Direito Civil em comentário ao Código Civil Português,
VIII, Coimbra, Coimbra Editora, 1934, p. 349.
159
.- Igualmente, o art.º 304.º/3 não permite uma tal qualificação, por admitir a possibilidade de
o vendedor exigir a reversão da coisa.
160
.- Cfr. LEITÃO, MENEZES, ob. cit., p. 204.
161
.- Cfr. MARTINEZ, ROMANO, ob. cit., p. 141.

66
10.2.9.- Contratos consensuais e reais quanto à constituição

Numa classificação reportada ao modo de formação, os contratos podem


ser descompartimentados em reais quanto à constituição e em consensuais. A
classificação é tributária dos contratos re do Direito romano, nomeadamente do
pignus, comodatum, mutuum e depositum. Em todos eles, era exigida a
entrega da coisa para serem dados como aperfeiçoados.
Nos contratos reais quanto à constituição (quoad constitutionem), aos
requisitos comuns a todos os contratos, acresce a traditio rei. A entrega da
coisa deles objecto é um elemento integrante da formação do acordo. A datio
rei vê-se deslocada da fase da execução para a da formação do acordo.
Os contratos consensuais são, por seu turno, os não reais quanto à
constituição, i.e., os que, para a respectiva formação, dispensam a traditio rei.
A existência do próprio contrato não supõe, nestes casos, a entrega da coisa,
sendo um simples efeito da convenção.
Os contratos reais quanto à constituição são, na nossa ordem jurídica, o
penhor de coisas (art.º 669.º), o comodato (art.º 1129.º), o mútuo (art.º 1142.º),
o depósito (art.º 1185.º), a parceria pecuária (art.º 1121.º), a doação verbal de
coisas móveis (art.º 947.º/2) e o reporte (art.º 447/§ único do Código Comercial).
Nas descrições dos sobreditos tipos contratuais, a entrega da coisa é um
requisito do próprio contrato, ao contrário do que, v.g., acontece no art.º 879.º,
em que a mesma entrega corresponde a um mero efeito da obrigação
Em derradeira análise, à exigência da traditio rei pode ser determinada
por razões de índole histórica, de reflexão ou de publicidade. A exigência da
traditio, nos contratos de comodato, mútuo e depósito seria ditada por razões
do primeiro tipo, ao passo que a ponderação estaria à montante da doação
verbal de bens móveis. No caso no penhor de coisas, a publicidade do acto
seria a razão da exigência da entrega, nos moldes apontados162.
A propósito destes contratos, existe alguma controvérsia em relação a
sua admissibilidade sem a traditio rei. Alguma doutrina questiona-se sobre a
utilidade da traditio rei e se ela não seria mesmo dispensável, na esteira da
liberdade contratual. Não existe uma communis opinio em relação à questão163.

11.- Contrato-promessa

Não raras vezes, é impossível ou não há interesse na celebração imediata de


um negócio manifestamente proveitoso. Inúmeros razões podem concorrer
para o facto de as partes não concluírem, de imediato, o negócio.
A prática revela que a celebração do negócio definitivo pode ser
protelada, ou porque faltam, na altura, os recursos financeiros necessários, ou
porque não podem, de momento, ser oferecidas as garantias exigidas, ou
porque há documentos por aprontar, ou ainda porque se põe a necessidade de
um lapso temporal para ponderar das vantagens e desvantagens dele
decorrentes, etc.

162
.- Cfr. MARTINEZ, ROMANO, ob. cit., p. 143.
163
.- Cfr. COSTA, ALMEIDA, ob. cit., pp. 255 e ss. e LEITÃO, MENEZES, ob. cit., pp. 194 e ss.
Apreciadas as duas posições sobre o assunto, o último Autor conclui pela utilidade dos
contratos reais quanto à constituição, recusando a possibilidade de se constituírem como
consensuais, ao passo que o primeiro propende para uma resposta afirmativa.

67
Qualquer das partes pode, entretanto, querer garantir a realização do
negócio, vinculando-se a celebrá-lo, no futuro. Os contraentes164 obrigam-se,
então, a celebrar, no devir, o contrato cuja outorga é, de momento, impossível
ou não desejada. Os contraentes recebem o nome de promitentes se ambos
ou todos se vinculam a celebrar o contrato prometido. Quando uma das partes
não se vincula a fazê-lo recebe o nome de promissário.
A convenção pela qual as partes, ou apenas uma delas, se obrigam a
celebrar, no futuro, determinado negócio jurídico recebe, deste modo, o nome
de contrato-promessa (art.º 410.º/1). A convenção cria a obrigação de
contratar165 ou, dito de outro modo, a obrigação de emitir a declaração de
vontade correspondente ao negócio prometido. Não se trata de uma proposta
contratual ou de um mero projecto de contrato, mas de um contrato totalmente
aperfeiçoado.
O “pactum de contrahendo”, conhecido, noutros contextos normativos,
por vorvertrag oucontrato anterior, avant contrat ou antecontrato, pré-contrato,
contrato de conclusão, “contratto preliminare” ou ainda por contrato
preparatório166, seria, em bom rigor, melhor designado pela locução “contrato-
promessa de contratar”.
Todavia, a locução “contrato-promessa” corresponde à designação legal,
sendo também a mais consagrada, não só ao nível da jurisprudência e da
doutrina como, inclusivamente, no plano da linguagem corrente. Não raras
vezes, usa-se apenas o termo “promessa” para designar o contrato em apreço
(art.º 411.º).
O contrato visualizado recebe o nome de “contrato prometido” ou
“contrato definitivo” ou ainda “contrato principal”. Contudo, principal e definitivo
também o é o contrato-promessa, dado não ser acessório do prometido, nem
provisório167.
O objecto do contrato-promessa não se confunde com o do contrato
prometido. A conclusão deste último é o objecto da promessa. Os contraentes
protelam a outorga do contrato prometido, vinculando-se a uma prestação de
facere. Exemplificando, num contrato-promessa de compra e venda bilateral,
as prestações a que as partes ficam adstritas consubstanciam-se na outorga
do futuro contrato, como comprador e como vendedor, respectivamente.
A promessa pode ser relativa a qualquer contrato definitivo, seja ele
nominado ou inominado, típico ou atípico.

14.1.- Regime jurídico do contrato-promessa

Os três ciclos normativos principais dedicados ao contrato-promessa


repartem-se pelos arts. 410.º a 413.º, pelo art.º 830.º e pelos arts. 440.º a
442.º168.

164
.- A parte vinculada pode ser apenas uma.
165
.- No contrato-promessa, as partes podem visar um negócio jurídico unilateral, como ocorre
na promessa de outorga de uma procuração em que o representante se ache também
interessado. Cfr. TELLES, GALVÃO, Manuel de Direito das Obrigações, tomo I, 2.ª edição,
Coimbra, 1965, p.101, nt. 1.
166
.- Cfr., por todos, ALMEIDA COSTA, ob. cit., p. 344, nt. 3.
167
.- Numa linha diversa, ver MARTINEZ, ROMANO, ob. cit., pp. 155 e s., referindo a existência
de uma relação de dependência da promessa em relação ao contrato prometido.
168
.- Cfr. COSTA, ALMEIDA, ob. cit., p. 347. O Autor, cremos que por lapso, omite o art.º 440.º.
Mas, a pgs. 379, chama a norma em causa à colação.

68
A directiva estabelecida pela lei, quanto ao regime aplicável ao contrato-
promessa, consubstancia-se no princípio da equiparação. Nestes termos, para
além das normas respeitantes aos contratos em geral, aplicam-se, à promessa,
as regras relativas ao contrato prometido (art.º 410.º/1).
Pelas regras gerais do contrato, hão-de ser apreciadas vertentes
relativas aos requisitos do objecto do negócio jurídico, à capacidade das partes,
aos vícios na formulação e na formação da vontade, à resolução, etc. A
aplicabilidade das regras do contrato prometido há-de determinar, por outro
lado, que a disciplina legal típica do contrato prometido se aplique à promessa
que vise a respectiva celebração.
O princípio da equiparação conhece, entretanto, duas excepções,
designadamente no respeitante à forma e no concernente às disposições que,
pela sua razão de ser, não são extensíveis ao contrato-promessa.
Em termos de forma, se o contrato definitivo exigir documento
autêntico – v.g., escritura pública – ocorre, então, o primeiro desvio ao princípio
da equiparação. Em tais casos, o contrato-promessa tem de ser formalizado
mediante escrito particular, subscrito pelas partes ou pela única parte que se
vincula, se a promessa for unilateral (art.º 410.º/2).
A segunda restrição ao princípio da equiparação resulta da
inaplicabilidade ao contrato-promessa das normas que, pela sua ratio essendi,
apenas são extensíveis ao contrato prometido. Há normas que, pelo seu
fundamento, unicamente têm cabimento no plano do contrato prometido.
Como vem de ser apontado, do contrato-promessa decorrem prestações
de facto. Deste modo, todas as normas que postulem prestações de coisa são,
desde logo, inaplicáveis ao contrato-promessa.
Por exemplo, os arts. 408.º/1, 879.º, 954.º, 1031.º/a), 1038.º/i), etc., por
não se conciliarem com a natureza do contrato-promessa, são afastados do
respectivo regime. Também as normas que, nos contratos de alienação, se
reportam ao risco do comprador pelo perecimento da coisa, como o art.º
796.º/1, não se aplicam ao contrato-promessa.
Em suma, as regras pertinentes aos efeitos decorrentes do contrato
prometido são inaplicáveis ao contrato-promessa.
A restrição que vem de ser indicada permite, igualmente, explicar a
validade do contrato-promessa de venda de bens alheios, bem como a
inexistência de obstáculos à celebração de dois contratos-promessa
incompatíveis sobre a mesma coisa.
A venda de bens alheios, quando o vendedor careça de legitimidade
para o fazer, é ferida de nulidade (art.º 892.º), mas já não o contrato-promessa
a ela concernente. A legitimidade é um atributo indispensável do alienante ou
disponente para a eficácia de negócios de alienação ou de oneração de
direitos reais. No contrato-promessa constituem-se, porém, meras obrigações
de contratar e, em relação a estas, não se põe tal requisito. Se mesmo sem
bens, podem ser contraídas dívidas169, então e por identidade de razão, a
inexistência de bens, numa dada esfera jurídica, não impede a promessa da
sua alienação ou oneração.
Em derradeira análise, ou o promitente cumpre porque, entretanto, se
tornou proprietário da coisa, ou não o faz porquanto alheia continua a coisa,
sendo então civilmente responsável pelo inadimplemento da promessa. De
resto, ninguém o manda vincular-se temerariamente.
169
.- LEITÃO, MENEZES, ob. cit. p. 220

69
Também a celebração de dois ou mais contratos-promessa
incompatíveis sobre a mesma coisa é admissível por gerar unicamente deveres
de contratar. Os direitos subjectivos a eles correlatos não se hierarquizam pela
regra prior tempore potior jure. São meros direitos de crédito que, em pé de
igualdade, concorrem sobre o património do devedor (art.º 604.º/1). O
cumprimento de uma das promessas ou a execução específica de uma delas
há-de implicar o inadimplemento da outra, com a consequente indemnização.
Pode, igualmente, um dos cônjuges celebrar um contrato-promessa de
alienação ou oneração relativo aos bens indicados no art.º 56.º/3 do C.F.,
mesmo sem o consentimento do outro cônjuge. A ilegitimidade conjugal
unicamente inquina o negócio prometido de alienação ou oneração dos
referidos bens e não já o contrato-promessa que lhes serve de antecâmara.
Do contrato-promessa só derivam direitos de crédito que não importam
qualquer alienação ou oneração dos bens apontados. O requisito da
legitimidade conjugal só se põe em relação ao contrato prometido. Só por
referência a este, ganham sentido os conceitos de alienação e oneração. A não
celebração do contrato prometido implica a responsabilização do promitente,
ainda que o inadimplemento decorra da recusa do outro cônjuge na outorga.

14.2.- Forma do contrato-promessa

Em matéria de forma, o princípio da equiparação não conhece qualquer


desvio, quando o contrato prometido é consensual ou exija escrito particular.
No primeiro caso, não se impõe a observância de qualquer requisito de
forma quer para o contrato-promessa (art.º 410.º/2, a contrario), quer para o
contrato prometido. No segundo, é ainda o princípio da equiparação que
pontifica (art.º 410.º/2), posto que tanto a promessa como o contrato prometido
terão de ser reduzidos a escrito particular. O documento particular em que se
contém a promessa deve ser firmado pelos promitentes.
Se, em termos de forma, o contrato prometido exigir, porém, documento
autêntico – v.g., escritura pública – ocorre, então, o primeiro desvio ao princípio
da equiparação. Em tais casos, o contrato-promessa tem de constar de escrito
particular, subscrito pelas partes ou pela única parte que se vincula, se a
promessa for unilateral (art.º 410.º/2).
No contrato-promessa unilateral, basta a assinatura do promitente170.
Dispensa-se a do promissário, mesmo nas hipóteses em que o contrato-
promessa é remunerado. A remuneração da promessa unilateral representa
uma estipulação lateral, que, para a validade da obrigação dela decorrente,
não requer forma especial, bastando-se com a consensualidade (art.º 219.º)171.
Quanto à forma, importa atender ainda ao contrato-promessa dotado de
eficácia real. Na senda do art.º 413.º, a oponibilidade erga omnes do direito real
de aquisição procedente da promessa, para além de outros requisitos, carece
da redução das declarações das partes a escritura pública172.
170
.- Em sentido contrário, vide TELLES, GALVÃO, ob. cit., pp. 84 e ss., advogando a tese da
dupla assinatura, mesmo para os contratos unilaterais.
171
.- Neste sentido, vide COSTA, ALMEIDA, ob. cit., p. 369. Cfr., também, TELLES, GALVÃO,
ob. cit., pp. 99 e s.
172
.- O referido preceito acaba por postular, para a promessa que verse sobre móveis sujeitos a
registo, a observância de forma mais solene, comparativamente à requerida para o contrato
prometido. Numa eventual revisão do Código, seria aconselhável um abaixamento do requisito
de forma para a promessa relativa às sobreditas coisas.

70
A inobservância da forma prescrita no art.º 410.º/2 desencadeia, em
princípio, a nulidade, nos termos do art.º 220.º. A solução pode, todavia, ser a
da conversão ou a da redução (arts. 292.º e 293.º)
Com efeito, quando o contrato bilateral formal é subscrito por uma única
parte, quatro podem ser as soluções preconizadas pela doutrina: a invalidade
total do contrato, a transformação automática e sem qualquer mediação do
contrato promessa bilateral em unilateral, a conversão e a redução173.
A tese da automática validade da promessa, postula a sua transmutação,
sem mais indagações, em promessa unilateral. O único vinculado passa a ser o
subscritor do documento e o que não o firmou vira a mero beneficiário.
A injustiça deste desenlace radica no facto de a convolação, num passe
de mágica, a obrigado único ser passível de não corresponder à intenção da
parte vinculada. Ademais, bem pode suceder que a falta de assinatura não lhe
seja assacável ou que até seja imputável à contraparte que não firmou o
documento. A tudo isto, acresce a falta de preceito que estatua uma tal
convolação.
A tese da invalidade total do contrato sustenta que a assinatura de
ambas as partes é um dos requisitos indispensáveis de validade do contrato-
promessa. A falta de uma das firmas precludiria a possibilidade de
aproveitamento da promessa.
No contrato-promessa bilateral, a invalidade de uma das obrigações teria
de afectar a outra, em razão do sinalagma genético que não pode ser válido
unicamente pela metade. Nestas hipóteses, não faria qualquer sentido chamar
à colação os expedientes da conversão ou da redução, salvo nos casos em
que a vontade das partes apontasse indubitavelmente nessa direcção.
A tese da invalidade total da promessa não firmada por uma das partes
corporiza uma solução, de algum modo, extremada e, portanto, merecedora de
rejeição, em razão dos motivos que aduziremos já de seguida.
A conversão é, por seu turno e com algum fulgor, sustentada por
GALVÃO TELLES, como a saída preferível. Para este Autor, no texto do
contrato devem-se fundir ambas as declarações de vontade, através das
assinaturas respectivas. Faltando uma das assinaturas, o negócio não seria
parcialmente nulo, mas nulo na sua totalidade, pelo que não haveria redução.
A redução seria um expediente, de per si, iníquo, por fazer recair sobre o
subscritor o onus probandi, com todas as suas vicissitudes e peso, quando o
correcto seria fazê-lo recair sobre a contraparte. O subscritor, não conseguindo
provar que o contrato não teria sido celebrado sem a parte afectada, ver-se-á
compelido a outorgar o contrato prometido, sem possibilidades de exigir o
mesmo da contraparte174.
A solução passaria, assim, pela conversão da promessa bilateral
inválida em promessa unilateral válida. A promoção da conversão estaria a
cargo do não subscritor, mediante prova em como o fim prosseguido pelas
partes permite supor que elas teriam querido um contrato unilateral, vinculando
unicamente o subscritor, se houvessem previsto a nulidade da promessa
bilateral175.

173
.- LEITÃO, MENEZES, ob. cit., pp. 222 e s.
174
.- Cfr. TELLES, GALVÃO, ob. cit., pp. 92 e ss.
175
.- Cfr. TELLES, GALVÃO, ob. cit., pp. 92 e ss.

71
A tese da conversão, pressupondo a nulidade total do contrato, não se
apresenta como a solução mais satisfatória176. A da redução parece melhor
dotada para responder às interrogações que o ponto coloca, desde que a isso
se não oponha o art.º 292.º.
Com efeito, nas hipóteses que vêm de ser enunciadas, apenas uma
parte do contrato é afectada. Nestas hipóteses, postula-se, como princípio, a
excisão da parte viciada – a declaração não firmada -, aproveitando-se a parte
válida do negócio jurídico - a declaração firmada. A invalidade formal da
promessa bilateral pode ser reportada a cada uma das partes. A vinculação de
um dos obrigados seria formalmente válida e a da contraparte formalmente
inválida.
Se tal invalidade se comunica ou não à parte sadia, a resposta terá de
ser encontrada em sede do art.º 292.º e não já a partir de qualquer posição
apriorística relativamente ao carácter sinalagmático do contrato-promessa
bilateral. De resto, apenas por via da redução, se preserva o mecanismo do
sinal. A conversão, ao pressupor a invalidade total do contrato, implica a
extinção do sinal, enquanto cláusula acessória típica. A tese da redução
permite já a subsistência da sanção do sinal em relação à parte vinculada à
celebração do contrato prometido177.
Em suma, utile per inutile non vitiatur.
A inobservância da forma prescrita, quando o contrato-promessa é
unilateral ab initio, importa, por seu turno, a respectiva nulidade.
A inobservância da forma prescrita para a promessa com eficácia real
implica a sua qualificação como contrato-promessa dotado de eficácia
meramente obrigacional. A promessa será válida com este alcance, salvo se
não forem, por seu turno, acautelados os requisitos de forma fixados no art.º
410.º/2, nas hipóteses abarcadas pela referida norma178.

14.3.- Espécies de contrato-promessa

O contrato-promessa pode ser bilateral ou unilateral, consoante ambos


os contraentes ou apenas um deles se vinculem a celebrar o contrato
prometido. Na promessa unilateral ou não sinalagmática, apenas uma das
partes se obriga, mas a outra terá que manifestar a aceitação da obrigação,
sob pena de se estar ante uma mera proposta contratual.
A exemplificar a primeira modalidade, temos o caso de o promitente-
vendedor se obrigar a alienar o imóvel e o de o promitente-comprador se
vincular a adquiri-lo. Já no caso de o proprietário do imóvel se obrigar a vendê-
lo à contraparte, sem que esta se vincule a comprá-lo, exemplifica a segunda
modalidade. Nesta última hipótese, o promissário mantém a liberdade de
celebração do contrato.
O art.º 410.º/2 versa sobre a promessa bilateral, a modalidade mais
recorrente. Do art.º 411.º resulta a admissibilidade de contratos-promessa
unilaterais.

176
.- LEITÃO, MENEZES, ob. cit., p. 226.
177
.- LEITÃO, MENEZES, ob. cit., p. 226 e s.
178
.- Não é de abraçar a solução apontada por ROMANO MARTINEZ – vide MARTINEZ,
ROMANO, ob. cit., p. 152 - para a inobservância da forma estabelecida para a promessa
dotada de eficácia real. A nulidade só operará nos casos em que nem os requisitos fixados no
art.º 410.º/2 se verificam.

72
O contrato-promessa unilateral não se confunde com a proposta
contratual. Aqui, é necessária a aceitação para se aperfeiçoar o contrato, ao
passo que, lá, temos um contrato perfeito. Na promessa unilateral, os
contraentes, ao celebrarem o contrato prometido, terão de exarar, novamente,
as declarações negociais a ele correspondentes.
O contrato-promessa é também distinto do pacto de opção. Neste, uma
das partes exara, desde logo, uma declaração a que, irrevogavelmente, fica
adstrita, mantendo a contraparte a liberdade de a aceitar ou declinar o contrato,
dentro de certo prazo. O exemplo é o do comerciante que permite que o cliente
leve a mercadoria comprada, com a faculdade de a devolver, desistindo do
contrato.
Nestas hipóteses, o aperfeiçoamento do contrato só sai da precariedade
com a aceitação, não sendo necessária uma nova manifestação de vontade do
proponente. Uma outra distinção reside no facto de, no contrato-promessa,
existir um direito de crédito, enquanto, no pacto de opção, está patente um
direito potestativo179.
Na promessa unilateral, a despeito de o promissário não estar vinculado
a celebrar o contrato definitivo, bem pode suceder que assuma obrigações de
outra índole para com o promitente. Assim, pelos sacrifícios ou desvantagens
incidentes sobre o promitente pode o promissário remunerá-lo. Os benefícios
ou vantagens advenientes da vinculação serão a razão de ser da retribuição.
O exemplo é o de alguém prometer vender a outrem um imóvel por certo
preço, sem que a contraparte prometa, por seu turno, adquiri-lo, estipulando-se
ainda a manutenção da promessa por cinco anos. O promitente fica com o
gravame de manter imobilizado o bem, na sua esfera jurídica, não podendo
aliená-lo a outrem, sob pena de indemnização, ao que acresce o dever de ter
de manter o preço convencionado, recusando, porventura, propostas mais
sedutoras.
Para compensá-lo, podem as partes fixar um preço de imobilização,
também conhecido por indemnização de imobilização, a cargo do
promissário180.
A remuneração da promessa unilateral converte o contrato em oneroso,
mas, nem por isso o transforma em bilateral ou sinalagmático, posto que as
duas obrigações não se situam ao mesmo nível. A do promitente é primária, ao
passo que a do promissário é secundária, não havendo correspectividade entre
elas181.
O sacrifício consentido pelo promissário – a remuneração - tem o seu
correspectivo no sacrifício consentido pelo promitente – a imobilização da coisa,
na sua esfera. Nisto consiste a onerosidade da promessa unilateral
remunerada.

179
.- COSTA, ALMEIDA, ob. cit., pp. 346 e s.
180
.- Cfr. VARELA, ANTUNES e LIMA, PIRES DE, Código Civil cit., p. 377 e LEITÃO,
MENEZES, ob. cit., p. 221.
181
.- COSTA, ALMEIDA, ob. cit., pp. 368 e s. O Autor, numa proposta densa de dúvidas,
considera, a pgs. 368 e conforme já assinalámos, a promessa unilateral remunerada como um
contrato bilateral, assevera, a pgs. 369, da sua unilateralidade e admite a possibilidade de
estarmos, nestas hipóteses, ante um contrato misto de tipo duplo, em que, “de um lado, existe
uma obrigação própria de um contrato-promessa e, do outro lado, uma obrigação
correspondente a um contrato inominado”. A exposição de GALVÃO TELLES, sobre a matéria,
igualmente sustenta, numa posição que não é isenta de interrogações, a bilateralidade de tais
contratos. Cfr. TELLES, GALVÃO, ob. cit., pp. 100 e s.

73
Do art.º 411.º resulta ainda que, não havendo prazo fixado para a eficácia
do vínculo, o promitente pode requerer ao tribunal a fixação de um prazo para
o exercício do direito à celebração do contrato prometido, sob pena de
caducidade. A ratio é a de afastar hipóteses de vinculação indefinida do
promitente.
No concernente à sua eficácia, os contratos-promessa podem ainda ser
classificados em meramente obrigacionais ou com eficácia real (art.º 413.º),
conforme melhor se apreciará na rubrica seguinte.

14.4.- Eficácia real da promessa

O contrato-promessa, por norma, gera efeitos meramente obrigacionais. A


regra nem sequer é subvertida pelo facto de o contrato prometido vir a ter
eficácia real. Os efeitos do contrato-promessa são, em princípio, restritos às
partes, isto é, para terceiros, a convenção é res inter alios.
A promessa cria, para o promitente, a obrigação de exarar a declaração
negocial correspondente ao contrato prometido. Se não o fizer, viola a
promessa e, concomitantemente, pode-se-lhe, em princípio, exigir uma
indemnização.
A recusa de outorga do contrato prometido traduz inadimplemento da
promessa, razão porque se responsabiliza contratualmente o inadimplente.
Exemplificando, se A celebra com B um contrato-promessa de
arrendamento do imóvel x e, depois, celebra outro, de idêntico teor, com C,
nem B nem C poderão opor o seu direito um ao outro. Nesta hipótese, vinga o
direito do que primeiro obtém o registo da acção de execução específica ou do
que primeiro consegue a celebração do contrato definitivo. O preterido terá
apenas direito a uma indemnização.
Todavia, o contrato pode, na linha do art.º 406.º/2, produzir efeitos
oponíveis a terceiros, nos casos e termos especialmente previstos na lei. Um
desses casos é, justamente, o do contrato-promessa relativo à constituição ou
transmissão de direitos reais sobre imóveis ou móveis sujeitos a registo. A
promessa pode, nestes casos, ser dotada de eficácia real, desde que sejam
observados os três requisitos fixados no art.º 413.º.
Temos, assim, que o contrato-promessa produz efeitos em relação a
terceiros, desde que verse sobre coisa registáveis, seja reduzido a escritura
pública182 e inscrito no registo183.
A verificação cumulativa dos três requisitos determina o surgimento não
já de um mero direito de crédito, mas de um verdadeiro direito real de aquisição,
com todas as notas que o caracterizam, como a oponibilidade erga omnes184. A
tese não é contudo pacífica, pois há autores que vêem, in casu, um direito de
crédito, embora oponível a terceiros185.

182
.- O facto de a promessa relativa a móveis sujeitos a registo se pautar por exigências formais
mais solenes, quando o contrato prometido se basta com o simples consenso, é um tópico que
deve ser encarado numa eventual reforma do C.C.
183
.- A falta de registo importa a ineficácia em relação a terceiros.
184
.- Cfr. TELLES, GALVÃO, ob. cit. pp. 132 e ss., ASCENSÃO, OLIVEIRA, Reais, 5.ª edição,
Coimbra, Coimbra Editora, 1993, p. 567 e ss., e CORDEIRO, MENEZES, Direito das
Obrigações, 2.º, AAFDL, 1980, p. 475.
185
.- COSTA, ALMEIDA, ob. cit., p. 375 e MESQUITA, HENRIQUE, Obrigações reais e ónus
reais, Coimbra, Almedina, 1990, pp. 252 e ss.

74
Os actos que sejam praticados em violação do sobredito direito serão
ineficazes. A alienação ou oneração da coisa a terceiros não obsta à execução
específica da promessa, posto que ela prevalecerá sobre todos os direitos que
surjam a jusante, sejam eles reais ou pessoais.
Esclarece, ANTUNES VARELA, que tudo se passa como se a alienação
ou a oneração houvesse acontecido na data do registo da promessa186.

14.5.- Transmissão dos direitos e obrigações das partes

No CC de 1966, a própria lei ocupa-se de regular o ponto em epígrafe,


rompendo com as lacunas que o antigo Código patenteava, neste domínio.
Nesta conformidade, o art.º 412.º postula, em princípio, a transmissão, por
morte ou por negócio entre vivos, dos direitos e obrigações emergentes da
promessa, aos sucessores das partes.
A letra do art.º 412.º/1 reporta-se aos “sucessores dos promitentes”, mas
a locução “sucessores das partes” ajusta-se melhor à teleologia da norma. Os
sucessores podem sê-lo dos promitentes, como do próprio promissário, na
medida em que este último é também titular do direito à celebração do contrato
prometido.
Fala-se de transmissão mortis causa quando, a pressupô-la, temos a
morte da parte. Falecido, por exemplo, o promitente-comprador, antes do
cumprimento da promessa, transmitem-se aos seus sucessores o direito à
celebração do contrato definitivo e/ou a obrigação de o fazer.
Apenas os exclusivamente pessoais, ou dito de outro modo, os direitos e
obrigações constituídos intuitu personae ficam excluídos da mencionada
transmissão. A título de exemplo, a morte do promitente-trabalhador não
confere ao seu sucessor o direito de exigir, do promitente-empregador, a
celebração do contrato de trabalho, nem obriga o sucessor a celebrá-lo,
justamente porque o direito do promitente-trabalhador estava
indissociavelmente ligado à pessoa deste.
A promessa intuitu personae também se revela no mandato, na
prestação de serviço, no arrendamento quanto ao arrendatário ou, dito de outro
modo, em todos os casos em que a celebração do contrato prometido toma em
conta especificamente a pessoa da contraparte.
A transmissão mortis causa dos direitos e obrigações das partes é, em
conclusão, disciplinada pelas regras próprias das sucessões. O ser sucessor
implica a obrigação de cumprir a promessa a que o de cujus se vinculara,
atendendo, entretanto, ao disposto no art.º 2025.º.
A transmissão inter vivos dos direitos e obrigações decorrentes da
promessa destina-se a produzir efeitos em vida das partes e opera-se mediante
um contrato entre vivos, estando sujeita às regras gerais (art.º 412.º/2).
Os mecanismos aparelhados, para o efeito, são a cessão da posição
contratual (arts. 424.º e ss.), quando da promessa resultem, simultaneamente,
um crédito e um débito, a cessão de créditos (arts. 577.º e ss.), porque da
promessa resulta apenas um direito de crédito, a sub-rogação (arts. 589.º e ss.),
porque um terceiro é investido no direito que, até então, era detido pelo credor,
e a assunção de dívida (arts. 595.º e ss.), quando apenas o débito é transmitido.

14.6.- Sinal
186
.- VARELA, ANTUNES, ob. cit., p. 329

75
O sinal é uma cláusula acessória típica, aponível aos contratos onerosos,
em que um dos contraentes entrega ao outro uma coisa fungível187, no
momento da celebração do contrato ou ulteriormente, com o propósito de
cumprir funções confirmatórias, penais ou penitenciais.
O sinal será confirmatório quando funciona como prova do engajamento
na celebração do contrato. Terá carácter penal quando serve de garantia ao
cumprimento do contrato, mediante a sua perda ou devolução em dobro, em
caso de inadimplemento. Já a sua função penitencial residiria na faculdade que
cria, para os contraentes, de se arrependerem do contrato, dele desistindo
mediante a sua perca ou devolução em dobro. Neste última acepção, o sinal
será a multa ou o preço a liquidar pela faculdade de resolução do contrato.
Tudo indica que, no nosso Direito, o sinal parece cumprir as funções
assinaladas em primeiro e segundo lugares. O sinal, enquanto dá fé da
celebração da promessa, provando a sua existência e o empenho no seu
cumprimento, tem indubitavelmente um papel confirmatório. Na medida em que,
em caso de inadimplemento, se postula a sua perda ou devolução em dobro, o
sinal cumpre uma função penal assegurando a realização voluntária da
prestação debitória.
O sinal com carácter penitencial, a arrha poenitentialis, não encontra
guarida no Código Civil, a não ser que, na esteira da sua autonomia privada, as
partes assim o estipulem. Nenhuma disposição normativa dá as partes o direito
de se arrependerem, jogando com o sinal.
A celebração da promessa retira ao promitente a liberdade de não
celebrar o contrato prometido, sob pena de incumprimento e consequente
execução específica ou responsabilidade contratual, com base no mecanismo
do sinal ou nos termos gerais. Ora, no sinal penitencial, o inadimplemento seria
lícito, ao arrepio dos ditames decorrentes do princípio da pontualidade (art.º
406.º/1).
Em suma, as funções do sinal são as de servir de garantia ao
cumprimento do contrato e as de a sua perda ou restituição em dobro
representarem a determinação prévia do que terá de ser ressarcido em caso de
inadimplemento do contrato.
O sinal difere da cláusula penal, porque naquele exige-se a entrega
prévia da coisa fungível, ao passo que o montante desta última só ingressa na
titularidade do promitente fiel, após o incumprimento definitivo da promessa.
Do art.º 440.º resulta que, nos contratos em geral, a entrega, à
contraparte, de uma coisa coincidente, ainda que parcialmente, com o objecto
da prestação debitória é havida como antecipação do cumprimento e não já
como sinal. Nestes casos, presume-se que a datio rei não tem o sentido de
sinal passado – para tanto, teriam as partes que lhe atribuir claramente esse
alcance - mas o de antecipação do cumprimento da obrigação.
No contrato-promessa, nunca a entrega da coisa pode ser considerada
como antecipação do respectivo cumprimento. Muito simplesmente, a entrega
de coisa jamais coincide com a prestação a que a parte ou as partes se
vinculam na promessa. Nesta, põem-se unicamente prestações de facto,
enquanto as prestações de coisa só por referência ao contrato prometido se
podem colocar.
187
.- Se a coisa fosse infungível, a cominação do sinal em dobro perderia todo o sentido. Vide,
LEITÃO, MENEZES, ob. cit., p. 233, nt. 472.

76
É por esta razão que o art.º 441.º afasta a regra do art.º 440.º, ao
presumir o carácter de sinal, na promessa de compra e venda, em relação a
todas as quantias entregues pelo promitente-comprador ao promitente-
vendedor, mesmo que a título de antecipação ou início do pagamento do preço.
Com efeito, a obrigação de pagar o preço apenas surge com a
celebração do contrato prometido. Até prova em contrário – trata-se de uma
presunção juris tantum (art.º 350.º/2) -, a qualificação da entrega da coisa como
antecipação de cumprimento ou princípio de pagamento, na vigência da
promessa, não colhe, em razão do facto de a obrigação de cumprir ou de pagar
simplesmente surgirem mais tarde, isto é, com o contrato prometido.
Produzindo-se prova em contrário, a quantia entregue terá então o
carácter de antecipação de cumprimento de uma prestação futura, nela se
imputando ou não, consoante venha ou não a ser celebrado o contrato
prometido. Nesta última hipótese e havendo inadimplemento da parte que
recebeu a quantia, esta será restituída em singelo, por não se justificar a
aplicação do art.º 442.º/2.
O sinal e a antecipação de pagamento são, pois, distintos. Deste modo,
quando as partes utilizam a locução “sinal e princípio de pagamento”, limitam-
se a determinar, expressis verbis, o destino do sinal em caso de cumprimento,
isto é, a sua imputação na prestação devida no âmbito do contrato prometido.
Tal acontece quando o objecto da prestação típica do contrato prometido e a
coisa que serve de sinal são do mesmo género e qualidade. De contrário, a
imputação não será possível, postulando-se, consequentemente, a sua
restituição (art.º 442.º/1).
Embora se refira à promessa de compra e venda, parece-nos que o art.º
441.º pode, por analogia, ser aplicado a quaisquer contratos-promessa em que
haja sinal188. Qualquer promessa, ao postular prestações de facto, compele a
presumir que a entrega de uma coisa fungível tem sempre carácter de sinal.
Qualquer quantia em dinheiro ou qualquer outra coisa fungível
susceptível de restituição em dobro pode ser entregue, a título de sinal. A isso
se não opõe o vocábulo “quantia”, referido no art.º 441.º, até porque o art.º
442.º/1 fala já em “coisa”. Por exemplo, a jurisprudência já aceitou o sinal
constituído por materiais de construção189.

14.7.- Efeitos do não cumprimento da promessa sinalizada

O não cumprimento do contrato-promessa há-de traduzir-se na recusa


da outorga do contrato prometido e pode ser imputável a qualquer um dos
promitentes. Basta, para tanto, que o promitente não realize a prestação a que
está adstrito, ou porque não quer, ou porque, com culpa, deu azo ao
inadimplemento.
Os efeitos do incumprimento do contrato-promessa variam, consoante
haja ou não sinal passado. O sinal é uma mera cláusula acessória típica, pelo
que nada obsta à celebração de um contrato-promessa sem sinal passado.
Não havendo sinal, os efeitos do incumprimento são os do
inadimplemento dos contratos em geral, caindo-se na regra geral (arts. 790.º e
ss.). Todavia, nos contratos-promessa, é ainda possível requerer, nos termos

188
.- Em sentido contrário, vide MARTINEZ, ROMANO, ob. cit., p. 155.
189
.- Ac. do S.T.J. de 18.12.1964 (B.M.J. 142-325).

77
do art.º 830.º, a execução específica. A esta, vamo-nos referir na rubrica
seguinte.
Quando haja sinal passado, o não cumprimento do contrato-promessa,
imputável ao promitente que o constituiu, há-de traduzir-se na perca do mesmo,
a favor da contraparte (442.º/2, 1ª parte). O não cumprimento imputável ao
promitente que recebeu o sinal resolve-se, por sua vez, na restituição do sinal
em dobro (art.º 442.º/2, 2.ª parte). A restituição do sinal em dobro, neste último
caso, é a que corresponde à sua função penal. A reversão do sinal em singelo
nunca indemnizaria a contraparte que constituiu o sinal, porquanto se estaria a
devolver apenas o que dela se recebera anteriormente.
A especulação imobiliária que se regista em Angola tornou platónica e
meramente prodrómica a restituição do sinal em dobro. Conforme já
assinalámos, os promitentes-vendedores de imóveis facilmente se prestam a
não cumprir a promessa, pois a diferença entre preços – o estipulado por altura
da sua celebração e o praticado no mercado volvido algum tempo – supera
largamente o sinal em dobro. Como já assinalámos, parece-nos ser chegado o
momento de, cuidadosamente, se rever o regime do contrato-promessa, à
semelhança do que ocorreu em Portugal, na década de 1980.
Em princípio, a existência de sinal impede a exigência de qualquer outra
indemnização pelo não cumprimento. Mas as partes podem estipular
indemnização superior ao montante do sinal. Nestas situações, o sinal
funcionará como limite mínimo da indemnização (art.º 442.º/3)190.
O contrato-promessa unilateral, quando haja sinal passado pelo
promissário e no caso de este se decidir pela não celebração do contrato
prometido, apenas pode conduzir à sua restituição em singelo. Conservando o
promissário as mãos livres para celebrar ou não, não faria sentido que lhe
fosse aplicada a função penal do sinal.
O incumprimento pode ser imputável a ambos os contraentes. Neste tipo
de hipóteses, parece-nos que a solução há-de ser encontrada em sede do art.º
570.º. A norma regula a chamada concorrência de culpas, prescrevendo, em
tais hipóteses, que a indemnização seja totalmente concedida, reduzida ou até
excluída.
Assim se as culpas de ambos os promitentes forem iguais, o sinal deve
ser restituído em singelo, excluindo-se, portanto, qualquer indemnização191.
Exemplificando, se a culpa do promitente-vendedor e a do promitente-
comprador estiverem situadas no mesmo plano, o primeiro só terá que restituir
o sinal em singelo.
Se forem desiguais as culpas, há que proceder, no sinal a reter ou no
dobro do sinal a restituir, à redução imposta pela gravidade da culpa de cada
um deles.
Assim, se a culpa do promitente-vendedor for de maior gravidade que a
do promitente-comprador, parece-nos que a solução passaria pela restituição
do sinal em dobro, mas deduzido da parte relativa à gravidade da culpa do
promitente-comprador. A parte deduzida seria mantida com o promitente-
vendedor.
Quando, pelo contrário, fosse de maior gravidade a culpa do promitente-
comprador, o promitente-vendedor faria seu o sinal, deduzindo dele a parte

190
.- LEITÃO, MENEZES, ob. cit., p. 244.
191
.- Para MENEZES LEITÃO, qualquer das partes teria, nesse caso, direito à indemnização, o
que extinguiria ambas as obrigações por compensação (art.º 847.ª). Cfr. ob. cit., p. 236.

78
relativa à gravidade da sua culpa. A parte deduzida reverteria para o
promitente-comprador.
O incumprimento pode, por último, não ser imputável a nenhum dos
contraentes. Nestas circunstâncias, o incumprimento da promessa será casual,
devido a terceiro, à situação fortuita ou de força maior ou, inclusivamente, à lei,
como ocorre no caso de uma lei nova proibir a realização do negócio jurídico
prometido.
Se o incumprimento não for devido a qualquer dos promitentes, há que
restituir o sinal em singelo e nada mais. Nestes casos, a ausência de culpa dos
promitentes, na inexecução da promessa, extingue esta última, desligando-os
dos seus compromissos, o que obsta à obtenção de benefícios ou à cominação
de prejuízos192.
O mecanismo do sinal estabelecido pelo art.º 442.º/2 só pode ser
despoletado nos casos de incumprimento definitivo e não já de simples mora. A
tese é abonada pelas locuções “deixar de cumprir a obrigação” e “não
cumprimento”, contidas na sobredita norma.
Nos casos de mora do promitente e à luz da regra fixada no art.º 808.º,
duas situações são possíveis.
Numa primeira hipótese, temos que, em consequência da mora, o
promitente fiel perde o interesse na celebração do contrato prometido, ou
porque não tem já em que aplicar a prestação resultante do contrato prometido,
ou porque a necessidade que visava suprir, através dela, foi, entretanto,
colmatada. O interesse do credor na realização da prestação, objectivamente
visto, não existirá, ou dito de outro modo, qualquer indivíduo colocado perante
aquela situação dirá que a celebração do contrato prometido já não interessa
ao promitente fiel.
Nestas circunstâncias, o mecanismo do sinal pode ser desencadeado,
posto que se considera existir, então, incumprimento definitivo.
Nas outras situações de mora debendi ou debitoris, terá de se proceder à
sua convolação em incumprimento definitivo. Para o efeito, interpela-se o
promitente em mora, concedendo-lhe um prazo admonitório. No vencimento
desse prazo, considera-se que há incumprimento definitivo e desencadeia-se a
regra do art.º 442.º/2.
Importa sublinhar que tanto o art.º 442.º/3, como o art.º 811.º não se
opõem à exigência de juros. Equivale isto a dizer que havendo sinal ou
cláusula penal é possível exigir juros pela mora na restituição em dobro ou no
pagamento da cláusula. Havendo estipulação em contrário, as consequências
do sinal podem, nos termos do art.º 442.º/3, funcionar como o limite mínimo da
indemnização.

14.8.- Execução específica

O regime geral da execução específica consta dos arts. 827.º e ss.Sobre a


execução específica do contrato-promessa rege o art.º 830.º que, na esteira do
seu n.º 1, ocorre nas hipóteses em que a parte vinculada à celebração do
contrato prometido não cumpre a promessa. O tribunal, intentada a acção de

192
.- A prestação deixa de ter causa, registando-se uma situação de enriquecimento sem causa.
Cfr. LEITÃO, MENEZES, O Enriquecimento sem Causa no Direito Civil, Lisboa, C.E.F., 1996,
pp. 507 e ss.

79
execução específica, vai, no final, exarar sentença produtora dos mesmos
efeitos da declaração negocial em falta.
O propósito não é o de compelir o promitente faltoso a celebrar o
contrato prometido. A celebração da escritura é uma prestação de facto
essencialmente pessoal e “nemo precise cogi potest ad factum”.
A execução específica traduz-se, deste modo, na possibilidade
reconhecida à parte fiel de, em caso de inadimplemento da promessa, obter
sentença que valha pelo contrato prometido. A sentença proferida em processo
declarativo produz não só os efeitos da declaração negocial da parte fiel, mas
sobretudo os da declaração negocial do promitente faltoso, colocando-se num
patamar que em nada fica a dever a qualquer requisito que se coloque em
termos de forma.
A fórmula “não cumprir”, documentada no referido art.º 830.º/1 deve ser
entendida em termos hábeis, posto que a simples mora é bastante para o
recurso à acção de execução específica. A locução deve, deste modo, ser
compreendida em termos latos.
Obstam à execução específica a convenção em contrário – presume-se
que o sinal e a cláusula penal têm o sentido de convenção em contrário -, a
oposição a ela em razão da natureza da obrigação assumida e a origem legal
do dever de contratar.
A execução específica não é imperativa. Nesta conformidade, pode ser
afastada por estipulação das partes. Nisto se analisa a convenção em contrário
referida no art.º 830.º/1 que, inclusivamente, se presume quando haja sinal ou
cláusula penal, conforme dispõe o n.º 2 do mesmo preceito. Nestas hipóteses,
entende-se que as partes quiseram, para o caso de inadimplemento, sujeitar-
se às consequências do sinal ou ao pagamento da pena e não já à execução
específica.
Tal presunção é, porém, ilidível (art.º 350.º/2). A execução específica não
é afastada, quando, a despeito do sinal ou da pena, se demonstra ter sido
querida pelas partes. A parte fiel optará, nestas situações, pelo regime que
melhor lhe convier, isto é, pelo sinal, pelo pagamento da pena ou pela
execução específica.
A execução específica é ainda impedida quando se revele incompatível
com a natureza da obrigação assumida (art.º 830.º/1, in fine).
Assim, quando a prestação ou prestações do contrato prometido são
pautadas pela espontaneidade ou pelo intuitu personae não há lugar à
execução específica. A promessa de contrato de trabalho não é, v.g., passível
de execução específica, porquanto a prestação da actividade laboral é livre e
pessoal. A admissibilidade, nestas hipóteses, da execução específica,
convolaria a prestação de livre ou espontânea em imperativamente imposta.
Note-se, de resto, que a execução específica da promessa de trabalho teria um
efeito verdadeiramente efémero, pois, nos termos do art.º 19.º/5 da LGT, logo
no período experimental, qualquer das partes teria a possibilidade de se
desvincular.
A incompatibilidade referida pode resultar do processo de formação do
próprio contrato, como sucede nas promessas relativas a contratos reais quoad
constitutionem. O tribunal não se pode substituir ao obrigado na tradição da
coisa, pois esta é pautada pela espontaneidade
A natureza da obrigação assumida não é, por outro lado, tutelável por via
da execução específica, quando a promessa é de alienação ou oneração de

80
coisa alheia. Na promessa de venda de coisa alheia que o dono se recusa a
alienar, ou na promessa de arrendamento de prédio que, entretanto, foi locado
a outrem assiste-se à colisão da execução específica com outras normas legais
que a inviabilizam.
A execução específica, neste tipo de situações, equivaleria à legitimação,
por via judicial, da venda de coisa alheia, proibida nos termos do art.º 892.º, ou
ao afastamento da regra do art.º 407.º. Nas hipóteses em que o bem cuja
alienação foi prometida, ter sido já vendido a um terceiro, a execução
específica conduziria, recta via, a um negócio inquinado, isto é, à venda de
bens alheios, nula nos termos do art.º 892.º193. Desta forma, apenas há lugar à
execução específica nos casos de possibilidade da prestação relativa ao
contrato prometido.
O último obstáculo apontado à execução específica decorre do facto de o
dever de contratar resultar da lei e não já de convenção. A execução específica
a que alude o art.º 830.º põe-se em relação ao inadimplemento de um contrato-
promessa.
Por sua vez, prescreve o art.º 830.º/3 que o demandante, para obstar ao
recurso, pelo requerido, à excepção de não cumprimento do contrato (art.º
428.º), ofereça a prestação a que, no âmbito do contrato prometido, está
adstrito. A título de exemplo, o promitente-comprador fiel evita a improcedência
da acção de execução específica, por excepção de não cumprimento do
contrato, depositando o preço.
O sinal e a execução específica colocam-se em termos alternativos para
a parte fiel, conforme já assinalámos. A parte não faltosa pode, em caso de
incumprimento da contraparte, optar pelo sinal ou pela execução específica.
A cumulação dos dois mecanismos é que não é permitida. A perca do
sinal nunca pode ser uma consequência da execução específica nem com ela
é cumulável. Aquela põe-se em termos de resolução do contrato por
incumprimento definitivo da promessa, enquanto, por esta, se busca
exactamente o aperfeiçoamento do contrato prometido, por meio de sentença.
São consequências que se colocam em planos antitéticos, não sendo
possível a obtenção simultânea de ambos os efeitos. Assim, a inviabilização da
execução específica implica, havendo sinal passado, o recurso a este último
mecanismo, estando-se, implicitamente, a resolver o contrato194.

15.- Pacto de preferência

Circunstâncias diversas podem fazer surgir, para determinada pessoa, a


conveniência de assegurar a prioridade, sobre um terceiro e em paridade de
condições, na celebração de determinados contratos futuros.
Por exemplo, quando o vendedor se vê obrigado, por necessidade
inadiável de dinheiro, a vender a coisa por que tem particular apego, pode-se
estipular uma cláusula de preferência a seu favor, para, em caso de eventual
revenda, reaver, de novo, a coisa vendida. Outro exemplo é o do indivíduo que,
confrontado com o reiterado interesse de outrem no arrendamento de um
imóvel seu, se obriga a escolhê-lo como arrendatário, para o caso de vir a

193
.- MESQUITA, HENRIQUE, ob. cit., p. 233 e nt. 160.
194
.- Uma sentença datada de 10.7.2006, da 2.ª Secção do Cível e Administrativo do Tribunal
Provincial de Luanda, exarada sobre o processo n.º 0054/06-B, determinou, aberrante e
simultaneamente, os dois efeitos.

81
arrendar a coisa, nas mesmas condições clausuladas com um terceiro. Servem
igualmente de exemplo as preferências que os herdeiros podem
reciprocamente estipular, para o caso de alienarem bens herdados, com vista a
não saírem do círculo familiar.
O pacto de preferência é, assim, a convenção em que as partes atribuem
uma à outra, ou reciprocamente, o direito de prioridade, na celebração de certo
contrato, nas mesmas condições acordadas com um terceiro. A noção contida
no art.º 414.º, circunscreve o pacto de preferência à compra e venda – o pacto
de preempção ou de prelação -, por ser este, por excelência, o seu domínio de
aplicação. A lei tomou aqui a espécie pelo género, já que a preferência pactícia
pode ser referida a qualquer contrato oneroso, como a compra e venda, o
arrendamento, o aluguer, a troca, a sociedade, a empreitada, o trespasse, etc.
De resto, este é o resultado a que se chega pela extensão estabelecida
pelo art.º 423.º. Os contratos compatíveis com a compra e venda são os
onerosos195.
Não faz já sentido que alguém se obrigue, na eventualidade de vir a
celebrar contrato de trabalho, a preferir outrem como empregador, nas mesmas
condições negociadas com terceiro. Igualmente, a convenção pactícia perde
sentido quando alguém se vincula a, no caso de mutuar onerosamente uma
dada quantia, escolher outrem para mutuário, com base nas mesmas cláusulas
acordadas com terceiro.
Os pactuantes recebem os nomes de preferente e de obrigado à
preferência, existindo ainda um terceiro. O obrigado à preferência fica adstrito a
uma prestação de facere, i e., a escolher o preferente como contraparte, na
eventualidade de se decidir pela celebração do contrato a que se refere a
preferência. O preferente fica livre de celebrar ou não o contrato, em paridade
de condições.
O pacto de preferência assume a configuração de um contrato não
sinalagmático, por gerar apenas vinculações para o obrigado à preferência. O
preferente, sem prejuízo da liberdade de outorgar ou não o contrato visado, fica
investido no direito de ser escolhido como contraparte, caso o obrigado se
decida pela celebração do eventual contrato. Os pactos de preferência
recíprocos não subvertem o figurino da unilateralidade. Em tais casos apenas
teremos uma união interna de contratos unilaterais.

15.1.- Forma

A norma do art.º 415.º remete, em termos de forma, para o regime


estabelecido para o contrato-promessa (art.º 410.º/2).
Equivale isto a dizer que a regra é, em princípio, a da liberdade de forma.
O pacto constará, todavia, de documento particular assinado pelo obrigado à
preferência, nas hipóteses em que o contrato com ele visado deva constar de
documento autêntico ou particular. Assim, se se promete dar preferência a
outrem na alienação de um imóvel, o pacto tem de ser reduzido a documento
particular, assinado pelo obrigado à preferência. A firma do preferente é

195
.-Os contratos onerosos celebrados exclusivamente intuitu personae não podem, em
princípio, ser objecto de preferência. A preferência, nestes casos, só se justificará quando faça
sentido a opção sobre outro concorrente. O exemplo é o da cláusula de preferência aposta a
um contrato de trabalho desportivo.

82
escusada. A eficácia do pacto basta-se com a subscrição pelo obrigado à
preferência.
As preferências recíprocas, se constarem do mesmo documento, devem
ser firmadas por ambas ou todas as partes. As preferências recíprocas, por
incidirem sobre objectos diferentes, hão-de implicar tantos pactos quantas as
preferências. O exemplo é os dos herdeiros que, não querendo que
determinados bens recebidos na partilha saiam do núcleo familiar, se
concedem reciprocamente preferências, em caso de venda196.
Em matéria de forma, importa igualmente sublinhar que um dos requisitos
da eficácia erga omnes do pacto de preferência traduz-se na sua redução a
escritura pública, conforme melhor se verá na rubrica respectiva.

15.2.- Exercício do direito de preferência

O regime geral do pacto de preferência vem fixado nos arts. 414.º a 423.º.
É a disciplina aplicável, igualmente, às preferências legais, dadas as reiteradas
remissões que, para eles, se fazem (v.g., arts. 1117.º, 1409.º/2 e 84.º, este
último da Lei do Inquilinato). São-lhe, igualmente, aplicáveis as regras relativas
aos negócios jurídicos, em geral (arts. 217.º e ss.). Ao contrário do que sucede
com o contrato-promessa, não é aqui chamado a intervir qualquer princípio de
equiparação.
A obrigação de preferência passa, para o respectivo cumprimento, pela
comunicação para preferência a efectuar pelo obrigado. Quando o obrigado se
decide a contratar nas condições oferecidas pelo terceiro, porque as julgou
suficientes, deve comunicar ao preferente a intenção de celebrar o contrato,
bem como o elenco completo de cláusulas acordadas com o terceiro, sejam
elas gerais ou particulares. Nos termos do art.º 416.º, tomada a decisão de
celebrar, o obrigado à preferência deve notificar o preferente para que este
exerça o seu direito. A notificação em causa pode ser efectuada nos termos
dos arts. 1458.º e ss. do CPC.
A lei não exige, para a notificação, forma especial, mas, normalmente e à
cautela, ela é efectuada por escrito. Numa eventual reforma do Código Civil,
afigura-se-nos não ser despicienda uma tomada de posição em relação a esta
matéria, como modo de lhe emprestar certeza plena.
A lei não toma, igualmente, posição em relação à necessidade ou
desnecessidade de o nome do terceiro dever constar da notificação para
preferência. Neste domínio, as opiniões não são concordes.
Para certos autores, do art.º 416.º/1 dimana unicamente a exigência de
serem comunicadas as cláusulas negociais e não já o nome do terceiro197. Para
outros, o nome do terceiro deve ser sempre comunicado ao preferente, sob
pena de se remar contra a boa fé198. Um terceiro posicionamento sustenta que
o nome de terceiro não tem, em princípio, que ser indicado. As situações em
que o não exercício do direito de preferência implicasse a subsistência de

196
.-LEITÃO, MENEZES, ob. cit., p. 253, nt. 506.

197
.-ASCENSÃO, OLIVEIRA, “Preferência do arrendatário habitacional, notificação, caducidade,
renúncia. Anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal e Justiça de 23 de Junho de 1992” in
ROA, 53 (1993), pp. 673-708 (691 e ss.).
198
.- Cfr. TELLES, GALVÃO, ob. cit., p. 151, nt. 1 e CORDEIRO, MENEZES, Direito das
Obrigações cit., 1.º, p. 492.

83
relações entre o preferente e o terceiro seriam as únicas em que se imporia a
comunicação do nome do terceiro199.
A posição mais consentânea parece-nos ser a que propende para a
indicação do nome de terceiro, sempre que ele esteja determinado. Este é o
modo privilegiado de o preferente aferir da autenticidade das cláusulas que lhe
são apresentadas, confrontando-as com o terceiro. Quando o contrato
preferível é para pessoa a nomear, cremos que bastará a indicação do nome
do contraente originário, para que o confronto se veja possibilitado.
No sentido da posição perfilhada, depõe igualmente o argumento de o
pacto de preferência corresponder a um domínio que, não raras vezes, remete
o credor, por via da simulação, para uma posição de precariedade. A
possibilidade de confrontar o terceiro com o clausulado comunicado pelo
obrigado pode ser um dos modos de compensar tal fragilidade.
A locução “querendo vender” parece sugerir que o desencadeamento da
notificação de preferência se contenta com a intenção de celebrar o negócio.
Não basta, porém, que haja a intenção de querer vender, para se estar
vinculado a notificar para preferência. Impõe-se ainda que exista um potencial
contrato acordado entre o obrigado à preferência e o terceiro200.
A emissão de propostas contratuais ou de convites a contratar, como,
quando, v.g., o obrigado propõe ao preferente o arrendamento do imóvel
objecto da preferência, não se confunde com a comunicação para o exercício
desta última, mesmo que os respectivos conteúdos sejam coincidentes. A
preferência opera sempre por referência a um projecto de contrato acordado
com um terceiro201.
A rejeição da proposta ou do convite não é cominada com a perca do
direito de preferência. Contudo e por inutilidade superveniente, o direito
extingue-se quando, em consequência da proposta ou do convite, é, entre o
titular do direito e o obrigado, outorgado o contrato.
A notificação para preferência e o exercício do direito (art.º 416.º/2),
dentro do prazo, implicam o aperfeiçoamento do contrato visualizado pelo
pacto de preferência, desde que se observem os requisitos de forma exigidos.
Na hipótese de o contrato se pautar por exigências de forma mais solenes, o
encontro da notificação e do exercício do direito de preferência bem pode valer
como um contrato-promessa, caso tenha sido observada a forma
correspondente à promessa, podendo resvalar-se para a acção de execução
específica.
O não exercício do direito dentro do prazo fixado implica a respectiva
caducidade. O preferente nada declara dentro do prazo assinalado. O direito
caduca relativamente a um determinado projecto de negócio, pelo que, a
frustração deste faz renascer o direito de preferência202.
O obrigado pode celebrar, com terceiro, contrato diverso do que é
objecto da preferência. Nesta hipótese, não haverá inadimplemento do pacto
de preferência, mesmo que a respectiva celebração impeça, em definitivo, o
199
.- LIMA, PIRES DE e VARELA, ANTUNES, Código Civil Anotado cit., anotação ao art.º 416.º
(8).
200
.- LEITÃO, MENEZES, ob. cit., p. 255.
201
.- LEITÃO, MENEZES, ob. cit., p. 255, nt. 508. O referido Autor diz-nos que, no primeiro caso
(convite a contratar ou proposta contratual), o preferente tenderá a manter o seu direito de
preferência, pressupondo a arbitrariedade da renda, ao passo que, no segundo caso,
(notificação para preferência) o não exercício do direito impõe, sem mais, a sua preclusão.
202
.- COSTA, ALMEIDA, ob. cit., p. 409, nt. 1.

84
contrato visado. O exemplo é o de alguém se ter obrigado a escolher outrem
para contraente, no caso de vir a vender um dado imóvel, mas, depois,
arrenda-o, troca-o ou doa-o a um terceiro.
O art.º 417.º/1 alude à venda da coisa juntamente com outra ou outras.
Pode acontecer que o obrigado ao querer vender a coisa objecto do pacto
tenha manifesta vantagem em fazê-lo conjuntamente com outras coisas.
Nestas hipóteses, o contrato projectado com o terceiro tem por objecto a
aquisição das coisas em lote, por um preço global. O terceiro interessado
oferece melhores condições pelo lote do que pela venda dos bens em
separado.
Se da desagregação do lote não resultar prejuízo apreciável para o
obrigado, o titular do direito exerce a preferência pelo preço que
proporcionalmente for arbitrado para a coisa (art.º 1459.º do CPC). Se a
separação prejudicar manifestamente o obrigado, a preferência terá de ser
exercida em relação a todas as coisas.
O regime ora apontado vale, igualmente, para o pacto dotado de eficácia
real (art.º 417.º/2), ou dito de outro modo, vendida a coisa a terceiro,
juntamente com outra ou outras, a acção de preferência terá de abarcar todo o
lote ou apenas a coisa objecto do pacto, consoante do seu exercício possa
resultar prejuízo notável ou não para o obrigado.
O art.º 418.º tem a ver com os contratos mistos complementares203. A
norma em apreço permite o exercício da preferência em relação à coisa objecto
da prestação principal, devendo a prestação acessória ser compensada, se for
avaliável em dinheiro. Se a prestação acessória não for avaliável em dinheiro e
for decisiva para o obrigado exclui-se a preferência. O exemplo seria o de o
terceiro, para além de se obrigar a pagar o preço, se vincular igualmente a
apresentar, ao obrigado, uma artista de renome de que é admirador.
Por último, se a prestação acessória for estabelecida para afastar a
preferência, esta pode ser exercida nos limites fixados ab origine no pacto, isto
é, circunscrevendo-a à coisa dele objecto. A prestação acessória não terá,
neste caso, que ser compensada, mesmo quando avaliável em dinheiro (art.º
418.º/1, in fine, e n.º 2).
Obsta-se aos inconvenientes do regime fixado nos arts. 417. e 418.º
estipulando que o exercício do direito de preferência fique circunscrito à coisa
visada pelas partes, aquando da celebração do pacto, vedando-se, assim, as
hipóteses de venda em lotes.
A pluralidade de preferentes pode suscitar dificuldades, no que concerne
à legitimidade para o exercício do direito. Assim, se, em simultaneidade, vários
forem os titulares do direito de preferência, conjuntamente por todos terá ela
que ser exercida (art.º 419.º/1, 1.ª parte). A extinção do direito de preferência
relativamente a um deles, por não poder ou por não querer exercê-lo, faz
acrescer o seu direito aos restantes (art.º 419.º/1, 2.ª parte). Já o art.º 419.º/2
versa sobre a preferência que, a despeito da pluralidade de titulares, tenha de
ser exercida apenas por um deles. Neste caso, abre-se licitação entre todos,

.- LEITÃO, MENEZES, ob. cit., p. 259. Para este Autor, os contratos combinados ou múltiplos e
os geminados ou de tipo duplo parece não serem atendidos pela sobredita norma. Nestas
situações, estará excluída a preferência, posto que o contrato projectado, por ser a resultante
da fusão de dois ou mais regimes típicos, deixa de corresponder ao contrato a que a
preferência se referia. Nos cumulativos ou indirectos, é já possível a preferência, uma vez que
o contrato visado corresponde àquele para o qual foi concedida preferência, embora a sua
estrutura seja utilizada como plataforma para lograr outros fins contratuais203.

85
revertendo o excesso para o alienante, a não ser que tenha sido fixada uma
hierarquia entre os preferentes ou um outro critério para a sua designação.

15.3.- Transmissão do direito e da obrigação de preferência

O pacto de preferência apresenta-se com uma configuração intuitu


personae, até porque o obrigado vincula-se a dar preferência a determinada
pessoa. Isto equivale a asseverar que o beneficiário da preferência tem, para o
obrigado, determinadas qualidades que terceiros não possuem. Esta especial
deferência é a razão que o determina a se vincular. Motivações de índole
afectiva como a amizade, o respeito, a consideração, o parentesco, etc.,
podem estar subjacentes ao pacto de preferência. A ligação incindível das
posições jurídicas encabeçadas pelos pactuantes às suas próprias pessoas
obsta, deste modo, à correspondente transmissão a outrem.
Acresce que, no pacto de preferência, se atribui um direito sem qualquer
compensação, sendo razoável entender que o privilegiado não pode, salvo
estipulação em contrário, transmitir a sua posição de preferência. Uma tal
possibilidade agravaria sobremaneira o obrigado, assim se explicando a regra
da intransmissibilidade do direito e da obrigação resultantes do pacto de
preferência (art.º 420.º).
Um modo curial de eliminar dúvidas passíveis de serem levantadas em
relação à intransmissibilidade ou transmissibilidade do direito e da obrigação de
preferência passa pela estipulação, de forma clara, do carácter intuitu personae,
ou pela declaração, também em moldes claros, da respectiva
transmissibilidade. Em caso de dúvida, a transmissibilidade ou
intransmissibilidade há-de cifrar-se num problema de interpretação das
declarações negociais das partes. Concluindo-se pelo carácter pessoal do
pacto, a preferência será intransmissível, sendo permitida, no caso contrário.
Em conclusão, a natureza do pacto de preferência não é obstáculo
insuperável à sua transmissão. A regra é a da intransmissibilidade das
posições jurídicas que conformam o pacto de preferência, mas a sua
transmissão é perfeitamente admissível se houver estipulação expressa das
partes (art.º 420.º, in fine) ou se, tacitamente, a genética e a dinâmica do
próprio contrato apontar nessa direcção204.

15.4.- Eficácia real e violação da preferência

O pacto de preferência, por norma, produz apenas efeitos inter partes. A


violação do pacto, em razão da sua eficácia relativa ou obrigacional, gera
unicamente a obrigação de indemnizar (arts. 798.º e ss.).
É o que sucede nas hipóteses em que o obrigado aliena ou onera a coisa
a terceiro, sem qualquer comunicação para preferência, ou em que o obrigado
acaba por a alienar ou onerar, na mesma, a terceiro, depois de o titular exercer
o seu direito tempestivamente, ou ainda quando o obrigado se recusa, depois
de notificar o preferente, a celebrar o contrato objecto da preferência. Nestas
situações, o preferente não pode reivindicar para si o direito à coisa alienada
ou onerada, em razão do sobredito carácter relativo dos direitos de crédito.

204
.- LIMA, PIRES DE e VARELA, ANTUNES, Cod. Civil Anot. cit., v. I, p. 396, anot. 1, ao art.º
420.º.

86
Os pactuantes podem, entretanto, atribuir eficácia erga omnes à
convenção. Para tanto, importa que o pacto verse sobre bens registáveis, que
seja reduzido a escritura pública e que se proceda ao respectivo registo205, na
repartição competente. Cumulados estes três requisitos, o preferente adquire
um direito real de aquisição.
Nestes casos, o direito do preferente prevalece sobre o do adquirente e
o respectivo exercício é prosseguido, mutatis mutandis, por meio da acção de
preferência, nos termos dos arts. 421.º/2 e 1410.º. A acção deve ser intentada,
no prazo de seis meses, contados a partir do conhecimento dos elementos
essenciais da venda. Nos oito dias subsequentes ao despacho que ordene a
citação, deve o demandante oferecer a prestação a que está vinculado, um
outro corolário do sinalagma genético.
Os trabalhos preparatórios do Código e o vocábulo “réus”, no art.º
1410.º/2, consagram uma situação de litisconsórcio passivo necessário entre o
obrigado à preferência e o terceiro adquirente. A solução não é pacífica, mas
em seu abono aduz-se que, deste modo, se evitam julgados contraditórios,
como o de, v.g., proceder a acção de preferência contra o adquirente e
improceder a de indemnização contra o alienante. Por outro lado, considera-se
que seria iníquo imputar as custas do processo apenas ao adquirente e não já
ao obrigado à preferência, consabido o facto de ser este quem exactamente
deu causa à acção e ressabido, igualmente, que só a parte na acção pode ser
condenado em custas206.
Portanto, o preferente substitui-se, retroactivamente, ao adquirente e
considera-se a alienação ou oneração como feita ao preferente, ab ovo,
porquanto já este era o titular de um direito real de aquisição.
A preferência assim estabelecida, a despeito de dotada de eficácia real,
tem sempre a sua matriz na convenção. Em princípio, segue o regime das
preferências legais (arts. 1409.º, 1117.º, 1119.º, 1380.º, 1535.º, 1555.º, etc.).
Todavia, a preferência convencional, mesmo quando munida de eficácia real,
não prevalece sobre as preferências legais, cuja ratio se funda no interesse
público207. Assim, se dois indivíduos são comproprietários de uma coisa e um
destes se obriga a dar preferência a um terceiro na venda da sua quota,
sobrepõe-se, a esta última, o direito legal de preferência reconhecido ao
consorte (art.º 1409.º).
Apenas a preferência dotada de eficácia real e a legal procedem nos
casos indicados no art.º 422.º, in fine. Só os titulares de preferências legais e
de preferências convencionais erga omnes são notificados para exercerem o
seu direito na venda ou adjudicação dos bens (arts. 876.º/2 e 892.º, ambos do
CPC), mantendo-se, mesmo neste caso, a prevalência daqueles em relação a
estes, por tutelarem interesses de ordem pública.
A preferência tem fortes ligações com a simulação (arts. 240.º e ss.) ad
valorem. Simula-se um preço mais elevado, para afastar o preferente, ou um
preço mais baixo, com o propósito de evitar ou reduzir a tributação a efectuar
perante o fisco.

205
.- O registo da convenção terá de ser anterior ao do contrato de alienação a terceiro.
206
.- VARELA, ANTUNES, ob. cit., pp. 385 e ss. Sustentando a desnecessidade do
litisconsórcio necessário passivo, vide COSTA, ALMEIDA, ob. cit., pp. 415 e ss.
207
.-COSTA, ALMEIDA, ob. cit., p. 414.

87
Se o preço simulado supera o real, a preferência será exercida pelo
preço real. Com efeito, o contrato com o preço simulado será nulo (art.º
240.º/2), sendo válido o dissimulado, i.e., a venda pelo preço real (art.º 241.º).
As coisas não se põem com a mesma liquidez quando o preço simulado
é inferior ao real. Sustentaram alguns autores208 que a lei vedaria, nestes casos,
aos simuladores exigir que a preferência fosse exercida com base no preço
real, mas antes com base no preço simulado.
Trata-se de uma solução que conduz, recta via, a um locupletamento
injustificado do preferente e que faz inclusivamente descaso da regra que
manda validar o negócio dissimulado (art. 241.º).
A saída preferível é de considerar que, também neste derradeiro caso, a
preferência deverá ser realizada pelo preço real209.

15.5.- Natureza jurídica do pacto de preferência

No que toca à sua natureza jurídica, o pacto de preferência tem certa


afinidade com o contrato-promessa não sinalagmático, mas não se reconduz a
este último. Na verdade, a prestação a que se fica adstrito, no pacto de
preferência, não é, como na promessa, a de se celebrar o contrato prometido.
A vinculação pactícia visa proporcionar a certa pessoa a possibilidade de
participação em certo contrato, na condição de haver a decisão de o celebrar,
com precedência sobre os demais.
Outra nota distintiva reside no facto de, na promessa, os outorgantes
estabelecerem, de antemão, as cláusulas que conformarão o contrato
prometido, ao passo que nada disto sucede no pacto de preferência. Neste, as
cláusulas contratuais, apenas com a notificação para preferência (art.º 416.º),
passam a ser do domínio do titular activo. Por exemplo, o obrigado, no pacto
de preferência, não está vinculado a indicar o preço. Este vai ser indicado
aquando da apresentação do projecto de venda e do contrato negociado com o
terceiro210.
O pacto de preferência é, assim, dotado de autonomia em relação ao
contrato-promessa, mesmo quando unilateral211.
Para alguns autores, o pacto de preferência postula uma verdadeira
obrigação de contratar, duplamente condicionada. Haveria uma condição
potestativa a parte debitoris - a de o devedor tomar a decisão de contratar -, e
uma condição potestativa a parte creditoris, - a de o preferente querer celebrar
o negócio.
Para outros, o pacto de preferência encerra antes uma obrigação de
non facere, ou dito de outro modo, obriga o adstrito à preferência a não
208
.-MENDES, CASTRO, Teoria Geral do Direito Civil, II, Lisboa, Lisboa, AAFDL, 1985, pp. 153
e ss.
209
.-Defendendo a tese de a preferência dever ser exercida pelo preço simulado, vide LEITÃO,
MENEZES, ob. cit., pp. 264 e ss.
210
.-TELLES, GALVÃO, ob. cit., p. 148.
211
.-ASCENSÃO, OLIVEIRA, Preferência do arrendatário habitacional, notificação, renúncia,
caducidade. Anotação ao Ac. do STJ de 23 de Junho de 1992, in ROA 53 (1993). pp. 691 e ss.

88
celebrar o contrato com terceiro, mas unicamente com o titular da preferência,
salvo se este desistir212.
Outra posição inventariada por ANTUNES VARELA sustenta a
inexistência, no pacto de preferência, de uma obrigação de contratar ou de um
negócio condicional. A obrigação que dele resulta é de facere, isto é, o
obrigado vincula-se a escolher o preferente, caso se decida pela celebração do
contrato a que a preferência se refere213.

.
16.- CONTRATO A FAVOR DE TERCEIRO

Contrato a favor de terceiro é a convenção nos termos da qual um dos


contraentes - o promitente - atribui, por conta e à ordem do outro - o
promissário - uma vantagem a um terceiro – o beneficiário -, estranho ao pacto.
De resto, esta é a noção que resulta do artigo 443.º. Não raras vezes,
consistirá numa cláusula aposta a um contrato.
É inegável a importância teórica da figura, quanto mais não seja pela sua
índole trinitária. Todavia, não é de menosprezar o seu lado prático.
Um exemplo serve para atestá-lo. O empregador celebra com a
seguradora um contrato de seguro por acidentes de trabalho de que é
beneficiário o trabalhador. O promissário é o empregador (segurado), a cujo
cargo fica o pagamento dos prémios, a promitente será a seguradora, ficando
esta última vinculada a entregar o montante convencionado ao trabalhador
(beneficiário) em caso de acidente laboral. Outro exemplo de contrato a favor
de terceiro é o da doação modal ou com encargos (art. 963.º).
O contrato a favor de terceiro, para completar o seu ciclo de vida, exige,
no mínimo, três intervenientes: os dois contraentes e o terceiro. Figurá-lo
graficamente a partir de um segmento de recta com cada uma das partes nos
respectivos extremos, como sucede na generalidade dos contratos, é redutor.
Um triângulo214, com os três actores posicionados nos vértices, é a
configuração geométrica que se ajusta ao contrato em apreço.
Também em matéria de eficácia, deparamo-nos, aqui, com um desvio
relativamente à doutrina contida no artigo 406.º/2, 1.ª parte. O contrato a favor
de terceiro representa, na linha do artigo 406.º/2, in fine, um dos casos
excepcionais em que os efeitos se repercutem na esfera jurídica de alguém
estranho ao acordo.
Uma análise mais sofisticada da noção de contrato a favor de terceiro
permite inferir que a construção do conceito assenta sobre dois elementos

212
.- BARATA, CARLOS, Da Obrigação de Preferência. Contributo para o Estudo do art.º 416.º
do Código Civil, Coimbra, Coimbra Editora, 1990, pp. 150 e ss. É igualmente esta a posição
sustentada por LEITÃO, MENEZES, ob. cit., p. 267, fundando-a no facto de a preferência só
ser violada quando a referida obrigação de conteúdo negativo é, por seu turno, violada. Vide
também MESQUITA, HENRIQUE, ob. cit., pp. 210 e ss., considerando, numa posição muito
duvidosa, o preferente como titular de um direito potestativo e remetendo o obrigado para uma
situação de sujeição.
213
.- VARELA, ANTUNES, ob. cit., pp. 376 s.
214
.- COSTA, ALMEIDA, ob. cit., p 318.

89
básicos: um subjectivo ou pessoal, representado pelos intervenientes, e outro
objectivo ou patrimonial, expresso na atribuição patrimonial.
No elemento subjectivo, deparamo-nos, desde logo, com o promitente
que é a parte que fica adstrita a realizar a prestação. Ainda do elemento
subjectivo, faz igualmente parte o promissário ou estipulante que é a parte ante
quem a promessa é feita. É perante o promissário ou à ordem do mesmo que o
benefício é formado. Por último, temos o terceiro ou beneficiário. Este será o
adquirente do direito à prestação – 443.º/1 - ou a outro benefício – 443.º/2.
O elemento objectivo, expresso na atribuição patrimonial pode consistir
numa prestação, na cessão de um crédito – o credor cede gratuitamente o
crédito que tem sobre o devedor a um terceiro -, na remissão de uma
obrigação – por acordo entre promitente e promissário é perdoada uma dívida
em que o terceiro está constituído para com o promitente -, ou então na
constituição, modificação, transmissão ou extinção de direitos reais, conforme
resulta do artigo 443.º/2.
O contrato a favor de terceiro presta-se ainda a outras análises. Com
efeito, ele é decomponível em três relações. Por cada uma das três relações
correm poderes e deveres próprios.
A relação de base, também conhecida por relação de provisão, de
cobertura ou básica é a que liga o promissário ao promitente. No exemplo
acima vertido, seria o contrato de seguro celebrado entre o empregador e a
seguradora. Fixando os direitos e deveres de ambos os contraentes, esta é a
relação que alimenta, subsidia ou cobre a vantagem patrimonial atribuída ao
trabalhador em caso de acidente de trabalho. É por terem sido pagos os
prémios, que o trabalhador fará, depois, jus à indemnização.
A relação de execução liga o promitente ao terceiro. No seu âmbito,
aquele materializa a estipulação do promissário. No exemplo em apreço, a
relação de execução é a que se estabelece entre a seguradora e o trabalhador.
O promitente pode, no âmbito desta relação e conforme resulta do art.º 449.º,
utilizar os meios de defesa resultantes da relação de provisão, mas já não de
outras relações entre os outorgantes. Se a relação de provisão é, v.g., nula por
vício de forma, a invalidade pode ser oposta ao destinatário ou beneficiário.
A relação de atribuição ou de valuta liga o promissário ao terceiro. No
exemplo do contrato de seguro, acima figurado, o contrato de trabalho
celebrado entre o empregador e o trabalhador corresponde à relação de valuta.
No exemplo da doação modal, a motivação funda-se na intenção de efectuar
uma liberalidade. Em última análise, é na relação de valuta que estão
radicadas as motivações que levam o promissário a estipular a atribuição,
embora indirectamente, ao beneficiário.

16.1. – O paradigma e o regime correspondente

O protótipo de contrato a favor de terceiro caracteriza-se por três notas: é


verdadeiro ou próprio, por contraposição ao falso ou impróprio; a sua execução
ocorre em vida do promissário, por oposição aos que se executam post mortem
deste; o beneficiário é uma pessoa determinada, em contraste com os que
beneficiam pessoas indeterminadas ou o interesse público. Os regimes das
modalidades que se afastam do paradigma são analisados na rubrica seguinte.
Nesta, vamo-nos ocupar do paradigmático contrato a favor de terceiro.

90
Em termos de regime, o normal contrato a favor de terceiro faz surgir um
direito de crédito na esfera jurídica do destinatário, sem necessidade de
aceitação, como, de resto, decorre do art.º 444.º/1. Os efeitos reais apontados
no art.º 443.º/2 repercutem-se igualmente na esfera do beneficiário sem
necessidade de qualquer aceitação.
Seguiu-se, nesta sede legal, a teoria do incremento, nos termos da qual
a aquisição, pelo terceiro, se opera imediatamente, em razão do contrato
celebrado. Não se sufragou, deste modo, a teoria da aceitação. Na esteira
desta, o direito só se instalaria na esfera jurídica do beneficiário contra a
concordância deste. Rejeitou-se outrossim a teoria da cessão. Na senda desta
última, o promissário seria o adquirente primário e deste, a título derivado, o
terceiro adquiriria215.
Mas admite-se que o terceiro possa, nos termos do art.º 447.º/1, repudiar
a promessa. Aligeira-se assim a severidade da teoria do incremento, em nome
do princípio invito beneficium non datur – a ninguém pode ser imposto um
benefício indesejado.
Por outro lado, a adesão216 referida no art.º 447.º/1 não visa possibilitar a
aquisição pelo terceiro, mas, unicamente, irradiar a possibilidade de revogação
da promessa, conforme documenta o art.º 448.º/1. Paira antes da adesão uma
grande precariedade sobre o direito do terceiro. Com a adesão, o direito
consolida-se, em definitivo, na esfera jurídica do terceiro. A estipulação em
sentido contrário afasta igualmente a possibilidade de revogação (art. 448.º/1,
in fine).
Tal como prescreve o art.º 448.º/2, a revogação cabe ao promissário,
mas requer o acordo do promitente, se ambos tiverem interesse na promessa.
É o caso de o promitente assumir a obrigação de remitir uma dívida em que o
terceiro está, para com ele, constituído, vinculando-se o promissário, em
contrapartida, a afiançar um crédito a que se vai habilitar o promitente.
Tanto o promissário – art.º 444.º/1 - como o terceiro – art.º 444.º/2 -
podem exigir do promitente o cumprimento da obrigação. Porém, o direito de
crédito pertence ao terceiro, sendo o direito do promissário meramente
instrumental relativamente ao do terceiro. O promissário não exige a prestação
para si.
O artigo 450.º aplica-se às situações em que o património do promissário
conhece diminuições que prejudicam os credores ou os herdeiros legitimários,
nos casos em que há uma diferença entre o custo e o valor do benefício. A lei,
por via da impugnação pauliana, um dos meios de conservação da garantia
patrimonial, ou por via da colação, imputação e redução das doações pode
mandar reverter o benefício ao património do promissário.
Nestes casos, a dúvida pode ser colocada relativamente ao quantum
dessa reversão nomeadamente nos sobreditos casos em que a contribuição do
promissário difere, em termos de valor, da vantagem que se reflecte no
património do beneficiário.
Ilustremos com um exemplo. O terceiro beneficia de um seguro de vida
cifrado em kzs. 5.000.000.00, em razão de um contrato celebrado entre o
promissário (empregador) e a seguradora. A contribuição, a título de prémios
pagos à seguradora pelo promissário, cifra-se em kzs. 200.000.00. Quanto

215
.- LEITÃO, MENEZES, ob. cit., pp. 269 e s.
216
.- Há quem a chame aceitação – vide VARELA, ANTUNES, ob. cit., pp. 420 e s. -, mas é
óbvio que a adesão cumpre missão diversa.

91
deve ser restituído ao património do promissário, para efeitos do art.º 450.º?
Deve-se reagir contra o valor do benefício ou somente contra o seu custo?
No art.º 450.º/1 não se reage contra a liberalidade em si, visando-se
apenas a reversão daquilo que efectivamente saiu do património do
promissário. Neste caso, unicamente a contribuição do promissário regressará
ao seu património. No exemplo acima figurado vertido, o credor do promissário
que procedentemente impugnasse o contrato de seguro somente veria
restituídos ao património do promissário kzs. 200.000.00. O mesmo
aconteceria no caso de o herdeiro legitimário reagir contra uma doação feita
por conta do promissário a um amigo.
Já, nos casos do art.º 450.º/2, há um juízo de reprovação dirigido às
motivações patentes na relação de valuta, ao que está na base da própria
liberalidade ou ao terceiro que é dela indigno. A lei reage não já contra o mero
custo do benefício, determinando que todo o valor do mesmo reverta para o
património do promissário. Assim, no caso de o terceiro ser o cúmplice da
promissária adúltera, o montante a ser reintegrado no património da
promissária será de kzs. 5.000.000.00.

16.2.- Regimes especiais

O contrato a favor de terceiro, como vem de se dizer, pode conhecer


desvios em relação ao regime ora sintetizado.
As especialidades, em termos de regime, permitem identificar três
situações que se apartam do paradigma.

16.2.1.- Falso ou impróprio contrato a favor de terceiro

O art.º 444.º/3 preceitua que, na promessa de liberação de dívida do


promissáro, só a este é licito exigir o cumprimento da promessa. Neste caso, o
promitente não assume uma obrigação perante o terceiro, mas vincula-se,
antes, a liberar o promissário da dívida em que este está constituído para com
o terceiro. Trata-se de uma obrigação de resultado. Os meios que o promitente
há-de utilizar para se desempenhar do vínculo que assume não são chamados
à colação. Não se vincula a realizar uma atribuição patrimonial, embora para
cumprir a conduta a que fica adstrito possa vir a ter de efectuar uma prestação
de tal índole.
Em consequência, só o promissário, e não já o terceiro, tem interesse na
realização da prestação. As partes não visaram atribuir um direito ao terceiro e,
por essa razão, não teremos um verdadeiro contrato a favor de terceiro.
Portanto, ao lado do verdadeiro contrato a favor de terceiro, temos
outrossim o falso ou impróprio217 contrato a favor de terceiro.

16.2.2.- Promessa em benefício de pessoas indeterminadas ou no interesse


público

Trata-se de situações em que a prestação é destinada a um conjunto


indeterminado de pessoas – como no caso de o promitente se vincular ante o
promissário a entregar 5.000 brinquedos aos meninos de rua de Menongue ou
alimentos às vitimas de um desastre - ou é afectada ao interesse público –
217
.- MARTINEZ, ROMANO, ob. cit., p. 161.

92
como no exemplo do pintor, natural de Calumbo, que doa os seus quadros a
uma galeria de arte, obrigando-se esta a mantê-los gratuitamente expostos aos
calumbenses, todas às quintas-feiras.
Nestes casos, deparamo-nos com uma legitimidade difusa para exigir a
prestação. Têm legitimidade para o fazer o promissário ou, por morte deste, os
seus herdeiros, mas também as entidades competentes para defender os
interesses em causa, conforme postula o art.º 445.º. Nos exemplos vertidos,
teriam legitimidade, em termos de entidades competentes, os órgãos do
MINARS e do Ministério da Cultura, respectivamente.
A especialidade introduzida, em termos de tratamento jurídico, pode ser
explicada por várias vias. A falta de alguém determinado que possa exigir a
prestação e a natureza difusa do interesse são duas razões. A difusão dos
interessados e dos interesses implica, normalmente, fragilidade no exercício
jurídico das correspondentes posições. Por outro lado, o valor de que se
reveste a prestação para cada um, em concreto, pode não constituir
propriamente um incentivo à exigência da respectiva realização por ser tão
residual.
Entretanto, nem os herdeiros, nem as entidades em causa detêm um
direito de crédito. Unicamente têm o direito de reclamarem o cumprimento,
para os fins designados pelo promissário. Não há um direito à prestação, como
acontece com o terceiro, mas somente, à semelhança do que sucede com o
promissário (art.º 444.º/2), um mero direito de reclamar a prestação do
promitente para o fim estabelecido.
Nem uns nem outros podem dispor do direito à prestação (remitindo,
compensando, cedendo, etc.) ou autorizar qualquer modificação do seu objecto,
quer em termos de quantum quer em termos de quid (art.º 446.º/1). Evita-se,
deste modo, que os herdeiros e as entidades em causa, confrontados com
interesses em que se revia o promissário mas que lhes são estranhos, caiam
na veleidade de revogar a promessa218, de dela dispor ou de a alterar.
Portanto, o regime comum do contrato a favor de terceiro conhece, aqui,
uma clara solução de continuidade.

16.2.3.- Promessa a executar após a morte do promissário

Também, por aqui, se verificam especificidades em face do regime do


paradigmático contrato a favor de terceiro. Nesta modalidade, o terceiro, ao
contrário do disposto no art.º 441.º/1, não pode exigir o cumprimento antes da
morte do promissário (art.º 451.º).
A dúvida é se o direito de crédito do terceiro sobre o promitente existe,
desde a celebração do contrato, ou se este só se constitui após a morte do
promissário. A premoriência do terceiro ou do promissário pode levar a
implicações diferentes.
Ora, a lei presume que o terceiro adquire o direito só após a morte do
promissário (art.º 451.º/1). Mas a premoriência do beneficiário em relação ao
promissário, importa o chamamento dos herdeiros daquele à titularidade da
promessa (451.º/2). Nestes termos, a aquisição resulta do próprio contrato a
favor de terceiro e não já das regras do fenómeno sucessório, posto que o
beneficiário, aquando da sua morte, não tinha ainda inscrito direito algum na
sua esfera jurídica, mas apenas uma expectativa jurídica.
218
.- Uma tal restrição não se coloca ao promissário que até à adesão pode revogar a promessa.

93
Quando a promessa é estabelecida para ser cumprida após a morte do
promissário, pode este último, até lá, revogá-la, conforme resulta do art.º
448.º/1. Nisto se traduz igualmente uma outra especificidade do regime desta
variante de contrato a favor de terceiro. A promessa a cumprir após a morte do
promissário é sempre revogável em vida do promissário, salvo se houver
convenção em contrário ou o de a promessa interessar igualmente ao
promitente (art.º 448.º/1).

16.2.4.- Figuras próximas

O contrato a favor de terceiro e o contrato celebrado por meio de


representante têm, à primeira vista, pontos de contacto por serem ambos
realizados no interesse de uma outra pessoa que não os directos
intervenientes. Mas o representado é justamente o verdadeiro contraente (art.º
258.º). Ora, no contrato a favor de terceiro os contraentes são o promissário e
o promitente e o terceiro é um estranho que nunca chega a atingir o estatuto de
contraente.
O contrato a favor de terceiro não se confunde com o mandato sem
representação. Deste, podem nascer direitos e obrigações (art.º 1180.º). Do
contrato a favor de terceiro só podem resultar direitos. Os direitos resultantes
do mandato inscrevem-se, em primeiro lugar, na esfera do mandatário, sendo
transmitidos posteriormente para a do mandante. Já o direito do beneficiário,
no contrato a favor de terceiro, nasce directa e imediatamente na sua esfera.
O contrato a favor de terceiro difere igualmente do contrato de prestação
por terceiro. Nestes, o terceiro não é o beneficiário do contrato, mas o autor da
prestação que um dos contraentes promete ao outro. O escopo não é o de
atribuir ao terceiro um benefício, ao contrário do que sucede no contrato a favor
de terceiro.
E não há contrato a favor de terceiro quando o credor se limita a
autorizar que a prestação seja entregue a terceiro. Neste caso, o terceiro tão
só fica incumbido de receber a prestação (art.º 770/ a). O terceiro é designado
não como titular do direito à prestação, mas como mero destinatário da
prestação, até porque o devedor sempre se pode opor à indicação feita pelo
credor (art.º 771.º).

17.- CONTRATO PARA PESSOA A NOMEAR

O contrato para pessoa a nomear é a convenção em que um dos


intervenientes se reserva a faculdade de designar outrem para adquirir os
direitos e/ou assumir as obrigações resultantes da mesma. As mais das vezes,
tratar-se-á de uma cláusula que é aposta ao contrato, a chamada cláusula pro
amico eligendo ou pro amico electo.
O contrato para pessoa a nomear tem um largo interesse prático que
justifica, por isso mesmo, a sua consagração legal.

94
Um indivíduo pode não querer aparecer ostensivamente na celebração de
determinado negócio, carecido de formalização, para evitar que a contraparte
faça exigências excessivas ou para obstar à competição de outras pessoas. O
contratante, na altura da celebração, pode também não saber ainda se há-de
reservar, para si, a posição detida no contrato ou permitir que outrem o
substitua. Como pode ignorar se a pessoa visada para o substituir está
disposta a aceitá-lo.
Os exemplos são vários, mas vamo-nos cingir a dois.
A sabe que seu amigo B, residente na Caála, vai ser transferido para Luanda,
precisando consequentemente de uma residência. Nesta cidade, A depara-se
com um imóvel à venda e que se ajusta exactamente ao perfil pretendido por B.
Não tendo procuração ou existindo dificuldades em a obter com a celeridade
necessária, A pode celebrar o contrato de compra e venda com C, dono do
imóvel, reservando-se o direito de, a posteriori, indicar B para contraente. No
caso de B não aceitar, o interveniente celebra-o para si.
Evita-se, assim, a dupla transmissão e, por consequência, a dupla
tributação que, com os correspondentes encargos (duas sisas, duas escrituras,
etc.), representaria violência aberta. Não há, aqui, fraude ao fisco.
Outro exemplo seria o de D ter procuração de E para adquirir
determinada coisa, carecendo a celebração do negócio de ser documentada. O
aparecimento ostensivo de E, no negócio, pode provocar pretensões
excessivas do vendedor ou acirrar a competição entre os potenciais
compradores. Celebrar um contrato para pessoa a nomear pode ser, neste
caso, a melhor saída.

17.1.- Regime jurídico

No contrato para pessoa a nomear, quem celebra o com trato é um dos


intervenientes e a pessoa em cuja esfera jurídica se vão repercutir os
respectivos efeitos jurídicos é outra (art.º 452/1). Efectuada a designação, os
efeitos jurídicos repercutem-se directamente na esfera do nomeado. Não há
uma transmissão entre nomeante e nomeado, mas uma substituição. A reserva
de nomeação não é admitida nos contratos que não admitem representação ou
em que é imprescindível a determinação dos contraentes (art.452.º/2), como
sucede em alguns negócios familiares – na adopção são decisivas as
qualidades do adoptante - ou no contrato de trabalho219.
A nomeação para ser eficaz deve pautar-se por determinados requisitos
legais.
Assim, deve ser feita por escrito à contraparte do nomeante (contraente
firme), no prazo convencionado, ou faltando convenção, dentro de cinco dias, a
contar da celebração do contrato (art.º 453.º/1). Para além disso, a declaração
de nomeação deve ser instruída, para ser eficaz, de instrumento de ratificação
do contrato (art.º 268.º) ou de procuração (art.º 258.º) anterior à celebração
deste (art.º 453.º/2).
A ratificação é outorgada por escrito particular (art.º 454.º/1) ou revestirá
forma mais solene, quando o contrato celebrado exija documento com maior
força probatória (art.º 454.º/2).
Após a nomeação, o contraente nomeado adquire os direitos e/ou assume as
obrigações advenientes do contrato, a partir do momento da celebração (art.º
219
.- COSTA, ALMEIDA, ob. cit., p. 320.

95
455.º/1). A nomeação tem eficácia retroactiva; o contraente originário
desaparece do contrato e tudo acontece como se o nomeado fosse parte do
contrato ab origine. Se a aquisição ou a assunção se reportasse ao momento
da nomeação, teríamos uma transmissão.
O normal é a reserva de nomeação do terceiro ser posta em termos de
opção com a manutenção do contraente originário. Nesta esteira, o art.º 455.º/2
prevê, para o caso de não ser realizada a nomeação eficaz, que os efeitos do
contrato se inscrevam na esfera do contraente originário ou nomeante.
Mas as partes podem estipular em sentido contrário. Podem acordar que
o contrato, em caso algum, venha a produzir os seus efeitos em relação ao
contraente originário (art.º 455.º/2). A falta de nomeação ou a nomeação
ineficaz acarreta, nestes casos, a ineficácia do contrato.
O facto de o contrato estar sujeito a registo não impede a celebração do
contrato para pessoa a nomear. A aquisição é registada, provisoriamente, em
nome do contraente originário, com a indicação da cláusula para pessoa a
nomear. A posterior nomeação do terceiro ou a ausência dela regista-se por
averbamento (art.º 456.º).

17.2.- Natureza jurídica

Na literatura jurídica, há vários posicionamentos sobre a natureza do


contrato para pessoa a nomear.
Muitos consideram-no como um contrato a favor de terceiro. A doutrina
do contrato a favor de terceiro não se ajusta ao contrato para pessoa a nomear;
naquele atribui-se um benefício ao nomeado.
Para além das hipóteses de se resolver na assunção de uma obrigação
o que é, de todo em todo, estranho ao contrato a favor de terceiro, manda a
verdade dizer que a aquisição, no contrato para pessoa a nomear, não opera
automaticamente como sucede naquele (art.º 444.º/1), mas mediante
nomeação acompanhada de procuração anterior ou instrumento de ratificação
(art.º 453.º).
No contrato a favor de terceiro, este nunca chega a ser parte no contrato.
Já no contrato para pessoa a nomear, vem a sê-lo se a nomeação for
efectuada em moldes eficazes (art.º 455.º).
Igualmente, a figura da representação quer própria quer imprópria não
colhe para explicitar a natureza jurídica do contrato para pessoa a nomear.
Com efeito, na representação própria o negócio produz efeitos
directamente na esfera do representado. Na falta de legitimação, os efeitos do
negócio nunca se projectam na esfera do representante (art.º 258.º). No
contrato para pessoa a nomear, o nomeante não age em nome do nomeado.
No contrato para pessoa a nomear assiste-se a uma apropriação dos efeitos
pelo nomeado, se a nomeação for realizada em moldes eficazes. Sendo a
nomeação ineficaz, os efeitos radicam-se na esfera do nomeante.
Já na representação imprópria – mandato sem representação – o
mandatário age em nome próprio, isto é, não há, aqui, a chamada contemplatio
domini que se consubstancia na actuação do representante em nome do
representado. Os direitos adquiridos e as obrigações assumidas são
transmitidos, a posteriori, para o mandante (arts. 1180.º e ss). No contrato para
pessoa a nomear, um dos contraentes declara contratar para terceiro e feita a
nomeação eficaz, os efeitos do negócio inscrevem-se na esfera do nomeado

96
retroactivamente, sem necessidade de um acto especial de transmissão,
existindo antes uma substituição.
De resto, no contrato para pessoa a nomear, os efeitos podem acabar
por se repercutir na esfera do nomeante (art.º 455.º/2), o que não acontece na
representação. Nesta, os efeitos repercutem-se na esfera jurídica do
representado (art.º 258.º).
A tese doutrinária que reúne sufrágios mais expressivos é a que
considera o contrato a favor de terceiro como um contrato celebrado
simultaneamente in nomine proprio e in nomine alieno. A celebração in nomine
proprio está sujeita a uma condição resolutiva – a eficaz nomeação do terceiro -,
que em relação ao contrato celebrado in nomine alieno funciona como
condição suspensiva220.
Os quadros explicitados por esta teoria ajustam-se mais adequadamente
à intelecção dogmática do contrato para pessoa a nomear.

18.- NEGÓCIOS JURÍDICOS UNILATERAIS

Para o pensamento tradicional, o contrato seria a única fonte das


obrigações que teria por referência o princípio da autonomia privada. Só o
contrato seria fonte idónea para a constituição de obrigações. Equivale isto a
dizer que não basta apenas uma declaração negocial do devedor; é também
necessária outra do credor, com ela convergente. Só a convenção bilateral
pode, em regra, criar obrigações.
Este é chamado princípio do contrato. Dele decorre a indispensabilidade,
para a constituição de obrigações, de, no mínimo, duas declarações de
vontade contrapostas, mas harmonizáveis entre si. Este seria o único meio
legítimo de criar vinculações no âmbito da autonomia privada.
Daí as limitações aos negócios unilaterais, como fontes de obrigações. À
admissibilidade dos negócios jurídicos unilaterais, alguma doutrina costuma
opor duas objecções básicas.
Em primeiro lugar, violar-se-ia a regra invito beneficium non datur, posto
que um direito de crédito inscreve-se, na esfera jurídica alheia, sem o
consentimento do seu titular. Em segundo lugar, poder-se-iam constituir, deste
modo, vinculações precipitadas, antes mesmo do acordo da contraparte221.
A primeira objecção pode ser torneada, mediante uma solução similar
àquela que impera no contrato a favor de terceiro. O terceiro, embora adquira o
direito, pode extingui-lo mediante comunicação da sua rejeição – art.º 447.º/1.
Também o credor o pode fazer nos negócios jurídicos unilaterais. Quanto à
segunda objecção, pode-se dizer que este não é único terreno em que podem
ocorrer vinculações precipitadas. Também nos negócios jurídicos bilaterais,
maxime nos não formais, o risco de a declaração negocial ser exarada sem
uma aturada ponderação é imanente.
O nosso código não aceita o princípio do contrato, em termos absolutos.
Daí que o art.º 457.º estabeleça o princípio da tipicidade ou do numerus
clausus dos negócios jurídicos unilaterais222.
Portanto, os negócios jurídicos unilaterais correspondem a uma
excepção ao princípio do contrato. São vários os exemplos de negócios
220
.- Neste sentido, ver VARELA, Antunes, ob. cit. TELLES, Galvão, LEITÃO, Menezes, ob. cit. pp.
221
.- LEITÃO, Menezes, ob. cit., pp.
222
.- Para um levantamento das posições em sentido contrário ver LEITÃO, Menezes, ob. cit. pp.

97
jurídicos unilaterais. A instituição de uma fundação, o testamento, a resolução,
a revogação, a confirmação, a resolução, as doações a incapazes ou a
nascituros223, a promessa pública, etc.

3.- Promessa pública

A promessa pública é a declaração feita mediante anúncio difundido


entre os interessados, na qual o promitente se obriga a realizar uma prestação
a quem se encontre em dada situação ou pratique certo facto, positivo ou
negativo – art.º 459.º/1. Sem que seja necessária a aceitação do beneficiário, o
promitente fica logo vinculado, a partir do anúncio público. Constitui-se, pois,
uma obrigação de sujeito activo indeterminado, mas determinável – 511.º.
A proposta deve ser publicitada por intermédio da imprensa, da Internet,
por afixação em lugar público ou por outros meios mais restritos. Por exemplo,
a promessa de uma recompensa ao aluno melhor classificado, na cadeira de
Obrigações, basta que ela seja anunciada aos alunos que estão inscritos na
cadeira em questão.
A prestação tem, geralmente, o sentido de uma recompensa pela prática
de um facto positivo (descoberta de um crime, a denúncia de um criminoso, a
entrega de um animal tresmalhado ou furtado, o primeiro golo da selecção
angolana numa competição desportiva224, o melhor aproveitamento na
Universidade, etc.) ou negativo (a não comissão de faltas, na cadeira de
Obrigações, ao longo do ano lectivo).
Mas a prestação pode visar a comemoração de certo evento. Assim será
com a promessa de uma soma a quem tiver nascido na data em que o autor
veio ao mundo.
A promessa pública difere da oferta ao público e do convite a
apresentação de propostas contratuais, previstas no art.º 230.º/3. Esta é uma
proposta negocial dirigida a pessoas indeterminadas e integrada num contrato
em potência, só se aperfeiçoando com a aceitação da outra parte. Só com a
aceitação surge o dever de prestar e o direito subjectivo que lhe é correlato.
Até chegar ao conhecimento do destinatário a proposta é revogável.
Ora, na promessa pública, o dever de prestar não fica pendente de
qualquer aceitação; é despoletado logo com o anúncio público. A promessa
pública apenas é revogável nos estritos marcos assinalados nos arts. 460.º e
461.º.
O art.º 225.º contempla uma situação diversa da retratada no art.º 230.º/3.
A proposta, estabelece aquele preceito, pode ser anunciada publicamente para
chegar à esfera de acção de determinado declaratário desconhecido ou
ausente.
A prática do facto ou a verificação da situação prevista, na ignorância da
promessa não preclude o dever de prestar. O mesmo há-de suceder no caso

223
.- Recorde-se, aqui, a problemática dos direitos sem sujeito.
224
.- Uma empresa prometeu um imóvel, avaliado em USD 150.000.00, ao jogador angolano que
marcasse o primeiro golo, no Mundial de Futebol de 2006.

98
de a prática do facto ou a verificação da situação prevista não ser movida pela
promessa – art.º 459.º/2.
A promessa pública extingue-se por caducidade quando o promitente
fixa um prazo de validade ou este resulta da natureza ou do fim da promessa –
460.º e 331.º. O prazo pode resultar ex professo da promessa.
O termo ou prazo pode não constar da promessa. Pode resultar da
natureza da promessa como sucede no caso em que se oferece uma
recompensa ao veterinário que salve um animal doente. O momento da cura
ou da morte do animal é o prazo de validade da promessa.
O prazo pode resultar do fim da promessa. O exemplo é o da promessa
de uma residência ao jogador angolano de futebol que marque o primeiro golo
no campeonato mundial. A promessa é válida até ao termo da competição em
relação à equipa angolana.
Não havendo prazo, a promessa apenas pode ser extinta por
revogação – arts. 460.º e 461.º/1. Destarte, o promitente deixa de ficar
vinculado ad aeternum. A promessa com prazo é também susceptível de
revogação, em caso de existência de justa causa - art.º 461.º/1.
Haverá justa causa quando, v.g., se verifica o recurso, pelo aluno, à
fraude para a obtenção da classificação máxima que o habilitaria à recompensa
prometida. Ou a promessa de um prémio ao aluno mais novo que afinal viciou
a idade. Quando há justa causa, ao invés da revogação, mais acertado seria
dizer-se rescisão225.
No art.º 461.º/2, estabelece-se que a forma da revogação deve revestir a
da promessa ou equivalente. Se a promessa foi anunciada pela Rádio Eclesia,
pela mesma via se dará publicidade à revogação ou por uma rádio de difusão
equivalente. Em ambos os casos apresentados no art.º 461.º/1, a eficácia da
revogação é colocada, nos termos do art.º 461.º/2, na dependência de
determinadas circunstâncias. Se há prazo, a eficácia dependerá da existência
de justa causa e que não tenha ainda sido praticado o facto ou verificada a
situação. Não havendo prazo, a eficácia dependerá da verificação de uma das
duas últimas circunstâncias?.
A cooperação de várias pessoas para a consecução do resultado
previsto na promessa, se todas tiverem direito à prestação, importa a divisão
equitativa da mesma – art.º 462.º. Pode-se dizer que todos os intervenientes
têm direito à prestação se são abarcadas pelo critério para que a promessa
aponta, como, por exemplo, a promessa feita àquele que anunciar, àquele que
conseguir, àquele que denunciar, etc., e vários são os que anunciam,
conseguem ou denunciam. Mas se o critério apontar para o primeiro que
anunciar, o primeiro que conseguir ou o primeiro que denunciar, somente estes
terão direito à prestação. A divisão há-de fundar-se na contribuição de cada
uma para a produção do resultado.

4.- Promessa de cumprimento e reconhecimento de dívida

O art.º 458.º não constitui um desvio ao princípio do contrato, porquanto


nem a promessa de cumprimento nem o reconhecimento de dívida são
negócios jurídicos unilaterais. Aqui a verdadeira fonte da obrigação será a
«relação fundamental”.

225
.- TELLES, Galvão

99
A prova da inexistência da relação fundamental determina que a
obrigação caia por terra, de nada lhe servindo a promessa de cumprimento ou
o reconhecimento da dívida.
Quando Apromete pagar 1000 a B ou quando Creconhece dever 1000 a
D, há uma relação jurídica a montante. Nenhum destes actos constitui fonte
autónoma das obrigações apontadas. A causa é a relação fundamental que o
credor fica dispensado de provar, impendendo sobre o declarante o ónus de
provar que ela não existe.
Cria-se apenas a presunção da existência de uma relação negocial ou
extranegocial, sendo esta a verdadeira fonte da obrigação. Se o declarante ou
os seus herdeiros provarem a sua inexistência, a sua invalidade, a sua
caducidade, a sua prescrição, etc., a obrigação decai – art.º 458.º/1. O que se
consagra é, aqui, a inversão do ónus de prova da relação fundamental.
O mínimo que se exige quanto à forma da promessa de cumprimento e
do reconhecimento de dívida é o escrito particular. Porém, se forma mais
solene for exigida para a prova da relação fundamental, por ela se pautará
outrossim a promessa de cumprimento e o reconhecimento – 458.º/2226.

5. Concurso público

No concurso público, a intenção normal do promitente é a de galardoar


ou premiar apenas um ou alguns dos concorrentes. Pode ser para a atribuição
de prémios literários ou científicos, para a escolha do melhor projecto para
determinada obra, etc.
Distingue-se da promessa pública em virtude de a oferta da prestação
ocorrer como prémio de um concurso, pelo que tem que ser fixado um prazo
para a apresentação dos concorrentes, sob pena de o concurso não ser
válido – art.º 463.º/1. O prazo é fixado na mira de vedar a possibilidade de
dilações protagonizáveis pelo promitente, à espera de mais candidatos.
Ao júri designado pelo promitente cabe a decisão sobre a admissão dos
candidatos e sobre a atribuição do prémio; se não houver júri, compete ao
promitente fazê-lo – art.º 463.º/2.
Por se tratar de um verdadeiro negócio unilateral, o concurso público
difere dos concursos relativos à celebração de contratos. Nestes, está em
causa um processo de formação do contrato, enquanto, naqueles, constitui-se
um negócio jurídico unilateral, gerador de um direito de crédito.

19- GESTÃO DE NEGÓCIOS

19.1.- Generalidades

Examinámos, até agora, os negócios jurídicos enquanto fonte de


obrigações. São fontes que se fundam na autonomia privada. Já a gestão de
negócios funda-se na lei e, não raras vezes, esteve incluída nos quase-
contratos.
A gestão de negócios (negotiorum gestio) visava, no direito romano,
tutelar os interesses dos cidadãos ausentes. Por altruísmo e solidariedade, a
administração desses interesses era, espontaneamente, assumida por alguém.

226
.- O problema não se põe, aqui, em termos de formalidades, mas antes de forma.

100
Mas qualquer sociedade é altruísta e solidária. Por isso mesmo, a gestão
de negócios não é um apanágio exclusivo de Roma. A intervenção de alguém,
em assunto de outrem, sem autorização, buscando o proveito deste e com o
propósito de, para ele, transferir os resultados dessa intervenção, é algo de
comum em qualquer formação social.
No Código Civil angolano, os dispositivos assinalados visam
compatibilizar uma colaboração não autorizada entre sujeitos privados. A
intromissão do gestor em assunto alheio há-de respeitar o interesse e a
vontade do dominus.
A regra é a de o dono administrar o seu património. Quando não pode,
recorre à colaboração de terceiros, celebrando contratos ou negócios jurídicos
unilaterais. Sendo incapaz ou estando ausente em sentido técnico, a própria lei
resolve o problema, por meio da representação legal, da assistência ou através
das providências aplicáveis à ausência.
Portanto, há um princípio básico que proíbe a imiscuição em negócio
alheio. Mas a necessidade de prover à administração de bens, em lugar do
titular do direito, com o fim de evitar prejuízos, fora dos casos de impedimento
legal ou ausência em sentido técnico, é recorrente.
O titular dos bens está doente, em missão oficial ou a prestar serviço
militar ou paramilitar; em suma, está impossibilitado de actuar. O exemplo
paradigmático é o do imóvel que carece, com urgência, de benfeitorias
necessárias, quando o dono está ausente.
Há actos urgentes a praticar, como uma renda que se vence e que assim
deve ser paga, a criação do vizinho hospitalizado que deve ser alimentada, o
tomate da plantação do vizinho ausente que precisa de ser colhido e vendido,
etc.
As dificuldades surgem quando, por um lado, o dominus considera que a
gestão não foi exercida em conformidade com o seu interesse e vontade, não a
aprovando, ou quando o gestor exige o reembolso de despesas por si
cometidas e que fundadamente julgou indispensáveis ou a indemnização dos
danos verificados na sua esfera jurídica, em razão da gestão.
A disciplina inscrita no instituto busca, assim, o equilíbrio entre os
interesses contrapostos implicados por uma intervenção não solicitada e pela
sua utilidade sócio-económica.

19.2.- Noção e requisitos

A gestão de negócios é a intervenção não autorizada, de uma pessoa,


na direcção de negócio alheio, feita no interesse e por conta do respectivo
dono - art.º 464.º. Em termos de subjectividade, temos uma obrigação em
sentido técnico encabeçada pelo dono do negócio (dominus negotii)227 e pelo
gestor (gestor). Podem, eventualmente, surgir terceiros que celebram negócios
jurídicos com o gestor.
A gestão de negócios pauta-se por três requisitos de observância
cumulativa: assunção da direcção de negócio alheio; actuação no interesse e
por conta do dono do negócio e falta de autorização.
Centremo-nos na análise de cada um dos requisitos.

227
.- O dominus negotii será, as mais das vezes, o dominus proprietatis, mas bem pode ser o
arrendatário, ou o titular de um direito real menor.

101
Sobre o primeiro requisito, importa sublinhar que a gestão há-de consistir
num facere, não se compaginando, pois, com uma conduta omissiva. E
negócio alheio é sinónimo de interesse ou assunto pertencente a outrem. Se a
intervenção for em negócio próprio, erroneamente julgado alheio, a disciplina
da gestão de negócios não será chamada à colação.
O conceito de negócio é, para efeitos do instituto sob análise, de maior
latitude, quando confrontado com a sua acepção técnico-jurídica.
Na ampla fórmula do art.º 464.º, cabem negócios jurídicos, como sucede
nos casos em que o gestor celebra contratos, actos jurídicos não negociais,
como nos casos em que o gestor paga um imposto ou uma renda do ausente
em missão de serviço, ou meros actos materiais, como ocorre nos casos de
reparação do quintal do vizinho ausente, prestes a ruir, ou no caso do
pensamento dos animais do proprietário hospitalizado ou no caso da colheita
de frutos, etc. O assunto alheio pode ser material ou espiritual, como a vida, a
integridade física ou o bom-nome de outrem.
O segundo requisito é preenchido por uma actuação no interesse e por
conta de outrem. Agir no interesse do dominus equivale a dizer que a gestão
deve satisfazer ou preencher uma necessidade sua. A gestão é feita no
interesse do dono quando é feita em seu proveito, quando se visa
proporcionar-lhe uma vantagem ou evitar um prejuízo. A actuação do gestor no
interesse do dono é referendada pela utilidade de que ela se reveste para este
último. O interesse é a idoneidade, a aptidão objectiva do acto do gestor para
satisfazer qualquer necessidade do dono.
Já a actuação por conta do dono há-de consistir na intenção de carrear,
de transferir, imediata ou posteriormente, os proveitos e encargos da
intervenção para a esfera do dominus. Age-se em vista da inscrição de todos
os efeitos práticos da intervenção, dos meios e resultados da gestão na esfera
do dono do negócio. Só assim se estará a agir por conta de outrem. Se o
gestor age no seu exclusivo interesse não há gestão de negócios, justamente
porque faltará o animus aliena negotia gerendi.
Neste último caso, se não for aprovada a gestão, apenas teremos uma
situação subsumível ao enriquecimento sem causa. Haveria uma gestão de
negócio alheio julgado próprio - art.º 472º/1.
Ou há gestão imprópria de negócios, quando o gestor, conscientemente,
carrea, para o seu património os proveitos da intromissão na esfera jurídica de
outrem, como ocorre quando recebe, em seu proveito, rendas alheias.
Neste caso, o problema resolve-se pelas regras da responsabilidade civil,
senão mesmo pelas da responsabilidade criminal. O mesmo pode suceder
quando o gestor não se preocupa em estabelecer fronteiras entre o negócio
próprio e o alheio.
Em geral, o interesse e a vontade do dominus coincidem. Não
coincidindo, o aconselhável é a abstenção de qualquer conduta, porquanto a lei
manda atender igualmente a ambos. A vontade ao arrepio da lei ou da ordem
pública ou ofensiva dos bons costumes – art.º 465.º/a) - deve ceder ante o
interesse objectivamente considerado.
A falta de autorização tem o sentido de não haver qualquer relação
jurídica entre o dono e o gestor que confira, a este, o direito de intervir ou lhe
imponha o dever jurídico de se intrometer. A gestão supõe a falta de mandato,
procuração, contrato de trabalho, contrato de prestação de serviço, tutela,

102
poder paternal, assistência, curadoria provisória ou definitiva, morte presumida,
etc.

19.3.- Os três grupos de relações

Em sede de regime, impõe-se que se distingam três grupos de relações: as


relações entre o dono e o gestor, entre o dono e terceiros e entre o gestor e
terceiros.
No primeiro grupo de relações, há deveres que correm por conta do
gestor.
É, desde logo, a questão da continuação da gestão, em que estaríamos
ante um dever indirectamente consagrado no art. 466.º/1. A interrupção
injustificada da gestão acarreta responsabilidade civil e, por esta via indirecta,
teríamos a consagração do sobredito dever.
Um outro dever é o de lealdade ao interesse e à vontade real ou
presumível do dono - artigos 466.º/2 e 465º/a). É de harmonia com a vantagem
concretamente considerada e de harmonia com o querer do dono que se deve
avaliar a conduta do gestor.
Alguma doutrina defende que a culpa do gestor seja aferida em moldes
abstractos, com base no critério do bonus pater familias - art. 466.º228. Outro
quadrante da literatura jurídica sustenta a inexistência, neste ÿÿmíniÿÿ de
razões que remetam para a ÿÿlpa in concreto, isto é, para o zelo, diligência ou
aptidão que o gestor poria nos seus próprios negócios229. Um último segmento
da doutrina defende uma solução eclética: a diligência de um bonus pater
familias será exigida para os casos de o gestor ser um profissional ou de
funcionar como um garante do resultado e, para os demais, a solução é a da
culpa in concreto230.
No caso de conflito entre o interesse e a vontade do dominus não se
atende, desde logo, à vontade contrária à lei.
O eventual conflito pode consistir nisto: o gestor pensa que a sementeira
de milho seria mais rentável para o dono (interesse), mas sabe que o dono não
a plantaria (vontade).
As soluções, neste plano, vão desde a abstenção dos actos que o dono
não praticaria, a despeito de favoráveis; a abstenção dos actos condenados
por uma judiciosa ponderação de interesses e prática de actos favoráveis que
o dono só não realizaria por ignorância.
O art.º 465.º/b) contempla o dever deinformar o dono do negócio sobre a
assunção da gestão, para que possa prover da melhor maneira, escolhendo
procurador, convertendo o gestor em mandatário, pondo fim à gestão, etc.
Existe ainda o dever de prestar todas as informações relativas à gestão, nos
termos do art.º 465.º/d), assim como o de prestar contas e entregar os valores
detidos, nos termos do art. 465.º/e) e c).
Por outro lado, há deveres que impendem sobre o dono do negócio para
com o gestor.
Havendo aprovação da gestão, cessa a responsabilidade do gestor
pelos danos causados, é-lhe reconhecido o direito ao reembolso das despesas

228
.- A tese é defendida por LEITÃO, MENEZES, ob. cit., pp. 496 e s.
229
.- Esta é a solução proposta, cum grano salis, por VARELA, ANTUNES, ob. cit., pp. 460 e ss.,
argumentando com a espontaneidade e altruísmo subjacentes à gestão.
230
.- Cfr. COSTA, ALMEIDA, ob. cit., p.442 e s.

103
praticadas, bem como o de ser indemnizado do prejuízo sofrido por causa da
gestão.
A aprovação é um juízo global de concordância com a actuação do
gestor – arts. 469º e 468º. As implicações da aprovação traduzem-se na
renúncia à indemnização, por parte do dominus, no pagamento das despesas
ao gestor e na indemnização dos prejuízos sofridos por este último.
A gestão não é, por regra, remunerada. Quando corresponde ao
exercício da actividade profissional do gestor, como no exemplo do médico ou
do advogado, há direito a remuneração – art. 470º.
Faltando aprovação, basta, todavia, que a gestão tenha sido exercida nos
termos do art. 468.º/1. Provando-se a regularidade da gestão, o gestor terá os
direitos correspondentes aos que resultam da gestão aprovada.
De contrário, isto é, quando a gestão não corresponde ou ao interesse
ou à vontade do dominus e não tenha sido aprovada por ele, responderá o
gestor pelos danos causados porque agiu ilicitamente. O gestor só terá direito
ao valor com que o dominus se tenha injustificadamente enriquecido à sua
custa (do gestor) – art.º 468.º/2.
A posição do dono do negócio em face de terceiros coloca-se a propósito
dos actos jurídicos celebrados pelo gestor. Trata-se essencialmente de apurar
do modo como se repercutem na esfera do dominus os contratos celebrados
pelo gestor. A resposta depende da qualidade em que intervém o gestor.
Se o gestor celebrou o negócio em nome do dono, haverá que aplicar os
princípios da representação sem poderes – arts. 471º, primeira parte, e 268.º.
O negócio será eficaz, se for ratificado pelo dominus, considerando-se
recusada a ratificação se não for feita no prazo que a parte fixar - art. 268.º.
Não sendo ratificado, o negócio será ineficaz. A gestão representativa
corresponde a uma situação particularmente melindrosa para o terceiro.
Celebrando o gestor em seu nome próprio, estaremos ante uma gestão
não representativa, aplicam-se-lhe as normas relativas ao mandato sem
representação - arts. 1180º e ss. Os efeitos repercutem-se directamente na
esfera jurídica do gestor que deve, no entanto, transferir para o interessado os
direitos e obrigações resultantes do contrato.

20.- ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA

20.1.- Generalidades

Outra fonte de obrigações é o enriquecimento sem causa ou


locupletamento injusto, disciplinado nos arts. 473.º e ss. O locupletamento sem
causa é desencadeado por actos que incrementam o património de alguém à
custa de outrem.
A solução é instituída para extirpar situações que, a despeito de
formalmente conformes com a lei, possam conduzir a desfechos de infundado
locupletamento e que, substancialmente, repugnam ao Direito. O fim do
instituto é o de reverter ou neutralizar vantagens patrimoniais, não permitindo
que elas se radiquem numa dada esfera jurídica, quando firam a correcta
ordenação dos bens postulada pelo Direito. Haverá que restituir a vantagem à
esfera jurídica de que é originária.
Num pensamento elementar e não existindo causa justificativa para o
locupletamento, partir-se-ia para a nulidade ou anulabilidade do acto,

104
permitindo, através dos respectivos efeitos, a plena reposição da situação
anterior.
Mas isso nem sempre se revela possível. Com efeito, o acto gerador do
enriquecimento pode não estar inquinado de vícios que determinem a sua
invalidade ou pode não determinar a intervenção de outros mecanismos de
recondução à situaçãoanterior à prática do acto, como se dá, v.g., nos casos
de resolução, rescisão, revogação, etc.
Para além de não existirem razões para agredir o património do titular do
enriquecimento por via dos mecanismos apontados, importa sublinhar que
podem existir impossibilidades de ordem material ou inconveniências de índole
económica a depor no sentido do não regresso à situação anterior.
O exemplo temo-lo nas benfeitorias realizadas pelo possuidor numa coisa
imóvel que é propriedade de outrem. Reivindicado o imóvel pelo proprietário,
nos termos do art.º 1311.º e obtida a sua restituição, o levantamento das
benfeitorias realizadas pode causar o detrimento da coisa, com as
inconveniências económicas associadas. Será, então, justo que o proprietário
compense o possuidor relativamente ao valor com que se locupletou, na senda
do art.º 1273.º/2231.
Outros exemplos consistiriam no uso, consumo ou alienação de coisas,
no uso e fruição de direitos de autor ou marcários, na instalação em casa
alheia pensando ser sua, ou dito de outro modo, nos casos de intervenção em
direitos ou interesses alheios correspondem a outras tantas ilustrações de
enriquecimento sem causa.
O enriquecimento injusto dá lugar à obrigação de restituir. Procede-se à
correcção da injusta e intolerável situação que se cria em face do Direito.
As situações de enriquecimento sem causa podem advir de negócio
jurídico, em regra, celebrado entre o enriquecido e a pessoa à custa de quem
se enriquece. Mas bem podem resultar de acto jurídico não negocial, como do
pagamento do preço, ou até de simples actos materiais, como os que se
integram na gestão de negócios não aprovada.

20.2.-Requisitos

Para se poder falar em enriquecimento sem causa, importa que,


cumulativamente, se congreguem quatro requisitos: enriquecimento, sem
causa justificativa, à custa de outrem - estes três requisitos resultam da
cláusula geral contida no art.º 473.º/1 - e inexistência de outro meio de reacção
contra o enriquecimento, nos termos do art.º 474.º 232.

20.2.1.- O enriquecimento

O instituto do enriquecimento sem causa apenas é chamado a intervir se,


em primeiro plano, existir um enriquecimento. Este consiste na obtenção de
uma vantagem de carácter patrimonial, seja qual for a forma que essa
231
.- O exemplo apontado por ANTUNES VARELA é o de alguém que faz sementeira em
terreno alheio. Um tal exemplo não se reconduz, em primeira linha, ao enriquecimento sem
causa. Estando o empobrecido de boa fé, é chamada a intervir a responsabilidade civil, nos
termos do art.º 1340.º. Só no caso do art.º 1341.º há lugar à restituição por enriquecimento sem
causa.
232
.- MANSO, LUÍS DUARTE e OLIVEIRA, NUNO TEODÓSIO, Direito das Obrigações, Quid
Juris, 2005, pp. 82.

105
vantagem revista. Apartamo-nos, assim, da recondução ao conceito de
enriquecimento de vantagens morais ou sociais insusceptíveis de avaliação
pecuniária, i.e., sem valor venal.
O enriquecimento existirá, normalmente, por referência a um
empobrecimento. Mas tal não é forçoso.
Bem pode haver enriquecimento sem empobrecimento, como sucede
nos casos de enriquecimento por intervenção. O exemplo é o da utilização, por
erro, do imóvel que o proprietário deixou desabitado e que jamais arrendaria. A
doutrina da afectação ou da destinação dos bens absolutamente protegidos
diz-nos que as mais-valias estão, neste caso, reservadas ao titular do bem.
Umas vezes, a vantagem há-de traduzir-se no aumento do activo
patrimonial, como ocorre no caso de percepção de prestação não devida. É o
caso de alguém que vende um imóvel a outrem que não o regista e a um
terceiro que regista. A aquisição feita pelo terceiro é a que prevalece, mas há
um enriquecimento do alienante à custa do primeiro adquirente que deve ser
extirpado.
Outras vezes, o enriquecimento consistirá numa diminuição do passivo
do enriquecido, como ocorre no cumprimento efectuado por terceiro, na
errónea convicção de a isso estar obrigado.
Por vezes, o património enriquecido não apresenta variações nem do
lado activo, nem do lado passivo, mas, mesmo assim, haverá enriquecimento.
Isto ocorre nas situações em que há poupança de despesas, como sucede no
caso de alguém prestar alimentos ao descendente de outrem, porque julga
erroneamente tratar-se de um filho seu.

20.2.2- A ausência de causa justificativa

O segundo requisito diz-nos que o enriquecimento contra o qual se reage


tem de carecer de causa justificativa. Ou porque nunca a teve ou porque, tendo
existido, a haja, entretanto, perdido. Carece de causa o enriquecimento que
não encontra fundamento para a respectiva inscrição na esfera do enriquecido.
A falta de fundamento é que explica a remoção da vantagem do património
enriquecido.
O Código não nos dá o conceito de causa do enriquecimento. A
concretização deste conceito encerra algumas dificuldades, pois a lei apenas
fornece os indicadores constantes do art.º 473.º/2.
A causa, quando o enriquecimento provém de uma prestação, é a
relação jurídica que a prestação visa satisfazer. Se a obrigação já não existia
ou nunca existiu, a prestação carece de causa, posto que já não existia ou
nunca existiu a relação jurídica que se visava extinguir.
Quando o mesmo imóvel é alienado a duas pessoas e o último
adquirente, ao contrário do outro, regista a aquisição, a lei confere a
propriedade ao primeiro que regista, em homenagem à boa fé e à segurança
das transacções, mas nunca sanciona a situação do enriquecimento que
advém para o vendedor com a retenção de dois preços pagos pela mesma
coisa. O preço pago pelo indivíduo que não registou ou que o fez em último
lugar há-de ser restituído por não ter causa legitimadora.
Mas o enriquecimento pode provir de uma intromissão do enriquecido em
direitos ou bens jurídicos alheios, ou de actos puramente materiais e não já de

106
uma prestação. O enriquecimento, nestes casos, carece de causa porque,
segundo a própria lei, deve pertencer a outra pessoa.
Em tese geral, pode-se dizer que não tem causa justificativa o
enriquecimento que, de conformidade com a correcta ordenação de bens
postulada pelo sistema jurídico deva pertencer a outrem. Tem, assim,
justificação o enriquecimento proveniente de usucapião. A posse prolongada
justifica a aquisição, nos termos dos arts. 1287º e ss.

20.2.3.- Obtenção do enriquecimento à custa de outrem

Em terceiro lugar, o enriquecimento terá que ser obtido à custa de quem


requer a restituição, à custa de outrem. Ao enriquecimento injusto de uma
pessoa corresponde, normalmente, o empobrecimento de quem requer a
restituição. A vantagem patrimonial alcançada por um, corresponde ao
sacrifício económico suportado pelo outro. O valor que ingressa no património
de um é, normalmente, o que desapareceu do património do empobrecido.
Como assinalámos, nem sempre ao enriquecimento injusto de alguém
corresponde o empobrecimento de outrem. O exemplo é o do dono do prédio
em que alguém se instala e que não o teria arrendado, em qualquer
circunstância.
Não há, aqui, qualquer diminuição do património, nem privação do seu
aumento. Daí a locução “à sua custa” que não se confunde com a expressão
“com o seu património”.
Mas, trata-se de vantagens que estão reservadas ao dono. Quem
consegue vantagens, intrometendo-se em bens alheios, consegue-as à custa
de outrem, i.e., do titular desses bens. Nestas hipóteses, a correcta ordenação
de bens sancionada pelo sistema jurídico manda reverter essas vantagens
para a esfera do titular do direito, ao abrigo da teoria da destinação ou da
afectação dos direitos absolutos233.
O enriquecimento do intrometido é obtido, nestes casos, à custa de
outrem pois a vantagem conseguida pelo enriquecido pertence a outra pessoa.
Quando se afirma que a acção de restituição pressupõe o
enriquecimento de alguém, imediatamente à custa de outrem, não se afasta a
possibilidade de o enriquecimento poder ser fruto de uma atribuição patrimonial
indirecta. O acto gerador do enriquecimento pode pertencer a um terceiro como
sucede no caso do art.º 583.º.

20.2.4.- Inexistência de outro meio de restituição

Por último, o enriquecimento sem causa tem carácter subsidiário,


conforme resulta do art.º 474.º. O exercício da acção de restituição é impedido
em algumas situações.
Em primeiro lugar, não haverá enriquecimento sem causa sempre que ao
empobrecido for facultado outro meio de ser indemnizado ou restituído. Os
meios em questão podem consistir na invalidade, resolução, revogação, gestão
de negócios, responsabilidade civil, etc. Quando haja o concurso destes
institutos com o do enriquecimento sem causa, este último há-de, em princípio,
ceder.

233
.- VARELA, ANTUNES, ob. cit., p. 491.

107
Só se recorre à acção fundada no enriquecimento sem causa, se a lei
não facultar outros meios específicos de reacção do empobrecido. Assim, no
negócio jurídico inválido, a própria declaração devolve ao património de cada
um, os bens com que o outro se podia enriquecer. Mas, à eficácia retroactiva
da invalidade (art. 289.º), contrapõe-se o sentido actualista do enriquecimento
sem causa (arts. 479.º/2 e 480.º).
Outras vezes, é a revogação ou a resolução do contrato que sanam a
irregularidade (art. 801.º/2). Outros institutos, como a responsabilidade civil, o
regime prescrito para a posse de má-fé, põem termo a situações que, de outro
modo, seriam fonte de verdadeiro enriquecimento sem causa.
Quando a lei nega o direito à restituição (art.º 474.º), a obrigação
correspondente ver-se-á, também, impedida. Tal acontecerá nos casos de
usucapião (arts. 1287.º e ss.) e da prescrição (arts. 300.º e ss.), em nome da
certeza do direito, bem como no da aquisição de frutos pelo possuidor de boa
fé (art.º 1270.º/1).
Outro impedimento que se coloca à acção de restituição ocorre quando a
lei atribui outros efeitos ao enriquecimento sem causa. É o que resulta do art.º
1273.º/1 em que, um dos efeitos atribuídos ao enriquecimento, exprime-se no
levantamento das benfeitorias úteis realizadas na coisa.
O art.º 475.º afasta a acção de enriquecimento se, no momento, o efeito era já
impossível e o autor sabia disso, como ocorre quando se paga o uso de uma
janela para assistir a um cortejo, sabendo o autor que dessa janela não se vê o
sobredito cortejo. Também é afastada se o autor de má-fé impediu a verificação
do resultado, como sucede quando se paga para um passeio cuja realização é,
depois, impedida pelo autor da prestação.
O enriquecimento tem carácter subsidiário. Os outros meios aparelhados
pelo Direito podem não possibilitar a reversão de tudo quanto deva ser
restituído, como acontece no caso do art.º 494.º.
Com efeito, a intromissão pode gerar um enriquecimento para o
intrometido, mas também um dano para o lesado (empobrecido). O dano pode
ser igual ou superior ao enriquecimento, mas, não havendo dolo, a
indemnização bem pode ser arbitrada em valor inferior ao do dano causado (art.
494.º).
Ao lesado será já lícito invocar o enriquecimento sem causa, para que a
outra parte não lhe entregue montante inferior ao locupletamento obtido à sua
custa. Se, pelo enriquecimento, a restituição supera a indemnização, a regra
da subsidiariedade não deve impedir o direito à restituição fundado no
locupletamento sem causa, porquanto a responsabilidade civil não reparará ou
compensará tudo quanto foi obtido à custa de outrem234.
Em conclusão, para além dos requisitos fixados no art.º 473.º/1, o
enriquecimento sem causa exige, na esteira do art.º 474.º, que não exista outro
mecanismo de remoção da vantagem patrimonial.

20.3.- Modalidades de enriquecimento

A cláusula geral do enriquecimento sem causa consta do art.º 473.º/1. In


genere, todas as situações de enriquecimento sem causa são subsumíveis à
norma em apreço.

234
.- VARELA, ANTUNES, ob. cit., p. 503 e ss.

108
A existência de uma cláusula geral não impede que, no âmbito do
enriquecimento, possamos identificar modalidades. A identificação assenta na
utilidade que, por esta via, se alcança na resolução dos casos concretos de
enriquecimento sem causa.
O enriquecimento pode ser por prestação, por intervenção ou por
poupança de despesas.
O enriquecimento por prestação reporta-se às conditiones patentes no
art.º 473.º/2 e que vêm afloradas nos arts. 476.º, 477.º e 477.º. A repetição do
indevido, a restituição da prestação por posterior desaparecimento de causa ou
por não verificação do efeito pretendido, da harmonia com o art.º 475.º,
reconduzem a esta modalidade de enriquecimento em que a prestação é
realizada com o propósito de incrementar o património alheio.
O enriquecimento por intervenção há-de exprimir-se nas vantagens
patrimoniais obtidas pela ingerência não autorizada no património alheio. Os
casos de uso, consumo, fruição ou disposição de bens alheios como as
intervenções em direitos absolutos reconduzem-se a esta modalidade de
enriquecimento.
Uma outra tipologia de enriquecimento é o decorrente de despesas
efectuadas por outrem, em que se inclui o enriquecimento por incremento do
valor de coisas alheias (v.g., benfeitorias) e o enriquecimento por pagamento
de dívidas alheias, com a consequente liberação do enriquecido em relação a
determinada dívida que este tem para com terceiro sem pretender realizar uma
prestação
Outra modalidade é a que classifica o enriquecimento em real ou
patrimonial.
No enriquecimento real atende-se ao valor da vantagem em si, i.e., ao
seu valor de mercado, abstraindo da utilidade que ela propicia, em concreto, ao
enriquecido. O enriquecimento traduz, assim, uma vantagem isolada e
objectiva, não se atendendo ao seu impacto no património do enriquecido.
No enriquecimento patrimonial, o que releva é a é projecção da
vantagem patrimonial na esfera jurídica do enriquecido, a maneira como ela se
repercute no seu património, o modo como satisfaz necessidades
efectivamente vividas pelo enriquecido. O enriquecimento patrimonial será
dado pela diferença entre a situação em que o património locupletado se
encontra - situação real – e aquele em se encontraria não fora a vantagem
patrimonial geradora do enriquecimento – situação hipotética.
A vantagem é aferida através da projecção concreta do acto no
património do enriquecido e estaremos, então, perante um enriquecimento
patrimonial.

20.4.- Repetição do indevido

O acervo mais significativo de situações geradoras de restituição por


enriquecimento sem causa consubstancia-se no pagamento indevido, previsto
no art.º 473.º/2, sendo possível considerar três hipóteses: o cumprimento de
obrigação inexistente (objectivamente indevido) – art.º 476.º-; o cumprimento
de obrigação alheia, na convicção errónea de se tratar de dívida própria
(subjectivamente indevido) - art.º 477.º - e o cumprimento de obrigação alheia,
na convicção errónea de se estar vinculado, ante o devedor, ao cumprimento
dela – art.º 478.º.

109
Para a primeira hipótese - cumprimento de obrigação inexistente - diz-
nos o artigo 476.º que são necessários três requisitos para a repetição do
indevido. É necessário que se efectue uma prestação com a intenção de
cumprir uma obrigação, que a obrigação não exista e que, por detrás do
cumprimento, não tenhamos uma obrigação natural.
Nesta primeira hipótese, o autor do cumprimento pode, por exemplo,
efectuar a prestação apenas à cautela. Não tem a certeza se deve, mas presta
para esclarecer mais tarde, evitando consequências nefastas (mora, litígios,
etc.). A prestação feita a terceiro pode ser pedida de volta pelo devedor, nos
termos do art.º 476.º/2. Na senda do art.º 476.º/ 3, a prestação realizada antes
do prazo, apenas conduz à restituição do enriquecimento resultante do
cumprimento antecipado. Por exemplo, se a importância mutuada bem como a
totalidade de juros respectivos é restituída seis meses antes do vencimento, os
juros referentes aos seis meses em causa devem ser repetidos.
Para a segunda hipótese - cumprimento de obrigação alheia na
convicção de que é própria -, rege o art.º 477º. O autor da prestação sabe que
a dívida existe e pensa, erroneamente, que é sua.
Assim, se houver erro desculpável do autor, haverá lugar à repetição
contra o credor. Mas como se protegem também os interesses do credor pode
este opor-se, se desconhecendo o erro do autor da prestação, se privou do
título (v.g. o texto que documenta o mútuo), das garantias (o crédito restituiu a
coisa empenhada por um terceiro e que garantia o crédito), deixou prescrever
ou caducar o direito em relação ao verdadeiro devedor, ou deixou de exercê-lo
contra as pessoas do fiador ou devedor enquanto solventes (art.º 477.º/1).
Não existindo lugar à restituição, o autor da prestação fica investido no
direito do credor (art.º 477.º/2), nos termos do art.º 589.º. O autor da prestação
vai-se substituir ao credor no exercício dos direitos deste contra o devedor, o
que não evitará, em algumas situações, a perda definitiva de quanto entregou
ao credor.
Na terceira hipótese (art. 478º), o autor da prestação sabe que a
obrigação é alheia, mas paga por supor erroneamente que está vinculado a
fazê-lo. Não tem o direito de repetição contra o credor, salvo se este conhecia
o erro do autor. Estando o credor de boa fé, o autor apenas terá o direito de
exigir do devedor a restituição daquilo com que este se locupletou.
O caso difere do anterior. O autor do cumprimento, na situação anterior, acha
que a dívida é sua. Já, aqui, ele sabe que a dívida é de outrem, mas julga ter a
obrigação de a pagar. Convence-se, erroneamente que era o fiador e principal
pagador de uma dada obrigação, quando, na verdade, afiançara uma outra.

20.5.- Objecto da obrigação de restituir

Havendo enriquecimento sem causa, o locupletado deve, em princípio,


restituir tudo quanto adquiriu sem causa (art.º 479.º/1). Além da coisa ou do
direito obtido a expensas de outrem, a obrigação de restituir abarcará os frutos
da coisa ou outras vantagens alcançadas com ela (v.g., os juros, se a
prestação tiver por objecto uma coisa fungível); os bens ou direitos subrogados
e o commodum representationis, como por exemplo a indemnização que o
seguro ou terceiro pagam pelo detrimento ou perecimento da coisa235.

235
.- VARELA, ANTUNES, ob. cit., p. 511.

110
A impossibilidade da restituição em espécie, como no caso das
prestações de facto, benfeitorias inseparáveis da coisa, uso e consumo de
coisas, determina a restituição do valor equivalente (art. 479º/1)236.
Mas a obrigação de restituir por enriquecimento sem causa difere dos outros
mecanismos de reversão ao estado de coisas anterior. Com efeito, o
enriquecido apenas está obrigado a restituir aquilo com que efectivamente se
locupletou. O locupletamento deve ser efectivo e actual (arts. 479.º/2 e 480.º),
ao contrário do que sucede nas invalidades, na resolução, na revogação, etc.
No locupletamento sem causa legitimadora, o valor de mercado da
vantagem alcançada (enriquecimento real) e o valor da vantagem
efectivamente proporcionada ao beneficiário (enriquecimento patrimonial) bem
podem diferir. Por exemplo, o valor locativo da casa ocupada por alguém, por
erroneamente a supor sua na esteira de uma partilha, é objectivamente de kzs.
100.000.00. Porém, o valor locativo da casa que o ocupante ele arrendaria se
não fosse o erro seria de kzs. 60.000.00. Para efeitos de enriquecimento
efectivo, ater-nos-emos à última grandeza237.
O enriquecimento do locupletado à data da sua ocorrência e o
enriquecimento actual, isto é, apurado por referência a algum dos momentos
explicitados nas alíneas a) e b) do art.º 480º, podem ser diferentes.
Com efeito, os bens podem estar depreciados, podem ter perecido ou
sofrido deterioração, sem terem gerado qualquer indemnização ou
compensação. A vantagem alcançada nem enriquece o locupletado quando,
por exemplo, aliena os bens gratuitamente (art.º 481º).
O enriquecimento, assim delimitado recebe, como vem de ser apontado,
o nome de enriquecimento patrimonial, definindo-o a doutrina com a diferença
entre a situação real e actual do beneficiário e a situação hipotética em que se
encontraria se não fosse a deslocação patrimonial, a intervenção em direitos
ou bens jurídicos de outrem ou a poupança de despesas.
Para alguma doutrina, o objecto da obrigação de restituição estaria
sujeito a um duplo limite. Os limites seriam o empobrecimento (art.º 479.º/1) e o
enriquecimento (art.º 479.º/2), devendo o enriquecido prestar na medida do seu
locupletamento patrimonial, mas sem nunca transcender o empobrecimento do
credor238. A restituição estaria circunscrita ao menor dos dois limites. De
contrário, a restituição por enriquecimento sem causa teria um efeito perverso,
isto é conduziria, por sua vez, a uma situação de enriquecimento injustificado
Assim, se as benfeitorias (art. 1273º) levadas a cabo pelo possuidor
tiverem orçado kzs. 100.000.00, valorizando a coisa em mais kzs. 200.000.00,
seriam restituídos kzs. 100.000.00, por ser este o montante do
empobrecimento. Acresce que a diferença entre o custo e a valorização resulta
de factos como a localização, natureza, qualidade da coisa, etc., que
pertencem mais ao proprietário do que ao possuidor. Mas se as benfeitorias
tiverem orçado kzs. 200.000.00, valorizando a coisa em apenas kzs.
100.000.00 será este o montante a restituir, por corresponder ao efectivo
enriquecimento do proprietário.
A teoria do duplo limite não procede, entretanto, nos casos de
inexistência de qualquer diminuição patrimonial ou empobrecimento oponível
ao enriquecimento, como ocorre nas hipóteses de intromissão em direitos ou

236
.- VARELA, ANTUNES, ob. cit., p. 511.
237
.- VARELA, ANTUNES, ob. cit., p. 511.
238
.- TELLES, GALVÃO, ob. cit., p. 202.

111
bens jurídicos alheios. A tese do duplo limite (enriquecimento/empobrecimento)
não colhe, porque, neste último caso, o beneficiado não seria obrigado a
nenhuma restituição.
Para alguma jurisprudência, resolve-se o problema, operando com o
critério do empobrecimento real do empobrecido que, no enriquecimento por
intervenção, corresponde ao valor de mercado do uso ou dos bens
consumidos239.
A lei manda - art.479.º/1 - restituir tudo quanto tenha sido obtido à custa
de outrem, para que, por exemplo, não seja dada como permitida a
expropriação de bens alheios com a consequente locação por mera iniciativa
do intrometido, pagando depois este o justo preço. A solução seria repugnante.
Ao valor a restituir são, todavia, abatidas as mais-valias derivadas de factores
pessoais pertencentes ao enriquecido, como o seu trabalho, experiência,
mestria, expediente, etc.
A verificação de qualquer uma das circunstâncias retratadas no art.º
480.º gera, por sua vez, o agravamento da obrigação de restituir. A citação
judicial ou o conhecimento da inexistência de causa ou da falta do efeito
pretendido faz com que, para além da obrigação de restituir tudo, se responda
outrossim pelas diminuições e pelos não aumentos posteriores, devidos a
culpa do devedor. A obrigação de restituir cumula-se excepcionalmente com a
de indemnização, nos termos dos arts. 798.º e ss.
A alienação gratuita da coisa que deve ser restituída pode implicar o
agravamento da obrigação de restituir.
O art.º 481.º/1 reporta-se à situação em que a coisa é alienada antes de
qualquer um dos elementos indicados o art.º 480.º. Neste caso, o adquirente
fica obrigado em lugar do alienante, porquanto o efectivamente enriquecido é
aquele e não o alienante que estava de boa fé.
Se alienação gratuita ocorre, entretanto, após a verificação de uma das
circunstâncias apontadas nas duas alíneas do art.º 480.º considera-se que o
alienante está de má fé, pelo que terá que responder nos termos dessa norma.
O adquirente será responsável, se estava igualmente de má fé. Esta há-de
resultar igualmente da verificação de um dos dois momentos apontados na
norma acima mencionada. A responsabilidade de ambos será então solidária,
nos termos do art.º 497.º.

20.6.- Prescrição do direito à restituição

O direito à restituição prescreve no prazo de três anos, contados a partir


da data do conhecimento, pelo credor, da existência desse mesmo direito e da
pessoa obrigada a restituir (art. 482º). A lei vale-se, neste caso, de um prazo
curto para pressionar o credor a exercer o seu direito tão pronto se reúnam os
dois elementos necessários para agir.
Os mencionados elementos são cumulativos e, normalmente,
apresentam-se em simultaneidade. Todavia, nada impede que possa acontecer
o contrário. Por exemplo, o indivíduo que alimentou a criança, convicto que era
seu filho pode em certo momento descobrir o logro de que é vítima mas só
mais tarde vir a saber quem é o real progenitor.

239
.- Cfr. jurisprudência indicada por COSTA, ALMEIDA, ob. cit., p. 470, nt. 1.

112
O prazo especial de prescrição conjuga-se com o ordinário (art. 309.º).
Este conta-se a partir do enriquecimento, ou dito de outro modo, a partir do
instante em que pode ser exigida a restituição e só predomina se o direito não
se extinguiu anteriormente pelo decurso dos três anos. Ultrapassado um dos
dois prazos, extingue-se o direito do credor à restituição, podendo o devedor
opor-lhe, nos termos do art.º 304.º/1 a prescrição.
A norma do art.º 482.º tem um paralelo no artigo 498.º. O direito à
indemnização prescreve independentemente do conhecimento da pessoa do
responsável, a partir da data em que o lesado teve conhecimento do direito que
lhe compete. Na responsabilidade civil, a contagem do prazo de prescrição de
três anos computa-se a partir do momento do conhecimento do direito pelo
lesado (art.º 498.º/1).
Pode, pois, acontecer que o direito à indemnização esteja já prescrito,
sem que o mesmo suceda com o direito à restituição por enriquecimento. Já a
prescrição do art.º 482.º pode ser mais favorável ao empobrecido. O direito,
aqui, prescreve no prazo de 3 anos, contados a partir da data do conhecimento
do direito que lhe compete e da pessoa do responsável. Haverá, pois, lugar à
restituição por enriquecimento sem causa (art.º 498.º/4).

21.- Responsabilidade Civil

A responsabilidade civil é, depois dos contratos, a fonte das obrigações


que maior importância tem e põe-se quando alguém fica adstrito a reparar um
dano suportado por outrem.
A despeito de se confundirem na origem, a responsabilidade civil difere
da criminal porquanto: i) a primeira opera no âmbito do Direito privado,
enquanto a segunda situa-se no quadro do Direito público; ii) à primeira, subjaz
o propósito de reparação patrimonial ao passo que a segunda persegue fins
retributivos e de prevenção geral e especial.
A responsabilidade civil não se confunde com a disciplinar. Desde logo,
esta última tanto opera no âmbito do Direito privado como no quadro do Direito
público. A responsabilidade disciplinar traduz-se numa reacção contra normas
que disciplinam a integração das pessoas em grupos.
As responsabilidades civil e penal não se excluem, podendo, não raras
vezes, pela prática de um único facto, conexionar-se, dando origem a aplicação
das três sanções correspondentes.
Sob a rubrica da responsabilidade civil, agrupam-se a responsabilidade
contratual, disciplinada nos arts. 798.º e ss., e a responsabilidade
extracontratual, regulada nos arts. 483.º e ss., assim como em sedes dispersas
pelo Código. A doutrina clássica afasta, porém, a responsabilidade obrigacional
do elenco das fontes das obrigações, posto que ela apenas representa uma
indemnização ao credor de uma obrigação pré-existente.
Os problemas comuns a ambas as responsabilidades são regulados a
propósito da obrigação de indemnização (arts. 562.º e ss.)240. As duas
variantes da responsabilidade civil diferem no que toca ao ónus de prova da
culpa (arts. 487.º/1, para a extracontratual, e 799.º/1, para a contratual), aos
prazos de caducidade (arts. 309.º, para a contratual, e 498.º, para a

240
.- As regras da responsabilidade extracontratual aplicam-se, em alguns casos, aos negócios
jurídicos, como sucede nos arts. 485.º/2, 486.º, 487.º/2 ex vi do art.º 799.º/2, 489.º, 491.º, 492.º
e 493.º.

113
extracontratual), ao regime da pluralidade passiva (art.º 497.º/1, para a
extracontratual e a conjunção para a contratual).
A responsabilidade contratual resulta da violação de um direito de crédito.
O adjectivo “contratual” não é rigoroso, porquanto esta modalidade de
responsabilidade pode ser desencadeada pelo inadimplemento, pela mora ou
pelo cumprimento defeituoso de negócios jurídicos unilaterais ou de obrigações
resultantes directamente da lei. Eis porque se fala também em
responsabilidade negocial ou obrigacional.
Contrapondo-se a contratual, temos a responsabilidade extracontratual,
também conhecida por responsabilidade delitual ou aquiliana. Decorre ela da
violação de direitos absolutos ou de normas que tutelam interesses alheios241.
A responsabilidade extracontratual pode concorrer com a contratual, não
existindo preceito expresso que resolva o problema. Um mesmo facto pode, em
simultaneidade, desencadear a responsabilidade contratual e a extracontratual.
As orientações que se propõem resolver o problema reconduzem-se ao
sistema do cúmulo e ao do não cúmulo. Este último analisa-se na aplicação do
princípio da consunção, nos termos do qual o regime da responsabilidade
contratual consome o da extracontratual.
O concurso das duas modalidades de responsabilidade reconduz-se ao
concurso aparente, legal ou de normas. A responsabilidade extracontratual
intervém se se infringe um direito absoluto ou uma norma que protege
interesses alheios, enquanto a obrigacional apenas opera quando é violado um
direito de crédito, por estarem numa relação de especialidade242.

21.1.- Responsabilidade por factos ilícitos

A regra é, nos termos do art.º 483.º/1, a da responsabilidade subjectiva,


mas o art.º 483.º/2 admite excepcionalmente as demais modalidades, ou seja,
a responsabilidade objectiva (arts. 499.º e ss.) e a responsabilidade por factos
lícitos (v.g., arts. 339.º, 1348.º/2, 1349.º/3).
A responsabilidade por factos ilícitos, também conhecida por
responsabilidade subjectiva ou fundada na culpa, coloca-se quando o dano
causado ao lesado é imputável a um acto culposo do lesante, a uma conduta
censurável do agente.
A responsabilidade por factos ilícitos depende, nos termos do art.º 483.º,
da existência de um facto humano voluntário, da ilicitude desse facto, da
imputação do facto ao lesante, da verificação de um dano e do nexo de
causalidade entre o facto e o dano.

21.1.1.- Facto humano voluntário do lesante

A violação de direitos alheios ou de disposições legais que tutelam


interesses de outrem é um apanágio exclusivo do ser humano. Assim, a
responsabilidade extracontratual apenas ocorre quando haja um facto
voluntário do agente, como, de resto, sugere a locução “aquele que violar
ilicitamente” (art..º 483.º/1).

241
.- Uma norma desta espécie era a do revogado art.º 1391.º, em que não era, propriamente,
tutelado um direito subjectivo, mas apenas um interesse.
242
.- Cfr. COSTA, ALMEIDA, ob. cit., pp. 504 e ss.

114
Na responsabilidade subjectiva, ao contrário do que sucede na objectiva,
o dano tem de ser a resultante de um facto dominável ou controlável pela
vontade. O facto é voluntário quando objectivamente é controlável pela vontade.
São, assim, de excluir os factos que independem do controlo do homem,
como as situações de força maior (tsunamis, tufões, etc.) e as actuações
irresistíveis por circunstâncias fortuitas, como, v.g., sucede quando em função
de uma síncope cardíaca a pessoa é irresistivelmente impelida para cima de
um vaso que fica, assim, destruído.
O facto humano voluntário, por norma, há-de consistir num facto positivo,
numa acção, isto é, na violação de um direito absoluto ou de uma norma que
protege interesses de outrem.
O facto bem pode consistir numa omissão, como prevê o art.º 486.º. A
omissão ou abstenção da prática do acto prescrito por lei (o dever de os pais
cuidarem dos filhos) ou negócio jurídico (o dever que impende sobre o
professor de natação de socorrer o aluno em perigo ou da ama que não
alimenta a criança) podem desencadear, verificados os demais requisitos, a
responsabilidade subjectiva.

21.1.2.- Ilicitude (formas)

A ilicitude é o segundo pressuposto da responsabilidade subjectiva. A


ilicitude pode ser compreendida como um juízo de censura endereçado ao
facto. O facto gerador do dano está em desconformidade ou contrariedade com
a ordem jurídica.
A ilicitude desdobra-se na violação de um direito de outrem ou de uma lei
que protege interesses alheios (art.º 483.º/1).
Na sua primeira forma, a ilicitude compreende a violação de direitos
absolutos, como os direitos reais, de personalidade ou de autor. A segunda
vertente é preenchida pela infracção de leis que protegem interesses
particulares.
A segunda variante verifica-se quando se agrupam três requisitos
especiais.
O primeiro requisito há-de consistir na lesão de interesses dos
particulares, quando tal lesão ofenda uma norma legal. O exemplo é o do
diploma legal que proíbe a importação de um dado produto industrial, com vista
à protecção dos industriais nacionais que o produzem. A importação será ilícita
não porque se ofende o interesse público, v.g. os do fisco, mas porque
contraria uma norma que protege interesses dos industriais em causa.
O segundo requisito diz-nos que os interesses particulares lesados
devem constar dos fins da norma violada. A tutela dos interesses privados não
pode ser um mero reflexo da protecção dos interesses colectivos, devendo,
antes, corresponder aos interesses ou também aos interesses dos particulares.
Por exemplo, as normas relativas à defesa da integridade territorial do
Estado angolano ou os preceitos de direito penal que punem os crimes contra
a segurança do Estado não foram fixados para tutelar os interesses de cada
cidadão individualmente considerado, mas o interesse da colectividade.
O último requisito determina que o dano se verifique no âmbito dos
interesses tutelados pela lei. O exemplo é o do diploma legal que manda
iluminar o recinto de fábricas de um dado produto para a protecção dos seus

115
operários. No caso de a falta iluminação causar danos a pessoas estranhas
que se introduzam indevidamente no recinto, não haverá lugar a indemnização.
Para além dos factos ilícitos consubstanciados nas duas grandes
directrizes contidas no art.º 483.º/1, o Código individualiza especificamente
alguns factos ilícitos nos, arts. 484.º, 485.º e 486.º.
Nos termos do art.º 484.º, a afirmação ou divulgação de factos aptos a
prejudicarem o crédito ou o bom-nome de qualquer pessoa são dadas como
ilícitas. A doutrina do art.º 484.º, sendo o facto afirmado ou divulgado falso,
aplica-se sem quaisquer obstáculos.
As dificuldades hão-de acontecer nos casos em que se afirmam ou
divulgam factos que são verdadeiros. Assim, se a afirmação ou divulgação do
facto for do interesse público, como no caso do gestor público cuja gestão
calamitosa é revelada pelo jornalista, é preferível entender que não há lugar a
responsabilidade civil, porquanto tal revelação é do interesse público. Existirá,
entretanto, responsabilidade civil, quando não haja um interesse justificado na
afirmação ou divulgação do facto, como acontece no caso em que alguém
revela o número de operações plásticas realizadas por um dado artista243.
Pelos danos resultantes de simples conselhos, recomendações ou
informações não responde quem os dá, ainda que os preste displicentemente
(art.º 485.º/1). Nos casos do art.º 485.º/2, haverá já a obrigação de indemnizar.
Se o autor dá um mau conselho, faz uma má recomendação ou presta uma
inexacta informação, quando há o dever legal ou negocial de o fazer (v.g., o
advogado, o médico, o perito contabilista, o engenheiro, etc.).
As omissões são actos ilícitos, apenas quando haja o dever de praticar o
acto omitido e este pudesse ter evitado a verificação do dano (art.º 486.º).
Nem todas as violações de direitos absolutos ou de normas que
protegem interesses de outrem são ilícitas. A violação será então lícita. A
ilicitude pode, assim, ser afastada nos casos de exercício de um direito,
cumprimento de um dever, acção directa (art.º 336.º), legítima defesa (art.º
337.º) e estado de necessidade (art.º 339.º) e de consentimento do lesado (arts.
340.º e 81.º), quando permitido.

21.1.3.- Culpa

A responsabilidade subjectiva não se basta com o comportamento do


autor objectivamente em desconformidade com a ordem jurídica imperante.
Nos termos do art.º 483.º é ainda necessário que o facto ilícito tenha sido
praticado com dolo ou mera culpa. O direito censura o agente pela sua conduta
e reprova-o justamente porque ele podia e devia ter agido de outro modo.
A ordem jurídica espera que os indivíduos conformem as suas actuações
com as normas jurídicas exaradas, de molde a não serem causados danos a
terceiros. Prescreve-se, pois, um comportamento de tipo médio, característico
de um cidadão normal.
A formação de um tal juízo de censura importa, em primeiro lugar, que o
agente seja susceptível desse mesmo juízo, ou dito de outro modo, que seja
imputável, por um lado, e, por outro lado, que se saiba se o imputável, no caso
concreto, agiu em termos que justifiquem a censura.

21.1.3.1.- Imputabilidade
243
.- LEITÃO, MENEZES, ob. cit., pp. 302 e ss.

116
A imputabilidade analisa-se na capacidade natural para prever as
consequências e avaliar os actos praticados, determinando-se de harmonia
com o juízo que faça acerca deles. A imputabilidade implica que capacidade
intelectual, ou seja, discernimento para apreciar o desvalor ou a ilicitude do seu
comportamento, bem como capacidade volitiva ou liberdade de determinação,
isto é, a faculdade de ajustar a sua conduta em harmonia com a apreciação
realizada. Nestes termos, o agente incapaz de entender ou querer é
inimputável (art.º 498.º/1).
A incapacidade culposa do agente, na esteira da mesma norma, não o
exime de responder subjectivamente, sendo essa situação transitória. Se, v.g.,
o agente, em função das substâncias psicotrópicas ingeridas, causa danos a
outrem, será considerado imputável.
Entretanto, a lei presume falta de imputabilidade daqueles que, no
momento da prática do facto danoso, são menores de sete anos e dos
interditos por anomalia psíquica (art.º 488.º/2).
Nos casos de inimputabilidade, o lesado pode ressarcir-se a expensas
dos indivíduos adstritos à vigilância do agente (art.º 491.º). Estes últimos
podem, porém, conseguir demonstrar que cumpriram o seu dever ou que os
danos se teriam produzido ainda que o tivessem cumprido – causa virtual - ou
ainda vir a revelar-se que não têm meios para cumprir.
Os não imputáveis podem, então, ser condenados a ressarci-los. Nestes
casos, a lesão tende a ficar sem reparação, chamando-se, então, a intervir o
art.º 489.º/1. Por razões de equidade, há a obrigação de reparar, como sucede
nas hipóteses em que o lesado fica, com a lesão, numa situação económica
difícil, quando o inimputável é, por exemplo, rico. O art.º 489.º/2 determina,
contudo, que a indemnização seja calculada de modo a não privar os alimentos
do inimputável, nem os deveres legais de alimentos a que está adstrito.

21.1.3.2.- Culpa

Não basta, todavia, a imputabilidade do agente. É, igualmente,


necessário que o imputável tenha agido com culpa. Importa que haja um certo
nexo psicológico entre o facto praticado e a vontade do lesante (art.º 483.º/1).
Age com culpa aquele que abraça uma conduta que podia ou devia
afastar. A culpa é o juízo de reprovação dirigido ao agente por se ter conduzido
do modo como se conduziu, quando podia actuar de outro modo.
A lei distingue duas formas de culpa: o dolo e a mera culpa (art.º 483.º/1).
A distinção não tem, no Direito Civil, o relevo que conhece no Direito Penal. No
Direito Civil, a sua escassa relevância resulta do facto de tanto uma como a
outra obrigarem a indemnizar. O dolo ou má fé apresenta, por exemplo, uma
diversidade de regime em face da negligência ou mera culpa no caso do art.º
494.º, que manda fixar a indemnização em montante inferior, ou no caso dos
arts. 814.º e 815.º/1.
O dolo é a modalidade mais grave da culpa, podendo ser directo,
indirecto ou necessário e eventual.
O dolo é directo quando o agente representa determinado efeito da sua
conduta e quer esse resultado como fim da sua actuação, apesar de conhecer
a sua ilicitude. O namorado ciumento sabe que, disparando a arma, atingirá
mortalmente o seu rival e é mesmo a morte deste que o agressor quer provocar.

117
O dolo é necessário ou indirecto quando o agente quer directamente um
certo resultado, mas previu-o como uma consequência segura, necessária da
sua conduta. O exemplo é de alguém que quer agredir o concorrente, mas
sabe que, para o efeito, terá de agredir, primeiro, o respectivo guarda-costas.
Haverá dolo directo em relação ao concorrente e dolo indirecto ou necessário
em relação ao guarda.
O tratamento do dolo directo e necessário é equiparado.
No dolo eventual, o agente também prevê a produção do facto ilícito, não
como uma consequência necessária da sua conduta, mas como um efeito
apenas possível. O exemplo é o de alguém que, conscientemente, entra para
uma estrada de sentido único, em contra-mão e a alta velocidade, sabendo-se
que uma tal conduta, salvo raras excepções, conduz a um acidente.
Por seu turno, a negligência pode ser consciente ou inconsciente.
É consciente quando o agente, violando o dever de diligência a que está
obrigado, representa a verificação do facto como consequência possível da sua
conduta, mas confia na não produção do resultado. O exemplo será o do
automobilista que, conduzindo sem respeitar as regras de transito, admite a
possibilidade de provocar um acidente, mas convence-se que tal não
acontecerá.
Quer no dolo eventual como na negligência consciente, o agente
representa a verificação do facto ilícito. Porém, no primeiro caso, não confia
que o resultado se não venha a verificar, ao passo que, no segundo, confia que
o resultado não aconteça244.
Já na negligência inconsciente, o agente, em violação de um dever de
diligência a que está adstrito, não chega sequer a representar a verificação do
facto. O exemplo é o de alguém que infringe as regras de trânsito sem sequer
equacionar a possibilidade de provocar um acidente.
A culpa pode ser excluída por erro desculpável, medo invencível ou pela
desculpabilidade.

21.1.3.3.- Culpa em abstracto e culpa em concreto

Importa sempre comparar a conduta do lesante com um dado padrão de


comportamento, de molde a identificar a diligência exigível para um dado
sujeito para não ter que responder.
Os critérios para o efeito são o do modelo concreto e o do modelo
abstracto.
No critério do modelo concreto, compara-se a conduta que causou o
dano com a que o agente normalmente assume. Se a conduta lesiva
corresponde a um desvio relativamente à conduta habitual, haverá culpa.
Atende-se aqui à personalidade e ao modo de vida do indivíduo, em suma às
suas qualidades e imperfeições.
O critério do modelo abstracto consiste na comparação entre a conduta
do lesante com a de um cidadão normal, pertencente ao meio de que vem o
lesante. É o critério do bonus pater familias, consagrado no art.º 487.º/2.
O critério enunciado em primeiro lugar presta-se a críticas. Assim, se o
indivíduo habitualmente descuidado, causa danos em razão desse seu

244
.- CORREIA, EDUARDO, Direito Criminal, vol. I, pp. 384 e ss.

118
comportamento descuidado, nunca será responsabilizado, já que a sua
conduta ilícita conforma-se com a habitual.

21.1.3.4.- Prova da culpa. Presunções de culpa (487º nº1)

O ónus de provar a culpa do lesante incumbe ao lesado, nos termos do


art. e 487.º/1, salvo se a lei presumir a culpa do lesante. Trata-se de uma
solução que está de harmonia com a regra geral consagrada no art.º 342.º/1. O
lesado é o credor e, invocando o seu direito, tem o ónus de provar os factos
constitutivos por si alegados.
A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito
fica a cargo lesante (art.º 342.º/2). O consagra, pois, a regra geral. No domínio
da responsabilidade contratual, a regra fixada no art.º 799.º/1 opõe-se à do art.º
487.º/1, na medida em que se presume a culpa do devedor.
A lei, pontualmente, estabelece alguns casos de presunção de culpa. No
âmbito da responsabilidade subjectiva podem ser referidos os casos previstos
nos arts. 491.º, 492.º e 493.º.
As pessoas obrigadas à vigilância de outrem (pais, tutores, mestres de
oficinas, professores, enfermeiros, guardas, etc.) respondem, na senda do art.º
491.º, pelos danos que o vigiado cause a terceiros. Nestes casos, presume-se
que a culpa é do vigilante. Mas a responsabilidade do vigilante pode ser
afastada, se este provar que cumpriu o dever de vigilância. O vigilante
responde por um facto próprio, isto é, pela omissão culposa de um dever de
vigilância e não por um facto de outrem. Os danos que o vigiado pode sofrer
são ressarcíveis, nos termos do art.º 486.º.
No quadro do art.º 492.º/1, a ocorrência de danos causados por edifício
ou outra obra (paredes, muros, antenas, andaimes, canais, barragens, etc.)245
que ruir em virtude de vicio de construção ou de defeito de conservação, faz
presumir a culpa do proprietário ou do possuidor. A pessoa obrigada à sua
conservação, por força da lei (art.º 1472.º/1) ou negócio jurídico, responde, em
lugar daqueles, quando o dano resulta, em exclusivo, de defeito de
conservação (art. 492.º/2).
O proprietário ou o possuidor só não respondem se provarem que não
houve culpa da sua parte. Naquele preceito, consagra-se assim uma
presunção de culpa do proprietário ou do possuidor do edifício ou da obra.
O art.º 493.º contempla um terceiro caso de culpa presumida. O vigilante
responde pelos danos causados por coisas, animais ou actividade perigosas.
Quando o obrigado consegue provar que cumpriu o seu dever de vigilância, a
presunção é ilidida (art.º 350.º/2) e, em consequência, não haverá lugar a
qualquer indemnização (art.º 493.º/1).
Igual solução vale para os danos causados no exercício de actividades
perigosas. Exemplos de actividades perigosas pela sua própria natureza são a
navegação marítima e aérea, o fabrico de explosivos ou de substâncias ou
materiais inflamáveis. Já o tratamento com raios X é uma actividade perigosa
pela natureza dos meios utilizados (art.º 493.º/2).

21.1.4.- Dano

245
.- Importa a ligação das obras ao chão, excluindo-se as arvores e outros elementos naturais.
Quanto aos móveis (v.g., o vaso colocado à janela que cai e atinge o transeunte) já não se
aplica esta regra).

119
Sem dano, não há lugar a responsabilidade civil, nem interessará sequer
avaliar da existência dos demais pressupostos da responsabilidade. O dano é o
prejuízo suportado pelo lesado.
Quando o prejuízo se repercute na esfera patrimonial privada recebe o nome
de dano patrimonial. Ocorrendo o prejuízo no âmbito pessoal do indivíduo, dá-
se-lhe o nome de dano moral, não patrimonial ou extra-patrimonial. Nesta
última categoria, não se torna indemne o lesado, havendo apenas lugar a uma
compensação pelos desgostos, dores, humilhações, vexames, etc.
O dano patrimonial costuma designar-se emergente quando corresponde
ao prejuízo em bens ou em direitos já existentes na titularidade do lesado. O
lucro cessante ou frustrado corresponde, por sua vez, aos benefícios que o
lesado deixou de obter por causa do facto ilícito, mas a que não tinha ainda
direito, à data da lesão (art.º 564.º/1).
Por exemplo, na colisão de dois veículos, o dano emergente é o prejuízo
causado em cada um deles (despesas de reparação, reboque, etc.) e o lucro
cessante será o benefício que deixa de ingressar nas esferas dos proprietários
por causa da lesão.
A avaliação do dano pode ser concreta, ou seja, pode ser feita em
função do valor que o bem tem no património do lesado, como pode ser
abstracta, isto é, em razão do seu valor objectivo de mercado. A primeira
parece preferível. A fractura da perna de um futebolista profissional há-de
traduzir-se, em termos patrimoniais, num dano maior, em comparação com o
mesmo dano relativamente ao comum das pessoas.

21.1.4.1.- Ressarcibilidade dos danos não patrimoniais

Há teses que negam a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais,


argumentando com o facto de o dinheiro e tais prejuízos se apresentarem
como grandezas heterogéneas. O dinheiro nunca repararia prejuízos desta
índole e, mesmo fazendo intervir a ideia da mera compensação, seria difícil
calcular o respectivo quantum.
Riposta-se, alegando que o dinheiro bem pode amenizar e, portanto,
compensar os danos sofridos pelo lesado. A solução é mais justa do que nada
compensar. De resto, o art.º 496.º/1 tomou posição, determinando que os
danos não patrimoniais são compensáveis, limitando essa mesma
compensação àqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Nos termos do art.º 496.º/3, a compensação é fixada equitativamente.
As ofensas que culminem em morte podem originar os seguintes danos:
a perda da vida da própria vitima, danos não patrimoniais sofridos pelos
familiares da vítima em consequência da morte e danos não patrimoniais
sofridos pela própria vitima e pelos familiares até à verificação da morte, no
caso de esta não ser instantânea.
Os danos indicados em penúltimo e último lugares são, sem dúvida,
compensáveis, em face do art.º 496.º/1. Os dissídios surgem a propósito do
dano morte. Sustentam alguns autores que, em face do disposto no art.º 68.º/1,
existiria um obstáculo insuperável à admissão do respectivo ressarcimento246,

246
pois vida. Na esteira de alguma doutrina (Antunes Varela, Oliveira Ascensão)

120
enquanto outros247 defendem que a vida é um bem jurídico, cuja lesão gera o
dano máximo, fazendo surgir, na esfera jurídica da vítima, o direito a uma
indemnização transmissível, não por força do art.º 496.º/2, mas no âmbito do
Direito sucessório (arts. 2024.º e ss.).
No art.º 496.º/2 indicam-se os familiares que, em consequência da morte
da vítima (art.º 496.º/2 e 3), sofrem danos não patrimoniais. Na primeira linha,
estão conjuntamente o cônjuge, filhos e outros descendentes, seguindo-se-lhes
os pais ou outros ascendentes e, por último, os irmãos ou os sobrinhos que os
representem.

21.1.5.- O nexo de causalidade entre o facto e o dano.

O art.º 483º circunscreve a indemnização aos “danos resultantes da


violação”, ou seja, impõe-se que haja um nexo de causalidade entre o facto e
dano. Não haverá responsabilidade civil quando não haja uma relação de
causa e efeito entre o facto humano e o dano.
A questão que, neste ponto se põe, prende-se com os limites que devem
ser assinalados a esse nexo, porquanto a responsabilidade civil não se basta
com um nexo de causalidade meramente naturalístico, filosófico, etc.
Num exemplo clássico, temos que um comerciante vendeu uma vaca
que sabia estar infectada a um lavrador, tendo ocultado esse vício. A vaca
infecta, por sua vez, os outros animais do lavrador que acabam por sucumbir
vítimas de contágio. O lavrador vê-se, consequentemente, impossibilitado de
lavrar as suas terras, perdendo o rendimento projectado. Os seus credores
executam-no e os bens do camponês são vendidos ao desbarato. Desgostoso
com a sua triste sina, o lavrador suicida-se.
Neste exemplo de POTHIER, responsabilizar civilmente o comerciante
por todos os infortúnios do camponês seria uma enormidade. Torna-se, assim,
necessário determinar o critério para o estabelecimento do nexo de
causalidade, em termos jurídicos.
Há diversas teorias que se prestam a resolver o problema. Vamos passar
em revista algumas das mais expressivas.
A teoria da equivalência das condições ou da conditio sine qua non,
elaborada pelo filósofo inglês STUART MILL e carreada para o Direito por VON
BURI, estabelece que a causa de um evento é toda e qualquer condição que
concorra para a respectiva produção, em moldes tais que a não ocorrência
dessa condição implicaria a não verificação do evento. As condições
equivalem-se, porque cada uma delas é condição essencial do resultado e
nenhuma pode ter a veleidade de dispensar a outra ou outras.
A improcedência da teoria decorre dos resultados incongruentes a que
conduz, ou seja, ela não proporciona o critério de selecção da condição
relevante, para efeitos jurídicos. À luz desta teoria, o comerciante, no exemplo
de POTHIER, seria responsabilizado por todos os infortúnios do camponês.
Por seu turno, a teoria da última condição ou da causa próxima
considera como causa única do evento a última condição que o precede
directamente. A formulação decorre da doutrina de BACON, segundo a qual “in
iure non remota causa sed próxima”248.

247
(Galvão Telles, Menezes Cordeiro
248
.- Apud LEITÃO, MENEZES, ob. cit., p. 345.

121
Esta teoria pode igualmente conduzir a resultados insatisfatórios, como
sucede no exemplo em que alguém aprisiona outrem numa jaula de tigres e
que vem a ser morto, em consequência do ataque protagonizado pelos felinos.
O ataque dos tigres, sendo embora a última condição, não afasta o
aprisionamento na jaula como causa da morte249.
A teoria da condição eficiente prescreve, por sua vez, que a eficácia das
várias condições no processo causal seja avaliada quantitativamente,
escolhendo-se a mais eficiente para despoletar o dano. O estabelecimento do
nexo de causalidade por esta via remete para um elevado subjectivismo.
O exemplo é o do casal que, sem fundamento legal para se divorciar,
trava uma discussão. No calor da discussão, o marido embriagado atinge a
mulher a tiro. Esta faz-se tratar por um curandeiro e morre, quando teria sido
salva se apelasse para os cuidados de um médico. Para uns a causa da morte
é a inexistência de legislação que combata o alcoolismo, para outros, ela
residirá na inexistência de uma boa legislação de divórcio e, ainda para outros,
a falta de uma lei que proíba o uso de armas de fogo seria a causa do dano250.
A teoria da causalidade adequada é a que, à luz da doutrina
predominante, oferece o critério mais ajustado à determinação da causa do
dano, em termos jurídicos. Não basta, assim, que o facto, em concreto, cause o
dano, mas importa a averiguação da adequação abstracta do facto à produção
desse mesmo dano, segundo as regras da experiência. Ou seja, num juízo de
prognose póstuma, avalia-se a posteriori, se seria previsível que daquele facto
resultasse o dano apontado como sua consequência.
A teoria da causalidade adequada está plasmada no art.º 563.º. O
preceito em apreço parte da teoria da conditio sine qua non, mas o advérbio
“provavelmente” faz com que a fixação do nexo de causalidade não se baste
com imprescindibilidade da condição. Exige-se, igualmente, que, de harmonia
com o juízo de probabilidade, a condição se revele idónea a gerar o dano.

21.1.5.1.- A causa virtual

A relevância da causa virtual é um outro problema que se coloca a


propósito do nexo de causalidade. Nos processos causais virtuais, o dano
resultante da causa real, verificar-se-ia igualmente na ausência desta, por via
de uma outra que recebe o nome de causa virtual.
O exemplo é o de alguém que envenena o cavalo de outrem,
acontecendo, porém, que antes da morte do animal, uma outra pessoa, com o
mesmo propósito de prejudicar o dono, abate o animal com um tiro. O disparo é
a causa real do prejuízo sofrido pelo lesado, representando o envenenamento
uma causa virtual que desencadearia, da mesma forma, a morte do animal.
As soluções que podem ser elencadas para o problema da causa virtual
são três.
A primeira consistiria na relevância positiva da causa virtual. O autor da
causa virtual seria responsabilizado nos mesmos termos em que o seria autor
da causa real. Esta solução implicaria a dispensa do nexo de causalidade,
fazendo com que o autor da causa virtual respondesse por danos não
resultantes de uma conduta. Uma tal solução é inaceitável, em face do disposto
no art.º 483.º e já que a causa real interrompe o nexo de causalidade.
249
.- LEITÃO, MENEZES, ob. cit., p. 345.
250
.- ANDRADE, MANUEL, Direito das Obrigações, p. 358.

122
A segunda solução consubstanciar-se-ia na relevância negativa da
causa virtual. O autor desta última não seria responsabilizado, como também
se afastaria a responsabilidade do autor da causa real, em razão da existência
dessa causa virtual.
A relevância negativa da causa virtual é, excepcionalmente, admitida nos
arts. 491.º, 492.º, 493.º, 616.º/2, 807.º/2, estabelecendo-se, aí, que a
responsabilidade do agente seja afastada, se este demonstrar que o dano seria
igualmente causado por um outro fenómeno (causa virtual).
A irrelevância da causa virtual corresponderia à terceira solução.
Segundo ela a responsabilidade do autor do dano não seria em nada
prejudicada pela presença da causa virtual. A regra geral é a de o autor da
causa real responder pelos danos causados (art.º 483.º), não prevendo a lei
que essa responsabilidade, por norma, seja perturbada pela presença de uma
causa virtual.

21.2.- Responsabilidade objectiva ou pelo risco

Um dos efeitos da revolução industrial e mais tarde da revolução


tecnológica consistiu no aumento da sinistralidade laboral. Os trabalhadores,
enquanto vítimas inermes desses acidentes, não se sentiam propriamente
impelidos a demandar o empregador, num contexto em que a própria relação
jurídico-laboral era extremamente precária e em que a prova da culpa do
empregador se apresentava como um exercício dificílimo.
Aos acidentes de trabalho, viriam somar-se os inerentes à utilização de
veículos de circulação terrestre. Foi destas duas matrizes que arrancou a
responsabilidade objectiva estruturada na teoria do risco. Nos termos desta
última, a criação ou manutenção de um risco em proveito próprio, implica que o
beneficiário suporte os consequentes resultados danosos - ubi commoda, ibi
incommoda.
O Código Civil positiva a responsabilidade objectiva ou pelo risco, nos
arts. 499.º e ss. Na responsabilidade objectiva dispensa-se a culpa do lesante.
As normas sobre a responsabilidade pelo risco têm carácter excepcional. De
resto, a primeira norma acima referida opera como a travessia que liga a
responsabilidade subjectiva à objectiva, emprestando uma certa ideia
unificadora ao instituto.

21.2.1.- Responsabilidade do comitente

A responsabilidade do comitente é o primeiro caso de responsabilidade


pelo risco previsto na lei. O comitente responde, em determinados termos mas
independentemente de culpa, pelos danos que o comissário cause a terceiro
(art.º 500.º).
O carácter objectivo da responsabilidade do comitente radica no facto de
o comitente responder independentemente de culpa. Responde mesmo
quando o comissário haja actuado contra as instruções recebidas.
Ao comitente, em nada adianta provar que não actuou com culpa ou que
os danos se teriam registado na mesma, ainda que não houvesse culpa da sua
parte. Não se presume, aqui, a culpa do comitente nem se consagra qualquer
causa virtual que releve negativamente.

123
A culpa do comitente, apesar de não ser essencial, pode, contudo, influir
no regime da responsabilidade. Assim, se houver culpa do comitente e do
comissário, ambos responderão solidariamente perante o lesado. O direito de
regresso operará, depois, na medida das respectivas culpas (arts. 497.º/1 e 2 e
500.º/3).
Havendo apenas culpa do comitente, apenas este será obrigado a
indemnizar, nos termos da responsabilidade por factos ilícitos. Não intervém o
art.º 500.º, porquanto o comissário não será culpado. Se a culpa é apenas do
comissário, o comitente que houver cumprido poderá exigir dele a restituição
de quanto pagou (art.º 500.º/3). O comitente funciona como o garante da
indemnização.
Preenchem-se os pressupostos da responsabilidade do comitente,
quando cumulativamente existam uma relação de comissão, um facto danoso
praticado no exercício da função e a responsabilidade do comissário.
O primeiro requisito cumpre-se quando alguém encarrega outrem de
qualquer comissão (art.º 500.º/1). O termo comissão tem o sentido de serviço
ou actividade realizada por conta e sob a direcção de outrem. A comissão
pressupõe uma relação de subordinação entre o comitente e o comissário que
permita ao primeiro dar ordens ou instruções a este último251.
O segundo pressuposto da responsabilidade do comitente preenche-se
quando o facto danoso é praticado no exercício da função. O art.º 500.º/2
estabelece que só há responsabilidade do comitente se o facto danoso tiver
sido praticado pelo comissário no exercício da função que lhe foi confiada, não
importando que o comissário o faça intencionalmente ou contra as instruções
daquele.
Os actos terão que se inserir no esquema do exercício da função,
devendo o facto ser praticado por causa dela e não apenas por ocasião dela.
Deste modo, afastam-se da responsabilidade do comitente actos que apenas
têm um nexo temporal ou local com a comissão, como sucede, por exemplo,
com o criado que mata alguém com a espingarda de que se apoderou em casa
do patrão.
A intenção é a de abarcar todos os actos compreendidos no quadro
geral da competência ou dos poderes conferidos ao comissário. Os actos que
não se reconduzem ao referido quadro ficam excluídos, como ocorre na
hipótese do empregado que desvia intencionalmente o carro da empresa para
assassinar outrem.
O terceiro e último pressuposto da responsabilidade do comitente
estabelece que esta apenas é despoletada se, aos dois pressupostos que vêm
de ser apontados, se cumular também a responsabilidade do comissário (art.º
500.º/1). A responsabilidade objectiva do comitente só é chamada a intervir
quando o comissário responde subjectivamente. A responsabilidade civil do
comissário será, então, solidária (art.º 497.º/1 e 2).

21.2.3.- A responsabilidade do Estado e de outras pessoas colectivas

Quando o comitente é o Estado ou outra pessoa pública a norma do art.º


501.º remete para a solução disposta no art.º 500.º. A remissão é, contudo,

.- É, v.g., o caso do empregado em face do patrão ou do procurador quanto ao


251

mandante, mas já não o do empreiteiro ou motorista de táxi em face do dono da obra


ou do proprietário do táxi.

124
limitada aos actos de gestão privada, ou seja, aos actos desprovidos do ius
imperii, como no exemplo do polícia que conduz um camião e atropela um
transeunte. Sendo actos de gestão pública, a responsabilidade será dirimida
nos termos do direito administrativo.
Quando o acto é de gestão privada, exige-se, ainda, que haja uma
relação de comissão consistente no facto de o lesante ser órgão, agente ou
representante do Estado, que o facto tenha sido praticado no exercício de
tarefas que competem ao órgão, agente ou representante e, por último, impõe-
se que o órgão, agente ou representante possa ser responsabilizado a título de
culpa.

21.2.4.- Danos causados por animais

O art.º 502.º estabelece a responsabilidade pelo risco do utilizador de


animais no seu próprio interesse. Esta norma difere da doutrina fixada no art.º
493.º/1 que estabelece a responsabilidade subjectiva em relação ao vigilante
dos animais, presumindo a culpa deste.
O primeiro requisito fixado no art.º 502.º consiste na utilização do animal
no próprio interesse. São os casos do proprietário, do usufrutuário, do locatário,
do comodatário ou do simples possuidor. A utilização por estes últimos afasta a
responsabilidade do proprietário.
Porém, no caso da locação, parece que tanto o proprietário como o
locatário se podem considerar como utilizadores no seu próprio interesse. Um
recebe o preço locativo e o outro pela utilização própria do animal.
O segundo requisito cifra-se no perigo especial que envolve a utilização
do animal. A utilização do animal cria uma zona de riscos, impondo-se que o
nexo de causalidade seja estabelecido entre o dano e a perigosidade do animal.
Os danos exteriores à zona de riscos são excluídos. Assim se alguém
sofre um ataque cardíaco, pelo latir de um cão preso, que não tinha qualquer
hipótese de o morder, não haverá qualquer responsabilidade.

21.2.5.- Danos causados por veículos de circulação terrestre

O art.º 503.º/1 determina que o detentor do veículo de circulação


terrestre e que o utiliza no seu próprio interesse, ainda que por meio de
comissário, responda pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo.
Veículos de circulação terrestre são todos os veículos de circulação por terra,
excluindo-se os transportes aéreos e de navegação fluvial ou marítima.
O primeiro requisito diz-nos que o responsável é aquele que tem a
direcção efectiva do veículo, ou seja, o controlo ou o poder sobre o veículo,
independentemente da titularidade ou não de algum direito sobre o mesmo. A
direcção efectiva pode ser detida pelos detentores legítimos do veículo como o
proprietário, o usufrutuário, o locatário, o comodatário, assim como pelos seus
detentores ilegítimos, como o ladrão.
A utilização de veículo por terceiro que dele se apodera ilicitamente não
desencadeia a responsabilidade do dono, nos termos da sobredita norma. Com
efeito, falta aqui a direcção efectiva relativamente ao dono. No caso de aluguer,
o veículo é utilizado no interesse quer do locador quer do locatário, pelo que os
dois respondem solidariamente pelo dano.

125
Todavia, em relação ao comodatário que utilize o veículo por períodos
curtos bem pode não responder, sempre que os poderes do detentor habitual
se mantenham intactos. O locatário e o proprietário, provando-se o interesse
próprio de ambos, devem ser tidos como detentores do veículo, pondo-os a
responder solidariamente.
Exerce o poder de facto sobre o veículo aquele que estabelece ou pode
estabelecer o seu modo de utilização, independentemente do facto de o
veículo estar ou não em circulação. Quando não se exerce esse poder de facto,
afasta-se esta espécie de responsabilidade objectiva. Os exemplos são os do
dono do carro roubado, o do cliente do serviço de táxi e o do instruendo
durante as aulas de condução.
Os inimputáveis não têm igualmente a direcção efectiva do veículo, pelo
que respondem nos termos do art.º 489.º, ex vi do art.º 503.º/2.
O segundo requisito consubstancia-se na utilização do veículo no próprio
interesse do detentor. A utilização do veículo no próprio interesse do detentor,
ainda que por intermédio de comissário, afasta os comissários da
responsabilidade objectiva, prevista no art.º 503.º/1. A responsabilidade
objectiva recai, assim, sobre o comitente e não já sobre os comissários.
O terceiro requisito manda delimitar a responsabilidade aos danos
provenientes dos vícios próprios do veículo, ainda que este não se encontre
em circulação. Os danos compreendidos são os resultantes da circulação do
veículo, quer em via pública quer em recintos privados (atropelamento de
pessoas, embate contra coisas, colisão com outros veículos, etc.), mas
também os por ele provocados quando imobilizado (avaria de travões, incêndio
por curto circuito, etc.).
Os riscos que não são próprios do veículo são excluídos, como sucede
no caso de alguém se ferir por tropeçar num automóvel correctamente
estacionado ou magoar-se, entalando a mão na porta do veículo.
Na hipótese do art.º 503.º/3, 1.ª parte, a responsabilidade funda-se na
culpa. Presume-se a culpa do condutor por conta de outrem, o que equivale a
pôr o detentor a responder objectivamente e o comissário subjectivamente.
Este último só não responderá ilidindo a presunção que sobre si impende.
Havendo culpa do comissário, este e o detentor respondem solidariamente. O
último, se cumprir, terá direito de regresso, nos termos do art.º 500.º/3.
O facto danoso pode ocorrer fora das funções de comissário. O exemplo
é o do motorista que incumbido de levar um carregamento para Benguela, faz
um desvio em direcção a Gabela, de forma a visitar a namorada. Havendo
danos causados pelo veículo, o motorista responderá objectivamente, nos
termos do art.º 503.º/3, 2.ª parte.

21.2.6.- Beneficiários da responsabilidade

A responsabilidade pelos danos causados por veículos aproveita as


pessoas transportadas pelo veículo, em razão de contrato, assim como
terceiros.
No primeiro caso, a responsabilidade apenas cobre os danos que
atinjam a própria pessoa e as coisas por ela transportadas (art.º 504.º/1). Além
da responsabilidade objectiva, as regras pertencentes ao contrato de
transporte podem ser chamadas a intervir.

126
Se o transporte é gratuito, o transportador só responde nos termos gerais,
isto é, com base na culpa (art.º 504.º/2). Cabe ao lesado provar a culpa do
lesante (art.º 487.º/1), dada a gratuitidade do transporte.
Terceiros são os que, encontrando-se no exterior do veículo, são lesados
na sua vida, integridade física, saúde, património, etc. Resultando o acidente
dos riscos próprios do veículo, as pessoas adstritas ao seu funcionamento são
consideradas, igualmente, terceiros. É o caso do motorista do camião, do
maquinista do comboio, do operador da rectro-escavadora ou do fiscal do
autocarro252.
Nestes últimos casos, a existência de contrato de trabalho pode
determinar que a responsabilidade do empregador seja dirimida nos termos
dos arts. 798.º e ss. A sua qualidade de terceiros é, porém, manifesta, nos
casos de colisão de veículos em face do detentor do outro veículo.
Os danos sofridos pelas pessoas indicadas nos arts. 495.º/3 e 496.º/2
são excluídos, mas havendo culpa do condutor são indemnizáveis, no primeiro
caso, e compensáveis, no segundo. Também as coisas não transportadas com
a pessoa não são indemnizáveis.
Na senda do art.º 504.º/3, são feridas de nulidade as cláusulas que
afastem ou limitem a responsabilidade do transportador pelos danos causados
na pessoa do transportado. Isto porque o art.º 504.º/ 1 e 2 compreende regras
imperativas, de forma a proteger a integridade das pessoas transportadas e até
a sua vida. Um tal fundamento de ordem pública não se verifica já em relação
às coisas transportadas.

21.2.7.- Causas de exclusão da responsabilidade

Qualquer das causas identificadas no art. 505.º exclui a responsabilidade


do detentor do veículo, porque o dano deixa de ser um efeito adequado do
risco do veículo. O exemplo é o do curioso que se aproxima, contra as ordens
da autoridade, do veículo em chamas que explode, molestando-o. O nexo de
causalidade entre os riscos próprios do veículo e o dano é, neste caso,
quebrado.
O acidente imputável ao próprio lesado, a terceiro ou a causa de força
maior estranha ao funcionamento do veículo correspondem a causas de
exclusão de responsabilidade.
A primeira causa de exclusão da responsabilidade verifica-se nas
hipóteses de acidente imputável ao próprio lesado, isto é, de acidente devido a
facto do lesado. O exemplo é o do peão que atravessa a rua, quando o
semáforo indica passagem livre para os automobilistas.
O termo imputável tem, aqui, o sentido de “devido” e não o que se colhe
nos arts. 488.º e 489.º. No art. 505.º, não é a culpa que está em causa, mas
apenas um problema de causalidade. Os danos resultantes do acidente não
devem ser juridicamente considerados como um efeito do risco próprio do
veículo, quando o acidente é imputável ao próprio lesado..
Concorrendo a culpa do detentor do veículo com a do lesado ou a do
terceiro, deve-se actuar nos termos do art. 570.º. O exemplo é o do acidente
devido ao excesso de velocidade do veículo e à inadvertência do lesado que
atravessa a via pública fora da passadeira.

127
Uma segunda causa de exclusão da responsabilidade consiste nos
acidentes imputáveis a terceiro. O acidente é causado por facto de terceiro,
quer seja imputável, quer seja inimputável.
O terceiro pode ser o peão que imprevistamente surge na estrada, que
atinge o condutor com uma pedra, que solta imprudentemente o animal na via
pública. Terceiro pode ainda ser o condutor de outro veículo que bruscamente
encadeia o que se cruza com ele o passageiro que deita imprevistamente a
mão ao volante ou inesperadamente agride o condutor.
A causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo afasta
também a responsabilidade, nos termos do art.º 505.º. Inserem-se, aqui, os
danos decorrentes de acidentes causados pela viatura arrastada pela
enxurrada, pelo vento ciclónico ou que explodiu atingida por um raio.
Terão de ser casos estranhos ao funcionamento do veículo. Por exemplo,
a quebra da direcção, uma derrapagem, o rebentamento de um pneu, etc. não
são estranhos ao funcionamento do veículo.

21.2. 8.- Colisão de veículos

A colisão de veículos pode resultar de choque ou de abalroamento (art.º


506.º).
Duas podem ser as soluções quando não há culpa de nenhum dos
condutores.
Assim, quando apenas um dos veículos causa o dano, será o detentor
desse veículo, na esteira da teoria do risco, que indemnizará (art.º 506.º/1, in
fine). O exemplo temo-lo no veículo em marcha que perde os travões,
embatendo num outro devidamente estacionado ou que afrouxou.
A segunda situação é a de ambos os veículos concorrerem para o
acidente, como nas hipóteses de os dois veículos derraparem ou de ambos os
condutores entenderem mal o gesto do sinaleiro. Se os danos são causados
por ambos os veículos, sem culpa dos condutores, a responsabilidade é
partilhada na proporção da contribuição do risco de cada um para a verificação
desses prejuízos (art.º 506.º/1).
O exemplo é o de um dos veículos, um jeep por hipótese, sofrer danos
na ordem de kzs. 25.000 e o outro, um turismo, prejuízos avaliados em
kzs.125.000.00. O primeiro, dada a sua maior cilindrada e porque circulava
com maior velocidade, produz maiores estragos do que sofreu.
Concluindo o julgador em como a contribuição jeep, para a soma total
dos danos, é de 2/3, pelo maior risco que criou, o detentor do jeep suportará o
prejuízo de kzs. 100.000.00 e o do turismo, de kzs. 50.000.00. O primeiro
pagará ao segundo uma indemnização de Kzs. 75.000.00.
Se ambos os condutores são culpados – ambos conduziam, por exemplo,
com excesso de velocidade - cada um deles responde pelos danos
correspondentes ao facto que praticou.
Sendo apenas um deles culpado, só ele responde pelos danos que
causou. E responde quer em relação ao dono do veículo danificado, quer em
relação às pessoas transportadas, num ou noutro veículo, e às coisas neles
transportadas, assim como responde em face de terceiros.

21.2.8.- Limites da indemnização

128
Quando há dolo ou mera culpa do condutor, nenhum limite se estabelece
quanto aos danos ressarcíveis. A regra, em matéria de responsabilidade civil,
impõe que a totalidade de danos provocados pelo acidente deve ser reparado.
Não existindo culpa, aplicam-se os limites consagrados no art.º 508.º. Os
limites estabelecidos, no caso da responsabilidade objectiva, justificam-se
como forma de atenuar a violência, quando não haja culpa, que representaria
uma indemnização sem limitações.
De qualquer modo, a norma do art.º 508.º apresenta-se completamente
desfasada da realidade presente, pelo que urge a sua revisão. Foi esta
constatação que levou o legislador português, em 1985, a redefinir os limites
do art.º 508.º, indexando-as às alçadas da Relação.

21.2.9.- Pluralidade de responsáveis

Os campos de intervenção dos arts. 506.º e 507.º são diferentes. A


primeira norma versa sobre danos que atingem os próprios veículos que
participam da colisão. Já o art.º 507.º, quando haja colisão, versa sobre danos
que resultam para terceiro. Nesta norma estariam, por exemplo, comportados
os danos que da colisão resultam para um transeunte.
Em matéria de acidentes de viação, duas ou mais pessoas podem ser
responsáveis, ante o lesado pelos danos sofridos. Se o comissário conduz o
veículo por conta do detentor e atropela culposamente um terceiro, respondem
solidariamente os dois. O lesado pode exigir de qualquer deles a indemnização
por inteiro, mesmo que haja culpa de algum ou alguns deles.
A responsabilidade solidária pode outrossim derivar do facto de existir
uma situação de compropriedade em relação ao veículo, ou ser o acidente
provocado por dois ou mais veículos. Também aqui reconhece-se ao lesado o
direito de exigir de a indemnização de qualquer um dos proprietários ou de
qualquer um dos detentores.
No plano das relações externas, ou dito de outra forma, das relações
entre lesantes e lesados assim se passam as coisas (art.º 507.º/1). Ao nível
das relações, ou seja, das relações que se travam entre os vários responsáveis
rege o art.º 507.º/.º/2 que fixa duas soluções.
Se não há culpa de qualquer dos responsáveis, será o interesse de cada
um na utilização do veículo que evidenciará a parte respectiva na obrigação de
indemnização (art.º 507/2, 1.ª parte). Em sede de regresso, será esta a parte a
restituir ao lesante que cumpriu. A solução é válida quer para a
compropriedade, como para a colisão de veículos que cause danos a terceiro.
Se há concorrência entre risco e culpa, o responsável pelo risco que
satisfaça a indemnização terá direito de regresso sobre o culpado, na
totalidade. A inversa já não será verdadeira (arts. 507.º/2, 2ª parte e 497.º/2).

21.2.10.- Danos causados por instalações de energia eléctrica ou gás

A utilização de energia eléctrica e de gás, pelos riscos que comporta,


revela-se perigosa, pelo que se justifica a intervenção, nesta área, da
responsabilidade objectiva. São assim ressarcíveis os danos causados pela
instalação (produção e armazenamento), condução (transporte) ou entrega
(distribuição) de energia eléctrica, correndo a obrigação por conta das
empresas que as exploram.

129
Impõe-se que, na esteira do art.º 509.º/1, se cumulem dois requisitos: a
direcção efectiva da fonte de energia e a sua utilização no interesse próprio do
detentor.
As empresas respondem, quer pelos danos resultantes de acidentes
devidos a culpa dos seus órgãos, agentes, representantes ou comissários,
como os decorrentes do mau funcionamento das instalações. Quanto às
instalações, a responsabilidade pode ser afastada, nos termos do art.º 509.º/1
in fine.
Os casos de força maior, isto é, as causas exteriores independentes do
funcionamento da instalação eléctrica, como um tufão ou a queda dum raio,
excluem a responsabilidade (art.º 509.º/2).
O art.º 509.º/3 afasta também a responsabilidade em relação aos danos
causados por utensílios de uso da energia, como fogões, motores eléctricos,
aparelhos de televisão, instalações de ar condicionado, etc. Também os danos
causados por instalação eléctrica que o consumidor faça por sua conta e risco
não cabem no art.º 509.º.
Os limites da obrigação de indemnização vêm fixados no art.º 510.º. São
limites que valem para a responsabilidade objectiva e não já para os casos de
culpa, em que não haverá limites. Os limites em causa revelam-se
ultrapassados pelo contexto actual, clamando por uma redefinição.

Capítulo III.- Modalidades das obrigações

22.- Obrigações civis e naturais

Quanto ao vínculo as obrigações podem ser civis ou naturais.


Obrigações civis são aquelas cujo cumprimento pode ser exigido
judicialmente pelo titular activo da relação. De harmonia com o art.º 817.º, não
sendo a obrigação voluntariamente cumprida, pode o credor lançar mão da
chamada acção creditória nele prevista.
O art.º 476.º/1 permite reaver a prestação ao que erradamente cumpre
uma obrigação inexistente. Prescrevendo a repetição da prestação, esta regra
é privativa do regime das obrigações civis.
As obrigações, na sua maioria, são civis. A locução “obrigações civis”
surge, por exemplo, consagrada no art.º 1245.º. Já as obrigações naturais
encontram-se em minoria.
Naturais são as obrigações cujo cumprimento não pode ser exigido
judicialmente, embora correspondam a um dever de justiça fundado num mero
dever moral ou social (art.º 402.º). Poderíamos, assim, concluir pela
inexistência de qualquer obrigação.
Trata-se, todavia, de verdadeiras obrigações, porquanto realizada a
prestação, de forma livre e espontânea e tendo o devedor capacidade para o
fazer, não haverá lugar à repetição – entenda-se, devolução - do indevido (art.º
403.º), com fundamento, por hipótese, no enriquecimento sem causa. O acto
espontâneo do devedor natural é, em regra, considerado como cumprimento.
Ao credor é reconhecida a faculdade de reter aquilo que foi prestado,
sendo por aqui que se afirma a existência de um vínculo de carácter
obrigacional. De resto, é o próprio art.º 403.º/1 que dá, ao autor que
espontaneamente presta, o nome de “devedor”.

130
O regime aplicável às obrigações naturais é, para além do fixado nas
sobreditas regras, o correspondente às obrigações civis. Impera, também, um
princípio da equiparação. Porém, o art.º 404.º afasta da disciplina das
obrigações naturais as normas relacionadas com a realização coactiva da
prestação, como, v.g., as relativas ao cumprimento.
As obrigações naturais são admissíveis, com carácter de generalidade.
Sempre que se ponha um dever social ou moral, correspondente a um dever
de justiça, estaremos perante esta modalidade. Os exemplos de obrigações
naturais directamente consagrados na lei são vários.
As dívidas prescritas, invocada a prescrição pelo devedor, são tidas
como obrigações naturais, podendo o devedor natural recusar-se ao
cumprimento ou opor-se ao exercício do direito (art.º 304.º/1). O art.º 304.º/2
permite, porém, que o credor natural retenha a prestação realizada pelo
devedor natural, ainda quando feita com ignorância da prescrição.
As dívidas resultantes de jogo ou aposta, quando lícitos, originam
obrigações naturais (art.º 1245.º). As apostas em lotarias não se enxertam
nesta modalidade, por lhes serem aplicáveis normas especiais. O portador da
cautela premiada terá, assim, um verdadeiro direito de exigir a prestação e não
tão-só o de a pretender.
Também o art.º 495.º/3, a propósito da indemnização a terceiros no caso
de morte ou lesão corporal, determina que dela beneficiem as pessoas a quem
o lesado prestava alimentos, em cumprimento de uma obrigação natural.
Em termos de natureza jurídica, a obrigação natural pode ser entendida
como um dever moral ou social juridicamente relevante253. O dever resulta,
nestes casos, de outras ordens normativas que não a jurídica, mas que importa
ao Direito, por corresponder a um dever de justiça. Esta parece ser a tese mais
correcta.
Uma outra posição é a que encara a obrigação natural como uma mera
situação de facto a que se associam certos efeitos jurídicos. A obrigação morre
no instante em que nasce254. Para outros ainda, a obrigação natural seria uma
relação jurídica imperfeita, radicando a sua imperfeição na impossibilidade de o
credor exigir judicialmente o cumprimento e na possibilidade de reter a
prestação efectuada255.

23.- Modalidades de obrigações quanto aos sujeitos

Apreciadas as modalidades das obrigações sob o prisma da natureza jurídica


do vínculo, vamos, a seguir, tratar das modalidades quanto aos sujeitos.
Atendendo aos sujeitos, as obrigações podem ser de sujeito activo
determinado ou indeterminado e singulares ou plurais: As plurais subdividem-
se ainda em conjuntas e solidárias.

23.1.- Obrigações de sujeito indeterminado

Deparamo-nos com obrigações de sujeito determinado sempre que os


sujeitos da relação obrigacional, logo no momento da respectiva constituição,
estiverem identificados. Quando, pelo contrário, a identidade dos sujeitos só se

253
.- VARELA, ANTUNES, ob. cit., pp. 739 e ss.
254
.- CARNELUTTI, Raporto giurídico naturale, in Ver. Dir. Comm, 1936, I, pp. 166 e ss.
255
.- ANDRADE, MANUEL, ob. cit., pp. 73 e ss.

131
individualiza num momento ulterior à constituição do vínculo obrigacional temos
uma obrigação de sujeito indeterminado.
As obrigações de sujeito indeterminado são uma modalidade residual,
verificando-se apenas em relação ao titular activo. A lei admite expressamente
a hipótese em apreço, exigindo, entretanto, que a pessoa do credor seja
determinável, sob pena de nulidade (art.º 511.º).
O exemplo mais impressivo de uma obrigação de sujeito activo
indeterminado é o da promessa pública (art.º 459.º/1). A promessa constitui um
vínculo obrigacional, ficando a determinação do credor diferida para uma um
posterior ao da vinculação.

23.2.- Obrigações singulares e obrigações plurais

Esta classificação atende ao número dos sujeitos activos ou passivos


ligados pelo vínculo obrigacional. Se há apenas um credor e um devedor a
obrigação é singular. Se, pelo contrário, existir uma pluralidade de credores ou
se forem vários os devedores a obrigação será plural.
Sendo vários os credores, teremos uma pluralidade activa. Havendo
vários devedores, a pluralidade será passiva. Entende-se que há pluralidade
mista ou dupla, quando há, simultaneamente, vários credores e vários
devedores.
As obrigações plurais prestam-se a uma outra subdivisão entre
obrigações conjuntas ou parciárias e obrigações solidárias.

23.2.1.- Obrigações conjuntas ou parciárias

Nas obrigações conjuntas, cada um dos credores apenas pode exigir a sua
parte no crédito global – pluralidade activa - e cada um dos deveres apenas
responde pela sua parte no débito conjunto – pluralidade passiva. Os credores
e devedores tão-só têm direito ou apenas estão vinculados à sua parcela na
prestação global. A prestação é fixada globalmente, competindo a cada um dos
sujeitos somente uma parcela no crédito e/ou débito comum.
Os vínculos são tantos quanto o produto do número de credores pelo de
devedores.
O legislador não se ocupa directamente da disciplina da conjunção. Mas,
a despeito de a única alusão a devedores conjuntos se encontrar no art.º
786.º/3, ela corresponde ao regime-regra das obrigações plurais (art.º 513.º).
Nestas, a solidariedade só existe quando resulte da lei (v.g., arts. 467.º, 497.º,
507.º e 595.º/2) ou da vontade das partes. No Direito comercial, prepondera o
princípio inverso, pois faltando disposição em contrário, a obrigação plural do
lado passivo será solidária (art.º 100.º do C. Com.).
A conjunção será originária, quando haja vários credores ou devedores
logo no momento da constituição, ou superveniente, quando a obrigação, só
após a constituição, vira a plural. A conjunção pode, obviamente, deixar de
existir quando a obrigação vira a singular.

23.2.2.- Obrigações solidárias

A obrigação é solidária, pelo seu lado passivo, quando, nos termos do


art.º 512.º/1, o credor pode exigir a prestação integral de qualquer dos

132
devedores e a prestação efectuada por um destes desvincula todos ante o
credor comum. Qualquer dos obrigados está adstrito a realizar a prestação
integralmente, com a automática e consequente extinção da obrigação em
relação aos demais devedores.
Nos termos do mesmo preceito, a solidariedade activa ocorre quando
cada um dos credores pode, de per si, exigir, na íntegra, a prestação, ficando o
devedor liberado ante os demais credores.

23.2.2.1.- Solidariedade passiva

Quando são vários os devedores solidários, o regime da solidariedade


tem a virtude de facilitar a exigência do crédito, por um lado, como a de
acautelar o próprio credor contra a insolvência de algum dos devedores, por
outro lado.
Deste modo, a insolvência de um dos devedores não se repercute na
esfera jurídica do credor, mas nas dos demais devedores. Com efeito, o credor
continua a poder exigir destes a prestação na íntegra. É nesta linha que se
situam os arts. 497.º e 507.º.
O regime das obrigações solidárias põe-se no plano das relações
internas e no das externas.

23.2.2.1.1.- Relações externas

As relações externas são as que se estabelecem entre o credor e os


vários devedores.
Neste plano, a solidariedade passiva analisa-se, desde logo, na
proibição do benefício da divisão (art.º 518.º). O devedor demandado não pode
pretender apenas o pagamento da sua quota no débito comum. Não é também
por chamar os outros condevedores à demanda que se exonera de cumprir na
íntegra.
O art.º 519.º/1 reitera o direito reconhecido ao credor de exigir a
prestação quer na íntegra, quer em parte, proporcional ou não à quota do
demandado. A exigência judicial da prestação a um dos devedores, no todo ou
em parte, obsta o demandante a proceder judicialmente contra os demais, em
relação a esse mesmo todo ou a essa mesma parte, salvo se houver razões
plausíveis, como por exemplo, como, por exemplo, a insolvência.
O credor pode, deste modo, prescindir do benefício da divisão e exigir
dos obrigados apenas uma parte da prestação. O interpelado pode, se quiser,
realizar a prestação por inteiro (art.º 763.º) e, não a recebendo, o credor incorre
em mora.
No geral, a impossibilidade da prestação por facto não imputável ao
devedor ou relativo à sua pessoa extingue a obrigação (arts. 790.º/1 e 791). Na
solidariedade passiva, havendo insolvência ou impossibilidade de realizar a
prestação, a quota parte do devedor insolvente ou impossibilitado é suportada
pelos demais devedores. Neste universo inclui-se o credor de regresso e os
devedores exonerados (art.º 526.º/1). O benefício da repartição não aproveita
não aproveita ao credor de regresso que, por negligência, não exige
tempestivamente a quota do seu condevedor (art. º 526.º).

133
Os meios de defesa do devedor (art.º 514.º) podem ser pessoais ou
comuns. Os pessoais podem aproveitar apenas ao devedor que os invoca (v.g.,
a incapacidade) ou a todos os devedores (v.g., a nulidade).
Os meios pessoais de defesa são factos referentes apenas a um dos
devedores e que unicamente por este podem ser invocados, afastando
temporária ou definitivamente a pretensão do credor. Atinge-se somente um
dos vínculos obrigacionais porque o credor pode exigir a prestação por inteiro.
Já os meios pessoais de defesa são factos que, opostos pelo devedor a
quem se referem, podem beneficiar a todos ou apenas ao devedor a quem
dizem respeito. Os exemplos são o da compensação (arts. 848.º/1 e 523.º -
(art.º 521.º). – o exemplo é o da prescrição.
Os meios de defesa comuns atingem a relação obrigacional complexa,
na sua globalidade, podendo incidir sobre a fonte da obrigação, o seu
funcionamento ou sobre um acto que, em atenção à sua natureza, respeite a
todos os devedores (v.g., nulidade por vício de forma).
A obrigação extingue-se relativamente a todos os devedores, nas
hipóteses em que se torna impossível por facto não imputável a nenhum deles
(art.º 790.º/1), desonerando-se o credor da contraprestação (art.º 795.º).
Todavia, a impossibilidade devida a um dos devedores mantém a
solidariedade dos demais condevedores em relação ao valor da prestação
devida. Pelo excedente responde apenas o devedor a quem o facto seja
imputável (art.º 520.º).

23.2.2.1.2.- Relações internas

No plano das relações internas, o devedor que satisfizer o direito do


credor, para além da parcela que lhe cabe, tem o direito de regresso contra
cada um dos condevedores (art.º 524.º), mesmo em relação àqueles cuja
obrigação esteja prescrita (art.º 521.º/1).
O credor não é prejudicado pela insolvência dos devedores ou pela
impossibilidade de cumprimento. Nestes casos, a quota do devedor insolvente
ou inadimplente é repartida entre os demais condevedores, não se excluindo
quer o credor de regresso, quer os devedores que o credor haja liberado da
obrigação ou do vínculo da solidariedade (art.º 526.º).
As quotas de cada um dos condevedores presumem-se iguais, nada
impedindo que da relação jurídica resulte que sejam diferentes ou até que
apenas um deles deva suportar, a final, o encargo da dívida (art.º 516.º).
Ainda no plano das relações internas, existem igualmente meios de
defesa que podem ser pessoais (a incapacidade, a compensação, etc.) ou
comuns (v.g., a nulidade, etc.). Cumprindo um dos devedores e exercendo, em
consequência, o seu direito de regresso, podem os outros condevedores opor-
lhe os meios de defesa que poderiam licitamente invocar contra o credor, bem
como os que têm contra o credor de regresso (art.º 525.º).

23.2.2.2.- Solidariedade activa

O regime da solidariedade activa facilita a exigência do crédito. Com


efeito, diminui-se, deste modo, o risco de a obrigação prescrever ou caducar
por falta de interpelação do devedor. O credor exige em seu nome e em nome
dos outros concredores.

134
Na solidariedade activa qualquer dos credores pode exigir a prestação
por inteiro e a prestação efectuada a qualquer dos credores, libera o devedor
perante todos os outros credores.
O devedor pode escolher o credor solidário perante quem quer cumprir.
A possibilidade de escolha é afastada, nos casos de citação judicial para o
cumprimento, por outro credor, ficando então adstrito ante quem exige a
prestação. Neste caso e quando a solidariedade activa é estabelecida a favor
do credor, o devedor pode renunciar ao benefício e prestar a cada um dos
credores a sua parte (art.º 528.º/1).
A impossibilidade da prestação por facto imputável ao devedor determina
a solidariedade relativamente à indemnização. A impossibilidade da prestação
por facto imputável a um dos credores obriga-o a indemnizar os demais
credores art.º 528.º/2).
Quando o direito de um dos credores se não prescrito e os dos demais
prescritos, o devedor pode opor-se à realização da prestação na íntegra, isto é,
não tem que realizar a relativa aos créditos prescrito. Estando o crédito
prescrito em relação a todos os credores, a renúncia do devedor à prescrição
não faz renascer, nos demais, o poder de exigir a prestação, em parte ou no
todo (art.º 530.º/1 e 2).
A satisfação do direito na integra, perante um dos credores, extingue
a obrigação relativamente a todos os demais credores (art.º 532.º). O credor
satisfeito além da parcela que lhe cabe nas relações internas tem de satisfazer
aos demais a parte que lhes cabe no crédito comum (art.º 533.º).

135
justificativas do facto ou causas de exclusão da ilicitude

O facto pode ser ilícito, mas pode haver uma causa justificativa do facto, capaz de
afastar a sua aparente ilicitude.
De modo geral, pode dizer-se que o facto, embora prejudicial aos interesses de
outrem ou violando o direito alheio, se considera justificado, quando se trate do
exercício regular de um direito ou se traduza num cumprimento de um dever.

136
Acção directa: é o recurso as vias de facto para exercer o direito-336ºnº1. É admitida
com cautelas.
ex.: alguém que impede a entrada para o carro de outrem.
Em 1º lugar exige-se que haja impossibilidade de recorrer aos meios coercivos
normais do Estado ou que o recurso a esses meios não possa evitar a inutilização da
prática do direito.
Em 2º lugar só permitida nos termos estritos à defesa do direito. Tudo o --- é ilícito.
Requisitos: fundamento real (o agente deve ser titular de um direito que procura
realizar; exceder, isto é, indispensável pela impossibilidade de recorrer aos meios
normais; adequação, não exceder; valor relativo dos interesses em jogo, não pode
sacrificar interesses superiores.
O 336ºnº2 indica alguns meios de que o agente se pode servir para evitar o prejuízo e
no 336ºnº3 mais uma restrição é fixada: não deve sacrificar interesses superiores
(inutilizar um automóvel para evitar um furto de pouca----).

Legitima defesa (337º): como a acção directa, na legítima defesa há a


impossibilidade de o agente recorrer aos meios normais. Exige-se que não haja
manifesta desproporção entre os prejuízos que resultam do acto e os que podem resultar
da agressão.-----aqui pode haver desproporções. Mas mesmo que haja excessos o 37ºnº2
considera justificado esse excesso, se for devido a temor ou medo. A agressão terá que
ser actual e ilícita. É uma atitude de reacção e não de ataque.
Requisitos:
a) Os bens lesados por quem se defende hão-de pertencer ao agressor.
b) Agressão: que haja uma ofensa da pessoa ou dos bens do dependente (uma
acção e não já uma omissão).
c) Que a agressão seja actual (e não apenas provável) e contrária a lei.
d) Necessidade de reacção: impossibilidade de recurso aos meios normais.
e) Adequação: que haja certa proporcionalidade

Se a agressão é passada já não é justificada a reacção; se é futura, pode recorrer aos


meios coercivos próprios. Pode-se visar com ela a defesa de 3º.

Estado de necessidade (339º): é lícito o acto daquele que, para remover o perigo
actual de um dano manifestamente superior, quer do agente, quer de 3º, destrói ou
danifica coisa alheia. ------------------------------------------------
O automobilista, aquém subitamente surge pela frente um peão, não tendo já
possibilidades de travar, prefere chocar com um carro estacionado, causando-lhe danos
do que atropelar o peão.
A pessoa atacado por um ------ reage, matando-o. Para transportar o ferido em perigo
de vida, utiliza-se carro alheio, sem permissão do dono.
Entre a legítima defesa e o estado de necessidade há dois traços comuns: a lesão de
um interesse alheio e o fim de afastar um dano. Porém, na legítima defesa, actua-se por
reacção contra a agressão de outrem, no estado de necessidade actua-se por ataque (ex.
do cão) ou como meio de defesa de um perigo não proveniente de agressão de outrem; o
Nos termos do 339ºnº2 haverá obrigação de indemnizar se foi o agente que açulou o
cão ou foi culpado do ferimento que levou a utilizar viatura doutrem para levar o ferido
ao hospital.

Consentimento do lesado: também o consentimento do lesado constitui causa


justificativa do facto. A autoriza o vizinho a entrar em sua casa que precisa de telefonar;

137
não há ilicitude nos actos que o vizinho pratique no âmbito de tal autorização. Ressalva-
se o caso de o acto autorizado ser contra a lei ou contra os bons costumes. O autor da
eutanásia não fica isento, mesmo que consentida pelo enfermo.
Ver o caso do artº340nº3: a lesão opera no interesse e de acordo com a vontade
presumível do lesado, com um campo especial de aplicação no caso das intervenções
cirúrgicas.

Casos especiais de presunção de culpa.

a) Pessoas à vigilância de outrem (491º). A responsabilidade resulta,


neste caso, do incumprimento de vigiar alguém com incapacidade natural
(pais, tutores, mestres de oficinas, professores, enfermeiros, guardas, etc.).
O obrigado à vigilância responde pelos danos causados pelo incapaz
presume-se a sua culpa, não cabendo ao credor.
Mas a responsabilidade do vigilante pode ser afastada, se este provar o
cumprimento do dever de vigilância, ou demonstrando que o dano sempre se
teria produzido, mesmo que o dever tivesse sido cumprido.
O responsável ou melhor vigilante responde por um facto próprio e não
por um facto de outrem. Responde porque há uma omissão culposa de um
dever de vigilância

b) Danos causados por edifícios ou outras obras (492º).


Presume-se a culpa do proprietário ou do possuidor do edifício ou de outra
obra que ruir, em virtude de um vicio de construção ou de um defeito de
conservação ( 492º n.º 1) ou da pessoa obrigada a sua conservação por força
da lei ou negocio jurídico(usufrutuario-1472º n.º 1). Edifícios ou outras obras
incluem paredes, muros, -----,-------, antenas, andaimes, canais, barragens,
etc.. o fundamental é a ligação do edifício ao chão(excluem-se as arvores e
outros elementos naturais), porque se forem moveis já não se aplica a regra(o
vaso colocado à janela).
No caso de art. 492ºnº2, o proprietário ou possuidor só não responderão se
não tiverem culpa nos danos verificados. Se tiverem culpa respondem ao lado
da outra pessoa (responsabilidade solidária); e se houver culpa-----, in
contrahendo ou in vigilando a responsabilidade cessa logo que o proprietário
ou o possuidor prove que não houve culpa da sua parte.
Portanto, neste preceito, consagra-se uma presunção de culpa do
proprietário ou do possuidor do edifício ou da--- que ruir e causar danos, em
consequência de vicio de construção ou de um defeito de conservação. Mas o
lesado, para a presunção proceder tem de provar que os danos causados
foram devidos ao vício ou defeito em questão. De contrário a presunção não
funciona.
Em suma, consagra-se a relevância negativa da causa virtual (---------------
---- sem o defeito ou vicio, quando, -------------).

c) Reprovabilidade por danos causados por coisas, animais ou


actividade perigosas (493º)
Qualquer destas situações está situada ----- da responsabilidade por factos
ilícitos e não objectiva. Aqui opera-se com a culpa presumida do agente.
Também inverte o ónus da prova. Desde que o obrigado a indemnização

138
prove que cumpriu dever de vigilância ou que, mesmo tendo-o cumprido, o
resultado verificar-se-ia na mesma, (causa virtual). É afastada a
responsabilidade nos termos do artº350nº2, e não haverá lugar à
indemnização (493ºnº1).
Já no caso de os danos decorrerem em consequência do exercício de uma
actividade perigosa, a única hipótese de não haver responsabilidade é a do
afastamento da culpa (493ºnº2). Não relevará a prova de que os danos sempre
teriam ocorrido, apesar do cumprimento das diligências que se impunham ao
agente. Neste caso, continuará a haver responsabilidade. Afasta-se a
relevância negativa da causa virtual. O dever de vigiar pode impender sobre
outrem que não o proprietário. Pode-se tratar de um comodatário, de um
depositário, etc. a coisa pode ser ---------, um paiol, substancias radioactivas
ou ---------,----------, etc.
“Actividades perigosas” serão a navegação marítima e aérea, o abrigo de
explosivos, o-------de substâncias ou materiais inflamáveis. Perigosas por sua
própria natureza seriam o tratamento com raio X, etc.
Mesmo que aleguem que os danos se verificariam na mesma por uma
outra causa, (causa virtual), mesmo que adoptasse todas aquelas providências,
o responsável não se exime à responsabilidade.

3. Dano
Se não há dano, no DC., não há lugar a responsabilidade. Não havendo dano, nem
interessa -------- dos outros pressupostos da responsabilidade.

3.1. Conceito e variantes


O dano não é a lesão do direito ou do interesse protegido é, antes, o prejuízo
suportado por alguém. Se o prejuízo se repercute na esfera patrimonial privada recebe o
nome de dano patrimonial. Se se verificam no âmbito pessoal do indivíduo, recebe o
nome de dano moral, não patrimonial ou extra-patrimonial. Aqui não se torna indemne
o lesado, mas haverá antes uma superação, de forma a reparar os desgostos, as dores ou
a humilhação vivida.
O dano patrimonial costuma designar-se emergente que corresponde ao prejuízo nos
bens ou nos direitos já existentes na titularidade do lesado. O lucro cessante ou frustrado
corresponde aos benefícios que o lesado deixou de obter por causa do facto ilícito, mas
que ainda não tinha direito à data da lesão.
Na colisão de dois táxis, o dano emergente são os prejuízos causados em cada um
dos veículos (despesas de reparação, reboque, etc.). Lucro cessante será o ganho que
cada um dos condutores deixou de obter por não ter o veículo disponível.
O dano patrimonial pode resultar numa diminuição do activo (destruição de selos,
moedas) como num aumento do passivo (despesas com a reparação da viatura, aluguer
de viatura, etc.). Ver o art564º.
No que toca à avaliação do bem lesado, há duas orientações: a avaliação concreta
feita em função do valor que o bem tem no património do lesado; e a avaliação abstracta
em função do seu valor objectivo no mercado.
A primeira parece a preferida. A fractura de uma perna a um futebolista, a despeito
de poder continuar com a sua vida normal, pode impossibilitá-lo de jogar futebol. O
dano que ele sofre não tem as consequências que teria para o comum das pessoas
(Manzorras).

139
Em termos de indemnização refere o princípio da reconstituição natural por força do
art.------ pelo que a indemnização em dinheiro só opera quando aquela é impossível, não
repare integralmente os danos, ou seja, onerosa em excesso.(566º).

3.2. Ressarcibilidade dos danos não patrimoniais

Colocam-se as teses que a negam. O dinheiro e este tipo de danos são grandezas
heterogéneas.
Não há possibilidade de, com dinheiro, apagar os malefícios desta natureza. Mesmo
permitindo que sejam compensáveis, seria difícil calcular o quantum dessa
indemnização.
Responde-se, alegando que o dinheiro bem pode atenuar, minorar, e portanto
compensar os danos sofridos pelo lesado. Esta é uma solução mais justa do que nada
ressarcir, à luz daqueles argumentos.
O C.C. no art.496ºnº1 tomou posição. Os danos são compensáveis, limitando-os
àqueles que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito. A compensação é fixada
equitativamente (469nº3).

3.3. Indemnização pelo facto da morte da vitima

Causas de exclusão da culpa

Erro desculpável - a actuação do agente resulta de erro desculpável quando a


actuação do agente resulta de uma falsa representação da realidade que não lhe possa
em---- das circunstâncias ser censurada. Alguém perseguido numa floresta por um
grupo de assaltantes e na fuga deparava-se com dois homens armados que julga fazerem
parte do grupo e dispara vindo mais tarde a descobrir que eram simples caçadores.
Haverá um erro sobre os pressupostos da acção directa (338º) ou da legitima defesa.

Medo invencível

Desculpabilidade

A morte como dano

As ofensas de que remete a morte podem dar origem aos seguintes danos:

140
a) Perda da vida da própria vitima;
b) Danos não patrimoniais sofridos pelos familiares da vitima em consequência da
morte;
c) No caso de a morte não ser instantânea, danos não patrimoniais sofridos +pela
vitima e pelos familiares até a ocorrência da morte.

Face ao art. 496º n.º 1 quer os danos indicados na alínea b) como os indicados em c)
são indemnizáveis. O problema coloca-se em relação ao dano vida. Na esteira de
alguma doutrina (Antunes Varela, Oliveira Ascensão) é contestada a indemnização do
dano vida, face ao disposto no art. 68º nº 1. A personalidade cessa pela morte. No art.
496º nºs 2 e 3 só estariam comportados os danos não patrimoniais reflexamente sofridos
pelos familiares em consequência da morte da vitima e não---- dano morte que não seria
assim indemnizável.
Outra tese (Galvão Telles, Menezes Cordeiro), sustenta que a vida é um bem jurídico,
cuja lesão faz surgir na esfera jurídica da vítima, o direito a uma indemnização que seria
transmissível não por força do art. 496º nºs 2 e 3, mas no âmbito sucessório (2024º).
A primeira solução parece bastante conceptualista. Trata-se do dano máximo; gera
uma indemnização que se transmite aos herdeiros (2024º e 2133º). O art. 496º nºs 2 e 3,
In fine, volta a referir-se à indemnização por morte da vitima. Trata-se aqui dos danos
não patrimoniais sofridos por outras pessoas em consequência da morte da vítima.
A morte de uma pessoa gera dor e sofrimento numa série de outras pessoas
(familiares, amigos e uma série de outras pessoas), pelo que o legislador restringe o
círculo de pessoas que podem pedir a indemnização. Na primeira linha estão
conjuntamente o Cônjuge e descendentes; faltando estes, os pais para depois-----, os
irmão e os sobrinhos que os representem.
No art.496º n.º 3, não parece referir-se aos danos causados pela morte da vitima, mas
aos ocorridos (extra-patimoniais) antes dela (morte). A lesão que causou a morte pode
ter provocado dor e sofrimento quer na vítima quer nos parentes mais próximos. O
direito a indemnização estende-se também a esses danos.
No mesmo sujeito pode cumular-se o direito à indemnização relativamente a estes
três tipos de danos.

10. O nexo de causalidade entre o facto e o dano.

O art. 483º, ao estabelecer a obrigação de indemnização para o comportamento ilícito


e culposo do agente limita essa indemnização aos “ danos resultantes da violação”. Esse
comportamento terá que ser a causa dos danos sofridos ou seja que haja um nexo de
causalidade entre o facto e dano.

O problema coloca-se quanto aos limites em que se deve admitir esse nexo. Repare-
se para o seguinte exemplo de Pothier:

141
- Um comerciante vendeu uma vaca a um lavrador que sabia estar infectada, tendo
dissimulado esse vício. O lavrador coloca a vaca junto dos seus outros animais
que acabam por sucumbir vítimas de contágio. Em consequência o lavrador vê-
se impossibilitado de lavrar as suas terras, perdendo o rendimento que auferia. É
executado pelos seus credores, sendo os seus bens vendidos ao desbarato. ------
acrescenta o suicídio do lavrador. Não faz sentido que pelos infortúnios todos do
lavrador seja responsabilizado o comerciante.

12. Responsabilidade por factos ilícitos.

O acto pode ser ilícito e obrigar o agente a reparar. É ilícito porque visa satisfazer um
interesse colectivo ou qualificado. Mas não é justo que se sacrifique sem nenhuma
compensação, os interesses de um ou mais particulares ou os bens de uma pessoa. Os ex.
339ºnº2, 1367º, 1347ºnº2e3, 1348ºnº2, 1349ºnº3.
.

142
ALGUNS ESCOLHOS NO ROTEIRO DA LGT

Ilustres colegas,
Caros discentes,
Minhas Senhoras,
Meus Senhores,

Quero, em primeiro lugar, deixar bem vincado o meu apreço pelo


convite que me foi endereçado pela Comissão Organizadora deste
evento. Apraz-me outrossim felicitar os primeiros quintanistas da
nossa Faculdade pela oportuna e assaz pertinente ideia de
organizar esta jornada, colimada a reflectir sobre temas que têm a
ver com a nossa Lei Geral do Trabalho.

O exercício proposto é plenamente cabido, justamente porque a


LGT pode ser considerada como o ponto geométrico em que a
latitude e a longitude da vida de qualquer cidadão se entrecruzam;
este dado concita inexoravelmente o seu tratamento académico. O
trabalho é ab ovo o ex libris da humanidade.

A oportunidade do roteiro proposto avulta quando é sabido,


ressabido e consabido que são múltiplos os escolhos que o diploma
em apreço apresenta ao intérprete. É sobre algumas dessas
aporias, detectadas ao longo do magistério da cadeira de Direito do
Trabalho, que faço inflectir a minha intervenção. A presente
exposição é tão-só o repositório disso mesmo.

Desde logo, sublinho que não se cuida, aqui, de inventariar,


adinfinitum e em moldes exaustivos, os aspectos controversos da
lei em apreço; há outras soluções menos conformes que bem
poderiam cumular-se às arestas que vamos arrolar na explanação
subsequente.

Em obediência a tais coordenadas, centro, em primeiro lugar, a


minha atenção sobre o artigo 21.º da LGT. “Efeitos da nulidade” é a
respectiva epígrafe. Ocorre, porém, que no preceito ora
mencionado são versados quer os efeitos da nulidade, como

143
outrossim os da anulabilidade, como no-lo demonstram os números
4 e 6. A epígrafe revela-se, em consequência, redutora. “Efeitos das
invalidades” seria a locução apropriada para epigrafar o corpo do
artigo.

Na esteira do mesmo preceito, cabe referir que não são bem


divisáveis? as razões subjacentes à limitação do universo de
interessados na invocação da nulidade, nos termos expressos no
artigo 21.º/5. Prosseguindo finalidades de cariz público, parece-me
que o elementar analisar-se-ia na sua invocação por qualquer
interessado. A doutrina documentada naquele número só pode ser
entendida no sentido de estamos ante uma invalidade mista.

No artigo 50.º e para efeitos de procedimento disciplinar, a lei,


indiscriminadamente, utiliza os termos “convocatória” e “carta”. Para
designar o acto de convocar que impende sobre a entidade
empregadora colhe melhor o termo “convocatória” do que a palavra
“carta”, porquanto .

Sobre o artigo 59.º/1, a), cabe referir que a remissão para a alínea h)
do artigo 45.º é, a todos os títulos, incorrecta. A remissão deveria
ser feita para a alínea g) do preceito em causa. A medida disciplinar
será abusiva quando a sua aplicação decorra de reclamação
legítima, pelo trabalhador, dos direitos consagrados no artigo 45.º/g).

Sobre a mencionada alínea h) do artigo 45.º fica-me a dúvida se


estaremos perante um direito do trabalhador ou, antes, em face de
um verdadeiro dever que impende sobre o mesmo. Em se tratando
de um dever, como me parece, o artigo 46.º seria a respectiva sede
legal.

A epígrafe do artigo 58.º - Direito de reclamação e recurso – não se


harmoniza com o conteúdo do corpo do artigo. O corpo do artigo
tão-só cuida do direito de recorrer e não já do de reclamar. De resto,
a própria lei utiliza indistintamente os conceitos de reclamação e
recurso hierárquico, como sucede nos artigos 231.º/8 e 242.º.

Nos artigos 61.º e 62.º, deparo-me com mais uma novidade!


Responsabilidade material é, inopinadamente, o novo nome de
baptismo dado à responsabilidade civil. A opção por uma tal
locução, em detrimento da fórmula “responsabilidade civil” que tem
em seu abono o peso da tradição, quer de “iure constituto”, quer de
“iure constituendo”, não se nos afigura feliz e muito menos

144
inteligível.

No artigo 186.º/1, a proibição da cessão do crédito de salários, a


título generoso, deve ser entendida em termos menos generosos; o
escopo é, com efeito, o de impedir a cessão a título oneroso.

No artigo 227.º/2, remete-se para o dispositivo contido no artigo


52.º/4. Compulsado o artigo 52.º, verifica-se que não existe nenhum
n.º 4. A remissão deveria ser efectivada para o n.º 3 do artigo 52.º.

Sobre o artigo 238.º e para se falar em despedimento colectivo,


importará que a extinção ou transformação dos postos de trabalho
afecte o emprego de cinco ou mais trabalhadores. Do artigo 231.º, a
contrario, pode-se extrair a mesma directriz.

Ora, manda o artigo 249.º que a ilicitude fundada na inexistência


das razões invocadas para o despedimento colectivo só pode ser
decretada se a acção correspondente for intentada por quinze
trabalhadores. Se os trabalhadores abrangidos pelo despedimento
colectivo forem em número inferior a quinze jamais seria possível
decretar a ilicitude? Bastaria, quanto a mim, que a acção fosse
intentada pela maioria dos trabalhadores despedidos.

Por outro lado, a falta de acordo a que alude o artigo 247.º/b), tem
de ser vista com alguma prudência. Com efeito, pode perfeitamente
não existir acordo e, entretanto, proceder o despedimento colectivo,
na esteira dos artigos 241.º e 242.º. O que se deveria mencionar na
referida alínea b) é que o despedimento será ilícito se o empregador
não promover as consultas conducentes à busca do acordo, nos
termos do artigo 240.º.

Sobre o artigo 254.º, importa sublinhar que é bastante duvidoso o


alcance da solução consagrada no seu número 4, in fine. Em nossa
opinião, o abandono do trabalho prejudica a aplicação das medidas
disciplinares documentadas no artigo 49.º.

Sobre o artigo 313.º/5, impõe-se referir que o disposto na b) se


acha já comportado na alínea a) do mesmo número, por via da
remissão operada para alínea do n.º 4. Justifica-se, assim, a sua
supressão.

Por último, confrontadas as duas edições da LGT – a de 2000


(MAPESS) com a de 2001 (I.N.) – verifica-se que a promulgação,

145
na primeira, remonta aos 5 de Agosto de 1999 e, na segunda, ela
teria ocorrido aos 15 de Dezembro de 1999. Esta é a data correcta.

Não é caso para se dizer: - Ave, Caesar, morituri te salutant; mas é


caso para se asseverar que a LGT carece de ser revista, de molde
a serem limadas algumas arestas.

ALGUNS ESCOLHOS NO ROTEIRO DA LGT

Ilustres colegas,
Caros discentes,
Minhas Senhoras,
Meus Senhores,

Quero, em primeiro lugar, deixar bem vincado o meu apreço pelo


convite que me foi endereçado pela Comissão Organizadora deste
evento. Apraz-me outrossim felicitar os primeiros quintanistas da
nossa Faculdade pela oportuna e assaz pertinente ideia de
organizar esta jornada, colimada a reflectir sobre temas que têm a
ver com a nossa Lei Geral do Trabalho.

146
O exercício proposto é plenamente cabido, justamente porque a
LGT pode ser considerada como o ponto geométrico em que a
latitude e a longitude da vida de qualquer cidadão se entrecruzam;
este dado concita inexoravelmente o seu tratamento académico. O
trabalho é ab ovo o ex libris da humanidade.

A oportunidade do roteiro proposto avulta quando é sabido,


ressabido e consabido que são múltiplos os escolhos que o diploma
em apreço apresenta ao intérprete. É sobre algumas dessas
aporias, detectadas ao longo do magistério da cadeira de Direito do
Trabalho, que faço inflectir a minha intervenção. A presente
exposição é tão-só o repositório disso mesmo.

Desde logo, sublinho que não se cuida, aqui, de inventariar,


adinfinitum e em moldes exaustivos, os aspectos controversos da
lei em apreço; há outras soluções menos conformes que bem
poderiam cumular-se às arestas que vamos arrolar na explanação
subsequente.

Em obediência a tais coordenadas, centro, em primeiro lugar, a


minha atenção sobre o artigo 21.º da LGT. “Efeitos da nulidade” é a
respectiva epígrafe. Ocorre, porém, que no preceito ora
mencionado são versados quer os efeitos da nulidade, como
outrossim os da anulabilidade, como no-lo demonstram os números
4 e 6. A epígrafe revela-se, em consequência, redutora. “Efeitos das
invalidades” seria a locução apropriada para epigrafar o corpo do
artigo.

Na esteira do mesmo preceito, cabe referir que não são bem


divisáveis? as razões subjacentes à limitação do universo de
interessados na invocação da nulidade, nos termos expressos no
artigo 21.º/5. Prosseguindo finalidades de cariz público, parece-me
que o elementar analisar-se-ia na sua invocação por qualquer
interessado. A doutrina documentada naquele número só pode ser
entendida no sentido de estamos ante uma invalidade mista.

No artigo 50.º e para efeitos de procedimento disciplinar, a lei,


indiscriminadamente, utiliza os termos “convocatória” e “carta”. Para
designar o acto de convocar que impende sobre a entidade
empregadora colhe melhor o termo “convocatória” do que a palavra
“carta”, porquanto .

Sobre o artigo 59.º/1, a), cabe referir que a remissão para a alínea h)

147
do artigo 45.º é, a todos os títulos, incorrecta. A remissão deveria
ser feita para a alínea g) do preceito em causa. A medida disciplinar
será abusiva quando a sua aplicação decorra de reclamação
legítima, pelo trabalhador, dos direitos consagrados no artigo 45.º/g).

Sobre a mencionada alínea h) do artigo 45.º fica-me a dúvida se


estaremos perante um direito do trabalhador ou, antes, em face de
um verdadeiro dever que impende sobre o mesmo. Em se tratando
de um dever, como me parece, o artigo 46.º seria a respectiva sede
legal.

A epígrafe do artigo 58.º - Direito de reclamação e recurso – não se


harmoniza com o conteúdo do corpo do artigo. O corpo do artigo
tão-só cuida do direito de recorrer e não já do de reclamar. De resto,
a própria lei utiliza indistintamente os conceitos de reclamação e
recurso hierárquico, como sucede nos artigos 231.º/8 e 242.º.

Nos artigos 61.º e 62.º, deparo-me com mais uma novidade!


Responsabilidade material é, inopinadamente, o novo nome de
baptismo dado à responsabilidade civil. A opção por uma tal
locução, em detrimento da fórmula “responsabilidade civil” que tem
em seu abono o peso da tradição, quer de “iure constituto”, quer de
“iure constituendo”, não se nos afigura feliz e muito menos
inteligível.

No artigo 186.º/1, a proibição da cessão do crédito de salários, a


título generoso, deve ser entendida em termos menos generosos; o
escopo é, com efeito, o de impedir a cessão a título oneroso.

No artigo 227.º/2, remete-se para o dispositivo contido no artigo


52.º/4. Compulsado o artigo 52.º, verifica-se que não existe nenhum
n.º 4. A remissão deveria ser efectivada para o n.º 3 do artigo 52.º.

Sobre o artigo 238.º e para se falar em despedimento colectivo,


importará que a extinção ou transformação dos postos de trabalho
afecte o emprego de cinco ou mais trabalhadores. Do artigo 231.º, a
contrario, pode-se extrair a mesma directriz.

Ora, manda o artigo 249.º que a ilicitude fundada na inexistência


das razões invocadas para o despedimento colectivo só pode ser
decretada se a acção correspondente for intentada por quinze
trabalhadores. Se os trabalhadores abrangidos pelo despedimento
colectivo forem em número inferior a quinze jamais seria possível

148
decretar a ilicitude? Bastaria, quanto a mim, que a acção fosse
intentada pela maioria dos trabalhadores despedidos.

Por outro lado, a falta de acordo a que alude o artigo 247.º/b), tem
de ser vista com alguma prudência. Com efeito, pode perfeitamente
não existir acordo e, entretanto, proceder o despedimento colectivo,
na esteira dos artigos 241.º e 242.º. O que se deveria mencionar na
referida alínea b) é que o despedimento será ilícito se o empregador
não promover as consultas conducentes à busca do acordo, nos
termos do artigo 240.º.

Sobre o artigo 254.º, importa sublinhar que é bastante duvidoso o


alcance da solução consagrada no seu número 4, in fine. Em nossa
opinião, o abandono do trabalho prejudica a aplicação das medidas
disciplinares documentadas no artigo 49.º.

Sobre o artigo 313.º/5, impõe-se referir que o disposto na b) se


acha já comportado na alínea a) do mesmo número, por via da
remissão operada para alínea do n.º 4. Justifica-se, assim, a sua
supressão.

Por último, confrontadas as duas edições da LGT – a de 2000


(MAPESS) com a de 2001 (I.N.) – verifica-se que a promulgação,
na primeira, remonta aos 5 de Agosto de 1999 e, na segunda, ela
teria ocorrido aos 15 de Dezembro de 1999. Esta é a data correcta.

Não é caso para se dizer: - Ave, Caesar, morituri te salutant; mas é


caso para se asseverar que a LGT carece de ser revista, de molde
a serem limadas algumas arestas.

149
ÍNDICE BIBLIOGRÁFICO

AAVV, European Review of Private Law, vol. 5, 1997.


ABREU, COUTINHO DE, Da Empresarialidade, As Empresas no Direito,
Colecção Teses, Almedina, Coimbra, 1999.
ALARCÃO, RUI DE, Direito das Obrigações, Colecção da Faculdade de
Direito da UAN, Lito-Tipo, Luanda, 1999.
ALARCÃO, RUI DE, Direito das Obrigações, com a colaboração de J. S.
RIBEIRO, ALMENO DE SÁ e J.C.PROENÇA, Coimbra, 1983.
ALBALADEJO, MANUEL, Compendio de Derecho Civil, 2.ª edicion,
Libreria Bosch, Barcelona, 1974.
ALMEIDA, CARLOS PEREIRA DE, Negócio Jurídico de Consumo, BMJ,
n.º 347, Junho, 1985.
ALMEIDA, CARLOS FERREIRA DE, Contratos I, 2.ª Edição, Almedina,
Coimbra, 2003.
ALMEIDA, CARLOS FERREIRA DE, Texto e Enunciado, Coimbra,
Almedia, 1992.
ALMEIDA, CARLOS FERREIRA DE, Os Direitos dos Cosumidores,
Coimbra, 1982.
ALMEIDA, PAULO DUARTE PEREIRA DE, O Direito do Accionista à
Informação no CSC, Lisboa, 1992.
ANDRADE, MANUEL DE, Teoria Geral da Relação Jurídica, Coimbra,
Almedina, 1998
ASCENSÂO, OLIVEIRA, Acções e Factos Jurídicos, Coimbra, Coimbra
EDITORA 1999.
ASCENSÃO, OLIVEIRA,Cláusulas Contratuais Gerais, Cláusulas Abusivas
e Boa Fé, ROA.
ASCENSÃO, OLIVEIRA, Teoria Geral do Direito Civil, III, 1984.
ATIYAH, PATRICK SELIM, The Rise and Fall of Freedom of Contract,
Clarendom Press, Oxford, 1979.
BARBOSA, ANA MIRANDA, Os Contratos de Adesão no Cerne da
Protecção do Consumidor, in Estudos de Direito do Consumidor, n.º 3, Coimbra,
2001.
BIANCA, MASSIMO, Le Autorita Private, Casa editrice Dott. Eugenio
Jovene, Napoli, 1977.
BORAVIA, MARIA TERESA, I Contratti di Adesione Nella Problematica
Dell’ Equilbrio Negoziale, in Riv del Dir. Comm., Anno LXXIV, 1976.
BRICKS, HÉLÈNE, Les Clauses Abusives, Paris, LGDJ, 1982.
BULGARELLI, WALDÍRIO, Tratado de Direito Empresarial, 3.ª edição, São
Paulo, Editora Atlas, S.A., 1997.
CALERO, FERNANDO SANCHEZ, Instituciones de Derecho Mercantil II,
MC Grawhill, 22.ª edición, Madrid, 1999.

150
CANARIS, CLAUS-WILHELM, A Liberdade e a Justiça Contratual na
Sociedade de Direito Privado, in Contratos: Actualidade e Evolução, Porto,
1997.
CANENCAR, PRABHACAR VISAMBOR, Do conceito de contrato de
adesão – contrato de pré-redacção, Lisboa, 1945/1946.
CARVALHO, ORLANDO, Teoria Geral da Relação Jurídica – seu sentido e
limites -, 2.ª edição actualizada, Centelha, 1981.
CONVERTI, LUZIA, Decreto-legge portoghese sulla tutela del consumatore,
Rivista di Diritto Civile, ano XXXIV – 1988, parte prima, CEDAM.
CORDEIRO, MENEZES, Concessão de Crédito e Responsabilidade
Bancária, vol. III, A Culpa in Contrahendo do Banqueiro, in Banca, Bolsa e
Crédito, 1990.
CORDEIRO, MENEZES, Da Boa Fé no Direito Civil, Colecção Teses,
Almedina, 2001.
CORDEIRO, MENEZES, Direito Bancário, Relatório, Almedina, Coimbra,
1997.
CORDEIRO, MENEZES, A Modernização das Obrigações………………
CORDEIRO, MENEZES, Manual de Direito Bancário, 2.ª edição, Almedina,
Coimbra, 2001.
CORDEIRO, MENEZES, Manual de Direito do Trabalho, Coimbra, 1991.
CORDEIRO, MENEZES, Manual de Direito do Trabalho, Coimbra,
Almedina, 1994.
CORDEIRO, MENEZES, Tratado de Direito Civil Português, Tomo I, Parte
Geral, 2.ª edição, Almedina, 2000.
COSTA, ALMEIDA e CORDEIRO, MENEZES, Cláusulas Contratuais
Gerais, Anotação ao Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, Almedina,
Coimbra, 1995.
COSTA, ALMEIDA, Direito das Obrigações, 4.ª ed., Coimbra Editora, 1984.
COSTA, ALMEIDA, Direito das Obrigações, 9.ª edição, Almedina, Coimbra,
2004.
COSTA, ALMEIDA, Síntese do Regime Jurídico Vigente das Cláusulas
Contratuais Gerais, 2.ª ed., Universidade Católica Editora, 1999.
D’AMELIO, MARIANO e FINZI, ENRICO, Codice Civile, Libro delle
Obbligazioni, vol. I, Commentario, G. Barbèra editore, Firenze.
DANTAS, SARA BRANCO, As cláusulas contratuais gerais, in Estudos de
Direito do Consumidor, n.º 4, Coimbra, 2002.
DAVOLI, PIER PAOLO, I Sistemi Di Informazioni Aziendale, in Il Problema
Dell’Informazione nella Società Moderna, Firenze, L.S. Olschki Editore, 1968.
DUARTE, SOFIA ADRIANA DE CARVALHO, O Direito à Informação
nas Sociedades Comerciais, Lisboa, 2001 - Curso de Mestrado de 1998/1999.
FABIAN, CHRISTOPH, O Dever de Informar no Direito Civil, Editora
Revista dos Tribunais, 2002.
FERNANDES, LUÍS A. CARVALHO, Teoria Geral do Direito Civil, vol. I,
AAFDL, Lisboa, 1983.
FERREIRA, EDUARDO PAZ, A Informação no Mercado de Valores
Mobiliários, in Direiro dos Valores Mobiliários, Ab Uno Omnes, Instituto dos
Valores Mobiliários, 2000.

151
FERREIRA, EDUARDO PAZ, Informação e Mercado de Valores
Mobiliários, Separata da Revista da Banca, n.º 50, Jul.-Dez., 2000.
FIGUEIREDO, CÂNDIDO, Dicionário de Latim-Português, Dicionário
Editora, Porto Editora, 2.ª edição, 2001; Grande Dicionário da Língua
Portuguesa, 25ª edição, vol. III, Bertrand Editora, Venda Nova, 1996.
FRADA, MANUEL CARNEIRO DA, Contrato e Deveres de Protecção,
separata do vol. XXXVIII do supl. do BFDC, Coimbra, 1994.
GALGANO, FRANCESCO, Diritto Privato, seconda edizione, CEDAM,
Padova, 1983.
GARCIA-AMIGO, MANUEL, Consideraciones en torno a la teoria de las
condiciones generales de los contratos y de los contratos por adhesion, in
Revista de Derecho Español y Americano, C.E.J.H.
GARCIA-AMIGO, MANUEL, El Contrato en la Perspectiva Comunitaria, in
Contratos: Actualidade e Evolução, Porto, 1997.
GHESTIN, JACQUES e JAMIN, CHRISTOPHE, Le juste et l’utile dans
les effets du contrat, in Contratos: Actualidade e Evolução, Porto, 1997.
GHESTIN, JACQUES, Perspectives pour l’avenir, Le droit des contrats, in
Um Código Civil para a Europa, B.F.D., STVDIA IURIDICA, 64, Colloquia-8.
GIANNINI, M.S., Recensione a L. SALVI, Premessa a uno studio sui controlli
giuridici, Milano, 1957, in Riv. Trim. Dir. pubbl., 1958.
HÖRSTER, HEINRICH EWALD e MONTEIRO, SINDE, A lei alemã
para a regulmentação das condições gerais dos contratos, RDE, Coimbra, Ano
V, n.º 2, Jul.-Dez., 1979.
HIPPEL, EIKE VON, Defesa do Consumidor, in Boletim do Ministério da
Justiça, nº 273, Fevereiro, 1973.
ISSÁ, MAHOMED, Responsabilidade Bancária e o Dever de Informar,
Maputo, 1999.
JAYME, ERIK, O Risco da Diversidade Linguística e o Dip, in BFD, vol. LIV,
Coimbra, 1978.
JUGLART, MICHEL DE, L’Obligation de Renseignements dans les
Contrats, Rev. Trim. de Dir. Civ., ano XLIII.
LEITÃO, MENEZES, Direito das Obrigações, vol. I, 3.ª edição, Almedina,
2003.
LESSIG, LARRY, El código e otras leyes del ciberespacio, Grupo Santillana
de Ediciones, 2001.
LEYSSAC, LUCASde, L’Obligation de reinsegneiments dans les contrats, in
L’information en droit privé, Paris, 1978.
LOIODICE, ALDO, Informazione (diritto alla), in Enc. Del Dir., XXI, 1971.
LOURENÇO, EDUARDO, Dever de Informar e de Ser Informado, in
Comunicação e Defesa do Consumidor, Instituto Jurídico da Comunicação,
FDC, 1996.
LOURENÇO, PAULA MEIRA, Os Deveres de Informação no Contrato de
Trabalho, Lisboa, 2000.
MALINVAUD, PHILIPE, Les conditions generales de contrats, BFDC, vol.
LIV, Coimbra, 1978.
MARQUES, CLÁUDIA, Contratos no Código de Defesa do Consumidor,
Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2002.

152
MARTINS, TEIXEIRA, Lições de Teoria geral do Direito Civil, Luanda, 1981.
MENDES, CASTRO, Teoria Geral do Direito Civil, Lisboa, 1979, vol. II
MESQUITA, MÁRIO, Comunicação e Informação no Jornalismo Escrito, in
Os Universos da Comunicação, número especial da Revista de Humanidades e
Tecnologias, Universidade Lusófona, 1999.
MONTEIRO, PINTO, Contratos de adesão, ROA, ano 46, Lisboa, 1986
MONTEIRO, PINTO, Contratos de Adesão/Cláusulas Contratuais Gerais, in
Estudos de Direito do Consumidor, n.º 3, Coimbra, 2001.
MONTEIRO, SINDE, Responsabilidade por Conselhos, Recomendações ou
Informações, Almedina, Coimbra, 1989.
MONTEIRO, PINTO Clausulas Contratuais Gerais, in Estudos de Direito do
Consumidor, n.º 3, Coimbra, 2001.
NORONHA, FERNANDO, O Direito dos contratos e seus princípios
fundamentais, editora Saraiva, 1994.
NOVA, GIORGIO DE, Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile,
Giuffrè Editore, Set.-1994, anno XLVIII, 3, Milano.
NUZZO, MARIO, Predisposizione di Clausole e Procedimento di Formazione
del Contratto, in «Studi in Onore di F. Santoro-Passarelli», III, Napole, 1972.
PERLINGIERI, PIETRO, Codice Civile anotato, Libro Quarto, I, Utet,
Editrice Torinese, 1980.
PINHEIRO, LUÍS DE LIMA, Direito Aplcável aos Contratos com
Consumidores, ROA, ano 61, 2001, Lisboa.
PINTO, MOTA, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª Edição actualizada, Coimbra
Editora, 1999.
PRATA, ANA, Responsabilidade Pré-Contratual, Revista da Banca, n.º 16,
Out.-Dez. de 1990.
PRATA, ANA, Cláusulas de Exclusao e Limitaçao da Responsabilidade
Contratual, Almedina, Coimbra, 1985.
RAMOS, RUI M. MOURA, Remarques sur les dévelopements récents du
Droit International privé portugais en matière de protection des consommateurs,
Liber amicorum Georges Droz, Martinus Nijhoff Publishers, The Hague, Boston,
London, 1996.
RIBEIRO, SOUSA, Cláusulas Contratuais Gerais e o Paradigma do
Contrato, Coimbra, 1990.
RIBEIRO, SOUSA, O Problema do Contrato, As Cláusulas Contratuais
Gerais e o Princípio da Liberdade Contratual, Colecção Teses, Alemedina,
Coimbra, 1999.
ROPPO, ENZO, Contratti Standard, Milano, 1975.
ROPPO, ENZO, IL Contrato, Cedam, 1992.
ROPPO, ENZO, O Contrato, Almedina, Coimbra, 1988.
ROPPO, VICENZO, La nuova disciplina delle clausole abusive nei contratti
fra imprese e consumatori, Rivista di Diritto Civile, CEDAM, Padova, Anno XL-
1994, parte prima.
SÁ, ALMENO DE, Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva sobre Cláusulas
Abusivas. ……………………………………………

153
SÁ, ALMENO DE,Responsabilidade Bancária, Dever de informação, corte
de Crédito, Coimbra Editora, 1998.
SALEILLES, RAYMOND, De la déclaration de volonté, contribution à
l’étude de l’acte juridique dans le code civil allemand, Paris, 1901.
SANTOS, GONÇALO CASTILHO DOS, O Dever de informação sobre
factos relevantes pela sociedade cotada, AAFDL, Lisboa, 1998.
SERRA, VAZ, Fontes das Obrigações - O contrato e o negócio jurídico
unilateral como fontes das obrigações, in B.M.J., 77, jun., 1958.
SILVA, BURITY DA, Teoria Geral do Direito Civil, Colecção da Faculdade
de Direito da UAN, Luanda, 2004.
STOLL, HANS, La nuova legge della Republica Federale Tedesca sui
contratti di adesione, in Le condizioni generali di contratto, vol. I, Giuffrè, Milano,
1979.
TAVARES, JOSÉ, Os Princípios Fundamentais do Direito Civil, vol. I,
Coimbra, 1922.
TELLES, GALVÃO, Das Condições Gerais dos Contratos e da Directiva
Europeia sobre as Cláusulas Abusivas, in O Direito, ano 127.º, III-IV, Jul.-Dez.
TELLES, GALVÃO, Direito das Obrigações, Coimbra Editora, 6.ª edição,
1989. TELLES, GALVÃO, Aspectos comuns aos vários contratos, BMJ, Nº
23.
TRABUCCHI, ALBERTO, Instituzioni di Diritto Civile., 36ª ed., Cedam,
Padova.
VARELA, ANTUNES, Das Obrigações em Geral, I vol, 10.ª edição,
Almedina, Coimbra, 2003.
VARELA, ANTUNES, Das Obrigações em Geral, vol. I, 4ª edição, Almedina,
Coimbra, 1982.
VASCONCELOS, PAIS DE, Teoria Geral do Direito Civil, vol. I, Lex, Lisboa,
1999.
VASCONCELOS, PAIS DE, Contratos Atípicos, Coimbra, Almedina, 1995.
VENTURA, RAÚL, Convenção de Arbitragem e Cláusulas Contratuais
Gerais, ROA, Ano 46, Lisboa, 1986.
VILELA, J. B., Por um nova teoria dos contratos, Revista de Dir. e Estudos
Sociais, ano XX, Abr-Dez., 1973, n.ºs. 2-3-4.

154

Вам также может понравиться