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Rita Garcia

Luanda
como ela era
1960-1975

Histórias
e memórias
de uma cidade
inesquecível
Rita Garcia

Luanda
como ela era
1960-1975

Histórias e memórias
de uma cidade inesquecível
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©2016, Rita Garcia e OFICINA DO LIVRO — SOCIEDADE EDITORIAL Lda.
uma empresa do grupo LeYa
Rua Cidade de Córdova, 2
2610-038 Alfragide
Tel.: 21 427 22 00 . Fax: 21 471 77 37
E-mail: info@oficinadolivro.leya.com

Título: Luanda como ela era


Editora: Bárbara Simões
Pesquisa de periódicos: David Gregório
Revisão: Vera de Vilhena
Design e capa: Cátia Mingote
Fotografia: ©Jean-Charles Pinheira
Tratamento de imagem: Cátia Mingote

1.ª edição: Setembro de 2016


ISBN: 9789897414718

Por vontade expressa da autora, o livro respeita a ortografia anterior


ao actual acordo ortográfico.
Ao Ricardo, ao Gonçalo e à Catarina,
os três filhos que sempre quis ter.
Ao Helder.

Luanda
era uma cidade irresistível
Bastava percorrer a marginal pela primeira vez
para ficar rendido àqueles três mil metros de
asfalto, onde uma muralha de prédios altos
e uma linha de coqueiros separavam
a terra do mar.


A partida de Lisboa representava a aposta numa vida nova, numa
terra de oportunidades, com costumes distintos e uma vivência que
em pouco se assemelhava à da Metrópole. O espírito mudava logo
a bordo dos paquetes que faziam a linha de África. A Companhia
Colonial de Navegação contava com o Pátria, o Império, o Vera Cruz,
o Santa Maria, o Uíge e o Infante Dom Henrique. A Companhia
Nacional de Navegação explorava o Angola, o Moçambique, o Índia,
o Timor, o Niassa e o Príncipe Perfeito.

A 31 de Dezembro de 1946, saiu de Lisboa o primeiro voo da Linha
Aérea Imperial, impulsionada por Humberto Delgado, então director
dos Transportes Aéreos Portugueses. A viagem de ida e volta a bordo
de um DC-3 passava por várias cidades africanas e demorava quinze
dias. À medida que a rota passou a ser feita por aviões mais rápidos,
como o Superconstellation e os Boeing 707 e 747, os passageiros foram
abandonando as longas viagens de paquete. O avião tornou-se, sem
dúvida, uma opção muito mais conveniente.



O cheiro quente e húmido abria o apetite, à chegada.
E isso era apenas a primeira de muitas mudanças que
os portugueses enfrentavam, numa cidade de terra
vermelha onde os dias corriam ao som da música,
das ondas do mar e dos pregões das quitandeiras.

A população negra abastecia-se
nos musseques ou no mercado
indígena, também frequentado
por alguns brancos.

Quem tinha barco
não perdia uma
oportunidade
para a prática dos
desportos náuticos,
muito populares
na cidade.


5]Q\I[NIUyTQI[IXZW^MQ\I^IUWÅỦLM̉[MUIVI
para se banharem nas águas quentes do Mussulo.

Qualquer motivo era pretexto para uma farra em casa de
amigos. Cada um levava comida ou bebida e os encontros
aconteciam sem convites formais. Quando a equipa do
famoso programa de rádio Luanda atribuiu a Regina
Coimbra o título de Mulher Luanda 73, ela agradeceu com
uma festa privada.


A visita de um artista da Metrópole
ou de uma estrela internacional era um
acontecimento na cidade. Em Novembro de
1961, a pequena cantora espanhola Marisol
chegou mesmo a ser recebida no Palácio
do Governador, antes de esgotar a lotação
do Cinema Aviz, no dia da inauguração.



Os alunos dos liceus de Luanda
vestiam-se a rigor para as festas
LMÅVITQ[\I[)LW;IT^ILWZ+WZZMQI
era uma farra imperdível, com boa
música e diversão até altas horas.

Longe dos rigores do Inverno europeu, com o mar a dois passos,
as famílias de Luanda iam à praia o ano inteiro. Depois de longas
semanas de seis dias de trabalho, a cidade encontrava-se na Ilha ou
no Mussulo para gozar os prazeres simples de um paraíso tropical.




Se, em terra, os brancos
viviam no asfalto e os
negros nos musseques,
na praia eram todos iguais.



Maria Armanda
e Daniel Sampaio
eram um casal de
sucesso. Ela tinha
uma das boutiques
mais chiques da
cidade. Ele era o
dono da loja de
LM[XWZ\W7ÅZ

Ao domingo, muitas famílias cumpriam religiosamente
a tradição de ir almoçar ao Vilela, para os lados da
fábrica de cervejas CUCA. A ementa até tinha variedade,
mas na hora de escolher quase todos optavam pelo
bacalhau mais célebre da província.



No início dos anos 70, a colónia vibrou com a escolha
das candidatas a Miss Angola. A vitória da primeira
edição, em Janeiro de 1971, foi para Maria Celmira
Bauleth, a morena escultural de Moçâmedes que todos
conheciam por Riquita.



No dia 1 de Maio de 1961, o primeiro grande contingente
de tropas desembarcou em Luanda, trazido pelo paquete
Niassa, e desfilou na marginal antes de partir para o terreno.
A Guerra Colonial mudou para sempre a vida em Angola.
Enquanto no terreno se somavam vitórias e derrotas, a
Província desenvolvia-se a um ritmo nunca visto. Luanda
encheu-se de arranha-céus e, em 1967, viu nascer
o edifício mais alto do império.



Uma cidade de
extravagâncias
«Este edifício ficará a perpetuar e a invocar
às gerações futuras o simbolismo da heróica
fixação portuguesa em terras de África.»
Rebocho Vaz, governador-geral de Angola


Em Luanda não havia impossíveis.
Quando a administração do Banco Comercial de
Angola quis um bolo para a abertura da nova sede,
junto à Marginal de Luanda, soube de imediato
que só poderia recorrer à Paris-Versailles.
A pastelaria tinha fama de fazer bolos perfeitos em forma de edifícios.
Costumava expor na montra alguns exemplos, entre os quais uma
impressionante miniatura da Sé de Luanda com iluminação interior. De
resto, tornara-se habitual marcar as inaugurações com a encomenda
destas réplicas em pão-de-ló. Assim que receberam o pedido, os sócios da
mais reputada confeitaria da cidade dedicaram-se a criar a cópia da torre,
custasse o que custasse. Mal tiveram a maquete do prédio, chamaram o
carpinteiro e uma equipa de pasteleiros e definiram uma estratégia.


Aquele não era um edifício qualquer. A 28 de Um banco revolucionário
Janeiro de 1967, o Banco Comercial de Angola (BCA) O Banco Comercial de Angola
inaugurou uma imponente sede com 26 pisos, 87 entrou no mercado, em 1957,
metros de altura e 17 300 m2 de área de construção1. com um objectivo: ser mais
moderno, ágil e competitivo
Desenhado pelo arquitecto portuense Januário
do que o Banco de Angola.
Godinho, tornou-se o arranha-céus mais alto do Em apenas doze meses, a pri-
Império português. A obra custou cerca de 70 mil meira instituição bancária
contos2 , demorou seis longos anos a erguer e deu privada da Província, ligada
ao Banco Português do Atlân-
tempo suficiente para espalhar uma anedota pela tico, captou depósitos no valor
capital da província. Em Luanda comentava-se que de mais de um milhão de con-
BCA não queria dizer Banco Comercial de Angola — tos11 – uma vitória que muito
era afinal o acrónimo de Bai Crescer Ainda. se deveu à acção de um grupo
de sete funcionários metro-
Artur Ventura, responsável e mais tarde sócio politanos, destacados para
da Paris-Versailles, acompanhou todo o processo ajudar a implementar o novo
de preparação da encomenda: «Como sempre, negócio em Luanda. Ilídio do
Amaral ainda se lembra des-
fez-se uma estrutura de madeira para sustentar
se tempo. «O Banco Comercial
o bolo. Na base havia um estrado grande, de onde quebrou a hegemonia do Ban-
saía o esqueleto da parte superior.»3 Os pasteleiros co de Angola, que passou a
ocuparam-se do pão-de-ló com recheio de doce de ter concorrência e foi força-
do a partilhar o mercado das
ovos, frutas, chocolate e chantilly que deu forma ao trocas comerciais [de divisas
edifício. Depois, ao longo de várias horas, recriaram provenientes do café, sisal,
o revestimento da torre verdadeira em massa de etc.] com o estrangeiro.»12 Os
açúcar, minuciosamente aplicada com sacos e serviços do BCA eram muito
mais rápidos: em vez de de-
boquilhas finas. Para os pormenores mais pequenos morarem um mês a analisar
tiveram o cuidado de usar minúsculos cartuchos garantias bancárias para a
de papel vegetal que só deixavam sair quantidades concessão de créditos, trata-
vam de tudo numa semana. O
diminutas de açúcar de cada vez. O resultado ficou
risco era diminuído por «uma
irrepreensível. boa rede de informadores que
Mas, pouco antes de terminarem o trabalho, NWZVMKQIULILW[Ån^MQ[[WJZM
os responsáveis da Paris aperceberam-se de um I [IƒLM ÅVIVKMQZI LW[ KTQMV-
tes.»13 Na assessoria jurídica,
problema: o bolo era tão grande que não cabia nas o BCA contava com gente de
portas nem nos elevadores do BCA. «Foi preciso peso: Diógenes Boavida e Ma-
descobrir uma forma de o içar para o terraço.» 4 Artur ria do Carmo Medina14, dois
Ventura pediu uma grua aos Serviços Municipalizados dos mais prestigiados advo-
gados da Luanda de então.
de Água e Electricidade e, com a ajuda de vários A revolução no mercado
homens, a «monumental obra de pastelaria»5 foi bancário começou aí e mate-
elevada até ao destino. «Juntou-se muita gente a ver, rializou-se, dez anos depois,
com a construção de uma sede
especialmente miudagem, que esperou ansiosamente
que ensombrou o edifício cor-
que o bolo caísse e lhes pusesse às mãos as suas -de-rosa, baixo e tradicional
saborosas migalhas.»6 Não tiveram sorte. do Banco de Angola.


A inauguração
Ao descerrar a placa inaugural, o governador-geral
de Angola, Rebocho Vaz, abriu definitivamente ao
público uma torre que mudou a face da Marginal
ainda antes de estar terminada. Na verdade, aquela era
a segunda inauguração da sede. Em 1964, durante a visita às
colónias, o Presidente Américo Thomaz presidira à primeira,
apenas simbólica. «É o edifício mais alto (…) por enquanto,
porque certamente o tempo fará com que outros surjam mais
altos ainda que este (…). E fica bem nele o Banco Comercial de
Angola.»7 Três anos depois, o título ainda se mantinha.
No dia da verdadeira abertura, a elite da capital foi convidada para
jantar. O arcebispo de Luanda, D. Manuel Nunes Gabriel, abençoou as
instalações e assinou o livro de honra. Arthur Cupertino de Miranda,
presidente do Conselho de Administração, destacou a grandeza do
novo símbolo e monumento da cidade. «Não é só um marco gritante
de fé no futuro. Não é só um alto expoente da força de uma economia
e da determinação de uma fé. Por todas as circunstâncias de que a sua
inauguração se rodeou, pelo que representa de estímulo e de entusiasmo
para todos, o arranha-céus do Banco Comercial de Angola fica, neste
princípio de 1967, como uma pedra branca na economia de Angola. Branca e
azul (…), a simbolizar a esperança e a certeza de que vamos para a frente.» 8
Cupertino de Miranda salientou ainda que o BCA passava a ser um
dos dez bancos mais modernos do mundo e o mais arrojado de Portugal
inteiro. «Isso seria o menos se a obra que se levanta agora como ex-libris
de Luanda não servisse ao mesmo tempo para nos arrastar, com muita
força, em direcção ao futuro»9, disse. No fim do discurso, subiu ao 21.º
piso, onde bebeu uma taça de champanhe e ficou à conversa com o
governador-geral e dois outros administradores presentes, Braz Cabrita
de Almeida e Manoel Vinhas.



Os materiais

Nas semanas que se seguiram


à inauguração do novo BCA,
a imprensa15 foi inundada de
anúncios pagos pelos forne-
cedores do edifício. Nenhuma
A última transferência
empresa que tivesse partici-
pado na empreitada queria A maior parte do dinheiro que o BCA tinha em caixa,
deixar de estar associada à na data da inauguração da nova sede, foi transferida
ocasião. A Construções Espe- para os cofres do Banco de Angola, por motivos de
ciais, Lda. publicitou que fora
responsável pela concretiza- segurança. No entanto, sobraram 23 mil contos
ção da obra. A Empresa Comer- das operações realizadas nesse dia, e que teriam
cial do Ultramar fez saber que de ser transportados para as novas caixas-fortes.
tinha fornecido vidros e por-
tas Covina , mosaico bizanti-
A mudança não levantou problemas. Ao início da
no Vidrul para revestimento tarde de 29 de Janeiro, o tesoureiro Ângelo
das fachadas, loiças sanitárias Oliveira levou para a Baixa de Luanda
Valadares, ladrilhos para pa-
vimentos das Cerâmicas São cinco caixas de latão cheias de dinheiro,
Paulo e tintas Robbialac. Já a dentro de uma carrinha, e descarregou-
célebre Lusolanda, represen-
tante em Angola de produtos as no local de destino, sem sobressaltos.
tão variados como electrodo- «Aquilo que nos Estados Unidos exigiria uma força
mésticos Philips e motos Su- policial considerável desenrolou-se em Luanda
zuki, assumiu os créditos de
uma autêntica lança em Áfri-
com a maior das calmas e das naturalidades. Ainda
ca: a instalação de um sistema bem», escrevia a revista Notícia.10
centralizado de ar condiciona-
do, que produzia 24 milhões de
BTU16 por hora, uma capacida-
É que em Luanda não havia
de excepcional em todo o conti-
nente nessa época.
mesmo impossíveis.



Vista à Lupa


O governador-geral,
José Agapito da Silva
Carvalho e o presidente
da Câmara de Luanda, na
inauguração da Marginal,
em Outubro de 1948.


0DUJLQDO
Nos mapas vinha assinalada como
Avenida Paulo Dias de Novais, mas
todos a conheciam apenas por Marginal.
Inaugurada a 10 de Outubro de 1948, era mais
do que o cenário paradisíaco reproduzido nos
postais. Os luandenses adoravam-na: tanto
a percorriam só por prazer como iam beber
uma cerveja ao Rialto, ou passar umas horas à
esplanada da Arcádia. Em Fevereiro, o Carnaval enchia de cor
e música aquela tira de alcatrão, que ligava o Hotel Presidente aos pés
da Fortaleza de São Miguel, erguida no cimo do morro. A 15 de Agosto, as
festas da cidade invadiam a frente marítima. Mas nem tudo era bom: em
1961, foi também ali que Luanda saiu à rua para receber as tropas enviadas
da Metrópole, com a missão de proteger a população do terrorismo no
Norte de Angola. Vindos do porto, passaram pelos Correios, o Banco Pinto
& Sotto Mayor e a Igreja da Nazaré, antes de desfilarem junto ao Banco de
Angola e aos terrenos onde viria a ser construído o Banco Comercial, em
frente ao porto de pescadores. Mesmo em momentos de incerteza como
esse, a Marginal nunca perdeu o encanto, nem de noite nem de dia. Para
os colonos, foi assim até ao último instante da presença portuguesa em
Angola.


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%DLUURGH$OYDODGH
Era um dos bairros da elite. Famílias de
apelidos sonantes, gente endinheirada e grandes empresários moravam
em vivendas de áreas generosas, quase sempre com jardim. Localizado
por cima da Maianga, era delimitado a sul pela Avenida General Norton de
Matos, a poente pela Rua Serpa Pinto e a norte pela José Oliveira Barbosa.
As casas com vista sobre a baía não estavam ao
alcance de qualquer um, mas o Cinema Aviz e as Piscinas de
Alvalade, com as suas pranchas de saltos, atraíam muita gente de fora.

O piloto de automóveis
António Peixinho vivia aqui.


%DLUUR
2SHUiULR
O Bê Ó era um local de contrastes: tanto gozava do estatuto de bairro de boémia, bebedeiras e
má vida como ostentava o facto de ter acolhido a génese da luta nacionalista, que conduziria
à independência de Angola. Agostinho
Neto, primeiro Presidente do
país, viveu com os pais numa casa da Rua H, muito utilizada para
encontros clandestinos de oposição ao regime colonial.1 Negros e mulatos estavam em
maioria num bairro periférico criado para alojar famílias indígenas, outrora instaladas
em zonas centrais de Luanda, arrasadas para alargar a área de urbanização ordenada.
Alguns brancos do Bê Ó exploravam comércios e prostitutas portuguesas atraíam
soldados destacados na Província. Ninguém perdia os bailes e as festas de Carnaval das
colectividades locais.

%DLUUR3RSXODU
No início, foi difícil arranjar moradores: quem é que queria ir viver para um
bairro construído paredes-meias com o Cemitério Novo, na estrada de
Catete? Mas depois, aos poucos, começaram a surgir candidatos aos lotes
de terreno destinados à instalação de casas ajardinadas, com plantas pré-
-definidas. E o Bairro Popular – havia o n.º1, o n.º2 e o n.º3 – tomou forma.
Os miúdos faziam o ensino primário na Escola
n.º 176 e os adultos apanhavam o machimbombo
22 para o Largo da Mutamba, no centro da cidade.
Homens e mulheres compravam roupa na Modas Confiança e bebiam
cervejas fresquinhas, com ginguba (amendoins), tremoços e dobrada picante
no bar São João, do Matias e do Jorge. 2 Ao fim-de-semana, divertiam-se
com os filmes e as matinés dançantes no Cine São João, na Rua de Serpa.


Uma rua da Baixa com os Armazéns do Minho à esquerda

Fortaleza de São Miguel


%DL[D
Em Luanda, havia a Cidade Alta e a Cidade Baixa.
A primeira ficava no topo das barrocas, grandes morros
de terra vermelha que contornavam a zona mais antiga da
capital. Na ponta Oeste, a Fortaleza de São Miguel dominava a paisagem, a uma curta
distância do Palácio do Governador; na ponta Este, ficava o Bairro Miramar. Entre os dois
extremos, lá estavam a baía e a Baixa, o centro de tudo. A pé, de automóvel ou num dos
muitos autocarros que chegavam ao Largo da Mutamba, era lá que Luanda se abastecia.
Os calcinhas (nome dado aos habitantes da capital da província)
iam ao mercado do Quinaxixe, projectado por Vasco Vieira da
Costa, compravam livros na Lello, comiam gelados no Baleizão,
rissóis de lagosta na Paris e bebiam Cuca na Portugália. No Natal,
davam um salto ao Quintas & Irmão, à procura de brinquedos para os miúdos; e, nos dias
de festa, as senhoras endinheiradas mandavam fazer vestidos na boutique Mariarmanda.
Os desportistas compravam o equipamento na Ofir e os fãs de futebol conheciam bem o
Estádio dos Coqueiros.

Esplanada da Cervejaria Portugália


&DIp
Surgiu como uma zona residencial de boas casas construídas
por fazendeiros do Uíge, com dinheiro do café, e assim foi
baptizado. Vizinho da Maianga, o bairro era muito frequentado por estudantes. Os
do Liceu Salvador Correia percorriam as ruas, vindos da Brito Godins, e reuniam-se no
café Académico para estudar, beber ou comer um bife. Os da Escola Comercial Vicente
Ferreira paravam mais no café Furta Cores. A partir de 1964, os católicos passaram a ir
à missa na recém-inaugurada Igreja da Sagrada Família, que se tornou numa das mais
importantes da cidade. Perto ficavam o prédio do Totta e a tabacaria São Luiz, na Rua
Silva Porto. Nas proximidades, havia comércio diversificado: a loja de fotografias Foto Polo,
as sapatarias Ouriense e Maia, um alfaiate e lojas de moda. No bairro do Café as grandes
festas organizavam-se nos jardins das casas onde rapazes e raparigas dançavam os êxitos
do momento.

,OKD
Ir passar o sábado ou o domingo à Ilha fazia parte da vida em Luanda. As famílias saíam
cedo com o farnel acondicionado numa geleira, para o dia inteiro: uns contentavam-se com
sanduíches, salgados, ovos cozidos e Coca-Cola; outros levavam de casa comida de tacho ou
pescavam o almoço na praia, com água pelo joelho. Quem podia almoçava em restaurantes
como o Barracuda, o bar da Restinga ou os Peixinhos na Água. Da Restinga à Ponta
da Ilha, cada um escolhia a praia que lhe agradava mais. Do
lado da baía, as águas eram mais calmas, na contra-costa
mais agitadas. Todos tinham um canto que lhes servia e que compensava as longas
filas para cruzar a ponte estreita à saída da cidade. À noite, dançava-se na Tamar.


0DLDQJD
Para muitos moradores do bairro, a paixão pelo cinema começou num
quintal em frente à casa de João Pinto Pereira, na Rua Comandante Correia
da Silva. Era lá que aquele vizinho projectava filmes, numa tela ao ar livre,
para os outros verem sentados em cadeiras e bancos levados de casa. 3
Mais tarde, a cinefilia transferiu-se para o Clube da Maianga, que levava
os jovens em carrinhas a campos de hóquei, futebol, basquetebol e onde
se celebrava missa ao domingo. Quem ia à sessão nocturna de cinema
gostava de dar um pulo à padaria Aliança, para fechar o serão com pão
quente. A essa hora, já os miúdos que brincavam na rua até às nove da
noite estavam a dormir. Havia escola no dia seguinte. No Colégio João das
Regras todos sabiam que era preciso ter cuidado com a vara do temível
professor Canas: se se portassem mal, levavam com ela na cabeça. No
Moderno, a D. Lindalva punia a falta de estudo com a palmatória, a «menina
dos cinco olhos». Mesmo assim, a infância era feliz, entre encontros
na ponte do rio Seco e ataques às árvores das redondezas para colher
mangas, maçãs da Índia, pitangas, sape-sapes, mamões e goiabas. Alguns
rapazes juntavam-se ao fim da tarde para um tremunu (jogo de bola em
quimbundo) na Rua 28 de Maio, às escondidas de polícias à paisana que
tinham a mania de cortar a bola com uma faca, para acabar com a partida.
Os amantes do desporto concentravam-se no Sporting Clube da
Maianga, dirigido pelo emblemático senhor Santos, que, apesar de ter só
um braço, fazia a nado a travessia da Baía de Luanda. 4
Este era um bairro farto, a dez minutos a pé da Mutamba e cruzado
pela Rua António Barroso, a caminho de Alvalade. Desde mercearias a
talhos, passando por sapateiros, alfaiates, drogarias, estação de correios
e o edifício do Diário de Luanda, tudo ficava ali. E como se não bastasse,
nas esplanadas dos restaurantes Bracarense, Mexicana e Chilena traziam
pires de batatas fritas e camarão, para acompanhar as cervejas, sem
cobrar mais por isso.


0LUDPDU
Desde a inauguração do Cinema Miramar, em Outubro de 1959, a Avenida
Azevedo Coutinho, que delimitava a frente marítima de um dos melhores
bairros da cidade, nunca mais foi conhecida pelo nome. A morada oficial
dos cônsules do Congo Belga, África do Sul, Inglaterra e da França
manteve-se inalterada, mas passou a ser conhecida por rua do Miramar, o
moderníssimo cine-esplanada, com um ecrã e uma vista soberba sobre a
Baía. Dentro do recinto, passeava-se pelos jardins no intervalo dos filmes
e bebia-se chocolate no tempo do cacimbo. 5 No Miramar passavam alguns
dos maiores êxitos do cinema e artistas internacionais, como o brasileiro
Ivon Curi. Uma vez que o cinema era aberto, os miúdos
das redondezas encontraram uma forma de ver os
filmes para maiores de 18: proibidos de comprar
bilhetes, esgueiravam-se para o terraço do Clube
dos Caçadores e não perdiam um minuto. A vida do
bairro também passava muito por este clube, que organizava as mais
cobiçadas festas de fim do ano e Carnaval da cidade. As senhoras jogavam
canasta, os homens preferiam bridge ou póquer, disputado à noite em
salas reservadas, para evitar denúncias. Apesar de não ser um bairro de
comércio, havia a mercearia do senhor Silva e a loja do senhor Frias, na
esquina da Rua Torres Feio com a António Enes, para comprar cadernos,
afias, borrachas e até frutas.6

Cinema Miramar


3UHQGD
Três ruas de asfalto rodeadas por um enorme musseque: assim era o Prenda no início
dos anos 60. Os brancos ocupavam as vivendas desses três arruamentos e, apesar de
viverem no meio de um bairro indígena, tinham vidas confortáveis. Entre os moradores
estava uma família de pilotos da DTA, o proprietário de uma importante loja na Baixa
e uma costureira que só trabalhava para senhoras distintas da cidade... Era à população
de origem europeia que pertencia a maioria dos 84 comércios mistos, três botequins e
doze quitandas existentes no bairro, em 1964.7 Os negros moravam em cubatas e casas
humildes, e tinham uma relação distante com os brancos mais velhos. Os miúdos cresciam
todos juntos. Criaram até um clube de futebol num terreno baldio onde se defrontavam
as duas equipas do Prenda: os Meninos e os Criados, os primeiros maioritariamente
brancos, os segundos sobretudo indígenas, embora houvesse elementos misturados.
Um dia os Meninos quiseram que os Criados deixassem de jogar
descalços e pediram aos pais para os ajudarem a comprar-lhes ténis.
Vencida a resistência inicial, a encomenda foi feita a um morador do bairro, com os moldes
dos pés de cada atleta. Só
que, na data em que o presente foi entregue,
muitos preferiram continuar a correr sem sapatos. Diziam que
calçados iam perder. Mais tarde adaptaram-se.8 Entre 1961 e 1963, com o objectivo
de promover a miscigenação, os arquitectos Simões de Carvalho e Luís Taquelim da Silva
projectaram a Unidade de Vizinhança n.º1. Inspirada no modelo de Le Corbusier, com quem
Simões de Carvalho estagiara, previa substituir as cubatas pela construção de vivendas para
as famílias de maiores recursos, torres para a classe média e casas mais modestas para os
agregados desfavorecidos. Pretendia-se que dois terços dos habitantes fossem negros e
os restantes brancos. A proporção acabou por ser inversa. Depois de Simões de Carvalho
deixar Luanda, em 1967 9, o plano de urbanização ficou por terminar.


5DQJHO
Em 1970, viviam 35 621 pessoas10 no musseque
mais populoso de Luanda, um pouco mais
afastado do centro do que o do Marçal, que os
brancos visitavam de carro para fazer compras
nos económicos armazéns Suba. No Rangel, a
maioria da população era negra e vivia em casas
de madeira e telhado de zinco. Moradias de tijolo
e cimento eram quase exclusivas dos poucos
habitantes de origem portuguesa, proprietários
das lojas do bairro. Uma das mais conhecidas era
a Casa Bexiga, um armazém de venda de telhas,
mosaicos e cimento, tecidos, bicicletas, azeite,
garrafões de vinho e whisky VAT 69 e SBELL —
na brincadeira, dizia-se que o nome queria dizer:
«Se bebes este líquido, lerpas.» Aos dias de
semana e ao sábado de manhã, as
quitandeiras (vendedeiras) montavam
um mercado ao ar livre num terreiro
próximo, com peixe fresco e seco,
farinha de mandioca e frutas expostas
no chão, em cima de esteiras. 11 No Rangel,
não havia escolas, mas no Bar Pica-Pau pagava-se
pouco por uma gasosa, um baleizão (gelado), uma
cerveja ou um copo de vinho. Quem gostava de
cinema ia por norma ao Ngola Cine, ali perto, ver
êxitos como Spartacus, Tarzan ou David e Golias.
Nas farras de fim-de-semana nunca faltava
bebida e dançava-se ao som do tema «Negro
gato», de Roberto Carlos, e de outros êxitos do
angolano Elias Dia Kimuezo.



6DPED
Muito antes de ali ser construído o Cinema Tivoli, nos anos 60, a Samba
era pouco mais do que um terreno povoado de imbondeiros que viriam a
ser arrasados para dar lugar a um bairro calmo, muito próximo do mar. Os
vizinhos cruzavam-se no Café Brasília, do senhor Cardoso, na esquina da Rua
da Samba com a Francisco Sotto Mayor. Em frente, ficava a única padaria
da zona e a mercearia Flor da Samba, onde o senhor Valentim aviava as
compras domésticas. O
jardim em frente ao terreno onde
se instalou o cinema funcionava como ponto de
encontro para os miúdos. Os mais pequenos estudavam na escola
primária, dentro do próprio parque.12 Outros frequentavam o Colégio Portugal.
A Samba foi sempre um local pacato. Isso não impediu que os moradores se
rendessem à esplanada, ao mini zoo e à pista de karting do empresário Lobo
da Costa, grande dinamizador dos combates de luta-livre em Luanda.

9LOD$OLFH
Num dos últimos bairros da «cidade do asfalto», depois da Vila Clotilde, perto da Escola
Industrial e do Liceu Guiomar de Lencastre, era comum encontrar bandos de miúdos nas
ruas a brincar e a jogar à bola. Nas férias, quando os padres do Colégio dos Maristas abriam
as instalações desportivas à população, os rapazes passavam horas a disputar partidas
renhidas em campos a sério.13 Na Vila Alice viviam famílias de classe média que ocupavam
casas com jardim, sem grandes luxos. Liceu Vieira Dias, o homem forte dos Ngola Ritmos,
chegou a morar lá, tal como o advogado Diógenes Boavida e o escritor e dramaturgo
Domingos Van Dunem. Nenhum deles era branco. A vizinhança abastecia-se
nas mercearias das redondezas, comprava remédios na Farmácia Luanda, na Rua
Almeida Garrett, e espreitava as montras das lojas de roupa na Rua do Brasil e na Avenida
dos Combatentes, ali perto. Bebia-se café no Santa Clara e no bar do Pereira. Todas as
semanas havia grandes farras na Juventude Unida da Vila Alice (JUVA), onde os mais novos
participavam em reuniões clandestinas pró-independência. Era também por ali que ficavam
a Fábrica Imperial de Borracha, mais conhecida por Macambira, e a sede da Lusitanos, a
segunda maior empresa de camionagem de Angola. Em 1966, o dia-a-dia ganhou outro
ânimo com a abertura do Cinema Império. Nove anos depois, em 1975, um famoso incidente
entre a tropa portuguesa e o MPLA inscreveu o nome da Vila Alice nos livros de História,
tal como acontecera a 4 de Fevereiro de 1961, no início da luta pela independência, quando
um grupo de activistas atacou a 7.ª esquadra da PSP, matando sete polícias portugueses.
As autoridades reagiram em força contra os musseques, como forma de repressão.


0XWDPED
/DUJR$OPLUDQWH%DSWLVWDGH$QGUDGH
um sinaleiro
O coração de Luanda ficava na grande praça onde
comandava o trânsito, com gestos enérgicos, do
alto de uma peanha, à sombra de um guarda-sol.
A Mutamba, que terá herdado o nome de uma velha árvore que existiu no
local até ao fim do século XIX, era dominada pelo edifício da Fazenda, de
um lado, e o da Câmara Municipal, de outro. No meio, enormes filas de
pessoas denunciavam as paragens de machimbombos azuis e brancos,
vindos de todas as partes de Luanda.


/DUJR,QIDQWH'+HQULTXH
Em Luanda, poucos o conheciam pelo nome oficial. Para a maioria, era o
largo do Baleizão, a mítica cervejaria de Tarique Aparício que se tornou
uma verdadeira instituição na capital angolana. A ementa nem era muito
variada: cerveja gelada, sanduíches de presunto e pouco mais. Mas o que
deu nome à casa foram os gelados, tão bons que passaram a chamar-
-lhes baleizões em toda a cidade. Em frente, outro marco: o Treme-treme,
assim baptizado por causa dos encontros
fortuitos que ali aconteciam em troca de
dinheiro, em apartamentos encaixados entre casas de habitação e
escritórios. Na esquina da Avenida dos Restauradores de Angola com a
Rua Duarte Lopes situava-se outro pilar da cidade: o Hotel Continental, que
manteve o nome depois da independência.


/DUJR'-RmR,9
Também lhe chamavam largo da Portugália, por causa da esplanada
que servia cerveja e petiscos. Nesta praça, em plena Baixa, a oferta era
variada: ou se entrava na Versailles, por cima dos supermercados Angola,
ou se andava mais uns metros para uma partida de bilhar na cervejaria
Biker. Quem tinha mais dinheiro comia no Vatel, um restaurante exclusivo
e caro. Antes do início das aulas, a agitação aumentava noutro ponto da
praça, com a enorme fila que se formava à porta da livraria Lello, para
comprar manuais escolares.



2FUHVFLPHQWR

Entre 1940 e 1960, a população de Luanda


quase quadruplicou: de pouco mais de 60
mil pessoas ultrapassou as 220 mil. A subida
das cotações do café e os incentivos dados pelo Estado a quem
quisesse estabelecer-se em Angola levaram muitos milhares
de portugueses a tentar lá a sua sorte. Muitos ficaram na capital.
Em 1961, nos meses que se seguiram aos primeiros ataques terroristas, alguns colonos
partiram para a Metrópole, mas a chegada de tropas vindas de Portugal acalmou os receios
e teve um impacto directo na economia: o Governo de Lisboa chegou a investir anualmente,
no esforço de guerra em Angola, sete por cento do Produto Interno Bruto. Além disso, a
presença de 40 mil soldados metropolitanos e de 15 mil a 25 mil locais, que recebiam um
salário de 1500 escudos, contribuiu de forma activa para estimular o comércio. De norte a
sul, a comunidade branca aumentou um quinto e apareceu uma geração nova de mestiços.14
Luanda disparou. Em média, todos os anos afluíam 8300 novos moradores à cidade fundada,
em 1576, por Paulo Dias de Novais. No século XVI, aquele porto de águas calmas tornou-
-se um importante entreposto de escravos com destino ao Brasil. Em 1641, os holandeses
tomaram a cidade e sete anos depois Salvador Correia de Sá reconquistou-a. Deu-lhe então
o nome de São Paulo da Assunção de Luanda.
Mais de trezentos anos depois, milhares de pessoas idas de Portugal ou de outros
pontos da Província continuavam a rumar à capital da colónia em busca de uma vida melhor,
num movimento que se intensificou a partir dos anos 50. Foi preciso alojá-las. Entre 1958 e
1967, Luanda viu serem construídos mais de 2200 novos edifícios15, uma soma elevada mas
insuficiente para tanta procura. À falta de casas no centro da cidade, alguns brancos e muitos
negros procuraram morada nos musseques que proliferavam nos arredores à medida que
Luanda crescia. Por todo o lado abriram lojas, cinemas e hotéis, bancos e restaurantes. A
circulação automóvel aumentou, e até o número de rádios e telefones reflectiu a onda de
progresso potenciado pela guerra.


1950
141 647 habitantes,
sendo:
20 710 brancos, 9755
mestiços, 111 112 negros

1960
224 540 habitantes, sendo:
e 70 de outras raças.
16

55 567 brancos, 13 593 mestiços,


155 325 negros, e 55 de outras raças.
48 899 crianças
80% com menos de 35 anos de idade
85,8% de população católica
10,8% protestante
17
3,4% outra religião

1973
475 328 habitantes
18


1963
42 343 passageiros
desembarcaram 19
no Porto de Luanda

1965
1961 1965
1020
!
10 967 assinantes
particulares
21
novos estabelecimentos comerciais 4535 suplementares
22 383 068 chamadas
urbanas
20
308 852 interurbanas

1966 !1973 Custo de vida


2727
edifícios construídos na cidade
22

18% mais caro


23
do que em Lisboa


24

5$00 garrafa
27
pequena de Cuca
225 toneladas
10$00 viagem de ida e volta em de bacalhau
classe popular no Ca Posoka, entraram pelo
porto de Luanda
que fazia a travessia
para a ilha do Mussulo
20$00 em primeira classe 28 40 150 000 litros
de vinho importados
em navios chegados
à cidade

140$00 cada lata de cinco


libras leite Nido em 1965
179$00 em 1973 25

10$00 corte de cabelo


no barbeiro26


Entre 1962 e 1975, o programa de rádio Luanda , de José Maria Almeida,
falava de tudo quanto era mais actual naquela época.

1965
50 autocarros de 50 lugares
25 carreiras
18 219 152 passageiros


transportados 29

12 Hotéis
4 de
1 de
30
7 de
1970
34 083 300 cartas
recebidas em Angola em
35 720 851 cartas

33

expedidas31
50 379 consumidores de
44 bibliotecas electricidade
50 334 leitores inscritos 307 121 000 de quilowatts
2 museus 32 consumidos durante o ano na cidade
46 721 consumidores de
água da companhia
31 020 000 m3 de água


34 consumidos em Luanda

15 grandes salas de cinema em Luanda


14 320 lugares
2 600 000 bilhetes vendidos
19 estações de rádio 5 em Luanda
50 673 aparelhos de rádio registados na cidade


8PDSURYtQFLD
em guerra


Às duas da madrugada de 3 para 4 de Fevereiro
de 1961, os responsáveis pelo ataque que seria o rastilho
para o início da Guerra Colonial desenterraram as catanas
do quintal e começaram a distribuí-las pelos homens.
Cada um dos participantes entregara 50$00 aos cabecilhas da operação, para comprar as
armas, e entre 7$50 e 10$00 para as boinas pretas ou azul-escuras, que usariam como meio
de disfarce. Ao todo seriam 150, vestidos de calções e t-shirts negras. «Levavam também
um pauzinho que mordiam (…) e antes de irem para o ataque beberam um quimbombo,
bebida que lhes daria ânimo e os livraria das balas.»1 Só os chefes tinham armas de fogo.
Nessa noite, estavam decididos a afrontar o poder colonial e a chamar a atenção
para a luta pela independência de Angola. Para isso, a data era ideal, uma vez que
estavam em Luanda dezenas de jornalistas estrangeiros, destacados para esperar pelo
paquete Santa Maria, que, segundo se dizia, ia a caminho da cidade depois do sequestro
levado a cabo por Henrique Galvão, em Janeiro de 1961. O plano implicava atacar seis
objectivos: a Casa de Reclusão, a Cadeia de São Paulo, a 7.ª Esquadra da PSP, a Companhia
Congo Agrícola, os Correios e o Aeroporto. 2 E tinha como missão libertar presos
políticos que estariam prestes a ser enviados para a prisão do Tarrafal, em Cabo Verde.


Nem todos os alvos chegaram a ser atacados — o líder do grupo que
ia tomar a Companhia Congo Agrícola, e os elementos incumbidos
de incendiar aviões no aeroporto, fugiram quando ouviram tiros.
O que ficou dessa noite foi a memória de um
conjunto de assaltos mal estruturados, que
levou à morte de sete polícias e dezenas de
atacantes e a uma violenta acção repressiva,
lançada pelas autoridades portuguesas contra
os independentistas, nos musseques de Luanda.
Não se sabe ao certo quantas pessoas morreram: apenas que a
carnificina foi grande e que a luta nacionalista não parou por ali. Estava,
aliás, a começar. Os corpos dos agentes assassinados seguiram para a
Metrópole com grande aparato.


GH0DUoRGH
O massacre começou às primeiras horas da noite de 15 de Março. Protegidos
pela escuridão da madrugada, centenas de homens afectos à União dos
Povos de Angola (UPA) lançaram na região do Congo, no Norte do país,
uma brutal revolta contra o poder colonial instituído por portugueses
brancos. Por onde passaram, os rebeldes espalharam morte e terror.
«Como nos tempos das grandes barbáries, foram assassinados homens,
mulheres, velhos e crianças, autoridades administrativas, agentes da
ordem, brancos, negros e mestiços. Ou fuzilados, ou queimados dentro
das casas e cubatas, ou esquartejados e degolados, ou serrados vivos.» 3
Os ataques arrancaram junto à fronteira com o Congo Belga e
rapidamente alastraram à Baixa de Cassange (onde os trabalhadores
dos campos de algodão se tinham insurgido meses antes), à região dos
Dembos e aos distritos do Zaire e do Uíge. Durante semanas, não houve
descanso. No livro Guerra Colonial, Aniceto Afonso e Carlos de Matos
Gomes estimam que, nesse período inicial de confrontos, tenham morrido
oitocentos europeus e seis mil africanos 4 , um número corroborado pelo
investigador Filipe Ribeiro de Meneses no livro Salazar – Uma Biografia
Política. 5 Já os historiadores René Pélissier e Douglas Wheeler 6 apontam
estatísticas mais conservadoras, calculando que não terá morrido mais de
meio milhar de brancos. A dupla nem arrisca um valor para as baixas entre
os negros, refere apenas que foi muito superior.
Em resposta à ameaça nacionalista, Portugal
destacou os escassos meios militares de que
dispunha para os territórios afectados e reprimiu
a revolta com violência. A partir daí, desenvolveu um esforço
hercúleo para defender a sua presença no Ultramar, numa guerra que
duraria treze anos, com milhares de mortos e feridos a lamentar.

Os ataques de
15 de Março
provocaram
a fuga de
brancos e
negros para
Luanda.


Um mês antes de se juntar
aos terroristas, o homem
de olhos no chão protegeu
Maria Dornellas durante
uma caçada.

2FDRVLQYDGH/XDQGD
A irmã Valbert nem sabia por onde começar. A superiora do Hospital Maria
Pia, em Luanda, era uma francesa corajosa e eficiente, habituada a lidar
com a vida e a morte. Mas nos dias que se seguiram aos primeiros ataques
da UPA às fazendas do Norte de Angola, até ela se sentia perdida. Um
comunicado oficial, divulgado pelas autoridades nos jornais da província
a 17 de Março, 48 horas depois dos primeiros massacres, dava conta de
incidentes contra centenas de civis e revelava que tinham chegado a
Luanda «alguns feridos (…) carinhosamente recebidos».7
No terreno, vivia-se uma situação de emergência. A toda a hora
apareciam em Luanda mais vítimas em estado grave e faltavam mãos para as
tratar. Em Salazar – A Resistência, Franco Nogueira descreveu ao pormenor
a chegada dos fugitivos: eram «chusmas em torpe, feridos, esfarrapados,
cobertos de pó e terra encarnada, mutilados à beira da morte por mínguas
de cuidados».8 Só
na semana depois dos ataques terão
acorrido à cidade 3500 refugiados.9

Perante o caos, a irmã Valbert chamou todos os voluntários que
pôde: as senhoras das conferências de São Vicente de Paulo, os elementos
da Acção Católica e quem mais estivesse disponível para ajudar. Maria
Dornellas Cysneiros apareceu de imediato. E logo recebeu uma ordem
curta: «Maria, anda para aqui. Acode a este.» A freira apontou para um
negro moribundo, deitado no meio de um mar de homens e mulheres,
brancos, pretos e mestiços estendidos no chão.
Maria baixou-se e mal olhou para ele reconheceu-o, sem conseguir
evitar o choque: um mês antes, os dois tinham estado juntos numa caçada
na fazenda Tabi.

A caçada em
que os Dornellas
participaram
decorreu sem
sobressaltos.


O homem que agora lhe morria nos braços,
depois de atacar fazendeiros numa propriedade
da Fábrica de Tabacos Ultramarinos, era o
mesmo que passara a noite a velar pelo sono
dela, do marido e de um grupo de amigos,
acautelando que nenhum animal selvagem os
atacava enquanto dormiam.
Ele também se lembrou dela quando a encarou. «Senhora, só fiz isto
para dar uma casa à minha mulher. A senhora vai dizer à minha mulher
que o último andar daquele prédio lá é para ela», pediu-lhe. Olhando mais
de perto, via-se que tinha o corpo desfeito por rajadas de metralhadora e
sangrava muito. Sabia que ia morrer, mas antes quis explicar que participara
no assalto instigado pela promessa dos elementos da UPA e de activistas
congoleses.
«Deus não vai me perdoar, senhora», suspirou.
«Estás com pena do que te aconteceu. Deus já te perdoou. Vai
descansado, que eu dou o recado à tua mulher.»
Maria acompanhou-o até ao fim e deteve-se por uns instantes
a pensar no que acabara de acontecer. Não procurou a mulher dele:
mentiu-lhe apenas para que partisse em paz. Mas jamais esqueceu o último
suspiro do criado que um dia a protegera e se deixara fotografar de olhos
rasteiros, um mês antes de perder a vida a lutar contra gente como ela.
Nunca se desfez dessa imagem.

Maria Dornellas
Cysneiros
nunca teve
medo do mato.
Quando a guerra
rebentou, acudiu
aos feridos em
Luanda.


$RUGHPGH6DOD]DU
«Se é preciso uma explicação para o facto de assumir a pasta da
Defesa Nacional mesmo antes da remodelação do Governo que
[M ^MZQÅKIZn I [MO]QZ I M`XTQKItrW XWLM KWVKZM\QbIZ̉[M V]UI
palavra e essa é ANGOLA.
Pareceu que a concentração de poderes da Presidência do
Conselho e da Defesa Nacional, bem como a alteração de alguns
altos postos noutros sectores das Forças Armadas, facilitaria
M IJZM^QIZQI I[ XZW^QLwVKQI[ VMKM[[nZQI[ XIZI I LMNM[I MÅKIb
da Província e a garantia da vida, do trabalho e do sossego das
populações.
Andar rapidamente e em força é o objectivo que vai pôr à
prova a nossa capacidade de decisão.
Como um só dia pode poupar sacrifícios e vidas, é
VMKM[[nZQW VrW LM[XMZLQtIZ LM[[M LQI ]UI [~ PWZI XIZI Y]M
8WZ\]OITNItI\WLWWM[NWZtWY]MTPMuM`QOQLWIÅULMLMNMVLMZ
Angola e com ela a integridade da Nação.»

,Q[K]Z[WXZWNMZQLWXWZ)V\~VQWLM7TQ^MQZI;ITIbIZ
14 de Abril de 1961


GH0DLRGH
$FKHJDGDGDVSULPHLUDVWURSDV
«Rostos imberbes, faces coradas a cheirarem a ar metropolitano, passo
decidido, olhar firme. Assim marcharam os soldados que o Governo da
Nação nos enviou neste primeiro barco.»10 E assim descreveu a revista
Notícia a chegada do contingente inicial de tropas saído de Lisboa, a 21
de Abril, para defender os portugueses de Angola das investidas dos
movimentos de libertação. Dez dias depois, Luanda inteira desceu à
Marginal para ver desfilar centenas de homens, desde o porto até às
camionetas que os conduziriam à guerra. Para a população da cidade,
era um alívio ver aparecer reforços que apoiassem os escassos recursos
de que as Forças Armadas dispunham na Província. Desde os incidentes
de 4 de Fevereiro que aguardavam esse momento – e por isso foi em
êxtase que acolheram as tropas. Gente de todas as condições sociais
acorreu à Avenida Paulo Dias de Novais, para saudar os militares com
«vivas e lágrimas»11, acenando bandeiras e cartazes de agradecimento. Os
populares demonstraram bem o orgulho que sentiam na «garbosidade
com que [os militares] desfilaram (…).»12


«Tudo rapazes novos, da última recruta. Os da
frente, impávidos e serenos, passaram por
entre os aplausos da multidão. Os que vinham
mais atrás não esconderam a sua satisfação
em face do carinho com que foram recebidos e
manifestaram-se exuberantemente.»
Uma pequena nota de texto, publicada na revista Notícia ao lado de
uma vasta reportagem fotográfica do Centro de Informação e Turismo
de Angola, alertava para as vidas que aqueles homens tinham deixado
suspensas na Metrópole. Uns teriam certamente adiado «casamento com
alguma cachopa que lá ficara a chorar, [outros] cursos por acabar de tirar.
(…). [Cada um] perdera a realidade futurada para entrar no campo da
realidade irremediável».
Para quem lá vivia, no entanto, o mais importante era que as gentes
de Angola já não estavam sozinhas. Poucos dias antes, desembarcara em
Luanda o navio São Thomé carregado de material de combate, sobretudo
veículos militares. Estava em curso uma ponte aérea para transportar
soldados especializados e outros equipamentos mais delicados. E o porto de
Lisboa vivia uma enorme azáfama para despachar toda a carga necessária,
a fim de suportar o esforço de guerra. O Governo de Salazar queria dar
provas inequívocas de que não ia desistir das Colónias. E de que estava
disposto a arriscar a vida de milhares de soldados para manter o Império.

Milhares de jovens
foram obrigados
a suspender a
vida que levavam
na Metrópole
para combater os
movimentos de
libertação.


2VQ~PHURV
GDJXHUUDHP$QJROD
13IVW[LMKWVÆQ\W
800 europeus e 6000 africanos mortos nas
semanas que se seguiram a 15 de Março de 1961
7804 homens compunham o efectivo das forças
portuguesas em Angola, em Junho de 1960
2025 militares reforçaram o dispositivo nacional
entre o segundo semestre de 1960 e 15 de Abril de 1961

70 000
homens enviados para a guerra

94 aviões destacados,
38 dos quais armados
45 helicópteros
8 navios de guerra
16 lanchas de desembarque

6500 guerrilheiros,
segundo as estimativas dos serviços de
informação militar portugueses, sendo:

4500 do Movimento Popular para


a Libertação de Angola (MPLA)
1500 da UPA e da Frente Popular
para a Libertação de Angola (FNLA)
500 da União Nacional para a
Independência Total de Angola (UNITA)

7764 mortos em
todas as frentes da
Guerra Colonial, sendo:
2607 só em Angola
1142 em combate
1210 na sequência de acidentes
255 de doença

 feridos graves


 desaparecidos  desertores
Fontes: AFONSO et al, 2000; Mapa estatístico de baixas nas Forças Armadas como resultado da Guerra do Ultramar
entre Maio de 1961 e 30 de Abril de 1974, Arquivo da Defesa Nacional; MATEUS et al, 2011; MENESES, 2010.
)HULGRHPFRPEDWH
«Senti um estrondo e caí no chão. O homem que ia à minha frente começou a gritar, os que
iam atrás entraram em histeria. Tentei levantar-me, mas perdi o equilíbrio. Pela reacção
deles, soube que se passava alguma coisa grave comigo. Tinha pisado uma mina. Não
olhei para a perna e por isso não percebi logo que o pé esquerdo estava preso apenas
pelos tendões. Só então senti sangue a escorrer-me pela cara. Era qualquer coisa num
olho. Um deles disse-me para não mexer. Mesmo ferido, mantive-me no comando das
operações. Eu era o alferes. Pedi o rádio para chamar o enfermeiro, mas o aparelho não
funcionou logo. Demorámos algum tempo a conseguir ligação. Quando ele apareceu, ficou
atarantado: nunca nenhum dos nossos tinha sido atingido. O meu guarda-costas ajudou-
-me mais do que ele. Sem experiência, foi ele que me deu uma injecção. Espetou a agulha
de qualquer maneira.
Eu tinha dores, a perna ardia muito. Se não fosse resgatado
de urgência, corria risco de vida. Por sorte, estávamos a 20 ou
30 metros da linha de caminho-de-ferro e aproximou-se uma
carruagem blindada, que costumava viajar à frente dos comboios,
para detectar armadilhas ou minas.
Pedimos ao maquinista para me levar até Vila Teixeira de Sousa, no Moxico, Norte de Angola,
onde ficava o quartel e havia um hospital. À chegada, esperavam-me uma ambulância e a
minha namorada. Ainda no mato, tinha pedido que a avisassem, para ela ir ter comigo. Foi
a minha única preocupação. Estive sempre consciente até ser examinado pelos médicos.
A última coisa de que me recordo é de ouvir um dos homens perguntar se eu tinha algum
ferimento na zona genital. O médico examinou-me e disse: “Está tudo bem.” Então apaguei.
Levaram-me para o hospital. Dali, fui transportado para o Luso, onde me operaram à perna.
Acordei dias depois, no Hospital Militar de Luanda, com uma luz fosca e um padre ao
lado. Tinham-me amputado o pé e estava cego de um olho. Conversámos os dois e soube-me
bem. Voltei a adormecer, e despertei ao lado de um Comando a quem tinham cortado as
duas pernas. Até que apareceu o médico.
“Sabes o que aconteceu? Pisaste uma mina. Tivemos de amputar o pé
esquerdo. E tiveste azar: uma ilhós da bota saiu disparada em direcção ao teu
olho e cortou-te o nervo óptico. Não há hipótese de voltares a ver.”

Não me revoltei. Fiquei vencido. Eu era desportista. Jogava futebol e andebol. Pensei
que estava arrumado, com apenas 22 anos. Na enfermaria, ouvia os outros aos berros.
Eu não dizia nada. Tinha algumas dores, mas fingia que estava pior, para eles me darem
drogas. Assim não sentia aquela tristeza.
Lembro-me bem do dia do acidente. Foi em Abril de 1970, depois de uma noite de
farra. Estávamos há nove meses em missão em Vila Teixeira de Sousa, junto à fronteira
com o Congo. Nessa manhã, o meu pelotão devia estar de descanso, só que os homens


de serviço ficaram com a Berliet atascada no rio Luau. Quando os Flechas, tropas especiais
da PIDE, e os Comandos ligaram para o quartel, a dizer que tinham sido emboscados e
precisavam de reforços, os meus homens tiveram de avançar. Ainda protestei. “Outra vez?!”
Mas pus-me a caminho, com 15 soldados, num Unimog. Encontrámo-los na picada, saímos
do carro e juntámo-nos a eles. Estava calor, havia árvores e arbustos rasteiros, era tudo
verde à nossa volta.
Um dos Flechas disse-me:
“Deve haver minas por aqui. O melhor é sair da picada e fazer corta-mato, que é mais
seguro.”
Cem metros depois aconteceu a explosão.
Estive quinze dias internado em Luanda antes de me mandarem para a
Metrópole. Fiz a recuperação no Hospital Militar da Estrela, em Lisboa.
Continuava apático. A vida tinha perdido o valor. Nada me entusiasmava:
um amigo que também tinha perdido uma perna visitou-me e disse que ia
para Hamburgo, pôr uma prótese. Lá eles eram especialistas, por causa da
experiência da Segunda Guerra Mundial. Nem isso me animou.
Até que um dia apareceu outro camarada. Entrou bem-disposto e perguntou:
“Estás vivo ou morto?”
“Isso agora já não interessa”, respondi.
Ele não desistiu.
“Ó homem, põem-te uma prótese e ficas bom. Não voltas a jogar andebol, mas fazes
a tua vida normal. A mim também me aconteceu!”
“Mostra lá”, pedi.
Quando vi a prótese dele, despertei. Deixei-o ir embora e pedi que me ajudassem a ir
ao corredor. Estava desconfiado, queria vê-lo andar. E ele andava que era uma maravilha.
Aí renasci.
Ganhei ânimo, fui para Hamburgo e fiquei lá seis meses. Fiz mais duas cirurgias,
aprendi a usar a minha nova prótese e voltei a querer viver. Mais tarde casei-me, tive dois
filhos, divorciei-me e tive mais um rapaz, de outro casamento.
Nunca me esqueci de uma conversa com os meus homens, na viagem para Angola, a
bordo do Príncipe Perfeito. Juntei-os num cantinho e disse-lhes:
“Meus amigos, vamos para Angola, já estamos a caminho. Não interessa se a guerra
é justa ou não. O que é que queremos todos? Voltar para casa. É preciso cumprir as regras,
protegermo-nos uns aos outros. Se for preciso matar, para não morrer, é a primeira coisa
que devemos fazer. E no fim queremos todos voltar sem ninguém ser atingido.”
De todos, eu fui o único a ser ferido em combate.»

A Associação dos Deficientes das Forças Armadas estima que 25 mil militares ficaram
com sequelas da Guerra Colonial. António Manuel Garcia Miranda, 68 anos, foi um deles.


$PRUSRUFRUUHVSRQGrQFLD
O papel amareleceu com os anos, mas o início do romance entre Domingos
Campião e Joaquina Franganito continua guardado na colecção de cartas
que os dois numeraram e arquivaram como uma relíquia. Enquanto ele
esteve em Angola, era assim que sabiam um do outro: Domingos dava
conta do que lhe acontecia em África, Joaquina mantinha-o a par da
vida na Vidigueira. A correspondência teria sido muito mais escassa se o
Ministro das Comunicações e do Ultramar não tivesse assinado a Portaria
n.º 18 545, de 23 de Junho de 1961, isentando os aerogramas militares do
pagamento de portes e sobretaxas aéreas.
O modelo estava pré-definido: um impresso que pesava, no máximo,
três gramas, para dobrar em quatro ou em seis, com o custo de vinte
centavos na Metrópole. Em Angola, eram de graça para os soldados. Os
aerogramas começaram a circular com a dinamização do Movimento
Nacional Feminino, que reconhecia a importância de fomentar o contacto
ágil entre os contingentes e as famílias. Os primeiros foram impressos em
papel azul, a cor que deveria sinalizar as cartas escritas na Metrópole e
enviadas para África. Os amarelos fariam sentido inverso.13 No entanto, a
escassez de aerogramas em circulação nunca permitiu que se cumprisse
essa regra e cada um escrevia no que apanhava, nem que fossem as
edições especiais de Natal e de Páscoa, com ilustrações alusivas à época.

101 000
aerogramas
enviados na primeira expedição
destes sobrescritos para Angola
por via aérea, a 8 de Agosto de 1961.

503 200
impressos entregues
300 000
sobrescritos necessários para satisfazer
às Forças Armadas as necessidades mensais dos
estabelecidas na província contigentes destacados em
até 22 de Setembro Angola, de acordo com as previsões
desse ano. dos Comandos Militares, em Novembro
de 1962.

O miúdo passava o
\MUXWKWUW[WÅKQIQ["
dormia na casa
ocupada por quatro
alferes e um capitão,
comia à mesa com eles
e circulava livremente
pelas instalações da
tropa portuguesa.
Apesar do súbito
afastamento da família,
LQbMUY]MMUQV[\IV\M
ITO]UZM^MTW]\ZQ[\MbI
saudades ou vontade
de voltar para a aldeia
onde crescera.


©7XWDªDPDVFRWHGD&RPSDQKLD
Assim que o ruído dos Dornier encheu o céu,
a operação entrou em marcha. Os aviões da
Força Aérea Portuguesa ainda não tinham
lançado as primeiras bombas, sobre o alvo no
Uíge, e os homens já progrediam no terreno.
Se queriam apanhar os guerrilheiros infiltrados no meio das populações,
precisavam de surpreendê-los antes que eles fugissem. Escolheram um
trilho no meio do capim amarelado e alto, e seguiram em silêncio absoluto,
para não serem detectados. Só se ouviam pegadas e a respiração de cada
um. De repente, surgiu ao fundo um murmúrio de crianças e mulheres a
dispersar. A adrenalina disparou: a marcha do inimigo vinha na direcção
deles e havia civis entre os fugitivos. Pelas vozes, agora cada vez mais
próximas, tudo indicava que estavam todos no mesmo trilho. O confronto
era inevitável.
Camuflados pela vegetação, os soldados portugueses viram surgir
ao fundo, no topo de uma árvore, a silhueta de um vigia rebelde de calções
e t-shirt e isso bastou para os fazer disparar. O caos instalou-se. De um
instante para o outro, havia gente a tentar escapar para todos os lados e
apareceu uma mulher a correr, em desespero, com uma criança pela mão.
O sargento que a encontrou deu-lhe ordem para se imobilizar.
«Pára! Pára! Pára!», gritou-lhe.
Ela nem abrandou.
«Pára!»
Nada.
O militar apontou-lhe às pernas, disparou e atingiu-a. Apesar de
ferida, ela continuou a fugir. O miúdo não. Quando o fogo cessou, só restou
ele no meio do capim. Ao ver o soldado de arma apontada, suplicou:
«Não foga! Não foga!»
A criança era negra e tinha o ventre arredondado pela malnutrição.
Podia até ser mais velho, mas pelo físico devia andar pelos cinco, seis anos
de idade. Ao vê-lo abandonado, os soldados baixaram as armas e apro-
ximaram-se. Falaram com ele, mas não tiveram resposta: ou estava em
choque ou não falava português. Em pleno mato, tinham com eles
uma criança abandonada, sem forma de a devolver à família.
A única solução que restava era levá-lo. E foi isso que acaba-
ram por fazer. Daí em diante, passariam a ter uma mascote.


O incidente da manhã deixara-os tão exaustos, que procuraram um rio para se
refrescarem e comerem alguma coisa. Encheram os cantis, beberam, serviram-se das
rações de combate que traziam e estenderam ao miúdo uma embalagem de concretos de
fruta, um concentrado doce e nutritivo. O rapaz provou e saboreou. No fim, pediu:
«Maza, maza.»
Os militares pensaram que queria mais, o miúdo aceitou o reforço, mas repetiu de
novo:
«Maza, maza.»
Quando lhe ofereceram nova dose, recusou e apontou para a água. Era isso que
estava a pedir, no dialecto dos bacongos, a etnia a que pertencia. Entre os soldados, havia
vários negros de grupos étnicos diferentes, mas nenhum tinha aquela raiz, e por isso
ninguém o percebia. Se iam ficar com ele, precisavam de ensiná-lo a falar português. E de
tratar de outro pormenor importante — dar-lhe um nome. Na prática, não passara de uma
formalidade: no quartel todos os tratavam por «Tuta», a alcunha que lhe puseram.

Os soldados incluíam-no em todas as actividades da unidade, desde que não


envolvessem material de guerra ou exercícios bélicos. Jogavam à bola com ele, chamavam-no
para brincar, deixavam-no entrar na oficina de manutenção dos automóveis da Companhia.
Com o passar do tempo, e mesmo sem poder ir à escola, «Tuta» aprendeu a falar
português correctamente. Ficou também cada vez mais próximo de Coutinho, de tal maneira
que o alferes não conseguiu deixar o miúdo para trás quando os superiores o transferiram
para Quixico, a 25 quilómetros de Nambuangongo. Nos primeiros anos de guerra, aquele
fora um local complicado. Em 1967, tanto as tropas portuguesas como os homens afectos
à FNLA (Frente Nacional de Libertação de Angola) estavam exaustos e os confrontos já
não eram tão acesos. O Exército português queria apenas manter o nível de segurança
necessário para garantir a circulação de café e madeiras, entre as fazendas e Luanda.
A economia tinha de funcionar.
Em Outubro de 1969, João Coutinho chegou ao fim do serviço
militar e mais uma vez escolheu ficar com «Tuta». Os seus pais receberam o
miúdo na fazenda de doze hectares onde viviam, em Nova Sintra, no Sul de Angola, perto de
Silva Porto, e acolheram-no como família. Para estranheza dos criados negros, o rapaz até
comia à mesa com os patrões, apesar de ser um bacongo do Norte de Angola. Aos sete anos
de idade, entrou para a escola e revelou-se um bom aluno.
Entretanto, Coutinho casou-se com Maria Rosalina. O filho mais velho dos dois, Pedro
Miguel, nasceu cerca de um ano depois, mas o casal nunca abandonou «Tuta». Em 1975,
quando a descolonização os obrigou a sair de Angola, nem lhes passou pela cabeça deixá-lo
para trás. O miúdo nunca mais tivera contacto com a família biológica, nem sequer se sabia
se o pai e a mãe ainda eram vivos. Sem hesitações, mandaram-no para Portugal. Primeiro,
«Tuta» ficou no Norte com os pais de Coutinho. Logo que João e Rosalina se estabeleceram
no Funchal, levaram-no com eles.


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Era um dos cartoons mais aguardados da
imprensa angolana. No início dos anos 60,
todas as semanas, quando a revista Notícia
ia para as bancas, um grupo de leitores
fiéis folheava as páginas à procura da
última aventura de Zé da Fisga, o soldado
raso que gostava de copos e miúdas.
A personagem nasceu em Lisboa, por brincadeira, a poucos dias de José Fernando
Gonçalves, o seu autor, embarcar para Angola numa companhia de Caçadores, uma
unidade especial da tropa portuguesa. Em Cabinda, onde Nando (era assim que assinava)
cumpriu 18 meses de serviço militar, surgiu de novo nas páginas de um jornal de caserna.
A publicação chegou a Luanda e o Zé da Fisga despertou o interesse dos editores da
revista humorística Miau, onde passou a sair. Mais tarde, ocupou uma página a cores na
revista Notícia. A única coisa bélica da ilustração era a farda. De resto, Zé da Fisga era
um português comum retirado do seu habitat , sem qualquer apetência para a guerra e
uma resistência crónica às ordens de um sargento autoritário. Primeiro a preto e branco,
depois com guaches coloridos, Nando criava histórias de um militar que não queria lutar,
nem mesmo com a censura, que só o incomodou uma vez. Como em tantas ocasiões,
José Fernando desenhou «o Zé da Fisga com uma querida nos braços, a tentar levá-la
para o quartel».14 Até aí, tudo tranquilo. O pior foi o letreiro que Nando juntou ao boneco, a
dizer «Make love, not war.» O problema resolveu-se facilmente: bastou adaptar para «Faz a
guerra com amor» e não houve mais complicações.


O dia-a-dia



Muitas famílias
brancas contavam
com a ajuda de
pelo menos um
criado negro.

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Um dia depois de chegar a Angola, Martim Dornellas Cysneiros
avisou a mulher de que partiria na manhã seguinte para o
mato e só voltaria daí a alguns meses. Maria, grávida do terceiro filho
e com mais dois pequenos a cargo, já contava que o marido tivesse de se ausentar. Só não
esperava que fosse tão cedo. Semanas antes, ele pedira-lhe que aguardasse dois anos
na Metrópole até se mudar para África com as crianças. Ela recusara: não queria dividir a
família. Movera montanhas, mas conseguira passagens para toda a gente a bordo do Pátria,
cuja lotação estava esgotada. E, ao nascer do sol de uma sexta-feira de Julho de 1952,
acostara em Luanda. Com mais ou menos dificuldade, conseguira manter-se ao lado do
marido — não ia agora desanimar por causa de um percalço. Sem reclamar, encarregou-se
de encontrar casa para a grande família que queriam construir.
Foi à procura de uma moradia com um funcionário da empresa que contratara Martim.
Em poucas horas, encontrou o que pretendia no Bairro da Maianga, fechou o arrendamento
e pediu que fossem ao cais buscar os caixotes que trouxera da Metrópole com mobiliário,
faianças e o resto do recheio da nova vivenda. Um
pormenor: os móveis não
couberam nas portas nem nas janelas. Maria manteve a calma.
Estendeu os colchões no chão e marcou para o outro dia o início
da segunda ronda, à procura de uma casa compatível com o
tamanho da carga vinda de Lisboa.
Ao fim de uma semana mudou-se para a vivenda onde veio a criar os filhos — ao todo
teve dez —, na Rua de Sá da Bandeira, no Bairro do Café. Confortável e espaçosa, tinha um
bom jardim, quatro quartos, sala, cozinha, despensa e uma varanda a toda a volta. Havia ainda
garagem e anexos para os empregados. Como não conhecia a cidade, pediu ajuda a uma


Até 1961, todos os
indígenas tinham
uma caderneta que
devia ser assinada
diariamente pelos
patrões.

amiga da mãe para lhe encontrar pessoal. No meio social em que Maria Dornellas se movia
era comum ter vários criados em casa, tal como acontecia na Metrópole. A diferença é que,
em Angola, nem só as famílias da alta burguesia podiam ter ajuda doméstica. Em Luanda,
grande parte da população branca contava com pelo menos um empregado, embora
algumas pessoas de recursos mais reduzidos não pudessem aceder a esse conforto.
Maria não esperou muito até a amiga lhe enviar um cozinheiro e uma lavadeira,
acompanhados por um peculiar manual de instruções: «Enquanto eles se portarem
bem, tudo bem. Se fizerem algum mal, vais ao chefe de posto e resolves com ele como
os castigas.» Ouviu, calou e nunca fez queixa. Tratou apenas de distribuir tarefas a cada
um: o cozinheiro entrava às 9h00, preparava o almoço, saía para uma pausa depois da
refeição e voltava ao trabalho a tempo de fazer o jantar. A lavadeira aparecia de manhã
cedo e ocupava-se de toda a roupa, limpezas e arrumações. Havia quem preferisse as
criadas brancas para estas funções. Maria nunca fez questão. Com o tempo, os Dornellas
acabaram por contratar ainda um criado de mesa e outro de jardim, que acatavam ordens
do cozinheiro, o superior hierárquico do pessoal doméstico.
No dia em que os conheceu, Maria recebeu de cada um o respectivo Cartão do Indígena,
documento de identificação de uso obrigatório onde os patrões deviam atestar, com uma
rubrica diária, a assiduidade dos nativos. A caderneta esteve em vigor até 1961, data em que
Adriano Moreira, ministro do Ultramar, aboliu o Estatuto do Indigenato e pôs fim à imposição
de distinções raciais, ao trabalho forçado e às culturas compulsivas até então previstas na
lei. Só a partir daí é que a maioria da população negra passou a ter acesso à cidadania.
Assim que chegou a Luanda, Maria apercebeu-se de que as coisas não eram iguais
para todos. Ainda no porto, arrepiou-se com o movimento de dezenas de negros que
percorriam a doca para lá e para cá, carregando às costas barris e pesos desumanos. «Era
um cortejo deprimente e vexatório de homens descalços, com calções de cós elástico e
balandraus feitos de pano de saco, marcados com um número.»1 Nem quando visitara as
roças dos avós em São Tomé, ainda criança, vira algo semelhante. Lá, havia criados, sim, só
que eram tratados como gente, em vez de lhes darem números como ao gado. Soube, no
instante em que chegou a Luanda, que nunca se conformaria com essa realidade.
Quando conheceu a fundo todos os contornos do Estatuto do Indigenato, ficou ainda
mais chocada. «Se os negros fossem apanhados sem os cartões, iam
para o posto e tinham de esperar que os patrões os tirassem de
lá, se assim o entendessem. Caso contrário eram obrigados a ir
para as fazendas.»


Estarrecida com essa hipótese, cumpria sempre o que lhe competia. De tal maneira
que tremeu quando um dos criados faltou sem avisar. Saiu de imediato à procura dele, com
receio de se ter esquecido da assinatura na véspera.
«Se o vir conhece-o?», perguntou-lhe o chefe de posto, o temido Poeiras, assim
conhecido por levantar pó cada vez que passava de jipe.
«Então não havia de conhecer?!», indignou-se.
O agente da autoridade ordenou aos negros detidos que se sentassem no chão e
mandou o criado identificar-se. O rapaz ergueu a mão, tal como alguns dos outros. Maria
indicou a pessoa correcta e o chefe mandou o criado levantar-se.
«Senhora, leve-me também», pediu outro.
Ela acedeu e não só o tirou dali como lhe arranjou emprego.
Antes de voltarem a casa, Poeiras fez nova investida.
«Como é que a senhora quer que eu o castigue: que lhe rape o cabelo ou que lhe dê
palmatoadas?»
«O senhor acha que eu sou dessas besugas que vêm para aí e pedem que lhes bata
porque são pretos? Só se fosse para me castigar a mim! O erro foi meu.»
«Ele é que tem a obrigação.»
«Posso levar o homem ou não posso? E o outro?»
«Só se deixar o nome.»
«Então tome nota: Maria da Conceição Mendonça Bustorff Silva Dornellas Cysneiros.»
Cá fora, o criado de mesa quebrou o silêncio e chorou. O outro só repetia: «A senhora
foi Deus que me apareceu.»2
Maria movia-se entre a alta burguesia de Luanda, onde era menos comum ver
maltratar os empregados do que em meios sociais menos favorecidos: «O pior acontecia
nas tendas de comércio misto, nos musseques. Aí tratavam-nos abaixo de cão. Foi por causa
dessa gentinha que as coisas foram como foram [em 1961 e nos anos que se seguiram].»
Ainda que a segregação não fosse tão evidente como noutros regimes coloniais, os
negros sentiam-se diferentes. O escritor angolano Jacques Arlindo dos Santos, presidente
da Associação Cultural Chá de Caxinde, garante que «a sociedade colonial foi sempre
marcada por esta distinção de raças, mais notória para quem estava em situação inferior» 3.
Ele próprio foi alvo dessa discriminação. Uma vez foi com um amigo de Viseu a uma
boîte, no Largo do Pelourinho, e ouviu o segurança negro dizer: «Os dois brancos entram.

Os cursos de
cristandade
eram muito
populares
entre os
casais
católicos de
Luanda.


Você não.» Ninguém passou da porta e a noite acabou em pancadaria. Noutra ocasião, uma
amiga convidou-o para jantar no Clube Naval e à chegada disseram-lhes que não havia
lugar, que as mesas estavam todas reservadas. Mentira. Mais tarde, quando Jacques
se casou com uma branca, os dois eram alvo de chacota se
andassem abraçados na rua. «Cenas como estas iam fomentando a revolta
e provocando incidentes. Mas é inegável que a diferença também se fazia pelo poder
económico. Embora os negros com dinheiro pudessem ir a todo o lado, os melhores lugares
nos grandes comércios e os postos de chefia [na Função Pública] ficavam quase sempre
para os brancos. Eram raros os casos em que os negros e os mulatos se impunham.» 4 Mas
existiam: José Pinheiro da Silva, por exemplo, chegou a Secretário Provincial da Educação,
e Carloto de Castro a Secretário Provincial das Comunicações, com um papel determinante
no alargamento da rede viária de Angola.
Em casa de Maria Dornellas a raça nunca foi factor de separação. Quem lá trabalhava
nem sequer usava farda, como em muitos lares — apenas um avental. A pedido dela, a
professora primária que morava em frente dava aulas aos criados que quisessem aprender
a ler. Se completassem a quarta classe, tinham emprego garantido na fábrica de cervejas
CUCA, propriedade de Manoel Vinhas, marido de uma familiar. À terça e à quinta o pessoal
estava autorizado a assistir à catequese dos miúdos, e até os cuidados de saúde — que
incluíam a distribuição de resoquina, uma vez por semana, para prevenir a malária — eram
alargados aos serviçais.
Talvez por tudo isto, em 1961, depois de eclodirem, em Luanda, os primeiros focos de
insurreição contra os brancos, Paulo, o cozinheiro, um homem mais velho que trabalhava lá
em casa há vários anos, chamou Maria à parte:
«Senhora, vai ter de mandar embora o Manuel.»
«Como assim, Paulo? Por que é que eu havia de fazer isso?»
«Senhora, vai ter de mandar.»
«Mas porquê?»
Paulo nunca lhe disse o motivo. Mas tornou claro que manter Manuel por perto seria
correr um risco desnecessário, sobretudo por causa da proximidade entre o criado e as crianças.
Maria Dornellas arranjou uma desculpa e acedeu ao pedido. Nunca houve qualquer ataque.
Ao longo dos anos, a amizade entre o casal e os empregados mais antigos tornou-se
tão forte que Cesaltina, a lavadeira, convidou o patrão para ser padrinho de dois filhos: o
Bernardino, que só comia bem a sopa se fosse Martim a dar-lha, e outro. A gratidão tinha
um motivo. Quando a criada quis construir uma casa no Bairro do Prenda, foi ele, engenheiro
civil, quem lhe desenhou o projecto da habitação, com água e fossa séptica. Ela nunca se
cansou de apregoar a generosidade do patrão. A ligação entre Cesaltina e a família não
acabou com a independência de Angola: a lavadeira continuou a fazer parte da família em
Portugal, como amiga, e a ser convidada para todas as datas importantes dos filhos e netos
da antiga patroa. Martim morreu antes disso.


Celestino Aredes
concorreu a um lugar
na Polícia, em Angola,
e fez parte da escolta
que conduziu Adriano
Moreira e Marcello
Caetano nas visitas
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A mudança dos pais de José Aredes para Angola foi


muito diferente da de Maria e Martim Dornellas. Celestino
Pereira Aredes não partiu para África apenas pelo desafio: concorreu a um lugar na Polícia
de Angola, para fugir à miséria que assolava o distrito de Viseu nos anos 50. Em vez de
viajar na suíte dos diplomatas do Pátria, recebeu do Estado bilhetes para ele, a mulher, Maria
Helena, e o filho José na infernal terceira classe do Uíge. Era aquilo a que o lugar a que
concorrera, na PSP, dava direito. Foram dez dias a suportar o cheiro nauseabundo do navio,
o calor abafado dos porões do paquete e o ruído ensurdecedor das máquinas. Só no fim
dessa tormenta chegou a Luanda. Uma nova vida estava a começar.
Enquanto não arranjaram casa, ficaram na pensão de um agente da Polícia que
acolhia os novos elementos da força enquanto aguardavam que o processo administrativo
de admissão ficasse regularizado. Foi lá que o pequeno José comeu mamão pela primeira
vez, a dois meses de completar dez anos de idade.
Celestino foi colocado
As burocracias resolveram-se em pouco tempo e
em Luanda como guarda — mais tarde foi promovido a sub-
chefe —, com a missão de liderar os motociclistas da polícia
de trânsito. Ao volante de uma ruidosa Harley-Davidson, fez
parte das escoltas que conduziram Adriano Moreira, Marcello
Caetano e outras altas figuras do Estado pelas ruas da cidade,
nas visitas oficiais que fizeram a Angola. Tinha uma vida profissional estável, mas as finanças
da casa eram frágeis e obrigavam a alguma contenção. Por esse motivo, Celestino começou
por dividir uma moradia no bairro da Samba Grande com a família de um colega — cada um
ocupava uma parte.


Não demorou muito
tempo até José Aredes,
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ambientar. Cresceu e
estudou em Luanda.
Fez o serviço militar
durante a Guerra
Colonial.

Apenas quando a mulher arranjou trabalho como porteira no prédio da


Singer, no Largo Serpa Pinto, passaram a viver numa pequena casa só deles.
O apartamento de duas divisões ficava no terraço do edifício, tinha uma vista
magnífica sobre a cidade e garantia-lhes um espaço de luxo para churrascos
com peixe e lagostins, trazidos vivos do mar por amigos pescadores.
José, o miúdo, também se ambientou ao fim de pouco tempo.
Começou por estudar na Escola Industrial, mas não gostou. Escapou às
praxes dos mais velhos, não deixou que lhe rapassem o cabelo e muito
menos que lhe enchessem os genitais com terra, como era costume. Logo
que pôde matriculou-se na Escola Comercial Vicente Ferreira, onde o
dia-a-dia era mais ameno.
Com os salários dos dois, a vida da família foi melhorando — mesmo
assim, durante muito tempo não houve ajudas domésticas. A limpeza da
casa e as tarefas da cozinha eram asseguradas por Maria Helena, que
entretanto passara a trabalhar num prédio da Vila Clotilde. Demorou até
poderem contratar uma lavadeira. As finanças da casa também estavam
a cargo da mulher. Como não pagavam renda, foram juntando um pé-
-de-meia que deu para pagar os estudos do filho e o primeiro carro — um
Volkswagen carocha em segunda mão. Com esforço, arranjaram dinheiro
para investir numa moradia no Bairro Popular e começaram a colher os
frutos de uma vida exigente. Trabalhavam seis dias por semana, como se
usava em Angola, mas aproveitavam o tempo livre para gozar tanto quanto
podiam. Faziam praia na Ilha, iam à Gabela visitar uns primos que vendiam
legumes para o mercado de Quinaxixe, e faziam passeios económicos por
Luanda. Em 1975, já tinham algum conforto quando a independência de
Angola os obrigou a voltar a Portugal. Ficou tudo lá.


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Maria da Conceição Dornellas Cysneiros entrou na Casa
de Saúde de Luanda depois de cinco dias extenuantes de
trabalho de parto em casa. Como das outras vezes, contara com a ajuda de
Maria José, a parteira formada em Londres que, nessas horas, assistia grande parte das
mulheres brancas de Luanda. Era o nono filho de Maria e a experiência dizia-lhe que, ao fim
de tanto tempo, o bebé corria risco. Chegara o momento de procurar ajuda clínica. Só não
sabia que o seu pedido de cesariana havia de dar origem a uma inesperada cena de pugilato
entre o marido e o médico, que acabou a fugir pela janela.
A fama de mau feitio há muito que perseguia o ginecologista, mas, por respeito
ou medo, os doentes suportavam as ofensas em silêncio. Naquele dia, não foi assim. Mal
acabou de observar Maria da Conceição, com a altivez do costume, disse-lhe, sobranceiro:
«Qual é o problema? Com a sua facilidade em ter filhos, se este não vingar, para o ano
tem outro.»
Por um instante, Maria esqueceu as dores, levantou-se da marquesa e enfrentou-o:
«Não experimente dizer isso outra vez.» 5
O médico ainda não tinha terminado a frase e já o marido de Maria da Conceição
invadia a sala, enfurecido. Martim era um homem pacato, de uma educação irrepreensível,


só que o médico fora longe de mais e fizera-o cegar de raiva. Pegou-lhe
pela bata, empurrou-o contra um armário de vidro, cheio de frascos
de medicamentos, e bateu-lhe tanto quanto pôde, perante o olhar de
admiração dos funcionários da instituição. Encurralado, o homem só teve
uma solução: saltar para a rua, galgando o parapeito de um rés-do-chão
bastante alto, e correr até ao hospital mais próximo para tratar os dois
braços partidos na queda.
Na Casa de Saúde, Maria da Conceição continuava sem apoio
médico. E assim permaneceu por mais um dia. O pessoal de enfermagem
bem tentou pedir ao clínico que voltasse, mas ele não atendeu ninguém.
Quando a velha parteira da instituição chegou perto dela, Maria estava no
limite da resistência.
«Ó minha filha, ainda continua aqui? Está farta de penar. Vamos
fazer uma coisa: vou dar a medicação aos outros doentes e depois venho
ter consigo. Temos de pôr esse bebé cá fora com vida. Ficamos só nós
duas, como se estivéssemos no mato.»
Por muito reconfortante que fosse ouvir as palavras da parteira,
Maria Dornellas duvidou que ainda tivesse força para fazer nascer aquele
filho. Temeu que a criança já não estivesse viva. Mesmo assim, quando
a velha mulher voltou para junto dela, seguiu todas as instruções que
recebeu. Resistiu às contracções mais dolorosas e usou toda a força que
lhe restava. Foi penoso, mas valeu a pena. Rita nasceu saudável, no último
dia de 1961, o ano que mudou Angola.

No início da década de 60 viviam na província ultramarina 4 830 449


pessoas, 4 701 297 das quais nascidas naquele território. Luanda contava
então com 224 540 habitantes, maioritariamente negros: apenas 55 567
eram brancos e 13 593 mestiços6.

Maria chegou grávida a Luanda. Depois de arranjar casa, tratou de


perguntar a uma cunhada onde podia ter o bebé.
«Quem é que nos assiste?», perguntou.
«É uma Dona Ester, uma parteira curiosa», respondeu Maria Inês.
«E médico?»
«Há cá um que se ajeita…»7
Habituada a contar com a segurança de ser assistida por um
obstetra nos dois primeiros partos, Maria Dornellas não pôde evitar
sentir-se receosa. Percebeu, no entanto, que em Luanda os nascimentos
apenas tinham acompanhamento clínico se corressem mal. Teria de se
acostumar aos preceitos locais. «Era o que havia, não dava para discutir.» 8


Nessa altura, em Luanda havia apenas duas maternidades, onde
trabalhavam dez parteiras9. Uma grande parte das mulheres brancas
continuava a ter as crianças em casa, com a ajuda de pessoas como
Ester Barlavento, que «tinha um consultório mais do que rudimentar na
Avenida Brito Godins, perto do Liceu Salvador Correia»10, onde as senhoras
a procuravam para acertar os detalhes do acompanhamento da gravidez
até ao parto.
Ester começava por visitar a casa e certificar-se de que havia
condições. Examinava a cama, que devia ser robusta, e explicava como
se preparava o leito para o nascimento. À falta de resguardos de plástico
para o colchão, «usávamos umas mantas brancas compradas a metro
na Cotonang, que habitualmente serviam para cobrir o pão amassado».
Aos sete meses, Dona Ester fazia nova vistoria e entregava às futuras
mães uma receita com tudo o que seria necessário: fio para atar o cordão
umbilical, desinfectantes, injecções para as hemorragias, outras para
facilitar a dilatação. Maria Dornellas fez como lhe disseram e preparou
um tabuleiro com todo o material requisitado. Mais tarde, quando abriu a
Farmácia Sanitas, na Baixa, perto dos Correios, passaram a existir «caixas
de partos» e tudo se tornou mais fácil. Em vez de se comprar cada coisa
separadamente, já vinha o conjunto embalado, esterilizado e pronto a usar.
Na primeira vez que entrou em trabalho de parto em Luanda, os
primeiros sinais surgiram ao cair da noite, e Maria mandou de imediato
chamar Ester, como combinado. Martim fez o mesmo de sempre: sentou-
-se à cabeceira da mulher, de olhos fechados, a rezar baixinho. Enquanto
as crianças não nasciam, não arredava pé, mas aquele sofrimento
impressionava-o tanto que nem sequer abria os olhos. Só levantava a
cabeça quando a parteira gritava: «Senhor Dornellas, já tem cá mais um
rapaz» — ou rapariga.
Conceição foi a primeira filha do casal a nascer em África e a única dos
dez que tem na Cédula Pessoal a anotação «portuguesa de segunda», então
atribuída aos cidadãos nacionais nascidos no Ultramar. O pai ficou radiante
ao vê-la, pegou-lhe, acarinhou-a e bebeu o leite com chocolate que a mulher
preparava sempre nestas ocasiões. Até que, de repente, Martim começou a
tremer, com um surto de paludismo. Daí em diante, todas as vezes que lhe
nascia um filho acontecia-lhe o mesmo. E acabava invariavelmente a arder
em febre encolhido na cama acabada de fazer de lavado.
Ester avaliava as mães duas vezes por dia e era rigorosa em matéria
de higiene. Por recomendação sua, até fazerem um mês, os bebés só
deviam tomar banho em água fervida, para reduzir o risco de contraírem
tétano pelo coto umbilical. Aconselhava ainda as mães a cuidarem do peito


com vaselina e óleo de amêndoas doces. Maria recuperou bem desse parto,
mas nos seguintes as coisas foram-se complicando.
Quando Maria Dornellas estava à espera do quinto filho, chegou a
Luanda uma parteira formada em Londres, com grandes conhecimentos
de pediatria. Maria José não era apenas uma curiosa: estudara para ajudar
a nascer crianças e isso dava às mulheres uma segurança inexistente
até então. De uma educação irrepreensível, a nova parteira nunca fazia
comentários inconvenientes e assistia as mães com profissionalismo e
fé. Antes de iniciar o trabalho de parto, benzia a cama. Se as mulheres
fossem crentes, rezava com elas, pedindo protecção divina.
Na época, era comum morrer de parto em Luanda, tanto na cidade
do asfalto, ocupada sobretudo pela população branca e pela elite negra,
como nos vastos musseques habitados maioritariamente por africanos. De
acordo com o Anuário Estatístico de Angola, em 1960, 140 mulheres no
distrito de Luanda não resistiram a complicações da gravidez e do parto, e
394 das 8974 crianças nascidas nesse ano nasceram mortas.11 Nos bairros
mais pobres, a falta de condições agudizava a situação.
As grávidas negras eram acompanhadas por parteiras mais velhas,
sem formação médica, mas com a sabedoria feita de tanto ajudar a nascer
bebés. Ao contrário do que acontecia com as brancas, encorajavam as
mulheres a parir de pé, de cócoras ou em cadeiras próprias para esse
efeito, que guardavam em casa. Se corresse tudo bem, crianças e mães
sobreviviam. Se a mãe morresse, o bebé e os restantes filhos do casal
ficavam a cargo do familiar mais próximo, que assumia a responsabilidade
no próprio dia. Quando ninguém se dispunha a cuidar dos órfãos, os miúdos
podiam ser encaminhados para o Preventório, um orfanato dinamizado
por vicentinos onde Maria Dornellas era voluntária. Uma vez por semana,


juntava-se com amigas para costurar enxovais completos para bebés
carenciados.
Com a abertura de outras maternidades, a assistência melhorou.
No início, ainda foi preciso vencer uma certa desconfiança, mas, à medida
que as boas impressões sobre o serviço foram circulando, as enfermarias
encheram-se. Em 1960, a maioria das crianças ainda nascia em casa: dos
5856 12 bebés registados no concelho de Luanda, apenas 700 13 vieram ao
mundo nas duas maternidades da cidade. Dez anos depois, o número já
chegava a 4806. 14 Maria Dornellas nunca foi para a maternidade pública.
Sempre que podia, tinha os filhos em casa. Se a situação se agravava, ia
para a Casa de Saúde de Luanda, uma clínica privada que proporcionava
às mães outro nível de conforto. Foi lá que nasceu Teresa, a décima e
última filha do casal, depois de uma reacção alérgica ter deixado a mãe
com um ataque de asma e paralisada durante 20 horas. Como já ninguém
acreditava que a menina estivesse viva, a cunhada sugeriu-lhe:
«Baptiza-a, que é a única coisa que podes fazer. Só a mãe é que a
pode baptizar.»
Maria seguiu o conselho. Para surpresa de todos, a filha Teresa
também sobreviveu ao parto – nasceu saudável e sem sequelas. A mãe,
no entanto, tomou uma decisão pouco ortodoxa para a época: laqueou as
trompas. Era católica devota, dava catequese, pertencia às Conferências de
São Vicente de Paulo e fora pioneira nos famosos Cursos de Cristandade,
que tanto sucesso faziam entre os casais de Luanda. Mas percebeu que,
se continuasse a engravidar, não veria crescer a descendência. O marido
ficou em choque: acusou-a de não ser uma verdadeira mulher de Igreja.
Ela manteve-se firme. Durante o dia, a casa dos Dornellas mais parecia
um jardim de infância. No início da década de 60, só havia duas escolas
para crianças até aos sete anos e ambas eram privadas. 15 Por opção, Maria
nunca teve criadas negras para tomar conta dos miúdos: «Era arriscado,
por causa dos maridos e dos filhos. Exigia que se estivesse alerta [e, para
evitar dissabores], empregadas, só externas.» 16 Assim, essa tarefa ficava
para as mães de família. Como Maria da Conceição tinha paciência e
gostava de trabalhos manuais, era ela quem cuidava dos filhos de vizinhos
e amigos, como os Múrias, os Ricou e os Mercês de Mello, entre outros.
Faziam pinturas, construíam karts na garagem e, duas vezes por semana,
havia catequese para os mais novos e os criados que se inscrevessem.
Uma freira Corpus Christi trazia os catecismos da Missão de São Paulo.
Só Tareca, a mais pequena, frequentou um dos jardins de infância que
entretanto abriram na cidade. Os outros cresceram na vivenda do Bairro
do Café.


À tarde, um dos criados ia buscar 50 pães para o lanche, que as
crianças comiam com marmelada, queijo ou doce, conforme os dias. A
acompanhar, um copo de leite Nido, comprado em latas de cinco libras
(perto de dois quilos). Num mês, gastavam-se cinco. Sempre que podiam,
os rapazes iam para a rua jogar futebol com bolas de trapos ou de cabedal
compradas na Ofir, a melhor loja de desporto de Luanda. As meninas
entretinham-se com bonecas vindas dos armazéns Quintas & Irmãos ou
enviadas da Metrópole por familiares. Ao fim-de-semana, rumavam juntos
à Ilha ou ao Mussulo para dias infindáveis junto ao mar.
Aos sete anos, entravam para a Escola Primária e começavam
a aprendizagem oficial dos valores da Metrópole. Por deliberação do
Ministério do Ultramar, «em todo o território nacional, [havia] uma unidade
educativa, sobretudo no ensino primário, (…) [destinado a] todos os
portugueses, na idade mais receptiva». 17 Em Luanda, como em Lisboa, os
alunos eram instruídos no respeito a Salazar e à trindade sagrada do Estado
Novo — Deus, Pátria e Família —, enquanto os obrigavam a recitar de cor os
nomes de todos os rios e linhas de caminhos-de-ferro do Império Colonial.
E assim, a 5700 quilómetros de distância, milhares de crianças nasciam,
cresciam e aprendiam a ser portuguesas numa moderna e tentadora
cidade tropical, onde a terra era vermelha, o Inverno se chamava cacimbo
e a baía enfeitiçava os viajantes.

Quando não
havia jardins
de infância, as
crianças só
entravam para
a escola aos
sete anos.


$VJUDQGHVFKHLDV
GH 1963

Em 1963,
as cheias
deixaram a
cidade virada
do avesso.
As barrocas
junto ao
Colégio São
José de Cluny
desabaram.


As nuvens ameaçaram chuva durante
toda a tarde. Ao anoitecer, as últimas águas de
Março provocaram o caos em Luanda. A tempestade
que se abateu sobre a cidade na madrugada de 30
para 31 destruiu ruas, fez ruir barrocas, arrancou
o asfalto e abriu crateras por todo o lado. A Baixa ficou
intransitável, com algumas das principais lojas invadidas pela lama. Perto
das cinco da manhã, quando o dia nasceu, o balanço era pesado: «Mais de
200 automóveis e camiões danificados, perto de 50 irremediavelmente.
Em dois quarteirões de casas comerciais, cerca de 5000 contos de
prejuízos, não cobertos pelo seguro.»18
Havia estragos por toda a cidade. Junto ao mercado do Quinaxixe,
um buraco de oitenta metros de comprimento e quinze de profundidade
engolira uma carrinha, e meia dúzia de outras viaturas, e deixara à vista as
fundações do edifício da Sonilux. Na Rua Paiva Couceiro, muitas famílias
foram obrigadas a fugir das caves onde viviam, para escapar à invasão da
água.19 Num acampamento de negros na Boavista, os Bombeiros Voluntários
impediram que a casa de um funcionário dos Caminhos-de-Ferro
fosse arrastada para o mar e que dois carros acabassem empurrados para
a baía. Já no número 258 da Rua Salvador Correia, na Baixa, tiveram de
retirar de casa um homem a quem «as águas tinham levado todo o seu
vestuário e mais haveres»20: quando o resgataram estava completamente
nu. No meio dessa confusão, as equipas de emergência conseguiram
salvar uma criança que já boiava dentro de um berço.
Os Bombeiros Voluntários e Municipais acudiram a «cerca de 200
apelos de socorro e auxílio (…). A partir das 23h30 de sábado e até às
16h30 de domingo, os Voluntários registaram mais de 50 chamadas.»
Entre a meia-noite e o princípio da manhã receberam duas centenas.
Tanto socorreram casas particulares, no Bairro de Alvalade, como evitaram
estragos em lojas e pensões da Avenida dos Restauradores de Angola,
e num prédio da Rua António Barroso, na Maianga. Limparam lama no
largo do Pelourinho e retiraram água das caves da Tipografia Minerva, dos
Armazéns do Minho e da Cervejaria Versailles, com a ajuda de uma bomba. 21
No fim da jornada, um bombeiro exausto resumia as
falhas na resposta à catástrofe, em declarações ao
jornal A Província de Angola: «Demasiado poucos,
demasiado tarde, material insuficiente.»


Invadida pelas areias pouco firmes das barrocas, a Baixa asseme-
lhava-se a uma paisagem lunar. Nos musseques próximos da Estrada de
Catete, o cenário tornara-se lacustre. «Vastos lençóis de água (que o Sol
vai secar rapidamente, a ponto de os reduzir a escassas lagoas) isolam as
rústicas construções do São Paulo, Sambizanga, do Lixeira», descrevia a
mesma reportagem. 22 Uma ou outra casa tinha tombado, mas os estragos
eram muito menores do que na Mutamba e nas ruas circundantes.
Dessa vez, a enxurrada não causou mortes, ainda que alguns
bombeiros tenham corrido risco de vida. Um deles, Augusto da Silva
Godinho, foi apanhado pela água na Travessa da Sé. «A violência da corrente
e o volume da água que o rodeavam eram tão grandes que, por vezes,
[ele] se sentia desfalecer e sufocar.» Valeu-lhe uma sarjeta na Avenida dos
Restauradores de Angola. «Ali, agarrou-se a um poste de sinalização e teve
forças para resistir ao ímpeto das águas até ser socorrido por pessoas que, à
falta de outro meio, fizeram um forte cabo com lençóis [para o puxarem.]»23
Pelas duas da madrugada, correu o rumor de que haveria uma
pessoa desaparecida na Rua Direita. Os bombeiros percorreram toda
a zona, contra a corrente das águas, e revistaram cada recanto sem
descobrirem vivalma. Falso alarme. Mais graves foram os incêndios que
deflagraram durante o dilúvio, um provocado por um curto-circuito nos
Serviços Municipalizados de Água e Electricidade, outro pelo contacto da
chuva com cal viva nos armazéns da Cunha & Irmãos. «O fogo debelou-se
mas no ataque (…) alguns [Bombeiros] Municipais sofreram intoxicação
de que foram tratados», noticiava A Província de Angola. A iluminação
pública esteve cortada e por pouco não aconteceu o mesmo aos telefones,
mas os serviços de emergência impediram, no limite, que a água afectasse
a maquinaria da Central Telefónica Automática.
Nos dias seguintes, Luanda limpou casas, lojas e ruas. Os departa-
mentos públicos fizeram os possíveis para retomar a normalidade numa
cidade virada do avesso. Os machimbombos, por exemplo, adaptaram os
percursos das carreiras às limitações impostas por um grande número de
estradas cortadas. Uma coisa era inegável: havia um enorme problema
de falta de saneamento, que se tornou ainda mais evidente depois da
tormenta de Abril.
Menos de um mês depois das primeiras cheias, na tarde de 26 de
Abril, uma nova enxurrada avolumou a destruição. Inúmeras condutas de
água ficaram partidas e muitos cabos de electricidade foram afectados,
comprometendo o abastecimento da cidade. Os SMAE cortaram a água
em diferentes áreas do centro, incluindo a Marginal, a Rua de Pereira
Forjaz, o Largo de Serpa Pinto e a Rua da Sociedade de Geografia.


A Baixa de Luanda
ÅKW]QV\ZIV[Q\n^MTM
^nZQI[TWRI[[WNZMZIU
XZMR]ybW[LM^QLWo[
inundações.

Às 15h00 foi suspenso o caudal no Largo dos Lusíadas e desde a Rua António Enes até à
CUCA, afectando os bairros próximos da Estrada de Catete. 24 Parte da Vila Alice passou
horas sem luz, por causa de uma inundação numa cabine de distribuição.
Mal refeitos da catástrofe do fim de Março, os solos instáveis de Luanda cederam e
fizeram desmoronar parte das barrocas vermelhas que contornavam a cidade. Uma das
imagens mais impressionantes era a do Colégio São José de Cluny, em equilíbrio precário
no topo de um monte esventrado. Por motivos de segurança, freiras e alunas da instituição
foram levadas para local seguro.
Na Baixa, muitas lojas da Rua Salvador Correia sofreram prejuízos elevados. «Os
manos Quintas [do Quintas&Irmão] viram o seu estabelecimento arrombado, invadido e
roubado pela água e pela lama que encheu a loja até à altura do peito de um homem. Fazia
estranha e dolorosa impressão aquela enorme sala, habituada ao pisar de mulheres bonitas,
virada de pernas para o ar, escaparates partidos, mercadorias espalhadas». Os danos foram
estimados em 3 mil contos. Em frente, a sapataria Modelo perdeu quase toda a mercadoria.
As urgências hospitalares encheram-se de feridos, mas, ao contrário do que
acontecera semanas antes, morreram pelo menos duas crianças: um bebé que se perdeu
da mãe no meio da torrente de lama e um miúdo cujo corpo apareceu na Praia do Bispo.
No fim da catástrofe, Luanda não parecia a mesma. A cidade
demorou meses a recuperar, mas foi assim obrigada a tomar
medidas para melhorar o saneamento — não podia continuar
tão mal preparada para as intempéries impostas pela natureza.


$EUDPDVMDQHODV
YHPDtD©7,)$ª
Primeiro ouvia-se a algazarra dos miúdos. Mal soavam ao fundo os
primeiros gritos a anunciar «Carro do fumo! Carro do fumo!», um bando de
crianças saía à rua em êxtase, à procura de um dos maiores divertimentos
que as ruas de Luanda proporcionavam aos mais novos, no rescaldo das
chuvas. Vinha
lá a «tifa» e ninguém queria perder
a alegria de correr atrás de uma carrinha de
caixa aberta que, do centro à periferia da cidade,
aspergia uma gorda e apetitosa nuvem de DDT
para matar mosquitos.
Manuel S. Fonseca era um entusiasta desse fenómeno, como
descreveu no blogue escreveretriste.com. «Em Luanda, para epifânica
alegria do meu tão pequenino eu, exterminava-se a mosquitada com
DDT, (…) o napalm dos insectos, o cheiro a vitória das manhãs da minha
infância.» O insecticida «entrava pelos dias de sol incandescente, sem
Valquírias imperiais nos altifalantes. 25 Um carro só, com bizarro depósito
atrás, anunciado pelos gritos das sentinelas do bairro». 26


As propriedades do DDT no combate a insectos causadores de
doenças como as febres amarela, tifóide e chicungunha (também
conhecida em Angola como catolotolo) valeram o Prémio Nobel da
Medicina a Paul Hermann Müller, em 1948. E desde essa época o pesticida
foi amplamente utilizado em zonas endémicas dos mosquitos que eram
vectores das patologias.
Sem informação sobre os efeitos nocivos desta substância para o
organismo, as donas de casa apressavam-se a abrir janelas e portas, para
o pesticida exterminar inimigos voadores que ousassem esconder-se no
conforto dos seus lares. Outras, mais desconfiadas, fechavam tudo. Os
miúdos nem sequer pensavam nos perigos. Para eles era apenas um motivo
de alegria: «O Dicloro-Difenil-Tricloretano entrava pelos poros, narinas,
robustos pulmões enquanto (…) não sei quantas espécies de insectos
voadores [ou] rastejantes tombavam em remissão. Morriam. Massacre.»27


Os efeitos nocivos do DDT para a saúde humana só começaram a ser
amplamente conhecidos e divulgados ao longo da década de 60. Afinal,
o poderoso aniquilador de mosquitos contaminava o leite das mulheres
que amamentavam e, ao que tudo indicava, podia provocar diversos
tipos de cancro. 28 O debate entre a comunidade científica internacional
até à determinação dos verdadeiros efeitos do insecticida foi aceso, mas
isso não impediu que se procurasse uma alternativa para cidades como
Luanda, onde o mau saneamento e as poças insalubres funcionavam como
autênticos viveiros de pestes. O problema agravava-se nos musseques,
onde tudo estava assente sobre solos arenosos, incapazes de absorver a
água das chuvas, e as fossas mal construídas contaminavam os terrenos.
Mesmo enquanto não se encontrou uma alternativa ao DDT, a «tifa»
nunca deixou de aparecer. Segundo Carlos Alves-Pires, entomologista
e investigador do Instituto de Higiene e Medicina Tropical, em Lisboa, a
simples visão do carro do fumo tinha um importante efeito psicológico
«Os jornais faziam muita pressão
sobre as populações.
contra a existência de mosquitos. Quando isso
acontecia, mandava-se a «tifa» dar uma volta e
os ânimos serenavam.» 29 Em casa, as famílias protegiam-
-se das pragas com frascos de Shelltox, 65 e Flit , e afastavam o medo da
malária com comprimidos de quinino e copos de gin tónico.
Certo é que em 1971, quando as autoridades de saúde de Luanda
tiveram de controlar um surto de febre amarela, já não recorreram ao
DDT. «Na luta química, (…) houve a preocupação de escolher um pesticida
que oferecesse uma toxicidade elevada em relação ao insecto a combater
e, simultaneamente, inocuidade ao homem e animais. Além disso, tinha
de ser de fácil e rápida aplicação. (…) Decidiu-se escolher o Malathion
ULV.»30 O pesticida foi preparado e aplicado pela AGRAN — Agroquímica
de Angola, através de meios aéreos, e os efeitos foram satisfatórios. Mas
nem isso matou a velha «tifa», que continuou em acção durante décadas,
espalhando alegria pelos miúdos enquanto chacinava sem piedade
miríades de insectos.


O 65, o Shelltox e o Flit eram os três insecticidas
mais populares em Luanda.


Como é que se dizia?
Para quem vivia na Metrópole, completar estas palavras cruzadas pode ser maka 31. Mas para
quem foi candengue32 em Angola, pode ser mais fácil recordar os termos que se usavam
entre avilos 33 e desconhecidos, no tempo em que a língua portuguesa se deixou conquistar
pelo quimbundo e o ovimbundo dos indígenas.

Verticais
1 - Carro que aspergia DDT para matar insectos;
2 - Cerveja;
3 - Piri-piri, malagueta;
4 - .ZQOWZyÅKW#
5 - ,WKMNMQ\WKWUIUMVLWQUItƒKIZKIZIUMTQbILWMnO]I#
7 - Coração, em quimbundo;
8 - 8MV[WZnXQLW#
11 - Pulga do pé, o mesmo que bitacaia;
12 - Palhota;
15 - Bairro dos subúrbios;
16 - Autocarro;
19 - Povoação, aldeia, aglomerado de casas;
22 - Tempestade no mar;
25 - Muito

Horizontais
2 - O mais velho;
3 - Amendoim;
6 - Natural de Luanda;
7 - Problema delicado;
9 - Espírito, alma do outro mundo, fantasma;
10 - Estação mais fria;
13 - Cannabis, marijuana;
14 - Pequeno-almoço;
16 - Bivalve;
17 - Vendedora ambulante;
18 -8I[\QTPIMTn[\QKI#
20 - Corruptela para ténis de lona;
21 - Cone de açúcar caramelizado;
23 - Gelado;
24 - Óleo vegetal, boato, zunzum;
26 - Grande copo de cerveja, espingarda;



Soluções:
Verticais — 1. Tifa; 2. Cuca; 3. Jindungo; 4. Geleira; 5. Paracuca; 7. Muxima; 8. Curita; 11. Matacanha; 12. Cubata;
15. Musseque; 16. Machimbombo; 19. Quimbo; 22. Calema; 25. Bué.
Horizontais — 2. Cota; 3. Jinguba; 6. Caluanda; 7. Maka; 9. Cazumbi; 10. Cacimbo; 13. Liamba; 14. Matabicho;
16. Mabanga; 17. Quitandeira; 18. Chuínga; 20. Quedes; 21. Pirulito; 23. Baleizão; 24. Mujimbo; 26. Canhangulo.
26
25 24
23
22
21 20
19
18
17
16 15
14 13
12
11 10
9 8
7
6
5
4 3 2 1

Vida escolar


/LFHX6DOYDGRU&RUUHLD
2HGLItFLR Os professores
Havia os temidos e mais
Em 1933, quando a Junta das Construções KIZQ[Un\QKW[W[UMQOW[W[KW-
para o Ensino Técnico e Secundário recebeu léricos e os consensuais, mas
todos faziam parte da iden-
em Lisboa o esboço inicial do novo edifício do tidade do Salvador Correia
Salvador Correia, a reacção foi de desânimo. e muitos tinham alcunhas.
Telo de Azevedo Gomes, co-
O projecto parecia-lhes pouco ambicioso. Desde nhecido por Tau ou Catatau,
que fora criado, vinte e quatro anos antes, por fazia tremer os alunos pela
influência de Monsenhor Alves da Cunha, o primeiro facilidade com que «dizimava
as turmas atribuindo notas
liceu oficial de Angola funcionava num palacete
abaixo de 4 valores, o que
da Avenida Álvaro Ferreira, mas agora que uma implicava a imediata repro-
portaria do governador-geral de Angola, Filomeno vação e abandono do liceu».5
Melo Cabral, dera instruções para a criação de 2n5IZQI8QMLILM*ZIOIIPe-
riquita , podia ser cordial com
um liceu central em Luanda, à semelhança dos da os estudantes de quem gos-
Metrópole1 , exigia-se uma imponência inexistente tava. O problema era quando
no desenho do arquitecto Sá Mendes. W][I^IU LM[IÅn̉TI" Iy PI^QI
A empreitada passou então para as mãos problemas na certa. No outro
extremo estavam José Vinha
de António Costa e Silva, um homem com provas Novais, o talentoso professor
dadas na área. O novo arquitecto não fez por Y]M \WZVI^I I 5I\MUn\QKI
menos: desenhou um Liceu com capacidade apetecível, e Maria Teresa
Velhinho Monteiro Torres,
para 560 estudantes, distribuídos por 16 turmas
recordada pelo ex-aluno Euri-
de 35 alunos. Ana Vaz Milheiro, arquitecta e co Neto como «uma das mais
professora universitária, especializada na área do queridas do Liceu».


urbanismo colonial, nota que «o Salvador Correia Os recreios
passou a ser um dos mais importantes edifícios No tempo de Estrela Coimbra,
públicos da cidade, com uma aparência que o ZIXIbM[ M ZIXIZQOI[ ÅKI^IU
ligava à arquitectura nacional, apesar de incluir [MXIZILW[ VW[ ZMKZMQW[" MTM[
características específicas para se adaptar à Kn MU JIQ`W MTI[ VI XIZ-
te superior dos claustros, a
realidade de Angola». 2 ILUQZn̉TW[ )XM[IZ LM MV\ZI-
Alguns pormenores fizeram toda a diferença, rem juntos para as salas de
como explica o arquitecto José de Melo Carvalheira I]TI[ o[ [M\M M UMQI LI UI-
no livro Viva a Malta do Liceu! . «[Foi] criado um nhã, nos intervalos não havia
misturas. A separação só vigo-
sistema absolutamente original (…) incluindo rava dentro dos muros do Liceu
soluções especiais usadas em regiões quentes, — mais tarde seria revogada.
designadamente no Alentejo». 3 A planta girava à «À saída [por volta do meio-dia
MUMQIEMTM[M[\I^IUKnNWZIo
volta de dois claustros «que funcionariam como espera junto ao portão, ao pé
recreios cobertos, e o centro ajardinado como dos vendedores ambulantes
gerador de um ambiente fresco».4 As salas, grandes de pirulitos, baleizões e para-
e com pés-direitos elevados, eram protegidas do cuca.»6
O Liceu era tão espaçoso
exterior por paredes de oitenta centímetros de que havia sempre o que fa-
espessura. Havia janelas dos dois lados, ainda que bMZ" ]V[ ÅKI^IU o KWV^MZ[I
grande parte dos vidros estivesse tapada por tijolos na escadaria ou nas rampas
de cerâmica recortados para a passagem do ar. LM IKM[[W o XIZ\M KMV\ZIT LW
edifício, outros praticavam
O edifício ficou pronto em 1942, com tudo desporto nos campos espalha-
o que mandava a regra: sala de conferências e dos pelo recinto, outros ainda
cerimónias, salão de festas, biblioteca, campos de espreitavam o tanque onde vi-
viam dois jacarés.7
jogos e um enorme ginásio por onde passariam
grandes atletas da Província.

O Liceu Salvador
Correia era o maior
MUIQ[MUJTMUn\QKW
da cidade.


/LFHX'*XLRPDUGH/HQFDVWUH
Quem frequentava este Liceu no início de 1973 dificilmente terá esquecido
a manhã de 24 de Janeiro, o dia em que o Concorde passou por Luanda.
Centenas de miúdas mantiveram-se no recreio, de olhos no céu, para ver o
avião supersónico que mais parecia «o resultado inesperado do cruzamento
de uma cegonha com uma jamanta. Pernas altas e focinho comprido, caído
e tristonho (quando em terra), as grandes asas encolhidas» 8. No Aeroporto
Craveiro Lopes vivia-se o mesmo entusiasmo. Centenas de luandenses
espalmados uns contra os outros «fizeram muitos ahs! e ohs! de espanto
e ficaram a vê-lo aninhar-se no fundo da pista, onde ficou com um cordel
à volta».9
O regulamento obrigava as alunas do liceu feminino a usar bata
branca larga por baixo do joelho, com as iniciais LGL bordadas no peito. Em
Luanda, dizia-se que as três letras — cosidas do lado esquerdo com linhas
de cor diferente, consoante o ano de entrada na escola — queriam dizer
Lindas Gatas do Liceu.

(VFROD&RPHUFLDO9LFHQWH)HUUHLUD
Não havia em Luanda melhor sítio para aprender tudo sobre negócios, e o Curso Geral do
Comércio da Vicente Ferreira tinha fama. O currículo preparava rapazes e raparigas para
uma vida à frente de um loja ou de uma empresa, com disciplinas como Teoria de Vendas
e Publicidade, Mercadorias e até Caligrafia. Os estudantes mais virados para os números
podiam optar pelo Curso Complementar de Contabilidade e Administração; e as raparigas
vocacionadas para a vida da casa frequentavam a Formação Feminina, que lhes ensinava
Culinária e Economia Doméstica, entre outras matérias.


(VFROD,QGXVWULDO
Toda a gente sabia que o Liceu Salvador Correia tinha um
rival: a Escola Industrial de Luanda. A picardia estava sempre latente, mas
era no desporto que mais se notava e, por isso, no fim dos jogos de futebol não havia como
evitar a confusão. De tal maneira que se marcavam «cubangas», desafios de pancadaria
com hora e local pré-combinados. De entre as muitas lutas que presenciou, Eurico Neto
recorda uma em especial, que começou perto do Estádio dos Coqueiros e acabou no bairro
da Samba. «Cada lado tinha um especialista: o Rau era o do Liceu, o Simaria o da Escola
Industrial.» O combate podia até ser aceso, mas não costumava deixar mais do que umas
nódoas negras e uns arranhões.

&ROpJLR6mR-RVpGH&OXQ\
No São José de Cluny, o dia começava às sete e meia da manhã, com missa obrigatória na
capela do colégio. Não havia escolha, nem para as alunas internas, nem para as externas;
mesmo assim, Geninha Cid fazia o que podia para escapar. Aprendeu à sua custa que «as
madres não eram para brincadeiras.»10 Na época, convencionara-se que receber uma
educação de excelência implicava um certo grau de austeridade, e no colégio das madres
seguia-se esse princípio.
No fim da eucaristia, as miúdas iam para as salas de aulas, de bata branca imaculada.
Aprendiam na primeira classe a levantar-se quando as professoras entravam e assim faziam
até ao quinto e último ano. Os únicos homens no colégio eram os padres. De resto, só havia
mulheres. A madre Paula do Espírito Santo, conhecida por madre Paula Grande, impunha
tanto respeito nas aulas de Matemática como a irmã Mérodil nas de Francês. Já a madre
Paula Pequena ensinava lavores com mais doçura. A autoridade máxima do colégio esteve,
durante anos, nas mãos da madre Ana Maria, a directora.


O curso Médico-Cirúrgico
dos Estudos Gerais e
=VQ^MZ[Q\nZQW[LM)VOWTI
formou os primeiros
clínicos da Província.

(VWXGRV*HUDLV8QLYHUVLWiULRVGH$QJROD
Pouco depois de chegar a Angola como governador, Venâncio
Deslandes percebeu que «o número insuficiente de quadros e
técnicos de nível universitário constituía o maior obstáculo ao
desenvolvimento de Angola».11 Procurou sensibilizar Lisboa para a causa, mas
a Metrópole pediu-lhe cautela: nada devia questionar a unidade do Império. O ensino
superior devia avançar, sim, mas ao mesmo tempo que em Moçambique e sempre com a
supervisão da academia metropolitana. O processo tardava. Sem decisão à vista, Deslandes
decidiu agir e anunciou a intenção de abrir Centros de Estudos Universitários, apoiados nas
instituições de investigação científica existentes na Província. Em Abril de 1962, o Conselho
Legislativo de Angola aprovou o diploma que permitia materializar os seus intentos.
Pequeno problema: «a Junta Nacional de Educação (…) considerou [a medida]
inconstitucional».12 Apesar dos protestos que surgiram em Luanda, o Ministério do Ultramar
anulou a legislação e Adriano Moreira, então ministro do Ultramar, assumiu o comando
da situação. Em Julho, já depois de reunir o apoio da Academia da Metrópole, anunciou
então a criação dos Estudos Gerais Universitários de Angola (EGUA) e Moçambique, que
funcionariam como sucursais das instituições da Metrópole. Um mês depois, no Decreto-Lei
n.º 44 530, o ministro salientou que a Universidade era «só uma, intimamente ligada (…)
à ideia da unidade nacional».13
O braço-de-ferro estava resolvido, mas provocaria duas baixas: Deslandes foi afastado
e Adriano Moreira teve de deixar o Executivo. Os EGUA, pelo contrário, seguiram em frente
e abriram dez cursos em 1963: Ciências Pedagógicas, Médico-Cirúrgico, Engenharia Civil,
de Minas, Mecânica, Electrotécnica, Químico-Industrial; Agronomia, Silvicultura e Medicina
Veterinária. De início, existia apenas o pólo universitário de Luanda. Em 1965, os últimos
três foram transferidos para Nova Lisboa. Um ano depois, Sá da Bandeira recebeu a área de
Ciências Pedagógicas.


Os primeiros alunos

José Sousa Santos até podia


ter vindo estudar para a
5M\Z~XWTM"W[XIQ[^Q^QIU
JMUMPI^QINWTOIÅVIVKMQZI
para o manter em Lisboa Debaixo de olho
durante a licenciatura. Por
opção, foi um dos pioneiros Tudo o que acontecia nos EGUA
dos EGUA e esteve entre os chegava aos ouvidos da PIDE,
que ouviram a sineta tocar
o[[M\MMUMQILIUIVPr mesmo os episódios mais inócuos.
de 24 de Outubro de 1963, Um dia, nas vésperas do início da campanha
o dia em que a instituição para a eleição da Associação de Estudantes,
começou a funcionar num José Sousa Santos reuniu-se com os amigos
edifício da Marginal de Natércia Rego Cabral e Ricardo Ferreira, para
Luanda. Inscreveu-se em criarem o símbolo da lista a que pertenciam.
Engenharia de Minas, o curso Os três defendiam que o órgão representante
Y]MUIQ[KWV^QVPIoNIUyTQI LW[M[\]LIV\M[LM^QIILIX\IZ̉[MoZMITQLILM
XZWXZQM\nZQILI+WUXIVPQI angolana. A facção oposta lutava por uma
Mineira do Lobito. I[[WKQItrW QV\QUIUMV\M TQOILI o[ []I[
Nesse dia, o reitor congéneres na Metrópole.
Como desenhava bem, Ricardo encar-
André Navarro era regou-se do logótipo. Natércia dedicou-se a
um homem «feliz e pintar, sem saber que a escolha das cores —
emocionado»14, por ^MZUMTPWIUIZMTWMXZM\W¸PI^QILMTM^n̉TW[
ver 286 rapazes e o [MLM LI 81,- VW *MKW LW *ITrW UMVW[ LM
uma hora depois.
raparigas iniciarem Nunca descobriram quem os denunciou,
os respectivos mas a verdade é que foram surpreendidos por
estudos superiores. agentes da polícia política, que os levaram
Cento e doze inscreveram-se para interrogatório numa «nívea», nome pelo
em Ciências Pedagógicas, qual eram conhecidas as carrinhas azuis das
noventa e sete em diferentes forças de segurança. À chegada, as perguntas
ramos de Engenharia (Civil, VrW[MÅbMZIUM[XMZIZ
Electrotécnica, Minas e ®0n ]UI ZW[ỈLW[̉^MV\W[ LM KWZM[
Químico-Industrial), quarenta Porque é que escolheram aquelas três?», quis
e cinco em Medicina, dezoito saber o agente.
em Agronomia e Silvicultura e 6I\uZKQI ÅKW] [MU ZM[XW[\I 6MU MTI
KI\WZbMMU>M\MZQVnZQI15 Para nem José Sousa Santos souberam o que
dar credibilidade aos EGUA, a dizer. Desconheciam, até esse momento, que
reitoria contratou professores aquelas eram as cores da bandeira do MPLA.
o[UMTPWZM[]VQ^MZ[QLILM[ Atrapalhados, mantiveram-se em silêncio,
LI5M\Z~XWTMMKMZ\QÅKW]̉[M até que José pediu para ligar ao pai, a avisar
de que seria imposto pelos que ali estava. A família de José tinha boas
docentes um elevado nível relações com São José Lopes, o director da
de exigência — uma meta que PIDE em Angola. E só por isso o episódio
continuou a ser cumprida por ÅKW] XWZ ITQ )[[QU ®\ZI\IZIUC̉VW[E IJIQ`W
Ivo Soares, quando substituiu LM KrW UI[ VrW CTPM[E ÅbMZIU UIT¯16 Caso
Navarro na reitoria. KWV\ZnZQWXWLQI\MZ[QLWU]Q\WLQNMZMV\M


2VQ~PHURVGR
Ensino em Angola
(VFRODVSULPiULDV
1960 —  > 244 oficiais, 369 particulares
1965 —> 2023 públicas, 538 privadas
1970 —> 3754 oficiais, 457 particulares

/LFHXV
1960 —> 5 públicos, 32 privados
1965 —> 9 oficiais, 43 particulares
1970 —> 13 públicos, 48 privados

Sala de aula 1966


7.º ano

Alunos
matriculados
1960/61 > 117 408
1964/65 > 227 440
1969/70 > 452 815
(VFRODVWpFQLFRSURILVVLRQDLV
Professores 1960 —> 10 oficiais, 5 particulares
1960/61 > 4043
1964/65 > 6014 1965 —> 28 públicas, 4 privadas
1969/70 > 13 014 1970 —> 40 oficiais, 1 particular


%LEOLRWHFDV
Interior da Biblioteca
do Liceu Salvador Correia


7 bibliotecas em Luanda
38 702 livros existentes
6879 volumes consultados
5345 leitores inscritos


44 em Luanda
195 707 livros existentes
50 334 volumes consultados
28 934 leitores inscritos
Fontes")V]nZQW-[\I\y[\QKWLM)VOWTI, 1960, 1965, 1970. 

Às compras

Interior da livraria Lello



Mercados

4XLQD[L[H
Todas as manhãs, Maria do Carmo Gonçalves saía de casa às 5h00 para
abrir a banca de hortaliças que ocupava no primeiro piso do mercado,
concebido pelo arquitecto Vasco Vieira da Costa. Os legumes que vendia
no corredor sul, longe da ala dos peixes e mariscos, vinham das hortas
do Quifangondo, a 30 quilómetros, eram fresquíssimos e destinavam-
-se a uma clientela assídua e exigente. «Antes das 9h00, quando as
portas abriam ao público, já ela tinha vendido quase tudo para pensões e
hotéis.»1 No Quinaxixe, ao contrário do que acontecia noutros mercados,
os comerciantes eram quase todos brancos, e havia uma óptima relação
preço-qualidade. Emília Campos, que viveu em Luanda durante os anos 60
e 70, nunca se esqueceu do valor dos produtos do mar: «Uma bruta lagosta
custava quinze escudos, o camarão vendia-se a cinco escudos o quilo e as
gambas a sete e quinhentos.»2 Quem tivesse dinheiro saía bem servido.


6mR3DXOR
Todas as semanas, quando precisava de ir às compras, Maria Dornellas pegava numa alcofa
e ia ao mesmo sítio: o mercado indígena de São Paulo. Apesar de ser uma das únicas
brancas que lá apareciam, nunca se sentiu constrangida ao percorrer aquela feira de frutas
e legumes, expostos em cima de esteiras estendidas no chão. Havia quase tudo, incluindo
feijão medido em canecas grandes ou pequenas de cerveja Cuca. Só faltava o peixe fresco,
que Maria comprava às quitandeiras que apareciam à porta de casa. O que sobrava no São
Paulo era peixe seco, muito popular entre os negros. Os brancos só compravam para servir
com funge aos criados da família. Além da comida, o mercado tinha outro encanto: uma
simpática oferta de bom artesanato local a preços apetecíveis. 3

4XLWDQGHLUDV
Toda a gente estava habituada a ver mulheres negras
calcorrear a cidade com grandes cestas de peixe e marisco
fresco acabados de apanhar para vender porta a porta.
Por pouco dinheiro, comprava-se camarão, lagostas,
garoupas, linguados pequenos e chocos ainda vivos.
Fazia-se quase sempre negócio e 4

não se usavam balanças: a medida


era, sempre que possível, uma lata
de Cuca ou de Coca-Cola.

/HLWH1LGR
Como a produção de leite fresco em Luanda era reduzida, a
maioria da população contornava a escassez consumindo
leite em pó. Entre os preferidos estava o Nido, da Nestlé,
representada em Angola por Norberto Neves e Sousa,
irmão do pintor Albano Neves e Sousa.


&LJDUURV
Com ou sem filtro, avulso ou em maços de vinte, escuro, semi-claro ou
claro. AC, Swing , Negritos, Baía, Belmar, 365 , MC, Jucas, Francesinhos
— a escolha era grande. Em 1960, Angola produziu 859 toneladas de
tabaco para exportação, que renderam 9394 contos, 5 um valor que
disparou para 6844 toneladas, vendidas por 233 473 contos, em 1973.6
De fora ficava ainda uma quantidade considerável, para transformar
em cigarros de marcas que davam para todos os gostos. Uns optavam
pelos velhinhos Hermínios, outros pelos estilosos Swing , outros ainda
pelos famosos Caricocos, que muitos conheciam por «Agapitos», pois
eram os preferidos do governador Agapito Silva Carvalho. Consumidor
fiel, comprava sempre as mesmas latas de trezentas unidades,
embora também estivessem à venda em pacotes de seis, por cinco
tostões. Fumava-se tanto que o mercado se tornou competitivo. Para
o conquistar, a Empresa de Tabacos de Angola e a Fábrica de Tabacos
Ultramarinos apostavam numa publicidade que vendia o vício como
algo que dava estatuto, com slogans como: «Capri, o cigarro moderno»,
«Luanda, suave e distinto» ou « SL , companhia para o seu tempo».

4XLQWDV ,UPmR
Joaquim, Júlio, António e Armando: assim se chamavam os quatro irmãos
Quintas, proprietários de uma das lojas de maior prestígio da Baixa de
Luanda. Situada na Rua Salvador Correia, em frente aos concorrentes A.
Santos Pinto, e perto da Lusolanda e da Casa Paris, só vendia produtos de
qualidade, fossem electrodomésticos Philco, porcelanas finas ou cristais
Atlantis. Quase tudo era importado. Uma das duas grandes montras de
vidro do rés-do-chão estava habitualmente ocupada por canetas Parker
(a marca era representada por esta empresa familiar). A outra expunha
tudo o resto, desde lingerie a lençóis, tecidos e fatos de alpaca para
homens. Ao todo, o Quintas ocupava quatro pisos — três para armazéns
e escritórios, um de venda ao público — e dava emprego a dezenas de
funcionários.7 No Natal, uma enorme selecção de brinquedos invadia
o primeiro piso e fazia as delícias dos miúdos da cidade: as bonecas
italianas encantavam as meninas, os carrinhos Dinky Toys tentavam os
rapazes e acabavam muitas vezes nos bolsos dos mais atrevidos, sem
que os pais dessem por isso.


/RWDULDV
Cada vez que saía em Luanda um dos três primeiros prémios da lotaria,
o balcão que vendera a cautela vencedora lançava foguetes. 8 Umas
vezes a festa fazia-se na Casa da Sorte, outras na Casa Campião.
As lotarias eram tão importantes que, em 1970,
o comendador Nogueira da Silva, proprietário da
Casa da Sorte, viajou de Braga de propósito para
assistir à inauguração da nova delegação de Luanda.
Na cerimónia, o bispo-auxiliar da diocese, D. Eduardo André Muaca,
benzeu o edifício e dirigiu-se a quem estava: «Vou invocar o nome de
Deus para que esta casa seja santificada, vivificada e abençoada. (…)
Para o descrente, não tem sentido, para o primitivo é um acto mágico,
para o cristão, uma profissão de fé.» Valia tudo para chamar bons
augúrios.
A maioria dos jogadores procurava apenas um mero golpe de
sorte. Mas havia um pequeno grupo que não ficava à espera do destino
para ganhar dinheiro. Os agiotas, de que Miguel Anacoreta Correia tem
memória, pagavam mais 10% 9 do que o valor atribuído aos bilhetes
premiados, só para poderem ultrapassar o limite de divisas que a lei
permitia levar para fora de Angola. «Havia quem andasse atrás destas
cautelas para conseguir colocar mais dinheiro na Metrópole. Em vez de
trocarem o bilhete em escudos angolanos em Luanda, levavam-no para
Lisboa e trocavam-nos por moeda portuguesa nos balcões da Casa da
Sorte ou da Casa Campião da capital.» 10


/HOORD/LYUDULD
PDLVLPSRUWDQWHGDFLGDGH
Para Raul Lello, a livraria era um sacerdócio. O proprietário de uma das lojas mais concorridas
de Luanda acordava todos os dias ao nascer do sol, passava vistoria aos mais de trezentos
pés de rosas do jardim, apanhava as flores secas e limpava a terra. No fim, «matabichava».
Às 7h30 saía de casa e chegava à livraria antes da abertura das portas, às 8h00.
Até ao meio-dia, passava o tempo entre a loja, no rés-do-chão, e os escritórios, no primeiro
piso. Havia sempre coisas para fazer. É certo que o pico do movimento coincidia com as
semanas que antecediam o princípio do ano lectivo, com enormes filas à entrada, mas os
empregados nunca tinham descanso. Por indicação da gerência, atendiam de pé, fardados
e exibiam um crachá com o nome. Elas usavam alternadamente vestidos azul-escuros
ou claros, eles calças, camisa e gravata. Se ousassem encostar-se a um dos balcões de
atendimento, logo aparecia Raul a dar-lhes um toque nas pernas, para voltarem à posição
correcta. Apesar de tudo, era mais brando do que o senhor Gomes, que tinha tanto de
dinâmico como de irascível.
Na Lello, os clientes só diziam o que queriam e os empregados
tratavam de tudo. Procuravam livros e enciclopédias nas estantes
de contraplacado, arrumadas junto às paredes, tiravam das vitrinas
canetas e tinteiros, máquinas e rolos fotográficos ou qualquer outro
artigo que lhes pedissem. O vasto catálogo da loja incluía postais, revistas vindas
da Metrópole com atraso, discos, lotarias, charutos, tabacaria fina, porta-moedas, produtos
Olivetti e Âmbar, tintas Lorilleux e até linhas Coats & Clarks, que atraíam o público feminino
a um estabelecimento mais pequeno, ali ao lado.
Como as portas da Lello estavam abertas em permanência e havia vidraças nas duas
fachadas da livraria, não valia a pena investir em aparelhos de ar condicionado no piso
térreo. Refrescava-se o ambiente com ventoinhas que rodopiavam sem parar, instaladas
no tecto. A meio da manhã, Raul saía para comer um rissol de lagosta na companhia da
filha Manuela11 e ao meio-dia ia almoçar a casa. À chegada, a mulher servia-lhe um copo de


whisky com gelo e um pires de camarão cozido. Ele Reviralho
saboreava o aperitivo, retirava-se para dormir a sesta
e só depois, já recomposto, aparecia para a refeição. Às seis da tarde, a
Às 15h00 estava de regresso à Lello e terminava o dia oposição ilustrada
às 19h00. Não ia logo para casa. Primeiro atravessava ao colonialismo
o largo, passava pelos candongueiros que trocavam reunia-se num
angolares por escudos, junto à grande mulembeira recanto da Lello,
que lá existia, e sentava-se na esplanada da Versailles para trocar livros
para uma cerveja com o «grupo do caraças», de que e ideias sobre um
também faziam parte os irmãos Boavida. futuro livre do jugo
A Lello cresceu, abriu uma delegação em Nova português.
Lisboa, e Raul tornou-se um homem rico, mas nem Por lá passaram Luandino
por isso deixou de viver da mesma forma simples. Vieira, Pepetela, Manuel
Manteve o sentido de humor e o hábito de fumar ta- Alegre e Ernesto Melo
baco francês de enrolar, com uma boquilha. Nunca Antunes12, atraídos pela
ÅO]ZIQVKWV\WZVn^MT
deixou as filhas levar da livraria o que queriam: tinham de Felisberto Lemos,
de comprar os livros. Não guiava grandes carros nem o competente livreiro
esbanjava em luxos. De resto, gostava pouco de gastar comunista que inundava
Luanda de obras proibidas.
dinheiro. Não exibia sinais exteriores que despertas-
sem a inveja alheia e tratava os negros com deferência.
Raul Lello ficou em Luanda depois da independência,
suportou os tempos de escassez e de guerra civil, mas
nunca foi alvo de ataques. Esperou anos até regressar
de vez a Portugal, com a garantia de que a livraria con-
tinuaria a funcionar. A liderança ficou entregue à filha
Leonor e ao marido, que se mudaram para Luanda de
propósito. O pai morreu no Porto. A filha nunca voltou.

A Lello era uma paragem


obrigatória para amantes de
livros, alunos em idade escolar e
defensores da independência.


3HUVRQDJHQVGDFLGDGH
lembra-se deles?
Algumas figuras ficaram para sempre associadas
ao imaginário de Luanda. Sabe quem eram estas pessoas?

Joana Maluca
Os miúdos gostavam de provocá-la. Espicaçavam-na, atiravam-
-lhe pedras e ela corria atrás deles com um pau, para lhes dar
a desforra. Deambulava muito suja pela Baixa e comia em casa
de quem, por caridade, lhe oferecia refeições. Por muito que
os benfeitores insistissem, nunca tomava banho. Dizem que o
odor corporal correspondia.

Marabunta
Altiva, loira e bem vestida, dava nas vistas ao volante do seu
Chevrolet Corvette pelas ruas de Luanda (teve um amarelo e
um vermelho). Todos a conheciam, mas poucos se relacionavam
com ela ou sabiam o seu verdadeiro nome. Cultivava o ar
reservado e distante, e escolhia bem os fazendeiros e grandes
empresários que recebia em casa ou em bons hotéis.

Joãozinho das Garotas


Para João Faria, havia uma trilogia sagrada: noitadas, mulheres
e dinheiro. E era à volta desse triângulo que giravam os seus
dias. Terá começado cedo a arranjar os seus esquemas, para
financiar um estilo de vida muito acima das possibilidades de um
estudante angolano na Metrópole. Mas foi como funcionário da
Fazenda Pública, em Luanda, que deu o golpe que o celebrizou.
Durante um tempo, pavoneou-se pela cidade em bons carros,
frequentou boîtes como a Tamar e rodeou-se de um enxame
de miúdas atraentes. Depois foi descoberto e acabou preso.
A sua história inspirou o filme O grande Kilapy, do realizador
angolano Zezé Gamboa.



Moda


Maria ArmandaDFRVWXUHLUDGDHOLWH
Ao sábado à tarde, a expectativa era grande
junto ao número 67 da Rua Salvador Correia.
Cá fora, as mulheres deambulavam de um lado para o outro,
a tentar espreitar o que se passava atrás das persianas,
sempre corridas para adensar o mistério. Lá dentro, a azáfama do
costume, com uma montra para preparar e um criativo que não descansava enquanto a
dona da loja não estivesse em lágrimas. A cena repetia-se todas as semanas na boutique
Mariarmanda, a loja da costureira mais cobiçada da cidade.
Os curiosos inventavam estratagemas rocambolescos para vislumbrar uma nesga
dos preparativos. Se fosse preciso, fingiam uma súbita e incontrolável necessidade de ir à
casa de banho, mas as funcionárias já conheciam as manhas dos mirones e sabiam como
mantê-los à distância. Já bastava a tensão que se vivia no interior.
Enquanto a decoração das montras esteve a cargo de Carlos Sampaio, Maria Armanda
Ferreira Simões não teve descanso. Reconhecia no cunhado um talento ímpar para aquela
tarefa, e à custa dele vencera vários concursos promovidos entre os comerciantes da Baixa.
O problema era suportar a indisciplina da personagem: Carlos preparava tudo de véspera,
aparecia às horas que queria, saía a meio para beber uma cerveja e só atinava no meio
do caos. Raramente ficava tudo pronto sem os dois se desentenderem. Às cinco da tarde,
quando os estores subiam e os novos modelos ficavam à vista, a tormenta dissipava-se.
A expressão de espanto dos populares compensava todo o esforço e os problemas ficavam
esquecidos até à semana seguinte.


7DOHQWRQDWXUDO
O prestígio da boutique demorou anos a construir. Só para algumas bolsas
Maria Armanda nasceu em Pombal, de um casal
com cinco filhos. Um dos irmãos morreu jovem, Maria Armanda
e, aos dezassete anos de idade, a miúda perdeu fazia vestidos de
também o pai. Por necessidade, passou a viver propósito para cada
em Coimbra, com um padrinho médico e uma tia. mudança de montra
Com ele aprendeu a prestar os cuidados básicos de e, por regra, não
enfermagem, mas aquilo que realmente a fascinava ÅKI^IVMVP]UXWZ
era o trabalho da costureira que lá ia a casa duas vender, apesar de o
vezes por semana. A paixão pelas agulhas já preço ser inacessível
vinha de trás: em miúda, ganhara dinheiro ao luandense comum.
a apanhar malhas das meias e revelara um )XMVI[]UIMTQ\M\QVPIpoder
LMKWUXZI[]ÅKQMV\MXIZI
jeito especial para talhar e coser. Uma vez, a se vestir ali. Um simples
tia ofereceu-lhe uma peça de tecido para o fato de menino oscilava com
enxoval. Ela cortou-o e fez dele um vestido. facilidade entre os 700 e os
1000 escudos. Já um vestido
No dia em que decidiu tentar a sorte em de casamento nunca saía por
Luanda, Maria Armanda inscreveu-se no curso menos de 12 contos.1
de corte, a pensar no futuro2 ; e aos dezoito anos, Entre as clientes da casa
KWV[\I^IUU]TPMZM[LM
recém-casada, partiu para África à procura de uma
governadores-gerais, de
vida melhor. «Chegou a Luanda sem um vintém. (…) administradores de bancos,
O vencimento do marido não era aquele com que de fazendeiros e de outros
contavam. Em consequência disso, empregou-se e, grandes empresários – que
só ali encontravam o nível
com o dinheiro que ganhou, comprou uma máquina de excelência exigido por
de costura.»3 Começou sozinha em casa e as alguém da sua posição social.
encomendas nunca mais pararam. De tal maneira
que se viu obrigada a investir noutra máquina a
prestações, para poder ter alguém a ajudá-la.
O negócio disparou: quando deu por isso,
tinha quarenta empregadas e uma boutique que
se tornou pequena para responder a tanta procura.
Precisou de ampliar o espaço e de escolher uma
localização adequada à sua clientela. Em 1957,
investiu trezentos contos para se instalar na
conhecida loja da Salvador Correia, valor que
correspondia a dez por cento daquilo que iria ter
dentro da loja, só em mercadoria, onze anos mais
tarde. Nessa altura já gastava 180 mil escudos por
mês em rendas, salários e despesas correntes.4


8PFDVDOGHVXFHVVR
O primeiro casamento de Maria Armanda durou pouco, mas dele resultou
um filho, Jorge. Como era católica, a costureira nunca se divorciou do
primeiro marido, embora tivesse construído uma nova família com David
Sampaio, o verdadeiro homem da sua vida e pai da sua filha Manuela.
Custou-lhe sempre que a Igreja não abençoasse aquele amor, de tal maneira
que deixou de ir à missa. No entanto, continuou devota da Rainha Santa
Isabel, cuja imagem guardava na mesa-de-cabeceira. Não se levantava
nem deitava sem rezar à Senhora que transformou o pão em rosas.
Ao acordar, Maria Armanda cumpria outro ritual: às seis da manhã,
fazia ginástica no quarto, um hábito que iniciou em Luanda mas que a
acompanhou até ao fim da vida. 5 Só depois tomava o pequeno-almoço em
família. Às 7h30 saía com o marido da vivenda da Rua Cabral Moncada e
menos de meia hora depois abria a porta da loja. David seguia para a Casa
Ofir, a mais importante loja de desporto da cidade. Os estabelecimentos
dos dois ficavam perto, e isso permitia-lhes uma proximidade ainda maior.
Em vez de limitar o talento da mulher, David ajudou-a a tornar o
negócio mais rentável. Jorge Santos Costa, o filho mais velho da costureira,
habituou-se a ver no padrasto o «esteio da organização comercial, alguém
que estava sempre presente quando era preciso fazer encomendas e
que estipulava o valor máximo a gastar na produção de um determinado
vestido. Tinham uma cumplicidade irrepreensível».6 Ele intervinha no
planeamento, ela tomava conta do resto.
Maria Armanda nunca abdicou do controlo da parte criativa da sua
marca. Mesmo quando já tinha a ajuda de Maria Manta, o seu braço direito,
continuou a desenhar grande parte dos vestidos e a fazer as provas às
clientes mais importantes. Por norma, não cosia, a menos que precisasse
de ensinar alguma coisa a uma funcionária em apuros. Só quem
experimentava roupa com ela a podia ver com a fita métrica, a almofada
de alfinetes e a tesoura na mão. Usava-as para moldar os modelos junto
ao corpo de cada mulher, e as senhoras sentiam-se lisonjeadas por aquela
dedicação exclusiva.
A filha, Manuela Sampaio, admirava a enorme capacidade de
persuasão da mãe. «Não tinha preconceitos em relação a cores ou a
tecidos. Escolhia em função daquilo que mais favorecia as clientes e
convencia-as a fazer o que ela queria.»7 Se fosse preciso, mostrava-lhes
exemplos numa das muitas revistas de alta-costura que importava a peso
de ouro. Mesmo as clientes mais difíceis acabavam por ceder.


$VPHOKRUHVSDVVDJHQV
GHPRGHORVGDFLGDGH
Para se manter a par das tendências internacionais, Maria Armanda ia duas vezes por ano
às principais feiras de moda europeias. Era lá que via as novidades do mundo dos tecidos,
perfumes e cosmética, e negociava representações exclusivas para Angola. Só ela podia
vender produtos de beleza Jeanne Gatineau, lingerie da Lou e fragrâncias D’Orsay. Ainda
quis comercializar águas de colónia Pierre Cardin, mas desistiu, porque não lhe deram
garantias de que seria a única a fazê-lo na Província ultramarina.
Invariavelmente, a costureira terminava essas viagens rendida às criações da casa
Dior e voltava a Luanda cheia de ideias e tecidos de luxo, que elevavam o padrão das suas
criações. Trabalhava apenas com os melhores voiles de algodão, linhos, sedas e organzas.
De seis em seis meses, mostrava à alta sociedade as suas apostas para a estação seguinte,
em disputadíssimas passagens de modelos, nos hotéis Trópico ou Continental — também
chegou a fazer desfiles no Clube dos Caçadores e no Clube Naval. Os clientes mais fiéis
tinham a honra de receber convites, os outros moviam influências para garantir um lugar
na plateia. Uma das presenças mais caricatas era a do doutor Soudo, um médico que ficava
sempre junto à saída das manequins para marcar logo os vestidos que queria oferecer à
mulher. Quando a última modelo entrava na passarela vestida de noiva, seguida de Maria
Armanda, a maioria das criações exibidas nessa noite estava vendida.
Com tantas solicitações, a costureira da elite vivia num permanente corrupio, sobretudo
na época de Natal e de Ano Novo, ou nas vésperas de um grande casamento.
«Fazia a roupa de toda a gente: da noiva, da mãe, das irmãs e da
maioria das convidadas, e acautelava que não houvesse repetições.
Chegava a levar tecidos da loja à sapataria Modelo, para forrar os sapatos
de clientes, de maneira a garantir que ninguém tivesse uns iguais.» 8
Maria Armanda nunca teve feitio para viver à sombra do sucesso conquistado e,
por esse motivo, continuou sempre a crescer. Pouco antes da independência de Angola,
construiu uma fábrica de pronto-a-vestir na zona industrial da cidade, onde empregou
duzentas mulheres, brancas e negras. Estava a preparar-se para abrir uma creche para os
filhos das funcionárias quando teve de regressar a Portugal, deixando para trás um império.
O golpe foi duro, mas não a fez desistir. Maria Armanda não descansou enquanto não impôs
em Portugal o nome que criara numa loja envidraçada de Luanda.


5LTXLWD
DPL~GDPDLVJLUDGD3URYtQFLD
No momento em que os radialistas Santos e Sousa e Sebastião Coelho
revelaram que Riquita era a primeira Miss Angola, a candidata n.º12 já
estava no hotel. Maria Celmira Bauleth, a morena exótica de Moçâmedes,
conquistara a plateia do Cinema Aviz ao desfilar em fato-de-banho, traje
de mucubal9 e vestido de noite. Media 1,70 metros, pesava 57 quilos e
movia-se com a descontracção típica de quem tem 17 anos e leva uma
vida descomplexada. Era tão descontraída que, no fim do espectáculo,
decidiu retirar-se. Para ela, o concurso não passava de uma brincadeira.
Por isso, logo que deixou a passarela vestiu os mini-calções e saiu a pé, de
mochila às costas, até ao Hotel Universo, onde estava alojada. Valeu-lhe a
maturidade do pai, que correu a bater à porta do quarto:
«Já anunciaram que és tu a Miss Angola. Tens de ir.»
Enfastiada, ela perguntou:
«Tenho mesmo de ser eu?» 10

À espera estavam as duas mil pessoas que esgotaram a lotação do


cine-esplanada da Sulcine, para assistir à primeira eleição da Miss Angola, no
serão de 27 de Janeiro de 1971. Raras vezes se vira uma noite tão concorrida
naquela sala: «Esgotaram-se todas as possibilidades, a plateia, os balcões, as
suplementares, [havia] gente de pé, por toda a parte, cumprimentando-se,
sorrindo, acotovelando-se também, passeando belíssimas tualetes, muitas
[saias] maxi, as cores lisas da moda, jóias e penteados.»11


Cá fora, o trânsito paralisara o Bairro de
Alvalade e centenas de mirones espreitavam
as movimentações do «grande acontecimento
social do ano». Havia meses que Angola vinha acompanhando
12

a escolha das candidatas nas páginas da revista Notícia, a promotora do


espectáculo, que pusera uma equipa a percorrer o território à procura da
mais bela de cada distrito.
Em Moçâmedes, no Sul de Angola, essa visita aconteceu num
domingo. Riquita estava no cinema quando o porteiro a informou de que
havia uma senhora à porta para falar com ela. Ocupada com a matiné, a
miúda nem ligou – e a irreverência da atitude levou uma amiga dos pais
a repreendê-la no fim da sessão. Explicou-lhe que a caravana da Notícia
queria que ela participasse no concurso das misses, mas ela desdenhou:
não queria saber disso para nada. Em casa ninguém insistiu, só que
Moçâmedes era uma terra pequena e Riquita acabou por ser pressionada
a mudar de ideias.
«Estou a pensar ir. Sempre são uns dias longe do liceu, vou fazer praia
e conhecer pessoas novas… Deixam-me?»13, perguntou ao pai e à mãe.
Daí até ao dia do espectáculo, Maria Celmira Bauleth passou a vida
em festas, passeios, almoços, praias e sessões fotográficas. Por todo o lado
impressionava com a sua beleza e cedo se tornou a favorita. Até então,
nunca se preocupara com a imagem, mas quando decidiu concorrer não
quis fazer má figura.

Viu numa revista a fotografia de uma tal Raquel Welch e


rendeu-se às medidas esculturais da actriz: 90-60-90.
Por curiosidade, pegou na fita métrica e apercebeu-se de
que eram iguais às suas.
Tomou uma decisão: ia manter-se na mesma até à noite da gala. Se
desfilasse com as dimensões de Welch, de certeza que não faria má figura.
E não fez. Entre as dezanove candidatas que enfrentaram os
holofotes apontados ao cenário desenhado por Carlos Fernandes,
nenhuma deu mais nas vistas do que ela, sobretudo quando usou um
vestido da autoria do jornalista Carlos Ventura Martins.14 Foi eleita com
uma vantagem confortável. Depois de o pai a ir buscar ao hotel, subiu ao
palco para receber a coroa e o ceptro e ser fotografada no seu trono de
soba. Maria Clélia dos Santos Pereira ficou com a faixa de primeira dama


de honor e Ana Paula Antunes Silva com a de segunda. Rosemary Pedroso
da Silva ganhou o título de Miss Simpatia.
No final da noite, os dois responsáveis pelo espectáculo – Rebordão
Correia, secretário-geral da Neográfica, detentora da Notícia, e Carlos
Nascimento, da Sulcine – estavam exaustos mas satisfeitos. As luzes do
palco só se apagaram depois das quatro da manhã. A essa hora, porém,
ainda havia público à espera de ver sair as misses. O comandante da Polícia
de Trânsito colocou a hipótese de montar uma escolta para conduzir as
miúdas ao hotel. Desistiu da ideia ao perceber que a festa estava para
durar: a comitiva queria comemorar o êxito e nada melhor do que reunir
as candidatas, as famílias, a organização e os cantores brasileiros Ivon Curi
e Clara Mendes numa ceia tardia, no restaurante O Forcado.
Para Riquita, era o início de um ano alucinante, que a levaria a
Moçambique, Lisboa e Miami, sempre acompanhada pelo pai. As mudanças
começaram logo na primeira semana: recebeu um automóvel, visitou
feridos num hospital e esteve nas instalações do Banco Comercial de Angola,
antes de regressar a Moçâmedes. A 27 de Abril representou a Província no
concurso de Miss Portugal, no Casino Estoril. Repetiu o traje de mucubal
que usara em Luanda e estreou um modelo branco bordado a lantejoulas,
concebido pela estilista Ana Maravilhas. Arrasou. No fim da noite, conseguiu
o que queria — levar para Angola a coroa de rainha da beleza de 1971.
Enquanto a Metrópole trajava de cinzento, Luanda rendia-se
às cores garridas, aos padrões florais, às mini e às maxissaias.
As calças La Finesse faziam furor, as miúdas usavam hot pants
e nem hesitaram quando foi altura de trocar o fato-de-banho
completo pelo biquíni. O que importava era estar na moda e
seguir as tendências que vinham de fora.

Luanda em delírio
6WLQIMUY]MKPMOW]I4]IVLI:QY]Q\I\QVPIoM[XMZI]UIU]T\QLrW
que a aplaudiu de forma entusiástica, e que não desmobilizou
enquanto ela percorreu o centro da cidade num carro descapotável.
)UQƒLI\QVPIXW[\W)VOWTIVWKMV\ZWLW1UXuZQW
MQ[[WMZI]UNMQ\WZIZWY]MW[MVKPQILMWZO]TPW
Em Moçâmedes, a apoteose superou a da capital.
)W^MVKMZW\y\]TWLM5Q[[8WZ\]OIT:QY]Q\IKWV[MO]Q]WXI[[IXWZ\M
para representar Portugal na edição desse ano da Miss Universo, nos
Estados Unidos. Mais uma vez, viajou com o pai, mas os vinte dias que
XI[[W] MU 5QIUQ *MIKP NWZIU \rW IJ[WZ^MV\M[ Y]M UIT W ^Q] ,I[
P o[ !P \QVPI MV[IQW[ VW I]LQ\~ZQW ®8IZMKQI I XZMXIZItrW LM ]U
musical da Broadway.»15;IyILMTn\rWKIV[ILIY]MVMUTPM[WJZI^I
MVMZOQIXIZIQZoXZIQI)TuULQ[[WVrWXWLQIQZITILWVMVP]U[MU
o KPIXMZWV, destacado para zelar por ela e outras três candidatas.
4WVOM LM KI[I M[\ZIVPW] I NIT\I LI TQJMZLILM I Y]M [M IKW[\]UIZI
VI[\MZZI[LW6IUQJM+]UXZQ]WXZWOZIUII\uIWÅVIT,MXWQ[WX\W]
XWZ [M INI[\IZ LM XZW^I[ [MUMTPIV\M[ 9]MZQI ^WT\IZ I [MZ I UQƒLI
Y]MQIIWKQVMUIIWLWUQVOWo\IZLMMIY]MU[WJZI^I\MUXWXIZI
viver na praia com os amigos.


$PRGDGRV.HGV
Francisco Macambira nunca gostou de ver os negros descalços. Não era
tanto a falta de sapatos que o impressionava, mas dava-lhe pena ver como
as pessoas tinham a pele comida por bitacaias, uns temíveis parasitas
que se apanhavam na areia e provocavam enormes danos debaixo das
unhas. Uma vez, numa viagem aos Estados Unidos, descobriu a solução.
Chamavam-se Keds e eram uns ténis de borracha e lona — dois materiais
que o empresário produzia em Luanda, na Fábrica Imperial de Borracha,
na Vila Alice. Negociou a representação, levou a ideia para Angola e lançou
uma das modas mais democráticas da Província. Toda a gente passou
a usar aqueles sapatos, desde os trabalhadores negros aos estudantes.
Os ténis tornaram-se tão populares que foram
rebaptizados: em Luanda ninguém escrevia
Keds, a grafia era ®quedes», à portuguesa.


2V)DUGRV
A abertura de um fardo era um momento solene a que nem todos tinham
acesso. Só os melhores clientes, aqueles que os vendedores conheciam
bem, conquistavam o direito de ser chamados para escolher os melhores
artigos dos famosos molhos de roupa usada, vinda da América. Junto ao
edifício CUCA, desenhado pelo arquitecto Luís Taquelim da Silva e demolido
em 2011, por exemplo, esse ritual chegava ao anoitecer. Noutros pontos da
cidade, não tinha hora marcada: na Maianga, um vendedor convocava os
interessados para uma venda privada; no Bairro de São Paulo, instalava-se
uma banca no chão ao ar livre; e nas imediações dos Armazéns
Gajajeira, existia uma loja que vendia tudo já separado e engomado.
Na maioria dos sítios, ir aos fardos — também
conhecidos por Fardex, Pierre Fardin ou, de
forma menos prosaica, «boutique cu no ar» —
assemelhava-se a um passeio pela feira, com
pilhas de roupa no solo. Quem tinha olho descobria sempre
boas camisas, casacos estilosos do Exército norte-americano e até
vestidos maxi que, em determinada altura, faziam furor em Luanda.
Alguns diziam que a roupa era comprada por armazenistas e posta no
mercado por tuta e meia. Olhares menos românticos assumiam que os
fardos provinham de donativos feitos pelos Estados Unidos a Angola,
desviados dos navios de carga por gente que queria ganhar algum. Mas
isso não passava de um pormenor.


&DVDGR6XED
O convite para entrar mais parecia um pregão. À porta da loja, na fronteira
entre a cidade asfaltada e a terra vermelha do musseque do Marçal, um
homem alto e magro, vestido de branco imaculado, repetia num jeito doce
e educado: «Suba, suba, menina!» Armando Magalhães, o inconfundível
proprietário da famosa Casa do Suba, era uma peça-chave que atraía
gente ao armazém de preços baixos, que tanto servia a brancos como a
negros. Transmontano, de origem humilde, nascera em 1921 numa aldeia
do concelho de Chaves sem luz eléctrica e cedo percebera que tinha
de emigrar. Quis ir para o Brasil, mas o valor exagerado das passagens
obrigou-o a partir para Angola, o destino dos degredados. Não era bem
a terra dos seus sonhos, mas pelo menos o magro orçamento de que
dispunha dava para pagar os bilhetes. Quando chegou a Luanda, lançou-
-se ao que havia. Ao fim de seis anos, estabeleceu-se por conta própria,
com uma pequena loja.
A Suba era uma daquelas casas onde tanto se encontrava mandioca
para a moamba como lingerie Triumph, para senhora, e artigos de
alfaiataria para homem. Armando encomendava tecidos de qualidade a
fábricas do Vale do Ave e Guimarães, e vendia-os com margens de lucro
reduzidas, para chamar a clientela. O segredo estava na quantidade que
conseguia comercializar — e nisso ele não falhava. Quem lá ia comprar um
metro de bom algodão arriscava-se a sair com três ou quatro cortes de
tecido, de que nem sequer precisava.
Para o pequeno José Magalhães, filho de Armando e
futuro deputado socialista, a loja do pai assemelhava-
-se a «uma caverna de Ali Babá» 16 que alcançava a
estratosfera no Natal, com a chegada de brinquedos
de todos os tipos vindos do mundo inteiro.


Armando Magalhães só constituiu família
quando o negócio prosperou. Veio a Portugal,
escolheu noiva na Póvoa de Varzim e casou-
-se em seis meses, antes de voltar a Angola. O
filho José nasceu em 1952, na altura em que
o pai fez investimentos importantes: comprou
uma fazenda para produzir café Robusta em
Nambuangongo, a nordeste de Luanda, e
abriu uma nova loja, a Casa Sabu, em pleno
asfalto, nas traseiras da Missão de São Paulo,
perto do restaurante Majestic. O nome era
sugestivo: por um lado, permitia uma ligação
à designação da loja-mãe; por outro, captava
a atenção do público cinéfilo, por ser idêntico
ao do célebre actor dos filmes O ladrão de
Bagdad, O rapaz do elefante e O filho da selva.
Como tinha fama de tratar bem a
população negra, Armando nunca sofreu
retaliações depois do início da luta pela
independência, mas a guerra obrigou-o a
desfazer-se da exploração de café, localizada
numa zona de conflito activo. Acabou por
vender as lojas aos funcionários e regressar a
Portugal antes do fim da era colonial. A Suba
e a Sabu continuaram abertas.

*DMDMHLUD
As primeiras setas apareciam presas nas cubatas logo à entrada do
musseque do Cazenga. Para quem as seguisse, era fácil descobrir o
caminho até à Gajajeira, o armazém mais barato de Luanda. O maior
concorrente da Casa do Suba funcionava num barracão de chapa
ondulada, onde se vendia tudo a preços mínimos.17 Nenhum outro sítio
satisfazia tanto as clientes que procuravam grande variedade de tecidos,
sem gastar muito dinheiro. O difícil era escolher entre peças de algodão,
cortes de chita ou panos africanos para levar às populares festas de rebita,
que se organizavam na cidade. Lá havia tudo isso. Depois bastava procurar
uma costureira que moldasse o tecido ao corpo, encontrar os sapatos e os
acessórios certos e aproveitar a dança ao som de ritmos angolanos.


2TXH$QJRODSURGX]LX«

«HP
18

3 250 574
metros de tecido de algodão

205 413
cobertores de algodão

344 887
XIZM[LM[IXI\W[LMJWZZIKPI

  «HP
19

11 792 000
metros de tecido
de algodão
62 mil
metros de lonas
579 mil
metros
de cobertores

752 mil
peças em malha de algodão

em lã ou mistas

em fibras sintéticas

506 pares
580
de meias
1pares
790 000
de sapatos
e peúgas



O lado bom
da vida


2VGLDVQD,OKD


Em Luanda havia poucos sítios tão democráticos como aqueles
sete quilómetros de areia, que se estendiam em frente à
Baía. Era lá que toda a gente se encontrava de fato-de-banho
IWÅỦLM̉[MUIVI[WJZM\]LWIWLWUQVOWRnY]M[nJILWMZI
dia de trabalho. Para milhares de luandenses, a Ilha era um
santuário adorado com militância e bronzeador.

$VSUDLDV
Viradas para as águas calmas da Baía, ou alinhadas na contra-costa;
perto da cidade ou lá ao fundo, junto à ponta da Ilha. Cada um escolhia
a praia de que mais gostava. A Restinga tinha a vantagem de ser logo
depois da ponte, mas era menos recatada do que a dos Rotários. Já na
do restaurante Barracuda, desenhado pelo arquitecto Luís Possolo, havia
o enorme atractivo de encomendar almoço ou jantar e comer com areia
nos pés. Para bolsas menos abonadas, existiam soluções mais em conta,
como o Pezinhos na Água e o Mandarim, de comida chinesa, sem esquecer
o Mar e Sol e o Dongo. Quem gostava de descansar do sol durante a tarde
recolhia-se no pinhal, junto à praia da Floresta.
Zezinha Van Zeller, pelo contrário, não perdia um minuto de
exposição solar. Comia qualquer coisa leve — sanduíches, ovos cozidos e
frutas africanas — para andar sempre dentro de água e torrar na toalha,
com a ajuda de muito Bronzaline.1 Só mais tarde, já com namorado, passou
a ceder à tentação dos restaurantes.

Restaurante Barracuda


Filas intermináveis 0XVVXOR
Ao domingo, após seis dias
de trabalho atormentados
DSUDLDGRVULFRV
pelo calor, os habitantes da
cidade acordavam dispostos
a fazer as pazes com o sol.
«À terça foge-se dele, à
quarta blasfema-se, à quinta
sufoca-se, à sexta suspira-se
pelo sábado, ao sábado
NIbMỦ[MXZWRMK\W[MIW
domingo vai-se para a praia,
desabrocham qualidades
e goza-se de papo para o
ar a delícia deste sol todo
tropical.»2
Famílias inteiras
rumavam à Ilha, tão
cedo quanto possível,
de modo a escaparem
o[LWTWZW[I[ÅTI[
para cruzar a ponte.
Segundo uma estimativa
de 1960, «aos domingos,
entre as 8 e as 12 horas, (…) Era nesta enseada mais longe da costa que muitas
700 carros [atravessavam das famílias mais abastadas da cidade se reuniam
para a praia]. Em todo o ao fim-de-semana. Iam lá os Macambira, os Van
dia (…) [eram] mais de
1200. E num domingo de
Zeller e até o empresário Manoel Vinhas, nas
bom sol (…) [haveria] 10 temporadas que passava em Luanda. Ao contrário
mil pessoas na praia.»3 E o da Ilha, onde se chegava de carro, quem ia ao
número foi aumentando ao Mussulo precisava de um barco. Um grupo restrito
longo da década, à medida
que a população da cidade gozava o luxo de ter uma cabana neste paraíso,
crescia, tornando o percurso a servir de apoio de praia. O Mussulo era então
domingueiro cada vez mais uma paisagem virgem, «uma ilha com linguetas
caótico. de areia, calmas enseadas, muitos coqueiros,
pescarias, canoas e tradições». 5
Mas o sossego da elite não durou para sempre.
Ciente da boa oportunidade de negócio, o velejador
Elísio Guimarães decidiu criar uma carreira regular
para tornar o Mussulo mais acessível à população.
Os negros chamavam-lhe «machimbombo do
mar», mas o verdadeiro nome do barco que fazia a
travessia para o Mussulo era Ca Posoka, expressão
para «Está bonito» em umbundo.6 Funcionava das


Campismo selvagem

Acampamentos na Ilha eram


acontecimentos aguardados
com ansiedade, no agrupa-
mento de escuteiros de José
Aredes.4 Nada animava mais
os miúdos da Patrulha Lobo
do que as viagens da cidade
I\uoÆWZM[\ILMXQVPMQZW[VW
Land RoverLWKPMNMW]VWRQXM
do padre Veiga. À chegada,
os miúdos cortavam capim à
catanada e montavam as ten-
das para uns dias ao ar livre.
Entre amigos, a Ilha pare-
cia mágica e nem os deveres
pesavam: cozinhava-se com
prazer em tachos e panelas
trazidos da base, lavava-se e
arrumava-se a loiça sem sa-
crifício. E depois cantava-se.
Um dia, um chefe negro que
tocava de forma exímia ten-
tou ensinar a sua mestria a
José, mas esbarrou na falta
LM RMQ\W LW UQƒLW Y]M \WLW[
7h30 às 18h00, tinha dois andares e levava duzentas conheciam pelo totem «lobo
pessoas de cada vez. A democratização do Mussulo solitário». Os líderes faziam
fez aparecer novos restaurantes e negócios. por manter os rapazes feli-
Elísio Guimarães chegou a ter outros dois zes. Uma vez, um deles foi de
propósito ao restaurante do
barcos — o Kitoco, que fazia o mesmo percurso, Vilela buscar o mais célebre
e o Kissange, que transportava tripulações de bacalhau de Luanda, só para
navios ancorados ao largo. Nenhum fazia sombra TPM[ XZWXWZKQWVIZ ]U RIV\IZ
memorável. Os miúdos guar-
ao Ca Posoka, que partia da Samba e demorava daram a refeição nas tendas
vinte minutos até ao Mussulo. Na classe popular, e disseram adeus ao chefe de
o bilhete de ida e volta ficava por dez escudos; forma calorosa. O problema é
em primeira, custava o dobro. Menores de dez que, enquanto acenavam, um
cão vadio rapinou a oferta e
anos e militares fardados pagavam meio bilhete. comeu as postas até à última
Por norma, não se serviam refeições a bordo, mas lasca. Não sobrou nada para
Elísio chegou a organizar almoços para convidados amostra.
especiais, como a tripulação do paquete Uíge e o
presidente da TAP, engenheiro Vaz Pinto. Uma vez
a sorte calhou ao filho Mário: com autorização do
pai, organizou uma festa de aniversário na coberta
da embarcação e ofereceu aos amigos um dia
memorável no mar.7


Luís Montez
HVSHFWiFXORVSDUDWRGRV
Ainda era miúdo quando lhe disseram pela primeira vez que seria «um
homem de palco».8 Luís Montez estava em Cabinda a ver um espectáculo
do actor Octávio de Matos pai, quando o artista reparou na expressão de
êxtase com que ele assistia à acção e o chamou para junto dele. Enfrentou
o público com naturalidade e percebeu que gostava de entreter os outros.
Nascido em Malange, estudou no Seminário de Luanda e só não foi padre
porque o pai o proibiu. Continuou a ir à missa ao domingo, mas, apesar
da fé católica, teve sempre curiosidade por outros credos. Chegou a
consultar uma mãe-de-santo, enfrentando o desdém de um amigo para
quem aquilo era «coisa de pretos».9
Sem autorização para seguir o sacerdócio, casou-se e teve seis filhos,
um dos quais morreu em criança. Montez manteve-se ligado à Igreja. Foi,
aliás, na Emissora Católica que se estreou como locutor. Lia a oração da
hora do almoço de uma forma tão doce que «as beatas ganhavam o dia só
de o ouvir»10, como recorda a irmã Hermínia Montez Fernandes.


Cazumbi
Apareceu de forma tímida
VWÅULW[IVW[VW
terraço do Sindicato dos
Motoristas, perto do Cine- Dia do Trabalhador, Noite tropical
-Teatro Nacional, e cedo e Kutonocas
se tornou um ritual de
domingo à tarde. A palavra Mais de quarenta anos depois da Independência
espalhou-se depressa pelas de Angola, o nome de Luís Montez ainda
ruas de Luanda e a cidade circula pelas ruas de Luanda. E há razão
passou a aparecer em peso para isso: ninguém como ele apostou tanto na
para assistir ao Cazumbi. música e no folclore de raiz africana durante o
período colonial. Deu-se com todos os artistas
O programa infantil M KWVR]V\W[ ZMTM^IV\M[ LM[[M \MUXW MV\ZM W[
dinamizado por quais Elias Dia Kamuezo, Eleutério Sanches,
Minguito, Ngola Ritmos, Negoleiros do Ritmo, Os
Luís Montez tomou Rocks. Além disso, apoiou-os: muitos passaram
conta das matinés pelo palco do Dia do Trabalhador e das Noites
do Miramar depois Tropicais, os espectáculos que promovia no
de uma passagem fugaz Ngola Cine para um público maioritariamente
XMTW)^Qb8WZ\W[\‚M[ negro. E depois organizava as Kutonocas,
crianças e adultos assistiam momentos únicos nos musseques, bem distintos
KWUXZIbMZo[IK\]It‚M[ LI[OZIVLM[UIVQNM[\It‚M[K]T\]ZIQ[LI4]IVLI
de artistas consagrados, colonial. Nessas noites, havia sembas, rebitas e
como Isilda Maria, João merengues a custo zero para todos, graças ao
Sequeira e Sara Chaves, patrocínio da Gazcilda e da CUCA, entre outras
e de miúdos-prodígio empresas. As festas acabaram há décadas, a
que ali se estreavam. Os memória permanece nas gentes e na música.
palhaços Marianito, Bótil Tanto que, em 2012, o cantor angolano Maya Cool
e Cocabichinhos levavam lhe dedicou a primeira estrofe do tema «Doce
os miúdos ao delírio. Mas o Passado». «Falo-te dos Kutonoca / Recordando
que mais galvanizava eram Luís Montez / aquele negueta português / coisa
os passatempos: ninguém boa que ele fez / nos nossos bairros Operário /
perdia o momento da dança Sambila, Cazenga, Bairro Indígena / Ai ai ai /
das cadeiras, nem a luta Espalhou a alegria no povo.»11
das raparigas mais velhas
para ver quem fazia o nó
da gravata mais perfeito.
8IZIW[ZIXIbM[WLM[IÅW
KWV[Q[\QIMUMVÅIZITQVPI
numa agulha em contra-
-relógio. Tudo isto enquanto
Luís Montez fazia as honras
da casa e se encarregava de
manter o público colado ao
palco.
A alma do Carnaval
O emprego a tempo
inteiro na Junta de
Comércio Externo
nunca afastou Montez
do que gostava. E
isso obrigava-o a um
ritmo alucinante para
conciliar o emprego,
a família e a vida
artística. O promotor
era um homem ecléctico:
tanto levava famílias
ao Cazumbi e à plateia
do Aviz, para assistir
aos espectáculos do Dia
do Pai e do Dia da Mãe,
como se misturava nas
festas dos musseques.
Já trabalhava
no Centro de
Informação
e Turismo de
Angola (CITA)
quando assumiu
as rédeas do
Carnaval e fez
descer à Marginal
a energia
electrizante
dos bairros
periféricos. Todos os
anos, ao longo de quatro
dias, Luís Montez
transformava-se
numa espécie de Rei
Momo de Luanda — sem
coroa. João Sequeira,
seu amigo e director
artístico, seguia-lhe os
passos nessa aventura:
«De sexta a terça-feira,
havia farras para
adultos no Cinema Tivoli
depois da última sessão,
ao domingo à tarde,
festa infantil no Aviz12»,
sem falar no corso
WÅKQITIWTWVOWLI*IyI

O TOP DE LUANDA
Os Conjuntos Os Cantores
Ngola Ritmos Minah Jardim
Duo Ouro Negro Carlos Nascimento
Os Cinco De Luanda Vasco Rafael
Os Rocks Sara Chaves
Negoleiros Do Ritmo Ondina Teixeira
Os Brucutus Elias Dia Kimuezo
Concha de Mascarenhas
Fernanda Ferreirinha
Lili Tshiumba
Artistas Milita
lá de fora
The Beatles
Rolling Stones
Serge Gainsbourg e Jane Birkin
Elis Regina
The Mamas and the Papas

-XYHQWXGHLUUHYHUHQWH
Zezinha Costa Macedo sempre teve fama de rebelde. Nesse Verão, aproveitou uns dias
sozinha na Metrópole para satisfazer três desejos antigos: um biquíni, um par de hot pants
muito curtas e o proibidíssimo single «Je t’aime moi non plus», que, em 1969, circulava às
escondidas em Luanda.13 Teria sido mais sensato não levar os mini-calções dos Porfírios ao
aniversário de uma tia-avó na Cruz Quebrada, mas as hot pants estavam tão na moda que
Zezinha cedeu ao desejo urgente de estreá-las. Ninguém a repreendeu, mas as tias ficaram
tão chocadas que ligaram para Luanda a fazer queixas.
Quando regressou a Angola, escondeu tudo na bagagem, antevendo tormentas.
Em casa, foi tirando uma coisa de cada vez, para o choque ser mais suave. Os calções
nem causaram muita polémica. O biquíni verde, por sua vez, deu algum atrito. O disco
desencadeou uma hecatombe. Por
rebeldia, passou-o numa festa de
família. Levou uma sova e viu o single desfeito em pedaços.


Rádio

Estrelas da rádio e da canção aos microfones


LI-UQ[[WZI7ÅKQITLM)VOWTI


Minah Jardim
UDLQKDGDUiGLRHGDVFDQo}HV
Na noite de 16 de Maio de 1963, a ansiedade era grande
nos bastidores do Cinema Restauração. Dentro de
momentos, seriam conhecidos os nomes dos primeiros
Reis da Rádio de Angola. Minah Jardim, grávida de seis
meses, sabia que «estava a atravessar um período de
grande sucesso»1, mas um concurso era um concurso
— e também ali não havia certezas. Até que, por fim,
Artur Peres e Alice Cruz, os míticos apresentadores do
espectáculo Chá das Seis, revelaram os resultados. Os
primeiros Reis da Rádio de Angola eram… Minah Jardim e
Carlos Nascimento, que, no ano anterior, tinham vencido
a primeira edição do Festival da Canção de Luanda.
Os dois, amigos e colegas de cantigas há alguns
anos, receberam com gosto as felicitações dos outros
concorrentes e subiram ao palco, onde a plateia os
recebeu em êxtase. Artur Peres colocou-lhes as faixas
e deixou-os brilhar. Havia semanas que o público vinha Uma imagem cuidada
votando no concurso promovido pelo Diário de Luanda
e pelo Chá das Seis para escolher os seus cantores Nunca subia ao palco
preferidos. Todos os dias o jornal publicava um inquérito vestida de qualquer
que os leitores recortavam, preenchiam e entregavam maneira)UrMXZWNM[[WZI
na redacção. As contagens iam sendo actualizadas nas LM8WZ\]O]w[M]ULW[
páginas do periódico. Depois, essas estatísticas eram ZW[\W[LW+WTuOQW8WZ\]OIT
K]QLI^Ỉ[MU]Q\W-5QVIP
cruzadas com o número de vezes que um determinado PMZLW]LMTIW[K]QLILW[
artista passava na rádio. A soma desses dois critérios M[\u\QKW[+WV[WIV\MW[y\QWW
permitia perceber quem eram os preferidos. M[XMK\nK]TWMWXƒJTQKWI[[QU
M[KWTPQIWO]IZLỈZW]XI
No primeiro ano, a vitória foi para Minah Jardim 5]Q\W[LW[^M[\QLW[Y]M][W]
e Carlos Nascimento. Maria Alice e Henrique Gabriel MUXITKW[IyZIULI[UrW[LM
ficaram em segundo, Sara Chaves e João Queirós 5IZQILW)UXIZWIIUQOI
em terceiro. O Rei e a Rainha receberam coroas, KW[\]ZMQZIY]M\ZIJITPI^I
VWI\MTQwLM5IZQI)ZUIVLI
faixas, flores e uma viagem a Portugal, que Minah não MNIbQI]UI[PWZI[M`\ZIMU
aproveitou por estar demasiado próximo o nascimento KI[I+]Z\W[W]KWUXZQLW[
do seu primeiro filho. \QVPIU]U\WY]MM[XMKQITY]M
Aos seis anos, a pequena Maria Regina gostava ILMQ`I^IQUXMKn^MTY]IVLW
MVNZMV\I^IXTI\MQI[KPMQI[
de dançar e de «fazer de menina engraçadinha.»2 Nas -KTIZW[MUXZMKWUKIJMTW[
primeiras vezes que actuou em público, era tão pequena MUIY]QTPIOMUIKWVLQbMZ


É Tarde, 1962. Minah Jardim (com Jorge Machado)
que teve de se pôr em cima de um banco para chegar
ao microfone. Adorava cantar Amália. Aos 14, já tinha
uma carreira com várias actuações de sucesso na
rubrica Ao bater das nove, do RCA. Dali passara para
«festas públicas, particulares e despedidas, serões,
programas publicitários no Tropical, Cazumbi, Chá
Festival da Canção
das Seis e Pôr-do-Sol, no palácio governamental».3 de Luanda
Carlos Nascimento estreara-se no Cazumbi, de Luís
Montez, e actuara nos mesmos programas que ela, 9]IVLW 5QVIP 2IZLQU NIbQI
parte da lista de intérpretes
mas demonstrara «qualidades apreciáveis como que concorriam ao Festival
galã» 4 em espectáculos de comédia. De passagem LI +IVtrW LM 4]IVLI Rn [M
pela Metrópole, dera nas vistas na rádio e na televisão sabia que era uma das favo-
e acabara como animador a bordo do Vera Cruz, da ZQ\I[ >MVKMLWZI LI XZQUMQZI
MLQtrW¸WZOIVQbILIMU!
Companhia Colonial de Navegação. Ao fim de três XWZ 4]y[ 5WV\Mb M )L]TKQVW
anos regressara a Angola e encabeçara o cartaz da ;QT^I W OZIVLM LQVIUQbILWZ
inauguração da boîte Embaixador, antes de vencer LW KMZ\IUM ¸ NWQ [MUXZM ]U
nome a ter em conta nos anos
o primeiro prémio de interpretação do Festival da
[MO]QV\M[ :MKMJM] ^nZQI[
Canção, em 1962. ?MT_Q\[KPQI[ LM 7]ZW W OI-
Minah ouvia com prazer os temas das TIZLrW I\ZQJ]yLW o KIVtrW
brasileiras Gina Maria e Mara Abrantes. Daí lhe ^Q\WZQW[I ,MXWQ[ PI^QI XZu-
UQW[ XIZI I KWUXW[QtrW I
ficou o gosto pelo samba-canção, que muito letra e a interpretação que
interpretou nos primeiros anos de carreira, sem UIQ[ [M LM[\IKI^IU 5QVIP
nunca esquecer o fado e a influência de Amália. KPMOW] I []JQZ IW XITKW \Zw[
Cantou ao lado de Garda e o seu conjunto: por vezes na mesma noite para
cantar temas de autores dife-
norma, o grupo só tocava música angolana, mas ZMV\M[ -ZI IUQOI M IÅTPILI
com ela aventuravam-se no samba-canção, em LW KuTMJZM UIM[\ZW +I[IT :Q-
versão acústica. Mais tarde, passou a actuar com JMQZWY]MLQZQOQIIWZY]M[\ZI
do +Pn LI[ ;MQ[ M VI\]ZIT-
as orquestras de Casal Ribeiro e Jaime Mendes.
UMV\MLM]^WbIITO]UI[LI[
O seu nome tornou-se cada vez mais músicas que ele levou a con-
conhecido, até que toda a Angola a admirava. K]Z[W ) XIZKMZQI KWV\I^I
IQVLI KWU I IR]LI LM /]MZ-
Qualquer espectáculo a queria no cartaz. ZMQZW *Z]VW Y]M I[[QVI^I W[
Ciente do seu sucesso e dos balúrdios que os XWMUI[ 8MZLM] I KWV\I IW[
artistas da Metrópole recebiam quando visitavam troféus que arrecadou nos
a Província, Minah passou a fazer valer a sua fama. vários locais onde o Festival
se realizou até se estabelecer
Um dia, um jornal fez disso notícia e chamou a LMÅVQ\Q^IUMV\M VW +QVMUI
título a frase «Minah pede mais cachê.» Era a )^Qb ) KI[I M[\I^I [MUXZM
forma de «separar o trigo do joio.» 5 Polémicas à KPMQI IXM[IZ LW XZMtW LW[
JQTPM\M["  M[K]LW[ VI[ KQV-
parte, a verdade é que conseguiu: os empresários
KW XZQUMQZI[ ÅTI[  VI[
não tiveram outro remédio senão pagar-lhe aquilo [MO]QV\M[ M  VI[ UIQ[ MKW-
que ela pedia. V~UQKI[


Estrelas
da Rádio
Artur Peres Mesquita Lemos
Emissora Oficial RCA
Serão para trabalhadores Programa 3D
(cinema, rádio,
Alice Cruz Tv e teatro)
Emissora Oficial
Serão para trabalhadores Ruth Soares
RCA
Rui Romano Lar, doce lar
Emissora Oficial
Auditório, História do Teatro Carlos Pereira
RCA
Sara Chaves Desporto
Emissora Oficial
Auditório Ilídio Resende
RCA
Diamantino Faria Desporto
Emissora Oficial
Serão para trabalhadores Sebastião Coelho
Rádio Ecclesia
Santos e Sousa Café da noite
RCA
Gazeta radiofónica


1

2 3

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5iGLR&OXEHGH$QJROD
No tempo em que os locutores eram estrelas, a antena do Rádio Clube de Angola (RCA)
parecia uma constelação. A equipa de luxo da primeira emissora privada e comercial de
Angola tinha à frente o mítico produtor e radialista Santos e Sousa, que dirigia os não menos
célebres locutores Mesquita Lemos, Cremilda de Figueiredo, Arlete Reis, Micaela Mateus,
Gonçalves da Costa e Ruth Soares. Criado por um grupo de amantes da rádio e administrado
pelo comandante Manuel Albuquerque e Castro, o RCA tornou-se incontornável desde a
primeira emissão, a 5 de Fevereiro de 1938.
Era esta a frequência que o público sintonizava
para se manter a par de notícias, relatos desportivos ou
simplesmente quando procurava um pouco de companhia.

Nos anos 40, o Rádio Clube tornou-se tão importante que o governador-geral Vasco Lopes
Alves publicou uma Portaria, a reconhecer que se tratava de uma instituição de utilidade
pública, «colaborando com o Estado e os organismos particulares em várias manifestações
culturais e de propaganda de Angola, contribuindo para a formação do sentimento cívico
português e para o conhecimento das possibilidades nacionais».7
A estação entranhou-se na vida de Luanda. Inúmeros programas invadiram o
quotidiano da cidade, mas nesta altura dificilmente chegavam aos calcanhares do Chá das
Seis e meia (mais tarde Chá das Seis): ao sábado, durante duas horas, o público que não tinha
acesso às galas ao vivo, no Cinema Restauração, ficava colado à telefonia para acompanhar
cada instante do espectáculo. Durante a semana, as manhãs estavam a cargo
de Santos e Sousa e Arlete Reis, que acordavam os ouvintes
com energia e palavras cruzadas.
O RCA desempenhou um papel fundamental no apoio aos soldados que combatiam na
Guerra Colonial. Foi a pensar neles que criou o Diário das Forças Armadas, um curto noticiário
que ia para o ar às 18h50 e os informava sobre os avanços e recuos da vida militar. Em Julho
de 1961, numa parceria com o Rádio Clube Português, a locutora Ruth Soares liderou a
equipa que começou a gravar Mensagem do Soldado, uma série de testemunhos pessoais de
combatentes, lidos pelos próprios ao microfone. Depois de prontas, as bobinas seguiam para
a Metrópole e levavam às famílias as vozes dos rapazes que lutavam pela manutenção do
Império. O RCA não se limitou à programação e quis fazer chegar outro tipo de conforto aos
militares: com a campanha «Cigarro para o soldado», recolheu um bem escasso e de elevada
procura no mato e enviou milhares de maços de tabaco para a frente de combate.
Por tudo isto, e porque foi a primeira grande rádio a surgir na capital, a estação
manteve a liderança de audiências durante muitos anos. Em 1953, a Emissora Oficial de
Angola abanou este domínio. No ano seguinte, foi a vez de a Rádio Ecclesia entrar na luta
pelo primeiro lugar.

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soldados que
combatiam na
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(PLVVRUD2ILFLDOGH$QJROD
Tudo começou num estúdio improvisado numa varanda da Direcção dos
CTT da Baixa de Luanda: um microfone, três ou quatro equipamentos e o
desejo de fazer uma grande rádio pública em Angola. Humberto Mergulhão
chefiava a produção e Carlos Moutinho chegara da Metrópole para juntar
a voz ao novo projecto. Artur Peres, Alice Cruz, Rui Romano e Sara Chaves
eram algumas das estrelas da estação. Aos poucos, a Emissora Oficial
conquistou o seu público, muito impulsionada pelo emblemático Serão para
Trabalhadores, um espectáculo de variedades que entregava os bilhetes a
empresas, para serem distribuídos pelos funcionários. O palco ia mudando
— chegou a ser no ginásio do Liceu Salvador Correia —, mas nunca sobravam
lugares vazios. Por norma, o cartaz valia a pena. Costumava incluir artistas
de companhias de teatro, música ou bailado que visitavam a Província. O
actor António Silva foi um dos muitos que por lá passaram.
O êxito obrigou a estação pública a trocar a varanda por uma vivenda
no bairro dos Correios. Inicialmente construída para receber uma escola,
a casa converteu-se numa rádio com dois estúdios — um para locução,
outro para gravação. Anos mais tarde, a Emissora transferiu-se para uma
sede projectada de raiz e erguida no bairro de Alvalade.

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parte da equipa
fundadora da
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2W[u5IZQI8QV\WLM)TUMQLIMZI
IITUILWXZWOZIUILuanda 

5iGLR(FFOHVLD
O reverendo José Maria Pereira desenhou o esboço da Emissora Católica quando dava
aulas de Português e Moral, no Liceu Salvador Correia. «Fazia dos recreios sala de reuniões
e distribuía tarefas a todos, para angariar fundos destinados à futura estação da Igreja.» 8 No
fim de 1954, foi para o ar a emissão inaugural da Rádio Ecclesia, um dos mais vanguardistas
projectos radiofónicos de Angola, que combinaria informação geral e religiosa, além de
entretenimento. Os primeiros programas foram transmitidos a partir de um primeiro andar
na Rua de São Paulo. A emissora católica mudar-se-ia para a Avenida Marginal e para a
Estrada de Catete, antes de ocupar instalações próprias na Calçada de Santo António,
em 1964.
Por decisão do padre, a estação investiu nos melhores
equipamentos e apostou num serviço de alta qualidade a todos
os níveis: o som tinha uma definição superior à de qualquer outra
concorrente e apenas os melhores programas e locutores eram
admitidos. Entre as dezenas de profissionais que lá trabalharam constavam Henrique
Felner Rollin, Maria Helena Mensurado, Gioconda Ferreira, Renato Queirós Guise, Fernando
Norberto de Castro, Joaquim Berenguel e Belo Marques, que assumiu um cargo de direcção
aos 18 anos de idade. 9 A chefia dos serviços de produção cabia a Eugénio dos Reis.
O início da Guerra Colonial repercutiu-se de forma clara na
Ecclesia, com a informação a ocupar um lugar de destaque na
grelha — em Abril de 1974, esta seria a primeira estação da Província
a noticiar a Revolução dos Cravos. Ao mesmo tempo, o padre José Maria fez
uma aposta decisiva no entretenimento, abrindo a antena a produtoras independentes que
pagavam para transmitir os seus programas. Foi assim que se estrearam dois dos maiores
sucessos de sempre da rádio angolana: Luanda, de José Maria Pinto de Almeida, e Café da
Noite, de Sebastião Coelho.


2VSURJUDPDV
PDLV
RXYLGRV

/XDQGD
Aos sábados, os ouvintes da Rádio Ecclesia tinham uma missão sagrada:
iam «À procura da rolha». Desde que o programa Luanda lançara o
passatempo, andava tudo doido por causa de um pedaço de cortiça.
Mal ouviam na telefonia as pistas da semana,
centenas de luandenses corriam para o largo,
a rua ou o recanto onde a equipa do produtor
José Maria Almeida havia escondido o tesouro.
O trânsito ficava tão caótico que a PSP chegou a reclamar do rebuliço,
embora nunca tivesse impedido o divertimento. Os ouvintes estavam
dispostos a tudo para serem os primeiros a descobrir a rolha que dava
acesso aos «magníficos prémios» apregoados na rádio. Umas vezes o que
os fazia voar era comida, outras um garrafão de cinco litros de vinho.
Nenhuma rubrica da rádio angolana tinha o poder de galvanizar a
audiência como o espaço de emissão lançado, em 1962, por um grupo de
gente jovem e irreverente, então ao serviço do Rádio Clube de Angola.
Zé Maria, Ilídio Resende, Carlos Blanco, Anabela e Rui Pires queriam
inovar os serões e não desistiram enquanto não convenceram a direcção
a apostar naquele horário, até então pouco apelativo para anunciantes.
Contra todas as resistências, estrearam Luanda 62 às 20h30 de 3 de
Setembro. Foi um fenómeno de popularidade tão grande que se manteve
no ar até 1975, mudando de nome consoante o ano em curso.


O programa não se assemelhava a nada do que fora feito em Angola até então: rápido,
nervoso, disposto a ir ao encontro daquilo que importava aos ouvintes, de preferência em
directo, mesmo que isso implicasse percorrer milhares de quilómetros. Tanta movimentação
acabaria por esbarrar no funcionamento do tradicional RCA e o Luanda procurou outras
paragens. Daí em diante, passou a ser um dos maiores sucessos da Ecclesia.
Não havia impossíveis para a equipa de Zé Maria: tanto entrevistavam artistas
nacionais e estrangeiros, que iam a Luanda em digressão, como arranjavam patrocínios
para ir ao Brasil falar com Pelé, estrelas da música ou das novelas. As gravações que
traziam davam para meses de emissões. No Luanda também não havia vergonha.
José Maria Almeida lembraria para sempre a vez em que
ligaram para «São Bento, a pedir para falar com Salazar.
Atendeu Dona Maria [a governanta] e disse que ele estava
a descansar». Gravaram o som e ficaram satisfeitos. Uns
10

tempos depois, tentaram apanhar John F. Kennedy na Casa


Branca. Chegaram ao chefe de gabinete.
Em 1969, arranjaram dinheiro para mandar os enviados Bettencourt Faria (do
Observatório Astronómico da Mulemba) e o locutor Pereira Venâncio a Houston, no Texas,
para acompanhar o lançamento da Apollo 11. «Nesse dia, não se conseguiu ligação e não
entrou o som da reportagem. Quando foi possível, havia tantas interferências no telefonema
que a qualidade era insuficiente para ir para o ar.»11 Mas isso não passava de pormenores.
O importante era poder dizer que o Luanda 69 estava lá no
dia em que o Homem chegou à Lua. Um detalhe: o dinheiro esgotou-se
ao fim de três dias e os dois enviados «acabaram a carregar malas para sobreviver até ao
dia do regresso».12


Carlos Branco e a ouvinte 7KIV\WZ.ZIVKQ[KW2W[u
/QVQVPI+WQUJZI VW+QVMUI)^Qb

Loucuras deste tipo faziam parte da mística do programa. «Era uma emissão muito
dinâmica, de actualidade, que, em certa medida, substituía a televisão: às oito e meia da
noite, o horário nobre, toda a gente nos ouvia, porque era ali que estava a informação
feita em cima do acontecimento. (…) É preciso sublinhar que, para isso, muito contribuiu
o Padre Zé Maria, o nosso mais directo responsável, que deu todo o apoio e liberdade para
as nossas iniciativas, a nossa vontade de informar sobre tudo e todos, sem interferências
— que acabaram por aparecer e nos criaram problemas graves…», disse José Maria de
Almeida ao jornal Se7e, em 1982.13 A PIDE considerou subversiva a cobertura da morte de
um grupo de negros e, como represália, suspendeu o Luanda durante um mês.
A equipa foi mudando ao longo dos anos. Em 1966, mantinham-se Zé Maria, Ilídio
Resende e Rui Pires, então com a companhia de Maria Cristiana e Barreto Ramos. Mais
tarde, entrariam Jorge Pêgo, Pereira Venâncio, entre outros. O público, por seu lado, estava
cada vez mais leal àqueles 55 minutos diários: aderia com fervor às míticas corridas de
cadeiras de rodas no meio da cidade e esperava ansiosamente para descobrir a mentira
que os locutores inventavam no dia 1 de Abril. Os fãs de automobilismo também sabiam
que o programa lhes reservava algum tempo de antena.
Com tudo isto, as galas de aniversário tornaram-se espectáculos imperdíveis. Em
1973, o Cinema Aviz esgotou para ouvir o Quarteto 1111, que viajou da Metrópole de graça.
Nessa noite, actuaram também Francisco José, Tetta Lando e os Negoleiros do Ritmo
e foram entregues os troféus do programa. Carlos Nascimento venceu a categoria de
Homem Luanda 73; Regina Coimbra, uma ouvinte entusiástica, ficou com o título feminino;
e Carloto de Castro recebeu a distinção de Personalidade do Ano.
Contra tudo e contra todos, quando a independência pôs fim ao programa, o Luanda
estava no topo. Afinal, José Maria e os restantes elementos não eram apenas «mabecos e
garotos» sensacionalistas, como os críticos chegaram a chamar-lhes. Com ousadia, tinham
recusado o paradigma da rádio preguiçosa e feito as ondas do éter render-se às loucuras
de um grupo de rapazes para quem não havia impossíveis.


&DIpGDQRLWH
ERDQRLWHHPERDFRPSDQKLD
Todos os serões, às 21h00, a voz inconfundível de Sebastião Coelho
dominava os microfones da rádio Ecclesia, com o seu Café da Noite,
um programa de meia hora onde um dos mais famosos radialistas da
Província fazia reportagem e entrevista, além de ler notáveis crónicas
sobre o quotidiano, da sua autoria.
Gravado nos Estúdios do Norte, em Luanda, este espaço começou
a ser transmitido em Novembro de 1963 14 e conquistou um público fiel
à forma inteligente e elegante como Sebastião Coelho geria a emissão.
«Falava sobre tudo aquilo que a PIDE deixava e era suficientemente
perspicaz para levar o discurso ao limite daquilo que podia dizer».15 Nem
sempre se deu bem: a polícia política chegou a acusá-lo de utilizar a
antena da Ecclesia para transmitir mensagens veladas do MPLA.
O padre José Maria jamais o intimou a moderar o discurso. Afinal,
Sebastião Coelho, natural de Nova Lisboa, era um filho de Angola e um
Só um louco
dos nomes mais disputados da rádio no território.
ignoraria a audiência do Café da Noite, que conseguia
importantes receitas publicitárias. As empresas sabiam-no:
qualquer iniciativa promovida pelo radialista tinha sucesso e isso convidava
ao investimento.
Nunca faltavam boas ideias. Em Maio de 1970, a equipa convidou
70 pessoas para uma emissão especial a bordo do Ca Posoka. Ao longo
de duas horas e meia, Sebastião Coelho fez entrevistas, falou com os
locutores Maria Dinah, Norberto de Castro (em estúdio) e Artur Peres,
convivendo com «artistas, jornalistas e homens da rádio».16 Um mês
depois, o programa foi gravado em simultâneo em formato radiofónico
e televisivo, integrado numa experiência embrionária para a implantação
da televisão em Angola.17
O surgimento de um canal ainda teria de esperar. Em 1969, o
Ministério do Ultramar aprovou a criação de uma comissão de estudo, para
avaliar as condições de abertura de estações televisivas nas colónias, mas
só quatro anos depois autorizou «a constituição de sociedades anónimas
para a exploração desses serviços».18


&KiGDV6HLV
Carlos Costa Rodrigues embarcou para Luanda em 1954, a convite do Governo
português, com uma missão muito simples: preparar o programa artístico da visita do
marechal Craveiro Lopes. Publicitário e agente de espectáculos, com negócios prósperos na
Metrópole, pensou que ia e voltava pouco depois. Acabou por ficar lá até à independência e
por se tornar, com Adalberto Guimarães, um dos mentores de um dos maiores fenómenos
de popularidade em Angola: o Chá das Seis.
A receita não era nova. Em Lisboa, criara o programa Passatempo, o tempo que passa,
na Rádio Peninsular. Quis ver se a fórmula funcionava em Angola. O Chá das Seis e Meia
estreou-se em Novembro de 1959 e durante muitos anos foi uma montra para centenas de
artistas. Primeiro, às 18h30 de sexta-feira, com apresentação de Diamantino Faria e Alice
Cruz, e mais tarde ao sábado, às 18h00, com Artur Peres no lugar de Diamantino, o Chá
cedeu o palco a palhaços, bailarinos, patinadores, fadistas e muitos nomes desconhecidos
do público.
Em 1965, quando celebrou seis anos de existência, já teria revelado 150 novos
talentos.19 Em Julho de 1961, Os Rocks, de Eduardo Nascimento, passaram a fazer parte
desse lote e a sua «estreia foi coroada de absoluto êxito. O público aplaudiu com convicção
e obrigou[-os] a bisar várias vezes». 20 Todos os artistas recebiam um envelope com o
cachet antes das actuações. Ondina Teixeira, por exemplo, ganhou 300 escudos no dia da
sua estreia. 21

;IZI+PI^M[MZI
uma das cantoras
mais requisitadas
para actuar no
+PnLI[;MQ[


A direcção artística de Adalberto Guimarães e Costa Rodrigues
garantia qualidade constante ao cartaz, que esgotava a sala quase todos os
sábados. Cada cantor entregava, no início da semana, as partituras do que
ia interpretar, para dar tempo a que o maestro Casal Ribeiro preparasse
o tema com os músicos do seu conjunto. Quando aparecia um artista
especial, Luanda enlouquecia à procura de um bilhete. Quem ficava de
fora podia sempre ouvir a transmissão do espectáculo na antena do Rádio
Clube de Angola (RCA). E, assim, os apresentadores Artur Peres e Alice
Cruz tornaram-se estrelas — estatuto que Ruth Soares veio a conquistar
quando o elemento feminino da dupla partiu para Lisboa.
Costa Rodrigues escrevia o guião e preparava os concursos que
galvanizavam a audiência. Tudo ou Nada era um passatempo de perguntas
e respostas, que dava dinheiro a quem acertava. As provas de twist e de
rock funcionavam por eliminatórias. E os desfiles de máscaras estimulavam
a criatividade dos participantes. Prémios e artistas eram pagos à custa
dos muitos anunciantes, que ali viam uma excelente oportunidade para
promoverem os seus produtos. Entre os mais importantes estavam a
CUCA, a Sabena, a Camisaria Brasília e a Energetic, chocolate de leite.
Ali apareceram muitos novos talentos. A primeira vez que Ondina
Teixeira actuou no Chá das Seis, saiu de dentro do bule que fazia parte do
cenário, ao lado das obrigatórias chávenas. Subiu as escadas, equilibrou-se
e apareceu junto à tampa, para cantar «Não percas a esperança» e
«Ansiedade», da cantora Maria Clara. Tinha apenas 13 anos de idade,
mas mostrou-se tão firme e afinada, que arrancou um estrondoso
aplauso à plateia do Cinema Restauração. É verdade que o Chá
lançava gente em início de carreira, mas eram os nomes
consagrados que mais público atraíam ao Restauração.
Sara Chaves, Fernanda Ferreirinha, Maria Alice, Maria
Clara, Anabela, Maria dos Santos, Maria de Lourdes, Alex
Sines, Herberto de Freitas, os Três de Angola, os Blues de
Espanha e Lily Tshiumba foram apenas alguns do que
fizeram furor, tornando inesquecíveis aquelas duas horas
de espectáculo contínuo.



7HUUDGH
farras

Os Cinco de Luanda eram um dos


conjuntos musicais da cidade.

5pYHLOORQ
A festa mais exclusiva e concorrida de Luanda tinha data marcada.
E toda a gente queria ser convidada para a passagem de ano do Clube
dos Caçadores de Angola, no bairro de Miramar. Não que faltassem
alternativas; havia soluções para todos os gostos e carteiras, em hotéis,
restaurantes e casas particulares. Mas aqueles 700 lugares eram os mais
disputados e só a elite tinha lugar na lista de convidados, encabeçada pelo
governador-geral.
Ruca Corrêa Mendes frequentou o réveillon do Clube desde miúdo
e na adolescência cometeu alguns excessos próprios da idade. Se ele e
os amigos se distraíssem com os copos de cerveja, gin e whisky antes
das dez ou onze da noite, o melhor era usarem a arma secreta contra
a embriaguez: «Ia-se ao Hospital Maria Pia para tomar Coramina, um
medicamento que eliminava o efeito do álcool. Depois já se podia voltar
à diversão.»1
A entrada custava 300 escudos e dava direito a cocktail de boas-
-vindas, jantar servido na esplanada e no campo de tiro e baile animado
pelas melhores bandas do momento, como os Pentágono, de Fernando
Girão, e Os Rocks, de Eduardo Nascimento. A ementa primava por ser
europeia, com lagosta, camarões, rosbife e outros pratos de luxo. Nunca
havia comida africana. O mesmo se aplicava à música: ritmos angolanos
ficavam de fora. À meia-noite parava tudo para assistir ao fogo-de-
-artifício sobre a Baía. Depois do último estoiro, reabria a pista e o ano
arrancava com centenas de pessoas a dançar até à exaustão.


&DUQDYDO
Luanda sempre gostou do Carnaval: uns dias antes da festa, os discos
de merengue esgotavam nas lojas, as costureiras apressavam-se e
os conjuntos musicais dedicavam horas aos últimos ensaios. O povo
divertia-se muito, mas a febre nunca tomava conta da cidade. Até que,
em 1967, uma escola de samba do Rio de Janeiro visitou a capital e fez
disparar a festa. Os grupos «desceram dos musseques, com caixas e
cornetas, apitos e adornos» 2 , e nem o sol impiedoso abrandou a ginga
de uma multidão endiabrada pelo ritmo. Daí em diante, a Comissão
Municipal de Turismo passou a apoiar as colectividades e a organizar
um corso anual que levava toda a gente à Marginal. Um dos principais
impulsionadores da comemoração anual foi o promotor Luís Montez,
que trabalhava no CITA, o organismo de propaganda da Província.
O resultado notou-se logo no ano seguinte: «Por
toda a parte,
o mesmo: nas ruas e nas boîtes, nos clubes e
em casas particulares, a ideia era só farrar. Com
noites a 30 graus, o Carnaval pegou fogo num
instantinho e levou quatro dias a apagar.» 3

%RvWHV
EDUHVDPHULFDQRV
HFOXEHV

7DPDU
Sempre que Joãozinho das Garotas entrava va
na Tamar, o disc-jockey punha a tocar o tema ma
«Goldfinger», que Shirley Bassey interpretou na
mes
abertura do terceiro episódio da saga de James
Bond. Desde que o filme se estreara em Luanda,anda,
João Faria passara a ser conhecido pelo nome me do
terrível vilão que traficava ouro, no filme doo agente
secreto de Sua Majestade. Tudo porque Joãozinho
sonagem do
era um bom malandro que, tal como a personagem
oémia.
cinema, se rendia aos prazeres do luxo e da boémia.
Em Luanda, poucos sítios serviam tão bem o seu modo
ulos muito ao estilo do
de vida como a Tamar, uma sala de espectáculos
escuro, com uma abóboda
Casino Estoril. Com o tecto pintado de azul-escuro,
éu estrelado, recebia companhias
pontilhada por luzinhas brancas a imitar o céu
de bailado de vários países. Longe dos tempos pos em que fora pouco mais do que um
cabaré, quando Carlos Cardona assumiu a gerência, de 1968 a 1971, tornou-se um «sítio
muito decente por onde passaram ballets brasileiros, artistas sul-africanos, espanhóis e
ingleses». O maestro Casal Ribeiro chegou a animar as madrugadas com a sua orquestra.
Mas a oferta era tão variada que outros serões ficavam por conta do travesti Alex.
Se houvesse espectáculos especiais, pagava-se bilhete para entrar; nas noites
comuns, cabia ao porteiro seleccionar a clientela. «A Tamar não era um lugar exclusivo da
elite, embora fosse frequentado sobretudo por gente endinheirada que podia gastar o que
lhe apetecesse.» Os clientes da casa guardavam no bar garrafas próprias de whisky Dimple,
Old Parr e Ballantine’s. Nem todos conseguiam alcançar esse estatuto: gente mal vestida
ou demasiado embriagada ficava lá fora. Sem hipótese de reclamar.


&DOKDPEHTXH
&DOK
A perg
pergunta sacramental surgia logo que alguém
cruzava a porta: «Então o que é que se bebe?» 4
cruza
Fran
Francisco Montanha Rebello, frequentador
hab
habitual, ficava sempre envergonhado. Nunca
teve o hábito de consumir álcool e, para não
faze
fazer a desfeita, lá ia pedindo um ou outro
martini numa das discotecas mais concorridas da
mar
cida
cidade. Situado na Rua Vereador Castelo Branco,
em frente ao Hotel Universo, o Calhambeque
conq
conquistou Luanda desde a abertura, no início
F
de Fevereiro de 1966. O proprietário, Francisco
Barbo Félix, convidou a imprensa para conhecer
Barbosa
espa
o espaço em primeira mão e os jornalistas
encarreg
encarregaram-se de descrever um «sítio tranquilo
onde apetecia
apete beber qualquer coisa e conversar durante
pedaço». 5 A partir daí a pista enchia de gente ansiosa
um pedaço»
por dançar os êxitos
ê dos Beatles e dos Rolling Stones que o
disc-jockeyy Vítor Santos Soares punha a tocar, enquanto uma
bola de espelhos rodava
roda no tecto. Em 1971, o Calhambeque fechou
para remodelação e reab
reabriu com o nome de Contencioso. A decoração
foi assinada por Carlos Fernandes
Ferna ao estilo de um café-concerto, «muito
cómodo e iluminado».6 Mais ttarde, Francisco Barbosa Félix abriu outro bar
de sucesso, perto da Igreja ddo Carmo: o 4.

7~QHO
O piloto Álvaro Lopes recebia com simpatia o pessoal do automobilismo
e do motociclismo, que se encontrava para dançar e conviver na sua
discoteca da Maianga. Poucos jovens apareciam por lá: era um sítio para
gente mais velha.


5HQGH]9RXVH*ULOO5RRP
Num determinado período, as boîtes dos hotéis Continental e Universo
disputavam o lugar de discoteca mais bem frequentada de Luanda.
Procuradas por uma certa elite, atraíam famílias e agradavam às
tripulações da TAP durante as escalas que faziam em Luanda, no tempo
da Linha de África.

)ODPLQJR
A caminho da Praia do Bispo ficava «um clube
juvenil onde as miúdas podiam ir sem ficar mal». 7
No espaço bem iluminado com vista para o mar
dançava-se Beatles, Rolling Stones e êxitos como
«California Dreamin’», dos Mamas and Papas. De
sábado para domingo, a animação ficava a cargo
de uma banda. Como o Flamingo era longe, ir até lá
obrigava rapazes e raparigas que não tinham carro
a organizar-se em grupos para dividir o preço dos
táxis. No regresso, havia sempre alguém disposto a
dar uma boleia.8


&DL[RWHH&KRXSDO
Em Luanda chamava-se
bar americano às casas de
alterne, e estes eram dois
locais procurados por homens
interessados numa noite bem
passada, enquanto pagavam
copos a miúdas bonitas e
atraentes. O Caixote tinha
fama de ser frequentado
por raparigas estrangeiras
de silhuetas voluptuosas.
No Choupal, ao cimo da Rua
António Barroso, o atractivo
eram as espanholas.9

*UXWD5H[
H&RSDFDEDQD
Estes clubes de striptease eram locais
impróprios para raparigas de boas
famílias. O baterista Álvaro Santos, que
tocava ao vivo no Gruta, só ousava mostrar o
espaço à sobrinha Dina durante o dia. À noite dizia que
não era sítio para ela. O cabaré, localizado num primeiro andar
à entrada da Ilha de Luanda, fazia parte do roteiro nocturno
de muitos homens endinheirados. Quem não gostasse do
espaço, podia ir ao bar 007, nas traseiras, ou à Tamar, ali perto.
No Rex e no Copacabana, no Bairro de São Paulo, as noites
não diferiam muito das do Gruta e chamavam o mesmo tipo
de cliente masculino, com negócios próprios e algum poder
económico. Havia mulheres, sim, mas nenhum destes três
sítios tinha o rótulo de bar de engate: esse estatuto ficava para
o Bambi e o Cortiço, que abriam durante a tarde e estavam mais
vocacionados para facilitar encontros carnais.


Ondina Teixeira
chegou a cantar
fados nos
primeiros anos da
Casa Portuguesa,
na Ilha.

0X[LPDH&DVD3RUWXJXHVD
Aqui dominava o fado. Uma ou outra vez lá se faziam espectáculos diferentes, mas o
habitual era ouvir guitarradas e trinados, enquanto se comia chouriço assado ou outro
petisco típico. Quem gostava da Muxima estava habituado a ir para as bandas da Samba;
os fiéis à concorrência faziam o caminho até à Ilha. Na última fase, a frequência da Casa
Portuguesa degradou-se tanto que esta passou a ser vista como um sítio de má vida.

/¶pWRLOH
Aos domingos à tarde, havia boa música no terraço bem decorado de um
dos prédios mais altos da Marginal. À noite, o porteiro seleccionava os
clientes, de preferência brancos e de boas famílias. Poucos negros tinham
poder económico suficiente para aceder àquele último andar sobre o mar.10


&OXEHV5HFUHDWLYRV
Na capital de Angola, poucos nativos iam a bares ou night clubs. Umas
vezes porque não tinham dinheiro, outras porque não os deixavam entrar,
acabavam por se divertir em clubes recreativos como o Marítimo da
Ilha, o Maxinde, Os Belenenses e o Ginásio. Dançavam até ao amanhecer
rebitas, sembas, coladeras e merengues, ritmos que também chamavam
alguns brancos. A população de raiz europeia era vista sobretudo no Clube
Ferroviário, no Bungo, conhecido pelas festas de Ano Novo, Carnaval e
pelos bailes épicos.



2SHFDGRGD
gula


2EDFDOKDXGR9LOHOD
Antes de morrer, o velho Vilela fez um pedido a Octávio Lopes: acontecesse
o que acontecesse, nunca poderia revelar o segredo que ele lhe contara
tantos anos antes. Queria que a receita que lhe dera fama em Angola
desaparecesse com ele. E a única forma de o conseguir era exigir silêncio
eterno ao grupo restrito a quem confiara a preparar o célebre «Bacalhau
à Vilela». Octávio prometeu-lhe sigilo e disse-lhe que descansasse. Nunca
quebrou a promessa.
O fenómeno começou no Retiro da Conduta, o restaurante que Vilela
abriu na Estrada da CUCA e onde serviu pela primeira vez o seu bacalhau
assado. As postas eram tão altas e suculentas que a notícia se espalhou
e num ápice a lotação passou a estar sempre esgotada. Os clientes bem
pediam para saber a receita, mas a curiosidade ficava, invariavelmente, por
satisfazer. Daí à especulação foi um instante. Todos davam o seu palpite,
mas o mais recorrente era dizer que o velho demolhava o bacalhau em
leite.
Octávio nunca confirmou nem desmentiu, embora garanta que o
bacalhau era mergulhado em água gelada, mudada três vezes por dia.
«À quarta-feira chegavam 100 fardos de 60 quilos para consumir na
semana seguinte.»1 Depois de cortado em postas, ficava de molho no
frigorífico e só à sexta-feira estava no ponto. Aí envolvia-se em papel
vegetal e congelava-se até fazer falta para servir com azeite, alho, rodelas
de cebola e pimentos assados.
A receita fazia tanto sucesso que, em 1966, quando a selecção de
Eusébio, José Augusto, Mário Coluna, Torres e Simões disputou o Mundial
de Futebol em Inglaterra, a revista Notícia enviou para lá uma remessa
num frigorífico portátil. A encomenda que seguiu para Manchester a 23
de Julho num voo da TAP estava bem identificada. «Contém doping real
para a Selecção Portuguesa de Futebol: bacalhau de Angola», anunciava.
Para que nada falhasse, o autor da receita deixou, por uma vez, que as
instruções de preparação fossem dentro da embalagem.
«Escolhido cuidadosamente, o bacalhau do Vilela seguiu, carinho-
samente transportado pelas moças da TAP, juntamente com a receita que
fez dele o melhor do mundo. Se o bacalhau e o café derem forças aos
rapazes para vencer os “bifes” terá largamente valido a pena a correria
para os mandar», escreveu a revista. 2
Vilela acabou por vender o Retiro da Conduta e abrir um restaurante
na Estrada de Catete, mas o negócio correu mal e viu-se forçado a


procurar trabalho na Esplanada de Santo António. Além do salário,
Albergaria, o patrão, pagava-lhe um montante fixo, a fim de poder
apregoar que, a partir desse momento, aquela era a verdadeira casa do
bacalhau à Vilela. Francisco Manuel Gomes servia lá à mesa no tempo em
que uma dose custava 20 escudos — menos 10 do que uma garrafa de
Casal Garcia. Quando Octávio Lopes era gerente, a travessa já custava o
dobro. Certo é que os 3200 lugares sentados estavam sempre cheios de
uma clientela variada, que tanto incluía o governador da Província como
polícias, domésticas, estudantes, donos das grandes cervejeiras e negros
ilustres. Para todos eles, o Vilela era um ritual.

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Tarique dos Santos Aparício era uma figura incontornável em Luanda. Nos meados dos
anos 60, constituía uma peça fundamental para a prosperidade do negócio da família.
Nessa altura, o Baleizão já se tornara «uma mina; Tarique, o mineiro». Nascido em Luanda
«com três quilos e picos» 3, em 1967, pesava 90 e exibia a silhueta atrás de um dos balcões
mais concorridos da cidade. Os
luandendes tanto lá iam comprar os
míticos gelados da casa como refrescar-se com uma cerveja
gelada. No Verão, vendiam-se «600 litros e um camião carregado de presunto por dia» , 4

salgado e apetitoso, aviado em sanduíches que atiçavam ainda mais a sede.


A fama da casa nem sequer vinha da cerveja fresca. O que a tornava realmente única
eram os gelados — baleizões, na gíria local. Foi o velho Aparício quem decidiu mandar o
filho Tarique várias vezes a Itália aprender os segredos dessa arte. De volta, com a mão
apurada, o rapaz criou a receita de uma cassata com frutos cristalizados que ascendeu a
património da cidade. Além disso, fazia baldes de vários sabores para consumo no próprio
Baleizão ou em carrinhos de vendedores ambulantes, que percorriam Luanda de lés a lés.


Na juventude, Tarique fora um grande nadador do Clube Nun’Álvares, de que era
o sócio número 1 — o pai integrara o núcleo de fundadores. Dele herdou a paixão pelo
Sporting: tanto torcia pelo de Lisboa como pelo de Luanda, que chegou a dirigir e financiar.
Apesar de a militância ser conhecida, jamais espalhou bandeiras e estandartes do clube
pelas paredes da cervejaria — preferia manter os posters da equipa no escritório, apenas
visíveis para os mais próximos.
O amigo Carlos Cardona fazia parte do grupo restrito que tinha acesso não só a
esse espaço como também à sala resguardada onde Tarique, pai de três filhas, servia às
quintas-feiras «um memorável cozido à portuguesa. Chamava-lhe o cozido residual.» 5 Foi
assim nos tempos de abundância e nos de escassez. Quando a guerra impôs limitações
severas ao abastecimento da cidade, o dono do Baleizão continuou a convidar os amigos
para comerem o que se conseguia arranjar, sem lhes cobrar por isso.

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Nem toda a gente podia entrar na Paris. E Artur Ventura, gerente e mais tarde sócio do
estabelecimento, conhecia bem as regras a aplicar. «Havia um direito de admissão, para
manter um certo nível. Ainda assim iam lá negros bem vestidos e que não faziam confusão.» 6
Os irmãos Boavida, por exemplo, eram frequentadores assíduos. Américo, o médico, nunca
ia à praia sem lá passar a fim de recolher o farnel do dia. Parava o carro à porta, Ventura
saía e entregava-lhe a encomenda. No fim, recebia uma gorjeta de 20 escudos.
A Paris tinha uma oferta vasta, que incluía croissants, pastéis de nata e uma enorme
variedade de bolos em tamanho normal e miniatura. Ao fim do dia, as montras estavam
vazias, mas a caixa ficava bem cheia: a facturação atingia, por norma, os 60 ou 70 contos.
O sucesso devia-se, em parte, ao ritual dos rissóis. À tarde, quando chegavam às montras,
formava-se uma enorme fila na esquina da Rua Governador Eduardo Costa com a Salvador
Correia. Muitos traziam dinheiro certo para facilitar o troco: 15 tostões para os rissóis de
lagosta ou camarão, 10 para os croquetes. Chegavam a vender-se 400 pastéis de marisco
por dia. E isso era apenas uma parte de um negócio muito lucrativo.
A Paris pertencia ao grupo de empresas de Cosme Martins Varanda, que começou
pelo negócio dos bolos e foi abrindo estabelecimentos de prestígio, como a pastelaria
Versailles, o restaurante Vatel e os supermercados Angola. Além disso, explorava as
cozinhas do Cinema Restauração, onde preparava banquetes e o catering servido nos voos
da TAP. Foi, aliás, por causa das refeições confeccionadas para a companhia aérea que
surgiu a ideia de fazer rissóis de lagosta. Não havia melhor forma de aproveitar as sobras
dos lombos à thermidor enviados para os aviões.


Cosme Varanda tinha ainda a seu cargo o fornecimento das
refeições vendidas nos cinemas da Sulcine, de Ribeiro Belga.
A parceria com o mundo da Sétima Arte era tão proveitosa
que existia na Paris um balcão de venda de bilhetes. Mesmo
sem ganhar comissão, a cedência do espaço compensava
pela quantidade de clientes que acorriam à pastelaria, em
busca de ingressos.
A Versailles, no Largo Dom João IV, em frente à Lello, tinha resultados semelhantes
aos da Paris e uma varanda com 216 lugares disputadíssimos pelos clientes. Além de
produtos para consumo interno, o estabelecimento servia banquetes requintados para
casamentos e recepções. Era também dali que saía tudo o que era posto na mesa do Palácio
do Governador, em ocasiões especiais. Da ementa constavam arroz de marisco, caril de
frango, petits-vol-au-vents de frango, perus trufados, escalopes Donald, lagosta e gambas
ao natural, além de uma enorme variedade de sobremesas, como quindins, cestinhos de
nougat e doces de ovos de Aveiro. Claro que tanta oferta tinha um reflexo no preço, que
não estava ao alcance de todos.
No entanto, o espaço mais exclusivo do grupo era outro: o restaurante Vatel. Instalado
no mesmo edifício, recebia sobretudo altas figuras do Estado, empresários e artistas.
Por lá passaram Adriano Moreira, Manoel Vinhas, António Champalimaud, que deixaram
os respectivos autógrafos no livro de honra da casa. Nenhum deles discutia o nível da
gastronomia ali praticado: aproveitavam apenas para saborear o «bacalhau à Versailles», o
«frango à Vatel» ou uns simples filetes de pescada com salada russa, cozinhados na perfeição.


Ainda
se lembra…

… das garoupinhas assadas do Bitoque, lá para as bandas da


Mutamba?

… de comer arroz de marisco em tronco nu no Pezinhos na Água?

… do bife com ovo e molho de natas do Caçarola?

… do bife à Montecarlo?

… do marisco fresco do Barracuda, na ponta da Ilha?

… das bolas de berlim e dos pregos do Pólo Norte?

… da vista do Marisol?

… de levar sopa e pratos quentes para casa nos ternos do Paparoca,


que só cobrava ao fim do mês?


Receitas
de Angola
Os colonos sempre foram conservadores à mesa. Mesmo longe,
continuaram a fazer as mesmas comidas típicas da Metrópole.
Um dos poucos pratos angolanos que entravam nas casas dos
brancos era a muamba. Tornou-se de tal forma habitual que
alguns continuaram a prepará-la em Portugal depois de 1975.
Cada cozinheiro dava-lhe um toque pessoal. A receita de
muamba da professora Elsa Cochat Sequeira foi publicada no
livro Kuria ia Kuku, uma compilação das comidas de Angola que
a população de origem europeia mais apreciava. Entre doces e
salgados, são dezenas de pratos para avivar a memória.


7
Muamba de Galinha
Ingredientes Modo de preparação

1 galinha com as miudezas Tire a maior parte da pele da galinha e corte-a


4 dentes de alho aos cubos. Num almofariz, pise os alhos, o sal,
Sumo de 1/2 limão a salsa, o louro e o sumo de limão, tempere e
2 folhas de louro
deixe repousar durante duas horas. Refogue
Sal q.b.
1 ramo de salsa a cebola picada com quatro colheres de sopa
1 cebola grande de dendém. Quando estiver loura, junte os
250 gramas de quiabos quiabos às rodelas grossas e as curgetes
2 curgetes em cubos pequenos, sem casca. Adicione a
1 chávena de chá de muamba de dendém muamba e a galinha, mexa com uma colher
4 colheres de sopa de azeite de palma
de pau e deixe tomar gosto. Junte água para
(dendém)
1 cubo de caldo de galinha cozer devagar, sem pegar ao fundo do tacho.
Água q.b. Dissolva o cubo de galinha num caldo quente.
Jindungo q.b. Tire a carne do lume quando o garfo espetar
com facilidade. Ajindungue a seu gosto. Se
estiver seco, misture uma colher de sopa de
fuba de bombó em chávena e meia de água e
rectifique. Acompanhe com funge de bombó,
sirva e regue com sumo de limão.


Paracuca
Ingredientes Modo de preparação

Açúcar e jinguba (amendoim) Ponha o açúcar, a casca de limão e o pau de


em quantidades iguais canela ao lume com água suficiente para cobrir
Casca de limão esta camada. Logo que a calda ficar pegajosa,
1 pau de canela
tire do fogão e mexa de forma enérgica com
uma colher de pau. Se ficar esbranquiçado é
porque está no ponto certo. Deite o amendoim,
continue a misturar e verta numa tábua de
cozinha untada com óleo, de modo a que as
jingubas fiquem soltas e envolvidas em açúcar
caramelizado.

8
Pé de moleque
Ingredientes Modo de preparação

Água Forre o fundo de um tacho com açúcar e cubra


Açúcar essa camada com água, ponha ao lume e deixe
Jinguba (amendoim) ferver até atingir o ponto de pérola. Depois tire
do fogão e continue a mexer com uma colher
de pau, sempre para o mesmo lado, até ficar
esbranquiçada e pegajosa. Junte a jinguba
inteira e sem casca toda de uma vez e espalhe-a
às colheradas numa tábua untada com óleo.
Espere que seque e pode comer.

Fonte: Kuria ia Kuku, de Elsa Cochat Ferreira.



&RFD&ROD
A febre da Coca-Cola tomou conta de Luanda no início dos anos 60. Pouco
depois de entrar no mercado angolano, a marca lançou um concurso que
enlouqueceu os miúdos. O objectivo consistia em coleccionar caricas de
garrafas com os números de 1 a 100. Quem conseguisse, ganhava um rádio
ou uma bicicleta. Celina Rocha9 e os dois irmãos guardaram cada carica de
forma religiosa, até só lhes faltar a mais rara de todas: a 13. Era tão difícil
encontrá-la que houve quem fizesse batota. Pegavam numa cápsula com
o número 18, apagavam metade do 8 até o algarismo se parecer com um 3.
Claro que as falsificações foram descobertas. Só que Celina teve mesmo
sorte. Num fim-de-semana, a caminho de um piquenique, lá apareceu a
carica mais desejada. O pai ainda se zangou com os filhos, pensando que
também eles estavam a ser desonestos. Até que reconheceu a injustiça e
os deixou reclamar a tão sofrida bicicleta.


Cervejas
&XFD
Em 1952, o empresário Manoel Vinhas criou a
Companhia União de Cervejas de Angola e em
pouco tempo Cuca passou a ser sinónimo de
cerveja, na Província ultramarina. Custava cinco
ou nove escudos e era «tão leve como a espuma
do mar». Os luandenses habituaram-se a vê-la
assim: «Cuca, um prazer que pede bis.»

1RFDO
A Nocal, Nova Empresa de Cervejas de Angola, apareceu em
Janeiro de 1961 e assumiu-se como a principal concorrente
da Cuca, com o slogan «A copo, branca, preta ou super,
Nocal apetece!»

(ND
Em Janeiro de 1972, foi a vez de uma nova marca se
apresentar ao mercado angolano: «Muito prazer. Sou
loura e o meu nome é Eka», anunciava a publicidade de
página inteira com a imagem de uma modelo escultural.
Assim surgia a Eka, a cerveja tropical.
Manoel Vinhas (de calças brancas e braços cruzados)
tinha uma paixão por Angola, onde fez grandes investimentos.


2LPSpULRGHManoel Vinhas
O maior industrial do sector das cervejas em Angola só bebia vinho.
Manoel Vinhas decidiu investir em Luanda no início dos anos 50 e logo
se deixou enfeitiçar pelos encantos da Província. Accionista da Sociedade
Central de Cervejas, na Metrópole, dedicava grande parte da sua atenção
à operação no Ultramar, onde detinha a Companhia União de Cervejas de
Angola (CUCA). Nunca se mudou para lá com a mulher e os oito filhos.
Preferiu educar os miúdos em Lisboa, mas levou-os várias vezes a Angola
para lhes mostrar a realidade da vida na África portuguesa, em visitas que
Quando os
ÅTPW[LM
ele próprio organizava. A família participava em caçadas e festas, convivia
Vinhas iam a com as mais altas figuras de Angola. Isso não impedia que, na hora de
Angola, o pai visitarem a cantina da CUCA, os meninos passassem para trás do balcão e
obrigava-os
a servir os servissem a refeição a trabalhadores brancos e negros, sem distinção. No
funcionários fim, sentavam-se em mesas corridas e comiam ao lado dos funcionários,
na cantina.
que deviam tratar de igual para igual.10


Manoel Vinhas
(à esq.) à chegada
a Luanda, numa
das muitas
visitas que fazia
a Angola.

9LVmRVREUH$QJROD
É certo que Manoel Vinhas detinha um dos grupos financeiros que mais
investiam na Província. Porém, o que o unia àquela terra não eram apenas
negócios. Tinha um verdadeiro fascínio por Angola, pelo potencial que
ali encontrava, e desde cedo assumiu isso publicamente em artigos e
livros, mesmo que tivesse de apontar o dedo ao Governo. Gonçalo Leite
de Faria, que fazia parte da administração da CUCA e o acompanhava
nas viagens à colónia, sabia que Vinhas «não era do reviralho, mas tinha
ideias progressistas e adoraria que Angola tivesse mais autonomia».11 Em
Para um diálogo sobre Angola, publicado em Março de 1962, o empresário
assumiu que lhe agradaria a promulgação de um estatuto assente na
«crescente descentralização em relação à Metrópole; no alargamento de
cargos e funções governativas a locais; no preenchimento dos lugares
públicos tanto quanto possível com elementos naturais ou residentes
em Angola; (…) e [na necessidade de] publicação de um sistema eleitoral
que definisse o acesso à qualidade de eleitor, atendendo à desigualdade
[que então existia] nos diferentes sectores da população». Tanta evolução
nem sempre agradou a Salazar. Vinhas nunca alterou uma vírgula ao que
pensava.12


Passeio e jantar
a bordo do
Ca Posoka .

7HPSRUDGDVHP/XDQGD
Ia a Luanda três ou quatro vezes por ano e nunca falhava o aniversário da
empresa, a 26 de Abril. Sabia-se com uns dias de antecedência que o patrão
estava para chegar e, na data certa, toda a CUCA saía à rua para o receber.
Manoel Vinhas instalava-se no apartamento que mandara construir no
segundo piso da fábrica e onde gostava de receber convidados para jantar.
Não abusava, mas era apreciador de boa comida, e Gracinda, a governanta
que Manoel levara de Lisboa para Luanda, conhecia-lhe o gosto.
A casa era confortável: teria umas seis suítes com ar condicionado,
casa de jantar e uma sala envidraçada que dava para o terraço. Com
esse espaço amplo, Vinhas nem precisava de procurar outro sítio para
organizar festas em que participavam o governador-geral Rebocho Vaz,
o secretário provincial das Obras Públicas, Carloto de Castro, e directores
e administradores da CUCA, como Francisco Vasconcelos Guimarães,
Albano Martins da Costa, José Luís de Moura, António Melícias, Jorge
Ferreira e Gonçalo Leite de Castro, que chegara a ser seu genro.13
Manoel Vinhas confiava em absoluto nos homens que conduziam
os destinos da companhia, em África, e aproveitava aquelas visitas para
os estimular ainda mais. Disciplinado e metódico, levantava-se muito
cedo e organizava o tempo de maneira a conseguir dar um pulo à Ilha.
O motorista levava-o num Mercedes 250 verde, ele dava um mergulho,
nadava, lia os jornais e voltava ao trabalho, no escritório com fotografias de
negros e negras penduradas nas paredes. Quando podia, caçava. Apesar de
as solicitações serem muitas, Manoel Vinhas parecia ter tempo para tudo.

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Tinha uma admiração tão grande pelo talento que sentia um enorme
prazer em apoiar músicos, escritores e artistas. Foi assim em Luanda
como em Lisboa, onde financiou alguns dos nomes mais importantes
da literatura e das artes plásticas do seu tempo. Em África, promoveu
exposições de Arte Moderna, apoiou o Museu de Angola, financiou as
obras de Artur Cruzeiro Seixas, Carlos Fernandes e Luís Jardim Portela e
comprou quadros de António Palolo, para o ajudar enquanto este cumpria
o serviço militar, no Norte do território.14


No dia do aniversário
da CUCA, todos os
funcionários eram
convidados para um
almoço.

HPSUHVDV
No princípio havia a CUCA e a Cuca invadiu a vida da Província. Em poucos
anos, Manoel Vinhas construiu um império em Angola. Ao todo criou 53
empresas de diferentes ramos de actividade. Gonçalo Leite de Faria viu de
perto o crescimento de um grupo forte e dinâmico, no qual toda a gente
gostava de trabalhar. À fábrica de cervejas de Luanda juntou-se a de
Nova Lisboa e um centro de distribuição no Lobito, além de uma série de
indústrias relacionadas entre si. A CucaProtector, por exemplo, produzia
rações a partir das borras que sobravam da produção de cerveja. Manoel
Vinhas tornou-se accionista da Vidrul, que fazia garrafas, e da Crown
Cork, de onde saíam as caricas. Associou-se à unidade responsável pelas
caixas de cartão das embalagens e à Babcock, que produzia as caldeiras
necessárias para aquecer a água de lavar as garrafas. Em paralelo,
investiu na criação de gado bovino, na Avicuca — chegou a ter um milhão
de galinhas — e na Protange, uma fábrica flutuante de proteína de peixe.
Na agricultura, apostou na exploração de vegetais e maracujás, cuja polpa
era transformada em sumo. Em 1970 entrou no capital da Neográfica,
proprietária da revista Notícia, exigindo a aprovação de um estatuto que
garantisse a independência da redacção.


6HUYLoRVVRFLDLV
Todos os trabalhadores da CUCA tinham direito a um serviço de
assistência médica de alta qualidade. Se precisassem de ser vistos por
um clínico, só precisavam de pedir e logo que possível iam ao gabinete.
Manoel Vinhas considerava que fazia parte das obrigações das grandes
empresas oferecer aos funcionários um conjunto de regalias adequadas
às suas maiores necessidades. Com esse espírito, aprovou a abertura do
Jardim dos Pequeninos, uma creche para filhos de funcionários onde os
miúdos tinham brinquedos tão sui generis como a primeira camioneta
de distribuição de cerveja em Angola. Depois de desactivado, o veículo
passou a servir de divertimento, à disposição da criançada. Vinhas tinha
ainda como princípio o reconhecimento das qualidades dos trabalhadores,
independentemente da cor da pele. Para os premiar, entre 1952 e
1970, a CUCA gastou 15 mil contos em prémios, subsídios e donativos.15
No aniversário da empresa, estavam todos convidados para um almoço
de comemoração, que podia decorrer ao som do Orfeão da companhia,
sedeado em Nova Lisboa. E porque os serviços sociais da empresa
Grupo Cultural e
também pensavam nos tempos, foi criado o
Desportivo da CUCA, com equipas de diferentes
desportos a disputar campeonatos em Angola.


Cinema Miramar

Cinema

Poucas indústrias entusiasmavam tanto Angola


como a do cinema — até porque não havia
televisão. Em 1960, existiam em Luanda cinco
salas, com um total de 4976 lugares. Foram
vendidos 2 137 320 bilhetes para ver 2335 filmes
e as receitas ultrapassaram os 16 500 contos.1
Treze anos depois, o número de cinemas
triplicara e a lotação das salas ascendia a 14 320
cadeiras. A aquisição de mais de sete milhões
de ingressos rendera às distribuidoras quase 61
milhões de escudos. 2

Marisol


Inauguração:
Novembro de 1961
Local:
Bairro de Alvalade

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Foi uma espécie de «dois em um»: na mesma noite de Novembro de 1961, a
Sulcine inaugurou o seu novíssimo cine-esplanada e levou a Luanda uma
vedeta que a cidade há muito esperava: a pequena cantora espanhola
Marisol. Por essa altura, o público mais jovem da Província andava rendido
ao êxito «Um raio de sol» e isso bastou para fazer da abertura do Cinema
Aviz uma das festas mais cobiçadas do ano.
A protagonista do filme Chegou um anjo, escolhido para a estreia da
sala, foi recebida com enorme entusiasmo. Quando aterrou no Aeroporto
Craveiro Lopes, tinha à espera «centenas e centenas de admiradores e
curiosos [que] aguardaram até ao romper de um novo dia a chegada
Nem o cansaço
do magnífico Super Constellation da TAP». 3
nem o sono desmobilizaram a assistência
e Marisol retribuiu o gesto com simpatia.
«Após uma viagem longa, de largas horas entre
nuvens, um anjo desceu à Terra e, sorrindo, pisando o
caminho com vincada personalidade — talvez precoce
— enfrentou com um auto-domínio impressionante
o bloco compacto de público que a desejava abraçar,
ver, tocar e ouvir a sua voz.» 4
A visita de Marisol foi tão importante que a mulher do governador-
-geral Venâncio Deslandes convidou a artista para passar a tarde no
Palácio, com ela e as filhas. A estrela compareceu com a comitiva — mãe,
guitarrista, empresário e adjunto da realização dos seus filmes. Depois,
espalhou a euforia pelos liceus Guiomar de Lencastre e Salvador Correia,
onde deu autógrafos, cantou e ouviu as músicas que os alunos lhe
prepararam. Falou à imprensa, actuou numa discoteca da cidade e, por
fim, como esperado, arrasou na estreia do cine-esplanada do Bairro de
Alvalade.
Antes de voltar a Espanha, a jovem ainda aceitou ser madrinha de
Marisol Teixeira, a filha de um casal de negros que baptizou a criança na
Igreja da Nazaré. Sem dúvida que, para o Aviz, fora um arranque em alta.
Mas a sala havia de receber inúmeros momentos de glória, como a eleição
da Miss Angola, os Festivais da Canção de Luanda e as actuações de Raul
Solnado e Amália Rodrigues.


Inauguração:
1 de Janeiro de 1932
Local:
Largo D. Afonso Henriques

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Para as gerações mais antigas em Luanda, só havia uma sala de espectáculos e essa era
O Nacional. Inaugurado a 1 de Janeiro de 1932 com as revistas A Rambóia e Zabumba, da
Companhia Hortense Luz, o cine-teatro custou, na época, 800 mil angolares 5 e recebeu os
mais importantes actores e grupos de teatro. No ano da estreia, subiu ao palco a Companhia
de Berta Bívar-Alves da Cunha; em 1934, foi a vez de o grupo de Ilda Stichini; e, em 1938,
assistiu a uma peça representada pelo elenco de Maria Matos. Seguiram-se actores como
Ruy de Carvalho, Laura Alves, Nicolau Breyner e Badaró, além da companhia do empresário
Giuseppe Bastos e dos residentes Vasco Rafael e maestro Jaime Mendes.
O Nacional não atraía apenas a população da cidade
desejosa de ver o que se fazia na Metrópole. Aos poucos,
tornou-se um pólo cultural onde havia cinema, revista,
peças ligeiras, passagens de modelos, festas e, a partir de
1960, um importante grupo de teatro infantil comandado
pela actriz Cremilda Torres. Foi lá que dezenas de miúdos ajudaram a criar
uma companhia que esgotou plateias de Luanda a Lourenço Marques, com um mérito
extra: «apenas 50% do público eram crianças».6 Cremilda Torres ganhou tanto relevo que a
homenagearam em 1963, com a encenação da peça As duas órfãs, do dramaturgo francês
Adolphe d’Ennery.
Luanda tinha carinho pela companhia. E reagiu mal quando a viu ser afastada daquele
palco, na sequência de uma desinfestação. «Procedeu-se à despiolhização do Nacional.
Cataram-lhe as pulgas, lavaram-lhe a cara, envernizaram-lhe a fachada. E assim, de
frontispício rebocado e lavado desde a fronha ao uropígio, a velha sala ficou como nova e já
não liga aos amigos», noticiava a imprensa. «De facto, até pôs na rua uma das suas grandes
amigas: porque Cremilda Torres, quando a casa não prestava, aguentou para ela anos a fio
uma assistência numerosa. Agora: rua! E anda a Cremilda mais o seu Grupo Infantil de clube
em clube, de saleta em saleta, actuando como pode.» Na verdade, a companhia chegou a
ter de apresentar-se em salas mais humildes, como a do Club Transmontano, mas isso nem
sempre foi regra: os miúdos também encheram as melhores salas, incluindo o Restauração.
Com o aparecimento de novos espaços, o Nacional perdeu
parte do protagonismo. Mesmo assim, nunca deixou de ser um local
emblemático. Já depois da independência, em 1994, o cine-teatro,
sede da Associação Chá de Caxinde, foi considerado Património
Cultural Nacional pelo Ministério da Cultura angolano.


Inauguração:
1 de Janeiro de 1966
Local:
Vila Alice

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My Fair Lady

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O Império foi construído para impressionar. O
engenheiro Edgar Cardoso assinou o projecto de
uma sala assente em «colunas desequilibradas
e mais estreitas na base do que no topo».7 Havia
um painel de madeira esculpido pelo artista Vidigal e baixos-relevos de
Eduardo Zink, pai do escritor Rui Zink. No Verão, a plateia ficava aberta
para os jardins e no cacimbo fechava-se com janelas de vidro.
Nem só de cinema vivia o Império. Aos sábados, tornou-se paragem
obrigatória da juventude, por causa dos populares festivais de rock ali
organizados. Seis meses depois da inauguração, a sala esteve ao rubro
com uma festa de yé-yé. «Rapazes e raparigas não conseguiram assistir
quietinhos e sentadinhos nos seus lugares a algumas das interpretações,
entre as quais se destacou a do conjunto Os Rubis.» 8
A afluência de público era tão grande que chegou a haver confusões
nas bilheteiras. Num domingo de Janeiro de 1968, um colunista da revista
Notícia quis levar os filhos a ver A Branca de Neve. Estava prestes a
comprar as entradas quando irrompeu uma violenta discussão entre um
polícia e um adolescente. O agente ameaçou-o:
«Tiro-o da bicha e mando-o embora, ouviu?»
E sem perder tempo arrastou-o para dentro do cinema. «Perante
os olhos de adultos e meninos, um triste espectáculo se oferecia a um
rapaz aleijado de uma perna, agarrado por um braço. (…) O moço gritava
e gesticulava com o braço livre, do qual pendia uma tosca bengala.»9
A ousadia de enfrentar a autoridade valeu-lhe uma ida à esquadra. E
quando pediu para, pelo menos, ser levado num carro-patrulha, foi de
novo conduzido ao interior do cinema, de onde se ouviram «distintamente
sons de bofetadas».10
Episódios à parte, o Império impôs-se na cidade, mesmo que a crítica
reclamasse da qualidade dos filmes exibidos. No final do primeiro ano, os
colunistas acusavam o cartaz de ter «demasiada palha e poucas obras
importantes», por causa do «ritmo frenético das estreias em Luanda».11


Programa Cazumbi,
de Luís Montez.


Inauguração:
1959
Local:
Bairro Miramar

0LUDPDU
Poucas experiências terão sido tão memoráveis como ver filmes à luz
das estrelas, projectados num ecrã de 23 metros de comprimento, com
a Marginal, os navios e o cheiro a maresia em pano de fundo. No Miramar,
tudo isto estava incluído no preço do bilhete. O espaço concebido pela
Castilho Engenheiros e Arquitectos consistia num anfiteatro ao ar livre,
com três patamares virados para uma tela gigantesca. Ao lado dessa
estrutura ficava o bar, onde se vendia Cuca e Nocal para refrescar os
intervalos.
A mais espaçosa esplanada da Sulcine,
controlada por Ribeiro Belga, um dos patrões
do cinema em Angola, tinha capacidade para
mais de 1500 pessoas, um enorme palco e um
jardim tropical. O Miramar era tão versátil que tanto recebia
sucessos internacionais de bilheteira como grandes concertos de artistas
de renome mundial.
As sessões de fim-de-semana esgotavam sempre, e o mesmo
acontecia nos dias do programa Cazumbi, de Luís Montez, que ali se
realizava desde Dezembro de 1961, em alternância com o Cinema
Aviz. Como o Miramar era um cinema de vanguarda, a preocupação
com a tecnologia foi sempre primordial. Em Outubro de 1963, quando
o cine-esplanada completou quatro anos de existência, comemorou
o aniversário com a estreia nacional da película Flor de Lótus , em
Panavision e Technicolor, e a inauguração de «uma nova aparelhagem
de projecção de qualidade excepcional».12 A máquina, uma Victoria 8,
passava filmes de 30 e 70 milímetros, com uma «amplificação sonora
transistorizada.»13 O público podia até não entender o que isso queria
dizer, mas a sugestão da ideia de progresso bastava para atrair ainda mais
gente. Até à independência foi sempre assim. Depois, com o tempo, o
Miramar foi ficando ao abandono, até que restou pouco mais do que as
ruínas do mítico ecrã com vista para o mar.



Inauguração:
1952
Local:
Av. Álvaro Ferreira

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Sempre que estava para estrear um grande filme no Restauração, Morais estendia uma
tela de nove por doze metros nos bastidores do cine-teatro e preparava-se para desenhar.
Dividia o poster original em quadrículas e, a partir daí, reproduzia-o na enorme faixa de
tecido que seria pendurada na fachada do cinema e no Largo Afonso Henriques, junto
ao Nacional. Dava gosto admirar o trabalho que Morais aprendera a fazer durante uma
temporada em Hollywood. As telas ficavam tão perfeitas que se tornaram indispensáveis
na promoção dos espectáculos da Angola Filmes.
O Restauração era a jóia da coroa da empresa detida por António Rafael Tocha e
pelos sócios, um verdadeiro «cinema VIP que apresentava ópera e bailado clássico, onde
actuavam companhias como a do Teatro São Carlos e da Gulbenkian».14 A
presença
assídua de altas figuras de Estado levara os proprietários da sala
a reservar um camarote presidencial em permanência, para
frequentadores tão ilustres.
À partida, o cartaz do Restauração valia quase sempre a pena, mas havia espectáculos
imperdíveis, nem que fosse porque ficava bem aparecer. Em Outubro de 1961, a alta
sociedade luandense acorreu em peso à apresentação do Ballet da Ópera de Paris. «À parte
de umas dezenas de (…) verdadeiros apreciadores e apaixonados por arte (…), muitos dos
cavalheiros, senhoras e meninos presentes no Restauração deixavam transparecer um
rosto velado, coberto por um véu de ignorância e simultaneamente snobismo. Foram (…)
porque é fino, de bom-tom e viram nisso um óptimo assunto para ventilar no próximo chá-
canasta ou na próxima reunião em casa da prima Alexandra»15 , escreveu a revista Notícia
dias mais tarde, acrescentando que não faltava gente a cabecear de sono na plateia.
Além do cinema, havia um bar e um salão de festas no piso térreo. A sala de chá ficava
à parte e atraía uma clientela fixa, que lá ia ao fim da tarde para ouvir o maestro Shegundo
Galarza tocar piano. Noutra ala estava a boîte — as passagens de ano eram bastante
concorridas e exigiam marcação com meses de antecedência. Para gáudio dos cinéfilos,
no início da década de 70, o Restauração abriu uma sala dedicada ao cinema de autor.
Eduardo Prado Coelho foi o convidado de honra da inauguração do Estúdio, um espaço
distinto, com cadeiras desenhadas pelo arquitecto José Simões Miranda e um cartaz que
deliciava os elementos do Cineclube de Luanda. A programação incluía Bergman, Godard e
outros realizadores escolhidos pelo jornalista e crítico Manuel Rodrigues Vaz, para agradar
a espectadores como o futuro deputado Miguel Anacoreta Correia e o então estudante
Manuel S. Fonseca.
Mais popular era outro espectáculo, indissociável do cinema da Avenida Álvaro
Ferreira: o famoso Chá das Seis, o programa de variedades apresentado por Artur Peres,
Alice Cruz e Ruth Soares e animado pela Orquestra Casal Ribeiro, que fazia parar a cidade
aos sábados à tarde.


Inauguração:
Anos 40
Local:
Rua Vereador Prazeres,
Bairro de São Paulo

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Chamavam-lhe Clô Clô e muitos portugueses só lá iam para admirar a plateia, enquanto
os westerns de John Wayne e Gary Cooper16 passavam no grande ecrã. Por cinco escudos,
os espectadores compravam bilhete para os bancos corridos de madeira que ocupavam
metade da sala. Um lugar na «pedra fria», o nome dado aos assentos de cimento, ficava por
metade do preço, e ainda existia uma opção mais económica — levar uma cadeira de casa.
No Clô Clô quase toda a assistência era composta por negros dos bairros de São Paulo ou
Operário, ou dos musseques Rangel e Sambizanga. E a acção decorria ao som de palmas,
danças e gritos de entusiasmo.
Cada sessão parecia uma comemoração única, onde quem sabia ler sussurrava as
legendas aos analfabetos. O empresário António Rafael Tocha quis instituir sessões com
narração, mas a ideia não vingou. Cada
um via o filme à sua maneira,
e nos momentos mais dramáticos alguém alertava sempre
o herói para as manobras maquiavélicas do vilão. No fim,
quando o protagonista saía vencedor, soava invariavelmente
um grito de orgulho: «Fui eu que lhe avisei!» José Manuel Tocha
presenciou vários episódios caricatos, entre os quais «uma discussão entre dois homens
sobre quem é que tinha salvado o herói. Um dizia: “Fui eu.” E o outro: “Evidentemente que
fui eu.” O primeiro perguntou: “Estás a ofender porquê? Evidentemente é a tua mãe!”»17
Chegaram a vias de facto.


Local:
Esquina da Av. Silva Porto
com a Av. Brito de Godins

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O serviço de jantar foi encomendado de propósito à Vista Alegre para a inauguração do
casino: pratos brancos, com a cabeça de um negro e a palavra «Tropical» gravada em baixo.
Só que a autorização para abrir a casa de jogos nunca chegou e a encomenda nem saiu
dos caixotes — viria a ser usada mais tarde em patuscadas de comida angolana em casa de
José Manuel Tocha, filho de António Rafael Tocha, um dos sócios maioritários da Angola
luzes néon na fachada do Tropical
Filmes, que detinha o espaço.18 As
chamavam a atenção de quem passava no cruzamento
da Avenida Silva Porto com a Brito Godins, junto ao Liceu
Salvador Correia.
A sala de projecção, com quase 700 lugares, abria para um enorme jardim exterior
e um parque de estacionamento generoso. Lá dentro, os espectadores circulavam por um
espaço arejado, com um ecrã grande e moderno colocado no topo de um palco, a uma
altura suficiente para que vissem os filmes sem obstáculos à frente. O melhor de tudo, no
entanto, era mesmo a plateia: no piso de baixo, em vez das tradicionais filas de cadeiras,
havia mesas quadradas, e cada um podia pedir o que quisesse para saborear durante o
filme, enquanto fumava um cigarro ou se refrescava com coca-colas e cucas compradas
no bar. Aos domingos à tarde, no fim das sessões, as mesas afastavam-se e havia matinés
dançantes ao som dos temas pop mais ouvidos no momento.


Inauguração:
21 de Novembro de 1970
Local:
Bairro de São Paulo

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Quando o Cine São Paulo abriu, em 1970, Luanda tinha catorze salas de cinema, quase
metade das 35 existentes em toda a Província. No total, havia 13 963 lugares disponíveis e,
em cada semana, sessões de estreia para todos os gostos.19 A crítica dizia que eram lugares
a mais; o público agradecia a variedade, já que não tinha «televisão nem teatro». 20 O facto é
que os êxitos comerciais esgotavam sempre, sobretudo ao fim-de-semana.
Críticas à parte, a cidade ia celebrando com entusiasmo as inaugurações de novas
salas. A estreia do Cine São Paulo, por exemplo, contou com a presença do governador-geral
e de centenas de convidados. Na noite de 21 de Novembro, tiveram a honra de circular pela
primeira vez no espaço desenhado pelo arquitecto Vasco Vieira da Costa, respeitando um
pedido especial de António Rafael Tocha. O empresário quis que a plateia fosse inclinada,
para os espectadores não serem obrigados a afastar a cabeça quando o vizinho da frente
se mexia na cadeira. 21
Nesse serão, além da habitual festa, a Angola Filmes quis fazer uma surpresa especial.
Para isso, uma equipa de repórteres da produtora Cinangola filmou o início da recepção 22 e
aproveitou a primeira metade do filme de estreia para editar as imagens. No intervalo, sem
aviso prévio, os oitocentos convidados foram presenteados com um pequeno vídeo sobre
a inauguração que ainda estava a decorrer.

N’Gola Ritmos


Local:
Bairro da Sambizanga

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A 7 de Setembro de 1972, quando subiu ao palco de um dos cinemas mais
frequentados pela população negra de Luanda, o cantor brasileiro Martinho da Vila ficou
esmagado com o que viu: «O N’Gola Cine era imenso e tinha gente que nem formiga.» 23
À sua frente estavam mais de 1200 pessoas num recinto ao ar livre, em pleno musseque.
No meio deles, o músico sentiu-se em casa. «Um grupo de músicos da terra se apresentou
antes de mim. Acho que eram Os Kiezos. Pedi aos responsáveis por minha segurança
para me deixarem um pouco à vontade e andei no meio do povo sem nenhum problema.
(…) Dispensei a mordomia do camarim e fui disputar uma cerveja, usando os escudos
que já tinha no bolso», descreveria mais tarde no livro Kizomba, andança e festança .
No intervalo, Martinho foi ao bar pedir uma Nocal e reclamou com sotaque português:
«Oh pá! Esta cerveja está quente, pá!»
Do outro lado do balcão, a resposta não foi meiga:
«Que é que tu queres, pá? Não sabes que aqui não temos geladeira? Não estás a ver que
todos estão a consumir assim mesmo? Ainda há pouco tempo não bebias cerveja nenhuma
e agora queres gelada! Não me aborreças, pá!», ripostou o empregado português. 24
A arrogância não beliscou a felicidade do cantor. No regresso ao palco, falou ao
público com emoção:
«Sou brasileiro e estou realizando o meu grande sonho, que é pisar este solo africano.
Me emocionei muito de estar aqui em Angola, talvez a terra dos meus bisavós. Lá no Brasil,
hoje se comemora o sesquicentenário da nossa independência. Espero, quando aqui voltar,
encontrar um país também livre.»25
Logo, logo, a plateia gelou. Depois, veio um aplauso tímido, que cresceu mais e mais
até se tornar uma aclamação apoteótica, que desagradou aos homens da PIDE infiltrados
A polícia política tinha sempre as actividades do
na assistência.
N’Gola Cine debaixo de olho. Era ali que se realizava todas as
semanas o Dia do Trabalhador, o espectáculo onde o promotor
Luís Montez lançava as maiores promessas da música africana.
Por lá passaram Os Rocks, Marimba Show, os Kriptons e muitos outros.
No N’Gola, os bilhetes de cinema custavam 7$50 26 e a programação, difundida no
jornal Tribuna dos Musseques, era cuidadosamente escrutinada pela PIDE, sobretudo
depois do início da Guerra Colonial e da disseminação dos ideais nacionalistas entre
a população de origem africana. Em Abril de 1966, o director da polícia política chegou
mesmo a escrever à Comissão de Censura, reforçando a necessidade de apertar o controlo.
Na altura, deu o exemplo da fita A queda do Império Romano. «Julga-se de interesse que
certos filmes, como este, não devem ser apresentados ao público do N’Gola Cine, na sua
maioria constituído por africanos menos evoluídos.»27



Desporto


O <W\WJWTI chegou às casas de apostas angolanas em
1962. Semana após semana, os luandenses registavam os
seus palpites e habilitavam-se a prémios. Ainda se lembra
da vida desportiva dos anos 60 e 70? Se sim, teste a sua
memória e responda 1X2.

1 · Em Julho de 1962, um clube da Metrópole paralisou Luanda


durante a sua visita à cidade para defrontar a selecção local, no
Estádio dos Coqueiros, num jogo de apoio às Forças Armadas
destacadas em Angola. Qual foi?
1 — FC Porto
X — Sporting CP
2¸;4*MVÅKI

2 · Depois de causar sensação ao vencer a Taça de Portugal em


Junho de 1966, outra equipa metropolitana foi recebida em
4]IVLIKWU]UIZZIQITM]ULM[ÅTMLMKIJMt]LW[9]MKT]JMNWQ
esse?
1¸;XWZ\QVOLM*ZIOI
X¸>Q\~ZQILM;M\ƒJIT
2¸)KILuUQKI

3 · Que dois velejadores angolanos venceram o XX Campeonato


Nacional da classe Snipe organizado pelo Clube Desportivo
Nun’Álvares, na Ilha de Luanda, em Janeiro de 1965?
1¸)LZQIVW;QT^IM7ZTIVLW;MVI:WLZQO]M[
X¸:]a5WZMQZIM)V\~VQW:WY]M\\M
2¸8I]TW;IV\W[M.MZVIVLW;QT^I

4 · 7 ;XWZ\QVO +T]JM LM 8WZ\]OIT M W ;XWZ\ 4Q[JWI M *MVÅKI


ÅbMZIU]UILQOZM[[rWXWZ5WtIUJQY]MM)VOWTIVW>MZrWLM
1969. As duas equipas enfrentaram-se a 10 de Agosto no Estádio
dos Coqueiros, em Luanda. Qual foi o resultado?
1 ¸;4*MVÅKI¸;XWZ\QVO+8
X ¸;4*MVÅKI¸;XWZ\QVO+8
2¸;4*MVÅKI¸;XWZ\QVO+8


1X2

ÈA 21 de Dezembro de 1969, o piloto João Posser de Andrade,


ao volante de um Porsche Carrera 6, calculou mal uma
ultrapassagem e colheu várias pessoas da assistência do II
Troféu Écurie Palanca Negra, em plena Marginal de Luanda.
Marylin Craigie, mulher do automobilista Ian Craigie, e Manuel
8MZMQZI LI .WV[MKI []J̉KPMNM LW[ *WUJMQZW[ >WT]V\nZQW[ LI
+Z]b >MZLM \Q^MZIU UWZ\M QUMLQI\I +IZTW[ )TJMZ\W >QLIT
[]K]UJQ]PWZI[LMXWQ[7KI][ILWZLWIKQLMV\MUWZZM]IWÅULM
três meses. Como se chamava o fotógrafo que captou o momento
do desastre e cuja imagem recebeu um prémio internacional?
1¸-L]/]QUIZrM[
X¸.MZVIVLW.IZQVPI
2¸-L]IZLW*IQrW

ÈEm 1970, o desporto ocupava um lugar de destaque na cidade:


só nesse ano, gerou mais de 10,5 milhões de escudos em receitas
para a Província. Quantos clubes desportivos e recreativos
existiam em Luanda e quantos sócios tinham?
1¸KT]JM[KWU [~KQW[
X¸KT]JM[KWU![~KQW[
2¸ KT]JM[KWU!![~KQW[

ÈA 29 de Abril de 1972, o governador-geral Camilo Rebocho


>IbQVKZ][\W]]UIJWTIVI[N]VLIt‚M[LM]UVW^WM[\nLQWMU
Luanda. Como se chamava e a que clube pertencia?
1¸-[\nLQW5]VQKQXITLW[+WY]MQZW[][ILWXMTW;XWZ\
4]IVLIM*MVÅKIMV\ZMW]\ZW[
X¸-[\nLQWLI+QLILMTILW.]\MJWT+T]JMLM4]IVLI
2¸+WUXTM`W ;n >QIVI :MJMTW LW ;XWZ\QVO +T]JM LM
4]IVLI

 È Que clube venceu o Campeonato Provincial de Basquetebol


em 1974?
1¸.]\MJWT+T]JMLM4]IVLI
X¸+,=)+T]JM,M[XWZ\Q^W=VQ^MZ[Q\nZQWLM)VOWTI
2¸+T]JM.MZZW^QnZQWLM4]IVLI


1X2

! È Que campeonato do mundo esteve para ser realizado no


Pavilhão da Cidadela desportiva de Luanda, em 1974, e foi trans-
ferido para Lisboa à última hora por motivos de segurança, no
rescaldo da Revolução de Abril?
1¸)VLMJWT
X¸*I[Y]M\MJWT
2¸0~Y]MQMUXI\QV[

10 · Como se chamava o empresário que promovia o Cinturão de


Luanda, o torneio de Luta Livre que se realizou na cidade, entre
1954 e 1974, e que levou a Angola o famoso pugilista Tarzan
Taborda?
1¸5IVWMT>QVPI[
X¸<IZQY]M)XIZyKQW
2¸4WJWLI+W[\I

11 · Às 16h00 do dia 19 de Maio de 1970, o piloto António


Peixinho, o jornalista Jaime de Saint-Maurice e o fotógrafo
Eduardo Baião saíram de Luanda num Alfa Romeo 1750
branco, dispostos a bater o recorde do percurso entre a capital
angolana e Lourenço Marques, em Moçambique. Quanto tempo
demoraram a concluir a viagem?
1¸!P!U [
X¸!P!U![
2¸ PU[

12 · Quem venceu o I Circuito Automóvel Feminino realizado


a 22 de Julho de 1972, no recém-inaugurado Autódromo
Internacional de Luanda?
1¸<MZM[I)TUMVLZI
X¸4W]ZLM[5IZQVPWLM;W][I
2¸1[IJMT+I[ITLI>MQOI

Soluções: 1) 2; 2) 1; 3) 1; 4) 2; 5) 2; 6) X; 7) X; 8) 1; 9) 2; 10) 2; 11) 1; 12) 2.


Regina Coimbra foi uma
das 16 concorrentes que
participaram no I Circuito
Automóvel Feminino de
Luanda. Aqui fotografada
por Eduardo Baião.


Notas
ABERTURA (pág. 8 à 47) UMA PROVÍNCIA EM GUERRA (pág. 72 à 93)
1 1
Anúncio publicado na imprensa angolana por ocasião MATEUS et al., 2011, pp.91.
2
da abertura do edifício. Idem, pp. 85.
2 3
AMARAL, 1968, pp. 80. NOGUEIRA, 1984, pp. 216 e ss..
3 4
Artur Ventura, entrevistado em Rio Maior. AFONSO et al, 2000, pp. 27.
4 5
Idem. MENESES, 2010, pp. 493.
5 6
Revista Notícia, 4 de Fevereiro de 1967. René Pélissier in Público, 15 de Março de 1961.
6 7
Idem. Comunicado do Governo Português, in AFONSO et al,
7
Idem. 2000, pp. 26.
8 8
Ibidem. NOGUEIRA, 1984, pp. 216 e ss..
9 9
Ibidem. COSTA, 1969, pp. 85.
10 10
Revista Notícia, 4 de Fevereiro de 1967. Revista Notícia, 6 de Maio de 1961.
11 11
Arthur Cupertino de Miranda, in A Província de Idem.
12
Angola, 28 de Janeiro de 1967. Idem.
12 13
Ilídio do Amaral, entrevistado em Lisboa. BARREIROS, 2004, pp. 34.
13 14
Idem. José Fernando Gonçalves, entrevistado por telefone.
14
Diógenes Boavida licenciou-se em Direito em
Portugal, enquanto jogava futebol no Futebol Clube do DIA-A-DIA (pág. 94 à 117)
Porto. De regresso a Angola, tornou-se um respeitado 1
Maria Dornellas, entrevistada em Lisboa.
advogado com ligações aos movimentos que lutaram 2
Idem.
pela independência do território. Em 1975 fez parte da 3
Jacques Arlindo dos Santos, entrevistado em Lisboa.
delegação que veio a Portugal para a assinatura dos 4
Idem.
Acordos de Alvor. Mais tarde foi ministro e deputado. 5
Maria Dornellas, entrevistada em Lisboa.
Maria do Carmo Medina foi a primeira mulher a abrir 6
AMARAL (1968), pp. 61-64.
um escritório de advocacia em Angola. Nascida em 7
Maria Dornellas, entrevistada em Lisboa.
Portugal, mudou-se para Angola nos anos 50, depois 8
Idem.
de ter manifestado publicamente a sua oposição ao 9
Anuário Estatístico de Angola, 1960, pp. 31.
regime de Salazar. Foi uma das advogadas de defesa 10
Ibidem.
do famoso Processo dos 50, que resultou na detenção 11
Anuário Estatístico de Angola, 1960, pp. 20.
de meia centena de nacionalistas angolanos. Esteve 12
Idem, pp. 22.
sempre ligada à luta contra o colonialismo, manteve-se 13
Ibidem, pp. 37.
em Luanda depois da independência, e fez carreira na 14
Anuário Estatístico de Angola, 1970, pp. 58.
Magistratura, até se reformar como juíza do Tribunal 15
Anuário Estatístico de Angola, 1960, pp. 66.
Supremo. 16
Maria Dornellas, entrevistada em Lisboa.
15
Revista Notícia, A Província de Angola. 17
Portaria 17883, de 5 de Agosto de 1960, Ministério do
16
«British Thermal Unit», unidade que mede a potência Ultramar.
utilizada pelos aparelhos de ar condicionado para 18
A Província de Angola, 1 de Abril de 1963.
produzir frio ou calor. 19
Idem.
20
Idem.
21
VISTA À LUPA (pág. 48 à 71) Ibidem.
22
1
SANTOS, 2012, pp. 23-25. Ibidem.
23
2
José Antunes, entrevistado em Lisboa. Ibidem.
24
3
Fernando Figueiredo, entrevistado por telefone. A Província de Angola, 27 de Abril de 1963.
25
4
Vasco Antunes, entrevistado por telefone. Referência à cena mais célebre do filme Apocalipse
5
José Sousa Santos, entrevistado em Lisboa. now, de Francis Ford Coppola, em que um grupo de
6
Eugénia Passarinho, entrevistada em Lisboa. helicópteros ataca um conjunto de aldeias vietnamitas
7
AMARAL (1968), pp. 19. ao som de A cavalgada das Valquírias, do compositor
8
João Carlos Pessoa, entrevistado por telefone. Richard Wagner. É no final dessa sequência que um
9
VENÂNCIO (2013), pp. 93 a 129. capitão comenta com os outros soldados: «Adoro o
10
AMARAL (1983) pp. 315. cheiro de napalm pela manhã. Cheira a vitória.»
26
11
Domingos Martins, entrevistado pelo telefone. Manuel S. Fonseca, in www.escreveretriste.com.
27
12
Ondina Teixeira, entrevistada em Lisboa. Idem.
28
13
Manuel S. Fonseca, entrevistado em Lisboa. CONIS, 2010, pp. 337-342.
29
14
PÉLISSIER (2009), pp. 284-85. Carlos Alves-Pires, entrevistado pelo telefone.
30
15
AMARAL (1968), pp. 26. Revista Notícia, 22 de Maio de 1971.
31
16
Idem, pp. 61-64 Problema.
32
17
Ibidem, pp. 61-64. Miúdo.
33
18
Anuário Estatístico de Angola, 1973. Amigos.
19
AMARAL (1968), pp. 82.
20
Anuário Estatístico de Angola, 1965. VIDA ESCOLAR (pág. 118 à 127)
21 1
AMARAL (1968), pp. 82. NETO, 2009, pp.36.
22 2
Anuário Estatístico de Angola, 1965-1973. Ana Vaz Milheiro, entrevistada em Lisboa.
23 3
MARQUES (1965), pp.557-58 CARVALHEIRA, 2009, pp. 24.
24 4
Anuário Estatístico de Angola, 1965. Idem.
25 5
Anuário Estatístico de Angola, 1965-1973. MARIA, 2009, p.18.
26 6
Anuário Estatístico de Angola, 1965. Estrela Coimbra, entrevistada em Lisboa.
27 7
Revista Notícia, 20 de Maio de 1961. Manuel S. Fonseca, in http://www.escreveretriste.com
28
Revista Notícia, 23 de Dezembro de 1961. /2015/03/este-e-o-meu-liceu-salvador-correia-o-mutu/
29 8
Anuário Estatístico de Angola, 1965. Revista Notícia, 27 de Janeiro de 1973.
30 9
AMARAL (1968), pp.99. Idem.
31 10
Anuário Estatístico de Angola, 1970. Geninha Cid, entrevistada por telefone.
32 11
Idem. Discurso proferido por Venâncio Deslandes na sessão
33
Anuário Estatístico de Angola, 1970. do Conselho Legislativo de 1962, citado em MINGA,
34
Idem. 2014, pp.41.


12 9
MINGA, 2014, pp.41. Idem.
13 10
Decreto-Lei 44 530/62, de 21 de Agosto, cit. in José Maria de Almeida, entrevistado na Costa da
MINGA, 2014, pp.42. Caparica.
14 11
Diário de Luanda, 24 de Outubro de 1963. Idem.
15 12
MINGA, 2014, pp.44. Ibidem.
16 13
José Sousa Santos, entrevistado em Lisboa. José Maria de Almeida, in Se7e, 10 de Março de 1982.
14
Revista Notícia, 19 de Outubro de 1963.
15
ÀS COMPRAS (pág. 128 à 137) Diamantino Pereira Monteiro, entrevistado pelo tele-
1 fone a partir de Coimbra.
José Antunes Gonçalves, entrevistado em Lisboa. 16
2 Revista Notícia, 2 de Maio de 1970.
Emília Campos, entrevistada na Costa de Caparica. 17
3 MONTEIRO, in angolaradio.webs.com
Maria Dornellas, entrevistada em Lisboa. 18
4 Idem.
Idem. 19
5 Revista Notícia, 20 de Novembro de 1965.
Anuário Estatístico de Angola, 1960. 20
6 Revista Notícia, 6 de Julho de 1961.
Anuário Estatístico de Angola, 1973. 21
7 Ondina Teixeira, entrevistada em Mem Martins.
Palmira Vasconcelos, ex-funcionária do Quintas &
Irmão, entrevistada pelo telefone.
8 TERRA DE FARRAS (pág. 180 à 189)
Miguel Anacoreta Correia, entrevistado em Lisboa.
1
9
Francisco Montanha Rebello, entrevistado em Lisboa. Ruca Corrêa Mendes, entrevistado ao telefone.
2
10
Miguel Anacoreta Correia, entrevistado em Lisboa. Revista Notícia, 2 de Março de 1968.
3
11
Manuela Lello, entrevistada no Porto. Idem.
4
12
Leonor Lello, entrevistada no Porto. Francisco Montanha Rebello, entrevistado em Lisboa.
5
Revista Notícia, 5 de Fevereiro de 1971.
6
MODA (pág. 138 à 153) Revista Notícia, 18 de Dezembro de 1971.
7
1 Josué Lima, entrevistado por telefone.
Palmira Vasconcelos, entrevistada por telefone a partir 8
Idem.
do Porto. 9
2 Francisco Montanha Rebello, entrevistado em Lisboa.
Maria Armanda, in Revista Notícia, 6 de Maio de 1968. 10
3 Carlos Cardona, entrevistado em Lisboa.
Revista Notícia, 6 de Maio de 1968.
4
Maria Armanda, in Revista Notícia, 6 de Maio de 1968.
5 O PECADO DA GULA (pág. 190 à 207)
Manuela Sampaio, entrevistada em Palmela.
1
6
Jorge Santos Costa, entrevistado em Alcácer do Sal. Octávio Lopes, entrevistado ao telefone.
2
7
Manuela Sampaio, entrevistada em Palmela. Idem.
3
8
Manuela Sampaio, entrevistada em Palmela. Idem.
4
9
Povo do sul de Angola. Revista Notícia, 22 de Julho de 1967.
5
10
Riquita, entrevistada via Facetime a partir de Londres. Carlos Cardona, entrevistado em Lisboa.
6
11
Revista Notícia, 30 de Janeiro de 1971. Artur Ventura, entrevistado em Rio Maior.
7
12
Idem. Idem, pp.57.
8
13
Riquita, entrevistada via Facetime a partir de Londres. Ibidem, pp.93.
9
14
Idem. Celina Rocha, entrevistada por telefone.
10
15
Ibidem. Rita Vinhas, entrevistada em Lisboa.
11
16
José Magalhães, entrevistado em Lisboa. Gonçalo Leite de Faria, entrevistado no Estoril.
12
17
Maria Dornellas, entrevistada em Lisboa. VINHAS; 1962, pp.40.
13
18
Anuário Estatístico de Angola, 1960. Gonçalo Leite de Faria, entrevistado no Estoril.
14
19
Anuário Estatístico de Angola, 1970. Idem.
15
Revista Notícia, 6 de Junho de 1970.
O LADO BOM DA VIDA (pág. 154 à 163)
1
CINEMA (pág. 208 à 221)
Zezinha Van Zeller, entrevistada em Lisboa. 1
2
Revista Notícia, 20 de Novembro de 1971. Anuário Estatístico de Angola, 1960.
2
3
Revista Notícia. Anuário Estatístico de Angola, 1973.
3
4
José Aredes, entrevistado em Lisboa. Revista Notícia, 25 de Novembro de 1961.
4
5
Revista Notícia, 20 de Maio de 1961. Idem.
5
6
Idem. SANTOS, 1995.
6
7
Mário Guimarães, entrevistado em Lisboa. Revista Notícia, 19 de Maio de 1962.
7
8
Hermínia Montez Fernandes, entrevistada em Lisboa. Revista Notícia, 23 de Outubro de 1963.
8
9
Idem. Idem.
9
10
Ibidem. TOCHA, 2009, pp.26.
10
11
Letra incluída no álbum Certeza, de Maya Cool, cedido Revista Notícia, 18 de Junho de 1966.
11
por Luís Montez (filho). Revista Notícia, 28 de Janeiro de 1968.
12
12
João Sequeira, entrevistado por telefone. Idem.
13
13
Maria José Costa Macedo Van Zeller, entrevistada em Revista Notícia, 27 de Janeiro de 1967.
14
Lisboa. Miguel Anacoreta Correia, entrevistado em Lisboa.
15
Idem, 7 de Outubro de 1961.
16
Entrevista a Manuel Rodrigues Vaz.
RÁDIO (pág. 164 à 179) 17
Entrevista a José Manuel Tocha.
1
Minah Jardim, entrevistada por email e por telefone, 18
Entrevista a José Manuel Tocha.
a partir do Canadá. 19
Anuário Estatístico de Angola, 1970.
2
Idem. 20
Revista Notícia, 28 de Novembro de 1970.
3
Revista Notícia, 25 de Maio de 1963. 21
José Manuel Tocha, entrevistado em Lisboa.
4
Idem. 22
TOCHA, 2009, pp. 26.
5
Minah Jardim, entrevistada por email e por telefone, 23
VILA, 1998, pp. 28.
a partir do Canadá. 24
Idem.
6
Idem. 25
Ibidem.
7
Revista Notícia, 3 de Março de 1968. 26
ABC Diário de Angola, 28 de Março de 1968.
8
Marques, 1994, in Vinte Anos da Minha vida na Rádio 27
Comissão de Censura à Imprensa. PIDE/DGS. Del. A. Proc.
Ecclesia, Emissora Católica de Angola. 16. 23.B/1. NT.2133, fls. 06 – 07, in BOSSLET, 2014, pp. 136.


)OZILMKQUMV\W[
,M KMZ\I UIVMQZI W[ TQ^ZW[ [rW KWUW W[ ÅTPW[" XIZ\M̉[M XIZI W
primeiro com a doce ignorância de quem não sabe (nem quer saber) os
sobressaltos que o esperam. Ao segundo, já ninguém vai ao engano e o
terceiro é um verdadeiro exercício de militância — ainda que, no caso
dos livros, haja uma dose generosa de masoquismo. Por mais que se
repita o processo, nada garante que a empreitada se torne menos difícil.
É uma autêntica lotaria.
E se é verdade que a escrita nos obriga a dias de isolamento, há
que reconhecer que nada disto se faz sem rede. Precisamos de quem
nos apoie e empurre quando os obstáculos parecem bloquear o caminho.
Depois de publicar S.O.S. Angola e Os que vieram de África , nada disto
era novidade para mim. Mas, desta vez, mais do que nunca, devo admitir
que o papel de um vasto número de pessoas foi realmente decisivo para
KPMOIZIWÅULM[\IMXWXMQI
Em primeiro lugar, agradeço à Rita Palma, que sugeriu o meu
nome quando na LeYa se falou na hipótese de escrever um livro sobre a
vida quotidiana em Angola nos últimos anos do colonialismo, e ao João
)UIZIT Y]M UM TIVtW] W LM[IÅW 9]MZW M`XZM[[IZ I UQVPI OZI\QLrW
a todos os que tiveram a generosidade de partilhar comigo histórias,
UMU~ZQI[NW\WOZIÅI[M[IJMZM[LM]U\MUXWY]MIQVLITPM[NIbNIT\I
Este livro não seria o mesmo sem o entusiasmo e o rol de contactos de
Estrela Coimbra, sem a paciência e o rigor de Miguel Anacoreta Correia
M LI [MUXZM XZM[\n^MT >Q^Q\I [MU I [IJMLWZQI LM 5IZQI ,WZVMTTI[
Cysneiros, que tanto me ensinou sobre a vida nas tardes que passámos
à conversa. Foi um prazer aprender com todos eles. A Margarida Mercês
de Mello estou grata por ter olhado para este projecto como se fosse dela,
[]OMZQVLWVWUM[MIJZQVLWXWZ\I[):Q\I>QVPI[IOZILMtWIOMV\QTMbI
KWUY]MUMLM]IKM[[WIWIZY]Q^WLWXIQWMUXZM[nZQW5IVWMT>QVPI[
e me apresentou peças-chave que muito enriqueceram este trabalho.
Queria também mencionar a simpatia com que Luís Montez e a família
UM KMLMZIU XIZ\M LI[ NW\WOZIÅI[ LW XIQ ]U LW[ UIQ[ QUXWZ\IV\M[
promotores de espectáculos de Angola, e a amabilidade com que Carlos
M 0MTMVI >MV\]ZI NWZIU ZMUM`MZ VW[ nTJ]V[ Tn LM KI[I MU J][KI LM
autênticas peças de arqueologia urbana (aquele guia da cidade veio
mesmo, mesmo a calhar). Como eles, muitos outros tiveram coragem de
revolver um passado que, por vezes, continua a causar-lhes mágoa, à
procura daquilo que lhes pedi. A todos, muito, muito obrigada.
Não quero deixar de dedicar uma palavra especial ao David
/ZMO~ZQWXMTWXZWÅ[[QWVITQ[UWLMLQKItrWM[IKZQNyKQWXM[[WITKWUY]M
me ajudou na pesquisa de jornais da época. À Carla Matias agradeço
a paciência com que foi juntando todas as relíquias que eu lhe trazia
para digitalizar, ajudando a pôr ordem no caos; à Beatriz Patrício pela
KWVÅIVtIY]M\M^MVM[\M\ZIJITPW
Estou muitíssimo grata à Cátia Mingote por ter mergulhado na
loucura de pegar numa resma de textos, aparentemente desconexos,


convertendo-os no livro que fomos imaginando ao longo do tempo. Fê-lo
com notáveis bom gosto, criatividade e paixão de quem tem raízes no
Ultramar português. O talento dela está à vista.
<Q^M I [WZ\M LM \ZWXMtIZ VI[ NW\WOZIÅI[ LM 2MIV̉+PIZTM[
8QVPMQZI WJZQOILI >Q^Q\I M -[\ZMTI V]UI NI[M I^IVtILI LI UQVPI
pesquisa. Ser-lhe-ei sempre grata por me ter cedido dezenas de
imagens de extrema qualidade, que muito enriqueceram este trabalho.
jQO]ITUMV\MLMTMIQVKZy^MTNW\WOZIÅILIKIXI
Gostaria também de deixar uma palavra de apreço aos elementos
do Arquivo Histórico Ultramarino, da Biblioteca Nacional, do Arquivo
6IKQWVIT LI <WZZM LW <WUJW M LW +MV\ZW LM -[\]LW[ /MWOZnÅKW[ LI
Universidade de Lisboa, pela competência e disponibilidade com que me
ajudaram.
Até que um livro nos chegue às mãos já pronto, há longos meses
(às vezes anos) de trabalho, dúvidas e inquietações sem limite. Tenho
a suprema sorte de contar com um grupo de amigos que me lembrou
que o esforço valeria a pena. À Leonor Bento Fialho agradeço a amizade
comovente e a capacidade para desfazer os nós que teimam em surgir;
o 0MTMVI >QMOI[ I[ Lƒ^QLI[ XMZ\QVMV\M[ M ]U [MZ^QtW LM coaching de
pôr qualquer guru a um canto; à Dulce Neto o coração bom, a exigência
e as perguntas implacáveis (e quase sempre certeiras…). Ao Nuno
;IZIQ^I M[\W] OZI\I XMTI IUQbILM M XWZ ]UI KWVÅIVtI QVIJITn^MT
na minha capacidade para sair do caos. Estou em dívida para com a
2WIVI +IZ^ITPW .MZVIVLM[ M I ;WÅI .WV[MKI *MV\W XMTI KWUXIVPQI
e a coragem que me transmitiram durante os longos meses que
IV\MKMLMZIUWVI[KQUMV\WLIUQVPIÅTPI+I\IZQVI)W8I]TW.MZZMQZI
agradeço o alento, a curiosidade e o facto de me mostrar que há mais
quem investigue este período da vida de Luanda com rigor e seriedade.
Aos meus pais, irmãos e sobrinhos devo as raízes e o sentimento
de clã que estrutura a minha vida.
Nada disto seria possível sem a generosidade, o amor, o incentivo
e o apoio incondicional do homem que me orgulho de ter como marido.
Não tenho como te agradecer, Helder.
Ao Ricardo, o menino sensível que brinca com as palavras e ama
os livros, ao Gonçalo, que faz da casa uma comédia, e à pequena Catarina,
Y]MKWUXTM\W]INIUyTQIKWU]U[WZZQ[WQZZM[Q[\y^MTM[\W]QVÅVQ\IUMV\M
grata por me ensinarem dia após dia a cumprir a mais exigente missão
da minha vida. Cada linha deste livro foi escrita para vocês.
Deixo as últimas palavras para a Bárbara Simões. Nunca
tínhamos trabalhado juntas. Partilhávamos amigos, mas jamais nos
^yZIUW[[MY]MZ5IQ[LWY]MXMTIKWVÅIVtIXMTWZQOWZMXMTIKWUXM\wVKQI
com que geriu esta viagem à Luanda colonial, estar-lhe-ei sempre, mas
sempre grata por não ter desistido deste projecto e por me ter dado uma
das mais genuínas provas de amizade que alguma vez recebi. Sem ela,
este livro não seria como é.
Rita Garcia · Junho de 2016


Bibliografia e fontes MATEUS, Dalila Cabrita, MATEUS, Álvaro, Angola 61,
Guerra Colonial: causas e consequências. O 4 de Fevereiro
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ABC Diário de Luanda Lacas d’Orey, entrevistada em Cascais.
A Província de Angola Lali Macambira, entrevistada em Cascais.
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Lurdes Veríssimo, entrevistada em Almeirim.
Manuel Rodrigues Vaz, entrevistado em Lisboa.
Rádio Manuel S. Fonseca, entrevistado em Lisboa.
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Começar de Novo, Antena 1 Manuela Sampaio, entrevistada em Palmela.
Memórias Africanas, Rádio Sim Margarida Mercês de Mello, entrevistada em Lisboa.
Maria Baião, entrevistada em Lisboa.
Maria de Fátima Moura, entrevistada em Cascais
Entrevistas Maria Dornellas Cysneiros, entrevistada em Belém.
Maria dos Anjos Baião, entrevistada em Corroios.
Adulcino Silva, entrevistado em Lisboa. Maria Eugénia Matos Silva, entrevistada em Cascais.
Ana Montez, entrevistada em Lisboa. Maria João Lello, entrevistada em Lisboa.
Ana Vaz Milheiro, entrevistada em Lisboa. Maria José Costa Macedo Van Zeller, entrevistada em
Anabela Passarinho, entrevistada por telefone. Lisboa.
António Peixinho, entrevistado em Carcavelos. Mário Guimarães, entrevistado em Lisboa.
Artur Ventura, entrevistado em Rio Maior. Miguel Anacoreta Correia, entrevistado em Lisboa.
Carlos Abreu, entrevistado em Rio Maior. Minah Jardim, entrevistada por telefone e por email, a
Carlos Alves-Pires, entrevistado por telefone. partir do Canadá.
Carlos Cardona, entrevistado em Lisboa. Octávio Lopes, entrevistado por telefone.
Carlos Costa Rodrigues, entrevistado em Odivelas. Ondina Teixeira, entrevistada em Mem-Martins.
Carlos Ferreira, entrevistado em Lisboa. Orlof Esteves, entrevistado em Linda-a-Velha.
Carmo Simões, entrevistada por telefone. Óscar Veiga, entrevistado em Lisboa.
Celina Rocha, entrevistada por telefone. Palmira Vasconcelos, entrevistada por telefone.
Diamantino Pereira Monteiro, entrevistado por telefone. Pedro Sampaio Nunes, entrevistado em Lisboa.
Dulce Pimentel, entrevistada por telefone. Riquita, entrevistada via FaceTime, a partir de Londres.
Eduardo Nascimento, entrevistado em Belas. Rita Marquilhas, entrevistada em Lisboa.
Emília Campos, entrevistada na Costa da Caparica. Rita Vinhas, entrevistada em Lisboa.
Estrela Coimbra, entrevistada em Lisboa. Roque Brás de Oliveira, entrevistado em Sesimbra.
Eugénia Passarinho, entrevistada por telefone. Ruca Corrêa Mendes, entrevistado por telefone.
Eurico Neto, entrevistado em Carnaxide. Sara Chaves, entrevistada no Barreiro.
Fernando Figueiredo, entrevistado por telefone. Steffania Gata, entrevistada em Lisboa.
Francisco Gomes, entrevistado por telefone. Vasco Antunes, entrevistado por telefone.
Francisco Montanha Rebello, entrevistado em Lisboa. Victor Sousa Pinto, entrevistado no Estoril.


Vivita, entrevistada em Lisboa. Pág. 51: CEG (à esq. e à dir.), arquivo pessoal Fátima Moura
Zezé Gamboa, entrevistado em Lisboa. (ao centro);
Pág. 52: Jean-Charles Pinheira (em cima), arquivo
pessoal Maria Baião;
Arquivos Pág. 53: Arquivo pessoal Sara Chaves;
Pág. 54-55: Jean-Charles Pinheira;
Arquivo Histórico Ultramarino Pág. 56: Jean-Charles Pinheira;
Arquivo Nacional da Torre do Tombo Pág. 57: CEG;
Biblioteca Nacional Pág. 58: CEG;
Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa Pág. 59: Movimento nas horas de ponta em Luanda;
Arquivo do Ministério dos Negócios Estrangeiros Flama, positivos, caixote A – 4, envelope Angola –
INE Descolonização, n.º039, autor: não mencionado; data de
publicação:1974/04/05 (em cima); CEG;
Pág. 60-61: Jean-Charles Pinheira;
Créditos Fotográficos Pág. 63: Jean-Charles Pinheira (em cima), Movimento
nas horas de ponta em Luanda; Flama, positivos, caixote A
Capa: Jean-Charles Pinheira; – 4, envelope Angola – Descolonização, n.º037, autor: não
Guardas: Jean-Charles Pinheira; mencionado; data de publicação:1974/04/05 (em baixo);
Pág. 4: Arquivo pessoal Orlof Esteves; Pág. 64: CEG;
Pág. 8 e 9: Aspecto da cidade de Luanda; Flama, Positivos, Pág. 65: Arquivo pessoal Helena Ventura;
Caixote A – 4, Pasta Angola, n.º055; autor: não mencionado; Pág. 66: Jean-Charles Pinheira;
data de arquivo:1974/04/05; Imagem cedida pelo ANTT; Pág. 68: Angola, Luanda, escola primária, PT/TT/SNI/
Pág. 10 e 11: Arquivo Rita Garcia; ARQF/DO-033-006/14223, autor: Santos de Almeida,
Pág. 12 e 13: Museu TAP e arquivo pessoal Estrela Coimbra imagem cedida pelo ANTT (em cima); arquivo pessoal
(bilhete de avião); Emília Campos (à esq.); Luanda, Missão de São Paulo,
Pág. 14 e 15: Centro de Estudos Geográficos (CEG); Flama, Positivos, Caixote A – 4, Envelope Angola – Vários 1,
Pág. 16 e 17: CEG; N.º037, autor não mencionado, imagem cedida pelo ANTT
Pág. 18 e 19: Arquivo pessoal Fátima Moura; (à dir.);
Pág. 20 e 21: Arquivo pessoal Lali Macambira; Pág. 69: CEG (em cima);
Pág. 23: Arquivo pessoal Estrela Coimbra, arquivo pessoal Pág. 70: Arquivo pessoal José Maria Pinto de Almeida;
Fátima Moura; Pág. 71: Jean-Charles Pinheira (à dir.); arquivo pessoal
Pág. 24 e 25: Arquivo pessoal Luís Montez; Domingos Campião;
Pág. 27: Arquivo pessoal Estrela Coimbra; Pág. 72-73: Fernando Farinha;
Pág. 28 e 29: Arquivo pessoal Emília Campos (em cima), Pág. 74: Angola – Primeiras actividades terroristas em
Arquivo Pessoal Orlof Esteves; Luanda em 1961; Flama, Positivos, Caixote A – 4, Envelope
Pág. 30 e 31: Flama, Positivos, Caixote A – 4, Pasta Angola “Angola – Vários 1”, N.º039; autor: Carlos Sestello; data de
– Vários 1, n.º106; autor: não mencionado; “Imagem cedida publicação:1968/02/02 (data de publicação), Imagem
pelo ANTT”; cedida pelo ANTT;
Pág. 32 e 33: Arquivo pessoal Manuela Sampaio; Pág. 75: Cartazes de protesto aparecidos por toda a parte
Pág. 34: Revista Notícia; em 1961 (ataque de terroristas a Angola); PT/TT/SNI/
Pág. 35: Arquivo pessoal Emília Campos, arquivo pessoal ARQF/DO-033-015/12970; autor: Não mencionado;
Estrela Coimbra; Imagem cedida pelo ANTT;
Pág. 36 e 37: Arquivo pessoal António Peixinho; Pág. 76: Fernando Farinha;
Pág. 38 e 39: Angola – Desfile de tropas chegadas a Págs. 77 a 79: Arquivo pessoal Maria Dornellas Cysneiros;
Luanda; PT/TT/SNI/ARQF/RP/003/12349; autor: não Pág. 80: D.R.
mencionado; data: 1961/05; “Imagem cedida pelo ANTT”; Pág. 81: PT/TT/SNI/ARQF/RP/003/12606; autor: não
Pág. 40 e 41: CEG; mencionado; data: 1961/05, Imagem cedida pelo ANTT
Pág. 42-43: CEG (em cima à esq.); arquivo pessoal Rita Págs. 82 a 84: Fernando Farinha;
Garcia; Revista Notícia, arquivo Helena Ventura; Págs. 85 e 86: Arquivo pessoal António Manuel Garcia
Pág. 45: Arquivo pessoal Fátima Moura; Miranda;
Pág. 46: Revista Notícia, Hemeroteca Municipal de Lisboa; Pág. 89: Arquivo pessoal Domingos Campião;
Pág. 47: CEG; Pág. 90: Arquivo pessoal José Aredes;
Pág. 48-49: CEG; Pág. 93: Arquivo pessoal José Fernando Gonçalves;
Pág. 50: CEG (em cima); Inauguração da avenida Marginal, Págs. 94-95: CEG;
Empresa Pública Jornal O Século, Serviço Fotográfico, Pág. 96: Arquivo pessoal Zezinha van Zeller;
Ficheiro Central, Fotos ilustradas de Luanda, N.º087; autor: Pág. 97: Caderneta individual; Diário da Manhã e Época,
não mencionado; data: 1948/10/16, Imagem cedida pelo positivos, caixote A, envelope “Angola 3”, n.º011; autor: não
ANTT (ao centro); Jean-Charles Pinheira (em baixo); mencionado; Imagem cedida pelo ANTT.


Pág. 98: Arquivo pessoal Maria Dornellas Cysneiros. Pág. 170: Luanda – Edifício do Rádio Clube de Angola;
Págs. 100-101: Arquivo pessoal José Aredes; Empresa Pública Jornal O Século, Serviço Fotográfico,
Págs. 102 a 105: Arquivo pessoal Maria Dornellas Cysneiros; Ficheiro Central, Fotos ilustradas de Luanda, N.º099;
Pág. 107: Crianças numa Cantina escolar em Luanda; autor: não mencionado; data: 1948/10/16; Imagem
PT/T T/SNI/ARQF/DO-033-006/18694; autor: não cedida pelo ANTT;
mencionado; imagem cedida pelo ANTT; Pág. 171: Fernando Farinha;
Págs. 109 e 111: Cheias de 1963, Hemeroteca Municipal Pág. 172: Arquivo pessoal Sara Chaves;
de Lisboa; Pág. 173: Arquivo pessoal José Maria Pinto de Almeida;
Págs. 112 a 114: Arquivo AGRAN; Págs. 174 a 176: Arquivo pessoal Estrela Coimbra;
Pág. 115: Revista Notícia, arquivos pessoais; Pág. 178: Arquivo pessoal Sara Chaves;
Págs. 118-119: Angola – Estudantes; PT/TT/SNI/ARQF/ Págs. 180-181: Arquivo pessoal Luís Montez;
DO-033-006/25028: autor: não mencionado; imagem Pág. 182: Revista Notícia, arquivos pessoais;
cedida pelo ANTT; Pág. 183: Carnaval de Luanda; PT/TT/SNI/ARQF/RP/
Pág. 120: - Angola – Liceu de Luanda; PT/TT/SNI/ 003/54103; autor: não mencionado; data: 1971/02/21;
ARQF/DO-033-006/12442; autor: Santos de Almeida; Imagem cedida pelo ANTT;
imagem cedida pelo ANTT; Pág. 186: Luanda, Edifício do Hotel Universo; Empresa
Pág. 121: Jean-Charles Pinheira; Pública Jornal O Século, Serviço Fotográfico, Ficheiro
Pág. 123: Empresa Pública Jornal O Século, serviço Central, Fotos ilustradas de Luanda, n.º050; autor: não
fotográfico, ficheiro central, fotos ilustradas de Luanda, mencionado; data: 1954/06/22; Imagem cedida pelo
n.º118; autor: não mencionado; data: 1950/03/02; ANTT;
Imagem cedida pelo ANTT; Pág. 188: Arquivo pessoal Ondina Teixeira;
Pág. 124: Angola, Ensino Universitário, cirurgia; PT/TT/ Pág. 189: - Carnaval de Luanda; PT/TT/SNI/ARQF/RP/
SNI/ARQF/DO-033-006/27247; autor: não mencio- 003/58408; autor: não mencionado; data: 1971/02/21;
nado; Imagem cedida pelo ANTT; Imagem cedida pelo ANTT;
Pág. 126: Arquivo pessoal Maria de Fátima Moura; Págs. 190-191: Jean-Charles Pinheira;
Angola, Luanda, Escola Industrial; PT/TT/SNI/ARQF/DO- Pág. 195: Arquivo privado família Ventura;
033-006/13642; autor: Santos de Almeida; Imagem Pág. 197: Arquivo pessoal Rita Garcia;
cedida pelo ANTT; Pág. 198: Jean-Charles Pinheira;
Pág. 127: Jean-Charles Pinheira; Pág. 200 e 201: Publicidade publicada na imprensa,
Págs. 128-129: Arquivo pessoal Leonor Lello; arquivos pessoais;
Pág. 130 e 131 (em cima): Jean-Charles Pinheira; CEG Pág. 202 a 207: Arquivo pessoal Rita Vinhas;
(ao meio); Revista Notícia, arquivos pessoais, em baixo; Págs. 208-209: Jean-Charles Pinheira;
Págs. 132 e 133: A Província de Angola, Notícia, arquivos Pág. 210: Arquivo pessoal José Aredes;
pessoais; Pág. 213: Aquivo pessoal Fátima Moura;
Págs. 134 e 135: Arquivo pessoal Leonor Lello; Pág. 214: CEG e arquivo pessoal Luís Montez;
Págs. 138-129: Arquivo pessoal Lali Macambira; Pág. 216: Cinema Restauração; Diário da Manhã
Págs. 140 a 143: Arquivo pessoal Manuela Sampaio; e Época, Positivos, Caixote A, Envelope Angola 2,
Pág. 144: Revista Notícia, Hemeroteca Municipal de n.º040; autor: não mencionado; imagem cedida pelo
Lisboa; ANTT (em cima); Luanda – Projecto da nova casa de
Págs. 146 e 147: Arquivo pessoal José Maria Pinto de espectáculos de Luanda; Empresa Pública Jornal O
Almeida; Século; Serviço Fotográfico; Ficheiro Central; Fotos
Pág. 148: Arquivo pessoal Lali Macambira; ilustradas de Luanda, n.º123; autor: não mencionado;
Pág. 149: Jean-Charles Pinheira; data: 1948/10/16; Imagem cedida pelo ANTT (em baixo);
Págs. 150 e 151: A Província de Angola, Revista Notícia, Pág. 219: Cine-Bar-Dancing Tropical; Empresa Pública
arquivos pessoais; Jornal O Século, Serviço Fotográfico, Ficheiro Central,
Págs. 152 e 153: Jean-Charles Pinheira; Fotos ilustradas de Luanda, N.º119; autor: não mencionado;
Págs. 154-155: Arquivo pessoal Zezinha van Zeller; data: 1955/10/28; Imagem cedida pelo ANTT;
Pág. 156: CEG; Pág. 220: Arquivo pessoal Sara Chaves;
Pág. 157: Jean-Charles Pinheira; Pág. 222: Aspecto parcial da cidade de Luanda; Flama,
Pág. 158: CEG; arquivo pessoal Zezinha van Zeller; Positivos, Caixote A – 4, Envelope Angola – Vários 1, n.º 043;
Pág. 159: Arquivo pessoal José Aredes; autor: não mencionado; Imagem cedida pelo ANTT (em
Págs. 160 e 161: Arquivo pessoal Luís Montez; cima); arquivo pessoal Orlof Esteves (em baixo);
Pág. 162: Arquivo pessoal Lali Macambira; Pág. 223: Arquivo pessoal Mário Guimarães e arquivo
Pág. 163: Arquivo pessoal Sara Chaves; Maria Baião, foto Eduardo Baião (em baixo);
Págs. 164-165: Arquivo pessoal Ondina Teixeira; Pág. 227: Arquivo pessoal Estrela Coimbra.
Pág. 166 e 167: Arquivo pessoal Minah Jardim;
Pág. 169: Arquivos pessoais Estrela Coimbra, Sara
Chaves, Luís Montez, Minah Jardim;


:Q\I /IZKQI nasceu em Lisboa, em Julho de 1979.
Licenciada em Ciências da Comunicação pela Universidade
Nova de Lisboa, começou a trabalhar como jornalista em
2000, no site Desporto Digital. Integrou a equipa da revista
Focus e colaborou com o DNa, a Notícias Magazine e a Pais
& Filhos. Entre 2006 e 2016 foi repórter da Sábado. É de
novo freelancer. Em parceria com o fotógrafo Augusto
Brázio escreveu o livro INEM 25 anos. Recebeu o 2.º
Prémio Henrique de Barros concedido pela Assembleia da
República, em 2003, e o Prémio de Jornalismo Novartis
Oncology em 2008. É autora dos livros S.O.S. Angola – Os
Dias da Ponte Aérea e Os que vieram de África, editados
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ÑVLQKM

8 Luanda
40 Uma cidade de extravagâncias
48 Vista à lupa
72 Uma Província em guerra
94 Dia-a-dia
118 Vida escolar
128 Às compras
138 Moda
154 O lado bom da vida
164 Rádio
180 Terra de farras
190 O pecado da gula
208 Cinema
222 Desporto





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