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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL DA AMAZÔNIA

Raíssa Santos Barbosa

ANÁLISE DOS SUJEITOS DE UM CIRCUITO CINEMATOGRÁFICO PORNÔ EM


UMA CAPITAL AMAZÔNICA

BELÉM
2020
Introdução

Este ensaio tem por objetivo apresentar os sujeitos de uma história peculiar
ocorrida em uma capital amazônica no tempo presente, buscando destacar formas
de categorizá-los que compreendam suas especifidades individuais e a
complexidade de suas ações coletivas.

Tais sujeitos compuseram entre os anos de 1985 e 1997, dois grupos de


indivíduos que através de suas ações conseguiram formar uma espécie de circuito
exibidor pornô na cidade de Belém do Pará, envolvendo ao menos cinco salas de
cinema que deixavam de exibir filmes convencionais para dedicar-se aos filmes
pornográficos.

Esses grupos de indivíduos se dividiam entre empresários exibidores e o


público frequentador, cuja diversidade e complexidade se torna um desafio para a
história, que na maioria das vezes busca características comuns entre os sujeitos e
marcadores de identidade para poder categorizá-los. Será possível então, explicar a
um leitor de uma pesquisa sobre salas pornôs quem eram os mentores das seções e
os espectadores dos filmes? De onde eles vinham e quais marcadores de identidade
possuíam? São desafios a serem discutidos aqui.

Antes de aprofundar-me na análise desses sujeitos no período e localidade já


mencionados, faz-se necessária a apresentação dos pressupostos teóricos e
metodológicos que baseiam este ensaio, considerando que a prioridade é refletir
sobre elementos relacionados à identidade e de que forma é possível abordar a
multiplicidade desses sujeitos na escrita da história. Posterior a isso, serão
apresentados os sujeitos da pesquisa, com ênfase a dois deles, o empresário
exibidor João Jorge Hage que era libanês e o frequentador Ernani Pinheiro Chaves,
paraense da cidade de Soure no Marajó. A reflexão sobre os dois se dará
considerando as posturas que ambos adotaram ao serem identificados na cena
cinematográfica pornô dentro do Cine Ópera em Belém.

Algumas considerações sobre a formação complexa de identidades em meio a


pornografia
Mesmo interessado em discutir questões a cerca da identidade étnica, Oliveira
(2003) fez breves considerações gerais a cerca da noção de identidade,
demonstrando que esta possui dois tipos de percepção, a individual e a coletiva.
Mesmo que a primeira seja o objeto de estudos da psicologia e a segunda das
ciências sociais, não é interessante separá-las, pois em seu processo de formação,
ambas estão interconectadas (OLIVEIRA, 2003, p. 04).

A partir dos estudos propostos pela Nova História Cultural no final do século
XX, é que finalmente a sexualidade humana, onde se encontra a pornografia como
elemento constituinte dessa área, passou a ser estudada em sua historicidade.
Todavia, ainda observada dentro de um plano muito social e político, através da
importância da literatura erótica para as mudanças ocorridas na França do século
XVIII (HUNT, 1999) e baseada nos estudos de Michel Foucault sobre a história da
sexualidade, que embora muito importantes para o campo, não consideram com
clareza a agencia das pessoas em relação a sua própria sexualidade, elas sempre
aparecem reagindo a imposições disciplinatórias do Estado, por exemplo.

Por isso os argumentos de Oliveira, mesmo contribuindo minimamente, levam


a reflexão a cerca da construção das identidades dos sujeitos exibidores e
frequentadores de salas pornôs. O primeiro grupo parece forjá-las, negando uma
ligação com a pornografia além das intenções empresariais, já o segundo grupo, em
sua maioria, se utiliza da pornografia para conhecer sua própria sexualidade ou para
permitir uma liberdade sexual mesmo que no anonimato nos interiores das salas.

Essas pessoas ficaram marcadas pela relação que tinham com a pornografia,
e na maioria das vezes marcadas negativamente, isso permitiu algumas escolhas,
como assumir uma identidade relacionada a essas salas de cinema pornô, como o
caso da comunidade homossexual nos cinemas Iracema e Ópera, que ficavam
localizados no Largo de Nazaré em Belém, demonstrando orgulho de pertencer a
estes espaços marginalizados pela imprensa, pela Igreja e pelos políticos, ou
constituir uma Identidade Contrastiva (OLIVEIRA, 2003, p. 05), formada pela
oposição de não pertencer a esse grupo, frequentar os cinemas por frequentar, sem
mais relações além disso, como foi o caso dos frequentadores de orientação
heterossexual e assim se portaram alguns empresários exibidores também, como o
dono do próprio Cine Ópera, o libanês João Hage, de quem trataremos melhor a
seguir.

Pensar sobre os sujeitos em uma sala de cinema pode parecer extremamente


simples, eles estão ali para assistir aos filmes, bem como é o caso dos empresários
exibidores que buscam nesse ramo ganhar dinheiro ao vender filmes, se analisada
de forma geral, essa relação parece apenas uma lei do sistema capitalista, a de
oferta e de procura. Todavia, mesmo para o cinema convencional, essa relação não
pode ser vista desta maneira, dirá para o consumo do cinema pornográfico, que é a
utilização social do discurso obsceno (ABREU, 1996, p. 11), isto é, aquilo que não
“deveria vir à tona” e muito menos ser exibido em público, por transgredir a moral do
sistema normativo.

Daí a contribuição a cerca das noções de identidade formuladas por Oliveira e


pelos autores que ele utiliza, esses sujeitos precisam ser entendidos em suas
compreensões de si e entre si, hora acreditando na identidade que carregam, hora
manipulando suas identidades de acordo com as circunstâncias e as construindo em
oposição a identidade do outro. Oliveira, como já disse, estava interessado em
discutir a construção das identidades étnicas, mas sabemos que os indivíduos em
sociedade estão interseccionados por vários marcadores de identidade, seja étnica,
geracional, de gênero, de classe, de lugar de origem etc.

Tenho total consciência que se mal utilizadas as categorias “empresários


exibidores” e “público frequentador” podem tornar-se macrocategorias
generalizadoras, todavia, elas dizem respeito às funções destas pessoas em meio ao
circuito exibidor e é assim que pretendo denominá-los nesta pesquisa.

Por conta disso e um pouco influenciada pela solução que a antropóloga


Capucine Boidin deu para a questão da mistura linguística entre o guarani e o
castelhano no Paraguai, utilizando a categoria Jopara, que ela encontrou como mais
plausível através de indagações a seus sujeitos sobre que língua eles acreditavam
que falavam e, também, para não se utilizar da palavra mestiço, que já carregava em
sua história uma série de conotações negativas e usos oportunistas por políticos
(BOIDIN, 2006, p. 22-23), busquei seguir um caminho semelhante.

As principais fontes para um tema como esse do circuito exibidor pornô,


possuem nos acervos de periódicos e nas memórias de exibidores e frequentadores
seus mais densos documentos. No caso dos jornais, o desprezo pelas salas de
cinema cujos donos optaram por exibir filmes pornográficos foram alvo de inúmeros
“apelidos” negativos, bem como seus proprietários e público frequentador.

As denominações partiam da crítica especializada em cinema em grandes


jornais como A Província do Pará, Diário do Pará e O Liberal. Por vezes os
empresários eram chamados de “donos do pornô” e “oportunistas”, já o público era
chamado de “cativo” ou “pervertido”, as salas especializadas chegaram a ser
chamadas de “guetos”, o que intensificava uma visão negativa do resto da população
sobre essas pessoas e esses lugares, uma vez que os jornais que publicavam este
assunto eram de grande circulação na capital.

Em contrapartida, os donos de salas pornôs também utilizavam os jornais para


melhorar a imagem de seus cinemas, frases de efeito como “os melhores filmes
eróticos da cidade” estampavam a publicidade desses cinemas nos mesmos jornais
já mencionados. Nesta tentativa, João Hage, dono do Cine Ópera criou um apelido
para o seu cinema “O Bonzão-Bonitão”, que ficou mais popular do que as
denominações negativas dadas pelos críticos de cinema.

Tratando-se de denominações, em outros trabalhos eu já cheguei a tratar o


que hoje chamo de público frequentador, de público cativo, referente ao que tinha
encontrado nas fontes periódicas, cheguei também a compreendê-los como uma
comunidade de sentido ou de imaginação, influenciada pelos estudos do historiador
Bronislaw Baczko. Nesse caso, o problema não é a inexistência de uma comunidade
de sentido, que compartilha gostos e práticas em comum, mas a minha utilização a
transformou em uma categoria generalizante, nem todos os frequentadores fizeram
parte dessa comunidade e em algumas salas ela nem foi verificada.
Partindo da mesma intenção de Boidin, minha preocupação com as categorias
para me referir aos sujeitos buscaram não mais reproduzir os termos pejorativos das
fontes, ou conceitos generalizantes que impeçam a distinção entre os sujeitos, por
enquanto os termos empresários exibidores que, em resumo, são cinco indivíduos,
que se diferenciam pela forma como se portavam diante do fato de exibirem pornô e,
público frequentador das salas, que é impossível mapear completamente o seu
número, mas é sabido até o momento que se tratavam de casais que buscavam
apimentar a relação (homens e mulheres), homens heterossexuais de diversas
idades, homens homossexuais também de diversas idades e mulheres travestis que
se prostituiam nos interiores desses locais, me servem como categorias de análise
desses sujeitos. Além de outros dados a respeito deste público, como o fato de
alguns serem juízes, políticos, professores universitários, cantores e demais
personalidades na cidade que eram reconhecidas no interior desses cinemas e que
hoje apenas desejam ser chamados de frequentadores.

Até o momento, esse tratamento aos sujeitos me parece possível, sem


invalidar suas subjetividades e sensibilidades, mas em assuntos complexos, as
soluções categoriais nunca são absolutas, embora adequadas, elas podem ser
modificadas com o tempo.

Apresentando dois sujeitos: em busca da conexão deste trabalho com as


identidades amazônicas1

A década de 1980 foi para o Brasil um contexto de entrada e grande


circulação da pornografia hard core, sobretudo na produção de filmes e exibição em
salas de cinema. No entanto, foi também o contexto de abertura política após anos
de Ditadura Militar, em que o discurso iniciado com Ernesto Geisel e passado para
João Figueiredo, apontava para uma retomada da democracia paulatinamente,
incluindo a possível reformulação dos órgãos de censura, que foram o principal
instrumento de repressão durante o período ditatorial brasileiro. O discurso de

1
As informações sobre os dois sujeitos contidas neste item, foram coletadas em pesquisa e nas
entrevistas realizadas com o neto de João Hage, o senhor Luiz Hage em 2014 e com o professor
Ernani Chaves em 2017. Ambas foram publicadas em artigo e livro, e pretendo utilizá-las também na
dissertação de mestrado, portanto, tenho autorização para utilizá-las em trabalho acadêmico.
redemocratização reforçava a confiança de que os gostos da população deixariam de
ser controlados pelo Estado, o que não ocorreu completamente.

Uma minuta de um possível projeto de lei que regulamentaria a criação de


salas especializadas para exibição de filmes pornôs, que seriam administradas sob
forte influência do Estado, nunca saiu do papel, e quem acabou por encabeçar essa
decisão foi o empresariado exibidor no Brasil, que enfrentava uma crise no setor
cinematográfico como um todo (produção, distribuição e exibição), com muitas
obrigatoriedades para cumprir, impostos sobre a bilheteria e dificuldade em manter
cinemas de rua que perdiam público para as novas, higiênicas e modernas salas nos
shoppings centers que pouco a pouco começavam a surgir. Neste contexto de crise,
um empresário exibidor em Belém se destacou e sua história com a Amazônia
começou nos anos iniciais do século XX.

João Jorge Hage, comerciante nascido no Líbano em 22 de janeiro de 1910,


chegou à cidade de Santarém no Estado do Pará ainda muito pequeno. Era o
segundo filho de oito irmãos e cresceu como um grande fã e admirador da sétima
arte. Os libaneses formaram um dos cinco fluxos de migrantes internacionais que se
dirigiram para a Amazônia em grande quantidade por um período de 100 anos (1850-
1950). As motivações da imigração sírio-libanesa teriam sentidos espontâneos
vinculados à oportunidade de trabalho, sobretudo, no comércio de varejo (EMMI,
2013, p. 251).

Desde a década de 1950, em um terreno localizado na Praça Justo Chermont,


Largo de Nazaré, João Hage junto de outro libanês, Félix Rocque 2, ofereciam à
população belenense durante os arraiais do Círio, uma programação teatral no que
era chamado Theatro Coliseu. Uma década depois, em 1961, foi inaugurado no lugar
um cinema, o Cine Theatro Ópera, de propriedade de João e seu irmão mais novo,
Elias Hage. O cinema seria um sonho antigo que era cultivado pelo empresário
desde as matinês que assistia quando criança na cidade de Santarém. Em 1985,
2
Félix Antônio Rocque, embora tenha nascido na cidade de Belém em 15 de agosto de 1908, era filho
de pais libaneses que chegaram ao Brasil no início do século XX. Foi também proprietário de um
Palace Cassino no extinto Grande Hotel e pai do historiador e jornalista paraense Carlos Rocque. Em
sua homenagem, seu nome foi dado a uma rua no bairro da Cidade Velha em Belém (BARBOSA,
2019, p. 155).
após inúmeras crises financeiras e problemas de saúde, João decide especializar
sua sala de cinema para que ela exibisse apenas filmes pornográficos e pudesse
melhorar seus lucros, o que interferiu em uma série de fatores, desde a criação de
um público frequentador interessado em encontros sexuais no interior do cinema, até
inúmeras tensões com a Igreja, a imprensa e os políticos em Belém.

Não há aqui um interesse em construir uma biografia, e sim buscar


compreender as ações deste sujeito diante de escolhas que, embora pessoais,
interferiram em toda uma parcela da vida cultural e do lazer na capital paraense, pois
foi isso que o cinema significou para grande parte dos habitantes de Belém durante o
século XX.

É certo que as escolhas administrativas de João Hage em seu cinema não


dependeram necessariamente dos marcadores de identidade nele presentes, como o
fato de ser um imigrante libanês que trabalhava no ramo das diversões públicas,
cinema e teatro, como tanto outros libaneses na cidade. Todavia, no processo de
especialização na exibição de filmes pornôs pelo qual passou o Cine Ópera, João
utilizou seus marcadores de identidade para pacificar os conflitos que sua aposta no
cinema pornô lhe custou, recorrendo às raízes libanesas para lidar com os
problemas familiares, financeiros e religiosos.

De modo que é possível observar que mesmo em um contexto


contemporâneo, as discussões sobre identidade necessitam ser analisadas, pois
elas permanecessem e até se intensificam em momentos de tensão. “A identidade
social e a identidade pessoal são parte, em primeiro lugar, dos interesses e
definições de outras pessoas em relação ao indivíduo cuja identidade está em
questão” (OLIVEIRA, 2003, p. 04).

De 1985, quando transforma o Cine Ópera em cinema pornô, até 1993, data
de sua morte, o velho Hage buscou demonstrar aos seus que permanecia sendo um
bom comerciante libanês, com todas as características de identificação e
estereótipos criados na Amazônia sobre essa comunidade.
Fazendo uma breve analogia com o marroquino Abraão, o judeu que se tornou
bem-sucedido ao migrar para a Amazônia, cuja história é narrada pelo antropólogo,
Mark Harris (2006, p. 86) e na busca de conectar os sujeitos desta pesquisa com
suas identidades amazônicas, é interessante observar o quanto o sucesso financeiro
era vinculado a esse migrantes internacionais, mesmo que, parafraseando Harris, o
êxito ou fracasso dependesse unicamente de cada história em particular, o que não
excluiu que em torno desses sujeitos fossem criados imaginários na região sobre
suas formas peculiares de comandarem seus negócios. O problema de João Hage
foi ter entrado em uma crise econômica em que fosse necessário exibir filmes pornôs
para não fechar seu cinema, o que seria pior para ele. Todavia, essa escolha, que
pode ser entendida como inteligente, lhe custou a credibilidade de outros dois fatores
importantes na vida de um libanês amazônico, a família e sua religiosidade católica.

Seus investimentos desesperados na estrutura do cinema, seus textos


divertidos nos anúncios dos filmes pornôs nos jornais, suas tentativas junto do filho, o
político e advogado Dionísio Hage, de apaziguar as críticas contra o cinema dentro
da classe política e a exibição do filme A Vida de Cristo3, no lugar dos pornôs,
durante a semana santa e o Círio de Nazaré para demonstrar à Igreja Católica sua fé
e seu respeito, sua preocupação com a imagem do sobrenome e da família diante da
comunidade libanesa, foram os grandes obstáculos que João Hage buscou
ultrapassar para demarcar sua identidade como libanês ligado aos negócios, à igreja
e à família, apesar do pornô.

Possivelmente o proprietário do Cine Ópera não fora apresentado ao garoto


de Soure que frequentava sua sala de cinema desde a década de 1970 em busca de
diversão com outros rapazes, antes mesmo daquele lugar se tornar uma sala pornô.
Para Ernani Chaves, filósofo e professor universitário, ser homossexual em uma
cidade do interior amazônico não foi fácil, principalmente por não poder assumir sua
sexualidade e muito menos possuir informações suficientes para conhece-la, diante
de uma sociedade que, como já mencionava Mark Harris ao considerar a agência
histórica do que ele chama de camponeses ribeirinhos, do médio e alto Rio
Amazonas, era muito interligada à religiosidade popular (HARRIS. 2006, p. 05).
3
Título original: Vie et Passion du Christ. Ano: 1903. País: França, direção: Ferdinand Zecca.
Embora as exibições cinematográficas durante todo o século XX, tenha sido
algo existente não somente na capital, mas em inúmeros interiores da Amazônia
paraense, foi apenas em Belém, quando veio para estudar na adolescência que
Ernani descobriu as possibilidades que as salas 4 da praça Justo Chermont, no Largo
de Nazaré, podiam proporcionar.

O mais interessante é uma festividade religiosa como o Círio de Nazaré e seu


arraial, a principal ocasião que reunia garotos do interior e da cidade nessas salas a
vivenciar e descobrir suas sexualidades homoafetivas (BARBOSA, 2019, 162).

Se compreender as diversas identidades amazônicas como indígenas,


quilombolas e os chamados caboclos, já é complexo, dirá quão fluída deve ser a
compreensão das sexualidades desses grupos na Região. No caso de Ernani, suas
primeiras experiências homossexuais aconteceram dentro dos cinemas de Nazaré,
como o Cine Ópera e era o que acontecia todos os outubros com outros garotos do
interior.

A pegação homoafetiva no escuro das salas, já existia anos antes da opção


dos empresários pelo pornô, ao menos para esse grupo de homossexuais que criou
sociabilidades em espaços como os cinemas, as saunas e as boates, por não poder
vivenciar sua sexualidade em público.

Ernani se considerou um frequentador da sala do Cine Ópera em seu


momento de transição para o pornô e considera que a comunidade homossexual
criou laços de identidade com o espaço a longos prazos, o que se fortaleceu com a
especialização da sala, isso porque as pegações em seu interior ficaram cada vez
mais intensas.

Conclusão

4
Compuseram, entre as décadas de 1980 e 1990, o circuito exibidor pornô em Belém as salas do
Cine Ópera, Cine Iracema e Cine Nazaré, todas vizinhas à Basílica e as salas do Cine Cassino na
Pedreira e do Cinema II na Campina.
Um circuito exibidor é formado pelos trajetos das pessoas na busca de
consumirem os filmes e participarem da sociabilidade que o cinema proporciona. É
algo que envolve diretamente o interesse do público, a agência dos empresários e a
localização das salas de cinema pela cidade.

Quando a pornografia no cinema chegou à Amazônia ainda era 1911, vivia-se


a Belle Époque e as seções eróticas aconteciam exclusivamente para homens, no
Cine Odeon, que coincidentemente também era localizado no Largo de Nazaré
(PETIT, 2011, p.30-31). No entanto deste período até a década de 1980, os filmes
pornôs estiveram sendo exibidos na clandestinidade em lugares que difíceis de
mapear: hotéis, prostíbulos, cineclubes, seções noturnas dos cinemas convencionais
etc.

Com os anos finais da Ditadura, chegaram à Belém os mais famosos títulos do


cinema pornô hard core internacional e também o nacional, enquanto a crítica de
cinema não via à arte cinematográfica representada nesses filmes, os empresários
exibidores encontraram um nicho de mercado que poderia salva-los da crise e
aumentar seus lucros, assim como a população que estava apta para consumir tais
filmes enxergavam oportunidades em conhecer os limites de sua própria
sexualidade.

Em minha dissertação busco compreender quais as condicionantes que


permitiram que se conformasse em Belém um circuito exibidor pornô, paralelo ao
convencional e que minou os jornais com propagandas de títulos de filmes
pornográficos. Que criou uma tensão entre igreja, imprensa e estado diante desses
espaços e das pessoas que os administrava e frequentava.

Compreender essas condicionantes sem considerar as ações, trocas e trajetos


executados pelos sujeitos da pesquisa nunca será possível e por isso as reflexões
partilhadas nesse ensaio se fazem importantes, por permitirem que se coloque o
protagonismo dessas pessoas em foco e que se utilize categorias de análise que não
exclua suas subjetividades e ações.
Os sujeitos dessa pesquisa são empresários exibidores e um público
frequentador que conformou por quase uma década um mercado que envolveu sexo,
resistência e identidades dentro de um circuito pornográfico que transformou em
peculiar a história recente desta capital amazônica.

Referências

ABREU, Nuno Cesar. O olhar pornô: A representação do obsceno no cinema e no


vídeo. Campinas/SP: Mercado das Letras, 1996.

BARBOSA. Raíssa. O Cinema dos Sentidos: a especialização do Cine Ópera de


Belém do Pará na exibição de filmes pornôs durante a década de 1980. In: COSTA,
Antonio Maurício Dias da (org). Recortes do cinema na Amazônia. Rio Branco:
Nepan, 2019, p. 147-186.

BOIDIN, Capucine. Jopara: Una vertiente sol y sombra del mestizaje, in Wolf Dietrich
et Haralambos Symeonidis, Tupí y Guaraní. Estructuras, contactos y desarrollos,
Münster, LIT-Verlag, Numéro 11 de la collection "Regionalwissenschaften
Lateinamerika" publiée par le LateinamerikaZentrum/Centro Latinoamericano
del'Université de Münster, 2006.

EMMI, Marília Ferreira. Um século de imigrações internacionais na Amazônia


brasileira (1850-1950). Belém: Editora do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da
Universidade Federal do Pará, 1987.

HARRIS, Mark. Presente ambivalente: uma maneira amazônica de estar no tempo.


In: ADAMS,Cristina; MURRIETA, Rui; NEVES, Walter (orgs.). Sociedades caboclas
amazônicas: modernidade e invisibilidade. São Paulo: Annablume/FAPESP, 2006, p.
81-108.

HUNT, Lynn (Org). A Invenção da Pornografia. São Paulo: HEDRA, 1999.

OLIVEIRA, Roberto Cardoso de. Identidade étnica, identificação e manipulação.


Revista Sociedade e Cultura, Goiânia, v. 6, n. 2, p. 117-131, jul./dez. 2003.

PERE Petit. Cinema e História no fim da Belle-Époque Belemense (1911-1913):


Contribuição ao Cinema Paraense do cineasta Ramon de Baños. Cadernos Ceru
(USP), v. 22, pp. 15-44, 2011.

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