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7º Ano | Português
Ficha de Trabalho| outubro | Ano Letivo 2020/2021
Adjetivite
Estava uma bela manhã de primavera. Um pouco fresca e
ventosa, mas também perfumada e luminosa. Que manhã fabulosa! Era
uma manhã excitante e intrigante, poderosa, aventurosa, uma manhã
maravilhosa. No entanto, a certa altura – tudo o que acontece, acontece
«a certa altura» –, a manhã começou a sentir-se esquisita, estranha,
bizarra. Mandou-se chamar o médico. Que médico?
Um bom médico. Um médico sábio.
Um médico experiente. Um médico famoso. Um médico paciente.
O quê? Cinco médicos? Isso é caro. Isso é muito caro, Isso é caríssimo!
Não! Apenas um médico com cinco atributos! É mais económico!
Um médico bom, sábio, experiente, famoso e paciente.
Que era também um homem cabeçudo, alto e ruivo, com uma barba cor de laranja que lhe
dava pela cintura e que ele prendia com nós de marinheiro no cinto castanho de couro, de onde
também pendia a sua maleta de médico (que era preta, já agora).
Ei-lo que entra no quarto da nossa doentinha, a manhã de primavera. É um quarto
pequeno mas amoroso, lindamente decorado, limpo e alegre, etc. O médico bom, sábio,
experiente, famoso e paciente dirige-se à cama estreita. Palpa o pulso da bela, fresca, ventosa,
perfumada, luminosa, etc. manhã de primavera. Diz, depois de pigarrear (pigarrear é coisa que os
médicos gostam muito de fazer):
– Esta manhã de primavera está doente, ou seja, está enferma.
Ficou tudo estarrecido e horrorizado. E surpreendido e agitado. Percorreu o quarto de lés-
a-lés um sururu. Uma agitação nervosa. Uma certa confusão.
– Que tem ela? Que se passa? – perguntámos em coro, à volta da cama.
– Tem uma doença séria, ou seja, uma doença grave.
– Que doença? Mas que doença? – voltámos a perguntar.
– O que se passa é o seguinte: esta manhã de primavera engoliu uma quantidade excessiva
de adjetivos e, por conseguinte, ou seja, por consequência, o nível de adjetivos no sangue subiu
demais, ou seja, é agora excessivo. Ela está com uma adjetivite, a coitadinha.
– E vai morrer? – perguntámos, dramáticos.
– Qual quê? Isto é só uma adjetivite… se fosse uma adjetivose… E, antes de termos tempo
para perguntar: «Doutor, o que é uma adjecivose?», o médico continuou:
– Uma adjetivose é uma adjetivite agravada por adjetivos pomposos como fragrante,
matizada, resplendente, rósea, olorosa, etc. Isso sim, seria mortal. Mas esta manhã de primavera
sofre de uma adjetivite simples. É uma doença grave, mas basta operá-la aos adjetivos repetitivos e
aos adjetivos que não estão lá a fazer nada e passa a ser uma bela manhã de primavera
completamente normal.
Respirámos de alívio. A adjetivite, afinal, é curável! É só tirar os adjetivos repetitivos e os
adjetivos que estão a mais…
– Doutor – perguntámos – quais são, se faz favor, os adjetivos repetitivos e os que estão a
mais?
Fez-se um minuto de silêncio. O médico parecia pensar. Depois abriu a sua maleta preta,
tirou de lá um bisturi e avançou de repente para a cama, gritando:
– Todos! Todos! Todos estão a mais!
E, erguendo bem alto o bisturi que ainda pingava sangue, aproximou-se da manhã de
primavera que tremia de pavor dentro da cama, lívida, agarrada aos lençóis. Depois de limpar o
sangue do bisturi nas barbas cor de laranja, o médico preparou-se para extirpar os atributos todos
à manhã de primavera! Foi então que percebemos que se tratava de um louco. Um de nós agarrou-
lhe na mão, outro arrancou-lhe o bisturi e correu a atirá-lo pela janela. (Ao bisturi, não ao médico.)
Ouviu-se um grito estridente lá fora, no passeio. Aproximámo-nos da janela, enquanto o médico
escapava pela porta, dando umas gargalhadas sinistras. No passeio, ferido num braço e fazendo
uma grande fita, estava Dom Mínimo, o Anão Enorme.
GOMES, Luísa Costa (2009). Dom Mínimo, o anão enorme e outras histórias, Lisboa, Texto
editores.
Grupo I – Leitura
1 – “Isso é caro. Isso é muito caro. Isso é caríssimo”. Indica o efeito que o narrador obteve ao
flexionar o mesmo adjetivo em diferentes graus.
2 – “Um médico bom, sábio, experiente, famoso e paciente”. Indica o recurso expressivo presente
na frase: e explica a sua expressividade.
3 – “Depois de limpar o sangue do bisturi nas barbas cor de laranja, o médico preparou-se para
extirpar os atributos todos à manhã de primavera!” Imagina que o médico teria conseguido levar
adiante os seus intentos e redige um parágrafo diferente para concluir esta história.