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BELO HORIZONTE
2017
Igor Campos Viana
(Donna Haraway)
SUMÁRIO
2 JUSTIFICATIVA ......................................................................................................................... 10
3 HIPÓTESE .................................................................................................................................... 11
4 OBJETIVO ................................................................................................................................... 11
ANEXOS ......................................................................................................................................... 21
1 APRESENTAÇÃO DO TEMA-PROBLEMA
1
Esse “se entende” guarda nuances muito mais profundas. Me refiro aqui a um processo paradoxal de
subjetivação no qual o sujeito ocupa um lugar de ambivalência em relação ao poder que o sujeita ao mesmo
tempo que o constitui. Tratar de subjetivação é tratar de um retorno, uma volta sobre si mesmo como no
sentido da figura grega do tropo, mas uma volta sempre em aberto e incompleta de um sujeito enquanto
devir. Esse “devir” se realiza dentro de um conjunto de normas que são condições de existência ao mesmo
tempo que restrições do campo da inteligibilidade. Normas não possuem um valor negativo per se. A norma
é possibilidade e simultaneamente restrição. Os processos de subjetivação, nesse sentido, demandam uma
negociação em termos de reconhecimento com o campo da normatividade, essa negociação pode rearticular o
próprio campo normativo, mas não há existência social possível para além da norma. Sobre esse tema,
conferir: BUTLER, Judith. A vida psíquica do poder: teorias da sujeição. Trad.: Rogério Bettoni. Belo
Horizonte: Autêntica Editora, 2017. Em especial, destaco o seguinte trecho: O paradoxo temporal do sujeito é
de tal natureza que para explicar nosso próprio devir devemos necessariamente perder a perspectiva de
sujeito já formado. Esse “devir” não é algo simples ou contínuo, mas uma prática incômoda de repetição e
cheia de riscos, obrigatória, mas incompleta, que tremula no horizonte do ser social” (p.38).
5
Assim, o presente tema de pesquisa também se apresenta a este pesquisador de certa forma
paradoxal: contingente e inescapável.
Adotar essa perspectiva parcial é entender que a própria produção científica não
transcende as estruturas de poder sobre as quais se assenta. Aprendi com Donna Haraway2
e com alguns anos ocupando o banco das salas de aula de um curso de Direito no Brasil
que a única objetividade possível é a parcial3. O conhecimento científico não marcado é
fantasioso e irresponsável, pura expressão de estruturas de poder que apagam sua própria
existência através de um discurso da neutralidade, do não-lugar e da transcendência. De
maneira radicalmente contrária, apresento ao meu leitor uma perspectiva científica que
presta contas, pois é marcada por uma corporificação do saber que possui sexualidade,
gênero e localidade, questionando o próprio processo social e cultural de produção dessas
identidades. Não estamos imediatamente presentes para nós mesmos, por isso é necessário
questionar as próprias lentes com as quais significamos um “eu” nunca plenamente
apreensível4. É nesse sentido que o discurso sobre a “ideologia de gênero" ao naturalizar
uma correspondência necessária “sexo-gênero” apresenta-se enquanto aparato semiótico de
reiteração de um mundo tomado enquanto auto-evidente, entretanto, a auto-evidência só é
possível "do ponto de vista do senhor, do Homem, do deus único, cujo Olho produz,
apropria e ordena toda a diferença”5. Digo, portanto, de um saber localizado e só assim
crítico.
A discussão sobre a denominada "ideologia de gênero" remonta à década de 1990
com o início da articulação de setores da Igreja Católica contrários à ascensão do debate
2
HARAWAY, Donna. Saberes Localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da
perspectiva parcial. Caderno Pagu (5), 1995: pp 07-41.
3
Quando me refiro ao curso de Direito, trato do aprendizado da perspectiva parcial justamente por sua
constante negação. Durante minha graduação, sempre me incomodou o não-lugar ocupado pelo
conhecimento que os professores, em sua grande maioria, nos apresentava. Tive a oportunidade de organizar
junto a um coletivo de alunos o Encontro Nacional de Estudantes de Direito de 2015, ocasião em que
debatíamos a necessidade de repensarmos o ensino jurídico no país. Pude constatar através das experiências
partilhadas que as pretensões universalistas e transcendentais marcam as nossas faculdades de Direito.
Ensina-se um conhecimento supostamente neutro e não reflexivo sobre as próprias estruturas de poder sobre
as quais se assenta. Assim, se naturaliza a própria reprodução das estruturas normativas do poder que passam
a ser assimiladas enquanto autoevidentes.
4
Sobre essa ideia conferir: BUTLER, Judith. Relatar a si mesmo: crítica da violência ética. Trad.: Rogério
Bettoni. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2017. Em especial, o seguinte trecho: “Quando o “eu" busca
fazer um relato de si mesmo, pode começar consigo, mas descobrirá que esse “si mesmo” já está implicado
numa temporalidade social que excede suas próprias capacidades de narração; na verdade quando o "eu"
busca fazer um relato de si mesmo sem deixar de incluir as condições de seu próprio surgimento, deve, por
necessidade, tornar-se um teórico social” (p.18).
5
HARAWAY, Donna. Saberes Localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da
perspectiva parcial. Caderno Pagu (5), 1995: p. 27.
6
6
Sobre a gênese do sintagma “ideologia de gênero”, conferir: JUNQUEIRA, Rogério. “Ideologia de
gênero”: a gênese de uma categoria política reacionária – ou: a promoção dos direitos humanos se tornou
uma “ameaça à família natural”? In: Debates contemporâneos sobre Educação para a sexualidade /
[organizadoras] Paula Regina Costa Ribeiro, Joanalira Corpes Magalhães - Rio Grande: Ed. da FURG, 2017.
7
SCHOOYANS, Michel. El Evangelio frente al desorden mundial. Colonia del Valle: Diana, 2000. [orig.:
Fayard, 1997].
8
REVOREDO, Oscar Alzamora. La ideologia de género: sus peligros y alcances. Lima: Comisión Ad Hoc
de la Mujer; Comisión Episcopal de Apostolado Laical, Conferencia Episcopal Peruana, 1998.
9
PONTIFÍCIO Conselho para a Família. Família, matrimônio e “uniões de fato”. Cidade do Vaticano, 26 de
julho de 2000.
10
PONTIFÍCIO Conselho para a Família. Lexicon: termini ambigui e discussi su famiglia, vita e questioni
etiche. 2. ed. Bologna: Edizioni Dehoniane, 2006. [1. ed.: 2003].
11
CONGREGAÇÃO para a Doutrina da Fé. Carta aos Bispos da Igreja Católica sobre a Colaboração do
Homem e da Mulher na Igreja e no Mundo. Roma, 31 de maio de 2004.
12 BRACKE, Sarah; PATERNOTTE, David. Unpacking the Sin of Gender. Religion & Gender, Vol. 6, no. 2
(2016), pp. 143-154.
7
podem escolher seu sexo”13. Os autores destacam que apesar da Igreja Católica possuir um
papel crucial no debate contrário à "ideologia de gênero", ela não detém o seu monopólio,
nesse debate também participariam diversas matrizes religiosas, movimentos neoliberais,
positivistas, algumas perspectivas marxistas e alguns movimentos feministas,
possibilitando, inclusive, o que Sarah Garbagnoli chamará de "alianças profanas”14.
Rogério Junqueira15, por sua vez, destaca o papel de Christina Hoff Sommers, professora
de Filosofia da Clark University, e de Dale O’Leary, jornalista e escritora norte-americana,
na difusão do combate à “ideologia de gênero” na sociedade. Sommers é autora do livro
Who Stole Feminism? How Women Have Betrayed Women16 e O’Leary do livro The
Gender-Agenda: redefining equality17, ambos de ampla circulação e debate no cenário
internacional de refutação às ideias de gênero. No contexto latino-americano também se
destaca a obra do advogado argentino Jorge Scala intitulada no Brasil como Ideologia de
Gênero: o neototalitarismo e a morte da família18. Assim, é necessário pensarmos as
complexas articulações políticas e sociais que se formam ao redor desse debate para situá-
lo e compreender suas próprias condições de emergência.
No Brasil esse debate apresenta contornos próprios e está intimamente
relacionado à discussão acerca da educação. O episódio de 2011 a respeito da distribuição
do material “Escola sem Homofobia” do Ministério da Educação foi o prelúdio do que
estava por vir. Um material destinado à formação sobre questões de gênero e sexualidade
foi alvo de críticas dos setores conservadores da sociedade que o acusavam de ser
pornográfico e estimular a homossexualidade, rotulando-o de “kit-gay". Diante do pânico
moral19 estabelecido por acusações não fundamentadas, a presidente Dilma Rousseff,
13 Tradução livre para: "there are genuine forms of ideological colonization taking place. And one of these –
I will call it clearly by its name – is [the ideology of] gender’. "Today children – children! – are taught in
school that everyone can choose his or her sex”.
14
GARBAGNOLI, Sarah. Against the Heresy of Immanence: Vatican’s ‘Gender’ as a New Rhetorical
Device Against the Denaturalization of the Sexual Order. Religion & Gender, Vol. 6, no. 2 (2016), pp. 187-
204.
15
JUNQUEIRA, Rogério. “Ideologia de gênero”: a gênese de uma categoria política reacionária – ou: a
promoção dos direitos humanos se tornou uma “ameaça à família natural”? In: Debates contemporâneos
sobre Educação para a sexualidade / [organizadoras] Paula Regina Costa Ribeiro, Joanalira Corpes
Magalhães - Rio Grande: Ed. da FURG, 2017.
16
SOMMERS, Christina Hoff. Who Stole Feminism? How Women Have Betrayed Women. New York:
Publisher: Simon & Schuster, 1994.
17
O’LEARY, Dale. The Gender-Agenda: redefining equality. Lafayette: Vital Issues, 1997.
18
SCALA, Jorge. Ideologia de Gênero: o neototalitarismo e a morte da família. São Paulo: Katechesis,
2011.
19
Para uma discussão sobre a ideia de "pânico moral” conferir: RUBIN, Gayle. Pensando o Sexo: Notas para
uma Teoria Radical das Políticas da Sexualidade. Tradução de Felipe Bruno Martins Fernandes Revisão de
Miriam Pillar Grossi. Repositório Institucional da Universidade Federal de Santa Catarina, 2012.
8
curiosamente no mesmo momento em que este pesquisador também estava no Palácio das
Artes - e afirma que ela não possui nada demais para o século XXI, para ele o lugar para
essas discussões seria ali em uma galeria de arte e não nas escolas. A polêmica e os
enfartamentos envolvendo a exposição continuam durante a escrita do presente projeto.
Justamente no calor desses acontecimentos que proponho uma reflexão sobre
quais são as condições de emergência do discurso da ideologia de gênero no âmbito da
educação em Belo Horizonte? Para tanto precisamos perguntar sobre como esse discurso
se articula? Quais são seus atores? E quais são os principais fatores que o influenciam?
Questões que pretendemos desenvolver através de uma genealogia da performatividade
desse discurso no espaço público belohorizontino.
2 JUSTIFICATIVA
21
BUTLER, Judith. Gender Politics and the Right to Appear. In: Notes toward a Performative Theory of
Assembly. Cambridge, Mass: Harvard University Press, 2015.
22
LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e educação. 7. ed. Petrópolis: Vozes, 2004.
10
3 HIPÓTESE
4 OBJETIVO
23
BUTLER, Judith. Precarious Life. New York: Verso, 2004.
11
5 APROXIMAÇÃO TEÓRICO-METODOLÓGICA24
24
Optamos por um desenvolvimento conjunto do que comumente se denomina nos projetos de pesquisa de
metodologia e de marco teórico em razão das imbricações da construção de um conhecimento parcial e
crítico trabalhadas na apresentação do tema problema do presente projeto. A genealogia não se trata apenas
de um instrumental teórico de análise, mas de uma própria forma de percepção da realidade investigada.
Afirmar o caráter performativo da política é ao mesmo tempo perceber que minha metodologia de análise é
corporificada, que o discurso é encarnado e que não são apenas as palavras que estão sendo investigadas.
Portanto, entendemos na presente pesquisa, que separar tudo isso não contribuiria para os objetivos da
investigação proposta.
25
BUTLER, Judith. Gender Trouble: Feminism and the Subversion of Identity, New York: Routledge, 1999.
Cf.: "gender is the repeated stylization of the body, a set of repeated acts within a highly rigid regulatory
frame that congeal over time to produce the appearance of substance, of a natural sort of being. A political
genealogy of gender ontologies, if it is successful, will deconstruct the substantive appearance of gender into
its constitutive acts and locate and account for those acts within the compulsory frames set by the various
forces that police the social appearance of gender.” (pp. 63-64).
26
BUTLER, Judith. Bodies That Matter: On the Discursive Limits of ‘Sex’, New York: Routledge, 1993.
Cf.: "the category of "sex" is, from the start, normative; it is what Foucault has called a "regulatory ideal." In
this sense, then, "sex" not only functions as a norm, but is part of a regulatory practice that produces the
bodies it governs, that is, whose regulatory force is made clear as a kind of productive power, the power to
produce—demarcate, circulate, differentiate—the bodies it controls. Thus, "sex" is a regulatory ideal whose
materialization is compelled, and this materialization takes place (or fails to take place) through certain
12
highly regulated practices. In other words, "sex" is an ideal construct which is forcibly materialized through
time.” (p. 2)
27
Id. Precarious Life. New York: Verso, 2004. Cf.: “some lives are grievable, and others, are not; the
differential allocation of grievability that decides what kind of subject is and must be grieved, and wish kind
of subject must not, pirates to produce and maintain certain exclusionary conceptions of who is normatively
human: what counts as livable life and a grievable death?” (pp. xiv-xv).
28
Id. Notes toward a Performative Theory of Assembly. Cambridge, Mass: Harvard University Press, 2015.
Cf.: when we say that inequality is “effectively" reproduced when ‘the people’ are only partially
recognizable, or even ‘fully' recognizable within restrictively national terms, then we are claiming the the
positing of ‘the people’ does more than simply name who the people are. The act of delimitation operates
according to a performative form of power that establishes a fundamental problem of democracy even as - or
precisely when - it furnishes its key term, ‘the people’ (p. 6).
29
Id. Revisiting Bodies and Pleasures. London: Theory, Culture and Society v. 16 (2), 1999, p. 15.
30
NIETZSCHE, Friedrich. On the Genealogy of Morals. Oxford: Oxford University Press, 1996.
31
FOUCAULT, Michel. The History of Sexuality. Vol. 1. London: Penguin, 1990.
32
BUTLER, Judith. Frames of war: When is Life Grievable. New York: Verso, 2009, pp. 15-23.
13
de uma vida, ou seja, para que uma vida seja considerada precária ela antes deve ser
considerada inteligível, pois vidas não apreendidas, por si só, já foram descartadas33. O que
nos leva a pensar como o discurso da “ideologia de gênero” pode simplesmente não
apreender determinadas formas de vida. A concepção da vida corporal considerada finita e
precária pressupõe a interdependência de formas de sociabilidade que podem protegê-la,
colocando em questão a própria ontologia do individualismo. Assim, temos em um
importante excerto de Butler: "precarity cuts across identity categories as well as
multicultural maps, thus forming the basis for an alliance focused on opposition to state
violence and its capacity to produce, exploit, and distribute precarity"34. Pensar através da
ótica da precariedade é possibilitar uma luta política gregária que supere os dilemas de uma
compreensão liberal da política e os dilemas de uma suposta necessidade de concordância
em relação a todas as questões de desejo, crença ou auto identificação típicas de uma
política centrada em questões identitárias. Precisamente sob esta ótica que propormos
construir nossa genealogia da performatividade discursiva do uso da “ideologia de gênero”,
ou seja, como os fatores religioso-determinista, científico-ideológico, e político-econômico
contribuem para distribuições desiguais da condição precária através da materialização de
um discurso hierarquizador de corpos e possibilidades de vida.
Uma proposta genealógica dessa monta deve necessariamente enfrentar o
problema da ideologia. Como nos afirma Judith Butler, em geral “uma ideologia é
entendida como um ponto de vista que é tanto ilusório quanto dogmático, algo que tomou
conta do pensamento das pessoas de uma maneira acrítica”35. Nesse sentido, torna-se
imperioso assumir o caráter ideológico não dos estudos de gênero, mas das práticas dos
cruzados contrários à “ideologia de gênero” que naturalizam ideias, práticas e hábitos na
construção unidimensional de uma suposta natureza humana. Surge daí a importância da
crítica enquanto uma prática contingente que assuma a radicalidade de sua abertura ao
colocar em questão os limites dos nossos modos de conhecimento mais certos36. A crítica,
dessa forma, visa a ampliar a possibilidade de existência através do questionamento dos
elementos forcluídos na própria ordem normativa. A presente pesquisa apresenta-se,
portanto, enquanto uma prática crítico-ideológica que busca afirmar a expressão de gênero
33
Ibid., p. 1.
34
Ibid., p. 32.
35
Id. Judith. Judith Butler escreve sobre sua teoria de gênero e o ataque sofrido no Brasil. Trad.: Clara
Allain. Folha de São Paulo - Ilustríssima: novembro de 2017.
36
Id. What is critique? An essay on Focault’s virtue. In David Ingram, ed., The Political: Readings in
Continental Philosophy, London: Basil Blackwell, 2002.
14
6 CRONOGRAMA DE ATIVIDADES
2017 2018
Defesa da Dissertação
●
16
19
20
ANEXOS
Legenda
o Perguntas Obrigatórias
• Identificação
o Nome
o Idade
o Profissão
o Religião
o Filiação Partidária
• Perguntas
o O que você entende por direito à educação? Qual é sua abrangência e qual
sua função?
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