Вы находитесь на странице: 1из 83

Um dos nossos leitores emprestou dinheiro a um amigo.

Contudo, verificou, com


alguma preocupação, que este tem vindo a vender os seus bens (terrenos), sem que,
até ao momento, lhe pagasse a quantia pecuniária emprestada.

Pergunta-nos o que deve fazer para recuperar o que emprestou, pois receia que,
brevemente, o seu amigo deixe de ter possibilidades de lhe pagar o que deve.

Numa situação destas é conveniente agir com alguma celeridade. Pelo menos será
necessário agir antes que o devedor fique sem património capaz de garantir as suas
dívidas.

Assim, a nossa lei prevê que o credor possa utilizar um conjunto de mecanismos
capazes de fazer valer o seu direito de crédito.

Poderá, desde logo, intentar uma acção judicial para cumprimento com a intenção de
obrigar o seu amigo a devolver a quantia emprestada. Mas todos sabemos que os
processos judiciais demoram o seu tempo e que nesse período o devedor poderá
delapidar todo o seu património. Verificando-se esta hipótese, quando o juiz emitisse a
sentença condenando o devedor no pagamento da dívida, ela teria pouca utilidade.

A questão que se coloca é saber como evitar esta situação.

O Código de Processo Civil prevê nos seus artigos 406º e seguintes a utilização de uma
providência cautelar denominada de arresto.

O arresto consiste numa apreensão judicial de bens, algo semelhante à penhora.

Todo o credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu
crédito pode requerer o arresto de bens do devedor.

O credor deverá demonstrar ao juiz que a dívida existe e explicar porque é que teme não
vir a ser pago por falta de património do devedor. Deverá, também, fazer uma relação
de bens a apreender pelo Tribunal.

Uma vez decretado o arresto, este fica sem efeito:

a) se o requerente não propuser acção judicial no prazo de 30 dias (este prazo é reduzido
para 10 dias quando o devedor não é ouvido);

b) se, proposta a acção, o processo estiver parado mais de 30 dias por negligência do
requerente;

c) se a acção judicial não atribuir razão ao requerente;

d) se o direito que o requerente pretende acautelar já não existir;

e) se o réu for absolvido da instância e o requerente não propuser nova acção em tempo
de aproveitar os efeitos da proposição anterior;
f) se obtida sentença a condenar no pagamento da dívida, o requerente não promover a
execução dessa dívida no prazo de dois meses;

g) se promovida a execução, o processo parar por negligência do requerente durante


mais de 30 dias.

Como facilmente se verifica, o arresto é uma medida cautelar e provisória.

Cautelar, porque tem por função acautelar a existência de património suficiente ao


pagamento da dívida.

Provisória, porque só com recurso a uma acção judicial para cumprimento se pode
resolver definitivamente a situação.

Para terminar, desejamos a todos os nossos leitores uma Páscoa feliz.

1. Quais são os diferentes tipos de medidas?

Integram a categoria referida os chamados procedimentos cautelares, ou seja, os


meios processuais «necessários para acautelar o efeito útil da acção» − art. 2.º, n.º 2,
do Código de Processo Civil português. Tais procedimentos correspondem a
conjuntos de actos praticados perante e por um tribunal com vista a garantir que a
decisão a proferir em determinada acção se possa concretizar mantendo a sua
eficácia e assumindo, em consequência, integral utilidade prática para quem a tenha
instaurado e obtido ganho de causa.

Estes meios de tutela prévia são despoletados pela mera aparência de existência do
direito invocado ou a invocar em juízo e pela antevisão do perigo de lesão desse
direito. Assentam numa demonstração sumária e em juízos de probabilidade ou
verosimilhança. Visam prevenir lesões irreparáveis através do afastamento do risco
emergente da demora da decisão final, isto é, da alteração de circunstâncias
essenciais potencialmente decorrente desse desfasamento temporal.

Estas medidas podem assumir finalidades conservatórias ou antecipatórias, o que


significa que poderão ter como objectivo manter inalterada uma determinada
situação, para que a sentença da acção principal não surja deslocada da realidade e
desprovida da possibilidade de ser executada (como ocorre, por exemplo, quando se
pretenda evitar a dissipação ou o extravio de bens sobre os quais possa vir a recair
uma execução futura), ou antecipar a decisão do litígio enquanto não se obtém a
sentença definitiva (como acontece quando se atribua uma prestação pecuniária
provisória destinada a garantir o sustento, a habitação e o vestuário do requerente de
prestação alimentar).

Os procedimentos cautelares podem ser: a) não especificados ou b) especificados.

Os primeiros são aqueles que não estão submetidos a qualquer modelo processual
pré-definido, cabendo ao tribunal adoptar a medida adequada «a assegurar a
efectividade do direito ameaçado» − n.º 1 do art. 381.º do código invocado. Tais
procedimentos assentam em regras de tramitação comuns que são, aliás,
subsidiariamente aplicáveis aos procedimentos nominados.

Os segundos obedecem a um figurino previamente enunciado na lei adjectiva e estão


sujeitos a um quadro de requisitos, pressupostos e conteúdo decisório específicos.

São os seguintes os procedimentos cautelares especificados previstos no


ordenamento jurídico civil português: a) Restituição provisória de posse; b)
Suspensão de deliberações sociais; c) Alimentos provisórios; d) Arbitramento de
reparação provisória; e) Arresto; f) Embargo de obra nova; g) Arrolamento.

A providência cautelar de restituição provisória de posse é utilizável quando o


possuidor de certo bem tenha sido dele despojado contra a sua vontade, através de
coação física ou moral, e pretenda ser provisoriamente restituído à sua posse.

O procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais está à disposição


dos sócios das associações ou sociedades, seja qual for a sua espécie, que
pretendam obter a suspensão da execução de deliberações contrárias à lei, aos
estatutos ou ao contrato, susceptíveis de gerarem «dano apreciável» − art. 396.º do
Código de Processo Civil.

A providência de alimentos provisórios viabiliza o recebimento de uma quantia


mensal destinada a garantir, até ao pagamento da primeira prestação definitiva, a
disponibilidade dos recursos estritamente necessários ao custeio das despesas
relativas ao sustento, habitação e vestuário do requerente, bem como os dispêndios
da acção quando este não possa beneficiar de apoio judiciário.

A providência cautelar de arbitramento de reparação provisória faculta aos lesados


e aos terceiros com direito a indemnização ou a alimentos que, por conexão com uma
acção de indemnização fundada em morte ou lesão corporal e face à existência de
uma situação de necessidade ou «susceptível de pôr seriamente em causa o seu
sustento ou habitação do lesado», peticionem a atribuição de uma determinada
quantia pecuniária, sob a forma de renda mensal, a título de «reparação provisória do
dano» − n.º 1 do art. 403.º do mesmo Código.

O procedimento de arresto permite ao «credor que tenha justificado receio de perder


a garantia patrimonial do seu crédito» obter a «apreensão judicial de bens» − art.
406.º do referido Código de Processo Civil.

Fazendo uso da providência de embargo de obra nova, quem se julgue «ofendido


no seu direito de propriedade, singular ou comum, em qualquer outro direito real ou
pessoal de gozo ou na sua posse, em consequência de obra, trabalho ou serviço
novo que lhe cause ou ameace causar prejuízo, pode requerer (…) que a obra,
trabalho ou serviço seja mandado suspender imediatamente» − n.º 1 do art. 412.º do
referenciado Código. Este embargo pode ser também feito por via extrajudicial, desde
que ocorra a posterior ratificação judicial. Esta deve ser requerida no prazo de cinco
dias.

O procedimento cautelar de arrolamento deve ser instaurado face à existência de


«justo receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens, móveis ou imóveis, ou de
documentos», com vista à obtenção da descrição desses bens em auto judicial (com
menção do respectivo valor, atribuído por um perito − «louvado»), e à entrega dos
mesmos a um depositário − art. 421.º e 424.º do Código de Processo Civil.

2. Quais são as condições sob as quais essas medidas podem ser ordenadas?

Veja-se, quanto a esta questão, o respondido no âmbito da pergunta anterior.

2.1. Descrição do procedimento

É sempre necessário pedir ao tribunal que autorize a medida?

Com excepção da providência cautelar de embargo de obra nova, no seio do qual é


possível assumir uma iniciativa prévia de natureza extrajudicial seguida de um pedido
de ratificação judicial, todos os demais procedimentos assentam num requerimento
inicial dirigido ao tribunal.

Qual é o tribunal competente para ordenar estas medidas?

É competente para ordenar tais medidas o tribunal judicial definido de acordo com os
seguintes critérios, enunciados no art. 83.º do Código ao qual se vem fazendo
referência:

a) «O arresto e o arrolamento tanto podem ser requeridos no tribunal onde deva ser
proposta a acção respectiva» (ou seja, a acção em que se discuta em termos
definitivos o direito que pela providência se pretende acautelar), «como no do lugar
onde os bens se encontrem ou, se houver bens em várias comarcas, no de qualquer
destas»;

b) «Para o embargo de obra nova é competente o tribunal do lugar da obra»;

c) «Para os outros procedimentos cautelares é competente o tribunal em que deva


ser proposta a acção respectiva».

É obrigatória a representação por um advogado?

A representação por advogado é obrigatória desde que o valor da providência seja


superior a € 3 740,98 ou quando seja sempre admissível recurso.

O valor processual do procedimento determina-se em atenção aos seguintes critérios:


a) «Nos alimentos provisórios e no arbitramento de reparação provisória, pela
mensalidade pedida, multiplicada por doze»; b) «Na restituição provisória de posse,
pelo valor da coisa esbulhada»; c) «Na suspensão de deliberações sociais, pela
importância do dano»; d) «No embargo de obra nova e nas providências cautelares
não especificadas, pelo prejuízo que se quer evitar»; e) «No arresto, pelo montante
do crédito que se pretende garantir»; j) «No arrolamento, pelo valor dos bens
arrolados» − art. 313.º do mesmo Código.

Qual é o papel dos intermediários, tais como agentes ou solicitadores de


execução?

Em Portugal, desempenham as funções de agentes de execução os solicitadores de


execução e os por oficiais de justiça. Tais agentes desempenham a sua actividade
também nestas providências, ao nível da realização de citações e do cumprimento
das decisões de arresto e arrolamento.

Qual a escala de custos de cada tipo de medida?

A taxa de justiça destas providências é paga num só momento, aquando da


apresentação do requerimento inicial, e corresponde aos valores indicados na
seguinte tabela:
Valor da providência Taxa de Justiça de cada
parte/conjunto de sujeitos
processuais (UC)
Até € 500 0,5
De € 500,01 a € 1875 0,75
De € 1875,01 a € 3750 1
De € 3750,01 a € 7500 1,25
De € 7500,01 a € 15000 1,5
De € 15000,01 a € 25000 2
De € 25000,01 a € 40000 2,75
De € 40000,01 a € 70000 3,5
De € 70000,01 a € 100000 5
De € 100000,01 a € 135000 6,5
De € 135000,01 a € 170000 8
De € 170000,01 a € 210000 9,75
De € 210000,01 a € 250000 12

Para além de € 250 000, à taxa de justiça indicada acresce, por cada € 25 000 ou
fracção, 2,5 UC.

A Unidade de Conta (UC) tem, no período 2004-2006, o valor de € 89.

Nos termos do disposto no art. 32.º do Código das Custas Judiciais, as custas
compreendem, ainda, os seguintes encargos: a) Os reembolsos de despesas
adiantadas; b) «Os pagamentos devidos ou adiantados a quaisquer entidades,
nomeadamente documentos, pareceres, plantas, outros elementos de informação ou
de prova e serviços que o tribunal tenha requisitado, excepto o custo de certidões
extraídas oficiosamente pelo tribunal»; c) «As retribuições devidas a quem interveio
acidentalmente no processo, incluindo as compensações legalmente estabelecidas»;
d) «As despesas de transporte e ajudas de custo»; e) «O reembolso ao Estado do
dispêndio com o apoio judiciário, incluindo, entre outros, o relativo a honorários pagos
ou adiantados no âmbito do mesmo»; f) «O custo da citação por funcionário judicial
no caso de o autor declarar pretendê-la».

2.2. Condições de fundo

Quais os critérios utilizados pelo tribunal para conceder uma medida?

Na avaliação dos requerimentos de decretamento de providência cautelar, o tribunal


deve sempre ponderar o carácter fundado do receio invocado e a gravidade e difícil
reparabilidade da potencial lesão do direito. Mais avaliará se a medida conservatória
ou antecipatória se mostra, em concreto, apropriada para assegurar a permanência
do direito alegadamente posto em risco. Deve atender à existência de perigo na
demora.

Controlará, também, a relação de dependência efectiva ou potencial do procedimento


com uma causa instaurada ou a instaurar que tenha por fundamento o direito
precavido.

Cabe ao tribunal, neste tipo de procedimentos, colher uma demonstração sumária, ou


seja, menos rigorosa que no âmbito da acção principal, da probabilidade séria da
existência do direito a acautelar e do carácter suficientemente justificado do receio da
sua lesão.

. Venda com reserva de propriedade


O art. 409º/1 CC, permite porém, ao vendedor reservar para si a propriedade
da coisa até ao cumprimento total ou parcial das obrigações da outra parte ou
até a verificação de qualquer outro evento.
Com este artigo (art. 409º CC) pretende-se que o credor do preço fique
numa situação privilegiada. Se não houvesse a reserva, no caso de não
pagamento, o devedor poderia apenas executar o património do comprador
tendo de suportar na execução a concorrência dos outros credores.
É nula a cláusula de reserva de propriedade de uma coisa que se vai tomar
parte constitutiva de outra coisa.
A venda com reserva de propriedade é uma alienação sob condição
suspensiva; suspende-se o efeito translativo mas os outros efeitos do negócio
produzem-se imediatamente. O evento futuro de que depende a transferência
da propriedade será em regra, o cumprimento total ou parcial das obrigações
da outra parte.
O princípio de que a transferência da propriedade da coisa vendida e
determinada se opera por mero efeito do contrato pode ser afastada por
vontade das partes mediante o pacto de reserva de domínio previsto no art.
409º CC. A convenção de que a coisa vendida deveria ser segurada a favor do
vendedor até completa liquidação do preço e a de que só após o integral
pagamento do peão seria a coisa registada em nome dos compradores não
revelam inequivocamente que as partes tenham estipulado uma cláusula de
reserva de propriedade para o vendedor até àquele pagamento integral.
No tocante à forma, a cláusula de reserva de propriedade está sujeita às
mesmas formalidades que o contrato no qual se acha inserida.
Assim, se o contrato de compra e venda respeitar a coisa imóvel ou móvel
sujeita a registo, a cláusula de reserva de propriedade só será oponível a
terceiros se estiver registada.

CONTRATO DE COMPRA E VENDA


Introdução

1. Noção e aspectos gerais


O contrato de compra e venda é aquele que desempenha maior e mais
importante função económica.
Encontra-se deferido nos arts. 874º segs. CC, aplicando-se além das suas
regras próprias, os princípios e preceitos comuns a todos os contratos.
A partir da definição do art. 874º CC, é possível identificar com clareza os
seguintes efeitos essenciais da compra e venda enumerados no art. 879º CC:
- Um efeito real – a transferência da titularidade de um direito;
- Dois efeitos obrigacionais:
a) A obrigação recai sobre o vendedor de entregar a coisa vendida;
b) A obrigação para o comprador de pagar o correlativo preço.
Há na compra e venda, a transmissão correspectiva de duas prestações: por
um lado, a transmissão do direito de propriedade ou de outro direito; por outro
lado, o pagamento do preço.
Do teor do art. 874º CC, resulta claramente a atribuição de natureza real, e
não apenas obrigacional ao contrato de compra e venda o que resulta também
do art. 879º-a CC (vide arts. 578º/1, 408º/1 – 1317º-a CC) trata-se de uma
concepção tradicional, segundo a qual a transmissão da coisa tem por causa o
próprio contrato, embora, por circunstâncias várias, o objecto possa ficar
dependente de determinação, quando se trate de coisa futura, ou haja reserva
de propriedade (art. 409º CC). O que não pode é estabelecer-se que a
transferência do direito fique dependente de nova convenção, sem se
desfigurar, com isso, a natureza do primeiro contrato.
Esta função translativa ou real do contrato não impede que dele nasçam
também obrigações a cargo do vendedor e do comprador.
Da definição dada pelo art. 874º CC, resultam características fundamentais
da compra e venda, que é um contrato oneroso (art. 612º CC), bilateral (arts.
428º segs. CC), com prestações recíprocas (art. 424º CC) e dotado de eficácia
real ou translativa.

2. Forma do contrato de compra e venda


Via de regra os contratos celebrados pelos particulares são consensuais.
Formam-se mediante o simples acordo dos contraentes.
A esta regra não faz excepção a compra e venda. Ela pode ser celebrada
através de qualquer das formas admitidas por lei, para a declaração negocial
(arts. 217º a 220º CC). Apenas nalguns casos foram estabelecidas certas
exigências de forma (art. 875º CC).
Contrato de compra e venda de bens imóveis está sujeito a registo,
dependendo deste a sua eficácia em relação a terceiros.
Do registo deve ainda constar a cláusula de reserva de propriedade, quando
a alienação respeite a coisa imóvel ou móvel sujeita a registo (art. 409º/2 CC),
bem como a cláusula para pessoa a nomear, nas mesmas condições (art. 456º
CC).
A exigência da escritura pública vale não só para a transmissão da
propriedade, mas também para a transmissão ou constituição de qualquer
outro direito sobre imóveis a que se refere o art. 204º/1-a), b), c) CC.
Do disposto no art. 875º CC resulta:
a) Que o contrato é nulo se for celebrado sem forma nele consignada;
b) Que o contrato só poderá considerar-se celebrado, quando a transmissão
da propriedade se operar, depois de lavrado o respectivo título.

Efeitos essenciais

3. O efeito real
Distinguem-se tradicionalmente dois tipos de venda: a venda obrigatória e a
venda real.
Nos ordenamentos que conferem simples carácter obrigatório à compra e
venda entre vendedor e comprador apenas se criam e produzem relações de
crédito. Cada um dos contraentes apenas têm direito a exigir do outro uma
prestação:
• Ao vendedor cabe o direito de exigir do comprador o preço;
• Ao comprador cabe o direito de reclamar a transmissão ou alienação do
objecto vendido.
Nos arts. 408º, 874º, 879º-c CC, decorre a eficácia real. Os arts. 874º e
879º-c CC, referem-se especificamente à compra e venda, o art. 408º CC,
consagra em termos gerais a eficácia real dos contratos.
No nosso direito, o contrato de compra e venda como contrato de alienação
de coisa determinada (art. 408º/1 CC) reveste natureza real. A transmissão da
propriedade da coisa vendida, ou a transmissão do direito alienado, tem como
causa o próprio contrato, embora esses efeitos possam ficar dependentes de
um facto futuro. Algumas situações estão previstas no art. 408º/2 CC,
referindo-se o art. 409º CC1 , à reserva de propriedade, que é uma outra
[1]

hipótese em que a transmissão, tendo embora por causa a compra e venda se


protela para um momento posterior. Quem compra uma coisa sujeita ao direito
de preferência fica, enquanto não decorrer o prazo de exercício desse direito,
em situação análoga à de quem contrata sob condição resolutiva.
Os arts. 874º e 879º CC, incluem entre os efeitos da compra e venda a
transmissão da propriedade de uma coisa ou doutro direito.
Consegue-se conciliar o art. 408º/1 CC, com a afirmação categórica do art.
879º-a CC, no sentido da transmissão da titularidade da coisa constituir efeito
essencial da compra e venda.
Desta forma, também consegue-se harmonizar o art. 408º/1 CC, com o
disposto no n.º 2 do art. 408º CC. Aí o legislador especificou o momento da
transferência de certas coisas com características especiais, sempre com a
preocupação de não estabelecer qualquer ligação genética entre a transmissão
de uma coisa ou a titularidade de um direito e os factos que marcam o
momento dessa transmissão.
Ao lado da sua natureza real, a compra e venda tem também natureza
obrigatória ou obrigacional. O vendedor, por um lado, fica obrigado a entregar a
coisa (art. 879º-b CC) e o comprador, por outro lado, a pagar o preço (art. 879º-
c CC). A transmissão da propriedade não fica, porém, dependente do
cumprimento destas obrigações, embora, em alguns casos, o não cumprimento
possa dar lugar à possibilidade de resolução do contrato.
Enumeram-se no art. 879º CC, apenas os efeitos essenciais da compra e
venda, depois que no art. 874º CC se definiu através da causa negotti, a
função económico-social típica da compra e venda. Note-se porém, que a
obrigação de entrega nem sempre existe, como sucede, quer nos casos em
1
que a coisa transferida já se encontra na posse do comprador, quer naqueles
em que a transferência não tem por objecto direitos reais, mas direitos de
crédito, por exemplo.
A compra e venda tem sempre carácter real. Um contrato do qual não
decorra a transmissão da titularidade de uma coisa ou direito não poderá nunca
qualificar-se como compra e venda, mesmo quando reunidos os demais
requisitos e efeitos deste contrato.

4. Os efeitos obrigacionais
O dever de entrega da coisa
Trata-se da transferência da titularidade da coisa ou do direito vendido. Além
desse direito real a compra e venda produz dois outros efeitos essenciais, de
carácter obrigacional:
1) A obrigação que recai sobre o vendedor de entregar a coisa;
2) A obrigação que impende sobre o comprador de pagar o correlativo
preço.
O Código Civil contém um artigo relativo à obrigação de entrega da coisa – o
art. 882º CC.
A obrigação por parte do vendedor de entregar a coisa, está expressa no art.
879º-b CC, importa para o vendedor o dever de investir o comprador na posse
efectiva dos direitos transmitidos para que o adquirente os possa fruir
plenamente (arts. 1263º-b; 1264º CC). A obrigação de entrega é normalmente
contemporânea da transmissão do direito ou posterior a ela; mas pode,
excepcionalmente, ser anterior, como na venda com reserva de propriedade
(art. 409º CC).
O art. 882º/1 CC, procura resolver os problemas do deferimento ou protelar
no tempo da obrigação de entrega da coisa. É que, não sendo entregue no
momento da celebração do contrato o seu estado pode variar até à altura da
respectiva entrega.
Decorre do art. 882º/1 CC que:
a) Se a coisa adquirir vícios ou perder qualidades entre o momento da
venda e o da entrega, são aplicáveis as regras relativas ao não
cumprimento das obrigações (art. 790º CC);
b) O vendedor tem obrigação de guardar a coisa, o que implica o dever de
abstenção de tudo o que é inconciliável com a prestação.
A obrigação de entregar a coisa no estado em que se encontrava no tempo
da venda envolve, implicitamente, a obrigação de guardar a coisa que neste
caso aparece como obrigação instrumental e não como obrigação fundamental
ou autónoma2 . Este dever de custódia do vendedor tem se ser cumprido com
[2]

o mesmo grau de diligência, quer a entrega se faça dentro do prazo


convencionado, quer se faça posteriormente, ainda que a solicitação do
comprador que não tenha possibilidade, se não mais tarde, de levantar ou
retirar a coisa.
No art. 882º/2 CC, o legislador procurou fixar no âmbito da obrigação de
entrega; por força deste preceito essa obrigação abrange, salvo estipulações
em contrário as partes integrantes, os frutos pendentes e os documentos
relativos à coisa ou direito vendido.
Extraem-se as seguintes conclusões do art. 882º/2 CC:

2
- O momento relevante para a fixação do âmbito da obrigação é o
correspondente à data de venda;
- Deste modo, abrangido pela obrigação de entrega são apenas as partes
integrantes ou frutos pendentes ao termo da venda;
- Excluem-se as partes integrantes ligadas à coisa em momento ulterior ao
da venda. O mesmo vale para os frutos produzidos depois desta data.

5. O dever de pagar o preço


Preço é por definição a expressão do valor em dinheiro, ou, “a medida de
valor expressa, típica e exclusivamente em dinheiro”. Isto não basta,
obviamente, a que o comprador, com o acordo do vendedor, pague em bens
diferentes de dinheiro.
O modo de realização do pagamento cabe no âmbito da autonomia da
vontade das partes.
De acordo com as regras do art. 883º CC, relevará em primeiro lugar o preço
fixado por entidade pública, na falta dele recorre-se sucessivamente:
- Ao preço normalmente praticado pelo vendedor à data da conclusão do
contrato;
- Ao preço do mercado ou bolsa no momento do contrato e no lugar em
que o comprador deve cumprir;
- Ao tribunal.
Uma vez fixado o preço importa apurar qual o lugar do seu pagamento (art.
885º CC).
Se a venda ficar, por força do art. 292º CC, ou qualquer outro preceito legal
limitada a parte do seu objecto, o preço respeitante à parte válida do contrato
será o que neste figurar, se houver sido descriminado como parcela do preço
global (art. 884º/1 CC).

Modalidades

6. Venda com reserva de propriedade


O art. 409º/1 CC, permite porém, ao vendedor reservar para si a propriedade
da coisa até ao cumprimento total ou parcial das obrigações da outra parte ou
até a verificação de qualquer outro evento.
Com este artigo (art. 409º CC) pretende-se que o credor do preço fique
numa situação privilegiada. Se não houvesse a reserva, no caso de não
pagamento, o devedor poderia apenas executar o património do comprador
tendo de suportar na execução a concorrência dos outros credores.
É nula a cláusula de reserva de propriedade de uma coisa que se vai tomar
parte constitutiva de outra coisa.
A venda com reserva de propriedade é uma alienação sob condição
suspensiva; suspende-se o efeito translativo mas os outros efeitos do negócio
produzem-se imediatamente. O evento futuro de que depende a transferência
da propriedade será em regra, o cumprimento total ou parcial das obrigações
da outra parte.
O princípio de que a transferência da propriedade da coisa vendida e
determinada se opera por mero efeito do contrato pode ser afastada por
vontade das partes mediante o pacto de reserva de domínio previsto no art.
409º CC. A convenção de que a coisa vendida deveria ser segurada a favor do
vendedor até completa liquidação do preço e a de que só após o integral
pagamento do peão seria a coisa registada em nome dos compradores não
revelam inequivocamente que as partes tenham estipulado uma cláusula de
reserva de propriedade para o vendedor até àquele pagamento integral.
No tocante à forma, a cláusula de reserva de propriedade está sujeita às
mesmas formalidades que o contrato no qual se acha inserida.
Assim, se o contrato de compra e venda respeitar a coisa imóvel ou móvel
sujeita a registo, a cláusula de reserva de propriedade só será oponível a
terceiros se estiver registada.

7. Venda a retro
O vendedor reserva para si o direito de reaver a propriedade da coisa ou
direito vendido mediante a restituição do preço. Na venda a retro o vendedor
tem a possibilidade de resolver o contrato de compra e venda (art. 927º CC).
O exercício deste direito do vendedor tem como consequência a aplicação
do disposto nos arts. 432º segs. CC, em tudo quanto não for afastado pelo
regime específico da venda a retro.
O art. 928º/2 CC, proíbe o comprador de exigir o reembolso de uma quantia
superior à paga por ele próprio. No excesso é que poderiam ocultar-se juros
usurários, deste modo proibidos.
A existência de um prazo imperativo (art. 929º CC3 ) para o exercício do
[3]

direito de resolução não impede as partes de, dentro desse prazo resolutivo,
fixarem um prazo suspensivo, de modo apenas permitir a resolução do contrato
decorrido certo período.
Em regra a resolução dos contratos ou negócios jurídicos não prejudica os
direitos adquiridos por terceiros (art. 435º/1 CC).

8. Venda a prestações
Como forma de tornar mais activa a circulação de bens e de permitir o gozo
dos benefícios por eles proporcionados ao maior número possível de pessoas
o nosso legislador consagrou a venda a prestações – arts. 934º segs. CC.
O princípio geral regulador das dívidas cuja liquidação pode ser fraccionada
consta do art. 781º CC. Por força deste preceito, se uma obrigação puder ser
liquidada em duas ou mais prestações, a não realização de uma delas importa
o vencimento de todas. Existem porem regras especiais na compra e venda.
Trata-se dos arts. 886º, 934º e 935º CC. O art. 886º CC, aplica-se de uma
forma geral a todos os casos de não pagamento de preço pelo comprador e
estabelece que, transmitida a propriedade da coisa, e feita a sua entrega, o
vendedor não pode via de regra, resolver o contrato por falta de pagamento. O
art. 934º CC, aplica-se especificamente aos casos de falta de pagamento de
uma das prestações em contratos de compra e venda a prestações.
As consequências por falta de pagamento de uma prestação enunciadas no
art. 934º CC, são, resumidas por Baptista Lopes:
c) Se não tiver havido reserva de propriedade, transmitida a propriedade da
coisa, ou o direito sobre ela, e feita a entrega, o vendedor não pode resolver o
contrato por falta de pagamento do preço (art. 886º CC).
Só assim não será se tiver havido convenção em contrário que, no caso de
o comprador não efectuar o pagamento de algumas prestações do preço,
perderá a favor do vendedor as quantias entregues, ficando este com o direito
de reaver a coisa, objecto do contrato.
3
d) Se tiver havido reserva de propriedade, uma vez entregue a coisa
vendida ao comprador, há lugar à resolução do contrato, se não for feito o
pagamento de qualquer prestação, desde que esta exceda 1/8 do preço total
(art. 934º CC).
Se a coisa não for entregue ao comprador, aplicam-se as regras gerais
sobre a mora e não cumprimento das obrigações.
Haverá também lugar à resolução do contrato se houver falta de pagamento
de duas ou mais prestações que, no seu conjunto, excedem 1/8 do preço total,
embora cada de per si não exceda tal proporção.
e) Quer haja, quer não haja reserva de propriedade, o comprador, pela falta
de pagamento de uma só prestação que não exceda a oitava parte do preço
total, não perde o benefício do prazo relativamente às prestações seguintes,
salvo se houver sido convencionado o contrário (art. 934º CC).
Também aqui, a falta de pagamento de duas ou mais prestações que no seu
conjunto, excedam 1/8 do preço importa a perda do referido benefício.
O art. 935º CC, define o regime da cláusula penal no caso de o comprador
não cumprir. A estipulação de uma cláusula penal é admitida para os diversos
contratos, e de forma genérica, no art. 810º CC, como meio de fixação prévio
de uma indemnização pelo não cumprimento de obrigações.
Em princípio, nos termos do art. 935º/1 CC, não pode a pena ultrapassar
metade do preço. O que pode é estimular-se a ressarcibilidade de todo o
prejuízo sofrido, não funcionando, neste caso, qualquer limite, pois a cláusula
deixa de ser usurária. Se a pena exceder aquele limite é automaticamente
reduzida para metade (art. 935º/2 CC).

Perturbações típicas do contrato de compra e venda

9. Venda de bens alheios


A caracterização da venda de bens alheios auxiliam os preceitos dos arts.
893º e 904º CC. Assim, se as partes considerarem o bem objecto da venda
como efectivamente alheio, pode supor-se que o contrato se realizou na
perspectiva de que a coisa viesse a integrar o património do alienante: se
assim for, segue-se o regime da venda de bens futuros (art. 880º CC). Por sua
vez, o alcance do art. 904º CC é o de ressalvar a hipótese do art. 893º CC e,
sobretudo, o de cominar com a nulidade qualquer venda que incida sobre bem
de que ambos os contraentes conheçam a falta de poder de disposição por
parte do alienante. Daqui decorre que o preceituado nos arts. 892º segs. CC
pressupõe sempre a ignorância de uma das partes acerca do carácter alheio
da coisa.
O Código Civil comina com a nulidade, a venda de bens alheios (art. 892º
CC). Trata-se de uma sanção que apenas se refere à relação entre vendedor e
comprador. No que respeita ao verdadeiro titular do bem, a venda é ineficaz.
A nulidade não se apresenta como decorrência da eficácia real da compra e
venda. Na verdade, esta eficácia limita-se a exprimir a idoneidade da
constituição de uma obrigação de transmitir a cumprir mediante acto posterior,
produzindo o efeito translativo. A compra e venda não postula, pois, no nosso
direito, uma indispensável transmissão da propriedade no momento da
conclusão do contrato como seu requisito de validade.
A venda de coisa alheia só é nula se o vendedor carecer de legitimidade
para a realizar. Se é um representante4 do proprietário ou titular do direito, o
[4]

acto pode ser válido, no caso de o título ou a lei lhe conferirem poderes para o
celebrar e é, geralmente anulável, se o não puder legalmente realizar.
O regime geral da nulidade nos negócios jurídicos, prescritos nos arts. 285º
segs. CC é afastado do regime da venda de bens alheios em vários aspectos.
À parte da possibilidade e obrigatoriedade da convalidação do contrato (arts.
895º e 897º CC), estabelecem-se no art. 892º CC, duas limitações ao princípio
geral da legitimidade expresso no art. 286º CC. Por outro lado, o vendedor não
pode opor a nulidade a comprador de boa fé (não importa que aquele esteja de
boa ou má fé); por outro lado, o comprador que se comportou com dolo (art.
253º CC) também a não pode opor ao vendedor de boa fé.
A boa fé nestes casos consiste na ignorância de que a coisa vendida não
pertencia ao vendedor.
O sistema de inoponibilidades instituído oferece à parte de boa fé o direito
de se prevalecer da eficácia do contrato. Não que lhe confira o direito ao
cumprimento do dever de entrega do preço ou do dever de entrega da coisa,
pois foram precisamente estes deveres que a lei quis impedir que nascessem
ao cominar a nulidade. O alcance da inoponibilidade é outro: conferir à parte de
boa fé determinadas posições apesar da invalidade dos deveres primários de
prestação, as quais teriam de pressupor em princípio a inobservância de
deveres primários de prestação perfeitamente válidos e eficazes.
Como consequência da sanção da nulidade, deve a coisa ser restituída ao
vendedor pelo comprador, independentemente da boa ou má fé daquele. A
correspectiva obrigação de restituir o preço segue, no entanto, um regime
parcialmente diferente do que resultaria da aplicação do art. 289º CC.
A venda de bens alheios, sendo nula convalida-se logo que o vendedor
adquira a propriedade do bem vendido. O efeito translativo opera então,
embora com eficácia ex nunc (art. 895º CC). A sanabilidade do vício ex lege
funda-se na vontade presumível do comprador ou vendedor de boa fé, cuja
realização deixou de estar impedida pelo obstáculo da alienidade da coisa. Não
há pois intenção de fazer percludir ao contraente de boa fé a posição
decorrente da nulidade do negócio. Daí, no art. 896º CC, a enumeração de
factos impeditivos da convalidação, cuja ocorrência evidencia a vontade de
contraente protegido se prevalecer da nulidade.

Relator: HÉLDER ROQUE


Descritores: VENDA DE COISA
ALHEIA
RESTITUIÇÃO
COMPRA E VENDA
COMERCIAL

4
RESERVA DE
PROPRIEDADE
VEÍCULO AUTOMÓVEL
Data do Acordão: 19-02-2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: SÁTÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Legislação Nacional: ARTIGOS 562º, 563º, 564º,
NºS 1 E 2 E 566º, Nº 1, DO
CÓDIGO CIVIL, E 661º,
Nº 2, DO CÓDIGO DE
PROCESSO CIVIL .
Sumário: 1. Celebrado entre as
partes um contrato de
compra e venda de
um veículo
automóvel, a
respectiva
propriedade não
chegou a transferir-
se para o comprador
e, por isso, a venda
do bem realizada
pelo vendedor, a
favor daquele, que
era propriedade de
outrem, com reserva
de propriedade, em
benefício de entidade
financiadora,
traduziu-se na venda
de uma coisa alheia.
2. A venda de bem
alheio, situada na
esfera do direito
comercial, não
transfere logo a
propriedade do
mesmo para o
comprador, o que só
virá a ocorrer, mais
tarde, eventualmente,
«ipso iure», por via
da eficácia
translativa da
convenção, quando o
vendedor, por
qualquer título
legítimo, adquirir a
propriedade da coisa
e fizer a sua entrega
ao comprador, sob
pena de responder,
por perdas e danos,
perante este.
3. Não tendo o
vendedor procedido
à aquisição da
viatura, por forma a
operar-se o
subsequente
cancelamento do
registo da reserva de
propriedade do
automóvel por ele
vendido, o
comprador tem
direito à restituição
do preço pago pela
sua aquisição, ou, em
todo o caso,
operando-se a
restituição da quantia
com que o vendedor
se locupletou.
Ainda que a
declaração de
distrate só possa ser
emitida pela entidade
financiadora do
empréstimo, não se
exclui que o
vendedor, pagando o
montante das
prestações em dívida
aquela, venha a obter
esse documento e,
consequentemente, a
cumprir a obrigação
de entrega da coisa,
que compreende,
salvo estipulação em
contrário, os
documentos relativos
à mesma, sob pena
de se verificar uma
situação de
cumprimento
defeituoso da
prestação
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS
JUÍZES QUE
CONSTITUEM O
TRIBUNAL DA
RELAÇÃO DE
COIMBRA:

“Joaquim P. Amaral,
Lda”, sociedade
comercial, com sede
na Rua Dr. Hilário de
Almeida Pereira, nº
75, 1º, Esq., no
Sátão, propôs a
presente acção
comum, sob a forma
de processo
ordinário, contra
“Araújo & Capelo,
Lda”, com sede no
lugar de Porto
Martim, Cabreiros,
em Braga, pedindo
que, na sua
procedência, a ré seja
condenada a entregar
à autora documento
legal, no prazo a
fixar pelo Tribunal,
que permita o
cancelamento da
reserva de
propriedade
constante do registo
da respectiva viatura,
ou, caso tal não se
verifique, dentro do
referido prazo, a
entregar à autora a
quantia de
42.397,82€,
acrescida de juros de
mora, à taxa legal,
desde a citação até
efectivo pagamento,
e, em qualquer caso,
a pagar à autora a
quantia de 2.500€,
relativa aos prejuízos
ocorridos, alegando,
para o efeito, em
suma, que, em
Agosto de 2002,
comprou à ré, que se
dedica à
comercialização de
veículos, um
automóvel, marca
BMW, série 5, pelo
preço de 42.397,82€,
que seria pago pela
autora, mediante a
entrega de um
automóvel, marca
Ford, modelo
Modeo, avaliado, em
retoma, na
importância de
6.234,97€, de um
cheque de 14.964€ e
da quantia, em
numerário, de
21.198,91€.
No dia 14 de Agosto
de 2002, a autora
entregou à ré o
veículo de retoma, o
cheque, no valor de
14.964€, e a quantia,
em numerário, de
21.198,91€,
recebendo desta o
veículo automóvel
adquirido.
Mais acordaram que
a ré trataria de toda a
documentação
necessária à
transferência da
propriedade da
viatura para a autora,
remetendo-lhe,
posteriormente, os
respectivos
documentos,
circunstância essa
que, apesar da
insistência, jamais
ocorreu, vindo,
entretanto, ao
conhecimento da
autora que o referido
BMW, série 5, se
encontrava registado,
em nome da
“Finicrédito SFAC,
SA”, por ter sido
objecto de um
contrato de locação
financeira, com
reserva de
propriedade a seu
favor.
A ré, apesar das
sucessivas promessas
de que resolveria o
assunto com a
locadora, pagando-
lhe as prestações em
dívida, no total de
30.000,00€, a fim de
que esta pudesse
emitir a declaração
de extinção de
reserva de
propriedade que
detém sobre a
viatura, não cumpriu
esse compromisso.
Conclui que, de
acordo com o
negócio celebrado
entre as partes, a
autora tem direito a
registar,
definitivamente, a
viatura, a seu favor,
sem qualquer ónus,
designadamente, de
reserva de
propriedade, a favor
da locadora.
Devendo, para isso, a
ré entregar à autora
documento legal, a
fim de ser cancelada
a reserva de
propriedade
existente, dentro do
prazo a fixar pelo
Tribunal, sob pena
de, não o fazendo,
dever entregar à
autora a quantia que
pagou pelo
automóvel, ou seja,
42 397,82€, e bem
assim como ser
condenada a pagar-
lhe a importância de
2.500,00€, em
virtude desta
situação lhe ter
acarretado inúmeros
prejuízos,
designadamente,
com pessoal,
deslocações,
telefone, etc., que
não podem
computar-se em
montante inferior.
Na contestação, a ré
alega, no essencial,
que foi mera
intermediária na
venda do veículo em
causa, o que
aconteceu, a pedido
da sua locatária,
“Embalbraga, Lda”,
que lhe entregou o
livrete e o título de
registo com a
promessa do gerente
desta de que
liquidaria à
locadora/proprietária,
“Finicrédito SFAC,
SA”, o montante em
dívida, circunstância
jamais verificada.
De qualquer modo, a
compra e venda do
veículo foi firmada
entre a “Embalbraga,
Lda” e a autora,
sendo a ré mera
mandatária daquela
sociedade, pelo que
só a “Finicrédito
SFAC, SA”,
beneficiária do
contrato de locação
financeira, poderá
requerer o
cancelamento da
reserva de
propriedade.
Na réplica, a autora
conclui como na
petição inicial,
requerendo, a final, a
condenação da ré no
pagamento de
indemnização
condigna, a seu
favor, a título de
litigância de má fé, já
que, em seu
entender, alterou,
intencionalmente, a
verdade dos factos.
A sentença julgou a
acção, totalmente
improcedente, por
não provada, e, em
consequência,
absolveu a ré de
todos os pedidos,
incluindo o de
condenação como
litigante de má fé.
Desta sentença, a
autora interpôs
recurso de apelação,
terminando as suas
alegações com as
seguintes conclusões:
1ª – O Tribunal a quo
errou na apreciação
da matéria de facto,
ao não dar como
provados em toda a
sua extensão os
factos constantes dos
artigos 1o, 2o, 3o,
4o, 5o, 6° e 15° da
base instrutória.
2ª - Relativamente ao
artigo 1o de acordo
com o depoimento
das testemunhas da
apelante e da prova
documental junta
pela mesma, ficou
amplamente provado
que aquela entregou
à apelada, para além
da quantia referida
na alínea d) dos
factos assentes, o
montante de 21
198,196€.
3ª - De resto, a não
ser assim, certamente
que a apelante não
tinha contabilizado
na sua escrita a
factura de compra
que a apelada emitiu,
nem esta teria
entregue àquela os
documentos,
incluindo a
declaração de
compra e venda,
relativos à viatura em
causa.
4ª - Do mesmo
modo, perante os
depoimentos
apresentados e
documentos juntos
pela apelante, os
artigos 2o, 3o, 4o,
5o, 6o e 15° da base
instrutória teriam de
ser dados como
provados. Na
verdade,
5ª - Os depoimentos
das testemunhas,
relativas a estes
pontos, foram claros
e precisos, tendo
ambas respondido de
forma unânime que o
legal representante
da autora, aquando
da celebração do
negócio em apreço,
não se apercebeu da
existência da reserva
de propriedade que
impendia sobre o
dito veículo, só tendo
conhecimento da
existência da mesma,
quando em conversa
com um funcionário
da ré, este o alertou
para tal situação.
6ª - Além disso, o
comportamento
assumido pelo legal
representante da ré,
ao pretender ser ele a
tratar da legalização
da viatura, quando o
próprio legal
representante da
autora se prontificou
para tal, só vem
corroborar os factos
descritos na
conclusão anterior.
7ª - Por outro lado,
resulta claramente do
depoimento das
testemunhas que, por
causa de toda esta
situação criada pela
apelada, a autora
teve despesas com
pessoal, com
deslocações e
telefones; de resto,
ainda que as
testemunhas nada
tivessem referido a
este respeito, o que
não se concede, a
igual conclusão
chegaríamos atrás do
recurso aos
elementos da
experiência comum.
8ª - Elementos da
experiência comum
que, também seriam
mais que suficientes
para que o quesito
15° da base
instrutória fosse dado
como provado, pois,
estamos em crer que
ninguém emite uma
factura a favor de
outrem, como o fez a
aqui apelada, se não
se assumir como
proprietária do bem
que está a vender.
9ª - Pelo que, e
atento o exposto, a
apelante logrou
provar cabalmente os
artigos em apreço.
10ª - Face também
ao exposto, temos
necessariamente de
concluir que o
Tribunal a quo errou
na interpretação dos
factos e na
subsunção destes ao
direito, ao julgar
improcedente todos
os pedidos
formulados pela ora
apelante, com
excepção da
condenação da ré a
título de litigância de
má fé.
11ª - Na verdade, e
no que concerne ao
primeiro pedido
formulado pela
autora - tendo em
conta que a relação
jurídica que fez
emergir os presentes
autos foi um contrato
de compra e venda
de um veículo
automóvel e que a ré,
de acordo com os
efeitos previstos no
artigo 874° do
Código Civil, estava
obrigada, entre
outras coisas, a
entregar à autora os
documentos relativos
à coisa vendida
(artigo 882° do
Código Civil) -, não
era impossível à
apelada, como o
considerou o
Tribunal a quo, obter
junto da entidade a
favor de quem se
encontrava registada
a reserva de
propriedade a
declaração necessária
ao cancelamento
daquela, devendo
para o efeito, como é
óbvio, pagar as
prestações que
estavam em atraso.
12ª - O mesmo
sucede em relação ao
pedido subsidiário
deduzido pela ora
apelante, caso não se
verifique, dentro do
referido prazo, a
entrega daquele
documento para
cancelar o registo da
reserva de
propriedade, que a ré
seja condenada a
restituir à autora a
quantia de
42397,82€, acrescida
de juros de mora,
pois, dos factos
provados, facilmente
se conclui que a
restituição daquela
quantia, não obstante
a autora reconhecer
que não identificou
de forma clara o
facto constitutivo da
obrigação de
devolução da quantia
entregue à ré, tem
por facto constitutivo
a resolução do
contrato de compra
em venda celebrado
com a aqui apelada.
13ª - Ou, em todo o
caso, operando-se a
restituição da
quantia, ou seja,
42397,82€, com que
a ré vendedora se
locupletou, em
conformidade com o
estipulado no artigo
473° do referido
diploma legal.
14ª - Por último, o
Tribunal a quo,
também deveria ter
condenado a ré a
pagar à autora os
prejuízos que esta
teve em
consequência da
conduta assumida
por aquela, pois, dos
factos dados como
assentes,
designadamente,
alíneas i), k) e m),
bem como, dos
depoimentos das
testemunhas que, a
este respeito, foram
unânimes, precisos e
claros, é mais que
evidente que tais
prejuízos existiram.
15ª - Prejuízos esses
que, como não foram
apurados em
concreto, deveriam
ser liquidados em
execução de
sentença.
16ª - Por último, a
sentença recorrida
violou, entre outros,
o disposto nos
artigos 433°, 289°,
874°, 879°, 882°,
885° e 473°, todos
do Código Civil.
A ré não apresentou
contra-alegações.

Tudo visto e
analisado,
ponderadas as provas
existentes, atento o
Direito aplicável,
cumpre, finalmente,
decidir.
As questões a
decidir, na presente
apelação, em função
das quais se fixa o
objecto do recurso,
considerando que o
«thema decidendum»
do mesmo é
estabelecido pelas
conclusões das
respectivas
alegações, sem
prejuízo daquelas
cujo conhecimento
oficioso se imponha,
com base no
preceituado pelas
disposições
conjugadas dos
artigos 660º, nº 2,
661º, 664º, 684º, nº 3
e 690º, todos do
Código de Processo
Civil (CPC), são as
seguintes:
I – A questão da
alteração da decisão
sobre a matéria de
facto.
II – A questão da
condenação no
cancelamento da
reserva de
propriedade.

I. DA ALTERAÇÃO
DA MATÉRIA DE
FACTO

A autora sustenta que


o Tribunal «a quo»
deveria ter dado
como provada a
matéria constante
dos artigos 1º, 2º, 3º,
4º, 5º, 6º e 15º da
base instrutória, com
base nos
depoimentos das
testemunhas, prova
documental, regras
de experiência e no
facto dado como
assente, sob a alínea
K).
Resulta da audição
da prova objecto de
gravação, no que
contende com os
pontos da matéria de
facto em que a autora
suscita a respectiva
alteração, que a
testemunha Carlos
Lopes, encarregado
de pessoal da autora,
referiu que “o
negócio foi, em
Agosto de 2002,
tendo a autora pago o
BMW com um
cheque de cerca de
15000,00€, dinheiro
em notas e o Mondeo
de retoma”, que “a
autora insistia junto
da ré pela vinda dos
documentos, e que
esta dizia que ia
resolver tudo”, que
“a autora fez vários
telefonemas e foi,
várias vezes, falar
com a ré” e que “teve
prejuízos”.
Esta testemunha não
mencionou o
processo causal,
através do qual teve
acesso ao conteúdo
do depoimento que
prestou, referindo,
tão-só, que sabia
dessa factualidade, o
que faz presumir,
razoavelmente,
atendendo a que a
sua profissão é a de
encarregado do
pessoal das obras que
a autora executa, que
tenha sido o sócio-
gerente da apelante o
autor da informação
que prestou em
audiência.
Por sua vez, a
testemunha João
Pereira de Sousa,
contabilista da
autora, disse que “o
carro foi pago com
cheque e, segundo
lhe disse o sr.
Joaquim, também
com dinheiro”, que
“o sócio da ré
ofereceu-se para
tratar da legalização
dos documentos”, e
que “a autora teve
prejuízos porque
precisou de comprar
outra viatura para
poder andar de uma
forma legal”.
Os depoimentos
analisados revelam
pouca consistência,
retratando,
manifestamente, uma
realidade que traduz,
mesmo no caso do
contabilista, a não
presencialidade
aquando da
ocorrência dos factos
relatados, por
ocasião da realização
do negócio da
compra e venda do
veículo.
Por outro lado, a
afirmação da
testemunha João
Pereira de Sousa,
segundo a qual “a
autora teve prejuízos
porque precisou de
comprar outra
viatura para poder
andar de uma forma
legal”, resiste mal à
alegação da autora,
constante do artigo
12º da petição
inicial, segundo a
qual a ré “enviava,
apenas, todos os
meses - a fim da
autora poder circular
com o veículo – uma
declaração que
substituía os
documentos…”.
Finalmente, os
documentos
existentes nos autos,
designadamente, os
que constam de
folhas 11 a 16 do
procedimento
cautelar de arresto
apenso, e de folhas
40 da presente acção,
conjugadamente com
o teor dos
depoimentos já
considerados, mesmo
não subestimando as
regras da experiência
de vida, não
permitem sustentar,
com aquele grau de
verosimilhança que
caracteriza a prova
assumida pelo
Tribunal, que a
autora tenha entregue
à ré a importância,
em numerário, de
21198,91€.
Aliás, consta da
declaração de folhas
13 do aludido
procedimento
cautelar de arresto,
subscrita pela ré, que
“vendemos com
reserva do direito de
propriedade até
integral pagamento
do seu preço a …
Joaquim P. Amaral,
Ldª”, ou seja, à
autora.
Assim sendo, não se
encontra
demonstrado que “a
autora entregou à ré
a quantia de
21198,91€, em
numerário, além do
referido na alínea D)
dos factos assentes?”
[1º], que “na data e
local referido na al.
K) que foi dito ao
sócio gerente da
autora, por um
funcionário da ré,
que a propriedade da
viatura adquirida
pela autora estava,
ainda, registada em
nome da Finicrédito
SFAC, SA, por ter
sido objecto de
locação financeira?”
[2º], que “a autora
nunca se tinha
apercebido, apesar de
ter os documentos,
do facto referido no
ponto 2º?” [3º], que
“…, tendo aquele
dito que tal reserva
consistia numa
situação meramente
formal, que nada era
devido à sociedade
locadora, pelo que,
dentro de dias iria
resolver o assunto?”
[4º], que “o que não
sucedeu?” [5º], e que
“durante o decurso
das negociações
sempre a ré se
assumiu como
proprietária da
viatura?” [15º].
Porém, relativamente
ao ponto nº 4,
passará a constar do
mesmo “provado
apenas o que consta
do teor das alíneas I)
e K) dos factos
assentes”, enquanto
que o ponto nº 6
ficará redigido, em
termos de que “a
situação, referida em
I), J) e K), tem
acarretado para a
autora prejuízos,
designadamente,
com deslocações e
telefone”.
Nestes termos, este
Tribunal da Relação
entende que se
devem considerar
como demonstrados
os seguintes factos,
incluindo aquele que
agora se adita, com
base no teor dos
documentos
constantes dos autos:
A ré é uma sociedade
comercial que se
dedica à
comercialização de
veículos automóveis
– A).
Em inícios do mês de
Agosto de 2002,
autora e ré
estabeleceram
negociações para a
compra e venda de
um veículo
automóvel ligeiro de
passageiros, usado,
da marca BMW,
modelo 5/D 5
SERIES, com o n°
de matrícula 60-44-
PP – B).
Consistiram tais
negociações em a
autora adquirir à ré o
veículo automóvel,
identificado em B),
pelo preço de
8.500000$00 ou
42.397,82€, e esta
aceitar de retoma um
veículo ligeiro de
passageiros da
autora, da marca
FORD, modelo
MONDEO, avaliado
em 1.250 000$00 ou
6.234,97€ – C).
No dia 14 de Agosto
de 2002, nas
instalações da autora,
esta entregou à ré o
veículo, referido em
C), e o montante de
14.964,00€, através
de um cheque – D).
Por sua vez, a ré
entregou à autora a
viatura, identificada
em B), e seus
documentos – E).
Autora e ré
acordaram que a ré
trataria de toda a
documentação
necessária à
transferência da
propriedade – F).
Após a autora ter
reconhecido,
notarialmente, a
assinatura do seu
sócio gerente,
devolveu à ré os
mesmos documentos
– G).
A ré, após a
conclusão do
processo de
transferência da
propriedade, deveria
enviar os
documentos para a
sede da autora – H).
Apesar das
insistências da
autora, junto do
sócio gerente da ré,
para proceder ao
envio dos
documentos, tal não
aconteceu – I).
A ré enviava, todos
os meses, a fim da
autora poder circular
com o veículo, uma
declaração que
substituía os
documentos,
alegando que o
registo ainda não
estava pronto – J).
O sócio gerente da
autora, três ou quatro
meses após o dia 14
de Agosto de 2002,
dirigiu-se ao stand da
ré para saber o
motivo pelo qual esta
não lhe enviava os
documentos – K).
A viatura,
identificada em B),
encontra-se
registada, em nome
de "Embalbraga,
Embalagens e
Derivados, Lda”,
com reserva de
propriedade, a favor
de "FINICRÉDITO
SFAC, SA" – L).
A autora dirigiu-se à
Finicrédito, tendo
esta informado que
tal reserva
correspondia à
verdade, uma vez
que ainda não
estavam pagas as
prestações que
originaram a dita
reserva e que, no
momento, somavam
a quantia de
30.000,00€ – M).
Já depois da autora
ter instaurado a
providência apensa, a
ré entregou àquela os
documentos da
mencionada viatura
(livrete e registo de
propriedade) e a
respectiva declaração
de venda – N).
A situação, referida
em I), J) e K), tem
acarretado para a
autora prejuízos,
designadamente,
com deslocações e
telefone – 6º.
A ré subscreveu um
documento, onde
consta que
“Declaramos que
vendemos com
reserva do direito de
propriedade até
integral pagamento
do seu preço à autora
um veículo usado,
marca BMW,
modelo 5/D 5 séries,
matrícula 60-44-PP”
– Documento de
folhas 14 a 16 do
procedimento
cautelar de arresto
apenso.

II. DO
CANCELAMENTO
DA RESERVA DE
PROPRIEDADE

O pedido principal
formulado pela
autora, na presente
acção, consiste na
condenação da ré a
entregar aquela
documento legal, no
prazo a fixar pelo
Tribunal, que
permita o
cancelamento da
reserva de
propriedade
constante do
respectivo registo da
viatura vendida.
Efectuando uma
síntese da
factualidade que
ficou consagrada,
importa reter que a
ré, no exercício da
actividade a que se
dedica, no dia 14 de
Agosto de 2002,
vendeu à autora um
veículo automóvel
ligeiro, da marca
BMW, pelo preço de
42.397,82€,
aceitando aquela de
retoma um veículo
ligeiro da autora, da
marca FORD,
avaliado em
6.234,97€, que lhe
entregou, também,
para além desta
viatura, o montante
de 14.964,00€,
através de cheque.
Tendo a ré entregue
à autora o BMW, e
seus documentos,
acordaram ainda que
aquela trataria de
toda a documentação
necessária à
transferência da
propriedade do
mesmo, devolvendo
a autora à ré os
documentos, após
haver reconhecido,
notarialmente, a
assinatura do seu
sócio gerente.
A ré, após a
conclusão do
processo de
transferência da
propriedade, deveria
remeter os
documentos para a
sede da autora, o que
não aconteceu,
apesar das
insistências desta,
não obstante lhe
enviar, todos os
meses, uma
declaração
substitutiva daqueles
documentos,
alegando que o
registo ainda não
estava pronto, a fim
da autora poder
circular com o
veículo, sendo certo
que a viatura se
encontrava registada,
em nome de
"Embalbraga,
Embalagens e
Derivados, Lda, com
reserva de
propriedade, a favor
de "Finicrédito
SFAC, SA”, em
virtude de ainda não
se acharem pagas as
prestações que
originaram a dita
reserva.
Entretanto, depois da
autora ter instaurado
a providência
cautelar apensa, a ré
entregou-lhe os
documentos da
mencionada viatura -
livrete e registo de
propriedade - e a
respectiva declaração
de venda.
Celebrado entre as
partes um contrato de
compra e venda de
um veículo
automóvel, a
respectiva
propriedade não
chegou a transferir-
se para a autora,
adquirente do
mesmo, e, por isso, a
venda do bem
realizada pela ré, a
favor daquela, mas
que era propriedade
de outrem, a empresa
"Embalbraga,
Embalagens e
Derivados, Lda”, em
nome de quem se
encontrava registado,
mas com reserva de
propriedade, a favor
de "Finicrédito
SFAC, SA”, entidade
financiadora do
mútuo, traduziu-se
na venda de uma
coisa alheia.
Ora, o comprador de
boa-fé, sendo este o
estado psicológico da
autora, e que a ré não
ilidiu, como lhe
competiria, nos
termos do disposto
pelo artigo 342º, nº
2, de veículo
automóvel alheio
goza, para tutela dos
seus interesses, da
faculdade de recorrer
aos meios previstos,
nos artigos 892º e
seguintes, todos do
Código Civil (CC)
RC, de 28-4-87, CJ, Ano
XII, T2, 97..
Dispõe,
efectivamente, o
artigo 892º, do CC,
que “é nula a venda
de bens alheios
sempre que o
vendedor careça de
legitimidade para a
realizar; mas o
vendedor não pode
opor a nulidade ao
comprador de boa fé,
como não pode opô-
la ao vendedor de
boa fé o comprador
doloso”.
E o artigo 894º, nº 1,
do mesmo diploma
legal, acrescenta que
“sendo nula a venda
de bens alheios, o
comprador que tiver
procedido de boa fé
tem o direito de
exigir a restituição
integral do preço,
ainda que os bens se
hajam perdido,
estejam deteriorados
ou tenham diminuído
de valor por qualquer
outra causa”.
Esta disposição está
em sintonia, aliás,
com o estatuído pelo
artigo 289º, nº 1, do
CC, segundo o qual
“tanto a declaração
de nulidade como a
anulação do negócio
têm efeito
retroactivo, devendo
ser restituído tudo o
que tiver sido
prestado ou, se a
restituição em
espécie não for
possível, o valor
correspondente”.
Tratando-se de venda
de coisa propriedade
de outrem, portanto,
de uma venda de
bem alheio, a mesma
situa-se na esfera do
direito comercial,
pelo menos, pelo
lado da ré-
vendedora, atento o
estipulado pelo
artigo 463º, 1º, como
tal regulada, quanto a
todos os contraentes,
pelas disposições
deste, como
determina o artigo
99º, válida, por sua
natureza, conforme
dimana do estipulado
pelo artigo 467º, nº
2, todos do Código
Comercial, mas que
não transfere logo a
propriedade do bem
para o comprador,
porque o mesmo não
pertencia ao
vendedor, o que só
virá a ocorrer, mais
tarde, eventualmente,
«ipso iure», por mero
efeito do contrato de
compra e venda,
quando o vendedor,
por qualquer título,
adquirir o objecto,
então, já sem
necessidade de uma
nova manifestação
de vontade tendente
a esse fim, por via da
eficácia translativa
da convenção Pires de
Lima e Antunes Varela,
Código Civil Anotado, II,
1997, 184; Baptista Lopes,
Do Contrato de Compra e
Venda, 1971, 136 e 393;
Armando Braga, Contrato de
Compra e Venda, 190 e ss..
Efectivamente, o
artigo 408º, nº 1, do
CC, estipula que “a
constituição ou
transferência de
direitos reais sobre
coisa determinada
dá-se por mero efeito
do contrato, salvas as
excepções previstas
na lei”.
Porém, esta eficácia
real, «quod
effectum», do
contrato de compra e
venda conhece como
uma das suas
excepções, desde
logo, como vem
estabelecido pelo
artigo 409º, do CC, a
situação de reserva
da propriedade da
coisa, até ao
cumprimento total ou
parcial das
obrigações da outra
parte ou até à
verificação de
qualquer outro
evento, não operando
a transferência da
propriedade
enquanto a reserva se
mantiver válida.
Inicialmente
concebida para as
situações de venda a
prestações, a cláusula
de reserva de
propriedade tem sido
fixada, como
acontece na hipótese
em apreço, nos
contratos de mútuo,
servindo o capital
para pagar o preço da
aquisição do bem,
enquanto que a
reserva da
propriedade fica
estabelecida, a favor
do mutuante, e não
do vendedor, que,
naturalmente, recebe
o preço da coisa
vendida.
Aliás, ainda que a
venda ajuizada
revestisse natureza,
meramente civil, o
que não acontece,
como se expôs, não
se colocaria a
hipótese da sua
nulidade, por
eventual venda de
coisa alheia,
porquanto a ré tinha
ainda a legítima
expectativa jurídica
de vir a adquirir o
automóvel Pessoa Jorge,
Obrigações, 67., de que
não era proprietária,
mas, alegadamente,
mandatária desta,
celebrando o
contrato na
suposição de que
poderia adquirir o
bem, titularidade de
terceiro, que, assim,
ficaria sujeito ao
regime da venda de
bens futuros, nos
termos das
disposições
combinadas dos
artigos 880º, 893º e
904º, todos do CC.
Trata-se, então, de
uma venda sob
condição suspensiva,
cujo destino último
depende da
verificação ou não da
condição, em relação
à qual o proprietário,
que não interveio no
negócio, não pode
ver operar-se,
juridicamente, a
transferência do seu
direito real, sendo o
acto jurídico de
outrem insusceptível
de produzir quanto a
ele efeitos sobre o
seu património Baptista
Lopes, Do Contrato de
Compra e Venda, 1971, 141.
.
Com efeito, é válida
a compra e venda de
bem alheio se as
partes tiverem
presente que se trata
de coisa
relativamente futura,
por se estar perante
um contrato
aleatório, dependente
de um facto futuro e
incerto, ou seja, a
aquisição da
propriedade sobre a
coisa, por parte do
vendedor, para a sua
posterior transmissão
ao comprador Pedro
Romano Martinez, Direito
das Obrigações, Parte
Especial, Contratos, 2000,
105..
Nesta hipótese,
impõe-se ao
vendedor, por força
do disposto no artigo
467º, e seu § único,
do Código
Comercial, a
obrigação de
adquirir, por título
legítimo, a
propriedade da coisa
vendida e de fazer a
sua entrega ao
comprador, sob pena
de responder por
perdas e danos STJ, de
11-4-2000, CJ (STJ), Ano
VIII, T2, 37..
De facto, está-se em
presença de um
declarado desvio às
regras do Código
Civil, porquanto a
proibição destas
vendas importava o
desconhecimento das
necessidades reais do
comércio, criando-se
um obstáculo
perigoso à rapidez e
desenvolvimento das
suas operações, em
prejuízo do próprio
interesse dos
comerciantes Adriano
Antero, Comentário ao
Código Comercial
Português, II, 246..
Quer isto dizer que,
ficando a venda
celebrada submetida
à disciplina do artigo
467º, do Código
Comercial, a ré-
vendedora é
responsável, por
perdas e danos,
perante o comprador
da coisa, ou seja, a
autora, a menos que
a adquira e a restitua
a esta, condição essa,
porém, que, até ao
momento, não
ocorre, no caso em
apreço.
É que a ré, para
libertar o automóvel
vendido do registo de
propriedade que o
onera, de que é
titular "Finicrédito
SFAC, SA”,
importaria que
estivesse munida de
uma declaração de
distrate, que opere a
extinção ou renúncia
dessa garantia, e que,
seguramente,
pressupõe o
pagamento do preço
da quantia mutuada.
De todo o modo, não
tendo a ré procedido
à aquisição da
viatura, por forma a
operar-se o
subsequente
cancelamento do
registo da reserva de
propriedade do
automóvel vendido, a
autora tem direito à
restituição do preço
pago pela sua
aquisição, como
resulta,
taxativamente, do
preceituado pelo
artigo 864º, nº 1, ou,
em todo o caso,
operando-se a
restituição da quantia
com que a ré
vendedora se
locupletou, em
conformidade com o
estipulado pelo
artigo 473º, ambos
do CC Pires de Lima e
Antunes Varela, Código
Civil Anotado, I, 1987, 454
e ss..
Ainda que a
declaração de
distrate só possa ser
emitida pela entidade
financiadora do
empréstimo, não se
exclui que a ré,
pagando o montante
das prestações em
dívida aquela ou à
entidade em nome de
quem o veículo está
registado, venha a
obter esse
documento e,
consequentemente, a
cumprir, em
plenitude, uma das
obrigações que
advêm da celebração
do contrato de
compra e venda, que
consiste na entrega
da coisa, e que
compreende, salvo
estipulação em
contrário, os
documentos relativos
à mesma, sob pena
de se verificar uma
situação de
cumprimento
defeituoso da
prestação Pedro Romano
Martinez, Cumprimento
Defeituoso, em Especial na
Compra e Venda e na
Empreitada, 520..
Procede, assim, em
primeira linha, o
pedido principal
formulado pela
autora, que a ré
satisfará, no prazo de
trinta dias.
Caso contrário, a ré
pagará à autora, no
âmbito do pedido
subsidiário, o
montante
indemnizatório por
aquela devido, a
favor desta, que se
fixa no quantitativo
monetário de
21198,97€, a quanto
ascendeu o total da
entrega demonstrada
efectuada pela
autora, a título de
preço, e do qual esta
se encontra,
efectivamente,
desembolsada, para
além da importância
devida, em sede de
juros legais
peticionados, desde a
respectiva citação,
devendo, portanto, a
ré restituir à autora a
importância de
21198,97€, acrescida
de juros moratórios,
à taxa legal,
sucessivamente, em
vigor, desde a
citação e até integral
cumprimento.
Considerando ainda
que se demonstrou
que, em
consequência da
situação decorrente
do atraso na entrega
do documento de
suporte com vista ao
cancelamento do
registo de
propriedade do
veículo, a autora
sofreu prejuízos que
se consubstanciaram,
designadamente, em
deslocações e
telefone, mas de
montante
indeterminado,
condena-se a ré a
pagar à autora, a
título de danos
emergentes, um
montante a liquidar,
em conformidade
com o estipulado
pelos artigos 562º,
563º, 564º, nºs 1 e 2
e 566º, nº 1, do CC, e
661º, nº 2, do CPC.

CONCLUSÕES:

I - Celebrado entre as
partes um contrato de
compra e venda de
um veículo
automóvel, a
respectiva
propriedade não
chegou a transferir-
se para o comprador
e, por isso, a venda
do bem realizada
pelo vendedor, a
favor daquele, que
era propriedade de
outrem, com reserva
de propriedade, em
benefício de entidade
financiadora,
traduziu-se na venda
de uma coisa alheia.
II - A venda de bem
alheio, situada na
esfera do direito
comercial, não
transfere logo a
propriedade do
mesmo para o
comprador, o que só
virá a ocorrer, mais
tarde, eventualmente,
«ipso iure», por via
da eficácia
translativa da
convenção, quando o
vendedor, por
qualquer título
legítimo, adquirir a
propriedade da coisa
e fizer a sua entrega
ao comprador, sob
pena de responder,
por perdas e danos,
perante este.
III – Não tendo o
vendedor procedido
à aquisição da
viatura, por forma a
operar-se o
subsequente
cancelamento do
registo da reserva de
propriedade do
automóvel por ele
vendido, o
comprador tem
direito à restituição
do preço pago pela
sua aquisição, ou, em
todo o caso,
operando-se a
restituição da quantia
com que o vendedor
se locupletou.
IV - Ainda que a
declaração de
distrate só possa ser
emitida pela entidade
financiadora do
empréstimo, não se
exclui que o
vendedor, pagando o
montante das
prestações em dívida
aquela, venha a obter
esse documento e,
consequentemente, a
cumprir a obrigação
de entrega da coisa,
que compreende,
salvo estipulação em
contrário, os
documentos relativos
à mesma, sob pena
de se verificar uma
situação de
cumprimento
defeituoso da
prestação.

DECISÃO:

Por tudo quanto


exposto ficou,
acordam os Juízes
que compõem a 1ª
secção cível do
Tribunal da Relação
de Coimbra, em
julgar procedente a
apelação e, em
consequência,
condenam a ré a
entregar à autora, no
prazo de trinta dias, o
documento legal que
permita a obtenção
do cancelamento da
reserva de
propriedade
constante do registo
da viatura em causa,
ou, subsidiariamente,
caso tal não se
verifique, dentro do
referido prazo, a
entregar à autora o
quantitativo
monetário
indemnizatório de
21198,97€, acrescido
de juros moratórios,
à taxa legal,
sucessivamente, em
vigor, desde a
respectiva citação e
até integral
cumprimento, para
além de uma
importância
indeterminada, a
título de danos
emergentes,
proveniente dos
prejuízos que a
situação tem
acarretado para a
autora,
designadamente,
com deslocações e
telefone, a liquidar,
oportunamente, em
conformidade com o
estipulado pelo
artigo 661º, nº 2, do
CPC.

*
Custas, a cargo da ré-
apelada

7 O intuito da consagração legal da específica providência é


essencialmente tutelar o interesse patrimonial do locador,
procurando evitar que advenham para este prejuízos de vária ordem
no quadro da actividade que exerce.

O proveito do comprador a que alude o nº 2


do artigo 894º do Código Civil, a abater ao
preço a restituir, é o que resulta da própria
perda ou diminuição do valor da coisa
vendida, por exemplo de indemnização obtida
de terceiro em virtude dessa circunstância,
não abrange a mera desvalorização do seu
valor derivada da sua mera utilização ou das
vicissitudes do mercado de referência.
Decisão Texto Integral: Acordam no
Supremo
Tribunal de
Justiça

"AA" propôs, no
dia 27 de
Outubro de
2000, a
presente acção
declarativa de
condenação,
com processo
ordinário,
contra
Empresa-A, BB,
CC e DD,
pedindo a
condenação da
primeira a
pagar-lhe 15
000 000$ ou,
subsidiariament
e, para o caso
de vir a ser
demonstrada a
responsabilidad
e dos réus, a
condenação
destes em tal
pagamento, em
qualquer caso
acrescidos de
juros de mora à
taxa legal anual
de 7% desde a
citação.
Afirmou, para
tanto, ter
adquirido à ré,
em Julho de
1994, no estado
de usada,
identificada
viatura
automóvel, por
15 000 000$,
tê-la pago por
cheque emitido
em nome do
gerente
daquela -,CC -
tê-la vendido a
Empresa-B, ter
sido apreendida
pela Polícia
Judiciária em
virtude haver
sido roubada e
ter devolvido à
compradora o
respectivo
preço.
Em
contestação, os
réus Empresa-
A, BB e DD
afirmaram, por
um lado, que a
alienação da
viatura foi feita
em nome
individual pelos
dois últimos e
por CC, a quem
pertencia,
nunca em nome
a primeira e,
por outro, que
se ao autor
assistisse
qualquer direito
de restituição
do preço, a
desvalorização
da viatura
sempre haveria
de correr por
conta dele.
"CC" afirmou,
por seu turno,
em
contestação,
além de não ter
tido contacto
com o autor ao
tempo da
venda da
viatura, ela
estava
legalizada,
pagos os
respectivos
impostos, com
os correlativos
documentos de
legalização,
devidamente
inspeccionada,
e que, em caso
de procedência
da acção,
haveria que
reduzir o valor
indemnizatório
pedido pelo
autor ao valor
real da viatura.
Na réplica, o
autor negou
alguns dos
factos
articulados
pelos réus, na
tréplica os três
primeiros réus
invocaram o
excesso de
réplica, e,
realizado o
julgamento, foi
proferida
sentença, no
dia 31 de
Janeiro de
2005, por via
da qual,
Empresa-A foi
condenada a
pagar ao autor
€ 74 819,68 e
juros
moratórios à
taxa legal.
Apelou
Empresa-A, e a
Relação, por
acórdão
proferido no dia
15 de
Dezembro de
2005, negou
provimento ao
recurso.
Interpôs a
apelante
recurso de
revista,
formulando, em
síntese útil, as
seguintes
conclusões de
alegação:
- a viatura
sofreu
deterioração e
desvalorização
entre a data em
que o recorrido
a adquiriu e
aquela em que
foi apreendida,
em razão de a
ter usufruído;
- o seu valor de
mercado em
1999 cifrava-se
em € 30 526,43
-o
enriquecimento
injusto que o nº
2 do artigo 894º
do Código Civil
pretende evitar
abrange a
normal
utilização do
veículo, por ser
esse o proveito
último que se
pretende retirar
da compra de
uma viatura;
- a lei não se
reporta apenas
aos proveitos
obtidos pelo
comprador por
ganhos
anormais,
devendo
imputar-se ao
recorrido a
desvalorização
pela utilização
que ele fez da
viatura, por
traduzir a
medida do
proveito que ele
tirou da
diminuição do
valor do
veículo;
- essa
desvalorização
corresponde ao
proveito
retirado pelo
recorrido, que
usufruiu da
viatura, como
se fosse seu
proprietário,
dela retirando
as vantagens
decorrentes da
sua normal
utilização;
- o proveito
retirado da
normal
utilização do
veículo, que
constitui o
fundamento
essencial de
celebração do
contrato, deve
ser considerado
por via do
desconto no
preço a restituir
pelo vendedor;
- ao limitar os
benefícios
obtidos pelo
comprador a
eventuais
ganhos
monetários
auferidos, o
acórdão
recorrido
esvazia a ratio
do preceito;
- deverá a
recorrente
apenas ser
condenada a
restituir ao
recorrido € 34
915,85.

Respondeu o
recorrido em
síntese de
conclusão:
- o valor médio
proposto pela
recorrente para
o veículo
automóvel
constitui
matéria nova
de que o
tribunal não
pode conhecer -
artigo 721º, nºs
2 e 3, do
Código de
Processo Civil;
- fica, por isso,
prejudicada a
possibilidade de
se apreciar a
alegada
violação da lei
substantiva,
mormente o
erro de
interpretação
do nº 2 do
artigo 894º do
Código Civil;
- a venda de
bens alheios
confere ao
comprador o
direito a ser
restituído
integralmente
do preço que
pagou, ainda
que os bens
tenham
diminuído de
valor por
qualquer causa;
- o proveito do
nº 2 do artigo
894º do Código
Civil, que foi
correctamente
interpretado,
não abrange a
mera utilização
do bem
adquirido,
porque apenas
se reporta ao
benefício
derivado de
eventual
indemnização
por dano ou
pagamento de
seguro por
virtude de
perda ou
deterioração.

II
É a seguinte a
factualidade
declarada
provada no
acórdão
recorrido:
1. Em Julho de
1994, o autor
adquiriu à ré
Empresa-A, no
estado de
usada, a viatura
Mercedes Benz,
modelo 300 SL-
24,
matricula ...,
que se
encontrava
exposta para
venda no
estabeleciment
o stand da
segunda.
2. O autor foi
recebido por
um vendedor
da ré no
mencionado
stand e satisfez
o preço da
viatura por
meio de
cheque, no
gabinete da
gerência da ré,
na presença do
réu CC, que, no
momento do
pagamento,
pediu que ele
fosse emitido
em seu nome.
3. Foi dada ao
autor a
quitação de 15
000 000$ pela
satisfação do
preço do
veículo, em cujo
recibo tem
aposta a firma
social da ré, e
de 100 000$,
verba esta
entregue para
sinalizar a
compra no
mesmo
estabeleciment
o de outra
viatura.
4. As chaves, o
livrete e o título
do registo de
propriedade da
viatura foram
entregues ao
autor
directamente
pela gerência
da ré
5. O cheque
entregue pelo
autor para
pagamento do
preço do
veículo foi
depositado no
Empresa-C,
numa conta
comum dos
réus BB, CC e
DD.
6. A referida
viatura foi
objecto de
inspecção
periódica em
1998 e o autor
declarou vendê-
la e
representantes
de Empresa-B,
em nome desta,
declararam
comprá-la.
7. A aquisição
do direito de
propriedade
sobre a referida
viatura foi
registada no dia
26 de Maio de
1999 em nome
de Empresa-B.
8. A Polícia
Judiciária
procedeu, no
dia 29 de
Setembro de
1999, à
apreensão do
veículo
mencionado por
se encontrar
falsificado no
que concerne
ao seu número
de quadro e,
por
conseguinte, ao
seu número de
matricula e se
tratar de
viatura furtada.
9. Face à
apreensão
mencionada
sob 8, o autor
restituiu à
Empresa-B o
valor por esta
satisfeito pela
venda.

III
A questão
essencial
decidenda é a
de saber se a
recorrente deve
ou não pagar
ao recorrido €
74.819,68 e
juros
moratórios à
taxa legal
desde a data da
sua citação
para a acção.
Tendo em conta
o conteúdo do
acórdão
recorrido e das
conclusões de
alegação da
recorrente e do
recorrido, a
resposta à
referida
questão
pressupõe a
análise da
seguinte
problemática:
- natureza e
efeitos dos
contratos
celebrados
entre a
recorrente e o
recorrido e
entre este e
Empresa-B;
- legitimidade
ou não de
alienação e
respectivos
efeitos;
- âmbito da
restituição do
preço;
- síntese da
solução para o
caso decorrente
dos factos
provados e da
lei.

Vejamos, de per
se, cada uma
das referidas
sub-questões.

1.
Comecemos
pela análise da
natureza e dos
efeitos do
contrato
celebrado entre
a recorrente e o
recorrido e
entre este e
Empresa-B.
Expressa a lei
que a compra e
venda é o
contrato pelo
qual se
transmite a
propriedade de
uma coisa, ou
outro direito,
mediante um
preço (artigo
874º do Código
Civil).
Dir-se-á estar
envolvida neste
tipo contratual
uma dupla
transmissão
prestacional,
por um lado, de
um direito de
propriedade ou
outro, e, por
outro, do
efectivo meio
de pagamento
correspondente
ao preço (artigo
879º do Código
Civil).
Trata-se, assim,
de um contrato
oneroso,
bilateral, com
recíprocas
prestações e
eficácia real ou
translativa.
Tendo em conta
a factualidade
mencionada
sob II 1 e 2, a
recorrente,
como
vendedora, e o
recorrido, como
comprador,
celebraram um
contrato de
compra e venda
cujo objecto
mediato foi o
veículo
automóvel com
a matrícula
nº .....
Além disso,
revela a
mencionada
factualidade
que cada um
dos referidos
sujeitos
contratuais
cumpriu a
respectiva
obrigação, ou
seja, a
recorrente
entregou o
mencionado
veículo
automóvel ao
recorrido, e
este àquela o
dinheiro
correspondente
ao respectivo
preço.
Ademais, revela
a mencionada
factualidade
que o recorrido
e Empresa-B
celebraram,
cerca de cinco
anos depois da
data do
mencionado
contrato, um
contrato de
compra e venda
que teve por
objecto mediato
o mesmo
veículo
automóvel.
2.
Atentemos
agora na sub-
questão da
legitimidade ou
não de
alienação do
referido veículo
automóvel e
dos
concernentes
efeitos.
Conforme
resulta de II 8, a
recorrente não
era titular do
direito de
propriedade
sobre o referido
veículo
automóvel, pelo
que o contrato
de compra e
venda acima
referido,
celebrado entre
ela e o
recorrido, se
consubstancia
em venda de
coisa alheia,
Em
consequência,
também o
contrato de
compra e venda
do mesmo
veículo
automóvel
celebrado entre
o recorrido e
Empresa-B se
consubstancia
em venda de
bens alheios.
Expressa a lei,
além do mais
que aqui não
releva, ser nula
a venda de
bens alheios
sempre que o
vendedor
careça de
legitimidade
para a realizar
(artigo 892º do
Código Civil).
O contrato de
compra e venda
de coisa alheia
é ineficaz em
relação ao
respectivo
proprietário,
mas este pode
pedir a
declaração da
sua nulidade no
confronto do
vendedor e do
comprador,
além de que a
declaração
desse vício
pode operar
oficiosamente
(artigo 286º do
Código Civil).
A declaração de
nulidade tem
efeito
retroactivo e
implica, em
regra, a
restituição do
que tiver sido
prestado (artigo
289º, nº 1, do
Código Civil).
Assim,
declarada a
nulidade de um
contrato de
compra e
venda, por
exemplo de um
veículo
automóvel, em
simultâneo,
deve o
comprador
restituí-lo ao
vendedor e este
entregar àquele
o respectivo
preço (artigos
289º, nº 1,
290º, 874º e
879º do Código
Civil).
No caso em
análise, porém,
revela-se
impossível a
restituição do
veículo
automóvel por
Empresa-B ao
recorrido e por
este à
recorrente
porque
apreendido por
uma autoridade
de polícia
criminal em
razão de furto.

3.
Vejamos agora
o âmbito da
restituição do
preço do
mencionado
veículo
automóvel.
Por virtude de o
recorrido e
Empresa-B
haverem
usufruído o
referido veículo
automóvel e
deste tirado
proveito
durante cerca
de cinco anos,
entende a
recorrente, ao
invés do
recorrido, dever
a restituição do
preço ser
reduzida na
medida da
respectiva
desvalorização.
No tribunal da
1ª instância
assim se
considerou
resultar da lei,
mas a
mencionada
desvalorização
não foi tida em
linha de conta
por virtude de a
recorrente não
haver
articulado
factos que
permitissem a
sua
quantificação.
Na realidade,
não foi
articulado pelas
partes e,
consequenteme
nte, não pôde
ser provado
cifrar-se em €
44 293, 25 a
desvalorização
do referido
automóvel nos
cinco anos que
decorreram
entre a sua
aquisição pelo
recorrido e a
sua apreensão
pela autoridade
policial que a
recorrente
invocou nas
alegações de
recurso.
Não se trata, ao
invés do que o
recorrido
afirmou, de
uma questão
nova, porque a
recorrente a
suscitou-a,
embora sem a
necessária
concretização,
no instrumento
de contestação.
Na Relação
considerou-se
que não
relevava no
caso a alegada
desvalorização
do veículo
automóvel e
que a
recorrente
deveria restituir
ao recorrido o
montante
integral do
preço.
Expressa a lei,
por um lado,
que sendo nula
a venda de
bens alheios, o
comprador que
tiver procedido
de boa fé tem o
direito de exigir
a restituição
integral do
preço, ainda
que os bens se
hajam perdido,
estejam
deteriorados ou
tenham
diminuído de
valor por
qualquer causa
(artigo 894º, nº
1, do Código
Civil).
E, por outro,
que se o
comprador tiver
tirado proveito
da perda ou da
diminuição do
valor dos bens,
será o proveito
abatido no
montante do
preço e da
indemnização
que o vendedor
tenha de pagar-
lhe (artigo
894º, nº 2, do
Código Civil).
Não está
provada a má
fé por parte do
recorrido, ou
seja, que ele
soubesse não
ser o veículo
automóvel da
recorrente, pelo
que importa
considerar, para
todos os
efeitos, que ele
estava de boa
fé.
O artigo 894º,
nº 1, do Código
Civil prevê a
situação do
comprador de
boa fé no caso
de venda de
bens alheios e
estatui que ele
tem direito a
exigir a
restituição
integral do
preço,
independentem
ente da perda,
deterioração ou
diminuição do
valor daqueles
bens.
Assim, por
virtude do
disposto neste
normativo, só
no caso de o
comprador ter
agido de má fé
é que não tem
direito à exigir
a restituição
integral do
preço, embora,
nesse caso,
possa exigir do
vendedor aquilo
com que este
injustamente se
locupletou, no
quadro do
instituto do
enriquecimento
sem causa
(artigo 473º do
Código Civil).
O artigo 894º,
nº 2, do Código
Civil, normativo
especial em
relação ao do
seu nº 1, prevê
a situação de o
comprador ter
obtido proveito
da perda ou da
diminuição de
valor dos bens,
e estatui, para
essa hipótese,
que o valor do
referido
proveito é
abatido no
montante do
preço e da
indemnização
que o vendedor
tenha de pagar-
lhe.
Interpretando
este último
normativo, à luz
do seu
elemento literal
e finalístico, no
confronto com
o disposto no nº
1 do mesmo
artigo, o
proveito do
comprador a
que se reporta
há-de resultar
da própria
perda ou
diminuição do
valor da coisa
vendida.
Isso significa
que o referido
proveito há-de
derivar de
causa diversa
da mera
desvalorização
do valor da
coisa vendida
derivada da sua
utilização ou
das vicissitudes
do mercado de
referência, por
exemplo de
indemnização
obtida de
terceiro em
virtude da
referida perda
ou diminuição
de valor.
Assim, embora,
pela própria
natureza das
coisas, a
declaração da
nulidade do
contrato de
compra e venda
da coisa alheia
não possa
implicar a
eliminação da
utilização dela
pelo
comprador, não
opera, na
espécie, a
restituição a
que se reporta
a parte final do
nº 1 do artigo
289º do Código
Civil.
Em
consequência,
ainda
estivessem
provados factos
reveladores de
que o veículo
automóvel em
causa havia
sido afectado,
entre o
momento do
primitivo
contrato de
compra e venda
e o da sua
apreensão pela
autoridade
policial, da
desvalorização
de € 44 293,
25, esta não
podia
aproveitar à
recorrente.
4.
Atentemos,
finalmente, na
síntese da
solução para o
caso decorrente
dos factos
provados e da
lei.
A recorrente, na
posição de
vendedora, e o
recorrido, este
na posição de
comprador
celebraram, em
Julho de 1994,
um contrato de
compra e venda
de veículo
automóvel, que
não era
pertença da
primeira, cujo
preço foi o
equivalente a €
74.819,68.
O recorrido agiu
de boa fé,
porque não
sabia que a
recorrente não
era a titular do
direito de
propriedade
sobre aquele
veículo
automóvel.
Cerca de cinco
anos depois, o
recorrido
alienou a favor
de Empresa-B o
mencionado
veículo
automóvel, que
poucos dias
após foi
apreendido pela
autoridade
policial em
virtude de ter
sido objecto de
furto e de
falsificação
material de
elementos de
identificação, e
o primeiro
devolveu à
última o
respectivo
preço.
O recorrido tem
o direito de
exigir à
recorrente a
restituição do
preço relativo
ao mencionado
veículo
automóvel que
lhe entregou,
sem qualquer
dedução
relativa à sua
utilização ou
desvalorização,
porque o artigo
894º, nº 2, do
Código Civil a
não comporta.

Improcede, por
isso, o recurso.
Vencida, é a
recorrente
responsável
pelo pagamento
das custas
respectivas
(artigo 446º,
nºs 1 e 2, do
Código Civil).

Вам также может понравиться