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EDITORIAL
Até o fim do século XIX, o uso do termo «desenho» correspondia a uma prática e a uma
conservação mais ou menos definida de suas funções e de sua materialidade, de tal modo
que a classificação pintura-escultura-desenho–gravura não suscitava nenhuma dificuldade.
Mas as transformações no século XX revolucionaram totalmente esses conceitos
tradicionais. A evolução dos conceitos fundamentais e das práticas artísticas provocou uma
verdadeira e particular explosão dessas noções sem que uma nova terminologia viesse a
definir a riqueza e a variedade das novas propostas artísticas. Assim a palavra desenho se
torna muito restritiva em relação a uma realidade múltipla, em contínua evolução, inventiva,
sempre aberta e estimulante para o espírito e a sensibilidade.
Autonomia do desenho
No decorrer do século vinte, a noção de desenho, como muitas outras formas artísticas,
sofreu uma grande evolução e alcançou aquilo que os historiadores da arte definiram
unanimemente como um status de perfeita « autonomia ». Disciplina fundamental ensinada
nas escolas de belas artes, o desenho passa do estatuto de esboço, de reflexão sobre a
forma, de estudo preparatório para o de criação autônoma, revolucionando as classificações
e diversificando as técnicas e os suportes. Dois fatores ajudaram a modificar essa nova
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Boletim Eletrônico da ABRACOR – Número 9. Março de 2013.
O uso do papel começa a mudar na metade do século XX, sai do seu campo tradicional e se
torna, do simples suporte de estudos ou esboços, a base de uma obra autônoma, se
apresentando, às vezes, rasgada, queimada, dobrada, perfurada, amassada, apagada. Em
particular é importante recordar o caso de Rauschenberg, que em 1953 se apropriou de um
desenho de De Kooning apagando-o com a obra Erased De Kooning Drawing (Fig 1). O
artista vai além da transformação da obra: fazendo desaparecer o desenho de De Kooning é
uma metamorfose mais do que um gesto de ruptura com o passado. Este « cancelamento »
sacrílego recoloca em discussão o caráter sagrado da obra de arte; que, apesar da
borracha, não consegue apagar tudo, o desenho resiste e contribui para a criação de um
novo estatuto para a obra de arte sobre papel, tornando-se assim um dos símbolos de uma
nova abordagem com a arte e a criação.
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uma ideia das grandes mudanças e das numerosas redefinições que ocorreram no desenho
do início do século XX até hoje, a começar pela colagem, muitas vezes visto como uma das
principais produções não ortodoxas do desenho seguido por uma sequência de invenções
que transgridem um uso tradicional das técnicas gráficas.
Colagem
O termo genérico de colagem compreende várias formas que vão do « papier collé » à
fotomontagem e dos papéis recortados à montagem de vários materiais sobrepostos ou não
a técnicas artísticas mais tradicionais. Essa técnica artística determinante para o cubismo de
certa época, é uma invenção do desenhista. O formato, os instrumentos, os materiais leves
e flexíveis e os gestos rápidos lembram o mundo do desenhista em cuja folha de papel
necessitará, de agora em diante, acrescentar a cola e a tesoura.
Se a colagem cubista usa os materiais mais banais para reencontrar a realidade mais
simples e objetiva e se a colagem dadaísta busca desmontar com ironias esta mesma
realidade, a colagem surrealista nos empurra para o fantástico, sobretudo, com Max Ernst.
Nos anos 40 a colagem de papeis recortados permite a Matisse trabalhar, com um só gesto,
uma síntese na qual se mistura o trabalho do desenhista, do escultor e do pintor.
Rauschenberg, ao contrário, com as imagens aparentemente incoerentes, restituídas sobre
o papel, apresenta em um mesmo suporte a eleição de Kennedy e os tumultos dos guetos
afro-americanos mostrando um olhar crítico e compromissado com a realidade.
Quando mais tarde a colagem não se serve das imagens pode ainda constituir uma
realidade abstrata, poética ou conceitual como nas colagens de Alghiero Boetti ou de Erik
Dietman (Fig.2) que reúne materiais irregulares2 (lápis, tinta, folha de carvalho pintada,
botões, letras de cortiça, letras de papel, letras transferíveis, massa de modelar, algodão e
lâmina de barbear).
1
A genealogia do uso da colagem é tradicionalmente atribuída à Picasso que faz uso contínuo em 1912, mas a técnica da
colagem mereceria ser considerada em um contexto mais largo do que apenas aquele do cubismo. A colagem associada às
técnicas gráficas é largamente experimentada no ambiente Dadá como ilustram as obras de Hannah Höch, Victor Brauner,
Kurt Schwitters e Max Ernst.
2
O termo “técnica mista” é freqüentemente usado para definir uma técnica artística não identificada, mas para um
restaurador de obra de arte o termo é absolutamente sem sentido e deixa uma enorme lacuna ao rigor necessário para
classificar uma obra de arte, para compreender as propriedades dos materiais utilizados e para haver uma idéia do universo e
da poética de cada artista.
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Fig. 2: (a esquerda) Erik Dietman, Hommage à Arthur Craven : Construction tarte, Tatlin
Tatin, 1976-1977
Fig. 3: (a direita) ERRO’ (Gudmundur Gudmundsson, detto), Svetlana, Daughter of Staline,
Cheating During an Examination, 1976. Traços evidentes de fita adesiva na borda superior.
Transferências
Frottage, estampas, decalcomania, transferências, relevos, cancelamentos, etc… Todas
essas técnicas necessitam de uma matriz monotípica ou múltipla e revelam uma matéria,
uma imagem ou um volume. Assim nos anos 20 Max Ernst retrata as árvores de uma
floresta esfregando com um lápis sobre as folhas de papel colocadas sobre as ripas do seu
assoalho. Alechinsky (Fig.5) imprime as tampas dos bueiros, frottage únicas que
testemunham a passagem de um artista por um lugar ou em um país. Por sua vez, usando
os tampões comerciais, diferentes artistas como Fernand Léger, Arman, Luois Cane,
Alighiero Boetti, comunicam o prazer de multiplicar compulsivamente um módulo pintado ou
uma forma sobre o papel.
3
A presença do metal sobre o papel apresenta a dificuldade de conservação como aquelas geradas por tintas
ferrogálica cuja presença de ferro amplifica os dois mecanismos de degradação típicas da celulose: a oxidação e
a hidrólise ácida.
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Com estas técnicas emergem, partindo de uma realidade conhecida, uma série de outras
imagens geradas pelo automatismo do gesto que libera uma visão interna que, segundo os
surrealistas deve ser reconduzida ao inconsciente. As estampas (Fig.4), as frottage, as
decalcomanias, mas também os cancelamentos (Fig. 6) tornam tangível uma imagem e
testemunham raízes voluntárias e involuntárias da criação.
Maltratos
Rasgado, sujo, dilacerado, queimado, perfurado, o papel é, de um modo significativo ao
redor dos anos 50, o objeto de variadas intervenções transgressivas e inovadoras. Se os
papéis rasgados de Hans Arp podem ser considerados em certo sentido precursores, é
importante observar como os artistas da segunda metade do século XX fizeram dos
« maltratos » um verdadeiro e particular ponto de referência, criando uma nova relação com
os suportes. As obras dos artistas como César, Arman, Hains, Rotella, Fontana, Duchamp o
atestam. O suporte torna-se um campo de batalha.
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Através de pesquisas históricas e científicas, contato com o artista ou com os seus assistentes e uma discussão aprofundada
com o comitente (curador ou cliente).
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Por um lado assistimos ao maltrato do suporte, como em Fontana que usa a tela ou o papel
cortando-o ou cavando buracos, de um modo aleatório, para criar os conceitos espaciais
que sugerem o espaço livre, ou como em Cai Guo-Qiang (Fig.8) e Arienti, que intervém sob
o suporte, queimando-o, para criar as imagens, um com a pólvora e outro com o pirógrafo e
a chama.
Por outro lado há o maltrato de uma imagem para criar uma nova imagem como no caso
dos « arracheurs d’affiches » do Nouveau Réalisme no qual os artistas como Hains e
Villeglé (Fig.7) fizeram reaparecer, rasgando e dilacerando as varias camadas de posters
publicitários, informações expiradas, imagens sedimentadas e zonas de cores, criando uma
nova relação com o mundo, com a cidade daquela época que torna-se tentacular, dominada
pela economia e pela nova cultura da comunicação.
Naturalmente essas obras apresentam seus traços artísticos que podem ser assimilados a
todas as degradações comuns acidentais do papel. E é aqui que reside o problema: como
compreender onde termina a degradação proposital e onde começa a acidental e evolutiva?
Será mais oportuno fixar ou deixar cair os fragmentos de papel queimado? Estas são as
perguntas mais comuns, mas não as únicas, que nos colocamos geralmente antes da
restauração deste tipo de obra que exige, para ser corretamente restaurada, um grande
conhecimento do universo do artista e uma perfeita documentação do estado de
conservação. Igualmente devemo-nos servir das imagens dos arquivos do artista, de tal
modo a identificar, eventualmente, a evolução do suporte e da técnica. Assim procedendo
se cria, acima de tudo, os pressupostos para precisar os problemas de degradação que
possam ocorrer no futuro.
Novos materiais
Um estudo5 realizado com 20.000 desenhos do Museu Nacional de Arte Moderna ( MNAM)
do Centro Pompidou mostra que 99% dos desenhos são sobre papel (Fig.9).
5
O estudo foi realizado com um método estatístico simples derivado da tabela de Carl Drott. A Tabela permite definir o
nível de confiabilidade da estatística, o intervalo de confiança ou margem de erro e a dimensão ou numerosidade da
amostra. O nível de confiabilidade escolhido é de 95%, com um intervalo de confiança de 3%..
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Fig. 9
Porém, não se pode negar a existência de novos suportes. De fato, as matérias plásticas em
folha representam um suporte típico do século XX6 e provocam questões inéditas
para os profissionais da conservação tanto no nível histórico quanto no nível técnico. A
terminologia usada para definí-los (Celulóide, Folex, papel poliéster, papel vegetal
sintético, acetato, tri-acetato, etc) mostra a confusão que existe também só no campo da
identificação.7
Esses suportes levantam numerosas questões que tocam a compreensão das degradações
(Fig. 11) e as estratégias de intervenção de restauro a serem adotadas. A conservação
preventiva e curativa destes suportes ainda está em um campo pouco desenvolvido, seja
pelos indicadores de degradações, ou quanto pela manutenção, a limpeza, o aplanamento e
a consolidação. A conservação desses materiais, considerando a especificidade das
características químico-físicas, requer a definição de um novo perfil profissional especialista
em matéria plástica.8
6
Mesmo se considerarmos que o nitrato de celulose aparece em 1856
7
Algumas pesquisas nacionais e internacionais aliadas aos curso de formação estão criando uma interessante dinâmica
relativa ao estudo dos materiais plásticos.
8
A situação pode ser comparada com o nascimento do restaurador de fotografia ou de material etnográfico de 30 anos
atrás.
9
A primeira patente da caneta esferográfica, o « style », foi apresentado, depois abandonado sem ser utilizado, em 1888 por
John J. Loud que buscava um meio de marcar o couro. Em 1938, os irmãos Biro, imigrantes húngaros na Argentina
desenvolveram uma nova ponta constituída de uma esfera que gira livremente em um alvéolo e que girando transporta a tinta
de um cartucho e a deposita sobre o papel. Depois de ter aperfeiçoado o funcionamento da caneta, a comercializaram em
1943 com o nome de Birome, que ainda é usado na Argentina. Uma cópia pirata do Birone é lançada em 1945 com o nome
de Reynolds Rocket, ao preço de 12,5 dólares, pela Reynolds International Penn Company . Negociantes da patente com os
irmão Biro Marcel Bich começa a fabricar uma caneta por 50 cents e lança em 1959, com a marca Bic, o modelo Cristal.
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isto, certamente, depende de sua antiga utilização, que permitiu ao tempo e a história de
fazer a própria seleção a aos pesquisadores de encontrar respostas e soluções aos
problemas que se apresentam.
Fig. 10: (a esquerda) a ação combinada das hidrográficas e do autoadesivo causaram uma
importante migração lateral da técnica
Fig. 11: (a direita) Exemplo de envelhecimento da matéria plástica em folha
Algumas pesquisas foram realizadas nesses últimos anos para caracterizar tais técnicas e
avaliar o impacto dos tratamentos de restauro. Se as pesquisas sobre emulsões acrílicas
parecem avançadas, o estudo pela caracterização10 e a eventual estabilização ou restauro
da caneta esferográfica e da hidrográfica (Fig. 10) tem dado poucos resultados no campo da
conservação. Portanto, aí estão os projetos que precisam ser desenvolvidos para conhecer
melhor esses materiais, para determinar as causas e os mecanismos de degradação e
estabelecer as estratégias de tratamentos conservativos, ainda que o fato de estar próximo
historicamente ao seu momento de produção, talvez impeça distinguir aquilo que
corresponde a uma característica e aquilo que deve ser considerado como uma alteração.
Aqui a dificuldade parece ser de uma outra natureza distinta daquela referente ao suporte:
se a modificação das técnicas tradicionais parece ser absorvida e aceita pela história, as
novas técnicas levantam a questão das características que devem ser conservadas. Porque
algumas alterações, voluntárias ou inesperadas, que conseguem se estabilizar podem ser
consideradas como características da própria técnica, como o “craquelé” de algumas
pinturas e o amarelecimento de alguns papéis.
Formato
O grande formato11, a realização de séries de pequenos desenhos que compõem uma única
obra ou a ausência de moldura são as características do desenho contemporâneo, que,
10
Realizados, sobretudo no âmbito das investigações criminais e publicadas no Jornal of Forensic Science, cujo objetivo
principal é colocar a ciência a serviço da lei.
11
A fronteira entre o médio e o grande formato foi fixada no formato AO (formato standard de uma superfície de 1 m2 cuja
dimensão é de 842 x 1189mm. A norma ISO 216 não prevê nenhum formato superior ao AO) A partir desta dimensão as
manipulações tornaram-se mais complicada e requerem a ajuda de uma segunda pessoa. O armazenamento dessas obras,
molduradas ou enroladas, impõem uma reflexão sobre a gestão, a manipulação e a maneira como serão apresentadas.
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Fig. 12
Os desenhos de grande formato podem ser moldurados ou livremente montados (Fig. 13) na
parede: em ambos os casos eles apresentam suas vantagens e seus inconvenientes. De
um lado a moldura de um grande tamanho protege a obra e nos permite um manuseio sem
contato direto com o suporte, mas pode ser extremamente pesada, difícil de transportar,
além de exigir uma reflexão sob a inércia dos materiais usados, sob eventual rigidez da obra
e sobre o hermetismo e a impermeabilidade do conjunto obra-moldura, isso sem falar da
vontade de alguns artistas que vem na moldura um modo de exposição tradicional que limita
a percepção do desenho.
Do outro lado temos os sistemas de montagem livre, o mais importante dos quais é aquele
com tachinhas e alfinetes (Fig. 14). Um sistema econômico de montagem e simples de
instalar, que se adapta facilmente aos vários lugares de exposição, conserva a leveza do
papel, cria uma continuidade entre o desenho e a parede, libera a obra das restrições da
moldura e é visivelmente pouco invasivo.
Fig.13: Mario Merz, Invasione,1997. O desenho cuja dimensão é de 150 x339 cm foi
exposto pela primeira vez sem moldura depois, por óbvios motivos de segurança, de
manuseio e de armazenamento, foi emoldurado.
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Porém, este tipo de montagem pode ocasionar rasgos, lacunas e deformações, tornando
muito mais perigoso o manuseio, sobretudo, com obra de grande formato, mesmo
conservando-a enrolada. Sem a proteção da moldura os desenhos são expostos
diretamente à luz, à poeira, aos gases poluentes, ao contato com a parede (da qual se
ignora a qualidade e o tipo de pintura), e aos atos de vandalismo que a arte contemporânea
às vezes inspira.
Fig. 14: Sandra Vasquez de la Horra, MNAM Centro Pompidou, março 2011. A montagem
com os alfinetes permitiu a artista criar uma nova instalação de seus desenhos combinando
varias séries de obras produzidas durante diversos anos.
Fora da Folha
Tradicionalmente, e especialmente nos museus, o desenho é constantemente identificado
como “obra sobre papel”. Mesmo se a história contradiz essa identificação restritiva é
interessante notar como tantos comentários e discussão sob arte gráfica conduz à “saída da
folha de papel” que iria ocorrer no campo do desenho contemporâneo. Tal transformação
traria questões evidentes, não só pelo restauro dessa possível obra mas também pela
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definição de novos setores de coleções. Bernice Rose12 é, certamente, uma das primeiras
pessoas a assinalar este fenômeno como uma característica do desenho contemporâneo.
Porém, saindo do suporte tradicional, o desenho contemporâneo paradoxalmente renova
técnicas esquecidas há tempos no Ocidente: redescobre a pele, a parede, o muro, a areia
que se tornam novos recipientes de linhas e traços.
Fig. 15-16-17 e 18: Paulo Climachauska, Palacio, Bienal de São Paulo, 2004. Exposição,
desmontagem
e re-exposição dos fragmentos do wall drawing.
12
Drawing Now, New York, MoMA, 1976
13
Um exemplo interessante é o projeto do Massachussetts Museum of Contemporary Art onde foi instalada uma mostra de
wall drawings de Sol Lewitt. A exposição permitiu publicar o catálogo dos desenhos e descreve o uso de materiais, as
técnicas dos desenhos e as informações necessárias para futuras instalações. A conservação foi organizada pela Yale
University Art Gallery onde um restaurador de artes gráficas é responsável para formar as futuras instalações dos wall
drawings do artista.
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solicita as vezes leve formas de vandalismo como grafites, aos quais o wall drawing se
aproxima pela natureza, e as vezes fica difícil de identificar imediatamente a intervenção
“vândala”.
As coisas mudam quando o desenho mural, realizado pelos artistas, se apresenta como
uma obra permanente. As suas condições de conservação e de exposição não podem ser
respeitadas como ocorre com um desenho emoldurado, porque o espaço do desenho mural
não é sempre bem definido e se encontra às vezes em espaços como corredores ou escada
de acesso onde a iluminação deve ser forte por razões de segurança. É indispensável que
as instituições que desejam integrar um wall drawing nas coleções considerem as várias
possibilidades, os vários parâmetros de conservação e escolham a documentação como
única forma de conservação.
A pele representa um outro modo para sair da folha de papel: artistas como Jean-Luc
Verna, Wim Delvoye (Fig.19 e 20) e Mike Giant fizeram entrar a tatuagem no universo da
arte propondo seus desenhos elaborados com uma técnica tribal e popular, assumindo uma
iconografia aturdida nas quais a morte e o erotismo são onipresentes. Numa situação
particular Wim Delvoye fez uma tatuagem nas costas de Tim Steiner (Fig. 21) que depois foi
vendida, a tatuagem naturalmente, a um colecionador autorizado a expor a tatuagem, no
portador, três vezes ao ano, com o direito de revendê-la e de recuperar a superfície tatuada
após a morte de Tim.
Animação
O desenho animado é um espaço de criação à confluência de várias histórias, do desenho,
do cinema, da vídeo-arte ou da performance, afirmando as relações intrínsecas entre as
formas desenhadas e o movimento ou vice-versa.
Outros artistas, como William Kentridge e Hans op de Beek, praticam o desenho animado
experimentando de um modo pessoal a animação e imergem o espectador em um estado
de meditação poética.
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Conclusões
O desenho contemporâneo pode dispensar papéis e lápis para tomar a forma de uma linha
traçada sob a grama pisoteada (Richard Long), de uma linha contínua kilométrica (Piero
Manzoni) de um corte (Fontana), de um bordado (Ghada Amer), de projeção de sombras
(Amparo Sard) de manchas de sangue e esperma (Jan Fabre), de material fecal sólido ou
diluído (Chris Ofili) ou de cabelo costurado (Sebastien Bruggeman). O desenho
contemporâneo se transformou em um inteiro campo de criação e se tornou um campo de
investigação independente e autônomo: o estudo proposto o confirma e permite dizer que os
critérios de suporte, formato e técnica certamente, permitem organizar a sua conservação
mas não dão uma idéia precisa sobre a sua especificidade.
A seleção dos casos que foram abordados mostra que os artistas transformaram
radicalmente, no decorrer do século XX, a prática do desenho. Os suportes se enriqueceram
com folhas de material plástico e novas técnicas artísticas apareceram apresentando novas
problemáticas de conservação, tanto que pareça indispensável, se não mesmo urgente,
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Para finalizar, parece importante recordar que os estudos estatísticos realizados são
representativos de uma instituição museológica, cuja aquisição de uma obra de arte deve
ser coerente com a política de aquisição do museu, para depois passar pelo filtro dos
curadores, dos restauradores e da comissão de aquisição. Então é lícito se perguntar se a
coleção é realmente representativa do mundo da criação artística e do mercado da arte ou
se existe um descompasso entre a produção artística e a constituição de um patrimônio
cultural. Em outras palavras, tudo aquilo que hoje é arte torna-se amanhã um patrimônio
cultural?
Agradecimentos
Florence e Daniel Guerlain, Paola Mazzoli, Mattia Patti, Antonio Rava, Jonas Storsve, Flavio
Kactuz, Thais Helena Almeida.
Bibliografia
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Mazzotta de Milan du 11 avril au 10 juin 1994, Milano, Mazzotta, 1994.
Barabant, Gilles, et al. "Gaston Chaissac, cordonnier sans travail d'une paroisse
boquine: conserver, restaurer, présenter la collection du musée de l'Abbaye Sainte-
Croix des Sables-d'Olonne.” Technè, N°. 21 (March 2005): 78-86
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Bernadac, M-L (dir.), Du trait à la ligne, Paris, Centre Pompidou, 1995.
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Conte, R. (dir.), Le dessin hors papier: Colloque organisé à l'abbaye de Maubuisson,
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Duplat, V., Rouchon. "Steel versus papier : the conservation of a piece of modern art
consisting of a rust print on paper”. Journal of PaperConservation, vol. 10 (2009): 26-
34.
14
Até agora existe uma só definição sobre patrimônios imateriais ou intangíveis, ratificada em 17 de outubro de 2003, na
sede da UNESCO em Paris: «Entende-se por ‘patrimônio cultural imaterial práticas, representações, expressões,
conhecimentos e saberes - assim como os instrumentos, os objetos, os artefatos e os espaços culturais associados a esses - que
as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivíduos reconhecem como fazendo parte de seu patrimônio cultural. Tal
patrimônio cultural intangível, transmitido de geração em geração, é constantemente recriado pela comunidade e pelos
grupos interessados em conformidade ao seu ambiente, à sua interação com a natureza e a sua história, e fornecem a eles um
sentido de identidade e continuidade, promovendo assim, o respeito pela diversidade cultural e a criatividade humana.
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art plastic objects", ICOM Committee for Conservation, ICOM-CC, 15th Triennial
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Michael Imhof Verlag, 2008, 400 p.
Woodcock, Sally Ed. Big pictures : problems and solutions for treating outsize
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17
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Resumo
Este artigo discute as características do papel japonês comercializados no Brasil,
questionando se possuem as qualidades exigidas nos procedimentos de conservação e
restauração de bens culturais. Para tanto se apresenta sucintamente as características dos
papéis japoneses tradicionais e qual o seu uso na conservação e restauração. Em seguida
são mostradas e discutidas as informações levantadas nos catálogos e página na internet
de três revendedores brasileiros de papéis japoneses.
Palavras-chave: Conservação, Restauração, Papel japonês, washi.
Abstract
This article focused the characteristics of Japanese paper marketed in Brazil, questioning
whether they have the qualities required in the procedures of conservation and restoration of
cultural property. It summarizes the characteristics of traditional Japanese papers and the
use in conservation and restoration. It presents and analyses information gathered in
catalogs and webpages of three Brazilian dealers of Japanese papers.
Keywords: Conservation, Restoration, Japanese paper, washi
___________________________________________________________________
Introdução
O papel japonês (washi) é um dos principais materiais tradicionais utilizado nos
procedimentos de conservação e restauração de vários tipos de objetos, especialmente em
livros, documentos e obras de arte em papel. O amplo uso do papel japonês nos países
ocidentais é baseado nas suas excelentes características físico-química, que resultam em
um material caracterizado pela durabilidade, estabilidade, resistência, transparência e
ausência na sua composição de produtos que possam afetar os materiais restaurados. No
entanto, será que de fato todos os papéis japoneses vendidos por fabricantes e
revendedores têm todas essas qualidades e características tão valorizadas pelos
conservadores-restauradores?
No estudo intitulado “La utilización en Iberoamérica de materiales y técnicas japonesas en la
conservación de Patrimonio bibliográfico y documental”15 [1], os autores identificaram que
15
Esse estudo foi apresentado por Luis Crespo, Susana Meden e Florência Gear IV Congresso Chileno
de Conservación y Restauración, realizado em Santiago do Chile, de 23 a 26 de maio de 2012, sendo
resultado do Seminario “Técnicas y materiales japoneses aplicados a la conservación-restauración de
obras de papel occidental”, que aconteceu no período de 6 e 13 de dezembro de 2011 na Ciudad de
México, promovido pelo Programa LATAM – ICCROM para la conservación del patrimonio cultural en
América Latina y el Caribe (http://www.iccrom.org/eng/prog_en/06latam_en.shtml.
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Características do Washi
A história da produção de papel no Japão remonta há mais de 1400 anos atrás, e ao longo
dos séculos esse material permaneceu fundamental no estilo de vida e na cultura japonesa.
A palavra washi (wa = japonês – shi = papel) pode ter um sentido mais amplo e designar
todos os papéis japoneses. Ou de forma mais restrita, referir-se aos papéis artesanais feitos
com as técnicas e métodos ancestrais japonesas.
A produção artesanal do papel japonês, que inclui o conhecimento, as técnicas, ferramentas
e equipamentos, assim como o produto desse saber fazer, são considerados patrimônio da
nação e estão inseridos no sistema de proteção do patrimônio cultural japonês. No cerne
desse sistema de reconhecimento do patrimônio cultural está o artesão que domina a
técnica e a arte de fazer esses papéis ancestrais e mantém viva essa tradição.
Para ser incluído na categoria de patrimônio cultural intangível é preciso que o papel seja
produzido de acordo com uma série de características e exigências, tais como utilizar
somente as fibras tradicionais (kozo, mitsumata, gampi)21 e ser feito com os métodos e as
ferramentas tradicionais. O papel produzido deve manter características, como cor, brilho,
16
Nas respostas dos questionários também foram citados adesivos e ferramentas, como as tábuas de secagem
(karibari), espátulas, trinchas e pincéis e facas.
17
Esse artigo foi elaborado a partir de questões discutidas no “Curso Internacional de Conservación de Papel em
América Latina – Un encuentro com Oriente”, que mostrou várias técnicas, materiais e ferramentas
tradicionalmente utilizadas na conservação e restauração de papéis no Japão. Esse curso foi promovido e
organizado por Instituto Nacional de Antroplogía e Historia – Coordinación Nacional de Conservación del
Patrimônio Cultural; National Research Institute for Cultural Properties, Tokio; International Centre for the
Study of the Preservation and Restoration of Cultural Propoerty- ICCROM ; Apoyo al Desarrollo de Archivos y
Bibliotecas de México.
18
Casa do Restaurador - http://www.casadorestaurador.com.br
19
Conservart - http://www.conservart.com.br/
20
World Paper- http://www.worldpaper.com.br/
21
Essas fibras são provenientes de distintas espécies de amoreiras, sendo: Kozo - Brousonetia papyfera;
Mitsumata - Edgeworthia papyrifer; gampi - Diplomorphs sikokiana. É frequente encontrar também o mulberry,
como sendo kozo. No entanto os papéis mulberry são feitos de outra espécie de amoreira, a Brousonetia
papyfera, que não tem as mesmas propriedades do kozo.
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formato, etc, definidas a partir das diferentes tradições de produção de cada região do
Japão.
Em termos gerais o processo original de produção de washi inclui as seguintes etapas, que
são detalhadamente descritas por BARRET na obra Japanese Papermaking: Traditions,
Tools and Techniques [2]
- Corte dos arbustos das amoreiras utilizadas como fonte das fibras utilizadas na fabricação
do papel;
- Raspagem da camada externa da casca e cozimento da fibra em extrato alcalino, com as
cinzas do restante da planta;
- Limpeza manual e minuciosa das fibras para a retirada de todos os resíduos;
- Maceração das fibras, processo feito de forma manual ou similar;
-.Adição do neri, uma mucilagem extraída da raiz da planta tororoaoi (Abelmoschus manihot
ou Hibiscus manihot L), que funciona como um dispersante, impedindo que a fibras formem
grumos ou afundem durante a firmação da folha. O neri Também controla, através da sua
viscosidade, a velocidade com que a água passa através do molde;
- Formação de folhas individuais com o su (molde flexível feito de bambu) e pelo método
nagashi-zuki. Esse método é característico da produção dos papéis japoneses, emprega um
molde de madeira articulada(o) e uma tela flexível removível. A formação da folha é
resultado de determinados movimentos vigorosos e rápidos feitos pelo artesão.
- Processo de secagem das folhas em tábuas de madeira, em ambientes internos ou
expostos à luz do sol.
O resultado desses processos artesanais, que não utiliza branqueamentos químicos e nem
adição de cargas ou outros aditivos, é um papel com qualidades extraordinárias, com fibras
longas22, alto grau de polimerização das moléculas de celulose e com pH neutro, por volta
de sete, muito resistente e durável.
Tradicionalmente a produção de washi era sazonal, pois a maioria dos fabricantes de papel
eram agricultores, que além das suas colheitas, também cultivavam o kozo e o cânhamo. O
washi de melhor qualidade era feito durante os meses frios do inverno. Nessa época os
agricultores não podiam trabalhar em seus campos e a água gelada dos rios não
apresentava impurezas que pudessem alterar a cor das fibras. Em geral um processo
natural de clareamento das fibras era feito espalhando-as nas margens dos rios sobre neve
branca.
No período Meiji, em meados do século XIX, o Japão passou por inúmeras mudanças
culturais e econômicas. O aumento da demanda por papéis resultou na substituição dos
processos artesanais pelos industriais nos moldes ocidentais, com a utilização das
máquinas de fabricação de papel e a introdução da polpa de madeira.
Ao longo do tempo houve um decréscimo muito grande do número de família que
trabalhavam com os papéis artesanais. A partir dos anos de 1950 o governo busca-reverter
esse quadro, inserindo as técnicas de fabricação de papel tradicionais no sistema de
proteção do patrimônio cultural do Japão. Assiste-se desde então uma busca de
revalorização das técnicas artesanais de fabricação do papel.
Apesar das mudanças ao longo do tempo o washi permaneceu firmemente enraizado na
cultura japonesa, continuou sendo usado para fins religiosos especiais (budista e xintoísta),
na arquitetura tradicional japonesa, assim como na produção de itens cotidianos, como
brinquedos, vestuário, luminárias, suportes de escrita e de obras de arte, etc.
Atualmente existe no mercado uma enorme variedade de tipos de papéis japoneses, poucos
são os produzidos da maneira artesanal tradicional. Muitos papéis japoneses são
produzidos industrialmente, utilizam de vários tipos de fibras, inclusive polpa de madeira,
incluem processos de branqueamento químico e contém vários aditivos, tais como cargas e
resinas.
22
(kozo = 9,37 mm; mitsumata 3,60 mm; gampi=3,16 mm)
20
Boletim Eletrônico da ABRACOR – Número 9. Março de 2013.
23
Os papéis identificados em 1990 pelo estudo da ABRACOR são os seguintes: Fugi Kozo, Hinging Thin,
Hosokawa Ohban, Kitakata, Kisuishi, Mulberry, Okawara Large Sheets, Sekishu Kosogami Mare, Sekishu
Kosogami Turu, Sekishu Torinoko Gampi, Shiro Kozo, Silk Tissue, Tengujo, Tosa Roll, Uda Gami, Uda Thin.
21
Boletim Eletrônico da ABRACOR – Número 9. Março de 2013.
Além de consultar as páginas das empresas brasileiras também foram feitas pesquisas nas
páginas dos fabricantes ou revendedores japoneses para complementar ou checar as
informações. Trabalho esse que foi facilitado quando havia um código de identificação que
permitia confirmar tratar-se do mesmo papel. Em geral persistiu a dúvida, pois em geral os
papéis não são identificados por códigos e existem pequenas variações da grafia do nome
do papel e até mesmo no tamanho das folhas.
Foram identificadas três origens distintas dos papéis comercializados no Brasil. A
Conservart vende os papéis produzidos pela Awagami Factory24, da região de Tokushima no
Japão. A Casa do Restaurador comercializa os papéis da Hiromi Paper25, empresa fundada
em meados de 1988, localizada na California, Estados Unidos e que compra papéis de
vários fabricantes japoneses e revende para vários países. A World Paper vende os papéis
provenientes da Moriki Paper26, empresa situada em Yokohama, no Japão, responsável pela
revenda de papéis produzidos por inúmeros fabricantes japoneses. Esses modelos de
comercialização dos papéis, especialmente em relação à Moriki Paper e Hiromi Paper que
são intermediários, apontam claramente para o problema em controlar a qualidade dos
papéis, uma vez que revendem papéis de variados fabricantes.
Para organizar as informações coletadas foram elaborados quadros com os nomes dos
papéis e as sua especificações (pH, gramatura, cor, formato, tipo de fibra, processo de
fabricação), que são apresentados nos Anexos I, II e III. As lacunas de informação foram
indicadas com pontos de interrogação.
A primeira questão que chama atenção em relação aos dados coletados é a variedade de
nomes dos papéis, que por vezes podem referir-se até a um mesmo tipo de papel, ou não. A
identificação de um papel pode indicar um fabricante, a região onde o papel é fabricado, um
tipo específico de papel, o tipo de fibra empregado, ou qualquer outra nomenclatura que o
próprio fabricante define.
Essa confusão pode aumentar quando papéis com a mesma origem aparecem com
variações como, por exemplo, indicar em alguns o nome do fabricante e depois o tipo de
fibra, em outros inverter essa ordem, começando pelo nome da fibra. Um exemplo são os
papéis vendidos pela World Paper provenientes do fabricante Kashiki, da região de Kochi.
Os papéis constam no catálogo como: “Kashiki 46”, “Kashiki Gampi 42”, “Kashiki Haini
Kozo”, “Kashiki Kozo Tissue”, “Kashiki Mitsumata 45”, e por fim “Kozo Kashiki”! Com o
detalhe de que, considerando as poucas informações que se possui sobre esses papéis, a
única diferença entre o “Kashiki 46” e o “Kozo Kashiki” é a gramatura.
A segunda questão a ser ressaltada é justamente a falta de informações necessárias para
pautar a escolha de papéis que estejam de acordo com as exigências da área de
conservação e restauração. Saber se o processo de fabricação do papel é artesanal ou
industrial não é suficiente para avaliar a qualidade de um papel. Essas são informações
genéricas e pouco precisas, não indicam os processos ou produtos utilizados, questões
essas que são determinantes na qualidade, durabilidade e estabilidade dos papéis. Pauline
Weber [5] recomenda que além de amostras para serem testadas, os fornecedores devem
disponibilizar informações sobre como a fibra foi preparada, em que época do ano o papel
foi feito e como foi realizada a secagem.
No universo de sessenta e dois papéis comercializados no Brasil, cinquenta e três (85,3%)
não apresentam a informação de qual é o processo de fabricação. Somente três (4,9%) são
identificados como artesanais e seis (9,8%) como industriais.
Ainda em relação ao processo de fabricação, sobre alguns papéis consta a informação de
que o processo de secagem foi feito em placas de metal de aço inoxidável. De acordo com
Barret [6] esse método de secagem, diferente do método tradicional de secagem em placas
de madeira, difundiu-se após o período da Segunda Guerra Mundial. É um método mais
24
Awagami Factory - http://www.awagami.com/
25
Hiromi Paper Inc - http://store.hiromipaper.com/about-us.aspx
26
Moriki Paper Company http://www.morikipaper.co.jp
22
Boletim Eletrônico da ABRACOR – Número 9. Março de 2013.
rápido e que agiliza a produção em massa, uma vez que pode ser feito em qualquer tempo.
Barret diz que existem discussões sobre os danos que esse tipo de secagem pode causar,
sendo que os tradicionalistas argumentam que além de algumas deformações, a secagem
rápida pode deixar os papéis mais propensos à instabilidade em situações de mudanças de
umidade do ambiente.
Outra questão importante para analisar a qualidade dos papéis é a informação sobre o pH.
Somente doze (19,3 %) dos papéis da pesquisa aparece essa informação. Ainda assim as
informações são pouco precisas, tais como “livre de acidez”. Identificou-se ainda surpresas,
como o “Kozo-shi White” (Código PJ9201181) vendido pela Awagami, cuja especificação
indica um pH 4,7, ou seja, um papel japonês ácido.
Por fim, em relação ao tipo de fibras utilizadas na fabricação dos papéis, observou-se
variedade de fibras e também de misturas de fibras. Papéis feitos com fibras de kozo, os
mais utilizados para a conservação e restauração, correspondem a apenas 34 % dos papéis
analisados. E desse percentual, somente sete (11,3%) constam claramente como “kozo
japonês”. Nos demais papéis não se identifica a origem, podendo ser um kozo plantado em
qualquer outro país asiático, pois hoje em dia vários países plantam e comercializam papeis
com as fibras de kozo, mas em geral são papéis que não possuem as mesmas
características dos papéis japoneses.
A origem das fibras de kozo é importante uma vez que as condições climáticas e o local de
plantio, assim como o tempo da colheita, são determinantes nas características da fibra, e
consequentemente, nas características do papel a ser produzido. Nos texto “What is real
washi” [7] Kobayashi Yasuo, um tradicional artesão fabricante de papéis, discute como o
local de crescimento dos arbustos de kozo interferem nos papéis produzidos nas diferentes
regiões do Japão, e levanta a questão de que o kozo plantado em Taiwan e outros países
do sul da Ásia, com condições climáticas distintas, teria um alto teor de lignina.
Um percentual expressivo (29%) dos papéis comercializados no Brasil contém a mistura de
kozo com outras fibras em diferentes proporções, tais como cânhamo e polpa de madeira, e
nesse caso em vários papéis indica-se o uso do kozo tailandês. Exemplos dessa mistura de
fibras são os papéis procedentes da Hiromi Paper, como o “Goyu”, (HM-50 - Kozo tailandês
50% e polpa sulfito 50%), “Mulberry” (HP-64 - kozo tailândes 30%, polpa sulfito 70%),
“Sekishu Nat” e “Sekishu White” (HP 58 e Hp 59 - Fibras: kozo tailandês 70% e polpa sulfito
30%), dentre outros.
Na listagem dos papéis comercializados no Brasil são poucos os papéis feitos com as outras
fibras tradicionais, o gampi (9,7%) e mitsumata. (3,2%). Provavelmente porque os papéis
fabricados com essas polpas têm poucas aplicações na área de conservação e restauração.
Identificou-se ainda um papel feito com 100% de fibra de madeira e dois papéis com mistura
de rayon com polpa de madeira, que são os papéis denominados “Sudare” (4,8%).
A outra fibra que aparece é o abacá, a qual é obtida de um tipo de bananeira (Musa textilis),
originária das Filipinas. Essa fibra foi muito utilizada na produção de cordas e cabos,
especialmente para a navegação, e atualmente tem sido empregada na fabricação de
papéis especiais. A fibra de abacá é citada na composição de cinco (8%) papéis japoneses
analisados.
Por fim, existe um percentual (11,3%) de papéis que não foi possível identificar claramente
quais fibras foram utilizadas. Um estudo mais aprofundado, a partir do nome e da origem,
poderia esclarecer a composição desses papéis.
Enfim, ao observar a identificação das fibras utilizadas nos papéis japoneses vendidos no
Brasil pode-se concluir que talvez eles não sejam tão japoneses assim, já que
percentualmente prevalece a mistura de fibras ou a utilização de kozo de variadas origens.
Conclusões
Este estudo não pretendia esgotar o assunto, mas tão somente levantar questões em
relação à qualidade dos papéis japoneses que estão sendo comercializados e utilizados nos
processos de conservação e restauração no Brasil.
23
Boletim Eletrônico da ABRACOR – Número 9. Março de 2013.
A análise das poucas informações disponíveis sobre os papéis japoneses vendidos aqui
mostra que a resposta para a pergunta colocada inicialmente, se os papéis japoneses
possuem todas as qualidades e características tão valorizadas pelos conservadores-
restauradores, apontam para uma resposta negativa.
O que se espera é que os profissionais conservadores-restauradores adotem uma postura
mais criteriosa, exigindo mais e melhores informações sobre os papéis japoneses que estão
disponíveis no mercado brasileiro. Até porque, além da falta de garantias em relação à
aplicação desses papéis nos procedimentos de conservação e restauração, trata-se de um
material de custo elevado.
Um estudo mais detalhado sobre a origem desses papéis, acompanhada de testes de
amostras, pode indicar quais, de todos os que foram listados, os que de fato possuem as
características necessárias para o uso da conservação e restauração. Lembrando ainda que
o fornecimento e a comercialização de materiais mudam constantemente, havendo a
necessidade de fazer acompanhamentos contínuos da qualidade dos materiais que estão
sendo adquiridos.
E por fim, para além de uma crença ingênua de que todos os materiais importados são de
boa qualidade, é preciso realizar estudos, pesquisas e testes, além de acompanhar as
publicações produzidas nos grandes centros de pesquisa, sobre as características dos
materiais empregados na conservação e restauração.
Referências Bibliográficas
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Boletim Eletrônico da ABRACOR – Número 9. Março de 2013.
ANEXO I
25
Boletim Eletrônico da ABRACOR – Número 9. Março de 2013.
Tengujo pH: ??; Gramatura: 9 g/m2; Cor: ??; Formato: folha 63,5 x Hiromi Paper -W-1
96 cm; Processo fabricação: industrial; Processo
fabricação: ?? Fibras: kozo tailandês 90%, SP pulp 10%.
Fabricado por Fuji Paper Mills, na região de Tokushima
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Boletim Eletrônico da ABRACOR – Número 9. Março de 2013.
ANEXO II
27
Boletim Eletrônico da ABRACOR – Número 9. Março de 2013.
ANEXO III
28
Boletim Eletrônico da ABRACOR – Número 9. Março de 2013.
Mingei SH-35 pH: ??; Gramatura: 45 g/m2; Cor: creme; Formato: folha: Moriki Paper
63,5 x 98 cm; Processo fabricação: ??; Fibra: kozo e polpa
sulfito
Mitsumata pH: ??; Gramatura: 18g/m²; Cor: natural; Formato: folha 65 x Moriki Paper
98 cm; Processo fabricação: ??; Fibra: mitsumata
Mulberry pH: ??; Gramatura: 60 g/m2; Cor: branco ou creme; Moriki Paper
Formato: folha 65 x 97 cm; Processo fabricação: ??; Fibra:
kozo e polpa sulfito
Okawara pH: ??; Gramatura: 55 g/m2; Cor: natural; Formato: folha: Moriki Paper
31,0 x 44 cm; Processo fabricação: ??; Fibra: kozo e polpa
sulfito.
Okawara roll pH: ??; Gramatura: 60 g/m2; Cor: palha; Formato: rolo 97 Moriki Paper
cm x 9,2 m; Processo fabricação: ?? Fibras: kozo 60% e polpa
madeira 40%
Okawara student pH: ??; Gramatura: 30 g/m2; Cor natural; Formato: folha: 49 Moriki Paper
x 67 cm; Processo fabricação: ??; Fibra: kozo e polpa sulfito.
Sekishu pH: ??; Gramatura: 50 g/m2; Cor: creme; Formato: folha Moriki Paper
63,6 x 95,5 cm; Processo fabricação: ??; Fibras: kozo 80% e
polpa madeira 20%.
Sekishu é o papel fabricadona região de Shimane
Sekishu pH: ??; Gramatura: 20g/m²; Cor: natural; Formato: rolo 5 m; Moriki Paper
Processo fabricação: ??; Fibras: kozo 80% e Polpa madeira
20%
Sekishu Chue Niki pH: ??; Gramatura: 20,3 g/m2; Cor: natural; Formato: rolo Moriki Paper
100 cm x 61 m; Processo fabricação: ??; Fibras: kozo 80% e
polpa madeira 20%
Shiramine pH:??; Gramatura: 107g/m²; Cor: creme; Formato: folha 55 x Moriki Paper
110 cm; Processo fabricação: ??; Fibras: ??
Shiramine pH:??; Gramatura: 110g/m²; Cor: palha; Formato: folha 110 Moriki Paper
cm x 50 m; Processo fabricação: ??; Fibras: ??
Shodo pH:??; Gramatura: 25 g/m2; Cor: natural; Formato: folha 49 Moriki Paper
x 71 cm; Processo fabricação: ??; Fibras: kozo 30%, polpa
madeira 70%
Sudare A 304 pH: ??; Gramatura: 17g/m²; Cor: natural; Formato: folha Moriki Paper
78,8 x 54,5cm; Processo fabricação: ?? Fibras: rayon (60%) e
polpa de madeira (40%)
Sudare C 305 pH: ??; Gramatura: 13g/m²; Cor: ??; Formato: folha Moriki Paper
63,6X9cm; Processo fabricação: ??; Fibras: polpa de madeira
(100%)
Sudare Lace A pH: ??; Gramatura 17g/m²; Cor: creme e envelhecido; Moriki Paper
703-03 e 04 Formato: folha: 8,8 x 54,5cm; Processo fabricação: ??;Fibras:
rayon (60%) e polpa de madeira (40%)
Tengujo pH: ?? Gramatura: 10g/m²; Cor: natural; Formato: folha 63,6 Moriki Paper
x 94 cm; Processo fabricação: ?? Fibras: abacá (90%) e polpa
de madeira (10%)
Tengujo pH: ?? Gramatura: 11g/m²; Cor: natural; Formato: folha 63,6 Moriki Paper
x 94 cm; Processo fabricação: ?? Fibras: abacá (90%) e polpa
de madeira (10%)
Tomiko pH:??; Gramatura: 15g/m²; Cor: natural; Formato: folha 63 x Moriki Paper
97 cm; Processo fabricação: ??; Fibras: ??
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Boletim Eletrônico da ABRACOR – Número 9. Março de 2013.
Udagami pH: ??; Gramatura: 20 g/m2; Cor: natural; Formato: folha: 31 Moriki Paper
x 49 cm; Processo fabricação: ??; Fibra: kozo 100%
Usumino pH:??; Gramatura: 18 g/m2; Cor natural; Formato: folha 63 x Moriki Paper
93 cm; Processo fabricação: ??; Fibra: kozo 100%
Usuyo Gampi pH: ??; Gramatura: 12g/m²; Cor: natural; Formato: folha 52X Moriki Paper
x 81cm; Processo fabricação: ?? Fibra: gampi
30
Boletim Eletrônico da ABRACOR – Número 9. Março de 2013.
Resumo
Os bens culturais de um país são as heranças deixadas pelos povos que viveram
anteriormente, podendo os mesmos contar o modo de vida de sua população. Para mantê-
los acessíveis aos descendentes, precisam ser conservados para manterem suas condições
de manuseabilidade. No entanto, sua conservação nos países de clima tropical é dificultada
devido as condições ambientais serem inadequadas, favorecendo a deterioração dos
mesmos devido as temperaturas e umidade relativa elevadas. A dificuldade existente nos
países localizados na região tropical do mundo é o objeto deste artigo e em especial
descrição das experiências obtidas no Brasil e na cidade do Rio de Janeiro.
Abstract
Firstly, we are going to describe the tropical region in the world, its climatic diversity and
influence on the cultural heritage conservation. Then, after reminding the recommended
environmental conditions for the cultural heritage conservation, we are going to deal with the
difficulties of countries with tropical climate, showing as an example the actions developed in
the city of Rio de Janeiro to conserve its cultural heritage and train professionals.
Keywords: Conservation, tropical region, preservation, cultural heritage, Rio de Janeiro city
___________________________________________________________________
Introdução
31
Boletim Eletrônico da ABRACOR – Número 9. Março de 2013.
O globo terrestre é dividido na horizontal em diversas regiões cortadas por linhas paralelas,
destas a área compreendida entre os trópicos de Capricórnio, no hemisfério sul e o trópico
de Câncer, no hemisfério norte é denominada de zona tropical, compreendendo a mesma
uma extensa área do globo terrestre, sendo a mesma situada entre os paralelos 23,5º ao
norte e ao sul. Por causa desta grande extensão territorial, a região tropical ocupa diversos
continentes como as Américas Central e do Sul, África, Ásia e Oceania.
Os trópicos são linhas imaginárias abaixo e acima da linha do Equador que dividem o globo
terrestre. Esta divisão deixa muitos países com condições ambientais similares de
temperatura e umidade relativa numa mesma região. Assim ao consultarmos o mapa
mundial observamos a localização de diversos países na região tropical. A partir destas
podemos considerar que os mesmos possuem características ambientais de temperatura e
umidade relativa similares, sendo estes índices elevados e apresentando valores médios
superiores às condições ideais recomendadas à conservação de bens culturais.
A localização das regiões tropicais no mapa mundi é muito extensa, possibilitando diversas
subdivisões no clima tropical, como o tropical equatorial, o tropical seco, o clima tropical de
monção e o clima tropical de altitude.
O tropical equatorial, que é característico das regiões próximas à linha do equador, que
possuem altos índices pluviométricos com elevada temperatura e umidade relativa do ar
durante o ano.
O clima tropical seco possui apenas uma estação seca durante o ano e este é o clima mais
característico da cidade do Rio de Janeiro, com verão de período chuvoso e o inverno com
clima seco. Isto não significa dizer que nesta cidade chove apenas no verão, que é
caracterizado por rajadas de chuvas do final da tarde é característica deste período. No
inverno também há períodos chuvosos, podendo as precipitações ocorrerem em qualquer
horário do dia.
O clima tropical de monção é caracterizado por apresentar um período do ano com elevado
índice pluviométrico. Este ocorre principalmente no leste do continente Africano e no sul da
Índia.
O clima tropical de altitude possui temperaturas semelhantes às do clima subtropical. No
Brasil este clima é comum na região Sul e nas áreas de montanha da região Sudeste, que
compreende os estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.
As condições climáticas das regiões tropicais são caracterizadas por clima geralmente
quente e úmido, com temperatura média anual superior a 25 °C e a umidade relativa do ar é
elevada e superior a 65%. Porém, algumas regiões possuem chuvas constantes que deixam
os valores da umidade relativa do ar próximo aos índices de 100%, tornando as condições
de conservação dos bens culturais um problema ainda mais crítico nestas regiões. Sendo
estes índices não ideais para a conservação de bens culturais, assim como para mantê-los
em condições de acessibilidade por longos períodos de tempo como, por exemplo, décadas,
séculos ou milênios. A cidade do Rio de Janeiro apresenta temperatura média anual acima
de 25° C e umidade relativa acima de 65%, sendo esses índices não adequados à
conservação de bens culturais.
Nas condições ambientais das regiões tropicais, os bens culturais principalmente àqueles
constituídos de materiais de origem orgânica, como por exemplo, os de resinas sintéticas,
os de couro e os constituídos de derivados lignocelulósicos, como os papéis e as madeiras
se deterioram facilmente devido às reações químicas de deterioração, principalmente as de
hidrólise, nas quais a água é um constituinte ambiental que atua favorecendo-a. Reações
similares de degradação também ocorrem com algumas ligas metálicas, constituídas por
alto teor de ferro, devido à instabilidade dos metais ferruginosos em locais de umidade
elevada.
As condições adequadas para a conservação de bens culturais em locais de clima tropical
32
Boletim Eletrônico da ABRACOR – Número 9. Março de 2013.
Diversas publicações técnicas, como por exemplo, The Museum Environment, de Garry
Thomson, e Climate in Museums, de Gaël de Guichen, que são pesquisadores que residem
em países de clima temperado, descrevem que as condições ambientais ideias para a
conservação de bens culturais, são temperatura de 20 ± 2 °C e os índices de umidade
relativa de 50 ± 5%. Condições ambientais inadequadas são as principais responsáveis pela
deterioração de bens culturais.
Os valores de temperatura e de umidade relativa do ar dos países tropicais, geralmente, são
superiores aos índices descritos acima para a conservação. Estes índices recomendados
são os mais próximos aos índices registrados nas regiões de clima temperado. Devido a
isso os países localizados nas regiões tropicais necessitam despender altos recursos
financeiros para custear os gastos com custos referentes a energia elétrica utilizada para
manter a conservação seus bens culturais. No entanto, existem procedimentos para obter
condições adequadas para a guarda de bens culturais sem o uso de equipamentos elétricos
para climatização dos locais de guarda dos acervos, conforme exemplos descritos a seguir.
No Brasil, a arquiteta Franciza Toledo (in memorium), ex-servidora da Superintendência do
IPHAN (Instituto do Patrimônio Artístico Nacional) do Estado de Pernambuco, com mestrado
profissional na área de arquitetura em Cuba, foi responsável na implantação dos
conhecimentos adquiridos aplicando-os na conservação de diversos acervos museológicos
e documentais sem o uso de equipamentos de refrigeração.
A Doutora em Arquitetura, Cláudia S. Rodrigues de Carvalho, com mestrado em conforto
ambiental, realizou seus estudos no país e exerce suas atividades profissionais na
Fundação Casa de Rui Barbosa - FCRB, órgão do Ministério da Cultura, localizado na
cidade do Rio de Janeiro. Tendo desenvolvido equipamentos para que o acervo desta
Instituição, que abriga um museu, tenha condições ambientais adequadas para conservação
do acervo sem a utilização de sistema elétrico através do uso de ventilação.
No item seguinte estão descritas as várias tentativas de instituições, que guardam acervos
documentais em suporte papel, na cidade do Rio de Janeiro para implantar uma política de
conservação.
A conservação de acervo documental na cidade do Rio de Janeiro pode ser dividida em três
períodos distintos, sendo o primeiro entre as décadas de 1970 e 1980. Neste período os
materiais utilizados na conservação e na restauração de acervos documentais eram
inadequados, por serem materiais adaptados dos produtos existentes no mercado nacional.
Poucos produtos e procedimentos utilizados em países europeus ou da América do Norte
eram conhecidos, e os poucos produtos importados que aqui chegavam possuíam preços
33
Boletim Eletrônico da ABRACOR – Número 9. Março de 2013.
muito elevados, restringindo seu uso nas ações de conservação do patrimônio documental.
No período citado anteriormente, o principal papel empregado no país para fazer a
laminação de acervos em suporte papel deteriorado era o papel Mino de 25 g/m2, fabricado
pela Companhia Industrial de Papéis Piray, localizada em Santanésia na cidade de Piraí no
Estado do Rio de Janeiro. Sendo este papel utilizado na produção de papel carbono e no
revestimento de filtros de cigarro. Este produto era fabricado com pH ou índice de acidez
não adequado à conservação de acervos documentais em suporte de papel.
Este papel foi utilizado na laminação de documentos manuscritos com tintas metaloácidas,
que apresentavam avançado estado de degradação, até meados da década de 1980, na
tentativa de reduzir a perda de informação. O mesmo também era empregado na laminação
de papel ácido frágil ou pulvurulento. Apesar da utilização do papel japonês na restauração
em meados da década de 1980, no Brasil, país de dimensões continentais, o papel Mino foi
utilizado na restauração de documentos até início do ano 2000 e o adesivo utilizado nas
ações de conservação era a base de cola de amido. A partir de meados dos anos 1980,
passou a ser utilizada a cola metil celulose.
Para o acondicionamento de acervos documentais, o país não fabricava papel alcalino e os
acervos documentais eram acondicionados em papéis ácidos, pois os alcalinos só
chegaram ao Brasil em grande escala no início do ano 2000. Porém, no final dos anos 1980
foi desenvolvido pela Filiperson Papéis Especiais Ltda., com a consultoria do Arquivo
Nacional, o papel denominado Filifold Documenta com pH alcalino, para ser utilizado na
guarda de documentos.
Na década de 1970, as instituições da cidade do Rio de Janeiro que guardavam acervos
documentais como o Arquivo Nacional do Brasil e a FCRB, receberam a visita da
conservadora europeia François Friedler. A partir deste período os procedimentos de
conservação utilizados na cidade apresentaram modificações decorrentes do repasse de
técnicas utilizadas na Europa como, por exemplo, o uso de papel japonês e adesivos
derivados da celulose, como o uso da metil celulose na laminação de documentos e o
aprofundamento dos procedimentos de clareamento de papel. Estas técnicas levaram cerca
de uma década para serem utilizadas.
No início da década de 1990, o Arquivo Nacional, localizado na cidade do Rio de Janeiro
recebeu a visita de Helmut Banza, que na época era diretor do Bundesarchiv, na Alemanha,
que repassou alguns procedimentos de restauração de acervos documentais, como por
exemplo, o uso da resina acrílica plexol, impregnada no papel japonês, para realizar reparos
em documentos deteriorados, agilizando o preparo destes para a reformatação.
Os técnicos desta Instituição já estavam estudando o desenvolvimento de metodologia para
realizar o tingimento de fibras de celulose para o preenchimento de áreas faltantes em
documentos deteriorados, denominado de reenfibragem. Como os estudos estavam
avançados, Banza resolveu acrescentar seus conhecimentos e experimentos neste estudo
para possibilitar sua finalização.
A partir desta visita desenvolvemos esta nova metodologia de tingimento de fibras e
passamos a utilizá-la nas reconstituições de áreas faltantes. Substituindo a metodologia de
preenchimentos, que anteriormente era realizada de forma manual e passamos a utilizá-la
por procedimentos mecânicos. Possibilitando maior agilidade nas operações de
conservação e aumento da quantidade de acervos conservados. Além disto, estas técnicas
resolveram o problema de focalização de tons na microfilmagem de documentos.
Após intenso período de restauração de acervos documentais deteriorados, iniciou-se nas
instituições de guarda de bens culturais o período da conservação preventiva, descrita a
seguir.
34
Boletim Eletrônico da ABRACOR – Número 9. Março de 2013.
Conclusões
No mapa mundial a região tropical engloba diversas áreas e continentes, sendo o clima
característico destas áreas uma temperatura média anual acima de 28ºC e índices de
umidade relativa do ar maior que 65%. Seus índices climáticos são maiores que os
parâmetros recomendados para à conservação de bens culturais, levando os países desta
região a investirem elevados recursos financeiros para conservá-los.
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Boletim Eletrônico da ABRACOR – Número 9. Março de 2013.
Referências Bibliográficas
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