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TEORIA FEMINISTA: da margem ao centro

bell hooks
Para nós irmãs – Angela, Gwenda, Valeria,
Theresa, Sarah
Por tudo o que partilhámos
por tudo o que passámos juntas
pela contínua proximidade

iii
iv
Índice

Agradecimentos .......................................................................................................... vi
Prefácio à Nova Edição Ver a Luz: Feminismo Visionário ....................................... vii
Prefácio ....................................................................................................................... xi
1. MULHERES NEGRAS: FORMAÇÃO DA TEORIA FEMINISTA .................. 1
2. FEMINISMO: UM MOVIMENTO PELO FIM DA OPRESSÃO SEXISTA .. 14
3. A IMPORTÂNCIA DO MOVIMENTO FEMINISTA ..................................... 27
4. SORORIDADE: SOLIDARIEDADE POLÍTICA ENTRE MULHERES ........ 34
5. HOMENS: CAMARADAS NA LUTA ............................................................. 53
6. ALTERAÇÃO DAS PERSPETIVAS SOBRE O PODER ................................ 66
7. REAVALIAÇÃO O CARÁTER DO TRABALHO ........................................... 76
8. EDUCAÇÃO DAS MULHERES: UM OBJETIVO FEMINISTA ................... 85
9. O MOVIMENTO FEMINISTA PELO FIM DA VIOLÊNCIA ........................ 92
10. PARENTALIDADE REVOLUCIONÁRIA ................................................... 104
11. FIM DA OPRESSÃO SEXUAL DAS MULHERES...................................... 116
12. REVOLUÇÃO FEMINISTA: DESENVOLVIMENTO ATRAVÉS DA LUTA
125
Bibliografia .............................................................................................................. 131

v
Agradecimentos

Nem todas as mulheres, aliás, muito poucas, tiveram a sorte de viver e trabalhar
com mulheres e homens envolvidos ativamente no movimento feminista. Muitas de nós
vivem em circunstâncias e ambientes em que têm de dedicar-se à luta feminista com apoio
e afirmação unicamente pontuais. Durante grande parte da redação de Ain't I A Woman:
black women and feminism, trabalhei em isolamento. Tinha esperança de que a publicação
desta obra me aproximasse dos ativistas feministas, mais especificamente das mulheres
negras. Ironicamente, algumas das mulheres negras mais francas, ativas no movimento
feminista, reagiram criticando-me a mim e à minha obra. Embora estivesse à espera de
uma avaliação muito rigorosa do meu trabalho, estava completamente despreparada para
a hostilidade e o desprezo por parte das mulheres que não considerava, nem considero,
inimigas. Apesar das suas reações, partilhei com elas um empenho contínuo pela luta
feminista. Para mim, isto não significa que temos de abordar o feminismo da mesma
perspetiva. Significa que temos uma base para a comunicação, que o nosso compromisso
político nos leva a comunicar e a lutar juntas. Infelizmente, muitas vezes, é mais fácil
ignorar, descartar, rejeitar e até ferir-nos uns aos outros do que tomar parte num confronto
construtivo.
Se não fossem as impressionantes reações positivas ao livro, vindas de mulheres
negras que se sentiram obrigadas, por este livro, a repensar ou a pensar pela primeira vez
no impacto do sexismo nas nossas vidas e na importância do movimento feminista, teria
ficado extremamente desanimada e dececionada. Graças a elas e a muitas outras mulheres
e homens, este livro não foi escrito em isolamento. Estou especialmente grata pela atenção
e a confirmação dadas pela Valeria e a Gwenda, as minhas irmãs mais novas; pela
Beverly, minha amiga e camarada; pelo Nate, meu companheiro; e pela South End Press
collective. Tal encorajamento renova o meu compromisso para com a política do
feminismo e reforça a minha convicção de que o valor da escrita feminista não deve ser
determinado unicamente pela maneira como é recebido pelas ativistas feministas, mas
também pelo apelo a mulheres e homens que estão fora da luta feminista para entrarem
nela

vi
Prefácio à Nova Edição
Ver a Luz: Feminismo Visionário

O movimento feminista continua a ser uma das lutas mais poderosas pela justiça
social ainda a decorrer no mundo nos dias de hoje. Acabei a primeira versão do meu
primeiro livro feminista, Ain’t I a Woman: Black Woman and Feminism, quando tinha
dezanove anos. Foi publicado quase dez anos depois. Nesses dez anos, envolvi-me cada
vez mais na criação de uma teoria feminista. Muitas vezes, quando os indivíduos falam
do movimento feminista contemporâneo ou escrevem sobre ele, dão a sensação de que
existe um conjunto de princípios e de crenças que serviam de base desde o início. Na
verdade, quando a revolução feminista começou no final da década de 60, manifestou-se
em diferentes localizações, entre mulheres que muitas vezes não tinham qualquer
conhecimento da existência umas das outras. Não existia uma plataforma claramente
definida.
Enquanto Betty Friedan escrevia sobre "o problema que não tem nome",
abordando a forma como a discriminação sexista afeta as mulheres brancas com educação
superior e com privilégio de classe, Septima Clark, Ella Baker, Fanie Lou Hamer e Ann
Moody, juntamente com mulheres negras por todo o país, enfrentavam o sexismo dentro
do movimento pelos direitos civis negros. Apropriando-se do vernáculo da libertação dos
negros, as mulheres brancas apelidaram de libertação das mulheres a sua resistência ao
sexismo.
Não sabemos quem utilizou "primeiro" o termo "libertação das mulheres".
Também não importa. Fundamentalmente, o que sabemos ao traçarmos a história do
movimento feminista contemporâneo é que por todo o lado as mulheres se estavam a
revoltar contra o sexismo. Quando essas mulheres começaram a encontrar-se e a falar
umas com as outras, esta revolta coletiva começou a ser conhecida como "libertação das
mulheres" e mais tarde evoluiria e transformar-se-ia no movimento feminista. A luta
feminista acontece sempre que algures alguém, mulher ou homem, resiste ao sexismo, à
exploração sexista e à opressão. O movimento feminista acontece quando grupos de
pessoas se juntam com uma estratégia organizada, com vista a adotar medidas para a
eliminação do patriarcado.
Eu atingi a consciência feminista no lar patriarcal da minha infância. E instaurei
uma revolta feminista ao escolher uma educação superior que ia contra as crenças
patriarcais do meu pai e contra o medo que a minha mãe tinha de que demasiada educação
me deixasse "incapaz" de ser uma verdadeira mulher. Aderi ao movimento feminista no
meu segundo ano de faculdade. Por todos os campus das faculdades, as jovens envolvidas
em políticas radicais (luta pela libertação dos negros, socialismo, política antiguerra e

vii
direitos ambientais) concentravam a sua atenção no género. Inspirando-se no trabalho de
ativistas que haviam instaurado a libertação das mulheres, criando manifestos e
documentos onde manifestavam as suas posições, por toda a parte, as jovens estudantes
eram encorajadas a analisar o passado, a descobrir e a desvendar as nossas histórias
secretas, os nossos legados feministas. E, enquanto esse trabalho estava a ser realizado,
estava a ganhar vida outra área do conhecimento centrado na mulher – a teoria feminista.
Ao contrário do conhecimento feminista que se focava na recuperação da história
passada, das heroínas e escritoras esquecidas e assim por diante, ou ao contrário das obras
que documentavam a partir de uma perspetiva das ciências sociais, da realidade atual da
vida das mulheres, inicialmente a teoria feminista caracterizava-se pelo questionamento
crítico e pelo reinventar dos papéis sexistas atribuídos aos homens e às mulheres. O seu
objetivo era projetar um plano revolucionário para o movimento – que, quando fosse
concretizado, nos guiaria na direção da transformação da cultura patriarcal. Por volta do
final da década de 70, os pensadores e pensadoras feministas já estavam envolvidos na
crítica dialética do pensamento feminista que havia surgido do radicalismo do final da
década de 60. Esta crítica criou o ponto de partida para a teoria feminista revisionista.
O pensamento e a prática feministas alteraram-se fundamentalmente quando as
mulheres de cor radicais e as mulheres brancas aliadas começaram a contestar de forma
rigorosa a ideia de que o "género" era o principal fator na determinação do destino das
mulheres. Ainda me recordo de todas terem ficado indignadas, no primeiro seminário de
estudos das mulheres que frequentei – uma turma na qual todas, exceto eu, eram mulheres
brancas maioritariamente de origens privilegiadas –, quando interrompi um debate sobre
as origens do domínio em que se defendia que, quando uma criança sai do útero, o fator
considerado mais importante é o género. Declarei que quando o filho de dois pais negros
sai do útero, o fator que é considerado primeiro é a cor da pele, só depois o género, pois
a raça e o género determinarão o destino dessa criança. A observação da interligação do
caráter do género, da raça e da classe foi a perspetiva que mudou o caminho pelo qual
seguiu o pensamento feminista.
Logo no início do movimento feminista, apercebemo-nos de que era mais fácil
aceitar a realidade de que o género, a raça e a classe combinados determinavam o destino
das mulheres e que era muito mais difícil perceber a forma como este facto deveria formar
e inspirar concretamente a prática feminista. Embora as feministas falassem muitas vezes
da necessidade de construir um movimento feminista baseado nas massas, não havia uma
base sólida sobre a qual se pudesse estruturar este movimento. O movimento pela
libertação da mulher não só foi estruturado numa plataforma limitada, como chamou a
atenção principalmente para questões que eram relevantes sobretudo para as mulheres
(maioritariamente brancas) com privilégio de classe. Precisávamos de um pensamento e
de uma estratégia que traçassem uma teoria para um movimento baseado nas massas, uma
teoria que analisasse a nossa cultura do um ponto de vista feminista enraizado numa
compreensão do género, da raça e da classe. Escrevi o livro Teoria Feminista: Da
Margem ao Centro em resposta a esta necessidade.
Atualmente, tornou-se tão banal para os indivíduos que trabalham no feminismo
invocar o género, a raça e a classe que muitas vezes nos esquecemos de que inicialmente
a maioria das pensadoras feminista, muitas das quais eram brancas e originárias de classes

viii
privilegiadas, mostravam hostilidade em relação à adoção desta perspetiva. As
pensadoras feministas radicais/revolucionárias que queriam falar sobre o género partindo
de uma perspetiva raça-sexo-classe eram acusadas de serem traidoras, de destruírem o
movimento, de mudarem a ênfase. Frequentemente, o nosso trabalho era ignorado ou
criticado impiedosamente, era considerado não académico ou demasiado polémico. Nessa
altura, as mulheres negras/mulheres de cor eram encorajadas muitas vezes pelas suas
companheiras brancas a falar sobre a raça, ignorando, no entanto, as nossas opiniões sobre
todos os outros aspetos do movimento feminista. Constestámos eficazmente esta
desvalorização das nossas perspetivas, partilhando o nosso compromisso de criação de
uma teoria feminista que abordasse um maior número de preocupações feministas. Este
compromisso é o fundamento ético de Teoria Feminista: da Margem ao Centro.
Um dos aspetos mais afirmativos do movimento feminista tem sido a formação de
um ambiente intelectual em que tem havido uma crítica e uma troca dialetal contínua. Ao
ouvir as vozes de pensadores radicais (entre elas, as vozes de mulheres de cor), a
expressão da teoria e da prática feminista mudou. Muitas mulheres brancas ignorantes
abandonaram a negação e começaram a examinar novamente a forma como, no passado,
haviam falado e escrito sobre o género. Não houve nenhum outro movimento pela justiça
social na nossa sociedade que fosse tão autocrítico como o movimento feminista. A
vontade das feministas de mudar o rumo quando era necessário foi uma fonte importante
de força e de vitalidade para a luta feminista. Esta crítica interna é essencial para qualquer
transformação política. Tal como as nossas vidas não estão fixas ou estáticas, mas em
constante mudança, a nossa teoria tem de permanecer flexível, aberta e recetiva a novas
informações.
Quando o livro Teoria Feminista: da Margem ao Centro foi publicado
inicialmente, foi acolhido e elogiado pelos pensadores e pensadoras feministas que
desejavam uma nova visão. Ainda assim, alguns leitores acharam que a teoria apresentada
era "provocadora", "desestabilizadora". Os críticos utilizavam expressões como
"dissecação impiedosa" para descrever o livro. Nessa altura, as feministas convencionais
simplesmente ignoraram esta obra e qualquer outra teoria feminista que fosse considerada
"demasiado crítica" ou "demasiado radical". Na qualidade de obra visionária, Teoria
Feminista: da Margem ao Centro foi apresentado a um mundo feminista que ainda não
estava preparado para o receber. Lentamente, à medida que mais pensadores feministas
(sobretudo mulheres brancas) aceitaram olhar para o género partindo de uma perspetiva
de raça, de sexo e de classe, esta obra começou a receber a atenção que merecia. Agora,
ocupa o seu lugar entre outros textos visionários que mudaram o pensamento feminista
contemporâneo de forma positiva e construtiva.
O projeto para o movimento feminista apresentado em Teoria Feminista: da
Margem ao Centro é surpreendentemente consistente. Continuando tão relevante para a
nossa situação atual como era há anos, oferece orientações para a construção de um
movimento feminista baseado nas massas de que ainda precisamos desesperadamente.
Escrito numa linguagem muito mais acessível do que a maior parte da teoria feminista
mais atual, expressa a esperança feminista de que podemos encontrar linguagens comuns
para espalhar a palavra. Desde a sua publicação, o conhecimento e a teoria feministas
têm-se afastado das vidas da maior parte das pessoas nesta sociedade. E é esta distância

ix
que dá a sensação de o pensamento feminista ser escasso e irrelevante para a maioria das
pessoas. No livro, saliento que precisamos de obras feministas que falem para todas as
pessoas; que, sem isso, a educação feminista para a consciencialização crítica não poderá
acontecer.
O movimento feminista criou mudanças positivas profundas nas vidas de
raparigas e de rapazes, de mulheres e de homens que vivem na nossa sociedade, num
sistema político de patriarcado capitalista, imperialista e de supremacia branca. E, apesar
de a crítica ao feminismo se ter tornado banal, a realidade permanece: todos beneficiaram
das revoluções culturais postas em prática pelo movimento feminista contemporâneo.
Este mudou a forma como encaramos o trabalho, a forma como trabalhamos e a forma
como amamos. E, no entanto, o movimento feminista não criou uma revolução feminista
constante. Não acabou com o patriarcado nem erradicou o sexismo, nem a exploração
nem a opressão sexista. E, como consequência, as conquistas feministas estão sempre em
risco.
Estamos constantemente a presenciar grandes prejuízos no campo dos direitos
reprodutivos. A violência contra as mulheres e as raparigas está a disparar. A força de
trabalho restabelece diariamente os preconceitos de género. As críticas agressivas ao
feminismo culpam o movimento pela violência na família, incitando as mulheres e os
homens a virarem as costas ao pensamento feminista e a voltarem aos papéis de género
definidos pelo sexismo. Os meios de comunicação patriarcais ou criticam o feminismo
ou dizem ao público que é um movimento desnecessário, morto. As mulheres oportunistas
aplaudem o sucesso feminista, mas depois dizem-nos que o movimento já não é
necessário, uma vez que "a vida de todas as mulheres melhorou", num mundo onde as
mulheres estão rapidamente a tornar-se a maioria das pessoas pobres do nosso país, onde
ser mãe solteira é considerado pouco normal, onde não é disponibilizado qualquer apoio
do estado para ajudar os mais necessitados e indigentes, onde a maioria das mulheres de
todas as idades não tem cuidados básicos de saúde. No entanto, perante esta realidade
dramática, cada vez mais apenas se fala do discurso feminista visionário nos corredores
da elite culta. Se por lá continuar, a mensagem feminista não será ouvida e, por fim, o
movimento feminista acabará.
Para começarmos de novo a luta feminista, para garantirmos que nos estamos a
dirigir para o futuro feminista, continuamos a precisar de uma teoria feminista que chegue
a todos, que lhe mostre de que o movimento feminista pode mudar as suas vidas para
melhor. Esta teoria, tal como a análise apresentada em Teoria Feminista: da Margem ao
Centro, irá sempre desafiar, agitar, provocar, mudar os nossos paradigmas, mudar a nossa
forma de pensar, mudar a nossa atitude. É isto que a revolução faz. E a revolução
feminista é necessária se queremos viver num mundo sem sexismo; onde predomine a
paz, a liberdade, a justiça; onde não haja domínio. Se seguirmos um caminho feminista,
é a isso que ele leva. Teoria Feminista: da Margem ao Centro continuará a iluminar o
caminho.

x
Prefácio

Estar à margem significa pertencer ao todo, mas estar fora do corpo principal. Na
qualidade de americanos negros a viver numa pequena cidade em Kentucky, as linhas de
caminho-de-ferro recordavam-nos diariamente a nossa marginalidade. Do outro lado
dessas linhas, havia ruas pavimentadas, lojas onde não podíamos entrar, restaurantes onde
não podíamos comer e pessoas que não podíamos olhar diretamente nos olhos. Do outro
lado dessas linhas, havia um mundo onde podíamos trabalhar como criadas, como
contínuos, como prostitutas, desde que fosse na condição de serviço. Podíamos entrar
naquele mundo, mas não podíamos viver lá. Tínhamos sempre de regressar à margem, de
atravessar aquelas linhas, até às barracas e casas abandonadas na periferia da cidade.
Havia leis para garantir o nosso regresso. Não regressar significava arriscar a ser-se
punido. Ao viver como vivíamos – na periferia –, desenvolvemos uma maneira peculiar
de ver a realidade. Olhávamos tanto de fora para dentro como de dentro para fora.
Concentrávamos a nossa atenção no centro, mas também na margem. Compreendíamos
ambos. Esta maneira de ver lembrava-nos que existia todo um universo, um corpo
principal composto por margem e centro. A nossa sobrevivência dependia de uma
contínua sensibilização pública da separação da margem e do centro e de um contínuo
reconhecimento privado de que éramos uma parte necessária e vital desse todo.
Esta noção de totalidade, gravada na nossa consciência através da estrutura do nosso
quotidiano, proporcionou-nos uma visão do mundo antagónica – um modo de ver
desconhecido pelos nossos opressores e que nos sustentava auxiliou-nos na nossa luta
contra a pobreza e o desespero, fortaleceu a nossa noção de nós mesmos e a nossa
solidariedade.
Foi a vontade de explorar todas as possibilidades que determinou a minha
perspetiva ao escrever Teoria Feminista da margem ao centro. Muitas teorias feministas
foram criadas por mulheres privilegiadas que vivem no centro, cuja visão da realidade
raramente inclui o conhecimento e a consciência das vidas de mulheres e homens que
vivem na margem. Consequentemente, a teoria feminista carece de totalidade, carece de
uma análise alargada que possa abranger diversas experiências humanas. Embora os
teóricos feministas compreendam a necessidade de desenvolver ideias e análises que
abranjam um alargado número de experiências que unifiquem, em vez de polarizar, tal
teoria de formação é complexa e lenta. No seu ponto mais visionário, irá surgir de
indivíduos que tenham conhecimento tanto da margem como do centro.
Foi a escassez de material escrito por mulheres negras e sobre mulheres negras que
me levou a começar a pesquisa e redação de Ain't I A Woman: black women and feminism.
Foi a inexistência de uma teoria feminista que abordasse a margem e o centro que me

xi
levou a escrever este livro. Nas páginas que se seguem, exploro as limitações de vários
aspetos da teoria e prática feminista, sugerindo novas direções. Tento evitar a repetição
de novas ideias que sejam extensamente conhecidas e debatidas, concentrando-me, em
vez disso, na exploração de diferentes problemas ou novas perspetivas de um problema
já existente. Consequentemente, alguns capítulos são extensos e outros relativamente
curtos; nenhum deles pretende ser uma análise detalhada. Ao longo da obra, a formação
do meu pensamento parte da convicção de que o feminismo tem de se tornar um
movimento político baseado nas massas para ter um impacto revolucionário e
transformativo na sociedade.

xii
1. MULHERES NEGRAS: FORMAÇÃO DA TEORIA
FEMINISTA

Nos Estados Unidos, o feminismo nunca partiu das mulheres mais vitimizadas pela
opressão sexista; das mulheres que são massacradas diariamente quer mental, quer
espiritualmente – mulheres que não têm o poder de mudar a sua condição de vida. Elas
são uma maioria silenciosa. Um sinal da sua vitimização é a aceitação do seu destino sem
aparente questionamento, sem protestos organizados, sem indignação, nem fúria coletiva.
O livro The Feminine Mystique1 de Betty Friedan continua a ser aclamado por ter
preparado o caminho para o movimento feminista contemporâneo – foi escrito como se
essas mulheres não existissem. (Embora o livro The Feminine Mystique tenha sido
criticado e até atacado por diversas frentes, chamo a atenção para a obra, pois algumas
premissas tendenciosas acerca da índole do estatuto social da mulher colocadas em
evidência inicialmente neste texto continuam a formar o teor e a direção do movimento
feminista.) A famosa expressão de Friedan, "o problema que não tem nome", citada
frequentemente para descrever a condição da mulher nesta sociedade, referia-se, na
verdade, à situação difícil do grupo restrito de mulheres brancas casadas, com formação
académica, pertencentes à classe média e alta – donas de casa aborrecidas com o tempo
livre, com a casa, com os filhos, com as compras e que queriam mais da vida. Friedan
termina o seu primeiro parágrafo dizendo: "Não podemos continuar a ignorar a voz dentro
das mulheres que diz: «Eu quero algo mais, para além do meu marido, dos meus filhos e
da minha casa»". A autora define este "mais" como carreiras. Não referiu quem seria
chamado a tomar conta das crianças e a cuidar do lar se mais mulheres como ela fossem
libertadas dos seus trabalhos domésticos e beneficiassem da igualdade de acesso às
profissões como os homens brancos. Não falou das necessidades das mulheres sem
maridos, sem filhos, sem lares. Ignorou a existência de mulheres não brancas e de
mulheres brancas pobres. Não disse aos leitores se ser uma criada, uma ama, uma
trabalhadora fabril, uma empregada de balcão ou uma prostituta é mais gratificante do
que ser uma dona de casa pertencente à classe do lazer.
Tentou colocar a sua situação, e a situação das mulheres brancas como ela, em
paralelo com a condição que afeta todas as mulheres americanas. Ao fazê-lo, desviou a
atenção das suas atitudes classistas, racistas e sexistas relativamente às massas de
mulheres americanas. No contexto do seu livro, Friedan deixa claro que as mulheres que
considerava vitimizadas pelo sexismo eram as mulheres brancas com formação
académica que eram obrigadas, pelo condicionamento sexista, a ficar em casa. Afirma:

É urgente compreender que a própria condição de dona de casa pode criar um sentimento
de vazio e de nada, de não existência, nas mulheres. Há aspetos do papel da dona de casa
que tornam quase impossível que a mulher de inteligência adulta conserve a noção de
identidade humana, um âmago firme de si mesma ou do "Eu", sem o qual um ser humano,

1 Traduzido para o português do Brasil por Áurea B. Weissenberg (A Mística Feminina) (N. da T.)

1
homem ou mulher, não está verdadeiramente vivo. Estou convencida de que, hoje em
dia, na América, há algo no próprio estatuto de dona de casa que é perigoso para as
mulheres com capacidades.

Os problemas e dilemas específicos das donas de casa pertencentes à classe do lazer


eram problemas verdadeiros, dignos de atenção e de mudança, mas não eram as
preocupações políticas mais urgentes das massas de mulheres. Estas mulheres estavam
preocupadas com a sobrevivência económica, a discriminação étnica e racial, etc. Quando
Friedan escreveu The Feminine Mystique, mais de um terço das mulheres pertenciam à
força de trabalho. Embora muitas mulheres desejassem ser donas de casa, só as mulheres
com tempo livre e dinheiro podiam verdadeiramente formar as suas identidades segundo
o modelo da mística feminina. Eram mulheres a quem, nas palavras de Friedan, havia
sido "dito pelos pensadores mais avançados dos nossos tempos para viverem as suas
vidas, novamente, como Noras2, confinadas pelos preconceitos vitorianos à casa de
bonecas."
Tendo em conta as suas primeiras obras, é visível que Friedan nunca se questionou
se a situação das donas de casa brancas com formação era ou não um ponto de referência
adequado para avaliar o impacto do sexismo ou da opressão sexista na vida das mulheres
da sociedade americana. Também não foi além da sua própria experiência de vida para
adquirir uma perspetiva alargada da vida das mulheres nos Estados Unidos. Não digo isto
para difamar a sua obra. Continua a ser uma discussão importante sobre o impacto da
discriminação sexista num grupo restrito de mulheres. Analisado de uma perspetiva
diferente, também pode ser considerado um estudo de caso sobre o narcisismo, a
insensibilidade, o sentimentalismo e a autocomplacência, que atinge o seu auge quando
Friedan, num capítulo intitulado "Progressive Dehumanization" ("Desumanização
Progressiva"), faz uma comparação entre os efeitos psicológicos do isolamento das donas
de casa brancas e o impacto que a prisão teve no autoconceito dos prisioneiros nos campos
de concentração nazis.
Friedan foi uma das primeiras formadoras do pensamento feminista
contemporâneo. Significativamente, o ponto de vista unidimensional relativamente à
realidade das mulheres apresentado no seu livro tornou-se uma característica marcante do
movimento feminista contemporâneo. Assim como Friedan, hoje em dia, as mulheres
brancas que dominam o discurso feminista raramente se questionam se o seu ponto de
vista relativamente à realidade das mulheres é ou não verdadeiro, tendo em conta as
experiências vividas pelas mulheres como um grupo coletivo. Também não
compreendem em que medida os seus pontos de vista refletem preconceitos de raça e
classe, embora, nos últimos anos, tenha havido uma maior sensibilização em matéria de
preconceitos. Existe um grande número de obras de feministas brancas em que o racismo
está presente, o que apoiou, assim, a supremacia branca e negou a possibilidade de as
mulheres se unirem politicamente para além das fronteiras étnicas e raciais. A ligação
entre raça e classe foi suprimida pelas feministas que se negaram a chamar a atenção para

2Nora, personagem principal na peça "Casa de bonecas" (1879), do dramaturgo norueguês Henrik Ibsen.
(N. da T.)

2
as hierarquias raciais e a atacá-las. Apesar disso, a estrutura de classes na sociedade
americana tem sido formada pela política racial da supremacia branca; só através da
análise do racismo e das suas funções na sociedade capitalista é que pode surgir uma
compreensão aprofundada das relações de classe. A luta de classes está intimamente
ligada à luta contra o racismo. Incitando as mulheres a explorar as implicações das
classes, num primeiro ensaio, "The Last Straw", Rita Mae Brown explica:

A classe é muito mais do que a definição dada por Marx da relação com os meios de
produção. A classe envolve o nosso comportamento, o que consideramos os princípios
básicos da vida. A nossa experiência (determinada pela nossa classe) corrobora estes
princípios: como somos ensinados a comportar-nos, o que se espera de nós mesmos e de
outros, o nosso conceito de futuro, como entendemos os problemas e os resolvemos,
como pensamos, sentimos, agimos. São estes padrões de comportamento que as
mulheres da classe média se recusam a reconhecer, apesar de estarem perfeitamente
dispostas a aceitar as classes em termos marxistas, um belo truque que lhes permite
efetivamente não ter de lidar com o comportamento de classes nem ter de mudar esse
comportamento em si mesmas. São estes padrões de comportamento que têm de ser
reconhecidos, compreendidos e alterados.

As mulheres brancas que dominam o discurso feminista, que, na sua maioria,


elaboram ou articulam a teoria feminista, pouco ou nada compreendem da supremacia
branca como política racial, do impacto psicológico das classes e do seu estatuto político
dentro de um estado racista, sexista e capitalista.
É esta falta de sensibilização que leva, por exemplo, Leah Fritz a escrever em
Dreamers and Dealers, uma reflexão sobre o atual movimento das mulheres, publicado
em 1979:

O sofrimento das mulheres sob a tirania sexista é um elo comum que liga todas as
mulheres, transcendendo os detalhes das diferentes formas que a tirania assume. O
sofrimento não pode ser medido nem comparado quantitativamente. Será a ociosidade
forçada e a vacuidade da mulher "rica", que a levam à loucura e/ou ao suicídio, maior ou
menor do que o sofrimento da mulher pobre que mal sobrevive com assistência social,
mas que, de alguma maneira, mantém o seu ânimo? Não existe uma maneira de medir
essa diferença, mas, se estas duas mulheres se entrevistassem uma à outra, sem a cortina
da classe patriarcal, poderiam encontrar uma similitude, no sentido em que ambas são
oprimidas, ambas são infelizes.

A declaração de Fritz é outro exemplo da ilusão, tal como a mistificação consciente das
divisões sociais entre mulheres, que tem vindo a caracterizar uma grande parte da atitude
feminista. Embora seja evidente que muitas mulheres sofrem com a tirania sexista, há

3
poucos indícios de que isto estabeleça "um elo comum que liga todas as mulheres".
Existem muitas provas que comprovam a realidade de que a identidade racial e de classes
cria diferenças na qualidade de vida, no estatuto social e no estilo de vida que prevalecem
sobre a experiência comum partilhada pelas mulheres – diferenças que raramente são
ultrapassadas. Os motivos que levam estas mulheres brancas, formadas e privilegiadas a
nível material, com uma variedade de opções de emprego e estilo de vida ao seu dispor,
a insistirem que "o sofrimento não pode ser medido" têm de ser questionados. Fritz não
é, de forma alguma, a primeira feminista branca a fazer esta afirmação. É uma afirmação
que nunca ouvi nenhuma mulher pobre de qualquer raça proferir. Embora possa contestar
muitos aspetos de Liberating Feminism, uma crítica ao movimento das mulheres escrita
por Benjamin Barber, concordo com a sua declaração:

O sofrimento não é necessariamente uma experiência estática e universal que possa ser
medida por uma única régua: está associado ao contexto, às necessidades e às ambições.
Mas têm de existir parâmetros históricos e políticos para a utilização do termo para que
as prioridades políticas possam ser estabelecidas e as diferentes formas e graus de
sofrimento possam receber mais ou menos atenção.

O princípio fundamental do pensamento moderno feminista tem sido a afirmação


de que "todas as mulheres são oprimidas". Esta afirmação pressupõe que as mulheres
partilham um destino comum, que fatores como classe, raça, religião e preferência sexual,
etc. não criam uma diversidade de experiências que determina em que medida o sexismo
será uma força opressora na vida de cada mulher. O sexismo está institucionalizado como
sistema de domínio, porém nunca determinou de forma absoluta o destino de todas as
mulheres nesta sociedade. Ser oprimido significa a ausência de escolhas. É o principal
ponto de contacto entre o opressor e o oprimido. Muitas mulheres nesta sociedade têm
escolha (por mais inadequada que seja), portanto "exploração" e "discriminação" são
palavras que descrevem com maior precisão a situação das mulheres coletivamente nos
Estados Unidos da América. Muitas mulheres não aderem à resistência organizada contra
o sexismo precisamente porque o sexismo não significa uma ausência total de escolha.
Estas sabem que são vítimas de discriminação em função do seu sexo, mas não equiparam
esta discriminação à opressão. Dentro do capitalismo, o patriarcado está estruturado de
forma a que o sexismo limite o comportamento das mulheres em alguns domínios, mesmo
que não haja limitações noutras áreas. A ausência de restrições severas leva a que muitas
mulheres ignorem as áreas em que são exploradas ou discriminadas; pode até levá-las a
imaginar que nenhuma mulher é oprimida.
Existem mulheres oprimidas nos Estados Unidos e é pertinente, e necessário, que
nos pronunciemos contra esta opressão. A feminista francesa Christine Delphy prova, no
seu ensaio "For a Materialist Feminism", que a utilização do termo "opressão" é
importante, porque insere a luta feminista num enquadramento político radical (Pode ler
o debate mais detalhado sobre a perspetiva de Christine Delphy na sua coleção de ensaios,
da sua obra Close to Home.):

4
O renascimento do feminismo coincidiu com a utilização do termo "opressão". A
ideologia dominante, i.e., o bom senso, o discurso do dia-a-dia, não fala sobre a opressão,
mas antes sobre a "condição feminina". Este termo refere-se a uma explicação
naturalista: a uma restrição da natureza, realidade exterior fora do alcance e não
modificável pela ação humana. Pelo contrário, o termo "opressão" refere-se a uma
escolha, a uma explicação, a um contexto que é político. A "opressão" e a "opressão
social" são, portanto, sinónimos, ou melhor, "opressão social" é uma redundância: a ideia
de uma origem política, isto é, social, é uma parte integrante do conceito de opressão.

Contudo, a ênfase feminista na "opressão comum", nos Estados Unidos, não era tanto
uma estratégia de politização, mas antes uma apropriação, por parte das mulheres
conservadoras e liberais, de um vocabulário político radical que encobria a maneira como
formavam o movimento para que este abordasse e promovesse os seus interesses de
classes.
Ainda que o incentivo à união e à empatia que fundamentava a ideia de opressão
comum estivesse direcionado para a construção de solidariedade, slogans como
"organize-se em torno da sua própria opressão" forneceram a desculpa de que muitas
mulheres privilegiadas precisavam para ignorar as diferenças entre o seu estatuto social e
o estatuto das restantes mulheres. Conseguirem transformar os seus interesses no
principal objetivo do movimento feminista e utilizarem uma retórica de generalização que
tornou a sua condição sinónima de "opressão" era um sinal do privilégio de raça e de
classe das mulheres brancas da classe média, bem como uma expressão de liberdade das
muitas restrições que o sexismo coloca às mulheres da classe trabalhadora. Quem podia
exigir uma mudança de vocabulário? Que outro grupo de mulheres, nos Estados Unidos,
tinha acesso a universidades, editoras, meios de comunicação e dinheiro? Se as mulheres
negras da classe média tivessem começado um movimento no qual se rotulassem a elas
próprias de "oprimidas", ninguém as teria levado a sério. Se tivessem criado fóruns e feito
discursos sobre a sua "opressão", teriam sido criticadas e atacadas por todas as partes. Isto
não se sucedia com as feministas brancas burguesas, porque elas podiam atrair um público
grande de mulheres que, como elas, estavam ansiosas por mudar o seu destino. O seu
isolamento das mulheres de outras classes e de outras raças não estabelecia uma base
comparativa imediata através da qual pudessem ser testadas as suas premissas sobre a
opressão comum.
Inicialmente, algumas participantes radicais do movimento das mulheres exigiram
que as mulheres ultrapassassem esse isolamento e criassem um espaço de contacto.
Antologias como Liberation Now, Women's Liberation: Blueprint for the Future, Class
and Feminism, Radical Feminism, e Sisterhood Is Powerful, todas publicadas no início
dos anos 1970, incluíam artigos que se dirigiam a um público mais alargado de mulheres,
um público que não era exclusivamente branco, da classe média, formado e adulto (muitas
têm artigos sobre adolescentes). Sookie Stambler expressou este espírito radical na sua
introdução de Women's Liberation: Blueprint for the Future:

As mulheres pertencentes ao movimento estiveram sempre desligadas da necessidade

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que os media têm de criar celebridades e estrelas. Isto vai contra a nossa filosofia
fundamental. Não nos podemos identificar com as mulheres do nosso nível que nos
dominam com prestígio e fama. Não estamos em luta pelo benefício de uma mulher ou
de um grupo de mulheres. Lidamos com problemas que dizem respeito a todas as
mulheres.

Este sentimento, partilhado por muitas feministas no início do movimento, não foi
apoiado. À medida que mais mulheres adquiriam prestígio, fama ou dinheiro através de
obras feministas ou através dos lucros dos movimentos feministas para a igualdade no
local de trabalho, o oportunismo individual prejudicou os apelos à luta coletiva. As
mulheres que não se opunham ao patriarcado, ao capitalismo, ao classismo ou ao racismo
identificavam-se como "feministas". As suas expectativas eram variadas. As mulheres
privilegiadas queriam igualdade social para com os homens da sua classe social; algumas
mulheres queriam igualdade salarial pelo mesmo trabalho; outras queriam um estilo de
vida diferente. Muitas destas preocupações legítimas foram cooptadas pelo patriarcado
capitalista no poder. A feminista francesa Antoinette Fouque afirma:

As ações propostas pelos grupos feministas são incríveis, são provocadoras. Mas a
provocação só revela um certo número de contradições sociais. Não divulga contradições
radicais dentro da sociedade. As feministas alegam que não procuram igualdade para
com os homens, mas a sua conduta prova o contrário. As feministas são uma vanguarda
burguesa que preserva, de forma invertida, os valores dominantes. A inversão não facilita
a passagem para outro tipo de estrutura. O reformismo adequa-se a todos! A ordem
burguesa, o capitalismo, o falocentrismo estão prontos a integrar o maior número
possível de feministas. Uma vez que estas mulheres se estão a tornar homens, no final
de contas isso só significará mais alguns homens. A diferença entre os sexos não é se se
tem ou não um pénis, é se se faz ou não parte de uma economia fálica masculina.

As feministas, nos Estados Unidos, estão cientes das contradições. Carol Ehrlich
revela, no seu ensaio, "The Unhappy Marriage of Marxism and Feminism: Can It Be
Saved?", que "o feminismo parece cada vez mais assumir uma perspetiva cega, segura e
não revolucionária", enquanto "o radicalismo feminista perde terreno para o feminismo
burguês", realçando que "não podemos deixar que isto continue":

As mulheres precisam de saber (e, cada vez mais, é-lhes omitido) que feminismo não é
vestir-se para o sucesso ou tornar-se uma executiva de uma empresa ou obter uma função
eletiva; não se trata da possibilidade de ter um casamento em que os dois têm profissões
e fazer férias numa estância de ski e passar muito tempo com o marido e dois filhos
encantadores, porque se tem uma empregada doméstica que possibilita isso, mas que não

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tem tempo ou dinheiro para o fazer ela também; não se trata de abrir um Women’s Bank3
ou passar um fim de semana num seminário caro que ensina a ser-se assertiva (mas não
agressiva); não se trata, veementemente, de se tornar uma detetive de polícia ou uma
agente da CIA ou um general do Corpo de Fuzileiros.
Mas se esta imagem deturpada do feminismo é mais real do que a nossa, a culpa é,
em parte, nossa. Não trabalhámos tão arduamente como deveríamos para fornecer uma
análise alternativa clara e significativa que vá ao encontro da vida das pessoas e para
constituir grupos ativos e acessíveis nos quais se possa trabalhar.

Não é por acaso que a luta feminista foi tão facilmente cooptada para servir os
interesses das feministas conservadoras e liberais, uma vez que o feminismo, nos Estados
Unidos, tem sido, até agora, uma ideologia burguesa. Zillah Eisenstein discute as origens
liberais do feminismo norte-americano em The Radical Future of Liberal Feminism,
esclarecendo, na introdução:

Uma das maiores contribuições que encontrará neste estudo é o papel que a ideologia do
individualismo liberal teve na construção da teoria feminista. As feministas dos dias de
hoje optam por não debater a teoria da individualidade ou por adotar inconscientemente
a ideologia competitiva e isoladora do individualismo liberal. Há muita confusão
relativamente a esta questão presente na teoria feminista que debatemos aqui. Até ser
feita uma diferenciação consciente entre a teoria da individualidade que reconhece a
importância do indivíduo dentro da coletividade social e a ideologia do individualismo
que assume uma visão competitiva do indivíduo, não haverá uma explicação detalhada
de como a teoria feminista da libertação deve ser na nossa sociedade ocidental.

A ideologia do "individualismo liberal competitivo e isolador" permeou de tal modo


o pensamento feminista, que prejudicou o eventual radicalismo da luta feminista. A
usurpação que as mulheres burguesas fizeram do feminismo para corroborar os seus
interesses de classe tem sido, de um modo gravíssimo, justificada pela teoria feminista tal
como esta tem sido concebida. (Por exemplo, a ideologia da "opressão comum".)
Qualquer movimento de resistência à cooptação da luta feminista deve começar pela
introdução de uma perspetiva feminista diferente – uma nova teoria – que não atenda a
considerações da ideologia do individualismo liberal.
As práticas de exclusão por parte das mulheres que dominam o discurso feminista
tornam quase impossível o aparecimento de novas teorias mais variadas. O feminismo
tem as suas ideias e objetivos e as mulheres que sentem necessidade de uma estratégia ou
base diferente são, muitas vezes, ostracizadas e silenciadas. Não são encorajadas críticas
e novas alternativas às ideias feministas, como mostraram, por exemplo, as polémicas
recentes relativamente à expansão dos discursos feministas sobre a sexualidade. No

3 Women’s Bank (Banco das Mulheres), um banco que tem como objetivo ajudar o
financiamento das mulheres dos países em desenvolvimento. (N. da T.)

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entanto, os grupos de mulheres que se sentem excluídas do discurso e da prática
feministas só podem criar um espaço para si se primeiro tomarem consciência, por
intermédio das críticas, dos fatores que os distanciam deles. Muitas mulheres brancas
encontraram individualmente no movimento das mulheres uma solução libertadora para
os seus dilemas pessoais. Tendo beneficiado diretamente do movimento, sentem-se
menos tentadas a criticá-lo ou a examinar minuciosamente a sua estrutura do que aquelas
que não sentiram qualquer impacto revolucionário do movimento nas suas vidas ou nas
vidas de grande parte das mulheres na nossa sociedade. As mulheres não brancas que se
sentem afirmadas dentro da atual estrutura do movimento feminista (apesar de formarem
grupos autónomos) também sentem que a sua definição de ideias e objetivos, quer
relativamente ao feminismo negro, quer a outros problemas, é o único discurso legítimo.
Em vez de encorajarem uma diversidade de vozes, o diálogo crítico e a polémica,
procuram, tal como algumas mulheres brancas, reprimir a dissensão. No papel de ativistas
e escritoras cujas obras são vastamente conhecidas, agem como se tivessem capacidade
de avaliar se as vozes de outras mulheres devem ou não ser ouvidas. Susan Griffin alerta
para esta tendência generalizada de dogmatismo no seu ensaio "The Way of All
Ideology":

Quando uma teoria é transformada numa ideologia, começa por se destruir a si mesma e
ao seu autoconhecimento. Inicialmente criada a partir do sentimento, finge pairar acima
e em volta do sentimento. Acima da sensação. Organiza a experiência segundo si mesma,
sem lhe tocar. Por força de ser ela própria, é suposto que saiba. Invocar o nome desta
ideologia é conferir veracidade. Ninguém lhe pode contar nada de novo. A experiência
deixa de a surpreender, de a informar, de a transformar. Fica indignada com qualquer
detalhe que não se enquadre na sua visão do mundo. Começou como um clamor contra
a negação da verdade, agora nega qualquer verdade que não se enquadre no seu plano.
Começou como uma forma de restituição da nossa noção de realidade, agora tenta
disciplinar pessoas reais, refazer seres naturais à sua própria imagem. Tudo o que não
consegue explicar regista como seu inimigo. Começou como uma teoria de libertação,
sente-se ameaçada por novas teorias de libertação; constrói uma prisão para a mente.

Resistimos ao domínio hegemónico do pensamento feminista ao insistirmos que se


trata de uma teoria em construção, e que temos, forçosamente, de criticar, questionar,
reexaminar e explorar novas possibilidades. A minha crítica persistente tem-se baseado
no meu estatuto de membro de um grupo oprimido, pela experiência de exploração sexual
e discriminação, e pela sensação de que a análise feminista vigente não é a força que tem
formado a minha consciência feminista. Isto aplica-se a muitas mulheres. Existem
mulheres brancas que nunca ponderaram resistir ao domínio masculino até o movimento
feminista ter chamado a atenção para a possibilidade e para o dever de o fazerem. A minha
consciencialização da luta feminista foi estimulada pela conjuntura social. Por ter
crescido numa casa sulista de negros da classe trabalhadora, dominada pelo pai, vivenciei
(assim como a minha mãe, as minhas irmãs e o meu irmão) vários níveis de tirania

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patriarcal, o que me deixava indignada – nos deixava a todos indignados. Essa indignação
levou-me a questionar a política do domínio masculino e deu-me a possibilidade de
resistir à sociabilização sexista. Muitas vezes, as feministas brancas agem como se as
mulheres negras não soubessem da existência de opressão sexista até elas terem
expressado o sentimento feminista. Acreditam que estão a proporcionar às mulheres
negras "a" análise e "o" projeto para a libertação. Não compreendem, nem sequer
imaginam, que as mulheres negras, assim como outros grupos de mulheres que vivem
diariamente em situações opressivas, frequentemente adquirem consciência da política
patriarcal a partir da sua experiência de vida, tal como desenvolvem estratégias de
resistência (mesmo que não resistam numa base sustentada e organizada).
Estas mulheres negras observaram a preocupação das feministas brancas para com
a tirania masculina e a opressão das mulheres como se fosse uma "nova" revelação e
sentiram que tal preocupação tinha um impacto reduzido nas suas vidas. Para as mulheres
negras, era apenas mais um indicador das condições de vida privilegiadas das mulheres
brancas da classe média e alta, que precisariam de uma teoria para as informar de que
eram "oprimidas". O que significa que as pessoas que são verdadeiramente oprimidas o
sabem, mesmo que não participem em resistências organizadas nem consigam expressar
por escrito o caráter da sua opressão. Estas mulheres negras não viam nada de libertador
nas análises partidárias da opressão das mulheres. Nem o facto de as mulheres negras não
se terem organizado coletivamente em grande número em torno dos problemas do
"feminismo" (muitas de nós não conhecem nem sequer utilizam o termo) nem o facto de
não termos tido acesso ao equipamento do poder, que nos permitiria partilhar as nossas
análises e teorias a respeito do género com o público americano, nega a sua presença nas
nossas vidas ou nos coloca numa posição de dependência em relação àquelas feministas
brancas e não brancas que se dirigem a um público maior.
O que eu entendia por política patriarcal, aos treze anos, fez-me criar expectativas
sobre o movimento feminista bastante diferentes das das jovens brancas da classe média.
Quando ingressei na minha primeira turma de Estudos Feministas, na Universidade de
Stanford, no início dos anos 1970, as mulheres brancas festejavam de alegria por estarem
juntas – para elas, era uma ocasião importante e memorável. Eu não tinha conhecimento
de uma vida em que as mulheres não estivessem juntas, em que as mulheres não se
ajudassem, protegessem ou amassem profundamente umas às outras. Não conhecia
mulheres brancas que ignorassem o impacto da raça e da classe no seu estatuto social e
na sua consciência (as mulheres brancas sulistas, muitas vezes, tinham uma perspetiva
mais realista sobre o racismo e o classismo do que as mulheres brancas de outras áreas
dos Estados Unidos). Não sentia qualquer simpatia para com as colegas brancas que
afirmavam que eu não podia exigir que elas conhecessem ou compreendessem as
experiências de vida das mulheres negras. Apesar das minhas origens (a morar em
comunidades onde havia segregação racial), eu sabia como era a vida das mulheres
brancas e, seguramente, não vivia nenhuma mulher branca na minha vizinhança, nem
frequentava as nossas escolas ou trabalhava nas nossas casas.
Sempre que participava em grupos feministas, apercebia-me de que as mulheres
brancas assumiam uma atitude condescendente para comigo e para com outras
participantes não brancas. A condescendência que dirigiam às mulheres negras era uma

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das maneiras que tinham de nos recordar que o movimento das mulheres era "delas" –
que nós podíamos participar porque elas assim o permitiam, e até encorajavam; afinal,
nós éramos necessárias para legitimar o processo. Não nos viam como semelhantes. Não
nos tratavam como semelhantes. E, embora quisessem que nós disponibilizássemos
relatos em primeira mão das experiências dos negros, consideravam seu o papel de decidir
se estas experiências eram autênticas. Muitas vezes, as mulheres negras com formação
académica (mesmo as de origens pobres e da classe trabalhadora) eram postas de lado,
como meras imitadoras. A nossa presença nas atividades do movimento não era válida,
uma vez que as mulheres brancas estavam convencidas de que a "verdadeira" negritude
era sinónimo de gíria dos negros pobres, de não ter estudos, de ser astuto e uma panóplia
de outros estereótipos. Se nos atrevêssemos a criticar o movimento ou a assumir
responsabilidades pela formação de ideias feministas ou pela introdução de novas ideias,
as nossas vozes eram abafadas, ignoradas, silenciadas. Só éramos ouvidas se as nossas
declarações fizessem eco dos sentimentos do discurso dominante.
Raramente se escreve sobre as tentativas das feministas brancas de silenciar as
mulheres negras. Acontecem demasiadas vezes em salas de conferências, salas de aula ou
no ambiente acolhedor e privado de uma sala de estar, onde uma única mulher negra
enfrenta a hostilidade racista de um grupo de mulheres brancas. Desde o início do
movimento pela libertação das mulheres, as mulheres negras juntaram-se a grupos.
Muitas nunca mais lá voltaram depois da primeira reunião. Anita Cornwell está certa
quando diz em "Three for the Price of One: Notes from a Gay Black Feminist":
"Lamentavelmente, o medo de se deparar com racismo é uma das razões pelas quais tantas
mulheres negras se recusam a aderir ao movimento das mulheres".* O destaque dado
recentemente à questão do racismo provocou diálogo, contudo teve um impacto reduzido
no comportamento das feministas brancas em relação às mulheres negras. Muitas vezes,
as mulheres brancas que estão ocupadas a publicar artigos e livros sobre "desaprender o
racismo" continuam a ser condescendentes no que diz respeito a mulheres negras. O que
não surpreende visto que frequentemente o seu discurso é direcionado exclusivamente
para um público branco e a atenção é dada exclusivamente à mudança de atitudes, em vez
de abordarem o racismo num contexto histórico e político. Fazem de nós os "objetos" do
seu discurso privilegiado sobre a raça. Na condição de "objetos", permanecemos
desiguais, inferiores. Embora possam estar genuinamente preocupadas com o racismo, a
sua metodologia sugere que ainda não estão livres do tipo de paternalismo endémico da
ideologia de supremacia branca. Algumas destas mulheres colocam-se na posição de
"autoridades" que têm de mediar a comunicação entre as mulheres brancas racistas
(acreditam, evidentemente, que já se reconciliaram com o racismo) e as mulheres negras
indignadas, que são, segundo elas, incapazes de um discurso racional. Naturalmente, o
sistema do racismo, do classismo e da educação elitista permanecerá intacto se elas a
adotar as suas posições autoritárias.
Em 1981, na licenciatura, matriculei-me num seminário de teoria feminista, em que
me foi entregue uma lista de livros para ler, escritos por mulheres e homens brancos e
um homem negro, contudo, nenhum escrito por uma mulher negra, indígena americana,
latina ou asiática, ou mesmo sobre alguma destas. Quando critiquei este lapso, as
mulheres brancas dirigiram-se a mim de forma tão indignada e hostil que tive dificuldade

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em participar no seminário. Quando fiz ver que o objetivo desta indignação coletiva era
criar uma atmosfera na qual me seria psicologicamente insuportável pronunciar-me nos
debates ou, até mesmo, frequentar o seminário, disseram-me que não estavam indignadas.
Era eu que estava indignada. Algumas semanas após o seminário ter terminado, recebi
uma carta aberta de uma estudante branca reconhecendo a sua indignação e manifestando
o seu arrependimento pelos seus ataques. Escreveu:

Eu não te conhecia. Eras negra. Nas aulas, depois de algum tempo, apercebi-me de que
seria sempre eu a responder a qualquer coisa que dissesses. E, normalmente, era para
contradizer. Não que a discussão fosse sempre sobre o racismo, de forma alguma. Mas
penso que a lógica por detrás disso era que, se eu pudesse provar que estavas errada em
relação a uma coisa, então tu podias não estar certa em relação a nada.

Num outro parágrafo:

Um dia, eu disse na aula que algumas pessoas estavam menos aprisionadas pela visão do
mundo de Platão do que outras. Disse que achava que nós, após quinze anos de formação,
graças à classe dominante, podemos estar mais aprisionadas do que outros que não
receberam um começo de vida tão próximo do coração do monstro. A minha colega de
turma, outrora minha amiga chegada, irmã, não fala comigo desde essa altura. Penso que
a possibilidade de nós não termos sido as melhores porta-vozes de todas as mulheres a
tenha feito temer pelo seu amor-próprio e pelo seu Doutoramento.

Muitas vezes, em situações em que as feministas brancas atacavam agressivamente


as mulheres negras individualmente, consideravam-se elas próprias as vítimas do ataque.
Durante um debate aceso com outra estudante branca, num grupo de mulheres racialmente
diverso que organizei, ela disse-me que tinha ouvido falar sobre a forma como eu tinha
"arrasado" as pessoas do seminário de teoria feminista e que ela tinha medo de ser
"arrasada" também. Recordei-lhe que eu era uma pessoa a falar para um grupo grande de
pessoas indignadas e agressivas; dificilmente teria sido eu a dominar a situação. Fui eu
que saí da aula em lágrimas e não as pessoas que eu supostamente teria "arrasado".
Os estereótipos racistas sobre as mulheres negras serem fortes e super-humanas são
mitos que atuam nas mentes de muitas mulheres brancas, permitindo-lhes ignorar a
vitimização das mulheres negras nesta sociedade e o papel que as mulheres brancas
desempenham na conservação e perpetuação dessa vitimização. Na obra autobiográfica
de Lillian Hellman, Pentimento, esta escreve: "Ao longo de toda a minha vida, começando
pelo nascimento, recebi ordens de mulheres negras, querendo-as, mas ficando indignada
com elas, tornando-me supersticiosa nas poucas vezes que desobedecia". As mulheres
negras que Hellman descreve trabalhavam como criadas em sua casa e nunca tinham um
estatuto de semelhantes. Mesmo enquanto criança, ela estava sempre na posição
dominante sempre que a questionavam, aconselhavam ou guiavam; tinham liberdade para
exercitar esses direitos, porque ela ou outra figura autoritária branca assim o permitia.

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Hellman coloca o poder nas mãos destas mulheres negras, em vez de reconhecer o seu
próprio poder sobre elas; consequentemente, confunde a verdadeira essência da sua
relação com elas. Ao projetar um poder e uma força imaginária nas mulheres negras, as
mulheres brancas promovem a sua falsa imagem de vítimas impotentes e passivas e
desviam a atenção da sua agressividade, do seu poder (por mais limitado que possa ser
num estado de supremacia branca dominado pelo homem), da sua vontade de dominar e
de controlar os outros. Este aspeto não reconhecido do estatuto social de muitas mulheres
brancas impede-as de ultrapassar o racismo e limita o âmbito da sua compreensão do
estatuto social geral das mulheres nos Estados Unidos.
As feministas privilegiadas têm sido, em grande parte, incapazes de falar com e
para diversos grupos de mulheres, quer seja por não compreenderem completamente a
interligação entre opressão de género, de raça e de classe, quer por se recusarem a levar
esta interligação a sério. Os estudos feministas sobre o destino das mulheres tendem a
focar-se exclusivamente no género e não estabelecem uma base consolidada, a partir da
qual se possa contruir a teoria feminista. Refletem a tendência dominante, presente nas
mentes patriarcais ocidentais, de mistificar a realidade da mulher, ao insistirem em que o
género é o único fator determinante do destino das mulheres. Sem dúvida, tem sido mais
fácil para as mulheres que não sofrem de opressão de raça e classe dar exclusiva atenção
ao género. Embora as feministas socialistas se preocupem com a classe e o género,
tendem a descartar a raça ou reconhecem que a raça é importante e, depois, procedem a
uma análise na qual a raça não é contemplada.
Enquanto grupo, as mulheres negras estão numa posição invulgar nesta sociedade,
pois não só estamos coletivamente no fundo da escala profissional como o nosso estatuto
social, em geral, é mais baixo do que o de qualquer outro grupo. Ao ocuparmos esta
posição, sofremos as consequências da opressão sexista, racista e classista. Ao mesmo
tempo, somos um grupo que não é sociabilizado para assumir o papel de
explorador/opressor, na medida em que não nos é permitido explorar ou oprimir um
"outro" institucionalizado. (As crianças não representam um outro institucionalizado,
apesar de poderem ser oprimidas pelos pais.) As mulheres brancas e os homens negros
têm duas versões. Podem ter o papel de opressores ou de oprimidos. Os homens negros
podem ser vítimas de racismo, mas o sexismo permite-lhes agir como exploradores e
opressores das mulheres. As mulheres brancas podem ser vítimas de sexismo, mas o
racismo permite-lhes agir como exploradoras e opressoras dos negros. Ambos os grupos
lideram movimentos pela libertação em favor dos seus interesses e apoiam a contínua
opressão de outros grupos. O sexismo dos homens negros prejudicou a luta contra o
racismo, tal como o racismo das mulheres brancas prejudicou a luta feminista. Enquanto
estes dois grupos, ou qualquer outro grupo, definirem libertação como sendo uma
aquisição de igualdade social com os homens brancos da classe dominante, têm interesse
na contínua exploração e opressão de outros. As mulheres negras, sem um "outro"
institucionalizado a quem discriminar, explorar ou oprimir, passaram, muitas vezes, por
experiências que desafiam diretamente a estrutura social classista, sexista e racista
predominante e a sua ideologia concomitante. Esta experiência pode moldar de tal forma
a nossa consciência que a visão que temos do mundo difere da daqueles que tiveram
algum tipo de privilégio (por mais relativo que possa ser dentro do sistema existente). É

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essencial para a contínua luta feminista que as mulheres negras reconheçam a posição
estratégica especial que a nossa marginalidade nos oferece e utilizem esta perspetiva para
criticar a hegemonia racista, classista e sexista dominante, bem como para idealizar e criar
uma hegemonia opositora. Proponho que desempenhemos um papel crucial na
formulação da teoria feminista e ofereçamos uma contribuição única e útil. A formação e
prática de uma teoria feminista libertadora é de uma responsabilidade coletiva que deve
ser partilhada. Embora critique de forma severa e incessante alguns aspetos do movimento
feminista como o temos vindo a conhecer, não o faço numa tentativa de desvalorizar a
luta feminista, mas antes para enriquecer e partilhar o trabalho de elaboração de uma
ideologia libertadora e de um movimento libertador.

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