Вы находитесь на странице: 1из 12

21/10/2020 Integrando conhecimentos científicos e tradicionais na conservação – Darwinianas

Darwinianas
todos os sábados

Integrando conhecimentos cientí -


cos e tradicionais na conservação
A integração de conhecimentos cientí cos e tradicionais tem sido
proposta na biologia da conservação. Quais são as razões e os
desa os dessa integração?

O valor e a natureza dos conhecimentos tradicionais

A integração de conhecimentos cientí cos e tradicionais tem sido cada vez mais
proposta em abordagens de conservação e manejo sustentável da natureza. Como
um exemplo marcante, podemos citar o reconhecimento pela Plataforma
https://darwinianas.com/2018/05/01/integrando-conhecimentos-cientificos-e-tradicionais-na-conservacao/ 1/12
21/10/2020 Integrando conhecimentos científicos e tradicionais na conservação – Darwinianas

Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos


(Intergovernmental Science-Policy Platform on Biodiversity and Ecosystem
Services/IPBES) e pela Convenção sobre a Diversidade Biológica (Convention on
Biological Diversity/CBD) da importância de conhecimentos tradicionais e locais
em avaliações e tomadas de decisão sobre a biodiversidade. Como escrevem em
artigo recente Maria Tengö e colaboradores, aproximar sistemas de
conhecimentos tradicionais/locais e cientí cos é de vital importância para o
crescimento de nosso entendimento e para avanços éticos e práticos na direção de
trajetórias mais sustentáveis de nossos sistemas socioecológicos.

Esta é uma mudança notável no modo como as relações entre conhecimentos


tradicionais e cientí cos têm sido entendidas na antropologia, loso a e ciências
naturais. Historicamente, antropólogos e lósofos destacaram diferenças
incomensuráveis entre sistemas de conhecimento. Mas a atenção se deslocou
recentemente para ideias de integração e complementaridade de conhecimentos
cientí cos e tradicionais, em campos como antropologia, etnobiologia e biologia
da conservação. Isso re ete abordagens de conservação baseadas em
comunidades e a compreensão de que, sem um entendimento mais profundo dos
grupos humanos, as chances de sucesso em projetos de conservação são bem mais
limitadas. Têm-se falado cada vez mais em co-manejo de ambientes locais e isso
implica, naturalmente, práticas colaborativas que não são muito informadas por
debates losó cos sobre incomensurabilidade e descrições antropológicas de
diferenças radicais entre conhecimento cientí co e tradicional. É tempo, pois, de
abrir novas portas, buscando vias de integração entre esses conhecimentos, o que
é tão estimulante quanto desa ador.

Nas ciências naturais, essas propostas de integração também abrem caminhos


renovados. Desde o Iluminismo, ciências naturais e (em menor medida) sociais
assumiram como “missão” a revisão crítica do conhecimento “local”, que seria
supersticioso ou romântico. Não surpreende, assim, que as relações entre ciências
e outras formas de conhecimento tenham sido reduzidas frequentemente a uma
avaliação da coerência e consistência com o conhecimento cientí co, a quem
caberia reivindicação hegemônica da verdade. Contudo, ao mesmo tempo se
espoliava, em grandes expedições, como a de Alfred Russell Wallace e Henry Bates
na Amazônia, conhecimentos tradicionais cujos autores não eram reconhecidos,
de tal maneira que os conhecimentos se tornavam propriedade dos naturalistas

https://darwinianas.com/2018/05/01/integrando-conhecimentos-cientificos-e-tradicionais-na-conservacao/ 2/12
21/10/2020 Integrando conhecimentos científicos e tradicionais na conservação – Darwinianas

que os haviam recolhido de diferentes grupos humanos, sem dar o devido crédito
(com raras exceções).

Os Pankararé como exemplo

Conhecimentos tradicionais têm hoje sido reconhecidos por sistematizarem


entendimento singular de ambientes locais. Caso sejam integrados a
conhecimentos cientí cos, podem fornecer grande quantidade de informação e
experiência previamente ignorada ou tratada como misticismo, como Raymond
Pierotti e Daniel Wildcat reconheciam há quase vinte anos. Os estudos do
etnoecólogo Fábio Bandeira, da Universidade Estadual de Feira de Santana, sobre
os Pankararé, grupo indígena que habita o Raso da Catarina no sertão baiano,
fornecem um belo exemplo, como mostra a dissertação de Isabel Fróes Modercin,
orientada por ele no Programa de Pós-Graduação em Antropologia da UFBA. O
espaço habitado e vivido pelos Pankararé é organizado tanto pela visão de mundo
desse grupo indígena, cujo território é simbolicamente mapeado por aspectos da
paisagem entendidos como monumentos habitados por entidades chamadas de
encantados, quanto por diferentes regimes de propriedade familiar e comunal da
terra. Podemos falar, inclusive, de uma epistemologia simbólico-espacial dos
Pankararé, um certo modo de entender o próprio conhecimento que de ne a
coexistência e conexão de dois mundos que são expressos em termos espaciais, de
maneira complementar, como discutido por mim e por Fábio em artigo publicado
há uma década. Este artigo discutia se devemos ou não chamar conhecimento
tradicional de “ciência”, questão que então me interessava, mas que hoje
considero de importância muito menor do que o entendimento, mais basilar, de
que temos sistemas de conhecimentos distintos do que denominamos “ciências
modernas”, os quais podemos mobilizar, em alguma medida e não sem muitas
questões a levantar, em maneiras de entender o mundo que buscam
complementaridade com aquelas ciências.

A exata medida em que os Pankararé entendem o difícil ambiente em que vivem se


expressa no modo como eles exploram o que este ambiente pode conceder de uma
maneira que nos denominamos “sustentável”. Num estudo sobre a dinâmica da
paisagem no território Pankararé, Fábio Bandeira e colaboradores utilizaram
imagens do satélite Landsat de 1987 e 2001 para identi car mudanças de padrões
de uso do solo e o grau de manejo das áreas vegetadas no território desse grupo

https://darwinianas.com/2018/05/01/integrando-conhecimentos-cientificos-e-tradicionais-na-conservacao/ 3/12
21/10/2020 Integrando conhecimentos científicos e tradicionais na conservação – Darwinianas

indígena. Analisando a situação da terra indígena num intervalo de quase 15 anos,


eles mostraram que a cobertura vegetal estava em sua maior parte relativamente
bem conservada. Esse grau de conservação pode ser relacionado à maneira como
os Pankararé manejam o uso do solo e limitam a exploração das áreas
consideradas monumentos, sob a in uência dos encantados, ou avozinhos do mato,
ou dons. Estes são seres que, na cosmovisão indígena, não pertencem ao mundo
natural. Estamos lidando, então, com a dimensão espiritual de sua visão de
mundo, que se mostra de maneira notável em rituais como a Dança dos Praiás, um
ritual xamânico que conecta os diferentes mundos da cosmovisão Pankararé.
Durante o ritual, a vida e o território dos Pankararé são regulados pelos
encantados, que diagnosticam doenças, prescrevem remédios oriundos de plantas
da Caatinga e manejam o uso do que está disponível no Raso da Catarina, por
exemplo, quantos animais existem ali e quantos podem ser caçados e onde.

Temos aí claro exemplo do que argumentam Pierotti e Wildcat: o conhecimento


tradicional abriga, em seu entendimento do mundo natural, insights sobre alguns
dos problemas mais urgentes da humanidade atual, os quais não carecem de bases
empíricas, mas muitas vezes estão entremeados com uma dimensão espiritual.
Torna-se questão de suma importância, então, como cientistas se relacionam com
comunidades tradicionais e seus conhecimentos. Diferentes tipos de relações
podem ser estabelecidos, alguns com sérios problemas de ordem ética e
sociopolítica.

Como relacionar conhecimentos cientí cos e tradicionais/locais?

Há muitas maneiras de colocar em relação conhecimentos cientí cos e


locais/tradicionais. Stephan Rist e Farid Dahdouh-Guebas, por exemplo,
identi cam seis atitudes distintas das ciências em relação ao conhecimento
tradicional/local.

Uma relação possível é o simples desconhecimento de práticas baseadas em


conhecimentos locais, como ocorre, por exemplo, quando um técnico agrícola não
reconhece conhecimentos de agricultores locais ao introduzir alguma forma de
plantio numa comunidade.

https://darwinianas.com/2018/05/01/integrando-conhecimentos-cientificos-e-tradicionais-na-conservacao/ 4/12
21/10/2020 Integrando conhecimentos científicos e tradicionais na conservação – Darwinianas

Outra atitude tem caráter utilitarista, aceitando elementos do conhecimento local


que podem ser interpretados ou validados cienti camente, com o intuito de
aumentar o repertório de conhecimentos cientí cos, mas negligenciando
elementos que não guardam relação com ideias cientí cas. Um exemplo é
encontrado no caso do ácido acetilsalicílico (popularmente chamado de aspirina),
incorporado na medicina baseada na ciência a partir de conhecimentos e práticas
dos antigos egípcios e gregos, mas sem considerar outras dimensões do
conhecimento humano sobre as folhas do salgueiro (Salix), utilizadas pela
humanidade há pelo menos 2400 anos, no âmago de diferentes culturas, cada uma
com suas dimensões espirituais. Nesse caso, propriedade intelectual de
comunidades tradicionais pode vir a ser apropriada sem o devido crédito e retorno
a elas.

Numa atitude paternalista, por sua vez, o conhecimento tradicional é concebido


como se necessitasse de atualização com base na ciência. Mais uma vez, há risco
de apropriação indevida de conhecimentos tradicionais.

Essa apropriação se torna patente numa atitude neocolonial, na qual estudos


cientí cos simplesmente tomam posse de conhecimentos tradicionais, como
ocorre quando uma planta medicinal usada por algum grupo indígena é
identi cada por cientistas, sem reconhecimento de propriedade intelectual, e
termina por chegar ao mercado como medicamento produzido pela indústria
farmacêutica, a partir da identi cação do princípio ativo.

Outra atitude é essencialista, considerando que o conhecimento local é


fundamentalmente melhor do que o cientí co, devendo permanecer tal como é,
sem in uência da ciência e tecnologia contemporâneas. Aqui, o equívoco é
assumir que conhecimento tradicional deve ser preservado em sua “forma pura”,
como se fosse uma peça de museu, e não um produto de uma cultura que (como
toda cultura) é fundamentalmente dinâmica. Nesse caso, o papel potencial das
ciências contemporâneas no entendimento do mundo e empoderamento das
comunidades tradicionais é infelizmente ignorado. Além disso, subscreve-se uma
comparação absolutista de formas de conhecimento, que em meu entendimento
carece de bases losó cas apropriadas (seja quando a comparação considera as
ciências modernas superiores, seja quando esse juízo é feito sobre os
conhecimentos tradicionais/locais). Na minha visão, uma tal comparação

https://darwinianas.com/2018/05/01/integrando-conhecimentos-cientificos-e-tradicionais-na-conservacao/ 5/12
21/10/2020 Integrando conhecimentos científicos e tradicionais na conservação – Darwinianas

somente pode ser feita quando há um uso do conhecimento em vista (mesmo que
seja um uso como instrumento de pensamento).

Todas essas atitudes acima têm importantes problemas éticos e implicam


desigualdades sociopolíticas. Qual seria então uma atitude mais apropriada? Em
meu entendimento, uma atitude intercultural, na qual se busque interação ampla,
diálogo que possa produzir conhecimento mais integrado, bem como
empoderamento da comunidade tradicional com valorização de seu legado
cultural e de como ele pode integrar-se com conhecimentos cientí cos (caso isso
se mostre desejável, o que há de ser pensado caso a caso).

De uma perspectiva intercultural, busca-se o desenvolvimento de sistemas


complementares de conhecimentos tradicionais e cientí cos, os quais podem ser
postos em uso, por exemplo, na conservação e educação. Mas, para além de seu
papel cognitivo e prático, uma perspectiva intercultural abriga maior potencial
para cooperação baseada em respeito mútuo entre comunidades tradicionais e
comunidades cientí cas, preservando a autonomia dos processos de produção de
conhecimento e buscando possibilidades de diálogo e complementaridade. Isso
contrasta com as simples confusões entre domínios do conhecimento que
encontramos em pseudociências como o design inteligente, ou com atitudes
passíveis de questionamento ético e sociopolítico que por vezes as comunidades
cientí cas assumem, a exemplo da atitude neocolonial.

Questões interculturais

Entretanto, uma perspectiva intercultural não prescinde de pontos a serem


ponderados com cuidado, como, por exemplo: primeiro, as relações entre as
ciências e os conhecimentos locais/tradicionais dependem de posições éticas
especí cas. Elas não podem ser jamais pensadas como relações “livre de valores”.
É necessário então, ao engajar-se numa perspectiva intercultural, reconhecer o
papel dos valores na prática cientí ca, de modo a colocar tais valores sob uma
mirada crítica. A atitude de um cientista diante do conhecimento tradicional, por
exemplo, é certamente dependente de como ele se posiciona valorativamente
diante das comunidades tradicionais e do valor epistemológico do que conhecem
sobre a realidade.

https://darwinianas.com/2018/05/01/integrando-conhecimentos-cientificos-e-tradicionais-na-conservacao/ 6/12
21/10/2020 Integrando conhecimentos científicos e tradicionais na conservação – Darwinianas

Segundo, mostra-se importante estabelecer, como argumentam Rist e Dahdouh-


Guebas, o maior campo de interação possível entre diferentes tipos de
conhecimentos. Isso implica que a interação deve ser baseada em processos de
deliberação mútua, incluindo cientistas e comunidades tradicionais, e envolvendo
dimensões inter-relacionadas de práticas, valores e visões de mundo. É
necessária, ademais, concordância sobre princípios éticos fundamentais para o
diálogo intercultural. O mais fundamental desses princípios pode ser formulado
como segue: “eu aceito a possibilidade de que o outro esteja certo”. Uma
perspectiva intercultural implica, assim, deslocar-se da competição e imposição
de uniformidade no campo do conhecimento (seja na direção de uma hegemonia
das ciências modernas, seja na direção de qualquer outra hegemonia, por
exemplo, de alguma visão religiosa) para a busca de complementaridades e
cooperação de formas distintas de conhecimento. O propósito de toda a
empreitada se torna aprendizado mútuo para obter novos insights e não apenas
con rmações do que já se sabe.

Terceiro, questões compartilhadas, de interesse comum, são condição importante


para estabelecer diálogo intercultural. Será muito mais provável, por exemplo,
alguma complementaridade entre conhecimento Pankararé e cientí co se forem
partilhadas perguntas, digamos, sobre a dinâmica das populações que interagem
com o grupo indígena no território que ele habita e maneja. O que os encantados e
as ciências teriam a dizer sobre as dinâmicas populacionais? Haverá alguma
complementaridade entre o que dizem? Haverá algum con ito? Quais con itos e
complementaridades?

Isso nos leva ao quarto e último ponto: responder a essas perguntas requer uma
prática que podemos denominar diálogo inter-ontológico. Voltemos um pouco para
trás no argumento para chegar a este ponto. Reconhecer o papel dos
conhecimentos tradicionais na conservação, como parte dos biólogos da
conservação tem feito, re ete uma tensão (bem vinda) entre uma visão
tecnocrática da sustentabilidade, que legisla desde o gabinete a vida das
comunidades nos ambientes em que vivem, e uma visão mais crítica (mas
necessariamente equilibrada, que nem demonize, nem endeuse) das ciências e
tecnologias contemporâneas, que implique maior ênfase sobre a diversidade
cultural e a autonomia das comunidades. Claro, isso requer negociação entre
partes interessadas (stakeholders), incluindo os cientistas. Nesses termos, um

https://darwinianas.com/2018/05/01/integrando-conhecimentos-cientificos-e-tradicionais-na-conservacao/ 7/12
21/10/2020 Integrando conhecimentos científicos e tradicionais na conservação – Darwinianas

discurso sobre sustentabilidade se vincula a uma teoria emergente, socialmente


construída, culturalmente moldada e compartilhada sobre “como as coisas são”.

Esta teoria sobre “como as coisas são” é uma ontologia. Uma ontologia estabelece
o que é o ser e em quais categorias o ser se divide. Uma ontologia é uma teoria de
todos os tipos de objetos e/ou processos que há, concretos e abstratos, existentes
e não-existentes, reais e ideais. Ela é fundamental, assim, para qualquer
epistemologia e, logo, para todo conhecimento que construímos. Sem ontologia,
não há uma “mobília” do mundo que possamos conhecer. Não há, pois,
conhecimento sem ontologia, de alguma natureza que seja. Muito debate
desnecessário seria evitado se isso fosse mais conhecido entre cientistas e outras
pessoas (a exemplo dos defensores do design inteligente). A título de exemplo,
considere-se uma ontologia de partículas, dominante no Ocidente devido ao
legado da antiguidade greco-romana, na qual as coisas têm prioridade ontológica
sobre os processos. Ou seja, as coisas são e então (secundariamente) participam
de processos. Agora, compare-se esta com uma ontologia de processos, na qual os
processos são (prioritariamente) e eventualmente convergem por um certo tempo
(secundariamente) em coisas. Está claro que se estivermos engajados num
processo de negociação social e aprendizagem coletiva de distintas partes
interessadas, no qual se busca, digamos, algum campo compartilhado de
conhecimentos entre uma visão de mundo fundada numa ontologia de partículas
e outra fundada numa ontologia de processos, estaremos engajados no que
podemos chamar de diálogo inter-ontológico.

Não pode haver dúvida de que este é um diálogo complexo, mas necessário,
porque nossas escolhas ontológicas têm consequências. Elas não poderiam deixar
de ter, porque propiciam meios de entender a realidade e de se posicionar
normativamente, ou seja, de julgar o que se deve ou não fazer, conforme
determinados conjuntos aceitos de normas. Por exemplo, uma ontologia que
coloca o ser humano no centro de todas as coisas (a exemplo de várias tradições de
pensamento) implica uma ética antropocêntrica, que transparece, por mais bem
intencionados que sejam, em discursos atuais que se amparam em ideias como as
dos “recursos naturais” (para nós), do “desenvolvimento sustentável” (de nossas
sociedades), dos “serviços ecossistêmicos” (de que nós nos bene ciamos). Esta
ética, por sua vez, se vincula a certas práticas, como, por exemplo, a de buscar
soluções para o crescimento econômico do atual sistema de produção e consumo,
com sustentabilidade, ou seja, na melhor das hipóteses, com manutenção de

https://darwinianas.com/2018/05/01/integrando-conhecimentos-cientificos-e-tradicionais-na-conservacao/ 8/12
21/10/2020 Integrando conhecimentos científicos e tradicionais na conservação – Darwinianas

recursos naturais e serviços ecossistêmicos. É evidente, malgrado discursos


naturalizantes (mas sempre socialmente construídos), que poderíamos pensar de
maneira diferente as nossas práticas, caso fossem assumidos outros valores,
amparados em distintas ontologias.

Escolhas ontológicas, epistemológicas, metodológicas e éticas têm consequências.


Por isso, é parte da responsabilidade social do cientista preocupar-se com quem
faz as escolhas e quais escolhas são feitas, nas negociações sociais em que
estamos constante (mas incompleta e desigualmente) envolvidos. Trata-se de
abandonar o mito das ciências modernas como sistemas de conhecimento
universal, autônomo, livre de valores, que, quando impostos sem atenção a
conhecimentos locais, resultaram em fracassos e até violência simbólica. Mas isso
de modo equilibrado, sem descuidar da contribuição das ciências modernas, com
seus modelos e teorias gerais, e do impacto positivo que tiveram e têm sobre as
vidas humanas. Não obstante, sem também descuidar dos impactos negativos de
tais ciências, a exemplo de seu papel em regimes totalitários e bélicos, e em
processos discriminatórios (do racismo ao planejamento de cima para baixo da
vida das pessoas, por exemplo, em projetos de conservação que não levam em
conta comunidades locais). A história é testemunha de uma coisa e de outra,
criando sérias di culdades para leituras maniqueístas das relações entre ciência,
tecnologia, sociedade e ambiente.

Porque nossas escolhas ontológicas têm consequências, propiciando meios de


entender a realidade e de se posicionar normativamente, e porque soluções para
problemas como os socioambientais requerem negociação entre visões diferentes,
o diálogo inter-ontológico se torna inescapável. Reconhecer isso é um bom
primeiro passo para reconhecer diferenças entre sistemas de conhecimento (em
vez de se lançar em aventuras pseudocientí cas – ou pseudotradicionais – que
somente tornam mais confuso o diálogo) e, feito isso, reconhecer processos de
imposição e violência simbólica que podem acontecer de parte a parte. Com esses
reconhecimentos no lugar, o próximo passo é engajar-se no diálogo inter-
ontológico. Mas como?

Devo deixar isso para a próxima postagem, na qual pretendo escrever sobre
algumas ideias acerca de como avançar no diálogo inter-ontológico, bem como
sobre o que acontece nos espaços de encontro e desencontro entre pesquisadores e
comunidades locais. Em suma, deixo-os com as cenas dos próximos capítulos…

https://darwinianas.com/2018/05/01/integrando-conhecimentos-cientificos-e-tradicionais-na-conservacao/ 9/12
21/10/2020 Integrando conhecimentos científicos e tradicionais na conservação – Darwinianas

Charbel N. El-Hani

Instituto de Biologia/UFBA

PARA SABER MAIS:

El-Hani, C. N. & Bandeira, F. P. S. F. (2008). Valuing indigenous knowledge: To call


it “science” will not help. Cultural Studies of Science Education 3: 751-779.

Modercin, I. F. (2010). Rancho do Jatobá do meio do mundo: etnogra a da


agricultura Pankararé e a relação dos índios com o ambiente. Salvador-BA:
Programa de Pós-Graduação em Antropologia/UFBA.

Pierotti, R. & Wildcat, D. (2000). Traditional ecological knowledge: The third


alternative. Ecological Applications 10: 1333-1340.

Rist, S. & Dahdouh-Guebas, F. (2006). Ethnosciences––A step towards the


integration of scienti c and indigenous forms of knowledge in the management
of natural resources for the future. Environment, Development and Sustainability
8: 467-493.

Tengö, M. et al. (2017). Weaving knowledge systems in IPBES, CBD and beyond—
lessons learned for sustainability. Current Opinion in Environmental
Sustainability 26-27:17–25.

Imagem: Índios Pankararé. Foto de Alcivandes Santos Santana, disponível em:


http://lampiaoaceso.blogspot.com.br/2009/10/gato-o-sanguinario-
cangaceiro.html

Compartilhe isso:

 Twitter  Facebook

https://darwinianas.com/2018/05/01/integrando-conhecimentos-cientificos-e-tradicionais-na-conservacao/ 10/12
21/10/2020 Integrando conhecimentos científicos e tradicionais na conservação – Darwinianas

Curtir
2 blogueiros gostam disto.

Charbel El-Hani / maio 1, 2018 / Ciência, Educação, Filoso a da Ciência

3 comentários em “Integrando conhecimentos cientí-


cos e tradicionais na conservação”

Vitor Renck
maio 22, 2018 às 2:13 am

Muito legal Charbel. Parabéns pelo texto. Fiquei na expectativa de ler a respeito
das cenas dos próximos capítulos. Grande abraço!

 Curtir

Charbel El-Hani 
junho 19, 2018 às 8:20 am

Oi Vitor
Acabou de ser postada a continuidade do argumento…

 Curtir

Pingback: Colocando em diálogo distintas formas de ver e conhecer o mundo –


Darwinianas

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em
comentários são processados.

https://darwinianas.com/2018/05/01/integrando-conhecimentos-cientificos-e-tradicionais-na-conservacao/ 11/12
21/10/2020 Integrando conhecimentos científicos e tradicionais na conservação – Darwinianas

Darwinianas / Blog no WordPress.com.

https://darwinianas.com/2018/05/01/integrando-conhecimentos-cientificos-e-tradicionais-na-conservacao/ 12/12

Вам также может понравиться