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Portugal

natural volume ii

DECO PROTESTE DIGITAL


INSTRUÇÕES DE NAVEGAÇÃO

ÍNDICE GERAL

A ÍNDICE REMISSIVO

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ANTERIOR SEGUINTE
PORTUGAL NATURAL
Volume 2

Revisão técnica da presente edição: Centro de Biologia Ambiental


da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa
(Paula Gonçalves, Otília Correia e Margarida Santos-Reis)
Coordenação editorial: Alda Mota
Colaborou nesta edição: Rúben Portinha
Revisão de texto: Florbela Barreto
Projeto gráfico, capa e paginação: Alexandra Lemos
Fotografias: Thinkstock Photos (cabeçalhos dos capítulos 3 e 6;
págs. 66-67) e Paulo de Oliveira (todas as restantes)
Infografias: Isabel Espírito Santo
Fotografia da capa: Thinkstock Photos
Responsável pela edição: João Mendes

© 1995, 2014 DECO PROTESTE, Editores, Lda.


Todos os direitos reservados por:
DECO PROTESTE, Editores, Lda.
Av. Eng. Arantes e Oliveira, 13
1900-221 LISBOA
Tel.: 218 410 800
Correio eletrónico: guias@deco.proteste.pt

1.ª edição: outubro de 1995


2.ª edição, revista e atualizada: setembro de 2014
Versão digital atualizada: março de 2018

Depósito legal n.º 375734/14


ISBN 978-989-737-037-3

Impressão:
Agir
Rua Particular, Edifício Agir
Quinta de Santa Rosa
2680-458 CAMARATE

Esta edição respeita as normas


do novo Acordo Ortográfico.

Esta publicação, no seu todo ou em parte,


não pode ser reproduzida nem transmitida
por qualquer forma ou processo, eletrónico,
mecânico ou fotográfico, incluindo fotocópia,
xerocópia ou gravação, sem autorização prévia
e escrita da editora.

deco.proteste.pt/guiaspraticos
Portugal
natural volume ii

DECO PROTESTE DIGITAL


Prefácio
Apenas se gosta daquilo que se conhece bem; e é para que possa
amar a natureza que procuramos, através deste guia, dá-la a conhe-
cer. Este é o segundo volume de uma obra que pretende levá-lo
através de campos e bosques, passear consigo pelos areais do litoral
e pelas serras do interior, mostrar-lhe os montados e as charnecas do
Ribatejo e as encostas em socalcos do Minho. E, sobretudo, ajudá-lo
a conhecer este pedaço de terra ao qual, um dia, Tomás Ribeiro
chamou “jardim da Europa à beira-mar plantado”.

Este livro é dedicado à fauna do nosso país. Tal como no volume


anterior, restringimo-nos ao Continente, já que a riqueza das Ilhas
levaria esta obra a dimensões incomportáveis.

No primeiro capítulo, entre outras coisas, ensinamos a atrair borbo-


letas, cultivando plantas de que gostam nas redondezas, e mostra-
mos como escaravelhos e joaninhas, afinal, nos ajudam nas hortas.
Passamos a pente fino minhocas, lesmas, gafanhotos, aranhas e
outros invertebrados.

No segundo capítulo, dedicamo-nos às aves aquáticas e terrestres


e mostramos como se constrói um comedouro.

No terceiro capítulo, dedicado aos mamíferos, damos instruções


para construir um abrigo para morcegos. Também não nos esque-
cemos dos ratos e dos esquilos, dos coelhos-bravos e das lebres, dos
veados, dos javalis e dos predadores, alguns em perigo de extinção.

Já o quarto capítulo é dedicado a répteis e anfíbios. Ensinamos a


identificá-los, a respeitar o seu espaço e o período de hibernação
e respondemos à pergunta que o seu ar pouco amigável possa
despertar: afinal, há ou não motivo para ter medo?

Dedicamos o quinto capítulo aos animais de água doce, focando


peixes, caracóis aquáticos, mexilhões, crustáceos, etc.

As páginas finais são inteiramente dedicadas aos sinais da presença


dos animais que podemos encontrar por esse Portugal afora. Nunca
mais olhará para uma pegada sem se perguntar de que animal será...

Face a isto, não hesite: pegue na mochila, ponha as botas de mar-


cha e venha daí connosco.
Índice
Prefácio 5

capítulo 1
Os invertebrados
Os diferentes grupos 11
Os invertebrados lusos 15
Se quiser saber mais 42

capítulo 2
As aves
Aves aquáticas 48
Aves terrestres 59
Se quiser saber mais 96

capítulo 3
Os mamíferos
Insetívoros e quirópteros 100
Os roedores 108
Os lagomorfos 112
Os artiodáctilos 113
Os predadores 116
Se quiser saber mais 122

capítulo 4
Répteis e anfíbios
Os répteis 127
Os anfíbios 137
Se quiser saber mais 144
capítulo 5
Animais de água doce
Os peixes 149
Os caracóis aquáticos 155
Os mexilhões 156
Os crustáceos 157
As minhocas e as sanguessugas 159
As aranhas aquáticas 160
Os escaravelhos aquáticos 160
Os percevejos de água 161
As larvas de insetos 163
Se quiser saber mais 165

capítulo 6
Os sinais da presença de animais
Os dejetos 169
As pegadas 172
As regurgitações de aves 175
As marcas
de ocupação 178
Os vestígios de refeições 179
Se quiser saber mais 180

Bibliografia aconselhada 184


Alguns sites de interesse 185
Contactos úteis 185
Índice remissivo 186
Parques naturais e outros locais de interesse 192
CAPÍTULO 1
Os invertebrados
A
PORTUGAL NATURAL II

Entre as espécies de seres vivos existentes, quase 80 por cento


são invertebrados. Por isso, seria impossível não começar por
falar deles neste guia. No entanto, o seu número é tão elevado
(cerca de 1,4 milhões de espécies descritas) que, só para enume-
rar todas as espécies, precisaríamos de mais de uma dezena de
páginas. É por isso que teremos de nos contentar em descrever,
muito sumariamente, os grupos mais importantes.

É evidente que procuraremos fornecer informação mais completa


sobre os que nos são mais familiares. Esperamos que tal seja sufi-
ciente para despertar o seu interesse por esse mundo rico em
formas e espécies.

• Afinal, o que é um invertebrado? Os compêndios de ciências


naturais dizem que são invertebrados todos os animais que não
possuem coluna vertebral. Mas, na prática, esta noção acaba,
para muitos, nas espécies que lhes dão aborrecimentos: piolhos,
pulgas, mosquitos, lagartas-das-couves, bichos-da-madeira… Mas
a realidade é que só cinco por cento dos invertebrados, ou até
menos, são verdadeiramente “prejudiciais” ou “incómodos”.
Além disso, muitas das atividades destes pequenos seres são de
interesse vital para a manutenção do equilíbrio natural. Sem eles,
seríamos rapidamente invadidos por uma enorme quantidade de
lixo e de cadáveres. Muitos são especialistas em reciclagem; é graças
à atividade dos invertebrados detritívoros (que fragmentam os
detritos orgânicos) que as bactérias podem depois transformá-los
em alimento e energia.

Os animais que vivem debaixo da terra também são indispensáveis:


são eles que misturam, arejam e drenam o solo (num só hectare
de terra pode haver quase uma tonelada de invertebrados!). E
até as flores maravilhosas que nos rodeiam estão dependen-
tes dos insetos, pois são eles que, quando procuram alimento
(néctar e pólen), se encarregam da fecundação de numerosas
plantas. Sem eles, só as plantas em que a polinização se faz
através do vento, como acontece com os pinheiros, poderiam
subsistir. Por outro lado, os invertebrados constituem uma fonte
indispensável de alimento para grande número de outros orga-
nismos: aves, répteis, anfíbios, peixes e alguns mamíferos, sem
esquecer toda uma série de outros invertebrados (predadores e
parasitas) que impedem, dessa forma, a excessiva proliferação
de algumas espécies.

Nas páginas anteriores: borboleta-monarca

10
A
OS INVERTEBRADOS

• Além de fundamentais para a manutenção do


equilíbrio ecológico, os insetos e outros inverte-
brados também podem ser diretamente úteis ao
homem. Pensemos, por exemplo, na Genética,
ciência cuja evolução deve bastante ao estudo
de determinadas espécies de moscas. Por outro
lado, alguns insetos também são utilizados, com
notável sucesso, na luta contra algumas doenças
na agricultura e na horticultura. Outros são criados
devido aos produtos que fornecem: as abelhas,
pelo mel e pela cera; e os bichos-da-seda, pela seda.
Alguns até são utilizados para desvendar crimes!

• Finalmente, numerosas espécies apresentam


exigências muito específicas respeitantes ao seu
meio vital, ao ponto de a sua presença ou ausência
ser fonte de preciosas informações sobre a qua-
lidade do ambiente, funcionando, dessa forma, Borboleta-colibri
procurando alimento
como bioindicadores. Produtos de uma lenta
evolução ao longo de vários milhares de anos, os invertebrados
são portadores de informações que a ciência ainda não domina
completamente e que, sem dúvida, tão depressa não conseguirá
esgotar, porque numerosas espécies estão ainda por descobrir.

• Infelizmente, a atividade do homem, sobretudo neste século, tem


sido bastante prejudicial para estes pequenos animais. A urbaniza-
ção crescente, a poluição, o uso intensivo de adubos e a deficiente
gestão das florestas têm levado, inevitavelmente, à deterioração
dos seus habitats. Neste momento, pensa-se que cerca de 20 por
cento dos invertebrados estejam ameaçados de extinção, o que
inclui dez por cento das espécies de borboletas e de libélulas.
No entanto, só se conhece o estatuto de conservação de cerca de
um por cento das espécies de invertebrados!

Os diferentes grupos
Não é nossa intenção transformar este livro num compêndio de
zoologia, longe disso. No entanto, a fim de lhe dar uma ideia mais
concreta da grande diversidade do mundo dos invertebrados,
decidimos apresentar uma breve caracterização dos principais

11
A
PORTUGAL NATURAL II

grupos que o constituem. Faça de conta que não


um pouco repara nos nomes complicados.
de vocabulário
Convém notar que esta classificação, tal como
biótopo: área geográfica a que os nomes atribuídos, pode variar ligeiramente,
corresponde um conjunto homogé-
neo de fatores físicos ambientais. consoante os autores. Voltaremos a falar de alguns
destes grupos no capítulo sobre Animais de água
crisálida: fase do desenvolvimento
doce (veja a partir da página 146).
de certos animais, entre o estado
larvar e o adulto. O mesmo que pupa
ou ninfa.
habitat: local onde vive determinada
Esponjas
espécie animal ou vegetal. Cada
espécie tem o seu habitat próprio. Vivem exclusivamente na água, principalmente na
larva: fase imatura do ciclo de vida
do mar; são cerca de seis mil as espécies conhe-
de numerosos invertebrados e cidas. Dantes havia muitos representantes deste
dos anfíbios, ou seja, de todos os grupo nas nossas casas de banho.
animais cujo desenvolvimento é
feito através de metamorfoses,
como as borboletas e as rãs.
Cnidários
metamorfose: transformação
profunda do corpo de certos animais Vivem exclusivamente na água, principalmente
durante o seu desenvolvimento, na
passagem do estado larvar ao adulto.
na do mar; capturam as presas, paralisando-as;
são cerca de dez mil as espécies conhecidas. É o
microclima: conjunto das condições
grupo a que pertencem as anémonas-do-mar e
atmosféricas (humidade, temperatura,
etc.) numa região delimitada. as nossas “amigas” alforrecas.

ovipositor: órgão em forma de tubo


que permite às fêmeas de alguns
insetos furarem substâncias, a fim Nemátodes
de aí depositarem os ovos.
parasita: organismo que está
São pequenos animais que vivem tanto em água
associado a outro (hospedeiro) e do salgada como doce, e, por vezes, em terra firme,
qual depende para completar o seu mas quase sempre em meio húmido; raramente
desenvolvimento. Esta associação é têm mais de um milímetro de comprimento.
prejudicial para o hospedeiro. Conhecem-se cerca de sete mil espécies, muitas
predador: animal que captura outros delas parasitas de plantas e de animais. É o caso
animais, para se alimentar. das lombrigas, que parasitam o homem.
prosoma: parte do corpo que inclui a
cabeça e o tórax.
quitina: constituinte principal das Platelmintes
partes externas e duras dos insetos
e dos crustáceos. São quase sempre achatados, de tamanho
segmentado: composto por várias variável. Conhecem-se cerca de 25 mil espé-
partes distintas (segmentos). cies, repartidas em três classes. O seu membro

12
A
OS INVERTEBRADOS

mais célebre é a ténia ou bicha-solitária (com um comprimento


que pode ir de alguns centímetros a cerca de 15 metros!); vive,
como parasita, no corpo de animais, sobretudo vertebrados,
incluindo o homem.

Anelídeos
São vermes de corpo dividido em segmentos (ou anéis), redondos
ou achatados, que se alimentam de uma grande variedade de
substâncias; são cerca de 17 mil as espécies conhecidas, reparti-
das em quatro classes. Os mais conhecidos são as minhocas e as
sanguessugas.

Moluscos
São 85 mil as espécies conhecidas, repartidas em cinco classes,
das quais convém reter:
— os gastrópodes: vivem em terra e no mar, em água salgada e
doce; desta classe fazem parte animais como as lapas, os búzios,
os caracóis e as lesmas;
— os bivalves: principalmente marinhos, mas também existem
algumas espécies de água doce; mexilhões, ostras e canivetes são
alguns membros ilustres desta classe;
— os cefalópodes: exclusivamente marinhos; exemplos bem conhe-
cidos desta classe de moluscos são os chocos, as lulas e os polvos.

Artrópodes
É o maior grupo de invertebrados. Caracterizam-se por terem corpo
quase sempre segmentado e coberto de quitina (de consistência
dura, portanto; veja Um pouco de vocabulário na página anterior).
As patas e, muitas vezes, também as antenas são compostas por
vários elementos. Vejamos alguns dos subgrupos que o compõem.

• Aracnídeos: animais com quatro pares de patas; repartidos em


11 ordens, que incluem:
— as aranhas: 40 mil espécies conhecidas, mas o número real pode
chegar ao dobro;
— os acarídeos: 30 mil espécies conhecidas; os ácaros e as carraças
são alguns exemplos não muito entusiasmantes deste subgrupo;

13
A
PORTUGAL NATURAL II

— os escorpiões: mais de duas mil espécies conhecidas; têm um


par de pinças junto à cabeça;
— os opiliões: cerca de seis mil
espécies conhecidas; têm, quase
sempre, patas compridas; com-
pleta unidade entre a parte dian-
teira do corpo (o prosoma) e a
parte traseira.

• Crustáceos: grupo que reúne


animais de formas muito diver-
sas, com um número variável de
patas e dois pares de antenas;
dele fazem parte espécies como
os caranguejos, os camarões,
os percebes, as pulgas-d’água e
os bichos-de-conta.
Um escorpião
e as suas pinças
• Miriápodes: animais terrestres
com o corpo dividido em, pelo menos, nove segmentos (quase
sempre mais). Cada segmento tem, no mínimo, um par de patas;
são cerca de 16 mil as espécies conhecidas, entre as quais a cen-
topeia e a maria-café.

• Insetos: é o maior grupo pertencente aos artrópodes, com cerca


de um milhão de espécies conhecidas (mais de 75 por cento de
todas as espécies animais conhecidas); têm três pares de patas e
vivem em terra firme ou em águas doces. Repartem-se em dois
grandes grupos, um muito primitivo, que nunca desenvolveu asas
e cujos representantes não têm mais de cinco milímetros (como
o peixinho-de-prata, por exemplo), e um grupo alado, que, no
entanto, pode perder a capacidade de voar. Este último encontra-
-se dividido em dois subgrupos:
— um grupo constituído por insetos que sofrem metamorfose
incompleta e não passam pelo estado de crisálida, de forma que
os jovens se parecem bastante com os adultos. A ele pertencem
as libélulas, os gafanhotos, as bichas-cadelas e os piolhos de todos
os tipos (do homem, da madeira, das plantas);
— um grupo constituído por insetos que sofrem metamorfose
completa, passando pelo estado de crisálida; neste caso, os jovens,
a que se chama larvas, são muito diferentes dos adultos. Inclui
abelhas, vespas, formigas, borboletas, moscas e mosquitos, entre
outros.

14
A
OS INVERTEBRADOS

Os invertebrados lusos
Como é evidente, o que dissemos sobre o efeito negativo da ati-
vidade humana no mundo dos invertebrados também se aplica
ao nosso país. Mesmo assim, não deixa de haver, entre nós, uma
grande variedade de espécies. Pelas razões já apontadas, falaremos
apenas das mais comuns e/ou importantes. As espécies aquáticas
serão descritas no capítulo 5 (veja Os animais de água doce, a partir
da página 146).

Minhocas
Alguns pequenos animais, como, por exemplo, as minhocas e as
sanguessugas, têm o corpo dividido em segmentos semelhantes a
anéis, razão pela qual se chamam anelídeos. Nas minhocas, cada
um desses segmentos contrai-se de forma independente, o que
permite a formação de “ondinhas” características, sempre que os
animais se deslocam. E fazem-no quase sempre debaixo de terra,
porque são seres tipicamente subterrâneos. Dessa forma, preen-
chem um papel insubstituível no arejamento e na revitalização
dos solos. Basta saber que uma única minhoca consegue arejar e
fertilizar, anualmente, quase 250 gramas de terra… As minhocas
alimentam-se principalmente de matérias orgânicas em decom-
posição que se encontram no solo, fragmentos de folhas caídas
e restos de animais. Por sua vez, servem de alimento a inúmeros
animais, desde aves a répteis, passando por alguns tipos de insetos
e até mamíferos. Existem no mundo mais de cinco mil espécies
diferentes.

As vulgaríssimas minhocas da terra encontram-se, normalmente,


em solos férteis e húmidos. Costumam vir à superfície durante
a noite, para explorar as redondezas. Quando chove ou quando
o ar está húmido, é frequente vê-las emergindo das galerias
— circunstância normalmente aproveitada pelos seus predadores,
como, por exemplo, os melros e os ouriços, para lhes dar caça.
Quando o tempo está seco, costumam enfiar-se na terra, enrolar-
-se numa espécie de “casulo” e ficar num estado de vida latente,
até que as condições atmosféricas melhorem. Ao fazerem as suas
escavações, as minhocas ingerem a terra, que é depois devolvida
ao solo, purificada e enriquecida por produtos provenientes do seu
próprio metabolismo. Foi por essa razão que, um dia, Aristóteles
lhes chamou “intestinos do solo”.

15
A
PORTUGAL NATURAL II

As minhocas da terra são animais hermafroditas, isto é, macho e


fêmea ao mesmo tempo. A fecundação mútua ocorre geralmente
em noites quentes e húmidas, mas, apesar disso, pode acontecer
em qualquer época do ano.

Lesmas, caracóis e caracoletas


Ao que tudo indica, os primeiros animais a que se pode chamar
gastrópodes apareceram no mar, mas, no decurso do processo de
evolução, muitos deles foram-se adaptando à água doce e, até,
à vida terrestre. No entanto, os gastrópodes terrestres continuam
muito sensíveis à falta de humidade e, por isso, a maioria apenas se
desloca de noite, de manhã muito cedo ou, então, depois de uma
boa chuvada. Durante o dia, permanecem escondidos, em locais
sombrios e protegidos.

A concha do caracol serve-lhe de abrigo, em caso de perigo. No inverno


e durante os períodos de maior secura, a abertura da concha per-
manece fechada, por meio de uma fina película de líquido seco;
ou, então, fica colada a uma pedra, a um tronco de árvore ou a
uma planta. Nas lesmas, a concha desapareceu completamente
ou foi reduzida à sua expressão mais simples, formando apenas
uma pequena lâmina interna.

• O mais curioso, nos caracóis, é o duplo par de tentáculos que


têm na cabeça e a que as crianças costumam chamar “pauzinhos”
ou “corninhos”. Na extremidade de cada tentáculo do par mais
longo encontra-se um olho pouco desenvolvido; enquanto os mais
pequenos servem para sentir e
cheirar. São eles que permitem
luta biológica ao caracol procurar alimento e
companhia.
Se tiver um jardim e quiser
combater as espécies • Quase todas as espécies são
prejudiciais, não recorra a
armas químicas; ao invés, hermafroditas, como as minho-
procure eliminar os recantos cas. Durante o acasalamento, a
deixados ao abandono e fecundação mútua pode durar
coloque no chão pequenos meio dia. A autofecundação só
copos com cerveja: a cerveja raramente acontece. Para se
atrai os gastrópodes, que se
estimularem, antes do acasala-
embebedam — literalmente —
até à morte. mento, os membros de algumas
espécies “bombardeiam-se” uns

16
A
OS INVERTEBRADOS

aos outros com pequenas “flechas” de calcário, que se espetam


no corpo.

• Qualquer aprendiz de jardineiro sabe que os


gastrópodes (ou grande parte deles) são vegeta-
rianos. No entanto, só os maiores, como as les-
mas e as caracoletas, causam prejuízos graves. Os
outros alimentam-se de detritos vegetais e alguns
contentam-se até com pequenos animais mortos.

• Os caracóis e outros gastrópodes desempenham


um papel importante na vida de muitos animais.
Além dos tordos, que os apreciam particularmente
(veja, a propósito, o capítulo sobre As aves, a par-
tir da página 44), também os ouriços, as rãs e os
sapos se aproveitam da sua proverbial lentidão.
Existe mesmo uma família de moscas cujas lar-
vas parasitam, exclusivamente, os gastrópodes.
Algumas abelhas, menos agressivas, procuram
apenas as conchas já abandonadas, para nelas
fazerem o ninho.

• A concha dos caracóis terrestres é composta Pormenor da concha de um caracol


por 99 por cento de cálcio; é por isso que se
encontram muitos caracóis nas regiões calcárias,
especialmente no litoral, onde a existência de
solos adequados se conjuga com bons níveis de
humidade. Por incrível que pareça, os caracóis
obtêm o cálcio de que necessitam comendo terra
e raspando as rochas calcárias.

• A apanha exagerada de caracóis para fins gastro-


nómicos, sobretudo, e também as alterações pro-
vocadas pelos novos métodos agrícolas (acentuado
desaparecimento das sebes) e os novos modelos de
gestão florestal (com drástica redução da camada
de folhas mortas e de ervas) têm provocado, em
muitas regiões, uma considerável diminuição do
número de caracóis, havendo mesmo algumas
espécies quase extintas. Mas, como a mobilidade
destes animais é reduzida, é possível encontrar
muitas espécies e, por vezes, até espécies raras em
terrenos baldios ou cultivados de forma tradicional. Caracóis sobre um poste

17
A
PORTUGAL NATURAL II

Também os velhos muros, especialmente se tiverem sido construídos


com pedras calcárias, podem revelar-se biótopos (veja Um pouco
de vocabulário, na página 12) muito preciosos.

Bichos-de-conta: os crustáceos da terra


Quase toda a gente sabe que os caranguejos e os camarões são
crustáceos, isto é, invertebrados de carapaça dura e vários pares
de patas (quase sempre cinco), com uns palpos em forma de pinça
ou outro tipo de apêndices junto à boca; mas quantos suspeitarão
de que os vulgares bichos-de-conta (Porcellio scaber) e as espécies
afins, que se encontram em campos, jardins, hortas e, por vezes,
até dentro de casa, também pertencem a esta classe de animais? São
poucos, de certeza, porque o parentesco não se adivinha ao primeiro
olhar. Antes de mais, porque a maioria destes animais vive na água
ou perto dela, enquanto os bichos-de-conta são terrestres; depois,
Bichos-de-conta há a questão da alimentação:
os bichos-de-conta alimentam-
-se de matéria vegetal e madeira
podre, ao passo que os crustáceos
mais conhecidos são predadores
de pequenas espécies marinhas ou
aquáticas; finalmente, o tamanho:
comparados com os caranguejos,
as lagostas e até com os percebes,
os bichos-de-conta são animais
diminutos. E, no entanto, perten-
cem, de pleno direito, à mesma
família.

Quando se apanha um bicho-de-


-conta, ele enrola-se imediata-
mente sobre si mesmo, formando uma bolinha cinzenta ou castanha.
É uma atitude natural de defesa, porque a sua dura carapaça pode
resistir às investidas de muitos dos seus predadores. Mede entre
12 e 16 milímetros e é uma espécie muito abundante.

Centopeias e marias-cafés
Os miriápodes são invertebrados com nove ou mais pares de patas
(miriápode quer dizer “que tem dez mil pés”) e de corpo alongado.

18
A
OS INVERTEBRADOS

Os mais conhecidos são as diversas espécies de


centopeias e as marias-cafés.

• As centopeias são achatadas e mais ou menos


compridas e têm 15 ou mais pares de pernas.
Encontram-se em muitos locais, mas parecem
ter alguma preferência por lugares onde haja cor-
tiça ou madeira podre. Andam muito depressa e
alimentam-se de insetos, aranhas e outros pequenos
animais. Quando mordem, inoculam veneno, mas
este não costuma incomodar o homem. Apenas
algumas espécies de maior tamanho podem dar Centopeia
mordidelas dolorosas. A centopeia caseira per-
tence, evidentemente, à categoria das espécies
inofensivas. Normalmente, encontra-se perto de
pias, lavatórios e canos de esgoto.

• A maria-café pertence a uma classe diferente


da das centopeias. O corpo é cilíndrico e não
achatado e possui dois pares de patas por cada
um dos segmentos em que o corpo se encon-
tra dividido. Por isso são chamados diplópodes.
De certa forma, fazem lembrar minhocas com
pernas. As marias-cafés são cinzentas ou pretas
e costumam encontrar-se em locais húmidos,
debaixo de folhas, pedras, pedaços de madeira
ou enterradas no solo. Não mordem o homem.
São mais lentas do que as centopeias e enrolam-se
quando se sentem ameaçadas. São herbívoras.
Maria-café

Gafanhotos, grilos, louva-a-deus e baratas


O que é que as baratas e os gafanhotos têm em comum? À pri-
meira vista, nada, mas o certo é que alguns cientistas os incluem
na mesma ordem, os ortópteros. Esta reúne os insetos que têm
dois pares de asas (as asas anteriores encontram-se endurecidas),
armadura bucal capaz de triturar os alimentos e metamorfose
incompleta. A maioria alimenta-se de plantas.

Gafanhotos: verdes, castanhos e migradores


Dado o clima mediterrânico do nosso país, os gafanhotos, que
apreciam as regiões quentes e secas, sentem-se cá bastante bem.

19
A
PORTUGAL NATURAL II

Por isso, encontram-se muito bem representados,


sendo possível encontrar, entre nós, membros de
todas as principais famílias conhecidas.

Uma das espécies mais interessantes, bastante


comum, é a dos gafanhotos-verdes. Possuem
antenas muito longas e viradas para trás. O ovi-
positor das fêmeas (veja Um pouco de vocabulá-
rio, na página 12), em forma de sabre e bastante
comprido, é impressionante. À primeira vista,
este gafanhoto, que se encontra perfeitamente
camuflado nos campos, é bastante assustador;
mas, na realidade, é totalmente inofensivo.
Vive na orla dos bosques, nos campos e em mata-
gais pouco densos. Pode atingir cinco centímetros
de comprimento.

• Os gafanhotos-castanhos são geralmente mais


pequenos do que os gafanhotos-verdes, e é
Gafanhoto-verde quando estão sobre terra que se torna mais difícil
distingui-los, tanto por causa do tamanho como
da cor. Têm antenas curtas e asas quase sempre
coloridas, que, por vezes, chamam a atenção
pela sua beleza. Costumam esfregar as patas
de trás nas asas ou na barriga, produzindo um
ruído característico a que costumamos chamar
canto (veja, na página 22, a caixa O canto do
gafanhoto).

• Não poderíamos deixar de falar dos gafanho-


tos-migradores, que têm dado grandes dores de
cabeça a muitos agricultores, ao longo dos sécu-
los. Já a Bíblia fala deles, considerando as pragas
devastadoras destes insetos uma forma de castigo
divino. Parece que, nessa altura, as pragas eram
mais frequentes, mas por vezes ainda acontece
que os nossos vizinhos de Marrocos são invadi-
dos por milhares de gafanhotos. E também em
Portugal já houve invasões: na década de 1960,
Gafanhoto-migrador uma praga de uma espécie afim dos gafanhotos-
-migradores atingiu o Alentejo, destruindo várias
plantações de tomate, e, mais recentemente, em 2004, a costa
oeste do Algarve.

20
A
OS INVERTEBRADOS

Normalmente, os gafanhotos-migradores são sedentários e solitários,


mas quando as condições a isso se prestam (nomeadamente quando
há grande abundância de indivíduos e falta de alimento), pode
ser desencadeada uma fase gregária, que determina a migração.
O mais curioso é que a passagem da fase solitária à fase gregária
é acompanhada de mudanças a outros níveis, que incluem até
alterações de forma e de cor.

Normalmente, os gafanhotos-migradores têm entre três e seis


centímetros de comprimento, são robustos e voam muito bem.
As antenas são curtas, como nos gafanhotos-castanhos.

• Se apanhar um gafanhoto com a mão, o mais certo é que ele


liberte um líquido colorido (normalmente, castanho-esverdeado).
Mas não se assuste: esse líquido, que não passa de suco gástrico,
é totalmente inofensivo. Apesar disso, no entanto, não deixa de
lhes ser útil, porque o seu gosto é de tal forma desagradável que
as aves, os lagartos e outros predadores naturais dos gafanhotos
o detestam.

Grilos e ralos
Quanto aos grilos, o mais conhecido de todos, quanto mais não
seja através das histórias para crianças e dos desenhos animados
(há alguém que desconheça a história do Pinóquio e do seu Grilo
Falante?), é o grilo-do-campo. Atualmente, começa a tornar-se
raro. Tem cerca de dois centímetros de comprimento, cor negra
de azeviche e asas bem desenvolvidas, que usa para produzir o
seu som característico. Mas só os machos cantam.

• O mesmo acontece com os grilos-domésticos, que são mais peque-


nos, mais graciosos e mais claros (tonalidade predominantemente
castanha) do que os seus parentes Grilo-do-campo
do campo. Refugiam-se, sobre-
tudo, nas casas bem aquecidas,
e o seu canto estridente e agudo
perturba o sono de muita gente.

• Igualmente barulhentos, os ralos


distinguem-se dos grilos pelo
tamanho — podem atingir seis
centímetros de comprimento e
são bem mais corpulentos — e
pelo aspeto, que é, à primeira

21
A
PORTUGAL NATURAL II

vista, um pouco assustador. Não são muito apre-


ciados, devido aos estragos que fazem nas hortas
e nos jardins, onde roem as raízes das plantas.
No entanto, a sua utilidade é maior do que os pre-
juízos que causam, porque contribuem bastante
para o arejamento e para a movimentação dos
solos onde se encontram. Por essa razão também
são chamados grilos-toupeiros. E a verdade é que,
tal como as toupeiras, estes insetos estão perfei-
tamente adaptados à vida subterrânea; possuem
uma espécie de escudo à volta do pescoço, e as
patas dianteiras, bastante possantes, fazem lem-
brar pás escavadoras. São atraídos pela luz e, por
vezes, podem encontrar-se junto de candeeiros ou
de outras fontes luminosas. Apesar de possuírem
asas bem desenvolvidas, que lhes permitem voar
sem problemas, não o fazem com frequência.
Ralo ou grilo-
-toupeiro

o canto do gafanhoto
As diferentes espécies de gafanhotos e de grilos produzem um som
tão característico que é possível identificá-las através do canto,
tal como acontece com as aves. Os gafanhotos-castanhos, por
exemplo, produzem um som muito estridente, esfregando as patas
traseiras nas espessas nervuras das asas ou nas saliências do ven-
tre. Os grilos e os gafanhotos-verdes, por sua vez, produzem o som
esfregando, muito simplesmente, as asas uma na outra.

• As baratas são pequenos animais de péssima reputação. São muito


caseiras e, como boas omnívoras que são, alimentam-se de quase
tudo o que podem encontrar numa habitação. Dessa forma, conta-
minam os alimentos, o que as torna, além do mais, grandes inimi-
gas dos bares, restaurantes e de outras casas de “comes e bebes”.
Reproduzem-se rapidamente e podem atingir a dimensão de pragas.
Entre nós, a mais comum é a barata-castanha. A barata-negra é
maior e faz lembrar um escaravelho. Ambas são bastante velozes
e podem esconder-se facilmente em pequenos buracos e gretas.

• Os louva-a-deus, que pertencem a outra ordem (a Dictyoptera),


devem o seu nome à “mania” de andarem quase sempre de mãos
postas, como se estivessem a rezar. No entanto, essas patas são

22
A
OS INVERTEBRADOS

armas terríveis, que usam com grande perícia para capturar e


prender as suas presas. São predadores muito vorazes e alimentam-
-se de grande variedade de insetos. Para ajudar, possuem ótimas
capacidades miméticas, o que lhes permite aguardar as presas,
em posição de combate, sem serem notados.

Louva-a-deus

Cigarras, percevejos, pulgões e afins


Estes insetos, tal como os anteriores, também não realizam meta-
morfoses completas. Pertencem à ordem dos hemípteros. A maioria
tem quatro asas, mas alguns nem sequer as possuem. Na realidade,
trata-se de um grupo de insetos de características muito diversas,
que inclui espécies terrestres e aquáticas, herbívoras e predadoras,
tanto úteis ao homem como prejudiciais. O ponto que os une é o
facto de todos terem um aparelho bucal “picador-sugador”, que
usam para picar as presas ou os vegetais e deles extrair o alimento.

• As cigarras são bem conhecidas, sobretudo devido ao canto


insistente dos machos, que enche as tardes de verão em campos
e bosques. Voam bastante bem e costumam pousar sobre troncos
e ramos de árvores. Alimentam-se geralmente de ervas e arbustos,
mas certas espécies apenas sugam a seiva de algumas plantas.

• Se costuma passear pelos campos, já deve ter reparado que,


por vezes, algumas plantas parecem ter pequenas bolas de espuma no

23
A
PORTUGAL NATURAL II

caule. Essa espuma deve-se à pre-


sença de crisálidas de cigarrinhas,
pequenos insetos saltadores que
costumam frequentar as orlas dos
bosques e os campos de vegeta-
ção não muito densa. Algumas
espécies têm cores muito vivas,
mas a mais comum entre nós é
apenas cinzento-acastanhada.
Hibernam no inverno.

• Muitos pulgões constituem uma


verdadeira praga para diversos
Philaenus spumarius tipos de plantas. Costumam
(cigarrinha-
-da-espuma) andar em grupo, sendo comum
encontrarem-se indivíduos em
diferentes fases de desenvol-
vimento. As plantas atacadas
acabam, muitas vezes, por ficar
enroladas ou murchas. Além
disso, muitos pulgões transmitem
doenças, que, dessa forma, se
propagam de planta para planta.
Felizmente, os pulgões são vítimas
de diversos tipos de predadores,
entre os quais se contam, por
exemplo, as joaninhas. O pulgão-
-das-couves é uma das espécies
mais conhecidas.

• Existem muitas espécies dife-


rentes de percevejos. Carac-
Pulgão terizam-se, quase todos, por
possuírem uma espécie de
escudo que lhes cobre o abdó-
men e uma espécie de ferrão que usam para perfurar e sugar os
caules das plantas ou o corpo dos animais que caçam. Muitas
espécies são extremamente coloridas e algumas têm até lindís-
simos reflexos metálicos. Isto não é, porém, o que acontece com
o incómodo percevejo-doméstico. Trata-se de um percevejo total-
mente castanho e nada atrativo, que, além disso, tem o hábito
pouco agradável de sugar o sangue a quem dorme. Já foi, ao que
parece, o maior predador da humanidade, antes da invenção dos

24
A
OS INVERTEBRADOS

Graphosoma lineatum
ou percevejo-de-
-riscas (também
designado por
percevejo-listrado)

inseticidas e da água canalizada. Hoje parecem ser os morcegos


e as aves as principais vítimas deste sugador de sangue.

Tira-olhos e libelinhas
Quem nunca se deteve a admirar o fascinante voo
de uma libélula ao longo de um ribeiro? Muitos o libélulas,
fizeram, com certeza, e desde tempos imemoriais, libelinhas
porque as libélulas são os insetos voadores mais ou tira-olhos?
antigos. Os seus ancestrais já existiam 280 milhões
Há quem designe indiferentemente
de anos antes da nossa era! Os cientistas costumam
libélula ou libelinha quer falemos
dividi-las em dois grandes grupos: os anisópteros, de anisópteros ou de zigópteros
maiores e com as asas diferentes, e os zigópteros, e quem chame libélula aos
mais pequenos e com as asas iguais (veja a caixa primeiros e libelinhas ou tira-
Libélulas, libelinhas ou tira-olhos?, à direita). -olhos aos segundos. Para
facilitar a compreensão do texto,
optámos por usar esta última
Como distinguir os dois grupos? Antes de mais, forma, embora não haja distinção
as libélulas, quando estão em repouso, costumam dos termos em português.
manter as asas abertas, enquanto a maioria das
libelinhas as conserva fechadas; depois, as libélulas
veem-se quase sempre em plena perseguição de outros insetos,
à superfície da água, ao contrário das libelinhas, que se mantêm
escondidas, discretamente, entre a vegetação das margens de rios
e ribeiros. As larvas de ambas as espécies vivem na água (veja o
capítulo dedicado aos Animais de água doce, a partir da página 146).
Contrariamente ao que, por vezes, se diz, nem as libélulas nem

25
A
PORTUGAL NATURAL II

Libélula Anax imperator Libelinhas

as suas larvas picam o homem. São completamente inofensivas,


e até as libélulas de maior envergadura não vão além de umas
inocentes mordiscadelas quando apanhadas à mão.

Este é o caso da Anax imperator, um “tira-olhos” de aspeto impres-


sionante, que, apesar do nome, nunca tirou os olhos a ninguém.
Alguns exemplares chegam a medir oito centímetros, pelo que é
uma das libélulas de maior tamanho.

Em diversos países da Europa, a sobrevivência de muitas espé-


cies de libélulas encontra-se perigosamente ameaçada, devido à
deterioração dos biótopos naturais e à forte poluição da superfície
das águas. Entre nós, são ainda relativamente frequentes, porque
ainda existem, felizmente, muitos rios e ribeiros com baixos níveis
de poluição.

Borboletas e suas larvas


De asas leves e reluzentes, “saltitando” de flor em flor sob o sol pri-
maveril, as borboletas são uma alegria para os olhos. Esse agradável
espetáculo deve-se, quase sempre, a borboletas de tipo diurno,
apesar de as espécies “noturnas” serem em maior número.

Convém saber que o termo borboleta-noturna não é totalmente


correto, porque, na realidade, a grande maioria dessas borbo-
letas também voa de dia ou ao crepúsculo. Apesar de menos

26
A
OS INVERTEBRADOS

vistosas, muitas delas também possuem desenhos e cores e


algumas, como, por exemplo, as esfinges (quem não se recorda
delas no filme O silêncio dos inocentes?), são verdadeiramente
espetaculares, tanto no que toca à aparência como ao compor-
tamento. É fácil distinguir as borboletas noturnas das diurnas,
porque estas têm antenas finas, que se vão alargando no sentido
das extremidades até formarem, na ponta, uma pequena protu-
berância. As noturnas possuem, regra geral, antenas sem protu-
berância e em forma de pente.
Maniola jurtina
As borboletas vivem a maior parte da vida no
estado de lagarta (larva) ou de crisálida. A maioria
das espécies gera apenas uma “ninhada” por ano
e hiberna enquanto crisálida. Outras põem ovos,
uma primeira vez, no princípio do ano e uma
segunda vez no verão. As borboletas-da-couve, para
desespero dos lavradores e horticultores, podem
procriar uma terceira, e até uma quarta vez, se o
verão ou o final do outono a isso se prestarem,
dependendo da temperatura ambiente. Só algumas
borboletas diurnas hibernam no estado adulto,
quase sempre em locais sombrios e frescos: num
muro de pedra, numa garagem ou sob a casca de
uma árvore, por exemplo. Mas, mal chegam os
primeiros dias de sol, é costume vê-las esvoaçando
alegremente…

Borboleta-saturna

27
A
PORTUGAL NATURAL II

Lagarta de
borboleta

espreitando as borboletas…
Tal como muitos outros insetos, as de ano para ano, espécies diferentes. Mas,
borboletas costumam estar mais ou menos depois de as observar e identificar, não se
ligadas a uma determinada planta. Além esqueça de as libertar! Para lhe despertar
de extraírem delas o alimento, também é (ou aguçar) a curiosidade, eis os nomes
nelas que põem os ovos. Dessa forma, as de algumas borboletas comuns e os das
lagartas, quando nascem, alimentam-se plantas a que costumam estar associadas.
diretamente da planta e os pais-borboletas •• Borboleta-da-couve: encontra-se
nada mais têm a fazer. nas couves, claro está!
Se estiver interessado num tipo específico •• Anthocharis cardamines (atenção: só
de borboleta, procure acompanhar a sua o macho possui manchas luminosas
evolução e descobrir em que planta põe cor de laranja nas asas): aliária,
os ovos. Após a postura, envolva a planta cardamina-dos-prados.
com uma rede leve e espaçosa, de malha •• Borboleta-cauda-de-andorinha:
suficientemente cerrada, que poderá fixar cenoura-brava, pequenas raízes.
à volta do caule. Algum tempo depois •• Vanessa atalanta, Inachis io, Aglais
(normalmente, passadas uma a duas urticae: urtigas.
semanas), os ovos abrem-se e deles
surgem umas lagartas minúsculas. Cerca de
quatro semanas depois (durante as quais
passam a maior parte do tempo a comer),
as lagartas começam a fabricar os casulos,
que ficam suspensos dos ramos da planta-
-hospedeira e passam ao estado de
crisálida. Segue-se um período de
transformações espetaculares, no fim do
qual a borboleta adulta acaba por escapar
do casulo. Mantendo-as sob a rede, poderá
observá-las à vontade e até comparar, Borboleta-zebra

28
A
OS INVERTEBRADOS

• Devido à sua alimentação, as lagartas encontram-se


ligadas a determinadas variedades de plantas ou
grupos de plantas. A maioria vive sobre as folhas
(como a lagarta do bicho-da-seda), outras preferem
as flores ou as sementes ou fazem orifícios nos
caules ou nos troncos, nas raízes ou nos frutos
(como a pirálide-da-maçã ou bicho-da-macieira).
Já as traças, como toda a gente sabe, são loucas
por “plantas” muito especiais: vestuário de todos
os tipos…

A maioria das lagartas também está bem pro-


tegida contra os eventuais predadores: algu-
mas têm um gosto horrível e exibem cores que
afugentam os inimigos; outras estão cobertas
de pelos ou de espinhos urticantes; outras
escondem-se dentro de uma espécie de teia
macia, como é o caso das processionárias (é
preferível não lhes mexer, porque podem Traça, a “devoradora”
de vestuário
provocar uma reação alérgica muito incómoda). Em caso de
perigo, algumas lagartas também são capazes de tecer uma
espécie de fio, pelo qual se deixam deslizar. Passado o perigo,
voltam a subir por ele e regressam ao seu cantinho habitual.
Finalmente, as crisálidas escondem-se numa folha, dentro de um
casulo; ou, então, deixam-se ficar suspensas de um caule fino,
mimetizando o aspeto das folhas da planta onde se encontram.

Pinheiro atacado
por processionária

29
A
PORTUGAL NATURAL II

• Regra geral, uma espécie de borboletas apenas


como atrair frequenta a zona onde se encontra a planta que
as borboletas lhe serve de alimento. Mas o clima e, sobretudo,
É verdade que algumas das mais o microclima também desempenham, nesse aspeto,
belas borboletas diurnas começam um papel importante. Graças a essas característi-
a tornar-se raras. No entanto, as cas e porque são fáceis de detetar, as borboletas
espécies consideradas “vulgares” funcionam como bioindicadores muito úteis da
também não são destituídas de
integridade ecológica de um determinado lugar.
atrativos. Para confirmar esse
facto, poderá atraí-las facilmente Nesse âmbito, os estudos efetuados por alguns
cultivando, no seu jardim ou noutro investigadores têm detetado fortes alterações na
local adequado, plantas de que distribuição de algumas espécies, que, antigamente,
gostem. As variedades mais propícias eram abundantes entre nós. Apesar disso, algumas
são a valeriana, a vara-de-ouro, o
espécies ameaçadas noutras regiões da Europa
cravo, a vermiculária, a madressilva,
as violetas, etc. Se o terreno ainda se podem encontrar, com relativa facilidade,
disponível for suficientemente em Portugal. No Parque Nacional da Peneda-Gerês,
extenso, poderá preparar, inclusive, concretamente, existem muitas das espécies que
uma pequena zona de mato se considera estarem em perigo a nível europeu.
espinhoso e uma superfície relvada, Outras regiões nacionais onde a fauna de bor-
orientada para sul. Desse modo,
não só as borboletas mas também boletas é ainda bastante rica são, por exemplo,
numerosos insetos e aves aí a serra da Malcata, a serra da Arrábida e o sapal
encontrarão um local de eleição. de Castro Marim.

Moscas, mosquitos e moscardos


Ninguém morre de amor por eles, até porque alguns são verdadeira-
mente incómodos, como é o caso dos mosquitos e moscardos, que
sugam, sem contemplações, o sangue de homens e animais. Mas
isso só é verdade no caso das fêmeas, já que os machos, desprovidos
de aguilhão, se contentam em espoliar as flores, pacificamente.
Moscardo
• Ao contrário das abelhas e vespas
(veja a partir da página seguinte),
estes insetos têm apenas um par
de asas (daí o nome científico de
dípteros, que significa “duas asas”).
O segundo par ficou reduzido a
pequenas saliências. Excetuando
esta característica, as semelhanças
entre algumas moscas e as vespas
e abelhas são espantosas. Parece
que, graças a esse mimetismo,
as moscas procuram escapar à

30
A
OS INVERTEBRADOS

voracidade das aves. As moscas pertencentes à família dos sirfídeos,


que são particularmente hábeis nesse mimetismo, podem enganar
até alguns especialistas em insetos!

• Algumas espécies de moscas têm particularidades interessantes.


A mosca-do-esterco, por exemplo, desagrega os excrementos e as
matérias mortas, facilitando a sua decomposição e integração no
solo. Já a mosca-doméstica (tal como outras espécies que se alimen-
tam de detritos mais ou menos Típula
decompostos) difunde germes
causadores de doenças e é, por
isso, prejudicial. As moscas da
família dos sirfídeos extraem o
alimento das flores e favorecem
a polinização, além de as larvas
serem grandes devoradoras de
pulgões. As moscas-drosófilas
transformam o vinho em vinagre.
Finalmente, as larvas das típulas,
uma espécie de melga, podem
causar estragos nas pastagens e
nas hortas, pois comem raízes.

Abelhas, vespas e formigas


Pertencentes ao enorme grupo dos himenópteros, vespas, abelhas
e formigas têm em comum o facto de possuírem aguilhão. Trata-se
de um órgão ovipositor transformado, munido de uma glândula
de veneno. Não é só um órgão de defesa, mas um instrumento que
lhes permite paralisar as presas. Os machos, como não põem ovos,
não possuem ovipositor e, logo, não podem picar. Mas são poucas
as espécies cujas picadas são dolorosas para o homem. As abelhas
que fabricam mel (melíferas) só nos podem picar uma vez, porque o
aguilhão que possuem tem saliências que impedem que, depois de
enterrado na pele, se possa voltar a tirar. A abelha fica condenada à
morte. As vespas, pelo contrário, podem usar o aguilhão sempre que
necessário, sem que isso lhes traga problemas. Por sua vez, algumas
espécies de formigas perderam o aguilhão, mas possuem mandíbu-
las fortes e um estilete, com que injetam o irritante ácido fórmico.

Muitos insetos inspiram-se na má reputação das abelhas, vespas e


formigas e imitam-lhes as formas e as cores, beneficiando, assim,

31
A
PORTUGAL NATURAL II

de proteção passiva. Diversas espécies de lagartas, escaravelhos e


moscas ostentam, por essa razão, as cores negra e amarela das vespas.

• As vespas, as abelhas e as formigas desenvolveram um comporta-


mento social muito evoluído. Uma ou várias rainhas dominam um
Estado bem organizado e encarregam-se da procriação. As fêmeas
mais pequenas e estéreis, as obreiras, ocupam-se da construção
do ninho, da procura de alimento para as larvas e da defesa da
colónia. Os machos só se desenvolvem durante uma curta parte
do ano. A sua missão é só uma: fertilizar a rainha.

Uma colónia pode ter entre vários milhares e várias dezenas de


Uma colónia
milhares de membros. As colónias de abelhas melíferas e de for-
de abelhas migas subsistem durante vários
anos. Nas vespas, a rainha fecun-
dada fica sozinha após o período
de hibernação; no verão, só as
pequenas obreiras voam e, no
final do outono, quando as novas
rainhas já se encontram fecun-
dadas, a anarquia instala-se, e o
Estado organizado deixa de existir.
Muitas vespas fogem, voam em
círculos e descobrem, sob o sol
de outono, as mesas apetitosas
de terraços e esplanadas. Mas,
se não forem incomodadas,
Um ninho mantêm-se pacíficas.
de vespas

• Algumas espécies de abelhas,


de vespas e de formigas não pro-
duzem obreiras, mas as rainhas
infiltram-se nos ninhos de outras
espécies, matam a rainha local e
instalam-se no trono. As obreiras
sobreviventes inclinam-se perante
a nova rainha e alimentam os
seus descendentes. As abelhas
selvagens e a maioria das ves-
pas levam uma vida solitária,
embora, por vezes, construam
aldeamentos. Muitos outros
insetos dependem das abelhas,

32
A
OS INVERTEBRADOS

vespas e formigas, e alguns parasitas vivem nos adultos e até nas


larvas. Nos ninhos das espécies socialmente organizadas vivem
também muitos saprófitas (seres que se alimentam de matérias
orgânicas mortas) ou outros pequenos animais que se aproveitam
do alimento recolhido pelas obreiras.

Abelhas
A dieta das abelhas é constituída
de pólen e néctar de flores. Mas
o comprimento da língua é dife-
rente conforme as espécies e, em
consequência, nem todas as flores
são acessíveis a todas as abelhas.
Por essa razão, desempenham
um papel muito importante na
fecundação de numerosas espé-
cies de plantas, o que inclui algu-
mas árvores de fruto (a pereira,
a macieira, a ameixoeira, etc.).
por exemplo, sem abelhas, não
poderíamos saborear aquela fruta
de que tanto gostamos... Abelhas na colmeia

A criação doméstica de abelhas (apicultura) é um costume secular,


porque o mel era o único adoçante de que os nossos antepassados
dispunham. Atualmente, continuam a existir milhares de apicul-
tores em Portugal, e os grupos de colmeias, que, vistos de longe,
parecem pequenas aldeias, constituem uma paisagem relativamente
frequente entre nós. A cor do mel depende do tipo de flor utilizada
pelas abelhas. Entre nós, o rosmaninho, que dá um mel quase
transparente, é a planta mais frequentemente utilizada. Quando
as plantas secam e o mel fica maduro, este é retirado dos favos,
o que costuma acontecer, dependendo das zonas, entre princí-
pios de junho e finais de agosto ou setembro. Mas nem só para o
fabrico de mel servem as colmeias. A cera, o pólen, a geleia real e
a propólis (substância usada para calaftar os cortiços) são outros
produtos que delas se podem retirar, alguns até com propriedades
cosméticas e terapêuticas. É por todas as razões apontadas que as
abelhas são um dos grupos de insetos com maior valor económico.

Vespas
Debaixo da habitual denominação de vespas escondem-se diver-
sas espécies de insetos (cerca de cinco mil), cujo modo de vida e

33
A
PORTUGAL NATURAL II

aspeto exterior são bastante diferentes. As vespas


comuns fabricam o ninho com uma espécie de pasta
de papel: com as sólidas mandíbulas, mastigam
madeira até que esta fique suficientemente fina;
depois, por meio da saliva, reduzem-na a uma
polpa maleável e iniciam a construção do ninho.

No final do verão, constituem-se colónias de vespas


comuns que podem albergar milhares de indiví-
duos. As larvas têm uma dieta à base de insetos.
Para isso, as vespas obreiras atacam, sobretudo,
as espécies mais numerosas, desempenhando, dessa
forma, um importante papel na manutenção do
equilíbrio ecológico. O mesmo acontece com as
vespas-solitárias. Estas, no entanto, atacam presas
bem definidas: umas são predadoras de baratas,
outras de moscas, outras de escaravelhos, etc.
As vítimas, por vezes muito maiores do que os
carrascos, são paralisadas e transportadas para
o ninho. A vespa põe um pequeno ovo sobre a
presa e, quando sai, a larva alimenta-se direta-
mente dela.
Vespa voando
sobre uma flor
Para se abrigar, a maior parte das vespas solitárias
escava pequenas galerias subterrâneas. Outras preferem caules
de plantas ou pequenos cantos sombrios em troncos de árvores e
até caixilhos de janelas. Outras, ainda, ocupam ninhos de abelhas
solitárias e parasitam as suas larvas.

Formigas
As formigas são fáceis de reconhecer. As suas antenas são curvas,
e a maioria não tem asas. As rainhas nascem com asas, mas só as
usam por ocasião do voo nupcial. Depois, perdem-nas.

As formigas-obreiras procuram alimento nas redondezas do ninho


(formigueiro). Capturam pulgões, porque adoram o líquido açu-
carado que estes segregam, arrastam-nos para o ninho e, em
contrapartida, protegem-nos, afugentando os possíveis inimigos.
Também apreciam, embora em menor grau, o néctar das flores e
o suco de algumas plantas e alguns frutos. Finalmente, as obreiras
matam, sem contemplações, qualquer intruso (outros insetos, por
exemplo) que ouse aventurar-se nas redondezas do formigueiro.
Depois arrastam os cadáveres para “casa” e fazem um banquete…

34
A
OS INVERTEBRADOS

As formigas desempenham
um papel muito importante
na disseminação de sementes
de plantas. Algumas, como as
violetas, até produzem semen-
tes cujo apêndice açucarado
atrai as formigas. Em Portugal,
a espécie mais comum é a das
formigas-vermelhas. São bastante
úteis, devido à razia que fazem
em milhares de outros insetos,
o que ajuda a evitar que estes
atinjam proporções excessivas.
Formigas-vermelhas
em sobreiro

Besouros, joaninhas, carochas


e outros que tais…
De todas as cores, tamanhos e formas possíveis, os coleópteros
são, talvez, os mais divertidos membros do mundo dos insetos,
especialmente se fizermos de conta que não nos lembramos do
bicho-da-madeira e de outros parentes menos bem-vindos…

Essa diversidade compreende-se se tivermos em conta que se trata


da ordem mais numerosa do reino animal (300 a 400 mil espécies).
Mas não é só o aspeto que é diferente. Os modos de vida também.
Entre os coleópteros existem comedores de plantas, roedores de
madeira, apreciadores de estrume, devoradores de pólen, parasitas
e sabe-se lá que mais. Alguns deles adaptaram-se, inclusive, à vida
aquática (veja o capítulo Animais de água doce, a partir da página 146).
Joaninha
O traço comum que os une é o
facto de o primeiro par de asas
se encontrar endurecido, gra-
ças à quitina (veja Um pouco de
vocabulário, na página 12) que
os cobre. Um grande número de
espécies atinge as respeitáveis
dimensões de três centímetros,
e até mais, mas também se encon-
tram algumas com apenas um
centímetro. Mas até os mais cor-
pulentos, como o besouro, são

35
A
PORTUGAL NATURAL II

bons voadores, apesar de a sua capacidade de efetuar manobras


deixar, por vezes, algo a desejar…

• Os escaravelhos são úteis não só do ponto de vista


ecológico mas também económico. Uma centena
de espécies rapidamente leva a que o processo de
decomposição de uma bosta de vaca, por exemplo,
chegue ao seu termo. Isto é de tal forma verdade
que os australianos se viram obrigados a importar
uma raça precisa de escaravelhos para “digerir” as
toneladas de estrume produzidas pelos rebanhos
de carneiros — os quais, por sua vez, também
tinham sido importados.

Também a agricultura tem, nos escaravelhos, mais


Escaravelho-do-esterco amigos do que inimigos. As carochas, por exemplo,
devoram todos os tipos de outros insetos e contri-
buem, dessa forma, para o equilíbrio ecológico das
pastagens e dos campos.

• As joaninhas adultas e as suas larvas livram-nos


dos pulgões e das cochonilhas. A mais frequente
é a joaninha-de-sete-pintas, mas também existem
espécies com duas, dez, onze, catorze e vinte e duas
pintas. Mas, contrariamente às suas congéneres,
a joaninha-de-vinte-e-duas-pintas alimenta-se dos
bolores do míldio, uma espécie de fungo, que
propaga com as suas patas: uma nódoa negra no
brasão desta simpática família de escaravelhos!
Escaravelhos-
-vermelhos a acasalar
• Existem ainda outros escaravelhos que favorecem a dispersão dos
fungos. Um deles — o escolitídeo-dos-ulmeiros — transmite o fungo
responsável por uma doença que ataca os ulmeiros, a grafiose, que
nos anos 1980 foi responsável pela devastação da população de
ulmeiros em Portugal. O fungo desenvolve-se no sistema vascular
das árvores, enchendo-o a tal ponto que os ramos morrem uns a
seguir aos outros. Ao abandonarem a árvore doente, os escaravelhos
levam consigo esporos dos fungos e infetam, dessa forma, novos
espécimes. O único meio eficaz de lutar contra esta epidemia consiste
em cortar e queimar, o mais cedo possível, os ulmeiros infetados.

• O escaravelho-da-batata também não é dos mais estimados.


Originário da América do Norte, encontrou na batateira o alvo

36
A
OS INVERTEBRADOS

ideal. Tanto as larvas como os adultos se alimentam das folhas


desta planta, o que dificulta a formação da batata propriamente
dita. Por outro lado, as diversas espécies de gorgulhos, que se
alimentam de sementes, flores, folhas e raízes de plantas, bem
como de alguns frutos, também têm dado sérias dores de cabeça
aos agricultores de todos os tempos…

• Em contrapartida, a agricultura moderna também tem provocado


inúmeras baixas entre os escaravelhos. Por exemplo, o besouro
era, ainda não há muito tempo, bastante frequente; atualmente,
o seu número tem vindo a diminuir. Os seus lugares prediletos,
os valados e as sebes de árvores, são cada vez em menor número,
pois deixaram de ser necessários para a divisão das parcelas de
terreno. Além disso, as larvas dos besouros, que vivem durante
três a quatro anos debaixo de terra, alimentando-se de todos os
tipos de raízes, resistem mal aos produtos químicos. Escaravelho-
-da-batata

• O maior escaravelho da Europa é a vaca-loira, cujo macho chega


a atingir oito centímetros. A larva vive, sobretudo, nos velhos
troncos de carvalho, e o seu desenvolvimento dura, pelo menos,
cinco anos. Quando atingem a idade adulta, os machos da espécie
costumam travar renhidas lutas pela posse das fêmeas, servindo-
-se das mandíbulas como armas.

• O pirilampo também é um coleóptero. Encontra-se normalmente


em zonas onde há muitas árvores, nos campos e ao longo dos
caminhos. Na espécie mais comum, tanto machos como fêmeas

Vaca-loira, o maior
escaravelho da Europa

37
A
PORTUGAL NATURAL II

podem produzir luz, para comunicar entre si. As larvas alimentam-


-se, entre outras coisas, de pequenos caracóis, mas os adultos não
têm grande apetite. Como as fêmeas, que se assemelham a larvas,
não podem voar, os pirilampos têm dificuldade em colonizar novos
territórios, sobretudo quando os biótopos adequados ficam afas-
tados uns dos outros. Isso significa que se trata de uma espécie
mais frágil do que aquelas que se podem deslocar facilmente.

Aranhas
Do mito…
São muitas as lendas e outras histórias mais ou menos fantasiosas
que têm as aranhas como protagonistas. Por isso, vamos aproveitar
para esclarecer algumas dúvidas que possa ter a respeito delas…

• Por exemplo: serão as aranhas monstros? Bom, alguns filmes de


terror parecem defender essa ideia. E também é verdade que não é
muito agradável imaginarmos (quanto mais sentirmos) uma aranha
a andar em cima de nós…

Mas, na realidade, as aranhas são uns bichinhos inocentes (ou quase…).


Mais ainda: são uns animaizitos admiráveis, de formas e cores muito
diversas e com um comportamento apaixonante, que, certamente,
merecem mais atenção do que aversão. Mesmo quando se trata de
uma banal aranha-doméstica que tenha caído dentro da banheira.
E, mesmo que o seu modo de vida algo secreto, os seus movimen-
tos bruscos e a sua aparência peluda lhe provoquem algum medo,
garantimos-lhe que não é essa a intenção da pobre criatura. Quando
abandona a teia e começa a “passear-se” pela casa, o seu objetivo
é, sobretudo, encontrar um companheiro e procriar.

• Outra questão: serão as aranhas perigosas? É verdade que a maioria


emite um veneno paralisante, com o qual imobiliza as presas, mas
a concentração desse veneno é tão fraca que não faria mal a um
recém-nascido. Além disso, a maior parte das espécies europeias
foge do homem e só morde se for agarrada ou se for apanhada
entre a pele e uma peça de vestuário. Só a viúva-negra europeia e
a tarântula-europeia são realmente perigosas, mas a probabilidade
de algum dia encontrar uma delas é extremamente remota.

Nas regiões tropicais vivem algumas aranhas, nomeadamente


as do género Phoneutria, que são mortais. Medem cerca de três

38
A
OS INVERTEBRADOS

Ocelos ou olhos
simples de uma aranha

centímetros e são muito agressivas. Antes de morder, tomam uma


atitude ameaçadora, empoleirando-se nas patas e balançando-se
de um lado para o outro. Mas não se esqueça de que existem mais
de 25 mil espécies de aranhas…

• Finalmente: serão as aranhas úteis? Sim, sem quaisquer dúvidas.


Uma “greve” de aranhas seria rapidamente notada, porque elas
são temíveis caçadoras de insetos. Por sua vez, as aranhas são
uma importante fonte de alimentação para outros seres vivos,
como, por exemplo, algumas aves. Dez a vinte e cinco por cento
da ração alimentar das crias de pardais é constituída por aranhas.

… à realidade
Tendo “desmontado” alguns dos principais preconceitos respei-
tantes às aranhas, talvez possamos dar início a um novo tipo de
relacionamento entre o homem e os aracnídeos…

• Comecemos por nos interessar pela constituição física das ara-


nhas. É possível distinguir duas partes principais: o prosoma ou
cefalotórax, de onde saem quatro pares de patas, e a parte poste-
rior ou abdómen, de forma arredondada, em cuja extremidade se
situam as fiandeiras (veja a ilustração na página seguinte). A maioria
das aranhas tem oito olhos, mas algumas têm apenas seis, ou até
menos. Abaixo dos olhos, podemos distinguir uma espécie de

39
A
PORTUGAL NATURAL II

quinto par de patas: os palpos. Nos machos adultos, os palpos


são arredondados nas extremidades, fazendo lembrar luvas de
boxe. Mas, na verdade, trata-se dos órgãos sexuais, os quais se
introduzem, como um mecanismo de fechadura, na abertura geni-
tal da fêmea, que se situa na base do abdómen. Nos mais jovens,
estes órgãos sexuais estão pouco desenvolvidos e não permitem
distinguir os dois sexos. Mas, após algumas mudas, isso torna-se
cada vez mais claro. As quelíceras exibem um ferrão, que possui
veneno na extremidade. As patas encontram-se cobertas de picos
e de pelos e funcionam como órgãos do olfato e do tato.

• A teia das aranhas é uma das fibras naturais mais resistentes que
se conhecem; é bastante mais sólida do que o nylon ou mesmo o
arame de grossura comparável. Mas, contrariamente ao que acon-
teceu com outras fibras naturais, como a seda, ninguém conseguiu
ainda sintetizar e industrializar uma teia de aranha… No entanto,
algumas famílias de aranhas, como as tarântulas, não tecem teias
e caçam as suas vítimas como qualquer outro predador.

ARANHA (VISTA DE CIMA)

Palpos

Quelíceras
Olhos

Fiandeiras

40
A
OS INVERTEBRADOS

• Muitas espécies de aranhas são raras e circunscri-


tas a habitats bem determinados, como as lagoas
das zonas montanhosas, as charnecas, as grutas,
etc. Mas a maioria vive lado a lado com o homem.
É o caso da aranha-doméstica, que pertence ao
género Tegenaria. O fabrico da sua teia, que tem a
forma de um funil, requer alguns dias de trabalho.
Constrói-a de tal modo que os insetos ficam presos
e estrebucham nos fios, na ânsia de se libertarem;
nessa altura, ela surge… Após o acasalamento,
os machos e as fêmeas vivem algumas semanas
juntos; depois o macho morre e a fêmea… come-o!
A fêmea vive vários anos e pode passar sem comer
e sem beber durante meses.

• As teias cheias de nós que se veem, com frequência,


no teto das casas e por onde rapidamente passa-
mos a vassoura devem-se aos aranhiços. As patas
destes pequenos animais, finas e longas, chegam
a medir cinco centímetros e o corpo entre oito
e dez milímetros. Se não forem incomodados,
podem viver três anos.

• Muito conhecidas são, também, as aranhas-dos-


-jardins, que atingem um comprimento máximo Teia de aranha
de dois centímetros. Reconhecem-se facilmente
pelos desenhos característicos, na maioria das vezes
em forma de cruz, que têm no dorso. Tecem uma
teia bastante típica, em forma de roda; e todos
os dias fabricam uma nova teia. Os fios contêm
gotas minúsculas e pegajosas que impedem as
presas de fugir.

• Os outros hóspedes dos jardins pertencem à


família das tarântulas ou aranhas-lobo: estas vora-
zes caçadoras, que não fazem teias, atingem, no
máximo, um centímetro de comprimento. De
maio a julho, as fêmeas deslocam-se com o casulo
debaixo do abdómen. Chocam o casulo ao sol, Aranha-lobo
mas, ao menor sinal de perturbação, escondem-
-se nos arbustos. No entanto, quando as crias saem do ovo, ainda
andam às costas da mãe, que as protege dos predadores, durante
algum tempo.

41
A
PORTUGAL NATURAL II

• As aranhas-saltadoras são menos famosas, mas


não menos interessantes. Gostam do calor e cos-
tumam cobrir-se de terra. A aranha-zebra, assim
chamada por possuir riscas negras e brancas no
abdómen, vê-se frequentemente sobre muros que
estejam bem expostos ao sol. Mede pouco mais
de meio centímetro, mas atrai os olhares, graças
à sua aparência e aos seus movimentos bruscos.
Esconde-se nas fendas dos muros e só caça quando
está sol. Apanha as presas por meio de saltos
muito característicos. E também não deixa pas-
sar um dedo que se mostre demasiado curioso!
A cada salto, fia rapidamente um pouco de teia,
que a mantém ligada ao muro de onde partiu e,
por isso, nunca cai ao chão. Originalmente, esta
Aranha-vespa aranha vivia apenas nas rochas, mas adaptou-se
perfeitamente aos ares da cidade e aos tijolos
das nossas casas.

• As aranhas-caranguejeiras são mestres em


camuflagem. Não fabricam teia e também não
caçam, pelo menos de forma ativa. Limitam-se
a aguardar calmamente, sobre uma flor ou uma
folha, que um inseto fique ao seu alcance; nessa
altura, atacam-no súbita e violentamente. Algumas
espécies até conseguem mudar de cor — como
os camaleões —, de acordo com o ambiente em
que se encontram. Os membros desta engenhosa
Aranha-caranguejeira família reconhecem-se pelas suas patas, que, ao
andar, se abrem para os lados; os dois pares de
patas da frente são nitidamente maiores do que os outros. Correm
tão depressa para a frente como para os lados.

Se quiser saber mais


Onde ir?
A maioria dos invertebrados são tão abundantes que quem os quiser
conhecer melhor não terá grandes dificuldades em encontrá-los
em plena natureza e, alguns, até nas casas se veem com alguma

42
A
OS INVERTEBRADOS

frequência. É o caso de algumas espécies de moscas, mosquitos,


aranhas e escaravelhos. Quanto às libélulas, borboletas, abelhas,
vespas e formigas, o melhor é procurá-las nos campos floridos e
junto aos pequenos cursos de água. Finalmente, alguns insetos mais
esquivos e discretos, como alguns tipos de escaravelhos, podem
encontrar-se mais facilmente nos bosques ou nas areias das dunas.

Em que época?
Os caracóis e as lesmas só saem quando chove ou, pelo menos,
quando o tempo está enevoado e húmido. Quando o ar está seco
e quente, escondem-se, a fim de preservar a sua frágil vida. Os
insetos, por sua vez, gostam dos dias quentes de verão. As ara-
nhas começam a tornar-se menos ativas a partir de setembro e,
no inverno, quase desaparecem — exceto aquelas que têm a sorte
de morar em casas quentinhas!

Tenha em conta que…


Insetos, aranhas e caracóis, há-os com fartura, em qualquer jardim.
Sem falar nas moscas, abelhas e formigas, que se encontram por
todo o lado. Mesmo assim, a maioria dos invertebrados terrestres
esconde-se sob pedras, velhos troncos de madeira, ervas ou folhas
mortas, de forma a ficarem protegidos dos predadores, do calor
ou da secura.

• Para os encontrar, retire ou afaste para o lado esses pequenos


obstáculos — mas não se esqueça, depois, de voltar a pô-los no lugar!
Fique atento aos pormenores, repare nos cantos mais escondidos,
não se deixe iludir por uma eventual camuflagem.

• Tente não se preocupar excessivamente com a identificação espe-


cífica dos animaizitos que for encontrando. Saber que determinado
inseto pertence à família dos escaravelhos já é bastante bom; que
seja, ou não, um Leptinotarsa decemlineata, isso já é tarefa para
os especialistas! Deixe que sejam eles a preocupar-se com isso…

43
CAPÍTULO 2
As aves
A
PORTUGAL NATURAL II

Até há pouco tempo, a observação de aves era um passatempo


original; hoje, porém, essa atividade começa a tornar-se cada vez
mais vulgar. E porque não? As aves são criaturas fascinantes e
quem adquire o hábito de as observar acaba por encontrar nelas
uma fonte de verdadeira satisfação.

Para quem deseja iniciar-se como observador de aves, a melhor


estação é o inverno. Nessa altura, as aves costumam andar mais em
bando, o que simplifica a tarefa. Além disso, como a maioria das
árvores perdeu as folhas, é mais fácil conseguir vê-las. E, finalmente,
também é verdade que as aves, quando têm fome, se tornam mais
audaciosas e se aproximam mais frequentemente do homem.

Um comedouro para aves, que pode instalar perto da sua resi-


dência, também pode ser um bom ponto de partida: dessa forma,
poderá observar calmamente, mesmo ficando por detrás dos vidros,
as diferentes espécies e familiarizar-se com elas; por sua vez, as aves
também ganharão alguma coisa, pois terão menos dificuldade em
encontrar alimento (veja a caixa Os comedouros: uma bênção para
as aves, na página 93).

Uma visita ao jardim zoológico, a uma reserva natural ou mesmo


a um parque municipal, onde existam algumas espécies tanto
em cativeiro como em liberdade, são outras formas possíveis de
Abelharuco

Na página anterior: carriça

46
A
AS AVES

“travar conhecimento” com as aves; desse modo,


poderá observá-las e estudá-las de perto.

• Para o estádio seguinte, basta um equipamento


elementar: um par de binóculos, lápis e papel,
um guia de identificação de aves (veja Bibliografia
aconselhada, na página 184). Os binóculos mais
correntemente utilizados são os de 7 × 50 (sendo 7
o aumento e 50 o diâmetro da objetiva em milíme-
tros) e os de 8 × 40. Os binóculos 10 × 50 permitem,
obviamente, um aumento superior, mas também
são mais caros. Obviamente, os preços depen-
dem, fundamentalmente, do tipo e da marca que
escolher, mas podemos adiantar que, com uma
quantia entre 150 e 250 euros, poderá adquirir um
modelo de qualidade e desempenho satisfatórios. Abutre-negro

A melhor altura para observar as aves é de manhã bem cedo ou ao


fim da tarde. Mas, especialmente no que diz respeito às aves cano-
ras (cotovia, carriça, tentilhão, etc.), os momentos mais propícios
situam-se entre cerca de meia hora antes e algumas horas depois
do nascer do Sol — o que, no verão, é mesmo muito cedo! Mas é
nessa altura que elas se dedicam, com mais afinco, à arte do canto…

Inversamente, é por volta do meio-dia, nas horas mais quentes,


que a maioria das aves se mostra menos. À medida que o fim da
tarde se aproxima, a situação vai melhorando. Mas muitas coisas
dependem, também, das circunstâncias meteorológicas.

Quando iniciar as atividades de campo, a fim de observar as aves


em plena natureza, é óbvio que o seu comportamento terá de ser
diferente do que tinha quando ficava, simplesmente, atrás dos
vidros da janela! O ruído, as roupas vistosas, a agitação e as corridas
desenfreadas constituem ingredientes mágicos para inquietar os
seres alados; dessa forma, em vez de observar as aves à vontade,
só conseguirá espantá-las!

O canto das aves é matéria árdua. Não é fácil fazer a sua descrição
e, por vezes, esta varia bastante de livro para livro. É por isso
que as gravações constituem o melhor material de referência.
Para memorizar mais facilmente a diversidade dos sons, observe
a ave, durante o máximo de tempo possível, enquanto ela canta.
Mesmo que já a tenha identificado. Isso permitir-lhe-á associar

47
A
PORTUGAL NATURAL II

um bom conselho
Quando avistar uma ave, não se precipite imediatamente para o
seu guia de identificação. Se o fizer, o mais provável é que, quando
tiver encontrado a página correta, já ela tenha voado. É preferível
observá-la durante o máximo de tempo possível e guardar na
memória tudo o que vir: tamanho (compare-o com o das espécies
comuns), forma, cores, comprimento da cauda, forma e tamanho
do bico, comportamento, local onde se encontra, etc. Anote tudo
num caderno, juntando, se possível, um pequeno esboço da ave.
Também pode relatar tudo o que vê, em voz baixa, enquanto
alguém ao seu lado toma notas. Só então deverá começar a folhear
as páginas do guia.

som e imagem. A repetição mental do nome da ave, depois de


cada grito ou chilreio, também pode ajudar. Finalmente, qualquer
semelhança com palavras ou sons conhecidos também poderá
facilitar a memorização (veja a caixa acima).

Neste capítulo descrevemos diversas espécies de aves. É evidente


que no nosso país é possível observar muitas mais, mas grande
parte só surge ocasionalmente ou está muito ligada a uma região
ou zona específicas. A maioria das espécies descritas são razoa-
velmente comuns e, portanto, são as ideais para se tornarem as
suas primeiras “presas” enquanto ornitólogo amador!

Aves aquáticas
Cegonhas: um feliz regresso
Graças, em grande parte, ao louvável esforço de “acolhimento” de
algumas associações ambientalistas e ao estatuto de proteção que
lhe foi conferido, estas aves imponentes regressaram, em força, às
paisagens portuguesas. Com efeito, contrariamente ao que se passou
até ao final da década de 1980, com uma acentuada regressão da
população de cegonha-branca, o número de cegonhas continua a
aumentar desde essa altura. Além disso, alguns exemplares desta
espécie, que apenas passava cá o verão regressando ao calor de
África nos meses mais frios, decidiram começar a ficar também
no inverno, sendo já mais de dez mil as aves residentes. Por isso,

48
A
AS AVES

é bastante provável que, durante um passeio pri-


maveril por uma qualquer região do Centro e do um pouco
Sul do país, possa avistar uma cegonha-branca, de vocabulário
seja no ninho seja em pleno voo.
biótopo: área geográfica a
que corresponde um conjunto
Como saber que se trata de uma cegonha-branca? homogéneo de fatores físicos
É fácil, porque esta ave dificilmente se poderia ambientais.
confundir com outra qualquer. Para já, nos céus
discos faciais (nos mochos e nas
portugueses não se veem muitas aves com mais corujas): coroas de pequenas
de dois metros de envergadura, como é o caso; e, plumas que rodeiam as orelhas
depois, possui uma plumagem branco-negra que a e os olhos.
distingue de outras aves igualmente grandes, como espelho alar: faixa de cor diferente
a cegonha-preta (rara em Portugal) e a garça-real da do resto da asa.
(cuja plumagem é predominantemente cinzenta). migradora: ave que procria numa
O bico também pode dar uma ajuda, se conseguir determinada região e que passa o
vê-lo: é verdade que é comprido e afiado, como o inverno noutra.
das garças, mas tem uma cor vermelha bastante viva. muda: perda e substituição
da plumagem.
Mostrando uma nítida preferência por postes de
papo: alargamento do esófago,
eletricidade, torres de igrejas, telhados de casas onde o alimento amolece
altas e árvores de grande porte — no Alentejo e (uma espécie de pré-estômago).
no Algarve também fazem ninhos nas falésias,
parada: demonstração do macho,
o que é único na Europa —, as cegonhas cons- que inclui “danças” e voos, cuja
troem o ninho com ramos de árvores, atapetando finalidade é atrair uma companheira.
o interior com ervas e folhas secas. Alguns ninhos placa frontal: placa córnea que cobre
chegam a atingir 1,5 metros de altura. O choco parte da cabeça, do bico à testa.
inicia-se, geralmente, em abril e dura pouco mais
plumagem de eclipse: plumagem
de um mês, de forma que, em junho, a maior parte pouco vistosa dos patos,
dos ninhos passa a ser habitada por uma famí- durante a muda.
lia um pouco maior (cada postura é constituída,
predador: animal que captura outros
em média, por quatro ou cinco ovos). animais para se alimentar.
rapina: ave que possui visão aguçada,
Os alimentos preferidos da cegonha-branca são bico adunco e garras fortes com que
os insetos, mas esta também gosta de rãs, ratos e agarra e destroça as presas.
répteis. A ementa ainda pode incluir, embora mais
residente: ave que não migra,
raramente, aves jovens e peixes. Estes últimos, ou seja, que permanece num local
porém, são o “prato” predileto da sua parente mais durante todo o ano.
próxima, a cegonha-preta. Tirando essa pequena
território: numa determinada zona,
diferença, ambas seguem, como se vê, uma dieta área na qual um animal (e a sua
exclusivamente carnívora. “família”) se mantém e que protege
contra os intrusos da mesma espécie.
A partir dos finais de agosto, sobretudo nas uropígio ou rabadilha: parte posterior
regiões mais a norte, avistar uma cegonha começa do dorso (onde começa a cauda).

49
A
PORTUGAL NATURAL II

a tornar-se um pouco mais difícil. Nessa altura, a população


migradora inicia a sua viagem de regresso a paragens mais
Cegonhas no ninho acolhedoras. As terras quen-
tes de África são o seu destino.
Normalmente, deslocam-se em
bandos, embora de forma desor-
denada. Aproveitam as correntes
ascendentes para ganhar altura
e depois prosseguem, em voo
planado, até à próxima corrente.
Dessa forma, fazem grande parte
do percurso com um mínimo de
esforço, o que dá algum jeito a
uma ave que não se distingue
propriamente pelas suas qua-
lidades de voo…

Garças: intrépidas
pescadoras
Garça-real
Constitui um espetáculo bastante
interessante a forma como algu-
mas espécies de garças (espe-
cialmente a garça-real, a garça-
-vermelha e o goraz) obtêm o seu
alimento. A técnica de pesca da
garça-vermelha, por exemplo,
é de molde a deixar roxos de
inveja os pescadores mais hábeis.
Equilibrada apenas sobre uma
pata, com a cabeça aninhada entre
os ombros e os olhos semicerra-
dos, quase adormecida, parece
completamente indiferente a tudo
o que a rodeia. Mas basta uma
ínfima ondulação à superfície da
água ou um pequeno ruído vindo
da vegetação para que ela, rápida
como um relâmpago, utilize o
bico, como se de um punhal
se tratasse, apanhando a presa
desprevenida. Outras, como a

50
A
AS AVES

AS PARTES DE UMA AVE

uropígio ou rabadilha

nuca
lista supraciliar
alto da cabeça ou
coroa
sobrancelha

queixo ou mento

bigode flancos
região auricular ventre

peito
punho da asa
barras alares

punho da asa

espelho alar (nos


patos)

garça-real, preferem caminhar lenta e furtivamente sobre a água


até que, ao avistarem uma presa, espetam rapidamente o bico,
raramente falhando a pontaria.

Como é natural, os proprietários de jardins onde há pequenos


lagos com peixes e, sobretudo, os piscicultores não acham grande
graça a estas aves. No entanto, há métodos igualmente eficazes
para manter afastadas estas intrépidas pescadoras: basta cobrir
a superfície da água com uma rede e providenciar para que as

51
A
PORTUGAL NATURAL II

Garça-boieira

margens dos viveiros ou pequenos lagos sejam suficientemente


inclinadas.

Das espécies existentes, as mais comuns no nosso país são a garça-


-boieira, a garça-branca e a garça-real. Desta forma, a tarefa de
identificação fica facilitada: a garça-real e a garça-branca distin-
guem-se entre si tanto pela cor da plumagem (predominantemente
cinzenta e branca, respetivamente) como pelo comprimento (90
e 55 centímetros). A garça-boieira é pequena, e a sua plumagem é
predominantemente branca; tem o costume de seguir as manadas
de bois (daí o seu nome), para comer os insetos que estes fazem
levantar enquanto passam. A garça-vermelha, que, no verão, se
pode encontrar sobretudo nas margens dos rios Mondego, Tejo,
Sado e Guadiana, não é muito mais pequena do que a garça-real
(mede 80 centímetros de comprimento), mas a plumagem é muito
mais escura, com algumas zonas castanho-avermelhadas.

À exceção da garça-vermelha (que faz o ninho no chão), as garças


fazem o ninho em árvores. Para isso, preferem, inegavelmente,
os locais onde existam árvores de copa larga e com muitos ramos
(salgueiros, freixos, etc.). Uma vez implantada a colónia, onde
muitas vezes coabitam várias espécies diferentes, as garças vol-
tam sempre ao mesmo local durante muitos anos. Uma dessas
colónias localiza-se em Escaroupim, onde facilmente se avistam
centenas de casais de garças, bem como outras espécies aquáticas,
como o goraz ou o colhereiro, e até mesmo a íbis-preta.

52
A
AS AVES

garças e cegonhas
As garças — à exceção da garça-boieira —
e as cegonhas alimentam-se de forma parecida.
Mas as semelhanças entre as duas espécies
não vão muito além disso: a indumentária negra
e branca e o bico vermelho-vivo da cegonha,
por exemplo, distinguem-se perfeitamente da
plumagem predominantemente cinzenta e do
bico amarelo da garça-real e da garça-vermelha,
que são as únicas com que poderia ser
confundida! E, mesmo durante o voo, continua a
ser fácil distingui-las, porque a cegonha voa com
o pescoço todo estendido, enquanto as garças o
mantêm recolhido. Além disso, o bater de asas
das garças é mais pesado e amplo.

Cegonha-branca

Patos: especialistas em alimentação


Quando nos damos conta do número incrível de patos que, mui-
tas vezes, frequentam um mesmo espaço aquático, é inevitável
que nos questionemos sobre como conseguirão eles encontrar
alimento em quantidade suficiente. A resposta resume-se a uma
só palavra: especialização.

Antes de mais, os patos quase nunca comem peixe. Esse é o terreno


privilegiado de ação de outras espécies, como, por exemplo, os
mergulhões e as garças. A grande maioria dos patos alimenta-se
de plantas. Além disso, os hábitos alimentares de cada espécie
de patos impedem a concorrência nesse domínio. Por exemplo,
alguns patos procuram a sua alimentação no fundo dos lagos.
Ao fazê-lo, desaparecem completamente dentro de água: são os
patos-mergulhadores. Outros contentam-se em submergir a cabeça
e o peito, por meio de um hábil movimento oscilatório. O resto do
corpo fica fora de água. São os patos de superfície, que encontram
o alimento à tona de água.

• O pato-real também anda, frequentemente, em terra firme, onde


procura erva para se alimentar. É sobretudo de noite que o faz;

53
A
PORTUGAL NATURAL II

de dia — sobretudo no inverno — procura os lagos dos parques e


dos jardins, onde fica ao abrigo dos caçadores. Em muitos desses
lagos existem alguns patos-reais de residência permanente, que
perderam, por vezes, todas as características selvagens. A dieta
citadina, bem como os cruzamentos com patos domésticos, favorece
a sua decadência, dando origem a patinhos arraçados, de aspeto
um pouco folclórico, graças à sua plumagem cheia de manchas
nos sítios mais estranhos.

Como acontece com todos os patos, os machos são muito dife-


rentes das fêmeas. Têm cabeça verde com reflexos brilhantes,
colar branco, uropígio negro, dorso e flancos cinzento-claros e
bico amarelo. A plumagem das fêmeas é quase uniformemente
castanha. Os dois sexos têm em comum o espelho alar, que é azul
e branco. Graças às suas impressionantes cores, o macho estimula
a correspondência amorosa da fêmea. O choco começa, normal-
mente, em março ou abril. O ninho fica sempre bem disfarçado
por entre a vegetação. Quando os patinhos nascem, rapidamente
se sabe a boa nova: passadas poucas horas, a mamã pata passeia-se
orgulhosamente, levando atrás de si uma extensa fila de pequenas
bolas peludas de cor castanho-amarelada…

Os outros patos de superfície, como a frisada e o marreco e, em


menor grau, a piadeira, a marrequinha e o pato-trombeteiro, só se
veem, praticamente, durante o inverno.

Pato-real

54
A
AS AVES

a plumagem de eclipse
Em todos os patos, a plumagem dos machos é nitidamente mais
vistosa do que a das fêmeas (dimorfismo sexual). Parece que a
razão disso está no facto de serem as fêmeas, sobretudo, que se
ocupam do ninho e das crias. A sua indumentária pardacenta, que
não chama a atenção, constitui uma camuflagem ideal, porque
lhes permite confundirem-se com a vegetação e, desse modo,
tornarem-se quase invisíveis.

No final do verão, porém, a diferença entre os dois sexos atenua-se.


Diz-se que a plumagem dos machos entra em eclipse, ou seja, as
suas cores adquirem um tom mais suave. Isso deve-se ao facto de
ser a época da muda, que se opera de forma espetacular: nos patos,
todas as penas caem ao mesmo tempo, ao contrário da maioria
das outras aves, cujas penas se renovam progressivamente. Nessa
altura, é-lhes mais difícil fugir aos inimigos, e é por isso que eles
mudam a sua aparência vistosa para uma plumagem mais discreta.

• Entre os patos-mergulhadores, o mais comum é o pato-de-bico-


-vermelho. Está presente entre nós durante todo o ano e é, por-
tanto, uma ave residente. O bico (como se depreende do nome)
e a cabeça do macho são vermelhos. A fêmea é menos vistosa:
o bico é cinzento, com uma pequena mancha amarelo-alaranjada
no meio, e a cabeça é metade castanha, metade branca. Além
de plantas aquáticas, o pato-de-bico-vermelho também inclui no
cardápio pequenos crustáceos, moluscos, minhocas e insetos.
Pode mergulhar a uma profundidade entre dois e quatro metros.

O zarro apenas se encontra entre nós no inverno. O macho tem uma


bonita plumagem, com zonas de cor perfeitamente delimitadas:
dorso cor de pérola, flancos acinzentados, peito negro e cabeça
castanho-arruivada. A fêmea tem dorso e flancos cinzento-claros
e peito e cabeça castanhos. É um excelente mergulhador e nada
bastante bem debaixo de água. No entanto, raramente vai além
dos 2,5 metros de profundidade.

O galeirão: simpático ou brigão?


Flutuando ao sabor das ondas, todo vestido de negro, o galeirão,
de bico branco e cabeça aveludada, parece uma ave relativamente
simpática. Mas não se deixe enganar pelo aspeto: mal surja um seme-
lhante, essa aparente doçura pode transformar-se em agressividade.

55
A
PORTUGAL NATURAL II

Na verdade, o galeirão é uma ave


bastante aguerrida! Na primavera,
enquanto delimita o território,
ameaça os intrusos, nadando na
sua direção com a cabeça rente
à água e estendida para diante.
Se algum deles não se deixa inti-
midar, acabam por se enfrentar:
de cabeça baixa e asas afastadas,
agridem-se, recuam um pouco e
voltam a lançar-se um em direção
ao outro, batendo violentamente
as asas. O vencido acaba por se
Galeirão-comum afastar e desaparecer de vista.

Na época do acasalamento, a placa frontal (veja Um pouco de


vocabulário, na página 49), que é branca, fica mais desenvolvida.
Também ela serve para intimidar os rivais e, portanto, para asse-
gurar a defesa do território. Mas, passado o tempo da incubação,
tudo entra na ordem, e os galeirões voltam a aceitar a companhia
dos seus semelhantes. Por vezes, veem-se alguns galeirões a comer
erva nas margens dos rios. Em caso de perigo, correm para a água,
em fileiras cerradas, batendo muito as asas. Não têm patas espal-
madas, como os patos, mas antes protuberâncias arredondadas
nos dedos, o que lhes permite andar bem tanto na água como em
terra firme. Tal como os patos-mergulhadores, procuram, frequen-
temente, alimentos que se encontram em suspensão na água ou
no fundo dos rios e ribeiros.

A galinha-d’água: frágil e esbelta


Por vezes, confunde-se a frágil galinha-d’água com o corpulento
galeirão, porque ambos são mais ou menos negros e frequentam
aproximadamente os mesmos locais. No entanto, a galinha-d’água
é mais esbelta e possui uma placa frontal vermelha (e não branca,
como o galeirão). O bico é quase integralmente vermelho, ape-
nas a ponta é amarela. A cor da plumagem anda entre o azul-
-escuro e o negro, mas as asas são castanho-escuras e os flancos
também têm algumas estrias esbranquiçadas. As patas também
nos permitem distingui-la do galeirão: são verdes, compridas e
nuas. Graças a elas, é capaz de caminhar sobre as plantas que
flutuam na água.

56
A
AS AVES

As galinhas-d’água andam, geralmente, perto da vegetação que


se encontra nas margens de pântanos e lagos. Passam o tempo
a remexer a terra, à procura de insetos e de larvas, que são a
base da sua alimentação; mas também comem pequenas plantas
aquáticas, frutos e sementes. Quando nadam, costumam abanar
a cauda e a cabeça. Em caso de perigo, desaparecem debaixo de
água ou escondem-se na vegetação, servindo-se do bico e dos
dedos compridos para se segurarem.

No inverno, costumam ver-se grupos de galinhas-d’água nadando


pacificamente ou à procura de alimento. Mais tarde, porém, é vul-
gar que os machos se envolvam em disputas. Entre abril e junho,
tudo gira à volta da necessidade de acasalar e de criar os recém-
-nascidos. A galinha-d’água constrói o ninho utilizando uma grande
abundância de plantas. Quando a vegetação envolvente se presta
a isso, puxa-a para si, a fim de formar uma espécie de cúpula pro-
tetora. O choco apenas começa quando a postura termina (sete a
dez ovos); dessa forma, todas as crias nascem ao mesmo tempo.
Nessa altura, não passam de pequenas bolas de pelo negro que, ao
contrário do que acontece com os patos, não abandonam o ninho
imediatamente. Mas, passado algum tempo, já nadam muito bem
e percorrem as margens à procura de insetos, que capturam na
vegetação ou no ar que os rodeia.
Galinha-d’água

57
A
PORTUGAL NATURAL II

O abibe: um “Tintim” dos campos


O abibe aprecia tanto as zonas húmidas como os campos e as pla-
nícies. Mas, entre nós, só costuma ver-se no inverno e frequenta,
sobretudo, os campos e as planícies do Ribatejo e do Alentejo.
Em voo, reconhece-se facilmente: as asas, ligeiramente dobra-
das, são compridas e de extremidades arredondadas; o bater das
asas é lento e cadenciado. Mas, quando está no chão, também
não engana muito: o ventre e o uropígio são brancos, ao passo
que o dorso e o peito são negros, raiados de verde. Para mais,
possui uma poupa negra e comprida que faz lembrar Tintim, o
herói da banda desenhada. Os observadores mais atentos tal-
vez consigam notar que a base das penas sob a cauda é de um
ruivo que contrasta com o branco do resto dessa parte do corpo.
Curiosamente, quando o macho descobre um local propício à
instalação do ninho, escava no chão uma espécie de bacia; depois,
aninha-se, mostrando a zona ruiva das penas e emitindo, assim,
um “sinal” destinado à fêmea. Esta compreende que é chegada
a altura da cópula.

Gaivotas: um perigo demográfico?


As gaivotas são geralmente associadas à paisagem costeira, mas
também se veem, com alguma frequência, nas vilas e nas cidades.
São muitas as que vêm passar o inverno connosco, provenientes,
sobretudo, da Europa do Norte e do Leste. Mas o crescimento
assustador, nos últimos anos, do número de gaivotas residentes
parece estar ligado, sobretudo, à abundância de alimento e à sua
grande versatilidade.

No inverno, as gaivotas passam grande parte do dia a voar entre o


“dormitório” e o “refeitório” — que é, quase sempre, uma lixeira.
Por vezes, estes locais encontram-se a mais de cem quilómetros
um do outro! As deslocações dão-se, geralmente, ao nascer e ao
pôr do Sol e, nessa altura, podem ver-se bandos de gaivotas voando
por cima das povoações. A partir de março, o número de gaivo-
tas nas vilas e nas cidades reduz-se consideravelmente, pois elas
partem em busca de locais para fazer o ninho. Nessa altura, a sua
alimentação compõe-se, essencialmente, de animais aquáticos e
de caracóis, lesmas, insetos e larvas. São capazes de apanhar as
suas vítimas de formas bastante diferentes: a nado, sobre terra
firme ou em pleno voo.

58
A
AS AVES

Gaivota-de-patas-
-amarelas, a espécie
mais comum entre nós
A gaivota-de-patas-amarelas, a espécie mais comum entre nós,
é cinzenta no dorso e na cobertura das asas. O bico é amarelo com
a ponta vermelha (os filhotes bicam essa zona vermelha quando
querem comida). As patas, como o próprio nome indica, são ama-
relas. O guincho, que só costuma ver-se durante o inverno, tem o
bico avermelhado e mais fino. As duas espécies são muito sociáveis
e formam colónias extremamente numerosas e ruidosas.

Aves terrestres
O pombo-torcaz: uma ave versátil
O pombo-torcaz, que por vezes se vê a debicar sementes nos jar-
dins e nos campos, está longe de ser uma ave rara. Por vezes, até
é visto nas cidades. No entanto, o comum pombo das cidades
ou pombo “doméstico” pertence a outro tipo, pois descende do
pombo-das-rochas.

Originalmente, o pombo-torcaz era uma arisca ave dos bosques,


mas acabou por se adaptar a outros modos de vida e a outros tipos

59
A
PORTUGAL NATURAL II

de alimentação. O seu parente


mais próximo, o pombo-bravo, não
foi capaz de fazer o mesmo. Por
isso, é muito menos frequente.

A cabeça, o pescoço e o dorso


do pombo-torcaz são cinzento-
-escuros, ao passo que as extremi-
dades das asas são quase negras.
A garganta e o peito têm reflexos
cor de borra de vinho e, de ambos
os lados do pescoço, pode ver-se
uma mancha branca, em forma
de quarto crescente. As asas tam-
bém têm uma mancha branca que
Pombo-torcaz se vê facilmente durante o voo.

a cidade: um universo de homens e de aves


Longe de ser um paraíso para as aves, oferecem múltiplas possibilidades de
a cidade oferece-lhes, no entanto, nidificação; e, finalmente, é possível
largas possibilidades de existência. viver em relativa segurança.
Porque uma cidade é bastante mais
do que uma mera aglomeração de Desde há algum tempo, tem-se
edifícios. É, também, uma multitude assistido à migração de algumas
de ambientes e, consequentemente, espécies dos campos para as cidades:
de biótopos aos quais as aves se é o caso, por exemplo, do estorninho,
adaptam. do melro, da toutinegra-de-barrete-
-preto e, mais recentemente, da pega e
Mesmo contando com os pequenos do pato-real. No entanto, é necessário
jardins, os parques, as avenidas ser prudente ao constatar esse facto.
arborizadas e os terrenos baldios Tomemos, por exemplo, o caso do
invadidos por ervas daninhas, as melro. Dentro da mesma espécie, há
cidades costumam ter poucos espaços uma grande diferença entre as aves
verdes. Por isso, constituem o ambiente que vivem nas cidades e as que vivem
mais artificial a que as aves tiveram no campo. Há até quem faça a distinção
de se adaptar. Mas a sua presença é entre o melro da cidade e o melro dos
sinal de uma extraordinária capacidade bosques, já que ambos têm hábitos
de utilizar em seu favor situações alimentares diferentes. Isso não quer
típicas dos ambientes urbanos: nas dizer que, para os ornitólogos-
cidades, o risco de se ser caçado por -aprendizes, a cidade não seja um bom
outros animais (predação) é reduzido; campo de experiências: aí o número
o alimento é, para algumas espécies, de espécies é reduzido, mas é possível
abundante; os edifícios e outros locais observá-las sem problemas de maior.

60
A
AS AVES

Durante a época dos amores, o macho começa a efetuar verdadeiros


ballets, voando em círculos sucessivos por cima do território de
nidificação. Consumado o acasalamento, a fêmea põe dois ovos
de cada vez, mas efetua várias posturas entre abril e setembro.

A rola: amada por uns…


As rolas-bravas reconhecem-se facilmente graças
à característica plumagem cor de canela e aos
sonoros “trruuu-trruuuu” com que, na época do
acasalamento, enchem os ares. Quando fazem a
corte, os machos são especialmente barulhentos.
Costumam ouvir-se em bosques, margens de rios
e parques de vegetação densa. A rola-brava é uma
das aves mais apreciadas pelos caçadores; os agri-
cultores é que não lhe acham muita graça, porque
se alimenta, quase exclusivamente, de sementes.

Em Portugal, a rola-brava surge em finais de março


ou princípios de abril, quando começa a fazer
calor, e fica até ao final da incubação. A fêmea
tem duas posturas em cada ano e põe dois ovos Rola-comum
de cada vez. Quando os filhotes já estão cresci-
dos e o frio ameaça voltar, as rolas regressam às
terras quentes da África e da Ásia, onde passam
o inverno.

É exatamente da Ásia Menor que nos chegou


a rola-turca ou rola-de-colar, uma ave que, em
Portugal e noutros países europeus, se tornou
residente, existindo na generalidade do território
nacional. Ao contrário das rolas-bravas, um casal
de rolas-turcas pode ter quatro ninhadas por ano.
Esta elevada natalidade, associada à abundância
de alimento (a rola-turca mostra uma especial
preferência pelos locais de descarga de cereais,
nas zonas portuárias) e à raridade de predadores,
tem-lhe permitido conquistar novos territórios. Ao
que parece, já atingiu a Islândia e não se exclui a
hipótese de vir a conquistar a América! De acordo
com alguns especialistas, Portugal terá sido “inva-
dido” em 1974! Rola-turca

61
A
PORTUGAL NATURAL II

A plumagem da rola-turca é mais clara do que a da rola-brava, mas


a extremidade das asas é negra. Possui um “colar” negro abaixo do
pescoço. Em pleno voo, o que se nota melhor é a face inferior da
cauda, que é branca. A alimentação compõe-se, essencialmente,
de sementes duras.

O cuco: um folgazão
Uma coisa é certa: o canto do
cuco, o famoso “cu-cu, cu-cu”, é
tão característico que é impossí-
vel confundi-lo com o de outra
espécie qualquer. Toda a gente o
reconhece. Quando se trata de o
identificar apenas pela aparên-
cia, o caso muda de figura. Mas
como é o cuco, afinal? Bom, no
que diz respeito ao tamanho, é
semelhante ao peneireiro-vulgar,
e o voo também é parecido: tra-
jetória plana e regular, silhueta
esguia, asas pontiagudas e cauda
comprida. Por outro lado, exce-
tuando o ventre, que possui
Cuco-rabilongo estrias transversais brancas,
a plumagem do cuco é cinzento-
-azulada, embora haja algumas fêmeas avermelhadas. Quanto ao
cuco-rabilongo, uma espécie afim que tem, aproximadamente,
os mesmos hábitos, este distingue-se facilmente, graças à sua longa
cauda e à plumagem branca do peito e do ventre. Mal regressa das
“férias de inverno”, passadas em África, o cuco-macho emite o seu
famoso “cu-cu”. O canto da fêmea é bastante diferente — parece-
-se mais com um relincho — e ouve-se muito menos. Quando a
fêmea surge, o canto do macho redobra de intensidade. Depois
do acasalamento, o macho volta a tirar “férias”. A hipótese de
construir um ninho não chega a colocar-se: a fêmea põe os ovos
nos ninhos de outras aves, à razão de um ovo por ninho. O choco
e a criação dos filhos são deixados a cargo dos hospedeiros ou pais
adotivos. Isso explica que a presença de cucos num determinado
território esteja dependente não só da existência de alimentação
adequada (lagartas, escaravelhos e gafanhotos) mas também… da
existência de eventuais pais adotivos, como a carriça, a calhandra,

62
A
AS AVES

o pisco-de-peito-ruivo, etc. Por vezes, a procura de ninhos leva


algum tempo, porque a fêmea do cuco pode pôr até dez ovos.
Mas a visita ao ninho, em si mesma, é rápida: bastam alguns
segundos para pôr o ovo! Quanto às consequências para o ninho,
elas serão tanto mais elevadas quanto o jovem cuco for maior
e mais voraz do que as outras crias. Além disso, passado algum
tempo, o jovem cuco não hesita em empurrar os meios-irmãos
e as meias-irmãs para fora do ninho. Mas, como é evidente, isso
não preocupa minimamente o casal de cucos, que, nessa altura,
já anda por outras paragens!

Falcões: caçadores exímios


Como é do conhecimento geral, os falcões são aves de rapina,
o que já diz bastante sobre as suas características gerais e os seus
hábitos, nomeadamente os alimentares. Todos são exímios caçado-
res, no que são ajudados pelas suas espetaculares capacidades de
voo e pela aguçada visão. A sua alimentação, no entanto, é muito
variada: alguns, como o falcão-peregrino e a ógea, alimentam-se,
principalmente, de outras aves; outros, como o peneireiro, prefe-
rem os animais terrestres.

• O peneireiro é a ave de rapina diurna que se pode observar com


maior frequência no nosso país. Tem o hábito de ficar a voar no Peneireiro-
-das-torres

63
A
PORTUGAL NATURAL II

mesmo lugar, “batendo” as asas e percorrendo o solo com os


olhos, à procura de uma presa. O macho é predominantemente
ruivo-acastanhado, com manchas pretas no dorso, mas a cabeça
e a cauda são cinzentas. A fêmea é de um castanho mais vivo,
incluindo a cabeça e a cauda. Na criação da ninhada, as tarefas são
distribuídas: a fêmea choca os ovos e aquece as crias, enquanto
o macho alimenta toda a família com ratos e insetos, o que não
lhe dá pouco trabalho! Quando os filhos já estão suficientemente
crescidos, a fêmea volta a caçar. Exterminador de ratos por exce-
lência, o peneireiro é, por isso, um precioso aliado dos agricul-
tores. Menos frequente, o peneireiro-das-torres, apesar de ser o
parente mais próximo do peneireiro, tem hábitos alimentares
um pouco diferentes. Prefere os gafanhotos aos ratos e também
não desdenha os lagartos e as cobras pequenas. O aspeto das
duas espécies é semelhante, mas a plumagem do peneireiro-
-das-torres é bastante mais vistosa: o dorso dos adultos é cor de
tijolo, mas sem manchas.

• O falcão-peregrino, talvez o mais


emblemático de todos os falcões,
deve a fama às suas características
de caçador que não dá trégua
às suas presas. Em voo, chega
a atingir a velocidade de 280
quilómetros por hora! Como se
alimenta quase exclusivamente
de aves e é dotado de um apetite
devorador, ai das gaivotas, das
gralhas, dos gaios, dos cucos ou
dos pombos que ousem aven-
turar-se nos seus domínios! A
cena é terrível, embora bonita
de se ver: um pombo voa calma
Falcão-peregrino e serenamente, sem se dar conta
de que, num plano um pouco
mais alto, um falcão-peregrino vigia os céus. Ao avistar a presa,
o falcão eleva-se um pouco mais e depois desce em voo picado,
batendo fortemente as asas. Apanhado de surpresa, o pombo não
tem salvação possível: ao passar por ele, o falcão rasgar-lhe-á a
carne com as afiadas garras! Uma nuvem de penas eleva-se nos
céus. Ferido de morte, o pombo cai desamparado. Apanhando-o
ainda na queda ou já por terra, o falcão só tem de procurar o
local mais adequado para saborear a sua mais recente refeição…

64
A
AS AVES

má sorte ter nascido rapina…


Tal como os falcões, a maioria das outras quantidades de substâncias tóxicas,
aves de rapina passou horas difíceis. elas próprias acabam por ingerir uma
É que, ainda não há muito tempo, uma quantidade muito maior. Por isso, o seu
ave de rapina boa era uma ave de rapina número começou a diminuir a tal ponto
morta, e muitos caçadores, columbófilos que foi necessário intervir.
e outros autodenominados amantes
das aves pensavam que era seu dever A presença de aves de rapina pode
exterminá-las. Para isso, até houve considerar-se, assim, uma espécie
quem pensasse em recompensas! de barómetro indicador da saúde e
Durante os anos 1930-50, por exemplo, do equilíbrio do meio ambiente. Onde
houve campanhas de exterminação de as aves de rapina começam a rarear,
animais considerados nocivos à caça o equilíbrio natural está em perigo.
— o que incluía, obviamente, as aves de
rapina —, sendo oferecidas recompensas Atualmente, estas aves são protegidas
a quem os abatesse. Como se isso não por lei, e toda uma série de produtos
bastasse, as aves de rapina são também tóxicos (como o DDT, por exemplo) foi
das que mais sofrem as consequências proibida. Mas continua a ser importante
nefastas da utilização crescente e que nos mantenhamos vigilantes,
agressiva dos pesticidas na agricultura. pois o abate de aves de rapina não
Como se alimentam fundamentalmente terminou com a aprovação da legislação.
de ratos, de toupeiras, de pequenas Continuam a ver-se muitas aves
aves e de insetos, animais que, abatidas e envenenadas por pessoas
frequentemente, ingerem pequenas menos esclarecidas…

Águia-cobreira

65
A
PORTUGAL NATURAL II

• Semelhante ao falcão-peregrino nas suas preferências alimentares


(embora também goste bastante de insetos), a ógea é, também,
um caçador bastante eficaz. Não sendo tão espetacular como o
falcão-peregrino, mesmo assim chega a atingir velocidades de
150 quilómetros por hora! As suas principais presas são as rolas,
os pombos e outras aves da mesma envergadura. A ógea distingue-
-se do falcão-peregrino por ser um pouco mais pequena e possuir
no peito esbranquiçado numerosas manchas castanhas, que con-
trastam com as riscas finas e de orientação vertical do peregrino.
Além disso, o macho possui uma mancha vermelha junto às patas.

Mochos e corujas: outro estilo de vida


Quase todos os mochos são aves de rapina noturnas, de grande
cabeça redonda e de face achatada, marcada por discos faciais
(veja Um pouco de vocabulário, na página 49). A audição e a visão
são extremamente desenvolvidas. Veem bastante bem, mesmo na
chamada “obscuridade total”; mas, como nada é perfeito, o que
têm a mais na sensibilidade à luz têm a menos na capacidade de
distinguir as cores…

Por outro lado, aquilo que, nos mochos, parece ser as orelhas, não
passa de meras penas e não tem qualquer relação com as orelhas
verdadeiras; estas estão situadas de ambos os lados da cabeça,
à altura dos olhos. Enquanto o homem apenas pode determinar
Coruja-das-torres a direção do som, o ouvido do
mocho é capaz de localizar, exa-
tamente, a sua origem: é como
se ele “visse” com os ouvidos.
Por isso, pode encontrar, sem
dificuldades de maior, um rato
bem escondido, mas que se trai
pelo ruído que faz ao roer o ali-
mento. A conjunção da audição
e da visão permite aos mochos
obter uma imagem global do meio
que os rodeia. Em Portugal há,
essencialmente, seis espécies de
corujas e mochos.

• A coruja-das-torres coabita,


de forma mais ou menos

66
A
AS AVES

harmoniosa, com o homem. Aprecia moinhos, casas abandonadas


e torres de igrejas, onde faz frequentemente ninho. Também cos-
tuma frequentar montados de sobro e azinho e soutos (plantações
de castanheiros). Alimenta-se sobretudo de ratos, mas também
gosta de morcegos, de anfíbios e de insetos. O ventre e a parte
inferior das asas são brancos, sendo o dorso e a parte superior
das asas predominantemente dourados, com manchas cinzentas.

• O bufo-pequeno, pelo contrário, é predominantemente castanho,


salpicado, aqui e ali, de tonalidades de castanho mais escuro e
de branco. Possui penachos na cabeça, que permitem distingui-lo
facilmente das outras espécies. Menos frequente do
que a coruja-das-torres, prefere pinhais, carvalhais
e matas ribeirinhas. Alimenta-se principalmente
de ratos, como a coruja-das-torres, mas também
não desdenha as aves pequenas e, em caso de
necessidade, alguns insetos.

• Não existe bosque nem orla de floresta, espe-


cialmente no Centro e no Sul do país, onde não
se ouça o pio da coruja-do-mato, especialmente
cerca de uma hora antes do pôr do Sol. No inverno,
os passeios de fim de tarde pelo campo são, muitas
vezes, embelezados por verdadeiros concertos
destas aves. O canto consiste num “huu” pro-
fundamente musical, ao qual sucede, após breve
interrupção, um “hu-hu-hu-hu” longo e vacilante.
Essa é a forma de o macho delimitar o território
e de se fazer notar em presença das fêmeas.
Coruja-do-mato
Se um dia tiver oportunidade de observar uma
coruja-do-mato, poderá constatar que a sua plumagem é funda-
mentalmente castanha. O ventre é castanho-dourado, percorrido
por estrias verticais mais escuras. Durante o voo, é fácil distinguir
a sua cabeça volumosa, as asas largas, de extremidades arredon-
dadas, e a cauda relativamente curta.

• O bufo-real é o maior de todos os mochos e corujas da Europa.


Tem cerca de um metro e setenta de envergadura e uns penachos
na cabeça que, aliados ao seu tamanho, permitem distingui-lo
facilmente das demais espécies. Vive em vales rochosos ou arbo-
rizados e em zonas florestais ou agrícolas de vegetação densa.
Em Portugal, o bufo-real frequenta principalmente as zonas do

67
A
PORTUGAL NATURAL II

mochos e corujas:
sábios ou fantasmas?
Mochos e corujas são aves noturnas por excelência, mas, por
vezes, também se veem durante o dia. Esta “dualidade” também se
exprime no simbolismo que suscitam.

De dia, o mocho observa: passa o tempo no seu posto de


observação, olhando calmamente, sem esboçar qualquer reação,
para a animação que reina à sua volta. Isso suscita no homem a
impressão de que um ser que vê tantas coisas e se mantém em
silêncio deve ter um imenso conhecimento, deve refletir bastante e,
portanto, deve ser muito sábio.

Quando chega a noite, os mochos mais parecem fantasmas, pois


voam fazendo apenas um leve sussurro com as asas e emitindo,
muitas vezes, um extenso reportório de uivos angustiantes.
A propósito: quase não existe um filme de terror em que o uivo da
coruja-do-mato, por exemplo, não esteja lá, para dar ao espetador
alguns arrepios suplementares. Curioso papel para um sábio!

Bufo-real

interior. Alimenta-se de ratos, ouriços e algumas aves. Por vezes,


também come coelhos e até lebres. Caça ao anoitecer.

• Pelo contrário, o mocho-galego é visto com frequência durante o


dia. Bastante pequeno, tem manchas brancas sobre fundo castanho
no dorso, e o contrário no ventre e no peito. Tem olhar “severo”

68
A
AS AVES

e “crítico”. Não será por acaso que o seu nome


científico (Athene noctua) inclui a palavra Atena,
que era o nome da deusa grega da sabedoria (veja,
na página anterior, a caixa Mochos e corujas: sábios
ou fantasmas?).

O mocho-galego é uma ave particularmente útil.


O estudo das regurgitações (veja Os sinais da pre-
sença de animais, no capítulo 6, a partir da página
166) mostrou que, além de pequenos mamíferos
e, de vez em quando, alguns outros vertebrados,
come também um número apreciável de insetos.
Vive sobretudo no campo, em zonas onde paisa-
gens abertas e locais mais ou menos fechados se
encontram lado a lado. Faz o ninho em árvores Mocho-galego
ocas e muros ou mesmo em buracos no chão ou
em pilhas de pedras.

• Finalmente, o mocho-d’orelhas frequenta sobretudo olivais, pomares,


parques e jardins de povoações não muito grandes. Em Portugal
encontra-se, sobretudo, no Nordeste Transmontano e nas Beiras.
Tem uma envergadura de cerca de 50 centímetros, e a plumagem
é castanha e cinzenta, o que leva a que, observado de longe, tenha
um aspeto “bolorento”. Alimenta-se de insetos, sobretudo besouros
e gafanhotos, mas também de aranhas e de ratos.

O peto-verde: um papa-formigas
É impossível ignorar o peto-verde, pois a plumagem esverdeada,
o uropígio amarelo e o barrete vermelho-vivo da cabeça atraem-
-nos imediatamente a atenção. Além disso, possui também uma
espécie de bigode, totalmente preto na fêmea e vermelho rodeado
de preto no macho. Mas é mais frequente ouvi-lo do que vê-lo: o seu
“gargalhar” sonoro, soluçante, quase demoníaco, é muito especial!

O peto-verde procura o alimento, sobretudo, no solo. Costuma


encontrar-se em pinhais, prados, relvados, campos ceifados e
bermas dos caminhos, em lugares onde a comprida língua lhe
permite retirar as formigas, sua principal fonte de alimento, dos
formigueiros. Como a língua do peto-verde tem uma camada
córnea, que a protege das picadas das formigas, estas dificil-
mente escapam.

69
A
PORTUGAL NATURAL II

O pica-pau-malhado-grande:
um pica-pau a sério
Dorso negro, mancha vermelha na nuca, largas ombreiras brancas
e zona sob a cauda de um vermelho muito vivo são o cartão de
Pica-pau-
visita do macho desta espécie. A fêmea não tem a característica
-malhado-grande mancha vermelha na nuca e a zona sob a cauda
é de um vermelho menos vivo. São, como se vê,
aves coloridas, mas não muito grandes: o seu
tamanho é mais ou menos o de um melro.

Esta ave possui as características típicas dos pica-


-paus: pica madeira como ninguém e faz das árvo-
res o seu habitat de eleição. Procura pequenos
animais na casca das árvores, mas também usa
o bico para obter alimentos de origem vegetal,
sobretudo no inverno. Por exemplo, coloca uma
pinha na casca de um pinheiro ou num buraco
que ele próprio escava; depois, com o bico, retira
as escamas da pinha, a fim de extrair os pinhões.
Faz isto sempre no mesmo sítio, de forma que
o chão, junto da árvore escolhida, fica cheio de
restos de pinhas.

bico e língua como faca e garfo


Quando se vê a força e o ritmo com que
o pica-pau é capaz de martelar o tronco
de uma árvore, ficamos admirados por
isso não parecer afetá-lo. O bico em
forma de buril permite-lhe escavar
os troncos das árvores, para neles se
acomodar, e fazer buracos para extrair
os insetos metidos na casca. Para isso,
os pica-paus também estão providos
de uma língua redonda, extremamente
comprida, que podem projetar a uma
distância considerável. A extremidade
da língua está rodeada de pequenos
“grampos” e coberta por uma mucosa
aderente e viscosa; nenhum inseto
resiste a tal arma…
A língua do pica-pau

70
A
AS AVES

Como facilmente se compreende, o pica-pau-malhado-grande pre-


fere, como local de residência, zonas fortemente arborizadas, como
bosques e matas de vegetação densa ou mesmo alguns pomares.

Andorinhas e andorinhões
Apesar de não serem as únicas aves a surgir nessa altura, a sabedoria
popular consagrou as andorinhas como mensageiras da primavera.
Em Portugal, com um pouco de sorte, podem observar-se cinco
espécies diferentes: a andorinha-das-chaminés, a andorinha-dos-
-beirais, a andorinha-das-barreiras, a andorinha-das-rochas (a única
espécie sedentária) e a andorinha-dáurica. Todas são autênticas
acrobatas dos ares e igualmente loucas por insetos. Quanto ao
resto, são bastante diferentes: a plumagem, o modo de vida e o
tipo de ninho são perfeitamente distintos.

Para poder observar as cinco espécies, o melhor será procurar


locais situados perto de pequenos lagos ou ribeiros, durante a
primavera. Acima da superfície da água haverá insetos em abun-
dância, e as andorinhas não resistirão a caçá-los. À primeira vista,
as cinco espécies não se distinguem pelo tamanho, mas sim pelas
cores: algumas são predominantemente castanhas, outras azuis
com reflexos negros.

• A de voo menos impetuoso tem plumagem castanha e uma cauda


pouco recortada: é a andorinha-das-barreiras, a menos vulgar das
cinco. A parte de baixo do corpo é branca com uma faixa parda
no peito. Nidifica, em colónias densas, em falésias arenosas ou
argilosas e em margens de ribeiros. À distância adequada podem Andorinha junto
ver-se pequenos orifícios abertos a um pequeno lago
no bordo superior das falésias:
são as entradas dos túneis-ninhos,
que as próprias andorinhas esca-
vam. Para isso, começam por se
atirar às paredes e escavar alguma
areia com a ajuda das garras.
Depois, continuam o trabalho,
recorrendo às patas e ao bico.
O comprimento do túnel prova
que não brincam em serviço: já
foram descobertos alguns com
dois metros de profundidade!

71
A
PORTUGAL NATURAL II

É no fundo desses túneis que escavam o verdadeiro ninho, que


cobrem depois de ervas, folhas secas, musgo e penas.

• Parecida com a andorinha-das-barreiras, mas um pouco maior, a


andorinha-das-rochas frequenta zonas de montanhas escarpadas
e costas rochosas. Os ninhos, que têm a forma de uma tigela, são
feitos, de preferência, em penhascos, mas por vezes também em
ruínas de antigas construções. A parte de baixo do corpo é acas-
tanhada e não tem faixa peitoral. Esta é a andorinha que possui
melhor “técnica” de voo, embora nunca vá muito alto.

• A andorinha-dáurica também tem plumagem predominantemente


castanha, mas distingue-se das espécies anteriores por a cauda
ser extremamente bifurcada. Constrói o ninho em grutas, edifícios
antigos, castelos e pontes, sempre perto de água. Para isso, utiliza
barro fresco e cimenta-o com saliva. O resultado é tão sólido que,
por vezes, são necessárias ferramentas para destruir os ninhos
assim construídos.

• As outras duas espécies são azuladas com reflexos negros. Ambas
são muito abundantes por todo o país. A andorinha-das-chaminés
reconhece-se facilmente, graças à cauda bastante bifurcada — de
notar que a dos machos é ainda maior do que a das fêmeas. A parte
de baixo do corpo é cinzento-creme, enquanto a garganta e a testa
são castanho-arruivadas.

O ninho tem a forma de uma tigela e é geralmente feito no inte-


rior de grandes edifícios e de celeiros. Preferem, sobretudo, os
estábulos que, no verão, abrigam animais. Como são excelentes
caçadoras, livram o gado dos tormentos que lhes são infligidos
pelas moscas e por outros insetos, bem como das doenças que
estes transmitem.

• Uma bola de lama, com uma pequena abertura, que se vislum-


bra debaixo dos beirais dos telhados de algumas casas logo que
a primavera chega, assinala a presença da andorinha-dos-beirais.

Apesar de ser uma grande devoradora de insetos, o que deveria


levar a que fosse bem-vinda, a coabitação desta espécie com o
homem é, por vezes, problemática. Isso acontece porque, para
conservar o ninho limpo, os filhotes põem os excrementos para
fora, através da abertura atrás referida. Ao cair, os excrementos
podem sujar o parapeito da janela, a fachada da casa ou a soleira da

72
A
AS AVES

porta, o que, de facto, não é muito


agradável. Por isso, muitos ninhos
são destruídos. No entanto, para
evitar esse inconveniente, basta
colocar uma tábua debaixo dos
ninhos e limpá-la todos os anos.
A andorinha-dos-beirais merece
essa pequena ajuda, já que a cres-
cente utilização dos inseticidas e
as novas formas de construção
urbana têm tido, como conse-
quência, uma considerável dimi-
nuição desta espécie no nosso
país.
Os ninhos de lama
das andorinhas-
A andorinha-dos-beirais distingue- -dos-beirais
-se facilmente da andorinha-das-chaminés porque tem a cauda
menos bifurcada (é mais parecida com a da andorinha-das-barreiras)
e, além disso, o ventre e o uropígio são de um branco tão vistoso
que é quase impossível confundi-las.

• Por outro lado, os andorinhões, apesar do nome, não são ando-


rinhas! Pertencem até a uma ordem diferente, que inclui, entre
outros, o colibri.

O andorinhão-preto, o mais frequente, tem uma plumagem cujas


tonalidades se situam entre o castanho-escuro e o negro, tendo
apenas o queixo branco. Com isto não se pode dizer que seja uma
ave colorida. Nas grandes cidades, costuma ouvir-se, ao fim da
tarde, o seu grito estridente. Mas o que mais o caracteriza, bem
como aos outros andorinhões, são as asas abertas, em forma de
lâmina de foice, enquanto voa. E, além disso, é muito raro observar-
-se um andorinhão sem que seja durante o voo, pois é no ar que
eles passam a maior parte da vida: é lá que procuram o alimento,
é lá que acasalam e é até lá que, por vezes, se entregam a breves
“instantes de repouso”!

Em contrapartida, o seu desempenho no solo é péssimo. Os andori-


nhões só conseguem levantar voo no meio de muitas dificuldades;
é por isso que precisam de suficiente espaço sob o ninho, que
instalam nos edifícios velhos, debaixo das telhas ou nas fendas das
paredes. Na realidade, o que fazem é deixarem-se cair, o que lhes
dá velocidade suficiente para iniciar o voo.

73
A
PORTUGAL NATURAL II

a migração das andorinhas


O comportamento migratório das andorinhas tem despertado a
atenção dos homens desde há muito tempo. O gregos, por exemplo,
cedo se deram conta de que as andorinhas “desapareciam”
bruscamente. A explicação que deram para esse fenómeno
enquadra-se bem na sua época: pensavam eles que as andorinhas
hibernavam no lodo que cobre o fundo de rios e lagos. O facto de,
na primavera, as andorinhas se dedicarem a voos rasantes sobre a
superfície das águas, com um pouco de lama no bico, só reforçava
essa ideia. Mas, desde então, os nossos conhecimentos sobre os
hábitos das aves aumentaram bastante e já há muito tempo que se
sabe que as andorinhas passam o inverno na África tropical!

Tal como as andorinhas, os andorinhões jovens aprendem rapida-


mente a pôr os excrementos fora do ninho, por razões de higiene.
Durante as primeiras semanas de vida, as crias correm algum
perigo: quando o tempo está frio e húmido, o alimento (quase
sempre insetos) escasseia e podem morrer de fome. Mas, uma
vez dobrado esse cabo, a esperança de vida de um andorinhão é
grande. Pode viver 10 a 15 anos, o que é bastante. Na medida do
possível, passa esse tempo sempre com a mesma companheira.

O andorinhão-real é bastante maior, pois mede mais 20 centíme-


tros do que o andorinhão-preto. Os sons que emite são ainda mais
estridentes. Frequenta sobretudo as zonas costeiras e faz o ninho
nas rochas ou em cavidades das paredes rochosas. É um excelente
voador, mas no chão é tão desajeitado como o andorinhão-preto.
Por isso, passa também a maior parte do tempo no ar. Até a água
que bebe é arranjada no ar!

Cotovias: as musas dos poetas


Excetuando o rouxinol, poucas foram as aves que inspiraram tanto
os poetas como as cotovias. E, tal como acontece com o rouxinol, é
sobretudo o seu canto que suscita admiração, porque a plumagem
não tem nada de especial. A sua “indumentária” é predominante-
mente castanha, com pequenas manchas escuras sobre um fundo
que vai do cinzento-esbranquiçado ao castanho-acinzentado. A mais
fácil de identificar é a cotovia-de-poupa, que, como o nome indica,
possui uma poupa no alto da cabeça. O canto, muito melodioso, é
composto por “frases” curtas e repetidas. Frequenta, especialmente

74
A
AS AVES

zonas rurais, mas por vezes também se encontra em regiões muito


habitadas. A fêmea faz o ninho no solo, com raízes e caules tenros
de plantas, e põe quatro ou cinco ovos. Os filhotes alimentam-se
de insetos e minhocas; os adultos comem, sobretudo, sementes.

A laverca, que pertence também à família das cotovias, tem uma


espécie de risca branca de ambos os lados da cauda; as sobrance-
lhas também são esbranquiçadas.Possui uma pequena poupa na
cabeça, que nem sempre se vê com facilidade. Prefere paisagens
abertas, como planícies, terrenos cultivados, dunas e charnecas.
Não precisa de árvores e encontra o alimento — minhocas, insetos,
sementes de ervas daninhas e rebentos de plantas — no solo. É tam-
bém no chão que constrói o ninho, como, aliás, todas as cotovias.

A calhandra-real é a maior da família e mede 19 centímetros. Tem aspeto


corpulento e pesado. Também faz o ninho no chão, normalmente
ao abrigo de uma planta. A calhandrinha é a cotovia mais pequena,
pois mede apenas 14 centímetros. É muito comum, tal como a
cotovia-pequena. Esta é muito cuidadosa com o ninho: constrói-o
entre a vegetação rasteira, num local difícil de ver. Quando entra
ou sai do ninho, fá-lo pelo chão e certifica-se de que não está a ser
observada. Em geral, as cotovias, além de cantoras dotadas, são
também grandes voadoras. Como costumam fazer as duas coisas
ao mesmo tempo, o espetáculo é quase completo. Um pouco mais
de cor e tornar-se-iam “artistas” irresistíveis!

A alvéola-branca:
uma camponesa convicta
A alvéola-branca prefere, inegavelmente, os campos abertos, embora
também se possa encontrar noutros locais, desde que a vegetação
não seja muito densa e haja água nas proximidades. Não é difícil
identificá-la. O branco, o cinzento e o negro caracterizam a sua
plumagem: as asas e o dorso são cinzentos; a testa, as sobrancelhas,
o peito e o ventre são brancos; finalmente, o barrete na cabeça e o
pescoço, que se prolonga por uma mancha no peito, são negros.
A fêmea é mais cinzenta e tem menos negro na cabeça e no peito.
A cauda, longa e negra, possui uma risca branca de ambos os lados.

A alvéola-branca tem o hábito de andar aos saltos enquanto abana


ativamente a cauda. A forma como obtém alimento denota exce-
lentes aptidões para o desporto: os insetos são caçados em pleno

75
A
PORTUGAL NATURAL II

Alvéola-branca

voo. Isso explica a sua predileção pelos campos, onde os insetos


voadores abundam, perto das quintas, dos rebanhos a pastar ou
dos arados que andam na lavoura.

O estorninho-preto: um galanteador alado


Apesar de bastante comum, o estorninho não deixa de ser uma
ave interessante: à primeira vista, faz lembrar o melro, graças à
plumagem negra e ao bico amarelado. Mas é mais pequeno do que
aquele e possui hábitos diferentes. Alimenta-se principalmente de
insetos e de bagas. O melro, como se sabe, é um grande apreciador
de minhocas.

Na primavera, o estorninho macho começa a ficar agitado. Examina


todas as cavidades (começando pelas árvores ocas e acabando nos
buracos das chaminés), a fim de poder oferecer um alojamento
condigno à sua eleita. Quando passa uma fêmea, sai da cavidade
escolhida e, para atrair a atenção, bate as asas, endireita as penas
e mostra uma série considerável de outras atitudes de sedução.
Tendo suscitado, dessa forma, o interesse da fêmea, atrai-a, recor-
rendo a um canto suave. Como prova das suas boas intenções,
traz-lhe, se necessário, alguns materiais destinados à construção
do ninho. Uma vez juntos no interior da dita cavidade, ouve-se
toda uma gama de pequenos chilreios e gorjeios.

76
A
AS AVES

Os estorninhos são exímios imitadores do canto de outras aves.


Por isso, se ouvir o canto de um papa-figos em pleno inverno, não
duvide dos seus conhecimentos de ornitologia. O mais certo é ser
um estorninho a tentar confundi-lo.

Os filhotes são pequenos seres cor de café que se parecem pouco


com os pais, pelo menos até ao final do verão. Após a muda, adqui-
rem o aspeto próprio dos estorninhos adultos. As primeiras crias
abandonam o ninho a partir do início de maio, mas, geralmente,
há uma segunda postura.

No inverno, o número de estorninhos aumenta bastante, devido


à migração dos estorninhos-malhados provenientes da Europa do
Norte e Central. São muito semelhantes aos estorninhos-pretos,
de forma que os não-especialistas facilmente os confundem.

Gralhas, corvos e gaios


Ninguém o diria, à primeira vista (ou à primeira audição…), mas a
verdade é que os corvídeos também pertencem à grande família
das aves canoras! Isto apesar de apenas conseguirem produzir um
som rouco ou, na melhor das hipóteses, um grito áspero, enquanto
numerosas aves “não canoras” emitem sons muito mais melodio-
sos. No entanto, esta classificação deve-se ao facto de os cientistas,
ao “encaixarem” as aves nas respetivas famílias, não levarem muito
em conta o tipo de linguagem, mas darem a primazia a caracterís-
ticas mais visíveis. Por isso, por Corvo
estranho que pareça, o critério
principal de pertença ao grupo
das aves canoras não tem nada
que ver com a capacidade de pro-
duzir sons melodiosos, mas antes
com a configuração dos dedos,
que lhes permite aguentarem-se
sobre ramos finos.

• O maior dos corvídeos é o corvo.


O seu comprimento ultrapassa
os 60 centímetros. Muitas vezes
confundido com a gralha-preta,
mais pequena e com um canto
menos rouco, o corvo é bastante

77
A
PORTUGAL NATURAL II

menos frequente do que se imagina. A existência de menos de


dez mil indivíduos confere-lhe o estatuto de quase ameaçado.
Encontra-se normalmente em zonas abertas e pouco povoadas,
agrícolas ou não. Come um pouco de tudo, apesar de ter uma
nítida preferência pela carne. Mas também come muitos insetos,
principalmente besouros.

Quando jovens, os corvos deixam-se domesticar com relativa


facilidade. Podem aprender a imitar a voz humana e a articular
algumas frases. Gostam de brincar com chaves, óculos e outros
objetos do género. Desenvolvem um certo afeto para com as pes-
soas que os tratam. Mesmo no estado selvagem, os corvos não
hostilizam o homem, desde que não sejam perseguidos por ele.
Por vezes, chegam a fazer o ninho em edifícios altos de vilas ou
cidades pequenas.

• Poucas aves merecem tanto o nome de uma cor como a gralha-


-preta: é negra como azeviche, da cabeça à cauda. Talvez por isso a
sua aparência cause, aos olhos humanos, alguma intranquilidade…

As gralhas são, tal como os corvos, verdadeiros omnívoros. Não se ali-


mentam só de vermes, insetos, larvas, lesmas, ratos, frutos, restos
de comida e cadáveres, mas também (sobretudo na primavera)
de ovos e de outras aves ainda jovens. A gralha-preta não é nada
apreciada pelos caçadores, porque, devido à sua voracidade,
é acusada de ser uma das principais causas da diminuição do
número de aves de caça.

•  A gralha-de-nuca-cinzenta é um parente menor da gralha-preta.


Mas não é só o tamanho que as distingue: o que chama imediata-
mente a atenção, nesta espécie, é a nuca cinzento-brilhante, que
justifica o seu nome. Por vezes, veem-se gralhas-de-nuca-cinzenta,
voando, em pequenos grupos, à volta de uma torre, soltando o seu
grito característico, um “craac” agudo. São aves de instinto gregário,
que nidificam em colónias nas chaminés, em edifícios antigos ou
em árvores ocas. Essas colónias são muito hierarquizadas. Segundo
Konrad Lorenz, o célebre especialista austríaco em comportamento
animal, poucas aves desenvolveram uma vida social e familiar
de nível tão elevado como a gralha-de-nuca-cinzenta. Têm até
uma espécie de “noivado”: apesar de construírem o ninho apenas
durante o terceiro ano de vida, começam a procurar parceiro a
partir do segundo. Lorenz notou que, por meio desse noivado,
a fêmea adquire, automaticamente, um posto idêntico ao do seu

78
A
AS AVES

companheiro, na hierarquia do grupo. Os cônjuges mantêm-se


fiéis até ao fim dos seus dias.

• As gralhas-de-bico-vermelho passam, atualmente, por uma fase


difícil. Encontram-se em preocupante regressão no nosso país e
em toda a Europa, pelo que se considerada estarem em perigo
de extinção. Ao que parece, isso deve-se à perturbação do seu
modo de vida habitual, resultante, sobretudo, do crescimento
demográfico e da pressão turística nas zonas costeiras. Convém
saber que estas aves fazem o ninho em fendas e buracos situados
em escarpas normalmente inacessíveis; no entanto, a proximidade
de pessoas ou de veículos pode forçá-las a procurar alimento em
locais afastados e até a abandonar o ninho.

Alimentam-se, sobretudo, de invertebrados e, por vezes, de


grãos e sementes. A plumagem é inteiramente negra; as patas,
tal como o bico que lhes deu o nome, são vermelhas. Apesar
das evidentes diferenças, os lavradores confundem-nas muitas
vezes com as gralhas-de-nuca-cinzenta, que causam bastantes
prejuízos à agricultura. O que leva a que o “justo” pague pelo
“pecador”…

• O membro mais colorido da família dos corvídeos é o gaio. E,


além de ter plumagem mais vistosa, também possui um grito mais
atrativo do que o dos parentes. O seu “scaac, scaac” ressoa pelos
bosques durante quase todo o ano. É uma ave bastante bonita:

Gaio, um corvídeo
vistoso

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A
PORTUGAL NATURAL II

ventre e peito cor-de-rosa, garganta branca, bigode negro e dorso


castanho-escuro. A cauda parece separada do resto do corpo pelo
uropígio branco, que se vê bastante bem durante o voo. Também
se notam facilmente as barras alares brancas, de forma quase
quadrada. Mas o que o gaio tem de mais bonito é o azul-celeste
das asas, que lhe dá um ar exótico. Como se isso não bastasse, tem
ainda uma poupa vistosa no alto da cabeça. No entanto, a bela apa-
rência não o protege da má vontade de alguns caçadores, porque,
tal como os outros corvídeos, não hesita em engolir um ovo ou
devorar uma avezinha. A sua dieta compõe-se também de insetos,
bagas e sementes.

No inverno, o gaio parece apreciar particularmente os carvalhos.


É verdade que, no outono, apanha bolotas, que enterra no solo para
não passar fome durante a estação fria. Mas parece que essa não é
a única explicação para tal preferência. Alguns afirmam, inclusive,
que se trata de uma troca “premeditada” e benéfica entre planta
e animal. O gaio “plantaria” propositadamente essas bolotas,
a fim de “colher” mais tarde os frutos das novas árvores; e os
carvalhos também beneficiam com isso, pois a sua propagação
fica facilitada. Seja como for, a verdade é que, no inverno, o gaio
come algumas das sementes que havia enterrado, mas, como
não as consome todas, contribui realmente para a germinação
de novos carvalhos.

• Um dos corvídeos mais fáceis de identificar é a pega, graças à


plumagem negra e branca e à cauda muito comprida. É no solo
que procura a maior parte do alimento: lagartas, lesmas, aranhas
e escaravelhos. Mas também come aves e ratos pequenos. Voar
não é a sua especialidade: bate as asas com muita rapidez, mas
sem grande amplitude; por vezes, deixa de bater as asas, para
desfrutar de um breve momento de repouso em voo planado;
mas tem de fazer apelo a todas as suas forças para conseguir
mexer-se novamente. Felizmente, não tem de voar muitas vezes,
porque é uma ave sedentária e não efetua grandes deslocações.
Em certas ocasiões, formam-se grupos de algumas dezenas, com-
postos por todas as pegas adultas de um determinado território.
É a época das paradas (veja Um pouco de vocabulário, na página
49), que terminarão com a formação de novos casais. As pegas
não são muito exigentes em relação ao habitat. A única condição
é que haja árvores. Começam a construir o ninho muito cedo,
logo no início de março, porque essa tarefa exige muito tempo.
Escolhem a copa de uma árvore ou de um arbusto e, tendo por

80
A
AS AVES

A plumagem negra
e branca da pega

base um entrançamento de ramos finos, modelam uma espécie


de taça. Utilizam materiais suaves, como penas, ervas secas e,
por vezes, lã.

Os ornitólogos mais sentimentais consideram a pega uma cruel


ladra de aves jovens, com as quais alimenta a descendência. Para os
caçadores, trata-se de um inimigo a abater. No entanto, as matanças
não resolvem nada, porque são seguidas, muitas vezes, de um forte
aumento do número de indivíduos. Como a matança disponibi-
liza espaço para as pegas sobreviventes, estas podem criar mais
filhotes. Por isso, o verdadeiro problema reside, por um lado, no
lixo produzido em grande escala pela nossa sociedade, que lhes
dá alimento em abundância; por outro, na preocupante regressão
dos seus inimigos naturais, as aves de rapina (veja a caixa Má sorte
ter nascido rapina…, na página 65).

• Uma palavra ainda para uma ave da mesma família, relativamente


frequente entre nós: a pega-azul. É o corvídeo mais pequeno (mede
34 centímetros de comprimento, mas, se descontássemos a cauda,
não passaria dos 15); no entanto, é extraordinariamente vistosa:
o dorso, o ventre e parte das asas são castanho-claros; o peito é
branco-acinzentado; na cabeça, como se de um ladrão encapuzado
se tratasse, possui uma espécie de capucho preto; e, finalmente, a
cauda e parte das asas são azul-claras, com reflexos acinzentados!
O conjunto é, evidentemente, de belo efeito…

81
A
PORTUGAL NATURAL II

A pega-azul frequenta, sobretudo, bosques abertos de planícies e


planaltos, mas também se pode encontrar em pomares, pinhais
e montados. Alimenta-se, principalmente, de insetos e de outros
pequenos invertebrados, além de frutos e de outros alimentos
de origem vegetal. É mais abundante no Centro e no Sul do país.

A carriça: uma bola de penas


O que mais impressiona na carriça é o canto, forte e melódico.
Mas a silhueta também é interessante: parece uma pequena bola
de penas, com uma cauda curta e espetada. A cabeça e o dorso
são castanho-arruivados, a parte de baixo do corpo é cor de areia.
De perto, vê-se que as sobrancelhas são um pouco mais claras e
que o bico é ligeiramente encurvado.

Mantém-se quase todo o ano na mesma zona, num território


pouco extenso. Habita, de preferência, bosques húmidos, ricos
em húmus, mas também gosta de jardins. Quando os invernos
são rigorosos, muitas não resistem, especialmente nas regiões
mais frias. Isso acontece porque a carriça se alimenta de insetos,
larvas, aranhas e outros pequenos animais que vivem em cama-
das de húmus relativamente quentes. Por isso, quando a camada
de húmus é insuficiente, as suas hipóteses de sobrevivência são
reduzidas.

Passado o inverno, o macho inicia um grandioso projeto de cons-


trução. Em menos de nada, instala, no território que lhe pertence,
diversos ninhos, por vezes dezenas deles, para aumentar as hipó-
teses de seduzir uma fêmea. Os ninhos são esféricos e ficam, no
máximo, a três metros do solo. São feitos de musgo, folhas e outros
materiais secos. Além de muito empreendedor, o macho da carriça
dá sinais de ser um perfeccionista, já que está permanentemente a
examinar a sua obra, tentando ver se há alguma folhinha a mais ou
a menos. Na primavera, canta energicamente, procurando atrair
as fêmeas das redondezas. Se alguma responde positivamente aos
seus avanços, dá os últimos retoques no ninho por ela escolhido,
enfeitando-o com pelos, penas e ervas macias.

O macho deixa que a fêmea se ocupe dos ovos enquanto procura


seduzir outras fêmeas e, assim que a primeira ninhada dá sinais
de alguma independência, recomeça a fazer a corte à sua compa-
nheira. Um sedutor, portanto.

82
A
AS AVES

A toutinegra: um casal atual


Mais colaborante, o macho da toutinegra-de-barrete-preto não tem
quaisquer problemas em ajudar a companheira a chocar os ovos,
apesar de esta dedicar bastante mais tempo a essa tarefa. O ninho
é construído a baixa altura, por entre moitas e arbustos, com ervas
secas e raízes, o que lhe dá um aspeto bastante frágil. E a sua
existência é, de facto, bastante efémera. Os filhotes abandonam-
-no ainda antes de saberem voar e, passadas algumas semanas,
já não existe.

A atribuição do nome toutinegra-de-barrete-preto justifica-se pelo


aspeto do macho. Este tem o alto da cabeça negro, ao passo que
o da fêmea é cor de ferrugem.
No restante, ambos são idênti-
cos, embora o dorso e as asas do
macho sejam, por vezes, de um
castanho mais escuro.

Esta espécie é residente em


Portugal e bastante frequente.
Pode encontrar-se numa grande
variedade de habitats, que vão
desde parques e jardins a bosques
e matas. Parece preferir o litoral
ao interior do país.

• A toutinegra-de-cabeça-preta é Fêmea de toutinegra-de-barrete-preto


parecida com a de barrete-preto,
mas é um pouco mais pequena. Macho de toutinegra-de-cabeça-preta
Os olhos são rodeados de verme-
lho e o preto da cabeça vai até à
nuca e parte do pescoço, o que
não acontece com a toutinegra-de-
-barrete-preto. Frequenta olivais
e bosques pouco densos.

• Finalmente, a felosa-do-mato,
que é uma espécie aparentada
com as toutinegras, é ainda mais
pequena do que a anterior: tem
apenas 12,5 centímetros de com-
primento. A cabeça e o dorso são

83
A
PORTUGAL NATURAL II

acinzentados, mas a garganta é avermelhada. Os olhos também


são rodeados de vermelho, como na toutinegra-de-cabeça-preta.
Costuma frequentar matagais, geralmente não muito altos.

A felosa-comum: uma presença discreta


O aspeto da felosa-comum não a torna notada no mundo das aves:
11 centímetros de comprimento, dorso castanho-acinzentado, peito
e ventre cinzentos. O canto também não é nada de especial: um
“zip-zap-zip-zap” monótono e repetitivo, que o macho emite do
alto de uma árvore, situada num parque, num jardim ou numa
mata não muito densa. Evita silvados e serras e, fenómeno curioso,
parece preferir as árvores mais velhas. Canta apenas quando se
encontra a três ou quatro metros do chão.

A felosa-comum constrói o ninho no chão, entre folhas caídas ou


vegetação densa: é uma estrutura frágil, de forma esférica, cuja
abertura fica sempre voltada para cima. A fêmea põe entre cinco e
sete ovos e, normalmente, apenas uma vez por ano. É ela que choca
os ovos, enquanto continua a tratar da sua própria alimentação.
O macho apenas começa a ajudá-la depois de as crias nascerem.
Estas começam a voar 15 dias mais tarde, mas, por vezes, os pais
continuam a assegurar parte do alimento. Passados dois meses,
os filhotes estão prontos para tomar conta deles mesmos e partem
à conquista de novos territórios.

Picanços: fortes e aguerridos


Parte superior do bico ligeiramente recurvada na extremidade,
fazendo lembrar, ainda que vagamente, o bico adunco das aves de
rapina; plumagem razoavelmente vistosa, devido à variedade das
cores; comprimento entre 18 e 25 centímetros: estas são algumas
características que podem ajudar-nos a identificar um membro
da família dos picanços.

• O maior deles, o picanço-real, é do tamanho de um melro. As penas


de parte das asas e da cauda são escuras e fazem um interessante
contraste com o cinzento-claro e o branco do resto do corpo. Ambos
os lados da cabeça são atravessados por uma mancha escura, que
parece dar continuidade ao bico, que é quase negro. No nosso
país, o picanço-real é residente, ao contrário dos demais picanços,

84
A
AS AVES

que apenas passam entre nós o


período da reprodução. É relativa-
mente abundante, mas encontra-
-se com mais facilidade nas pla-
nícies do Ribatejo e do Alentejo
do que no resto do país. Como se
depreende desse facto, prefere
campos abertos, de vegetação
não muito densa. Faz o ninho
em árvores ou arbustos, com
musgo, ervas e pedaços de plan-
tas. Apesar do tamanho, chega
a atacar melros e lagartos. Se
necessário, é capaz de defender
o ninho até das gralhas-pretas,
embora estas sejam muito maio-
res. Luta como uma águia. Picanço-real

• Menos abundante e apenas presente entre nós durante uma


parte do ano (primavera e verão), o picanço-barreteiro distingue-se
do picanço-real por possuir uma espécie de barrete avermelhado
na cabeça. Além disso, tem o dorso negro e é um pouco menor
(19 centímetros de comprimento). Menos aguerrido, alimenta-se
sobretudo de insetos, mas, por vezes, também caça lagartos, ratos
e aves pequenas. Vê-se com mais frequência em pomares, olivais
e montados.

• Finalmente, o picanço-de-dorso-ruivo, cujo nome indica a sua


principal peculiaridade enquanto picanço, é pouco frequente,
aparecendo apenas na região do Alto Minho e, mesmo assim, só
durante a primavera e o verão. Frequenta, sobretudo, os campos
emparcelados, onde existam sebes densas. Os insetos, especialmente
os escaravelhos e os gafanhotos, constituem o seu prato predileto.

O pisco-de-peito-ruivo:
um macho hesitante…
O pisco-de-peito-ruivo é tão conhecido que quase não vale a pena
descrevê-lo e, além disso, é quase impossível confundi-lo com
outra ave qualquer. Frequenta parques e jardins, embora, origi-
nalmente, fosse uma ave de matas densas. Infelizmente, estas são
cada vez mais raras.

85
A
PORTUGAL NATURAL II

Pisco-de-peito-ruivo

O canto do pisco, bastante agradável, significa:


como o pisco- “É aqui que eu habito e não aceito a presença
-de-peito-ruivo de mais ninguém.” Para ele, só em épocas de
adquiriu frio intenso é que a procura de alimento adquire
o seu nome mais importância do que a defesa do território.

De acordo com a lenda, o pisco Contrariamente ao que acontece com a maioria


ajudou a suavizar os sofrimentos das aves, é a fêmea do pisco que toma a iniciativa
de Cristo com o seu agradável
canto. No momento em que a de escolher um companheiro. Passado o inverno,
coroa de espinhos era retirada ao ela inicia a “caça ao macho”. Logo que o avista,
crucificado, derramou-se uma penetra no seu território.
gota de sangue, que lhe manchou
o peito. Daí teria vindo o seu O macho bem tenta afastar-se, mas as constantes
nome. E, na realidade, poucas
são as aves com um nome
idas e vindas da fêmea acabam por convencê-
tão apropriado. -lo dos seus encantos. Depois do acasalamento,
as tarefas são equitativamente repartidas.

A fêmea constrói o ninho, geralmente em forma de taça, utilizando


palhinhas e folhas secas. Finalmente, põe os ovos, que choca durante
duas semanas. Entretanto, o macho alimenta-a. Quando os filhos
partem, o casal separa-se novamente, e cada um regressa à sua
existência solitária.

86
A
AS AVES

No inverno, os nossos piscos recebem a visita dos seus parentes do


Norte da Europa. Como faz menos frio por cá, é mais fácil encon-
trar alimento. Costumam frequentar os comedouros. No entanto,
a migração não deixa de ter algumas consequências negativas e,
conjugada com o frio do inverno, acaba por fazer algumas vítimas.
Felizmente, as perdas são compensadas, regra geral, pelo nasci-
mento de um grande número de novos piscos.

Tordos: caracóis e minhocas, cuidado!


É pena que o tordo-comum apenas frequente terras portuguesas
durante os meses mais frios, porque se trata de um cantor de rara
qualidade. Felizmente, a tordoveia, sua parente próxima, também
é razoavelmente dotada e fica connosco durante o ano inteiro.
Mas, como nada é perfeito, só canta em abril e maio…

Trata-se de uma ave com cerca de 27 centímetros de comprimento,


que se pode encontrar por todo o país, especialmente nas zonas
agrícolas com abundância de bosques, sebes e
matas ribeirinhas. O ninho, feito de palha e terra,
é bastante espaçoso. A fêmea põe quatro ou cinco
ovos, demora cerca de 15 dias a chocá-los e, entre-
tanto, cuida também da sua própria alimentação.
Mas, quando os filhotes nascem, os dois membros
do casal partem em busca de alimento. A tordoveia
come principalmente minhocas, ao contrário do
tordo-comum, que é um grande apreciador de
caracóis.

Não é muito difícil reconhecer uma tordoveia.


Além de um tamanho razoável, possui também
uma plumagem característica: cabeça e dorso
cinzento-escuros, parte de baixo do corpo esbran-
quiçada, com pintas arredondadas, também
cinzentas. O tordo-comum é parecido, mas um
pouco menor. E como só aparece por cá durante Tordo
o outono e o inverno…

• Existem duas outras espécies de tordos que costumam vir passar


o inverno connosco: o tordo-ruivo e o tordo-zornal. São fundamen-
talmente castanhos, mas o tordo-zornal tem a cabeça cinzenta.
Também se alimenta de minhocas, caracóis e outros insetos.

87
A
PORTUGAL NATURAL II

O tordo-ruivo distingue-se por ter flancos cor de ferrugem e uma


mancha clara sobre os olhos. Além de insetos e vermes, também
se alimenta de bagas.

O melro: o saltitão negro


O melro é, atualmente, uma das aves mais conhecidas, mas nem
sempre foi assim. Originalmente, era uma arisca ave dos bosques,
que se alimentava de minhocas, lesmas e todos os tipos de insetos
que encontrava no solo. Só recentemente se adaptou às alterações
introduzidas pelo homem no seu meio original.

Hoje, quase não há um jardim onde não se veja


um melro a saltitar. O macho, se excetuarmos
o bico amarelo-alaranjado, é totalmente negro.
Quanto à fêmea, é castanho-escura, com manchas
um pouco mais claras na garganta e no peito.
O bico é castanho-amarelado. Essa sobriedade
da plumagem é muito funcional: desse modo,
a fêmea não dá muito nas vistas quando choca,
o que diminui as hipóteses de a ninhada vir a ser
perturbada.

Mas nem todos os melros foram “domesticados”.


Melro Parte deles manteve-se fiel ao meio ambiente
original. É por isso que existem melros das cida-
des e melros dos bosques. São muitas as características que per-
mitem distingui-los: local onde fazem o ninho, tipo de alimenta-
ção, sonoridade do canto, tendências migratórias e fecundidade.
Isto mostra a que ponto o meio ambiente pode ser determinante
no comportamento das espécies.

Chapins: uma família de acrobatas


Não existe nenhum jardim onde não haja chapins. Felizmente,
todos gostam deles, devido à mania de tudo coscuvilharem, ao vasto
reportório de acrobacias e à plumagem alegre e colorida. Além
disso, os chapins são fiéis frequentadores dos “ninhos” de madeira
existentes nalguns jardins e, no inverno, deixam-se observar sem
problemas junto dos comedouros. Quase todos os chapins são
mestres, e formados com distinção, na arte de caçar lagartas e

88
A
AS AVES

Chapim-real

insetos. Mas, mesmo assim, o dia de um casal de chapins quase


não chega para alimentar a ninhada, que chega a ser composta
por dez filhotes, sempre esfomeados. Juntos acabam facilmente
com as lagartas e outros invasores das hortas.

• O chapim-real é o de maior envergadura, apesar de só ter 14 cen-


tímetros de comprimento. Reconhece-se pelo negro da cabeça e
pelas faces brancas, também rodeadas de negro. O dorso, que é
verde-acinzentado, contrasta com o ventre amarelo. Este é atra-
vessado por uma espécie de gravata negra. A fêmea também “usa”
gravata, embora de qualidade inferior. No macho, essa gravata
tem alguma importância, pois, durante a parada nupcial, é aquele
que tiver a gravata mais larga que terá mais hipóteses de obter os
favores das fêmeas. E, se a gravata for ostentada de forma suficien-
temente ameaçadora, os outros machos inibir-se-ão e reconhecê-
-lo-ão como “chefe”.

• O chapim-azul é um primo mais pequeno do chapim-real. Tem


faces brancas, rodeadas por uma linha negra e atravessadas, à altura
do olho, por uma estria, também negra. A parte de cima da cabeça
é azul, tal como as asas e a cauda. Isto permite distingui-lo, sem
dificuldade, do chapim-real. A dieta dos chapins-azuis é composta,
quase exclusivamente, de alimentos de origem animal, especial-
mente insetos. Por isso, são avezinhas muito úteis.

89
A
PORTUGAL NATURAL II

• Por sua vez, o chapim-carvoeiro ou chapim-preto


apresenta uma coloração não muito vistosa: a única
nota de realce é a presença de uma grande mancha
negra que lhe cobre a cabeça e parte da nuca.
A outra parte é branca, tal como as faces. É, como
os seus pares, uma ave pequena, ágil e de canto
fácil. Em Portugal, é mais frequente no Norte e
no Centro do país.

• O chapim-de-poupa encontra-se por todo o país,


especialmente nos olivais e nos montados, no
Sul, e em pinhais e carvalhais, no Norte. Possui
Chapim-azul uma pequena poupa, o que permite distingui-lo
com facilidade dos outros chapins. Para ajudar,
as cores (branco e cinzento) de toda a zona da
cabeça tornam-no ainda mais inconfundível.

• Difícil de confundir com outros da mesma espécie


é também o chapim-rabilongo, fundamentalmente
graças à cauda, que, como o nome deixa entender,
é bastante comprida. Constrói um ninho curioso,
cujo interior é abundantemente revestido de penas.
Aliás, uma forma prática de, na primavera, atrair
o chapim-rabilongo consiste em pôr uma pena a
esvoaçar perto dele, pois dificilmente resistirá a
Chapim-de-poupa tentar agarrá-la e levá-la para o ninho. Também é
bastante vulgar no nosso país, manifestando nítida
preferência pelos bosques húmidos, matas ribeirinhas e encostas
sombrias. É mais abundante no Norte do que no Sul.

O tentilhão: um cantor de primeira água


O canto dos tentilhões é poderoso e sonoro. Mas seria talvez melhor
que fosse um pouco mais discreto, porque milhares de tentilhões
têm pago bastante caro por esse formidável talento. No século pas-
sado, sobretudo, muitas pessoas capturavam-nos para desfrutar,
em suas casas, da beleza do seu canto ou para os inscrever em
concursos de canto. Mas, como todas as aves, é em plena natureza
que o tentilhão se sente melhor.

O macho é, predominantemente, castanho-avermelhado, com o


dorso castanho e um desenho negro e branco sobre as asas. A cauda

90
A
AS AVES

é negra com algumas faixas brancas. Com o aproxi-


mar do verão, o castanho da cabeça transforma-se
num soberbo barrete azul-cinza. A fêmea, como
uma fotografia a preto e branco, é uma versão
descolorida do macho: o “desenho” é o mesmo,
mas as cores, não. Mas, definitivamente, o que mais
cativa no tentilhão é o canto. Segue um esquema
normalmente fixo (descrito nos guias de aves das
formas mais diversas), repetindo sempre a mesma
estrofe, mas enfeitando-a de formas diferentes,
conforme as regiões.

O tentilhão é visível (e audível, para nossa satisfação)


por todo o país. É uma das aves mais abundantes.
Encontra-se principalmente em bosques, sebes
densas e pomares. Mas também se vê, por vezes,
em parques e jardins.
Tentilhão, uma das
aves mais abundantes
em todo o país
O verdilhão: um bom ajudante de jardineiro
Se tiver um jardim e se, nas suas redondezas, houver condições
para a nidificação de um verdilhão, o trabalho de arrancar as ervas
daninhas ficará reduzido a metade. É que a alimentação desta ave
é constituída, essencialmente, por sementes dessas ervas. E, além
do mais, as hipóteses de um casal de verdilhões vir a instalar-se
no seu bairro são bastante elevadas, porque esta espécie é uma
das que melhor se adaptaram ao ambiente criado pelo homem.

O verdilhão prefere paisagens de parques onde existam diversos


arbustos ou pequenas árvores, que são ótimos postos para o canto e
para a observação do que se passa em redor, além de constituírem
excelentes locais para a nidificação.

O macho é bastante bonito: de um verde-amarelado, tem a cauda e


o espelho das asas amarelos (bem visíveis em pleno voo). A fêmea
é mais discreta e cinzenta; a cauda e as asas são menos amarelas.
Os filhotes têm peito listrado e a plumagem parece-se mais com a
da mãe. O voo é bastante ondeado e transmite uma impressão de
jovialidade, porque o verdilhão está sempre a fechar e a abrir as asas.

Tal como as outras granívoras, os verdilhões reúnem-se em pequenos


bandos no inverno. A procura do alimento leva-os, com frequência, a

91
A
PORTUGAL NATURAL II

sítios onde há muitas ervas daninhas. Mas, quando o


inverno é rigoroso, também não desprezam sementes
brancas de girassol que encontrem, eventualmente,
em comedouros. Com o bico forte, fazem estalar a
casca das sementes, para comerem apenas o interior,
macio e muito nutritivo. E, mesmo sem possuírem
a habilidade dos chapins, conseguem aproveitar
as pequenas bolas de gordura e de sementes que
encontrem suspensas dos comedouros e dos ramos
das árvores (veja, à direita, a caixa Os comedouros:
uma bênção para as aves…).
Filhotes do verdilhão
à espera de alimento
Como muitas outras aves canoras, o verdilhão é,
por vezes, vítima de captura ilegal (armadilhas). Mas, em cativeiro,
o pequeno e traquina ajudante de jardineiro fica cada vez mais
mortiço e transforma-se rapidamente numa ave triste e pálida.

O pardal: o amigo do homem


Muitos observadores de aves acham o pardal demasiado “vulgar”
para lhe darem atenção. Mas já se deu ao trabalho de reparar nele
e de o observar atentamente? Verá que o macho tem um barrete
cinzento, ladeado de castanho-escuro; as faces são brancas, o ventre
é grisalho, o bico e a garganta negros. Quanto à fêmea, não tem
a garganta negra, o dorso é listrado e o aspeto geral é bastante
mais discreto. Se observar, também com atenção, um bando de
pardais, poderá constatar que nem todos são iguais. No pequeno
mundo dos machos, a garganta é muito importante: o que tiver
a mancha maior e mais negra exerce o seu domínio sobre todos
os outros. No entanto, chegada a “estação dos amores”, nenhum
macho permite que um semelhante, de garganta negra ou não,
“arraste a asa” à sua fêmea: o eventual pretendente é imediata-
mente expulso, com muitos pios e atitudes ameaçadoras.

Onde há homens, há pardais e é por isso que se diz que o pardal


é uma ave “humanizada”. Tem acompanhado o homem siste-
maticamente, à medida que este tem progredido na exploração
da natureza. Mesmo o seu alojamento, é ao homem que o deve:
esta ave que, antigamente, era uma extraordinária construtora de
ninhos, contenta-se, hoje, com uma simples cavidade sob tetos
ou paredes. Da mesma forma como se contenta com restos de
comida como alimento.

92
A
AS AVES

os comedouros: uma bênção para as aves…


O inverno é uma estação dura para muitas sementes de girassol e de outras plantas,
aves, especialmente para as que se bem como bolas de gordura. Para impedir as
alimentam de pequenos animais. Felizmente, espécies mais agressivas de comerem tudo,
muitas são capazes de, em caso de também se podem arranjar dispositivos
necessidade, aderir a outros alimentos, como de alimentação para suspender da borda
sementes, caroços, bagas, etc. Quando o frio do comedouro ou de um ramo: amendoins
aperta e o alimento começa a tornar-se raro, colocados numa pequena rede, uma casca
podemos ajudar muitas aves a sobreviver, de coco cheia de uma mistura constituída
se instalarmos um comedouro. Isso tem a por frutos, sementes e pão ralado, uma
vantagem de, ao mesmo tempo, facilitar cesta metálica com sementes e cereais, etc.
a observação, sem que seja necessário
abandonar o conforto do lar!

É muito fácil construir um comedouro. Basta


arranjar uma plataforma onde colocar os
alimentos ou, melhor ainda, um abrigo onde
as aves também se sintam protegidas.
A construção compreende duas partes
essenciais: a fixação de um poste no solo 1 2
e a colocação de uma placa horizontal
(com cerca de 40 × 60 centímetros) sobre
o poste. Mas isso não é tudo: faltam,
ainda, alguns pormenores importantes.
É essencial, por exemplo, proteger o 3
comedouro contra os gatos: para isso,
instale-o a uma distância suficiente do solo
e, se possível, coloque um pouco de arame
farpado à volta do poste. Também convém
não o colocar demasiado perto de arbustos,
pois estes constituiriam um excelente
trampolim para os ditos bichanos. Além
disso, é preferível colocar bordos salientes
na plataforma, a fim de evitar que a comida
caia ao chão. Finalmente, faça alguns
orifícios ou encontre outro sistema qualquer
que permita que a água das chuvas 1. Para colocar a comida, utilize, por exemplo,
uma pequena caixa com rede de plástico.
escorra ou, então, coloque um teto sobre a
2. Instale um rebordo na prancha de madeira,
plataforma, a fim de evitar que os alimentos para evitar que a comida caia.
estejam sempre inundados. 3. Para impedir que os ratos ou outros
pequenos trepadores cheguem à comida,
Que alimentos poderá dar às aves? Pão, coloque um obstáculo a meio do poste
queijo, nozes, avelãs, amendoins, alpista, (por exemplo, uma caixa virada ao contrário).

Há grandes diferenças, no entanto, entre os pardais da cidade e


os das vilas e aldeias. Na cidade, os pardais não são minimamente
ameaçados pelos predadores, e os locais para a nidificação e o

93
A
PORTUGAL NATURAL II

alimento são abundantes. Poder-


se-á dizer, assim, que levam uma
vida de reis?

Nem por isso, porque a vida cita-


dina é monótona e de qualidade
medíocre. Sobretudo na época
da nidificação: nessa altura,
os jovens pardais necessitam de
comer insetos, para crescerem
de forma saudável. Obviamente,
esse tipo de alimentação é muito
mais raro na cidade do que no
campo, e é por isso que os pardais
da cidade criam menos filhotes
do que os das aldeias.
Pardal-comum

um primo pouco conhecido:


o pardal-montês
Poucas pessoas sabem que existem várias espécies de pardais.
Uma delas, o pardal-montês, é relativamente comum em Portugal e
diferencia-se facilmente do seu parente. O alto da cabeça é castanho
cor de chocolate e possui uma mancha negra na região auditiva. O
macho e a fêmea são iguais. Frequentam bosques, parques, jardins e
ruas onde encontrem lugares propícios para fazer o ninho.

A proteção das aves e o exemplo


da coruja-das-torres
A proteção das aves implica muitas coisas de que, num primeiro
momento, quase ninguém se lembra. Para compreender em
que poderá consistir essa proteção, é conveniente interessar-se,
nomeadamente, por todos os fatores que poderão constituir uma
ameaça. Em primeiro lugar, procuremos distinguir as agressões
diretas das indiretas.

• São agressões diretas todos os acontecimentos diretamente res-


ponsáveis pela eliminação de um ou de vários exemplares de uma
determinada espécie. A caça é um exemplo evidente. Mas há,
também, a recolha de ovos, a captura por meio de armadilhas, o

94
A
AS AVES

atropelamento das aves que, atraí-


das pelos faróis dos automóveis,
sobrevoam as estradas em voos
rasantes. É possível combater a
maioria destas ameaças por meio
de regulamentação adequada.
Existem já leis que interditam
ou limitam a caça e a captura
de certas espécies.

• As agressões indiretas são menos


evidentes e muito mais comple-
xas. Contrariamente às anterio-
res, trata-se de ações que não
atingem diretamente as aves. Coruja-das-torres
atropelada
Citemos, entre as mais impor-
tantes, a diminuição dos recursos alimentares, o desaparecimento
de um meio ambiente favorável e a restrição das possibilidades
de nidificação.

A melhor ilustração para este processo vem-nos do caso da coruja-


-das-torres. Em teoria, quem legisla acha que a situação já não lhe
diz respeito: todas as aves de rapina são protegidas pela lei, de
forma que é proibido caçá-las, vendê-las, mantê-las em cativeiro,
empalhá-las, destruir os ninhos e apanhar os ovos. O que não
impede que o número de corujas-das-torres continue a diminuir
todos os anos, devido, precisamente, às agressões indiretas de
que são vítimas:
— primeiro, os pesticidas. Utilizados na agricultura, são absorvidos
pelos ratos e por outros roedores, que constituem o alimento-base
da coruja-das-torres. Dessa forma, o veneno vai-se acumulando
no organismo das aves, que acabam por sucumbir;
— além disso, a coruja-das-torres está estreitamente ligada a paisa-
gens semiabertas (campos e pastagens que alternam com sebes,
matas, pequenos bosques — elementos naturais que se vão fazendo
raros, devido à alteração dos métodos agrícolas);
— finalmente, a coruja-das-torres costuma fazer o ninho em velhos
celeiros, sótãos de casas, torres de igrejas, etc. Mas os celeiros
têm vindo a ser substituídos por unidades agrícolas modernas;
os sótãos, por quartos habitáveis; e as torres das igrejas têm sido
restauradas e encerradas, de forma a impedir que os pombos as
sujem por dentro. E a coruja-das-torres vai perdendo, dessa forma,
todos os abrigos…

95
A
PORTUGAL NATURAL II

Por isso, a luta contra este tipo de fatores exige que


o problema seja abordado nas várias frentes. E todos
podemos participar nisso. Mas acrescentemos que
não basta obter algumas mudanças, mesmo que
profundas, nos métodos utilizados na agricultura e
na organização do território. No caso da coruja-das-
-torres é preciso contactar diretamente as pessoas
e tentar convencer, por exemplo, o proprietário de
uma quinta antiga ou o pároco de uma aldeia da
utilidade da coruja-das-torres. Se, mesmo assim,
recusarem a possibilidade de o celeiro ou a igreja
serem utilizados para a nidificação, sugira-lhes a
instalação de um ninho artificial, num local ade-
quado, que eles próprios poderão vigiar.

Tanto no que diz respeito às aves como a outras


espécies ameaçadas — animais ou vegetais —, o
melhor é abordar cada problema de forma con-
creta. Nesse caso, fala-se de “proteção de uma
espécie específica”. Este tipo de proteção está ao
Coruja-das-torres alcance de todos.
perto do seu abrigo

Se quiser saber mais


Onde ir?
No nosso país, muitas espécies encontram-se disseminadas por
todo o território; nesse caso, é possível observá-las por toda a
parte. Existem, porém, alguns locais privilegiados, onde poderá
ver mais facilmente alguns grupos ou tipos de aves. Por exemplo,
os estuários do Tejo e do Sado são muitos bons para observar, no
inverno, algumas espécies que nos visitam nessa época do ano.
Trata-se, sobretudo, de aves limícolas, isto é, que se alimentam
dos insetos e de outros animais que se encontram no lodo. É o
caso do perna-longa, do maçarico-real, do alfaiate, etc.

Os pântanos e pauis, por sua vez, são ótimos locais para observar
aves ligadas a zonas húmidas. Patos, galeirões e garças são aves
comuns, por exemplo, nos pauis de Arzila (perto de Coimbra)
e do Boquilobo (junto à Golegã, Ribatejo).

96
A
AS AVES

Finalmente, o cabo Espichel, perto de Sesimbra, e o cabo de São


Vicente, em Sagres, constituem bons locais para a observação da
passagem de aves migradoras.

Em que época?
Todas as épocas são boas, mas depende das espécies de aves que
se deseja observar. As migradoras, por exemplo, regressam entre
março e princípios de junho. Depois de um curto período de acli-
matação, começam a fazer o ninho. Não se aproxime demasiado
entre maio e junho, porque, nessa altura, as aves são muito mais
ariscas. No verão estão mais calmas e a sua intervenção não as
perturbará tanto. A partir de meados de agosto, algumas migra-
doras pensam já na sua partida para as regiões do Sul. É nessa
altura que será mais fácil observá-las. Esse período prolonga-se,
normalmente, até finais de outubro.

• No inverno, procure as aves dos lagos e as aves residentes.

• Quanto ao momento do dia, o ideal é de manhã bem cedo — é


preciso deixar o “ninho” logo de manhãzinha… sobretudo se qui-
ser ouvir o canto das aves sem que outros ruídos o perturbem. A
meio da manhã, as aves de rapina saem do esconderijo, porque
gostam de planar quando o ar está quente. Para os mochos e para
as corujas, espere pelo pôr do Sol.

Tenha em conta que…


• Para não assustar os pássaros, o ideal é vestir-se de forma discreta
e deslocar-se lentamente e sem ruído.

• Observe primeiro, confirme depois.

• Não fique só pelas cores, observe também a forma, a silhueta,


o comportamento e, sempre que possível, até os ruídos da ave.
Por exemplo, as cotovias são muito parecidas, mas o canto per-
mite distingui-las.

• Não mexa nos ninhos nem toque nos ovos.

• Seja paciente!

97
CAPÍTULO 3
Os mamíferos
A
PORTUGAL NATURAL II

Existem cerca de 65 mamíferos que vivem em Portugal em estado


selvagem, mas são poucos os que o homem pode ver com alguma
frequência. Não há nada de estranho nisso, porque a maioria dos
mamíferos europeus são animais de hábitos essencialmente notur-
nos. Além disso, muitos são extremamente ariscos, de forma que,
mesmo durante um passeio noturno, dificilmente veremos outros
mamíferos além dos morcegos. Durante o dia, podemos cruzar-nos
com um coelho ou uma lebre, mas não é fácil ir além disso. Por isso,
os nossos contactos com os diversos mamíferos fazem-se, quase
sempre, de forma indireta: através dos excrementos, das pegadas,
dos buracos que escavam, etc. Poderá encontrar
mais detalhes sobre Os sinais da presença de ani-
um pouco mais no capítulo 6, nas páginas 166 e seguintes.
de vocabulário Neste capítulo, limitamo-nos a dar-lhe alguma
biótopo: área geográfica a informação sobre as espécies mais interessantes
que corresponde um conjunto ou sobre aquelas que — devido ao seu tamanho
homogéneo de fatores físicos ou número — ainda se podem encontrar de vez
ambientais.
em quando.
ecolocação: capacidade que
permite a alguns animais
(morcegos, por exemplo) localizar
objetos através da emissão de
sons de alta frequência. Insetívoros
frugívoro: animal que se alimenta
de frutos.
e quirópteros
habitat: local onde vive uma Estes dois grupos de animais incluem os ouri-
determinada espécie animal
ou vegetal. Cada espécie tem o
ços, as toupeiras, os musaranhos e os morcegos.
seu habitat próprio. São animais de pequena envergadura e alimen-
tam-se, fundamentalmente, de insetos, embora
membrana interdigital: porção de
pele que une os dedos das patas alguns deles possam ter gostos mais diversificados
de alguns animais. (alguns morcegos não existentes em Portugal são
frugívoros, por exemplo). Em todo o mundo exis-
predador: animal que captura
outros animais, para se alimentar. tem cerca de 370 espécies de insetívoros e 900
de quirópteros (morcegos). Na Europa, os dois
rede de galerias: conjunto de
grupos juntos não atingem, porém, a meia cen-
túneis que unem várias câmaras,
com diversas saídas e entradas. tena. Os morcegos têm a particularidade de serem
os únicos mamíferos que podem voar.
território: numa determinada
zona, área na qual um animal (e
a sua “família”) se mantém e que
protege contra os intrusos da O ouriço: uma vítima do trânsito
mesma espécie.
trilho: caminho geralmente Durante o dia, os ouriços permanecem escondi-
seguido por determinado animal. dos em locais onde nada lhes possa perturbar o
Nas páginas anteriores: lince-ibérico

100
A
OS MAMÍFEROS

descanso. É só quando chega a


noite que começam a procurar
alimento. E, para eles, tudo o
que vem à rede é “peixe”, desde
que seja comestível e de tamanho
adequado: às vezes é um fruto,
mas, na maioria das vezes, são les-
mas, minhocas, aranhas, insetos
e, de vez em quando, pequenos
lagartos e rãs, um ovo ou uma
cria que tenha caído do ninho.
Em suma, tudo o que consigam
apanhar.

Quando procuram alimento, os


ouriços são muito barulhentos: Ouriço-cacheiro
passam o tempo a rosnar e a “res-
mungar”, parecendo que não ligam ao que se passa à sua volta.
Também é verdade que não têm muito com que se preocupar,
porque são poucos os seus inimigos naturais. Os espinhos que os
cobrem encarregam-se de os proteger dos eventuais predadores.
Praticamente só as raposas conseguem capturar um ouriço, mas
até isso é raro. Infelizmente, os ouriços são animais relativamente
lentos e, sobretudo depois de uma boa chuvada, costumam procurar
minhocas nas bermas das estradas. Quando surge um automóvel,
não esboçam qualquer reação de fuga, talvez por acharem que,
ao se enrolarem sobre si mesmos, ficarão, na mesma, suficiente-
mente protegidos. O resultado deste erro funesto fica, infelizmente,
bem patente ao longo das estradas: todos os anos, os automobilistas
portugueses esmagam centenas de ouriços!

O ouriço é um dos mamíferos que hibernam todos os anos.


Completamente enrolado sobre si mesmo, passa a estação do frio
sob um monte de ramos e de folhas, onde sobrevive graças à sua
reserva de gordura. É frequente em todo o país.

Toupeiras e seus túneis


As toupeiras são pequenos animais naturalmente agressivos,
que levam uma vida oculta numa rede de túneis ou galerias,
que elas próprias escavam no solo. Esse é o seu território, que
protegerão, ferozmente, de qualquer invasor.

101
A
PORTUGAL NATURAL II

As toupeiras não escavam


ao acaso, à procura de uma
presa: normalmente, comem o
que aparece. “O que aparece” é,
quase sempre, minhocas, mas, às
vezes, também podem ser larvas
de insetos e até pequenos ratos
e musaranhos, que, fazendo as
suas próprias escavações, acabam
por cair na galeria da toupeira.

Se aparecerem, na sua horta


Uma toupeira ou no seu jardim, um grande
a “almoçar”
número de pequenos montes de
terra, não se preocupe demasiado, pois trata-se de um fenómeno
passageiro; isso apenas mostra que por ali passou uma toupeira
que veio à superfície abrir uma saída para a sua rede de galerias.
Em pequenas áreas, esse problema pode resolver-se, pelo menos
temporariamente, com a colocação de emissores de ultrassons
enterrados no terreno.

O corpo negro das toupeiras está perfeitamente adaptado à vida


subterrânea. Contrariamente ao que muitos pensam, elas não são
cegas: apenas veem mal; no entanto, têm os sentidos do paladar,
do olfato e da audição bastante mais desenvolvidos do que nos
outros mamíferos. Uma das suas características mais interessantes
é o tamanho e o formato das patas da frente, que formam uma
espécie de pá voltada para fora e que é usada, magistralmente, nas
suas escavações. Quando as crias atingem uma certa idade, os pais
expulsam-nas do território que ocupam; nessa altura, algumas aca-
bam por ser capturadas na superfície. Ainda sem grandes defesas,
muitas são vítimas dos predadores.

• A toupeira-d’água, parente relativamente afastada da toupeira-


-comum, não tem, como o nome deixa entrever, hábitos terres-
tres nem é uma escavadora. Frequenta regatos e ribeiros, sendo
bastante exigente no que toca à pureza das águas. Está perfeita-
mente adaptada à vida subterrânea e também se encontra bem
preparada para a vida aquática: no seu caso, as patas de trás são
fortes e bem desenvolvidas, pois são usadas para a locomoção
dentro de água, funcionando como remos. Além disso, a tromba
encontra-se provida de sensíveis terminações nervosas, que lhe
permitem detetar as mais pequenas alterações na ondulação. Este

102
A
OS MAMÍFEROS

mamífero alimenta-se, principalmente, de libélulas, escaravelhos-


-aquáticos e outros insetos, mas também aprecia crustáceos e
pequenos peixes.

Em Portugal, a toupeira-d’água encontra-se sobretudo no Norte,


especialmente no Parque Nacional da Peneda-Gerês e nos parques
naturais do Alvão e da serra da Estrela.

Musaranhos nervosos
Os musaranhos são, por natureza, animais nervosos e agressivos.
Não se deixam intimidar com facilidade, mesmo que sejam desa-
fiados por outros animais de tamanho superior ao seu. Na prima-
vera e no outono, ouvem-se, por vezes, os guinchos dos machos,
que lutam entre si para determinar quem manda. Também são
muito ruidosos quando procuram alimento.

Os musaranhos têm um metabolismo extremamente intenso: como


a superfície da sua pele é bastante grande, em comparação com
o volume total do corpo, daí resultam grandes perdas de calor.
O animal compensa essas perdas ingerindo grandes quantidades
de alimento. Insetos, minhocas, aranhas e outros invertebrados
constituem a sua alimentação de base. Precisam tanto de ali-
mento que se mantêm ativos dia e noite e não chegam a hibernar
verdadeiramente.

Os musaranhos são presa fácil para os gatos, mas estes, geralmente,


não os comem: para azar dos pequenos felinos, as glândulas de
muco que o musaranho possui Musaranho
sob a cauda não o tornam nada
apetitoso. Mas os predadores que
vivem no estado selvagem são
menos esquisitos…

Os musaranhos estão represen-


tados, em Portugal, por cinco
espécies diferentes, mas só três
são relativamente frequentes.

• O musaranho-de-dentes-brancos
ou musaranho-doméstico costuma
frequentar zonas habitadas.

103
A
PORTUGAL NATURAL II

Por vezes, chega a aventurar-se por estábulos


há ratos e “ratos”! e celeiros, mas prefere os campos abertos e os
terrenos baldios. Possui pelos bastante compridos
Normalmente, chamamos ratos entre os pelos normais da cauda. A cor dos pelos
a todos os mamíferos peludos
é castanho-acinzentada. Devido à sua preferên-
que cabem na palma da mão.
No entanto, os musaranhos não cia pelos terrenos “abertos”, o musaranho-de-
têm qualquer parentesco direto -dentes-brancos é uma das presas favoritas da
com os verdadeiros ratos. Estes coruja-das-torres, que facilmente o localiza, em
últimos pertencem ao grupo dos parte graças aos pequenos guinchos que frequen-
mamíferos roedores; os musara-
temente emite.
nhos são insetívoros. Entre outras
diferenças, os musaranhos têm
dentição completa, enquanto os • O musaranho-d’água, de ventre branco e dorso
roedores não têm caninos. Mas há negro, é mais raro e, entre nós, aparece apenas
outros roedores que também no Norte. Tal como a toupeira-d’água, gosta de
são chamados, indiscriminada- águas límpidas. Alimenta-se de pequenos animais
mente, ratos: a ratazana, o leirão
e o hamster são, apenas, alguns terrestres e aquáticos (invertebrados, anfíbios e
exemplos… pequenos peixes).

• Finalmente, o musaranho-anão, que é o mamífero


mais pequeno do mundo (pesa apenas dois gramas!), frequenta
caniçais, olivais e vinhas não cultivadas e esconde-se debaixo de
pedras e de raízes de árvores. Alimenta-se, sobretudo, de gafa-
nhotos e de grilos.

Morcegos: os mal-amados
Os morcegos sempre estimularam a imaginação do homem.
É verdade que o seu modo de vida, muito escondido, se presta
a todos os tipos de especulações e de histórias misteriosas.
No entanto, embora muitas dessas histórias se mantenham bem
vivas na imaginação popular, hoje sabe-se que os morcegos não
são minimamente prejudiciais. Antes pelo contrário: cada mor-
cego pode comer, numa só noite, o equivalente ao seu peso em
insetos, o que contribui para que o número destes se mantenha
num nível aceitável.

Os morcegos localizam as presas e orientam-se na escuridão,


graças a uma capacidade a que se chama ecolocação: possuem
uma espécie de radar, com o qual emitem sons de alta frequência
(que nós não podemos ouvir). Estes repercutem-se no obstáculo
e, no regresso, são captados pelas orelhas, normalmente bastante
grandes, do animal.

104
A
OS MAMÍFEROS

No nosso país existem 24 espécies de morcegos que, grosso modo,


se repartem em dois grupos, de acordo com o local onde hibernam.
Cada um desses grupos é constituído por doze espécies diferentes,
mas falaremos apenas de algumas. Morcego-
-de-ferradura
• O primeiro grupo inclui as espécies que hiber-
nam, sobretudo, em grutas e minas, tanto sós
como em grupo (nota: convém nunca os pertur-
bar durante a hibernação). O representante mais
característico deste grupo é o morcego-d’água ou
morcego de Daubenton, que é muito frequente.
Trata-se de uma espécie de dimensões relati-
vamente pequenas, de dorso castanho-escuro
e ventre cinzento-esbranquiçado. Quando voa,
é fácil de descobrir; se, à noite, apontar a luz de
uma lanterna potente para a superfície de um
lago ou de um canal de irrigação, talvez possa
ver o espetacular voo rasante de alguns deles! O
morcego-de-ferradura-grande é, sem dúvida, o nosso
morcego mais espetacular. Característica marcante:
as suas narinas em forma de ferradura, que, ao
tremerem, amplificam os sons Morcego-rato
de alta frequência produzidos na
laringe. As fêmeas são maiores do
que os machos. Passam uma parte
importante do ano em grutas ou
minas, mas por vezes também
se abrigam em casas antigas.
Estas características são comuns
a outras três espécies existen-
tes em Portugal: o morcego-de-
-ferradura-pequeno, o morcego-
-de-ferradura-mediterrânico e o
morcego-de-ferradura-mourisco.

Também pertencem a este grupo


o morcego-rato-grande e o mor-
cego-rato-pequeno. O primeiro
é um dos maiores morcegos da
Europa. Tem orelhas largas e
compridas, atravessadas hori-
zontalmente por sete ou oito
pregas. Alimenta-se, sobretudo,

105
A
PORTUGAL NATURAL II

de borboletas-noturnas e de carochas, tal como o morcego-rato-


-pequeno, que, como o nome indica, tem dimensões mais reduzidas.

Citamos, ainda, dentro deste grupo, o morcego-de-peluche, que é


a espécie mais abundante nas grutas portuguesas. Distingue-se
pelas suas orelhas diminutas e quase quadradas. Apesar da sua
abundância, os especialistas consideram que o facto de estar
totalmente dependente das grutas e minas o inclui na lista das
espécies vulneráveis.

• O segundo grupo é composto por espécies que, geralmente,


hibernam em árvores ocas e fendas de rochas. A principal espé-
cie deste grupo, no nosso país, é o morcego-hortelão. Também se
pode encontrar em grutas, embora raramente. É um dos maiores
morcegos europeus.

O pelo do corpo é castanho-escuro, mas as orelhas e parte do


focinho são pretas. Tal como os morcegos-ratos, alimenta-se, prin-
cipalmente, de borboletas-noturnas e de carochas.

O morcego-arborícola-grande é uma espécie robusta e de cor cas-


tanho-arruivada, que frequenta, sobretudo, bosques e terrenos
cultivados. Às vezes começa a voar antes de escurecer. É pouco
frequente entre nós. A desflorestação crescente pode pôr em perigo
a sobrevivência desta espécie. O morcego-arborícola-pequeno e o
morcego-arborícola-gigante são espécies de características seme-
lhantes, a não ser, como o nome indica, no que diz respeito às
dimensões.

Uma das espécies mais comuns é o morcego-anão. Adaptou-se


facilmente à vida urbana. Durante o dia, refugia-se nos buracos
das paredes e dos muros e até debaixo dos beirais dos telhados.
Reconhece-se facilmente através do voo rápido e irregular, bem
como pelo grito agudo que usa para comunicar com os seus seme-
lhantes. Este grito é, para nós, audível e, portanto, não é um sinal
de ecolocação.

Os morcegos-orelhudos caracterizam-se, como o nome deixa adivi-


nhar, pelas enormes orelhas que possuem. Existem duas espécies
diferentes: o morcego-orelhudo-castanho e o morcego-orelhudo-
-cinzento. Este último é o mais comum em Portugal. Abriga-se
em edifícios e árvores ocas. As colónias de criação também se
costumam encontrar em sótãos e campanários de igrejas.

106
A
OS MAMÍFEROS

um abrigo para morcegos


Poderia dizer-se que, de certa forma, os Deixe uma abertura com cerca de 15 a 20
morcegos levam “uma vida de cão”. Para milímetros na parte de baixo, para que o
eles, a sobrevivência, nestes tempos que animal possa entrar. Na parte de trás, não se
correm, não é fácil. Por exemplo, os buracos esqueça de fazer pequenos cortes, para que
que servem de abrigo a muitas espécies estes constituam pequenas ranhuras onde
têm desaparecido a uma velocidade os morcegos se poderão agarrar.
preocupante, sobretudo os troncos de
árvores mortas, devido à sua remoção por É importante que o interior do abrigo se
motivos fitossanitários. Mas, felizmente, possa manter bem escuro e seco; por isso,
esses buracos podem ser substituídos anule todo o tipo de frestas e fendas, de
por abrigos, que qualquer pessoa pode forma a evitar que a luz e a água da chuva
fabricar sem grande dificuldade… Se quiser possam penetrar nele.
construir um desses abrigos, basta dispor
de uma tábua de madeira lisa (pinho, por Suspenda o abrigo a, pelo menos, dois
exemplo), de 25 milímetros de espessura e metros de altura (e, de preferência, a cinco
com as dimensões de 15 × 120 centímetros. metros), num local tranquilo, bem longe
Não utilize nenhum revestimento protetor dos curiosos. Da sua parte, nunca ceda
da madeira nem tinta. Desenhe os cortes à tentação de o abrir; contente-se em
na tábua e serre-a de acordo com as notar o aparecimento dos excrementos
instruções da ilustração (veja abaixo). característicos da presença dos morcegos.

encaixe
para o teto

ranhuras

15
cm
20 cm
25 cm

cm
15
os morcegos 9 cm
entram por aqui
cm
15
pequena abertura
o abrigo pode acolher em baixo
cerca de 50 morcegos (15-20 mm)

107
A
PORTUGAL NATURAL II

Os roedores
A ordem dos roedores é, de longe, a mais numerosa entre os mamí-
feros: existem mais de 1500 espécies, espalhadas pelo mundo
inteiro, e uma enorme diversidade, tanto no que diz respeito ao
seu aspeto como ao modo de vida.

Em Portugal existem 13 espécies diferentes, algumas delas bastante


bem representadas. Os roedores são herbívoros por natureza, ape-
sar de a maioria também capturar, por vezes, outros pequenos
animais, a fim de completar a “dieta”.

Os ratos mais típicos


O rato-do-campo é um exemplo típico de rato, tal como normalmente
o imaginamos: focinho pontiagudo, olhos e orelhas grandes, cauda
comprida. É comum em toda a Europa Ocidental. Frequenta locais
muito diversos, embora mostre uma nítida preferência pelos mais
abrigados (orlas dos bosques, arbustos, silvados, etc.).

O pelo do rato-do-campo é castanho-amarelado no dorso e branco


no ventre. Há quem o confunda com o rato-caseiro, mas este cos-
tuma ser completamente cinzento e frequenta, como é lógico,
zonas habitadas. Outras diferenças percetíveis: o rato-caseiro tem
“cauda de ratazana”, sem pelos, e exala um odor típico a almíscar.

Rato-do-campo

108
A
OS MAMÍFEROS

Por outro lado, a confusão torna-se impossível quando os dois


animais se deslocam: o rato-caseiro quase desliza sobre o solo,
enquanto o rato-do-campo se move, quase sempre, por meio de
pequenos saltos.

• Outro representante da grande família dos ratos: o rato-preto, o


qual adquiriu, ao longo dos séculos, a péssima reputação de ter
sido o veículo de transmissão da peste na Europa… Esta espécie
continua a ser muito impopular, em grande parte graças aos gran-
des estragos que causa em alimentos armazenados e ao facto de
ser, comprovadamente, transmissor de algumas doenças. Além
disso, os ratos-pretos são omnívoros, ou seja, comem de tudo e,
para ajudar, costumam andar em grupo, o que os torna uma ver-
dadeira ameaça para celeiros, sótãos, despensas e outros locais
onde se costuma guardar comida. E, no entanto, contrariamente
à ratazana, o rato-preto tem o seu quê de atrativo: elegante, de
um negro-acastanhado uniforme, com uma longa cauda circu-
lar. Chegou até nós vindo do Sudeste Asiático, há vários séculos,
e ambientou-se rapidamente. Atualmente, continua a frequentar
locais próximos do homem: faz o ninho nas vigas dos telhados,
nos sótãos, nos celeiros e por baixo dos soalhos, utilizando papel,
lã e fibras de plantas.

• As ratazanas são maiores e mais robustas do que o rato-preto,


mas têm orelhas mais pequenas. Também vivem perto do homem,
mas preferem caves e esgotos a sótãos e telhados. Também se
veem frequentemente em lixeiras e em prédios abandonados ou
em construção. Quanto à alimentação, não são nada esquisitas:
comem de tudo e são tão vorazes como o rato-preto.

A rata-d’água e o rato-cego
Contrariamente aos outros ratos, a rata-d’água e o rato-cego têm
focinho achatado, olhos e orelhas pequenos e cauda geralmente
curta.

• A rata-d’água é um dos roedores de maiores dimensões (alguns


exemplares têm mais de 20 centímetros de comprimento). Como
tem hábitos aquáticos, há quem a confunda com a ratazana; no
entanto, os observadores atentos notarão que esta tem a cauda
mais longa. Além disso, a rata-d’água é herbívora, alimentando-se,
essencialmente, de plantas aquáticas.

109
A
PORTUGAL NATURAL II

• O rato-cego ou rato-toupeiro tem


uma aparência robusta, mas é
menor do que a rata-d’água (o seu
comprimento raramente excede
11 centímetros). É bastante fre-
quente em hortas e pomares,
porque, sendo um animal de
hábitos subterrâneos, gosta de
solos relativamente húmidos e
fáceis de escavar. Tal como a
rata-d’água, é um herbívoro e
alimenta-se, sobretudo, de frutos,
raízes e tubérculos.
Rato-cego

O leirão
O leirão, ou rato-dos-pomares, é um dos mamíferos que fazem uma
hibernação completa. Chegado o final do verão, durante o qual
tudo fez para “ganhar uns quilos”, este pequeno animal procura
uma toca acolhedora e deixa-se dormir até março ou abril. E é,
talvez, devido à necessidade da “engorda” que a sua alimentação
é bastante diversificada: inclui frutos, ovos, insetos e até pequenos
mamíferos.

O leirão é um belo animal, com 10 a 15 centímetros de compri-


mento, bastante fácil de reconhecer graças ao dorso castanho, ao
ventre branco e à cabeça estriada de negro. Vive, muitas vezes,
bastante próximo do homem. Passa o dia em sótãos, beirais dos
telhados, árvores ocas ou ninhos abandonados. Durante o período
de reprodução, costuma fazer muito barulho à noite, com os seus
gritos e guinchos.

O esquilo: presença inconstante


Noutras regiões da Europa, o esquilo é um hóspede bastante comum,
frequente nos bosques e nas florestas e até nos parques de algumas
cidades. Em Portugal, tudo indica que terá sido bastante abun-
dante até ao século xvi. Nessa altura, devido a uma desflorestação
intensa, os espécimes existentes terão ficado limitados a espaços
cada vez mais reduzidos, até que, provavelmente nesse mesmo
século, desapareceram por completo.

110
A
OS MAMÍFEROS

A partir da década de 1980 vol-


taram a ser avistados no Norte a hibernação
do país, vindos de Espanha, e
atualmente estão estabelecidos a Muitos mamíferos, tal como muitos anfíbios e répteis,
hibernam para fazer face a um problema específico:
norte do rio Douro, tendo já sido
no inverno, arriscam-se a morrer de fome, porque
detetados também na Reserva os insetos, as lesmas e outros invertebrados, base
Natural da Malcata. Em 1993 e da sua alimentação, se escondem ou morrem depois
1994 foram feitas reintroduções da postura. É verdade que, durante o verão e o
bem-sucedidas da espécie no outono, muitos deles aprovisionam uma importante
reserva de gordura; mas o inverno é longo, e essa
Parque Florestal de Monsanto,
reserva rapidamente se esgotaria se o organismo
em Lisboa, e no Jardim Botânico mantivesse a sua atividade normal. É por isso que,
de Coimbra, sendo relativamente durante a estação fria, os pequenos mamíferos
fácil observar estes pequenos (mas podem reduzir ao mínimo o seu metabolismo: ritmo
interessantes) animais nestes dois cardíaco muito lento, respiração quase impercetível,
espaços verdes. temperatura do corpo reduzida.

Dessa forma, o consumo de energia é reduzido, a fim


Os esquilos alimentam-se, sobre- de permitir a sobrevivência até à primavera seguinte.
tudo, de sementes de árvores, mas Portanto, se descobrir algum desses pequenos
também comem alguns insetos e animais enquanto hiberna, não o acorde, porque,
muitos outros alimentos; os ovos, ao retomar a atividade, ele poderia esgotar as suas
reservas nutritivas e morrer de inanição.
por exemplo, são um “prato” que
muito apreciam.

Esquilo

111
A
PORTUGAL NATURAL II

Além disso, têm o hábito de guardar algumas provisões para irem


consumindo durante o inverno. Os esquilos são fáceis de identi-
ficar. A cauda, longa e espessa, e as orelhas, com tufos de pelo
que fazem lembrar pincéis, não enganam ninguém. Além disso,
a forma ágil e desenvolta como trepam às árvores é perfeitamente
característica.

Os lagomorfos
Durante muito tempo, este grupo de animais, a que pertencem,
por exemplo, os coelhos e as lebres, foram catalogados entre
os roedores e, de facto, existe um certo parentesco entre eles.
No entanto, os lagomorfos são exclusivamente herbívoros e têm
no maxilar superior, sob os dentes incisivos, um segundo par de
dentes, o que não acontece nos roedores.

• O coelho-bravo é um elemento-chave dos ecossistemas mediterrânicos


ibéricos, já que constitui uma das espécies-presas mais importantes
dos predadores de topo, havendo espécies que se alimentam quase
exclusivamente de coelho-bravo, como o lince-ibérico ou a águia-
-imperial. O coelho-bravo é também considerado um “arquiteto”
do ecossistema, já que, com o hábito de roer e escavar, introduz
grandes alterações na estrutura e na composição da vegetação,

Coelho-bravo

112
A
OS MAMÍFEROS

dispersa sementes e constrói tocas que podem albergar outras


espécies. Os coelhos vivem em colónias, em redes de galerias que
eles próprios escavam, em locais bastante diversificados, com um
misto de biótopos, que proporcionam fácil acesso a alimento mas
também a abrigo dos predadores.

Outrora muito abundante, as suas populações sofreram um


grande declínio, nalguns casos em mais de 90 por cento, devido
às doenças a que está sujeito: a mixomatose e a febre hemor-
rágica viral.

• A lebre distingue-se do coelho-bravo pelas grandes orelhas com


pontas pretas e pelas robustas patas traseiras. Ao contrário deste,
leva uma vida solitária, quase sempre perto de terrenos cultivados.
Durante o dia, esconde-se numa das suas diversas “camas”: buracos
pouco profundos, escavados no meio da vegetação, onde se deita
passando praticamente despercebida. Esta característica torna-a
um alvo ideal para os caçadores, porque, confiante na camuflagem
(a sua pele acastanhada), espera sempre até ao último momento
para se pôr em fuga. As lebres começam a tornar-se raras nalguns
locais, possivelmente devido a alterações ocorridas nos biótopos
que costumavam frequentar.

Os artiodáctilos
Pertencem a este grupo animais bastante diferentes, como os
veados, os búfalos e os javalis. O que os une é o facto de todos se
apoiarem, quando andam, nas unhas (transformadas em cascos)
do terceiro e do quarto dedos de cada uma das patas. Quase todos
são herbívoros.

Veados, gamos e corços


São, por natureza, animais gregários. Os machos possuem uma
espécie de chifres na cabeça, que usam como arma nos combates.

• O veado é o maior de todos. Alguns machos chegam a pesar


250 quilos. A cor do pelo é acastanhada, e a armação bastante
comprida, podendo atingir mais de um metro de comprimento.
Todos os anos, as hastes que formam a armação caem e voltam a

113
A
PORTUGAL NATURAL II

renovar-se na primavera, aumentando em tamanho e número de


ramificações em cada ano. Os machos mais velhos constituem,
por isso, apetecíveis troféus de caça. Na época de reprodução, os
machos adultos defendem intensamente o seu território, sendo
possível observar lutas entre machos e ouvir a “brama” dos veados,
bramidos fortes e profundos que os machos emitem para afastar
os concorrentes e atrair as fêmeas.

O veado gosta de locais onde a água seja abundante. Alimenta-se,


sobretudo, de gramíneas (ervas), mas, em determinados períodos,
as folhas de alguns arbustos e alguns frutos (castanhas e bolotas,
por exemplo) podem ter uma
parte importante na constituição
da ementa diária.

• Os gamos têm uma envergadura


que fica mais ou menos a meio
entre o veado e o corço. As suas
hastes, ao contrário das do veado
(que são finas e afiadas e fazem
lembrar ramos de árvore), são
grossas e achatadas. Prefere as
florestas densas, mas, no nosso
país, frequenta apenas alguns
(poucos) locais de vegetação
abundante, mas rasteira. Na prá-
tica, só existe em zonas de caça
Duas fêmeas de veado vedadas, e em pequenos núcleos
populacionais em Alcácer do Sal,
Coruche e Barrancos. A cor do
pelo é acastanhada, como a do
veado, mas possui manchas bran-
cas por todo o dorso. A cauda
também é maior do que a dos
corços e veados.

• A armação do corço é curta e


pouco ramificada, mas é mais
parecida com a do veado do que
com a do gamo. É um animal
relativamente pequeno: o seu
peso raramente ultrapassa os
Gamo jovem 30 quilos. Geralmente, procura

114
A
OS MAMÍFEROS

abrigos nos bosques ou arvoredos, mas, de manhã bem cedo, é


possível vê-lo em prados ou clareiras. Alimenta-se de ervas, fru-
tos tenros, rebentos e ramos de árvores e arbustos. Em Portugal,
ocorre de forma natural e abundante em zonas montanhosas a
norte do rio Douro. Existe ainda um núcleo a sul do rio Douro,
proveniente de sucessivas introduções, com objetivos cinegéticos,
mas também de conservação do lobo-ibérico, já que o corço é uma
das principais presas do lobo.

Os javalis do Obélix
Habituados a vê-los apenas em
livros de banda desenhada, onde
o olhar guloso de Obélix não
parecia minimamente repro-
vável, muitos de nós talvez
fiquemos surpreendidos ao
saber que estes animais, que
na década de 1960 estiveram
à beira da extinção devido aos
surtos de peste suína africana
e à caça excessiva, voltaram a
ser, nos últimos anos, bastante
abundantes, ocupando a gene- Javali com as suas
crias
ralidade do território nacional.
Para isso parece ter contribuído a interdição temporária da caça,
o abandono dos campos e, também, a reflorestação de algumas
zonas do país. No entanto, além de continuarem a ser uma das
espécies cinegéticas mais apreciadas pelos caçadores, os javalis
têm sido vítimas, ultimamente, de outra ameaça, não menos
perigosa: o tráfego automóvel. É verdade que o número de javalis
mortos dessa forma está muito abaixo do respeitante a ouriços e
a sapos, por exemplo, mas é preciso não esquecer que o número
destes é muito maior.

O javali é um grande comilão: sendo omnívoro, tal como o porco


doméstico, alimenta-se tanto de vegetais (frutos, bolotas, raízes)
como de animais (insetos, vermes, ovos). Como, ao procurar
alimento, provoca grandes estragos nos campos cultivados, os
agricultores não lhe acham muita graça. As refeições são tomadas
em família, à noite ou ao crepúsculo. Durante o dia, abriga-se em
covas pouco profundas, nos bosques ou nos silvados.

115
A
PORTUGAL NATURAL II

Os predadores
Excetuando o texugo, que é omnívoro, e a lontra, que come peixe,
todos os nossos predadores se alimentam, essencialmente, de
pequenos animais: ratos e musaranhos. Entre eles, estão algumas
espécies em perigo de extinção, como o lince, o felino mais amea-
çado do mundo, e o lobo, o nosso maior predador.

Doninhas, toirões, fuinhas e afins


A doninha, o menor predador da Europa, apenas pode ser con-
fundida com o arminho: ambos têm uma forma alongada e são
castanhos, exceto no ventre, que é branco, mas a cauda da doninha
é mais curta e a ponta não é negra, como a do arminho. As doni-
nhas passam a maior parte do tempo sob pilhas de madeira ou de
pedras, em árvores ocas ou em galerias escavadas por toupeiras.
São boas trepadoras e grandes caçadoras de ratos. Veem-se, por
vezes, durante o dia, tanto mais que a proximidade do homem
não as assusta. Um pormenor curioso: uma doninha em perigo
começa a emitir latidos.

• Por sua vez, o arminho foge do homem. Gosta dos silvados, da


orla dos bosques, dos cursos de água e, embora um pouco menos,
dos campos abertos. Nada muito e bem.

O arminho utiliza, tal como a doninha, as galerias escavadas


pelas toupeiras. Alimenta-se de coelhos e de pequenos mamífe-
ros, entrando, nesse particular, em concorrência com a raposa.
A ponta negra da cauda constitui uma das suas características
marcantes.

• O toirão, muito menos elegante do que as espécies anteriores, é


predominantemente castanho, mas possui também uma espécie
de penugem amarela e, no focinho e no rebordo das orelhas, uma
mancha branca característica (máscara). Possui glândulas anais
odoríferas muito desenvolvidas. Apesar de esquivo, costuma fre-
quentar zonas habitadas. Os machos controlam um território vasto
e deslocam-se bastante, de forma que muitos deles também são
vítimas do tráfego automóvel.

O toirão vive em tocas antigas de coelhos ou em covas que ele


próprio escava. Também costuma ficar sob pilhas de troncos ou

116
A
OS MAMÍFEROS

medas de feno. Para se alimen-


tar, caça pequenos mamíferos
e coelhos.

• A marta e a fuinha são espécies


com aspeto muito semelhante que
se distinguem pela cor da man-
cha peitoral, amarela na marta
e branca na fuinha, sendo que
nesta última a mancha desce até
às patas dianteiras. Enquanto a
fuinha é relativamente abundante
e existe na generalidade do ter-
ritório nacional, a marta é muito Texugo
rara, limitando-se a frequentar
uma pequena faixa acima do
Douro.

A marta é uma espécie essencial-


mente florestal e não costuma
frequentar zonas habitadas, mas
as fuinhas podem viver perto de
quintas. De dia, refugiam-se nos
celeiros e, durante a noite, caçam
ratos e aves. São muito ágeis e
escalam muros e paredes sem
quaisquer problemas.

• O texugo, por sua vez, reco- Lontra


nhece-se pelas patas curtas e
pela cabeça branca com duas faixas negras. É um animal noturno
e come de tudo: minhocas, insetos, pequenos mamíferos, bagas,
frutos… Mas é mais exigente no que diz respeito aos locais onde
vive: escava redes de galerias cheias de divisões, onde vive em
grupo, quase sempre em matas densas. Para procurar alimento,
prefere os espaços abertos, especialmente as pastagens. Não
chega verdadeiramente a hibernar, mas dedica-se a uma espécie
de “repouso de inverno”.

• Como referimos anteriormente, a lontra alimenta-se, sobretudo, de


peixes. Mas também gosta de crustáceos, de anfíbios e de insetos.
Como não poderia deixar de ser, é ótima nadadora e frequenta
pântanos, pequenos lagos, rios e ribeiros. Algumas características

117
A
PORTUGAL NATURAL II

mostram que a lontra se encontra perfeitamente adaptada à vida


aquática: o corpo é alongado, a cabeça pequena e achatada e os
dedos das patas estão ligados por membranas interdigitais (veja
Um pouco de vocabulário, na página 100). Chega a estar submersa
durante um tempo considerável. Dentro de água, a cauda fun-
ciona como leme. Ao contrário do que acontece noutras regiões
da Europa, a lontra é relativamente frequente em Portugal.

Saca-rabos e genetas
Célebres como predadores de cobras, os saca-rabos
ou mangustos também se alimentam de outros
répteis, além de ratos, insetos e ovos de aves. O
corpo é alongado, a cauda comprida e a cabeça
pequena e pontiaguda. Os caninos, como é próprio
dos carnívoros, são extremamente compridos. A
sua agilidade é notável e é graças a ela que conse-
guem levar de vencida as cobras, ao desviarem-se
rapidamente quando estas atacam e ripostando
depois com grande ferocidade. O saca-rabos vive
normalmente em zonas relativamente áridas, mas
de vegetação densa.

• A geneta pertence à mesma família dos saca-


-rabos, mas parece-se mais com o gato-bravo.
A cauda é mais comprida, e o corpo tem uma
forma alongada, tal como a cabeça, ao contrário
do que acontece com o gato-bravo, que é mais
Saca-rabos possante. Tal como a fuinha, também se alimenta
de pequenos mamíferos, além
de incluir na ementa, ocasional-
mente, alguns répteis, insetos,
anfíbios, frutos e bagas.

É um animal essencialmente
noturno e faz da agilidade e da
astúcia as suas principais armas.
Quando salta, a cauda ajuda-a
a manter o equilíbrio. Vive em
matas de arbustos e locais ári-
dos. É relativamente abundante
O perfil esguio da geneta entre nós.

118
A
OS MAMÍFEROS

Felinos
O gato-bravo faz lembrar, em tudo, o gato-doméstico, mas é maior,
mais pesado e com a cabeça grande. A cauda é mais densa e farfa-
lhuda e possui riscas negras transversais. Este felino alimenta-se,
principalmente, de ratos, como o seu parente doméstico, mas
coelhos, lebres e pequenas aves também fazem, por vezes, parte
do cardápio. Foi relativamente frequente em todo o país, mas apa-
rentemente encontra-se em regressão. Vive em planícies e serras
onde a vegetação suficientemente densa lhe permite manter-se
escondido. É um animal esquivo e, como tal, evita a proximidade
do homem, sendo este, talvez, o aspeto em que mais se diferencia
do gato-doméstico.

• Ao contrário de outras espécies, como a geneta ou o saca-rabos,


o lince-ibérico é relativamente conhecido da generalidade dos por-
tugueses, em parte graças às campanhas de sensibilização para o
perigo da sua extinção, iniciadas na década de 1970 e retomadas
com alguma frequência desde então. Espécie endémica da Península
Ibérica, encontra-se ausente na maioria da sua área histórica de
distribuição, havendo apenas alguns núcleos populacionais está-
veis em Espanha. Em Portugal, crê-se que tenha desaparecido do
território nacional, sendo detetados apenas indivíduos de passa-
gem ou em dispersão. Apesar do grande esforço desenvolvido na
recuperação da espécie, estima-se que o número de indivíduos
em liberdade não atinja os 200, pelo que o lince-ibérico continua

Lince-ibérico

119
A
PORTUGAL NATURAL II

criticamente em perigo de extinção, sendo o felino


mais ameaçado do mundo. O isolamento das popu-
lações, os atropelamentos, as doenças, a escassez
de coelhos-bravos e, ainda, o abate intencional
são as principais ameaças que este emblemático
animal enfrenta.

À primeira vista, pode julgar-se que se trata de


um gato. O corpo é parecido com o dos gatos;
a forma de correr, saltar e caçar, também. Mas
um olhar mais atento logo deteta as diferenças: o
lince-ibérico é maior e mais robusto, possui uma
espécie de patilhas no rosto e as orelhas terminam
com uns tufos de pelo que parecem um pincel. Por
todo o dorso e patas, pequenas manchas negras
sobre um fundo acastanhado fazem lembrar,
ainda que vagamente, a pelagem do leopardo.
Gato-bravo A cauda, por sua vez, é bastante mais curta do
que a dos gatos-bravos. O coelho-bravo é a presa
principal do lince-ibérico, o que, infelizmente, o torna excessiva-
mente dependente da abundância daquele pequeno mamífero, que
sofreu um acentuado declínio nas últimas décadas. No entanto,
o lince também caça, por vezes, outros animais, como lebres,
perdizes, répteis e até corços. A técnica de caça é tipicamente
felina: com o seu “olho de lince” é capaz de detetar uma presa a
dezenas de metros de distância; sorrateiramente, ajudado pela
vegetação, vai-se aproximando sem ser notado; finalmente, salta
inesperadamente sobre o animal e, apanhando-o, prende-o com
as patas; nessa altura, basta uma dentada forte e determinada
para arrumar a questão!

Raposa

120
A
OS MAMÍFEROS

Raposas e lobos
A raposa, devido à sua grande capacidade de adaptação, tem-se
saído bastante bem. Apesar de os caçadores não lhe darem descanso,
o seu número não parece ter diminuído. Encontra-se presente
em todo o país, frequentando habitats muito diversos, embora
prefira bosques densos e zonas cultivadas. Além disso, também
não é muito exigente no que diz respeito ao abrigo. Escava muitas
vezes a sua própria cova, mas pode contentar-se em alargar uma
toca de coelho ou ocupar um covil abandonado por um texugo.
Quando chega o crepúsculo, parte à procura de coelhos e de outros Lobo, espécie
pequenos mamíferos, mas também se alimenta em perigo
de insetos, de bagas e de frutos, enfim, tudo o
que lhe dê pouco trabalho a procurar.

• Menos otimista é a situação do lobo. Esta espécie


encontra-se apenas no Norte do país em duas
subpopulações: uma a norte do rio Douro, apa-
rentemente estável e contínua com a população
espanhola; e outra, isolada, a sul do mesmo rio.
Devido ao reduzido número de indivíduos e à frag-
mentação e ao isolamento das populações, continua
a ser uma espécie em perigo. Para esta situação
concorrem não só as alterações que levaram à
destruição dos seus ambientes naturais e à escassez
de presas selvagens, como o corço, mas também
a intensa perseguição de que é alvo — apesar de
se tratar de uma espécie protegida desde 1988 —
por parte de camponeses e caçadores furtivos.
Ambos têm as suas queixas: os camponeses veem
no lobo um inimigo do gado, os As crias do lobo
caçadores detestam-no porque
diminui o número de animais
de caça disponíveis.

É verdade que, desde que as suas


presas favoritas (veados, corços,
etc.) se tornaram raras, o lobo se
voltou para outro tipo de animais:
cabras, ovelhas, galinhas, coelhos,
lebres, perdizes, etc. Predador
feroz, encontra-se perfeitamente
preparado para a insigne arte

121
A
PORTUGAL NATURAL II

da caça: caninos grandes e aguçados, membros desenvolvidos e


musculosos, visão e faro apurados. Além disso, o hábito de caçar
em grupo (formando as famosas alcateias) põe ao seu alcance as
presas que teria dificuldade em dominar sozinho. No entanto,
ao contrário do que muitos pensam e diversas lendas referem, o
lobo só ataca o homem em condições muito especiais (em caso
de raiva, por exemplo). Além disso, o perigo real que, um dia,
chegou a representar para os rebanhos encontra-se, atualmente,
bastante reduzido, devido à sua raridade. É por isso que, mais do
que um inimigo a abater, o lobo constitui, hoje, uma riqueza a pre-
servar. A utilização de cães para proteção do gado e o pagamento
de indemnizações compensatórias aos ataques de lobo são duas
medidas de conservação que permitem minorar o conflito com
este predador de topo, o maior da fauna portuguesa.

Se quiser saber mais


Onde ir?
Porque se trata, na maioria das vezes, de animais que evitam o
homem e porque, além disso, muitos deles têm hábitos noturnos,
os mamíferos selvagens são difíceis de encontrar. Por isso, pelo
menos numa primeira fase, é necessário contentar-se com os ras-
tos que deixam (veja também Os sinais da presença de animais, no
capítulo 6, a partir da página 166). No entanto, existem alguns locais
onde poderão ser vistas algumas espécies. Na Tapada de Mafra,
por exemplo, é possível estabelecer um primeiro contacto com
javalis, veados e gamos, que aí vivem em estado “semisselvagem”
(dito “assilvestrado”). Mas o melhor, neste caso, é manter-se atento
aos encontros casuais: um ouriço que, inesperadamente, se atra-
vessa na estrada, um musaranho que, repentinamente, abandona
o esconderijo… E há, também, algumas espécies mais acessíveis,
como os ratos, os coelhos ou os morcegos.

No Parque Nacional da Peneda-Gerês e no Parque Natural de


Montesinho, por exemplo, existem muitas das espécies referidas
neste guia — no entanto, é necessário escolher o momento ade-
quado para as procurar.

122
A
OS MAMÍFEROS

Em que época?
A melhor altura para observar os mamíferos é de manhã cedo
ou ao fim da tarde. E também para os ouvir: os musaranhos, por
exemplo, são muito ruidosos. Os veados e corços saem ao alvor do
dia, quando nada perturba a sua passagem. Os morcegos voam nas
noites quentes de verão, quando os insetos de que se alimentam
são abundantes. Poderá vê-los mais facilmente perto de caminhos
ou de jardins bem iluminados, porque a luz atrai os insetos.

Tenha em conta que…


Ser paciente, manter-se atento e escolher o momento ade-
quado são os melhores conselhos que podemos dar a quem desejar
conhecer de perto algumas espécies de mamíferos.

Não despreze os sinais que observar; por exemplo: se, numa


determinada manhã, descobrir os dejetos de um ouriço, volte a
esse local à noite, porque os mamíferos são animais de hábitos e
há muitas possibilidades de voltarem a passar pelo mesmo sítio.

Se vir um mamífero em dificuldades, um abrigo para morcegos


destruído ou sinais da presença de uma lontra ou de um lince,
contacte o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas,
através da linha SOS Ambiente e Território (808 200 520) ou do
sítio www.icnf.pt. Se se tratar de um lobo, também pode contactar
o Grupo Lobo, da Faculdade de Ciências de Lisboa, pelo telefone
760 450 044 (lobo.fc.ul.pt).

123
CAPÍTULO 4
Répteis e anfíbios
A
PORTUGAL NATURAL II

Repelentes, asquerosos, peçonhentos, maus, perigosos, traiçoeiros —


são estes os adjetivos que mais se ouvem quando o assunto de
conversa é qualquer um dos animais de que vamos falar a seguir.
E isso até se compreende, se tivermos em conta o aspeto de alguns
deles e as histórias que têm sido transmitidas, de geração em gera-
ção, sobre o mal que é suposto terem provocado. Mas — sobretudo
porque a sua existência está hoje bastante ameaçada — é necessário
não nos deixarmos impressionar, nem pelo aspeto desses animais
nem pelos mitos que foram criados acerca deles.

De que ameaças falamos? Em primeiro lugar, da alteração e da


destruição dos habitats naturais. Neste particular, as mais preju-
dicadas são as espécies de anfíbios. Porque estes apenas se dão
bem em zonas húmidas, onde o grau de pureza das águas ainda é
relativamente elevado. Ora, as zonas húmidas são cada vez mais
raras, e as que existem encontram-se, muitas vezes, fortemente
poluídas. Para isso têm contribuído bastante as modificações intro-
duzidas nos métodos de exploração agrícola, a
industrialização crescente e a urbanização desor-
um pouco denada a que temos assistido nos últimos anos.
de vocabulário Depois, há a questão do tráfego rodoviário. As
nossas estradas são, para algumas espécies, uma
atrofiado: que não está
autêntica via-sacra! Um dos casos mais flagrantes é
completamente desenvolvido.
o dos ouriços (veja o capítulo anterior), mas sapos,
autotomia: capacidade que rãs, sardões e diversas espécies de cobras também
algumas espécies de animais têm encontram muitas vezes a morte na estrada (veja a
de se privarem de certos órgãos
externos (por exemplo, a cauda).
caixa Como salvar os sapos da morte certa, na página
139)... Finalmente, há também aqueles que cap-
constrição: aperto, pressão em turam e matam anfíbios e répteis por superstição
torno de algo. No caso dos répteis,
e medo (como são animais supostamente maus,
aperto extremamente forte que
impede a presa de se libertar e que é quase uma obrigação matá-los...) ou para fins
culmina frequentemente em morte comerciais. O resultado da conjugação de todos
por asfixia. estes fatores tem sido uma mortandade acentuada,
crista: excrescência carnosa a ponto de muitos representantes da fauna euro-
existente na cabeça e/ou no dorso peia de anfíbios e répteis constarem atualmente
de alguns animais. do Livro Vermelho da União Internacional para a
Conservação da Natureza.
habitat: local onde vive uma
determinada espécie animal ou
vegetal. Cada espécie tem o seu Por isso, da próxima vez que vir um sapo e sentir
habitat próprio. repugnância, lembre-se de que, apesar do seu
membrana interdigital: porção de aspeto, este pequeno animal é extremamente
pele que une os dedos das patas útil e até fundamental para o equilíbrio ecológico
de alguns animais. dos locais onde se encontra; e, se encontrar uma
Nas páginas anteriores: rã-verde

126
A
RÉPTEIS E ANFÍBIOS

serpente, tenha cuidado, mas procure dominar o medo: são poucas


as espécies venenosas e estas, normalmente, só atacam o homem
quando se sentem ameaçadas. Por isso, contenha os eventuais
impulsos destrutivos, até porque pode estar perante uma das
espécies em vias de extinção.

Os répteis
Lagartos, lagartixas e osgas
Trata-se de animais geralmente pequenos e que gostam de estar
escondidos. Mas, como têm “sangue frio”, os melhores locais para
os encontrar são aqueles onde bate o sol.

A expressão “animais de sangue frio”, no entanto, é algo enga-


nadora. Por vezes, o seu sangue até pode aquecer mais do que
o nosso. O que acontece, na verdade, é que eles são incapazes
de regular a temperatura do corpo, como o fazem os mamíferos
e as aves. Por isso, dependem de fontes de calor externas, a fim
de manterem um nível de temperatura interna que lhes permita
assegurar as imprescindíveis funções vitais (alimentação, digestão,
assimilação, etc.). Isto quer dizer que os lagartos apenas podem
manter-se ativos quando as condições meteorológicas lhes são
favoráveis. Quando faz frio, precisam de se proteger. Mas, como a
sua temperatura corporal não pode ultrapassar certos limites, os
lagartos também não podem estar Lagarto ou sardão
sempre ao sol e, quando faz muito
calor, passam o tempo de um
lado para o outro, ora ao sol, ora
à sombra.

• O lagarto ou sardão pode encon-


trar-se por todo o país, sobretudo
nas charnecas, nos matagais e nos
pequenos bosques, quase sempre
protegido por pequenas moitas
ou por outro tipo de vegetação
rasteira. Normalmente, mede
entre 50 e 60 centímetros, mas
alguns podem atingir um metro

127
A
PORTUGAL NATURAL II

Lagarto-d’água

de comprimento (incluindo a cauda, claro!). Tem um aspeto pos-


sante e ar de poucos amigos. A cor é predominantemente verde,
com manchas amarelas e negras no dorso e nas patas e manchas
azuladas de ambos os lados do corpo. Na sua ementa habitual
encontram-se diversas espécies de insetos, mas também gosta de
aves e pequenos mamíferos e até de vegetais e frutos maduros.

O lagarto-d’água é, geralmente, mais pequeno do que o lagarto


e também não possui as características manchas azuis laterais,
embora a cabeça do macho seja azul-esverdeada, de cor intensa
na época de reprodução. Prefere as zonas húmidas e montanho-
sas, frequentando muitas vezes as margens de regatos e ribeiros.
Não hesita em mergulhar quando se sente ameaçado.

Alimenta-se basicamente de insetos (escaravelhos, moscas, lagartas...)


e aranhas. É muito menos frequente do que o sardão.

• Os demais membros da família dos lagartos existentes no nosso


país são tão pequenos que costumam ser chamados lagartixas.
As mais comuns são a lagartixa-ibérica e a lagartixa-do-mato (também
chamada “sardanisca” nalgumas regiões). A primeira é mais fre-
quente no Centro e no Norte do país a segunda no Sul. O corpo
é de tamanho idêntico, mas a cauda da lagartixa-do-mato tem o
dobro do comprimento (20 centímetros contra 10) da da lagartixa-
-ibérica. Esta é, aliás, a forma mais fácil de as distinguir. A lagartixa-
-do-mato é aparentada com a lagartixa-do-mato-ibérica, mas esta

128
A
RÉPTEIS E ANFÍBIOS

é mais pequena (a cauda tem,


no máximo, dez centímetros)
e a coloração também é ligeira-
mente diferente.

Finalmente, a lagartixa-de-dedos-
-denteados gosta de frequentar
as zonas arenosas do litoral,
sobretudo aquelas onde existem
pinhais. É fácil de reconhecer,
porque tem riscas amarelas
e negras no dorso, e a cauda,
quase tão comprida como a da Lagartixa-ibérica
lagartixa-do-mato, é alaranjada.

• E as osgas? Os biólogos diriam


que pertencem à mesma ordem
dos lagartos, mas a uma família
diferente. São uma espécie de
parentes afastados, como, aliás,
se depreende pelo aspeto.

Há algo nas osgas, talvez o seu ar


balofo, que nos recorda os sapos. E
a verdade é que, tal como eles, são
uma das espécies mais visadas nas
superstições e lendas populares, Podarcis fêmea
responsáveis, em grande parte,
pela má fama de que gozam estes pequenos animais. No entanto,
as osgas são totalmente inofensivas. E são também bastante úteis,
pois a sua alimentação é composta, essencialmente, de insetos,
sobretudo de formigas e mosquitos. Percebe-se a razão que as leva
a procurar as zonas habitadas e, em especial, as casas já antigas...

Além da osga-comum, também se encontra em Portugal uma espécie


que lhe é aparentada, a osga-turca. Esta é muito menos frequente,
além de também ser mais arisca. Não é fácil distingui-las. Ambas
têm o corpo espalmado e uma coloração entre o amarelo-pardo e o
cor-de-rosa. Os mais perspicazes talvez consigam notar as diferenças
de tamanho: 12 centímetros, no máximo, no caso da osga-turca,
15 centímetros na osga-comum. Mas a forma mais segura de as
diferenciar consiste em ver as almofadinhas das patas. Na osga-
-comum, essas almofadas são inteiramente normais, enquanto

129
A
PORTUGAL NATURAL II

na osga-turca têm um sulco que as atravessa em sentido vertical.


Para constatar essa diferença, terá de as agarrar. Mas não se preo-
cupe que não corre nenhum risco, pois ao contrário do que se diz
e acredita, as osgas não são peçonhentas.

O camaleão: um vira-casacas
Há, ainda, o camaleão, um outro réptil aparentado, ainda que de
forma mais ou menos longínqua, com os lagartos. Os camaleões,
originários do Norte de África, foram introduzidos em Portugal
num passado relativamente recente, habitando uma pequena área
Camaleão, um terrível
exterminador
do Algarve. Referimo-lo aqui pelo inegável interesse da espécie.
de insetos A sua extraordinária capacidade de mudar de
cor, de acordo com as conveniências, é de tal
forma marcante, que, apesar de outros possuírem
capacidades idênticas, este pequeno animal se
tornou o símbolo da versatilidade.

Tal como as osgas, os camaleões são temíveis


caçadores de insetos. A língua, comprida e vis-
cosa, é a sua grande arma. Mas, ao contrário das
osgas, que gostam das paredes e dos telhados das
casas e dos muros velhos, os camaleões preferem
as árvores. O que se compreende: é aí que eles
podem dar plena utilização à sua engenhosa arte
de se confundirem com o meio...

Cobras ou lagartos?
• Finalmente, a cobra-de-vidro ou licranço, por incrível que pareça
e apesar do nome popular, também está mais próxima dos lagartos
do que das cobras. Bem sabemos que parece uma cobra, mas não
o é. Há até quem lhe chame “lagarto sem pernas”... Os licranços
são mais lentos e menos ágeis do que as serpentes. Os olhos são
relativamente pequenos; as pálpebras, móveis. As escamas do ventre
são diferentes das escamas das serpentes e, tal como acontece com
a maioria dos lagartos, a cauda cai facilmente. No entanto, quase
nunca volta a crescer, de forma que, em seu lugar, muitos licranços
apenas possuem uma espécie de coto. Também na alimentação
os licranços se distinguem das serpentes, preferindo os insetos e
as suas larvas aos pequenos mamíferos e às aves.

130
A
RÉPTEIS E ANFÍBIOS

São animais relativamente frequentes no Centro e no Norte do país.


Frequentam locais bastante diversificados, mas parecem preferir
as zonas de transição entre os bosques e os campos de vegetação
densa. De dia, costumam sair dos esconderijos durante ou após
um aguaceiro.

• A cobra-cega não é um licranço, mas, tal como este, também não
é uma verdadeira cobra. Parece-se mais com uma grande minhoca
(mede cerca de 20 centímetros) e a verdade é que também se
encontra perfeitamente adaptada à vida subterrânea. É raro vir
à superfície. Os olhos são atrofiados — daí o seu nome — e o corpo
encontra-se dividido em segmentos (anéis). A cor é castanha ou
acinzentada. Alimenta-se, tal como o licranço, de insetos e das
suas larvas. Não perde a cauda.

• A última surpresa que lhe reservávamos é esta: sabia que existem
cobras com pernas? Pois é verdade, apesar de não serem verdadeiras
cobras e também pertencerem, de acordo com os cientistas, ao
grupo dos sáurios ou lagartos. Embora possuam dois minúsculos
pares de patas, estes répteis são extremamente parecidos com as
cobras. O corpo é cilíndrico e alongado, e a cauda é, relativamente
ao tamanho do corpo, bastante comprida. As patas, que acabam
em grupos de três ou cinco dedos, é que “estragam” tudo!

As cobras-de-pernas, que é como se chamam, alimentam-se, princi-


palmente, de escaravelhos, caracóis e aranhas. Se quiser encontrar
uma delas, o melhor é deslocar-se a uma zona de solo arenoso,
de preferência perto de um curso de água. De resto, encontram-
-se por todo o país.

Cobra-de-pernas-
-tridáctila ou fura-
-pastos

131
A
PORTUGAL NATURAL II

A má fama de cobras e víboras


As cobras e as víboras pertencem ao grupo das serpentes e não
são os animais mais estimados da nossa fauna. Até que podem
ser bonitos, mas isso não os livra da sua secular má fama!

É verdade que, para alguns povos antigos, as serpentes eram sím-


bolo de poder, sabedoria e fertilidade; mas, no imaginário do
homem ocidental, encarnam, quase sempre, o mal, a tentação e o
pecado. Ou seja, algo intrinsecamente mau, que é preciso destruir.
Por isso, além de estarem sujeitas aos perigos habituais, como a
poluição industrial e agrícola, o tráfego rodoviário e a desflores-
tação, têm de suportar outra ameaça: a destruição deliberada!

Em Portugal, existem apenas duas espécies de víboras. Ambas


podem ser perigosas para o homem. Mas, como referimos ante-
riormente, só costumam atacar quando se sentem ameaçadas.
Além disso, uma delas, a víbora de Seoane, é muito rara e apenas
existe numa área restrita. É verdade que um encontro com uma
dessas serpentes poderia estragar completamente umas férias
ou um passeio ocasional. Mas as hipóteses de isso acontecer
são reduzidas.

Note que, com o que acabámos de dizer, não pretendemos


sugerir que abandone a necessária atitude de prudência.
Mas, se encontrar um destes animais, não precisa de temer
logo o pior. Procure, sobretudo, conter o eventual reflexo
de agressão. Mesmo que se trate de uma espécie venenosa,
o ataque pode não ser, neste caso, a melhor defesa. Lembre-se
disso.
Cobra-de-ferradura
• Uma das formas de distinguir
uma víbora de uma cobra con-
siste em reparar bem na forma
do focinho. Nas víboras, este é
achatado na ponta, enquanto nas
cobras tem, regra geral, um for-
mato mais “afiado”. A forma das
pupilas também é diferente: arre-
dondada nas cobras e alongada,
no sentido vertical, nas víboras.
Finalmente, estas últimas também
costumam ser mais pequenas.

132
A
RÉPTEIS E ANFÍBIOS

Víbora-cornuda,
uma espécie
venenosa

Apesar destas diferenças, só os especialistas conseguem diferenciá-


-las com segurança; por isso, mesmo que tenha quase a certeza
absoluta de que o réptil que avistou é uma quase inofensiva cobra-
-d’água-de-colar, por exemplo, o melhor é não facilitar e manter
uma distância (bastante) prudente. Também é para isso que reco-
mendamos o uso de binóculos!

• A víbora-cornuda, embora pouco abundante, pode encontrar-se


por todo o país. Tem uma proeminência na ponta do focinho,
semelhante a um pequeno chifre, o que justifica o seu nome. É
relativamente pequena — 70 centímetros, no máximo — mas, apesar
disso, tem um aspeto aterrador. E ainda bem, porque é bastante
perigosa: o seu veneno pode ser mortal.

Costuma frequentar bosques pouco densos, pinhais, carvalhais e


pequenas matas. Prefere terrenos pedregosos e locais bem expostos
ao sol. No fim do verão pode encontrar-se sobre as árvores, o que
a torna ainda mais perigosa. Costuma alimentar-se de pequenos
mamíferos e lagartos ou lagartixas, mas, por vezes, também inclui
na ementa aves pequenas e insetos.

• Das cobras existentes em Portugal só duas são potencialmente


perigosas: a cobra-rateira e a cobra-de-capuz. Ambas são venenosas,
mas, devido à localização dos dentes do veneno (mais para o inte-
rior da boca, enquanto as víboras os têm mais à frente), raramente
conseguem inoculá-lo quando mordem. O que é um alívio, já que
a cobra-rateira é bastante comum entre nós. Trata-se da maior

133
A
PORTUGAL NATURAL II

cobra de toda a Península Ibérica, podendo atingir dois metros


de comprimento. Frequenta uma grande diversidade de locais,
que vão desde terrenos de campo aberto a bosques de vegetação
densa, pinhais, azinhais, charnecas, matagais e até dunas. Trepa
e nada bem. A cor da pele é variável e vai do verde-azeitona ao
castanho-acinzentado. Os olhos são grandes e vivos. Alimenta-se
de pequenos mamíferos (sobretudo ratos, é claro...), aves, lagartos,
outras cobras e insetos.

A cobra-de-capuz é muito mais rara. Entre nós, a sua presença tem


sido assinalada, com maior frequência, nas regiões a sul do Tejo.
Isso explica-se pelo facto de esta espécie preferir, como habitat,
os bosques de tipo mediterrânico, em zonas secas e quentes. É mais
pequena do que a cobra-rateira: regra geral, não tem mais de 65 cen-
tímetros. Confunde-se, mais facilmente, com a cobra-lisa-meridional,
de que falaremos mais adiante. Também seria possível confundi-la
com a cobra-lisa-europeia, mas esta, normalmente, só frequenta a
parte norte do país. O alimento preferido da cobra-de-capuz são
os lagartos, as lagartixas e as osgas, ou seja, quase toda a família de
pequenos sáurios, incluindo os licranços e as cobras-cegas.

• As cobras-d’água são serpentes que têm, como é evidente, hábitos


aquáticos. São ótimas nadadoras e alimentam-se, essencialmente,

Cobra-rateira Cobra-d’água-de-colar

134
A
RÉPTEIS E ANFÍBIOS

de anfíbios e peixes pequenos. A cobra-d’água-viperina também


aprecia os insetos. Esta espécie é bastante comum no nosso país.
Raramente se afasta da água, ao contrário da cobra-d’água-de-
-colar, e costuma encontrar-se perto de rios, ribeiros, charcos,
canais, pauis e pequenos lagos. Quando molestada, emite silvos
e alarga a parte superior da cabeça, o que, associado às riscas
em ziguezague que costuma ter no dorso, típicas das víboras, lhe
valeu o nome de “viperina”.

A cobra-d’água-de-colar, menos comum, frequenta, para além de


ambientes aquáticos, campos, bosques e matagais. É pouco agres-
siva e raramente morde. Alguns exemplares chegam a ter dois
metros, mas a maioria não passa dos 1,5 metros. O característico
colar, de tonalidade branco-amarelada, que lhe valeu o nome, só
costuma ser bem visível nos indivíduos jovens.

• As cobras-lisas são assim designadas graças às escamas dorsais,


que são, de facto, muito lisas. Já nos referimos às duas espécies
existentes em Portugal: a europeia e a meridional. A cobra-lisa-
-europeia é relativamente pequena, pois não mede mais de 75
centímetros. Não é muito frequente; a sua presença apenas foi
detetada nalgumas regiões montanhosas do Centro e do Norte
do país. O mesmo não se pode dizer da cobra-lisa-meridional.
Trata-se de uma espécie relativamente comum e encontra-se
quase por todo o lado, embora não frequente zonas acima dos
mil metros de altitude. Ambas são pouco agressivas e não são
perigosas.

• Resta-nos falar da cobra-de-ferradura e da cobra-


-de-escada. Ambas são comuns em todo o território
continental, à exceção de uma pequena faixa no
Norte do país, em que, para a cobra-de-ferradura,
não existem dados que garantam a sua presença.
Esta pode medir cerca de 180 centímetros. O seu
nome provém do facto de possuir, no alto da
cabeça, uma mancha escura em forma de U. É
ágil e agressiva. Alimenta-se de pequenos mamí-
feros, de lagartos e de aves.

A cobra-de-escada, com distribuição generalizada


por todo o país, à exceção da faixa costeira entre
Leiria e Porto, deve o seu nome ao padrão de
manchas ou riscas escuras que lhe cobre o dorso, Cobra-de-escada

135
A
PORTUGAL NATURAL II

que faz lembrar o desenho de uma escada. Esse padrão é observado


nos juvenis e tende a desaparecer nos adultos.

É menor do que a cobra-de-ferradura (cerca de 150 centímetros), mas


também é agressiva. Alimenta-se de quase todo o tipo de pequenos
vertebrados, matando alguns por constrição (veja Um pouco de
vocabulário, na página 126) antes de os ingerir. É ótima trepadora.

Cágados e tartarugas:
devagar, devagar...
Já é muito raro ver-se uma tartaruga em Portugal continental;
no entanto, de vez em quando uma corrente marinha favorável
traz até nós uma tartaruga-comum ou uma tartaruga-de-couro.
Tartaruga-comum Ambas são espécies marinhas e, como tal,
excelentes nadadoras. São grandes, especial-
mente a tartaruga-de-couro, que é a maior das
tartarugas ainda existentes: o seu peso pode ser
superior a 500 quilos! Os cágados são, felizmente,
bastante mais vulgares do que as tartarugas,
especialmente o cágado-mediterrânico, que é
frequente no Centro e no Sul do país. Parece-se,
à primeira vista, com uma tartaruga, mas é muito
mais pequeno e leve. Costuma encontrar-se em
ribeiros, pequenos lagos, canais e zonas húmidas
em geral. Alimenta-se de anfíbios e suas larvas,
peixes, insetos e moluscos. É um animal pro-
verbialmente lento, mas, quando se encontra
na margem de um ribeiro ou sobre uma pedra,
mergulha com bastante rapidez na água, no caso
Cágado-mediterrânico de se sentir ameaçado.

O cágado-de-carapaça-estriada é bastante mais


raro. Parece-se com o cágado-mediterrânico, no
que toca ao tamanho e aos hábitos, mas distingue-
-se dele pela cor e pelo desenho da carapaça:
a do cágado-mediterrânico tem uma tonalidade
cinzento-azeitona, e as placas que a formam são
rodeadas por um contorno escuro; a do cágado-de-
-carapaça-estriada é de fundo negro-acastanhado,
e as placas possuem riscas (ou estrias, como o
nome indica) amarelas.

136
A
RÉPTEIS E ANFÍBIOS

Os anfíbios
Já alguma vez parou para pensar no que quererá dizer a palavra
“anfíbios”? Talvez sim, mas nós dizemos-lhe na mesma: trata-se
de um termo proveniente do grego (amphi+bios) que significa “dois
modos de vida”. Não há dúvida de que, neste caso, o nome diz
quase tudo: os anfíbios, com efeito, são animais que se reproduzem
dentro de água e nela vivem parte da vida, mas passam a outra
parte em terra firme. Além disso, algumas espécies, como o sapo,
são seminómadas: passam o inverno num determinado local, que
lhes oferece as condições adequadas, e o verão noutras paragens.
Os locais escolhidos nem sempre ficam perto uns dos outros e, por
isso, veem-se, por vezes, autênticas “manadas” migratórias de sapos
e de rãs, atravessando, descuidadamente, estradas e caminhos.
Nem sequer evitam as autoestradas! As consequências são fáceis de
prever: os anfíbios são das maiores vítimas do tráfego rodoviário.

Sapos, rãs e relas


Neste particular, quem diz anfíbios diz, sobretudo, sapos.
Como migram de preferência durante a noite, com tempo suave
e húmido, que é quando se vê pior, e saltam com uma lentidão “de-
Sapo-comum
-ses-pe-ran-te” (ao contrário das rãs, que são muito mais enérgicas), a atravessar
eles constituem o alvo ideal, embora involuntário, uma estrada
das rodas dos automóveis. Muitos são esmagados
pelos pneus; outros são projetados, com violência,
sobre o piso, devido à deslocação de ar produzida
pelo movimento. E não só no nosso país mas também
por toda a Europa, de forma que, nalguns países,
a grave diminuição do número de sapos levou
as autoridades rodoviárias a tomarem medidas
adequadas: sinalização de aviso aos condutores,
nos locais potencialmente mais propícios a este
género de acidentes; instalação de barreiras e de
túneis nos mesmos locais, de forma a encaminhar
os animais, de forma segura, para as zonas de
reprodução; sensibilização dos cidadãos (veja tam-
bém, a propósito, a caixa Como salvar os sapos da
morte certa, na página 139).

• A espécie mais atingida por esta mortandade,


devido aos seus hábitos, é a do sapo-comum.

137
A
PORTUGAL NATURAL II

Mas, mesmo quando ainda não havia automóveis, este animal


não tinha muito descanso. Porque quase não há receitas de
feitiços ou de poções mágicas que não falem em sapos: ou é o
sapo inteiro, que é necessário prender, coser ou torturar; ou é
algum ingrediente imprescindível — pele, olhos, patas, língua
— que é necessário ir buscar ao sapo! Pobres animais! Tudo isto
porque, como não são bonitos nem simpáticos, mas peçonhentos
e verrugosos, a imaginação popular chegou a associar os sapos
ao próprio Diabo!

E, no entanto, os sapos são perfeitamente inofensivos. Não são


venenosos, como algumas serpentes, nem incómodos, como alguns
insetos. E, além disso, são bastante úteis! Como a sua dieta é composta,
essencialmente, por vermes, insetos e moluscos, dão uma grande
ajuda aos jardineiros e aos hortelãos, dizimando assim algumas
das espécies que mais prejuízo podem trazer às plantas cultiva-
Sapo-corredor das! Sem falar na sua importância
ecológica, pois contribuem bas-
tante para o controlo do número
de insetos, evitando que estes
aumentem exageradamente.

• O sapo-corredor, menos fre-


quente, é um parente próximo
do sapo-comum, mas de tama-
nho um pouco menor. É assim
chamado porque gosta de se
deslocar através de pequenas
corridas, em vez de dar saltos,
como fazem os outros sapos e as
Sapo-parteiro rãs. Além disso, prefere os ter-
renos de tipo arenoso ou outros
solos de tipo móvel, para melhor
poder fugir. Mesmo durante o dia,
não se contenta em atingir um
abrigo, mas esconde-se debaixo
da areia (como faz para passar
o inverno).

• O mesmo acontece com o


sapo-de-unha-negra, cuja pre-
ferência vai para o mesmo tipo
de solos. Costuma enfiar-se na

138
A
RÉPTEIS E ANFÍBIOS

como salvar os sapos da morte certa


Caso se aperceba de que, em determinado da cerca, muitos sapos acabarão por cair
local próximo da sua residência ou local neles. Obviamente, convém verificar os
de trabalho, o tráfego rodoviário causa a baldes e esvaziá-los, do outro lado da
morte de muitos sapos, procure tomar as estrada, pelo menos duas vezes por dia
medidas necessárias. Como é evidente, (por exemplo, de manhã bem cedo e à noite
não poderá ficar de plantão, na berma da antes de se deitar).
estrada, durante toda a época de migração;
mas talvez possa colocar uma cerca no A cerca deverá ser construída com um
local onde os sapos costumam atravessar material capaz de impedir a passagem dos
a estrada, impedindo-os, assim, de passar. sapos (um plástico forte, por exemplo) e
ter uma altura de, pelo menos, meio metro.
Impelidos pelo instinto, eles tentarão dar a Além disso, deverá ser suficientemente
volta à cerca, à procura de uma passagem. comprida e terá de ficar enterrada, de forma
Por isso, se enterrar baldes ou outros a impedir que os sapos passem por baixo
recipientes, a intervalos regulares, ao longo dela (veja a ilustração abaixo).

COMO CONSTRUIR UMA CERCA DE PROTEÇÃO

3m
fio ou
arame
plástico
balde
estrada
: 15-20 m
distância
balde

berma

areia às arrecuas: afasta a terra para os lados, usando as patas


da frente, até ficar completamente soterrado — o que leva um
minuto, bem medido! No inverno, chega a enterrar-se a um metro
de profundidade!

• Há, ainda, os sapos-parteiros. Este nome engraçado tem que a


ver com algo extraordinário: curiosamente, nestas espécies são
os machos que se encarregam dos ovos! E não só se “encarregam”
deles como os carregam, literalmente! Andam com eles às costas
durante cerca de três semanas, desde a fecundação até ao dia em
que acabam por depositá-los num charco. Nessa altura, o nasci-
mento dos girinos é apenas uma questão de horas. Em Portugal,

139
A
PORTUGAL NATURAL II

existe uma espécie característica da Península


Ibérica, o sapo-parteiro-ibérico. É muito parecido
com o sapo-parteiro-comum, exceto pelo número
de pequenas protuberâncias que ambos possuem
na palma das mãos: três no caso do comum,
dois no do ibérico.

• Não convém chamar rã-verde a qualquer anfíbio


saltitante que lhe apareça pela frente. Primeiro,
porque pode tratar-se de uma rela. As relas, mais
pequenas do que as rãs normais, são notáveis
trepadoras; como têm pequenas ventosas nos
dedos, conseguem escalar facilmente os caules
das plantas e os ramos e troncos dos arbustos.
Costumam ver-se sobre juncos, canas e silvas,
a “trabalhar para o bronze”. Também há nelas
um pouco de camaleões, porque são capazes
de mudar de cor: podem mudar, por exemplo,
do verde-relva para o castanho-escuro. As duas
Rela-meridional

AS METAMORFOSES DA RÃ

1. A larva sai do ovo


brânquias
externas

2. Girino 3. As brânquias
tornam-se internas

4. Aparecimento 5. A cauda regride


das patas traseiras e as brânquias
desaparecem: última
metamorfose

140
A
RÉPTEIS E ANFÍBIOS

espécies existentes em Portugal, a rela e a rela-meridional, são


difíceis de distinguir entre si, a não ser por uma faixa de cor preta
que ambas possuem nos flancos: esta faixa é completa, isto é,
vai da cabeça à extremidade do dorso, na rela; e incompleta na
rela-meridional, pois tem início na cabeça e termina antes da
zona do ventre.

• Por outro lado, há rãs que não são verdes. É o caso da rã-ibérica
ou rã-castanha. Esta espécie aparece quase exclusivamente no
Centro e no Norte do país, ao contrário da rã-verde, que é comum
em Portugal inteiro, embora seja mais frequente no Sul. Ambas
têm hábitos relativamente semelhantes, mas a rã-verde é melhor
“garfo”: de uma voracidade extrema, a sua dieta inclui minhocas,
moscas, mosquitos, caracóis, lesmas, ovos de peixes e de anfíbios
e, até, pequenos peixes!

Salamandras e tritões
Falámos até agora de um grupo restrito de anfíbios, que se carac-
teriza por os seus membros não terem cauda; as espécies de que
vamos falar a seguir, as salamandras e os tritões, são exatamente
o oposto, porque possuem cauda e, por vezes, até bastante longa,
como é o caso da salamandra-lusitânica. Por esse facto e, também,
um pouco pelas suas dimensões, estes animais fazem lembrar
os lagartos (veja a caixa Lagarto ou salamandra?, na página 143).
Mas é só à primeira vista.

Salamandra-de-
-pintas-amarelas

141
A
PORTUGAL NATURAL II

O seu modo de vida rapidamente dissipa a eventual confusão e,


para alguns, até o aspeto e, sobretudo, a sua coloração são elo-
quentes. Uma coisa é certa: lagartos é que não são!

• Um bom exemplo do que acabámos de dizer é a salamandra-de-


-pintas-amarelas ou, simplesmente, salamandra, que dificilmente
poderá ser confundida, a não ser para um olhar apressado, com
um lagarto. É extremamente colorida: normalmente, possui muitas
pintas amarelas e algumas vermelhas sobre um fundo preto. A cauda
é curta e cilíndrica. São essas as características, aliás, que melhor
a distinguem da salamandra-lusitânica. Nesta, a cauda é desmesu-
radamente longa, podendo atingir cerca de duas vezes o tamanho
do corpo. A pele é escura, de um castanho quase negro, mas possui
uma longa risca alaranjada ou dourada no dorso. A salamandra-
-de-pintas-amarelas é bastante mais frequente, já que surge, abun-
dantemente, por todo o país, enquanto a salamandra-lusitânica se
limita ao Noroeste do país. Dada a sua raridade e especificidade,
esta é, aliás, uma espécie protegida, com estatuto de vulnerável.
Curiosamente, a salamandra-lusitânica pode, tal como os lagartos,
ficar sem a cauda, sem que isto lhe traga quaisquer problemas,
voltando, inclusivamente, a crescer.

• Finalmente, há ainda a salamandra-de-costelas-salientes, que é a


maior de todas. Chega a atingir 30 centímetros de comprimento
e é um animal robusto, o que leva a que seja utilizada, com fre-
quência, em estudos laboratoriais. A sua pele é escura, de tom
esverdeado e, como o nome indica, tem uma série de saliências
nos flancos, na extremidade das costelas, sendo muito facilmente
Larva de salamandra-
identificáveis. Esta, sim, poderia confundir-se facilmente, pelo
-de-pintas-amarelas menos à primeira vista, com um
lagarto, não fosse o facto de se
encontrar, quase sempre, em
locais que os lagartos detestam,
já que gosta de frequentar luga-
res escuros e húmidos, como
os poços.

• Os tritões costumam frequentar


águas pouco poluídas e de cor-
rente suave. O mais impressio-
nante neles é a diferença entre
machos e fêmeas, que surge na
época do acasalamento. Nessa

142
A
RÉPTEIS E ANFÍBIOS

altura, a crista dos machos


fica maior e de cor mais viva.
No entanto, apesar destes
preliminares, a vida amorosa
dos tritões não parece muito
interessante: quando o macho
descobre uma fêmea, começa
a agitar a cauda, para atrair a
atenção da eventual compa-
nheira e enviar, na sua direção,
um jato de água carregado de
estimulantes olfativos; nessa
altura, a fêmea aproxima-se do
macho; então, ele foge, talvez Ovo de tritão
arrependido. Se ela o seguir,
acaba, mesmo assim, por se estabelecer uma espécie de con-
tacto furtivo: com o focinho, ela toca na cauda do macho; este
liberta então uma certa quantidade de espermatozoides, que
irão fertilizar a fêmea.

lagarto ou salamandra?
Há muitas pessoas que confundem •• “Ativos” é o termo adequado para
os lagartos com as salamandras. definir os lagartos, pois eles deslo-
O que não deveria acontecer, já que cam-se com grande rapidez; as sala-
as salamandras são anfíbios; e os mandras são muito mais vagarosas.
lagartos, répteis.
•• Quando nascem, os pequenos
Vamos tentar definir as principais lagartos parecem uma versão
diferenças entre eles. reduzida dos adultos; as
salamandras, como bons anfíbios
•• Os lagartos andam, quase sempre, que são, passam, primeiro, por um
sobre terra firme; as salamandras estádio larvar (como os girinos das
ficam, quase sempre, dentro de água rãs; veja As metamorfoses da rã
ou muito perto dela. na página 140).

•• A pele das salamandras é húmida •• Os lagartos podem perder a cauda;


e lisa; a pele dos lagartos é seca e a maioria das salamandras, não.
escamosa. Por isso, se o animal que observa
não tiver cauda, se tiver apenas um
•• As salamandras têm hábitos “sucedâneo” ou, ainda, se tiver uma
noturnos e, portanto, costumam sair cauda mais curta, com uma coloração
ao fim do dia ou à noite; os lagartos diferente e uma cicatriz, trata-se,
andam sempre durante o dia. quase de certeza, de um lagarto.

143
A
PORTUGAL NATURAL II

• Em Portugal continental, existem três espécies destes interes-


santes animais. O tritão-de-ventre-laranja e o tritão-marmorado
são os mais frequentes. O primeiro é uma espécie característica
da Península Ibérica. Como o nome indica, a parte de baixo do
seu corpo é alaranjada. O tritão-marmorado é um pouco maior e,
como se depreende do nome, tem o dorso salpicado de manchas
verdes, de agradável efeito estético. O tritão-palmado é bastante
mais raro, no nosso país, do que as duas espécies citadas, apesar
de ser frequente noutras regiões europeias. Pode confundir-se
facilmente com o tritão-de-ventre-laranja, mas o facto de possuir
membranas interdigitais, como as rãs, permite fazer a distinção.
O melhor, para isso, é, evidentemente, agarrá-lo com as mãos,
mas nem todos estarão dispostos a fazê-lo. No entanto, os tritões,
como, aliás, todos os anfíbios, não são agressivos, ao contrário
de alguns répteis (veja, na página seguinte, a caixa Agarrá-los à
mão, porque não?).

Se quiser saber mais


Onde e quando ir?
Excetuando, talvez, as rãs e as lagartixas, que são ainda bastante
frequentes no nosso país, as outras espécies de anfíbios e répteis
não se deixam observar com facilidade. Por isso, parece-nos mais
útil dar-lhe alguns conselhos gerais do que uma lista de lugares
onde, provavelmente, não veria coisa alguma. Sobretudo, recorde-
-se de que:
— os anfíbios costumam ver-se durante a primavera e o outono
(nas restantes alturas do ano, costumam manter-se escondidos);
— os répteis frequentam locais ensolarados, durante a primavera
e todo o verão;
— fora destas “épocas altas”, não vale muito a pena andar, espe-
cificamente, à procura destes animais;
— os anfíbios são mais ativos ao fim do dia e durante a noite; poderá
observá-los nessa altura, sobretudo se recorrer a uma lanterna: os
sapos e as rãs costumam manter-se imóveis quando se encontram
expostos a feixes de luz;
— se não os conseguir ver, deixe-se guiar ou simplesmente seduzir
pelo “canto”;

144
A
RÉPTEIS E ANFÍBIOS

agarrá-los à mão, porque não?


Excetuando o facto de ter de os agarrar ter a certeza de que não se trata de uma
bem, porque são escorregadios, e de ter serpente venenosa? É verdade que só duas
o cuidado de lavar bem as mãos depois, das nossas dez serpentes são realmente
não há precauções especiais a ter com rãs, venenosas, mas é sempre melhor
sapos e salamandras (ou seja, com anfíbios desconfiar. E, além disso, mesmo que não
em geral), no caso de querer apanhá-los à tenham veneno, têm dentes. Por isso,
mão. Mas o mesmo não se passa com os observe-as, mas não lhes toque!
répteis.

Imagine, por exemplo, que anda a tentar


apanhar uma lagartixa. Mesmo que o
consiga, não julgue que é fácil conservá-la
presa, porque o mais certo é que ela
recorra, simplesmente, à sua capacidade
de autotomia. Porque os lagartos podem
automutilar-se, sem que isso lhes traga
quaisquer problemas. Assim, a “sua”
lagartixa poderá deixar-lhe a cauda nas
mãos e aproveitar a sua estupefação para
se pôr a andar. Além do mais, a cauda
voltará a crescer (regeneração). Por isso,
talvez seja melhor contentar-se com uma
observação à distância e com a anotação
das características do réptil.

As serpentes não lhe farão semelhante


partida, mas têm outros trunfos na manga:
não sendo especialista, como poderá Salamandra na palma da mão

— poderá pescar os tritões e as salamandras, na primavera, com


uma rede de malha fina (mas nunca se esqueça de voltar a pô-los
na água!);
— os répteis saem dos seus esconderijos quando há sol, mas escon-
dem-se nas horas de maior calor;
— é muito mais fácil observar os ovos e as larvas do que os animais
adultos, pelo menos no que diz respeito aos anfíbios, porque sabemos
onde encontrá-los: na água. Quanto aos répteis, esses costumam
enterrar os ovos no solo.

145
CAPÍTULO 5
Animais
de água doce
A
PORTUGAL NATURAL II

Neste capítulo, falamos das características e do modo de vida


de alguns animais (vertebrados e invertebrados) que se podem
encontrar nos habitats de água doce. Estes incluem
cursos de água, como regatos, ribeiras e rios, mas
um pouco também ambientes de água parada, como lagoas,
de vocabulário charcos, pântanos e albufeiras. Num sentido mais
alargado, podem até englobar meios aquáticos
barbilhos: pequenos bastante episódicos, como pequenas poças de água
prolongamentos da pele do queixo
que se formam em árvores ocas ou em goteiras
(ou da boca) de alguns peixes.
entupidas.
enriquecimento da água: aumento
do teor de nutrientes (como
• A velocidade de escoamento das águas consti-
o azoto e o fósforo), devido a
influência externa – por exemplo, tui, por isso, um fator muito importante para a
através da descarga de detritos apreciação destes meios aquáticos.
ou da penetração de adubos
(químicos). • A natureza do leito (arenoso, lamacento ou
ecossistema: conjunto de pedregoso), o grau de acidez ou pH, a riqueza
organismos e de fatores físicos em em substâncias nutritivas (teor de minerais
permanente interação. dissolvidos) e a percentagem de impurezas
habitat: local onde vive uma também têm de ser levados em consideração.
determinada espécie animal ou No conjunto, estes fatores determinam as varie-
vegetal. Cada espécie tem o seu dades de plantas e de animais que se podem
habitat próprio.
encontrar num determinado meio. Note-se
hemoglobina: pigmento vermelho também que, num mesmo meio, pode haver
do sangue, que permite ligar o habitats muito diferentes. Por exemplo: numa
oxigénio.
curva de um rio, a corrente é mais rápida e as
leito: fundo de um curso de água. águas são mais profundas na parte externa do
sifão: tubo que liga a parte interna que na parte interna. É na parte interna que se
de um mexilhão ao mundo exterior vão depositando os sedimentos, criando, dessa
(possibilitando a respiração, a forma, condições adequadas para a subsistência
ingestão de alimentos, a excreção, de espécies diferentes das que se encontram
etc.).
noutras zonas do rio. Também a vegetação
tentáculos (nos caracóis e nas influencia, de modo decisivo, os fatores de
lesmas): excrescências retráteis, escoamento e o grau de acidez da água. Como
situadas na cabeça (vulgarmente
designadas por “corninhos” ou em qualquer ecossistema (veja Um pouco de
“pauzinhos”). vocabulário, na coluna da esquerda), existe
na água uma interação permanente entre os
traqueia: tubo respiratório nos
vertebrados. organismos vivos e o meio.

valva: peça ou cada uma das


• As plantas e os animais aquáticos dependem
peças de natureza calcária que
constituem a concha de alguns das qualidades físicas e químicas da água em que
animais, como os mexilhões, vivem. Inversamente, a presença ou a ausência de
as ostras, etc. certas plantas ou animais constitui uma espécie
Nas páginas anteriores: truta

148
A
ANIMAIS DE ÁGUA DOCE

de “barómetro” da qualidade da água, sobretudo no que diz res-


peito à poluição.

Os lagos, os charcos e os pauis, tudo meios de reduzida movimen-


tação da água, têm em comum o facto de o leito ser lamacento ou
arenoso. Além disso, graças à matéria orgânica que, aos poucos,
vai escorrendo dos campos vizinhos para a água, costumam ser
ricos em nutrientes, e, portanto, também em plantas e animais.
No entanto, quando em excesso, estes nutrientes são altamente
prejudiciais, já que levam ao aumento exponencial de algas e plan-
tas, que consomem o oxigénio da água, acabando por “matá-la”.
Pelo contrário, os ribeiros de corrente mais rápida oferecem condi-
ções de vida muito mais exigentes, sobretudo para os invertebrados,
de modo que apenas algumas espécies conseguiram adaptar-se
a esses meios. A maioria esconde-se sob as pedras, para não ser
levada pela corrente. Trata-se, quase sempre, de espécies que
apenas se dão bem em locais onde a água seja muito pura e rica
em oxigénio.

Os peixes
Os únicos vertebrados a que nos referiremos neste capítulo são
os peixes, já que os mamíferos, as aves, os répteis e os anfíbios
que vivem em água doce foram abordados nos capítulos 2 a 4.
A maioria dos peixes de água doce é extremamente rápida e
difícil de observar; geralmente, apenas é possível vislumbrá-los
enquanto deslizam, com a velocidade de um relâmpago, sob a
superfície da água ou saltando ao sol durante uma fração de
segundo.

Enguias
Distinguem-se facilmente dos outros peixes dos rios, por serem
compridas e alongadas. As fêmeas são maiores do que os machos:
estes não ultrapassam, regra geral, 50 centímetros de compri-
mento, enquanto as fêmeas podem ter mais de um metro. Vivem
em rios e lagos e alimentam-se de larvas de insetos, crustáceos e
peixes mortos. O comportamento das enguias é curioso: quanto
atingem a idade adulta, encaminham-se para o mar dos Sargaços,
perto das Bermudas, no oceano Atlântico; aí, as fêmeas põem os

149
A
PORTUGAL NATURAL II

ovos e nunca mais voltam; logo que nascem, as


larvas iniciam a longa viagem que as levará às
costas europeias. É quase no fim do seu percurso,
quando já se encontram a subir os rios, que muitas
dessas larvas (também chamadas meixões) cos-
tumam ser apanhadas pelos pescadores. Alguns
anos depois, as sobreviventes voltarão ao ponto
de partida, a fim de procriarem. A pesca furtiva
e a progressiva compartimentação dos rios com
açudes e barragens têm levado à regressão da
espécie a nível nacional.

Curiosamente, também, as enguias são dos poucos


peixes que conseguem passar um tempo consi-
derável fora de água. Devem essa capacidade ao
Enguia facto de terem uma pele grossa e uma abertura
branquial reduzida, o que evita a dessecação rápida.

Trutas e salmões
As trutas e os salmões pertencem à mesma família e vivem tanto
em águas salgadas como doces. A truta-marisca, que é do mesmo
tamanho do salmão — ambos podem atingir cerca de metro e
meio —, pode confundir-se facilmente com este; no entanto,
a barbatana da cauda do salmão é profundamente bifurcada,

Salmão

150
A
ANIMAIS DE ÁGUA DOCE

enquanto a da truta é pouco bifurcada e pode até


ser direita. A truta-de-rio é bastante mais pequena
do que as espécies anteriores: normalmente, não
vai além dos 25 centímetros de comprimento.
Como o nome indica, frequenta apenas águas
doces. Encontra-se no Centro e no Norte do
país, vivendo, sobretudo, no troço superior dos
rios. Costuma abrigar-se entre pedras e raízes e
alimenta-se de pequenos peixes e de larvas de
insetos. O salmão e a truta-marisca são espécies
pouco abundantes em Portugal, criticamente em
perigo de extinção, ao passo que a truta-de-rio
é ainda relativamente frequente.

A verdemã
Vive nas águas claras de ribeiros e de rios pouco
profundos, mas mostra alguma preferência pelos
fundos pedregosos e de vegetação abundante. É Truta (Salmo trutta)
um peixe pequeno — não mede mais de 12 cen-
tímetros — e o corpo é alongado e achatado lateralmente. A boca
também é pequena e dela partem seis barbilhos curtos (veja Um
pouco de vocabulário, na página 148) que fazem lembrar os bigo-
des dos gatos. Tem hábitos noturnos e alimenta-se de pequenos
crustáceos e vermes.

Barbos, bogas,
escalos e bordalos
Pertencentes à principal família de peixes de água doce do mundo
— os ciprinídeos —, o barbo, a boga, o escalo e o bordalo são espécies
bastante abundantes. Encontram-se por todo o país e frequen-
tam rios e lagos, alimentando-se de invertebrados e suas larvas e,
nalguns casos, de pequenos peixes. O maior de todos é o barbo,
que chega a ter um metro de comprimento. É o único que possui
barbilhos na boca, o que o distingue das três espécies citadas e o
aproxima da verdemã, de que falámos anteriormente. No entanto,
a confusão com esta última espécie é impossível, quanto mais não
fosse pelo tamanho, já que a verdemã é um peixe pequeníssimo.
No extremo oposto ao do barbo, encontra-se o bordalo, que rara-
mente atinge 15 centímetros.

151
A
PORTUGAL NATURAL II

Tal como o escalo, frequenta quase todos os rios


do país. Este último, porém, é um pouco maior:
o seu tamanho anda entre 20 e 40 centímetros
de comprimento. Finalmente, a boga gosta de
troços de rio onde o leito seja largo e o fundo
arenoso. Normalmente, não tem mais de 25 cen-
tímetros. Alimenta-se de alguns insetos, larvas
e pequenas algas. Em Portugal, existem duas
espécies distintas, uma que frequenta apenas
os rios Mira e Guadiana e outra que se pode
Bordalo, um pequeno peixe encontrar no resto do país.
presente por todo o país

Lampreias
As lampreias distinguem-se de todas as espécies já mencionadas.
São os vertebrados mais primitivos que se conhece. Ao contrário
dos demais, não têm mandíbulas. O nome do
grupo a que pertencem (os ciclóstomos), prove-
niente do grego (kúklos, círculo + stóma, boca),
significa “boca redonda”. Esta parece-se com uma
ventosa e encontra-se munida de dentes fortes,
que as lampreias usam para atacar outros peixes.

• Entre nós existem três tipos de lampreias.


A lampreia-de-rio e a lampreia-de-riacho são muito
pouco frequentes, com uma distribuição muito
fragmentada, cuja extensão conjunta não atinge
os 30 quilómetros quadrados, pelo que estão pra-
ticamente em perigo de extinção. Distinguem-se
da lampreia-marinha pelo tamanho — raramente
ultrapassam 50 centímetros — e pelas cores, que
variam entre o cinzento e o castanho-esverdeado,
Lampreia no dorso, e o branco e o amarelado, no ventre.

• Finalmente, a lampreia-marinha, que é a espécie utilizada no


famoso “arroz de lampreia”, é bastante mais frequente. Existe
em diversos rios a norte do Sado; no entanto, a pesca intensiva
a que tem sido sujeita, bem como a degradação dos seus habi-
tats (devida, por exemplo, à construção de barragens), têm-na
transformado numa espécie vulnerável. As suas dimensões atin-
gem quase o dobro das da lampreia-de-rio. É verde-azeitona ou
amarela, mas salpicada de preto no dorso. As larvas são cegas e

152
A
ANIMAIS DE ÁGUA DOCE

não têm dentes. Tal como as enguias e os salmões, as lampreias


são espécies migradoras. Põem os ovos no fundo dos rios, onde
também vivem as larvas durante cinco anos, antes de migrarem
para o mar. Quando atingem a idade adulta, chegada a época da
reprodução, iniciam a “Grande Marcha”, que as levará de volta
ao leito dos rios, onde ocorrerá a desova.

Peixes imigrantes
Existem nos nossos rios e lagos algumas espécies de peixes que
foram introduzidas e, portanto, não são naturais do nosso país.
Muitos deles, porém, adaptaram-se bastante bem, quer por tole-
rarem condições ambientais mais adversas quer por não possuí-
rem predadores naturais, e hoje são até mais frequentes do que
algumas espécies espontâneas. Além da degradação do habitat,
a introdução de espécies exóticas é um dos principais responsáveis
pela perda de biodiversidade nestes ecossistemas.
Gambúsias
• A gambúsia, por exemplo, foi
introduzida na Europa, primeiro
com finalidades ornamentais e,
depois, para a luta contra as larvas
dos mosquitos transmissores de
malária, já que se trata de uma
terrível predadora. No entanto,
como também se alimenta de
larvas de outros peixes e, por
vezes, até dos próprios filhos,
esta espécie pode provocar graves
estragos e atingir proporções de
verdadeira praga. Encontra-se em
todo o país, à exceção de alguns
rios do Noroeste. É um peixe muito pequeno, pois não tem mais
de cinco centímetros de comprimento.

• Igualmente vorazes, mas muito maiores (mais de 60 centímetros),


os achigãs, oriundos da América do Norte, foram introduzidos
para tornar a pesca mais atrativa, sendo muito apreciados pelos
pescadores de rio. É uma espécie carnívora que se alimenta essen-
cialmente de outros peixes, mas pode consumir crustáceos, anfíbios,
pequenos mamíferos e moluscos. Os achigãs esperam calmamente,
quase imobilizados, as suas presas, e quando chega a oportunidade

153
A
PORTUGAL NATURAL II

de atacar, fazem-no com grande


rapidez. Preferem as lagoas de
água tépida e os rios de correntes
lentas, mas também suportam
águas turvas e até alguma polui-
ção. Encontram-se distribuídos
por quase todo o país.

• Finalmente, a perca-sol é outra


imigrante americana que rapida-
Achigã, uma espécie de grande voracidade mente conquistou os rios e lagos
do Centro e Sul da Europa. É um
peixe relativamente pequeno, já
que só muito raramente atinge
30 centímetros de comprimento,
e que se alimenta, preferencial-
mente, de insetos, crustáceos,
ovos e pequenos peixes. Apesar
de só ter sido introduzida em
Portugal no final dos anos 1970,
atualmente encontra-se presente
em todas as bacias hidrográficas,
Perca-sol nas zonas de baixa corrente.

boa pescaria!
Para observar bem os peixes e os invertebrados de água doce, não
há alternativa: é preciso pescá-los. No entanto, a técnica a utilizar,
como é evidente, não é a dos pescadores “normais”…

Para começar, talvez seja melhor apanhar uma quantidade


considerável de plantas aquáticas e transpô-las para um aquário ou
outro tipo de recipiente adequado, com água.

Depois, para os peixes mais rápidos, utilize uma rede pequena,


munida de um cabo. Em cursos de água onde o leito seja arenoso
ou lamacento, ande com a rede de um lado para o outro, bem no
fundo e a contracorrente: desse modo, apanhará, também, todos
os organismos que aí se encontram. Investigue também os objetos
duros (pedras, madeira) ou, pelo menos, volte-os. Poderá encontrar
técnicas de pesca mais específicas em livros especializados.
Nem é preciso dizer que, depois de observar as suas presas,
deverá soltá-las!

154
A
ANIMAIS DE ÁGUA DOCE

Os caracóis aquáticos
Como vimos no capítulo 1 (veja a partir da página 8), os caracóis
pertencem à classe dos gastrópodes. A maioria destes respira através
de pulmões, mas, em meio aquático, existem também algumas
espécies que respiram por brânquias. Isto permite-lhes subsistir
mesmo em águas relativamente profundas. Possuem no dorso uma
espécie de prega de pele, o opérculo, que se fecha quando, por
alguma razão, existe risco de secura ou de outro tipo de perigo
para a sua sobrevivência.

•  Os caracóis pulmonados possuem apenas um pulmão, ou seja,


uma espécie de câmara de ar, cheia de sangue, que contacta com
o mundo exterior através de uma pequena abertura. Dessa forma,
respiram o ar que se encontra à superfície. O oxigénio também
pode ser absorvido através da pele, mas esse mecanismo é ape- Postura de caracol
nas acessório. Os ovos são postos numa massa aquático
gelatinosa transparente, que adere às plantas
aquáticas ou às pedras. Passadas duas a cinco
semanas — tudo depende da temperatura da
água —, os novos caracolinhos saem dos ovos.
A maioria dos nossos gastrópodes de água doce
pertence a este grupo.

• Os caracóis dos géneros Stagnicola e Galba


possuem concha em espiral cónica e tentácu-
los triangulares e achatados. Alimentam-se de
pequenas algas e de algumas plantas aquáticas
ou de pequenos animais mortos. O Stagnicola
palustris é dos mais frequentes. A concha é cas-
tanho-escura e comprida. Vive quase sempre
sobre plantas aquáticas, mas, por vezes, aparece
à superfície, agarrado a uma fina camada de baba.
Suporta bem tanto a poluição como o enrique-
cimento da água (veja Um pouco de vocabulário,
na página 148). Além disso, em épocas de seca,
pode sobreviver muito tempo, enfiando-se na
lama e fechando a concha.

• Por sua vez, os caracóis do género Planorbarius


habitam, de preferência, as águas com muita
vegetação e alimentam-se de plantas aquáticas
altas. Todas as espécies possuem concha em Radix peregra, um caracol aquático

155
A
PORTUGAL NATURAL II

espiral arredondada e tentáculos longos e esguios.


Normalmente, são de pequena envergadura e
difíceis de identificar. No entanto, o Planorbarius,
que é o maior de todos — a concha pode ter
entre 25 e 35 milímetros de diâmetro — e uma
das espécies mais comuns, reconhece-se com
facilidade: a concha é castanho-escura e o corpo
é da mesma cor ou vermelho. A cabeça e o corpo
são pequenos, sobretudo se tivermos em conta
as dimensões da concha.

Os mexilhões
Em Portugal existem seis espécies de mexilhões
Um Planorbarius de água doce, recebendo todos, indiscriminada-
corneus
mente, o nome de mexilhão-de-rio ou náiades.
Possuem uma concha composta por duas valvas
(veja Um pouco de vocabulário, na página 148),
unidas por um ligamento elástico que mantém
Mexilhão-de-rio aberta uma pequena fenda entre elas. A concha
fecha-se graças a dois grandes músculos internos,
o que requer uma boa dose de energia por parte
do mexilhão. Por isso, em condições normais,
as duas valvas estão sempre ligeiramente abertas.
O contacto com o mundo exterior estabelece-se
através de um ou dois sifões (veja também em Um
pouco de vocabulário), que aspiram o oxigénio da
água. É também graças aos sifões que pequenos
animais unicelulares e algas, presentes na água,
são levados até ao estômago, servindo assim de
alimento. De igual modo, todas as impurezas são
evacuadas através de um sifão.

• A espécie Anodonta cygnea vive nas zonas mais


profundas de rios e valas e, portanto, não se apa-
nha facilmente. As valvas são grandes (podem
atingir 18 centímetros de comprimento) e simé-
tricas, estriadas na face exterior e com tons que
andam entre o cinzento e o esverdeado. Pode
encontrar-se apenas nas lagoas da Barrinha, Mira
e Fermentelos.

156
A
ANIMAIS DE ÁGUA DOCE

• A espécie Margaritifera margaritifera é mais


pequena do que a anterior (11 centímetros, no
máximo), a concha, negra, rugosa e iridescente
(reflete as cores do arco-íris). E tem a capacidade
de produzir pérolas! Estas características levaram
a que esta espécie, outrora muito abundante, fosse
sobre-explorada à exaustão. Após ter sido dada
como extinta em Portugal, voltou a ser redesco-
berta em cinco rios do Norte do país.

• O Unio delphinus, é, talvez, a espécie mais comum.


Vive enterrado na areia ou no lodo, normalmente
nas zonas mais profundas dos rios. A concha,
clara no centro e escura nos bordos, é alongada e
bastante sólida. Pode encontrar-se em quase todos
os rios do país. As restantes espécies, Unio crassus,
Potomida littoralis e Anotonda anatina, têm dis-
tribuições e abundâncias localizadas, mas todas
se encontram ameaçadas.

Os crustáceos
Os crustáceos de água doce nem sempre se pare-
cem com os que se veem nos restaurantes. Mesmo
assim são fáceis de reconhecer, graças à carapaça
dura que lhes envolve o corpo e às numerosas
patas (mais de quatro pares). Os camarões, as
gambas, os caranguejos e os bichos-de-conta Dáfnia ou pulga-
aquáticos são crustáceos. Em água doce, vivem, -d’água
sobretudo, espécies de dimensões inferiores a
cinco milímetros. Constituem o alimento de base
de numerosos insetos e suas larvas e de peque-
nos peixes.

• As pulgas-d’água, semelhantes a pequenos pontos


móveis que se veem sobre a água, nadam com
as antenas e mexem-se de um lado para o outro,
quase como se dançassem. Não têm mais de dois
milímetros. Reproduzem-se de forma assexuada: os
ovos não precisam de ser fecundados. De acordo
com um ciclo bem determinado e quando as

157
A
PORTUGAL NATURAL II

circunstâncias são desfavoráveis (seca, falta de alimento…), as


fêmeas geram descendentes masculinos.

• Os copépodes são um outro grupo de crustáceos aquáticos,


a que pertencem os ciclopes. Estes pequenos animais deslocam-
-se de forma brusca e sempre em linha reta. Transportam os ovos
em sacos situados de ambos os lados da cauda.

• Os bichos-de-conta aquáticos, que são animais marinhos,


também têm um parente de água doce, o Asellus aquaticus.
Encontra-se, sobretudo, em águas estagnadas, ricas em detritos
orgânicos, com os quais “enche a barriga” como se fosse uma
espécie de aspirador de detritos! Mede entre 18 e 25 milímetros
e possui vários pares de patas, algumas delas transformadas em
barbatanas.

• O camarão-d’água-doce é achatado nos lados e vive em águas


correntes. Nada de lado, vergando e endireitando alternada-
mente o corpo. Alimenta-se de restos de animais e de plantas
e encontra-se, sobretudo, em águas ricas em oxigénio ou leve-
mente salgadas.

• Existem também, entre nós, duas espécies de lagostins de água


doce. Uma delas, a que se chama lagostim-vermelho-do-Louisiana,
apareceu no nosso país nos finais dos anos de 1970, vinda de
Espanha, onde tinha sido introduzida com fins comerciais. Tem
grande capacidade de reprodução, o que levou a que o seu número
tenha assumido proporções de verdadeira praga, ocupando já toda
a extensão do território nacional. É uma espécie muito agressiva
e vigorosa, predador de invertebrados, anfíbios e peixes, e pode
provocar grandes estragos, sobretudo nos arrozais, devido à sua
atividade escavadora.

A outra espécie, autóctone, é conhecida sob a designação de


lagostim-de-patas-brancas. Vive em águas pouco profundas ou
de corrente fraca, mas sempre bem oxigenadas. Durante o dia,
costuma esconder-se sob pedras ou raízes de árvores; à noite,
caça. É um animal de cor escura, verde-azeitona, com manchas
que se distinguem facilmente. No entanto, as pinças são esbran-
quiçadas na parte inferior, o que justifica a designação acima refe-
rida. Atualmente, esta espécie é muito menos frequente do que o
lagostim-vermelho e surge apenas nalgumas ribeiras do Norte do
país, sendo expectável a sua extinção a curto prazo.

158
A
ANIMAIS DE ÁGUA DOCE

As minhocas e as sanguessugas
A maioria das minhocas de água é pequena e leva uma vida dis-
creta, enterrada no leito dos cursos de água. As pertencentes ao
grupo dos tubícolas, por exemplo, vivem com a cabeça escondida
e ingerem lama continuamente. Os elementos nutritivos são dige-
ridos no intestino, e o resto é
lançado para a água, através do
ânus. A parte posterior fica fora
da lama e move-se sem parar, para
renovar a água à volta. As espécies
tubícolas vivem, muitas vezes,
na companhia de larvas verme-
lhas de mosquitos (veja adiante),
em águas poluídas e pobres em
oxigénio. Tal como nós, sinteti-
zam hemoglobina, que tem um
enorme poder de oxigenação,
o que lhes permite viver num
ambiente tão pobre. Sanguessuga

• As sanguessugas são achatadas


e possuem uma ventosa na parte
traseira e outra, mais pequena,
na boca, que usam não só para
sugar o sangue das presas mas
também para se deslocarem. Só a
Hirudo medicinalis, antigamente
utilizada com fins terapêuti-
cos, suga o sangue do homem.
As outras espécies parasitam aves
aquáticas, peixes e anfíbios inver-
tebrados, especialmente gastró-
podes de água doce, que sugam Carpa parasitada por
sanguessuga
até à morte. Algumas chegam a
engolir as presas, enquanto outras podem ficar sem comer durante
dois anos. As sanguessugas são hermafroditas e prendem os ovos,
enclausurados numa espécie de casulo, a todo o género de objetos.

A sanguessuga-comum pode atingir 15 centímetros de comprimento.


Muito voraz, ataca caracóis e lesmas, insetos, minhocas, girinos
e até outras sanguessugas. Pode engolir as presas, mas, caso seja
necessário, fá-las em pedaços…

159
A
PORTUGAL NATURAL II

Aranha-d’água As aranhas
aquáticas
Quando pensamos em aranhas,
associamo-las com muito mais
facilidade aos cantos das casas
do que a lagos ou pântanos.
No entanto, é aí que se pode
encontrar a aranha-d’água. Esta
espécie vive quase todo o tempo
debaixo de água e nada perfei-
tamente — o que constitui uma
adaptação única no mundo das
aranhas. Constrói uma espécie
de campânula de seda entre as
plantas aquáticas, utilizando a sua
teia. Durante a execução desse
trabalho, vem regularmente à
tona de água, a fim de levar ar
fresco entre os pelos do corpo. Depois, introduz o ar na campânula,
com a ajuda das patas. Dessa forma, pode ficar lá durante algum
tempo, respirando sem problemas enquanto aguarda a sua presa
(muitas vezes um pequeno peixe).

Os escaravelhos aquáticos
Estes pequenos animais reconhecem-se facilmente, como os demais
escaravelhos, pelo facto de terem as asas dianteiras transformadas
em carapaças, antenas bem visíveis e corpo arredondado.

• A espécie mais conhecida é, certamente, o escaravelho-d’água, que


pode atingir cinco centímetros de comprimento. É um predador
muito voraz, que se alimenta de invertebrados, peixes pequenos,
girinos e salamandras. Injeta na vítima um líquido digestivo para,
de seguida, a esvaziar completamente por sucção. É um excelente
nadador: as patas traseiras têm forma de remos e possuem pelos
longos que aumentam, ainda mais, a sua eficácia. Quando as condi-
ções de vida se degradam (devido à falta de alimento, por exemplo),
os escaravelhos-d’água voam durante a noite, em busca de outros
locais de caça. As crias, tão vorazes como os progenitores, podem

160
A
ANIMAIS DE ÁGUA DOCE

atacar até os seus semelhantes. Essas larvas, ainda


incapazes de nadar bem, enterram-se no fundo
das águas, entre as plantas aquáticas. Sobem com
alguma regularidade à tona de água, para aspirar
o ar através de duas aberturas situadas na região
traseira. Os adultos, por sua vez, acumulam o ar
sob a carapaça, onde se encontra uma espécie
de condutas que o levam até à traqueia. Devido a
esta necessidade de oxigénio, esta espécie é muito
sensível a algumas formas de poluição da água.

• As espécies do género Gyrinus formam uma


segunda família importante dentro dos escara-
velhos aquáticos. Costumam ver-se a andar à
roda à tona de água. Movem-se propulsionando
alternadamente as patas, também perfeitamente
adaptadas ao meio aquático, e guardam o ar que
recolhem entre os pelos do ventre, de forma que, Escaravelho-d’água
quando vistos por baixo, parecem prateados. Para
captar o ar, põem fora de água as antenas, que têm a forma de
uma clava; depois, os pelos e as excrescências que as cobrem
empurram o ar para debaixo do corpo. Alimentam-se, principal-
mente, de algas, de plantas em decomposição e, eventualmente,
de pequenos animais mortos. As larvas são totalmente carnívoras.

Os percevejos de água
Os percevejos de água são, juntamente com os escaravelhos aquáti-
cos, os únicos insetos que passam a vida (do ovo até à idade adulta,
passando pela larva) em meio aquático. São fáceis de reconhecer,
porque — ao contrário da maioria dos outros insetos — têm antenas
muito curtas, que praticamente não se veem.

• Os alfaiates, que estão perfeitamente adaptados ao meio aquá-


tico, são uma espécie de patinadores. O corpo é alongado e
esguio e está protegido da humidade por meio de uma camada
de cera. O ventre está coberto de pelos que repelem a água. As
patas da frente, que são curtas, captam as mínimas vibrações da
água, avisando o alfaiate da presença de uma presa. Os outros
dois pares de patas são compridos. As patas do meio servem
para a propulsão à tona de água. Independentemente da espécie

161
A
PORTUGAL NATURAL II

ou do período do ano, podem encontrar-se alfaiates com asas


desenvolvidas, outros com asas mais curtas, outros sem asas.
No entanto, nem as espécies que possuem asas voam, porque
não têm músculos suficientemente desenvolvidos.

• Os corixídeos são herbívoros que “inspecionam” o fundo das águas,


à procura de alimento. Com as largas patas dianteiras, remexem
o lodo e dele retiram os detritos comestíveis. Levam uma vida
ativa e vêm regularmente à tona, para tomar ar. Transportam
essa reserva de ar numa bolsa que se encontra agarrada aos pelos.
Alguns machos, para seduzir as fêmeas, emitem sons esfregando
as patas anteriores nos flancos da cabeça. Apenas se conseguem
ouvir a dois ou três metros, mas, debaixo de água, o som propaga-
-se com mais facilidade.
Notonecta
• As notonectas são predadores sugadores que
podem infligir picadas dolorosas, semelhantes
às das vespas. Nadam de costas (ao contrário dos
corixídeos) e também descansam nessa posição,
conservando as patas contra a superfície da água.
Ao menor sinal de alerta, precipitam-se sobre
a vítima para a sugar “até ao tutano”, mesmo
quando se trata de insetos maiores do que elas
ou de girinos. Graças a órgãos muito sensíveis,
situados nas patas e nas partes do corpo que estão
em contacto com a água, as notonectas registam
e reconhecem as mínimas vibrações emitidas por
uma eventual presa. O que é notável é que nunca
confundem as vibrações provenientes de uma verdadeira presa
com as resultantes de uma gota de água que acabou de cair ou
as que tenham sido produzidas por um semelhante! Voam muito
facilmente e também escaparão, sem dificuldade de maior, se
tentar pô-las num aquário.

• O escorpião-d’água reconhece-se graças ao corpo achatado. As


patas da frente são muito desenvolvidas e servem para capturar
as presas. Possui um longo sifão respiratório na extremidade do
abdómen, que se assemelha a um ferrão comprido. Apesar de
assustador, este órgão é inofensivo, ao contrário da peça bucal
pontiaguda, que usa para sugar as presas e que pode infligir pica-
delas dolorosas. Para apanhar a presa, o escorpião-d’água aguarda,
imóvel, que aquela esteja ao seu alcance; então, agarra-a com força
e suga-a completamente.

162
A
ANIMAIS DE ÁGUA DOCE

a tensão superficial das águas


Os alfaiates andam, literalmente, sobre as pouco de detergente, a agulha também
águas. As notonectas e algumas larvas ficam se afundará. Isso acontece porque o
de cabeça para baixo, junto à superfície da detergente vem perturbar a tensão
água. Este comportamento, aparentemente superficial que servia de apoio à agulha.
mágico, explica-se pela tensão que se É por isso que a poluição das águas de
exerce na superfície das águas e mais não superfície, causada pelos detergentes,
é do que a força de atração das moléculas também contribui para a rarefação
na camada superficial de qualquer líquido. de algumas espécies animais.
É devido a essa força de atração que os
líquidos têm tendência para formar gotas.
Fazendo a pequena experiência que a
seguir sugerimos, dar-se-á conta não só
da existência da tensão superficial mas
também da delicadeza desse mecanismo.

Encha um prato fundo com água. Coloque


nela, com cuidado, um papel mata-borrão
com uma agulha em cima e deixe-os
boiar. Pouco a pouco, o mata-borrão
vai absorvendo a água e afundando-se,
enquanto a agulha continua a flutuar. Se,
nessa altura, polvilhar a água com um Alfaiate

As larvas de insetos
Larva de libélula a alimentar-se
Um grande número de insetos passa a vida na água de larva de tritão
quando se encontra no estado de larva. É o caso, por
exemplo, das libélulas, das efémeras, das moscas, dos
mosquitos, dos moscardos e das melgas. As espécies
são numerosas e difíceis de distinguir.

• As larvas das libélulas são temíveis caçadoras com


cabeça pentagonal. Têm uma armadura bucal que
termina numa espécie de espinhos. Quando avistam
uma presa, atiram a armadura bucal para a frente,
agarrando-a com a ajuda dos espinhos. Deslocam-se
através de pequenos movimentos bruscos, expelindo
para trás a água acumulada no reto. Vivem escondidas
nas plantas ou pedras ou enterradas no lodo. Antes
da muda, as larvas saem da água. Depois surge o
inseto adulto.

163
A
PORTUGAL NATURAL II

• As larvas das efémeras reconhecem-se por pos-


suírem três longas caudas (os cercos), e pelas seis
ou sete brânquias implantadas no abdómen. Essas
brânquias estão sempre em movimento para captar
o oxigénio da água; em água pouco oxigenada, o
movimento é rápido. São herbívoras. Os peixes,
assim como a toupeira-d’água, apreciam-nas bas-
tante. Algumas espécies vivem enterradas no lodo,
outras escondem-se entre as plantas aquáticas.
Algumas apenas se dão em águas correntes puras
e ricas em oxigénio. Graças ao corpo achatado e
Larva de efémera às brânquias móveis, resistem à força da corrente.

Estas larvas têm duas mudas antes de atingirem o estado adulto. As


efémeras adultas possuem três caudas longas e patas muito finas.
Voam em grupos numerosos acima da superfície das águas, mas
só vivem o tempo necessário para pôr os ovos, ou seja, apenas
algumas horas. Daí vem o seu nome. As larvas vivem três anos.

• As larvas das moscas-da-pedra só sobrevivem em meios aquáticos


puros e bem oxigenados. A sua presença é sinal de boa qualidade
das águas (veja a caixa A tensão superficial das águas, na página
anterior). São uma importante fonte de alimento para as trutas e
para outros peixes dos rios e ribeiros. Parecem-se com as larvas
das efémeras, mas têm só duas caudas e não têm brânquias no
abdómen. O corpo é achatado e vivem a maior parte do tempo sob
as pedras. Alimentam-se de larvas de efémeras e de outras presas.
O animal adulto é uma mosca castanha e discreta.

• A maioria das larvas das moscas-d’água envolve o corpo mole


numa espécie de tubo, feito de grãos de areia, fragmentos de plan-
tas ou conchas vazias. A cabeça e as patas ficam, normalmente,
Larva de melga fora do tubo, mas podem esconder-se nele em
caso de perigo. A água escorre continuamente
por dentro do tubo, para permitir a respiração.
A presença destas larvas também é sinal de boa
qualidade da água.

• As larvas dos banais mosquitos proliferam nas águas


estagnadas, em bidões cheios de água da chuva,
goteiras entupidas, etc. À mínima perturbação,
fogem para o fundo, mas, como têm de respirar,
voltam à superfície. Normalmente, passam a maior

164
A
ANIMAIS DE ÁGUA DOCE

parte do tempo “suspensas” na água, onde aspiram o ar graças


a uma espécie de traqueia situada no abdómen. Existem larvas
negras, vermelhas, verdes e brancas. Todas se mantêm imóveis
à superfície da água e se alimentam de insetos e de crustáceos.
Nas águas poluídas, as larvas vermelhas são, praticamente, os únicos
insetos existentes.

Se quiser saber mais


Onde ir e em que época?
Pode ir a todos os lugares onde possa encontrar águas doces, como
é evidente. Mas nem todas as águas servem; a poluição suprime a
vida animal, como se sabe, e o nosso pequeno país possui já algumas
regiões bastante “ricas” em águas poluídas. Portanto, é necessário
procurar lagos, rios e ribeiros ainda relativamente puros… O ideal
é procurar estas espécies na primavera e no verão, porque é nessa
altura que tanto as larvas como os adultos estão mais ativos.

Tenha em conta que…


Para poder observar estes pequenos animais, poderá precisar de os
capturar com uma rede e de os guardar num recipiente apropriado
ou num aquário. Mas não se esqueça de voltar a devolvê-los ao
ambiente natural (veja também a caixa Boa pescaria!, na página 154).

Como rede, arranje um passador de cozinha e aproveite apenas a


armação. Fixe-a a uma vara comprida ou, à falta dela, a um cabo
de vassoura. Faça uma rede com um tecido fino de cortinado (que
seja sólido o bastante para suportar o peso da água), que deverá
coser, firmemente, à armação do passador. Se não tiver passador,
também pode enrolar a rede à volta de um arame que poderá fixar,
depois, à extremidade da vara.

Quanto ao recipiente, escolha um que não seja demasiado profundo:


um prato, por exemplo, ou uma bacia — brancos, de preferência.
Coloque nele a sua presa e encha-o de água. Se possível, observe
o animal com uma lupa de boa qualidade (por exemplo, com
aumento de 10 ou 12 vezes).

165
CAPÍTULO 6
Os sinais da
presença de animais
A
PORTUGAL NATURAL II

Sabemos que os índios eram mestres nessa arte,


os nossos antepassados longínquos provavelmente
também o eram e é possível que os nossos avós
ainda percebessem um pouco do assunto… De que
estamos a falar, afinal?

Da capacidade de “ler” os sinais que os animais


deixam na natureza. Como muitos deles se
escondem, logo que se apercebem da presença
do homem, só esses sinais testemunham a sua
presença. E, apesar de já não termos necessidade
de seguir as pegadas de um determinado animal
para garantir a nossa sobrevivência, a verdade é
que essa é a única possibilidade de surpreender-
mos um toirão ou uma raposa, por exemplo, no
seu ambiente natural, já que se trata de animais
noturnos e, além disso, muito esquivos.
Toca de raposa
Mas os vestígios que podemos encontrar não são
apenas sinais da presença deste ou daquele animal.
Também nos podem ensinar muitas coisas sobre
o seu modo de vida: a dimensão do território que
um pouco de
costumam frequentar, a composição das refeições,
vocabulário a localização da toca ou do ninho, etc.
latrina: aglomeração de dejetos
deixados por animais da mesma A gama de vestígios significativos — desde o simples
espécie. rasto ao ninho mais elaborado, passando pelos
membrana interdigital: porção de alimentos roídos ou picados — é tão extensa que,
pele que une os dedos das patas com o espaço de que dispomos nas páginas deste
de alguns animais.
livro, apenas poderemos despertar o seu interesse
pegada: marca deixada por um para esse facto. Neste caso, como é evidente, a
determinado animal ao andar. nossa prioridade vai para os vestígios dos animais
rede de galerias: conjunto de que mais raramente se deixam ver (como alguns
túneis que unem várias câmaras, mamíferos) e não nos demoraremos sobre os sinais
com diversas saídas e entradas. da presença de um pardal, por exemplo, já que
território: numa determinada quase todos os dias podemos ver um. Obviamente,
zona, área na qual um animal nada impede o leitor de consultar obras especia-
(e a sua “família”) se mantém e lizadas, a fim de completar estas informações,
que protege contra os intrusos
da mesma espécie.
forçosamente elementares no âmbito de um guia
como este. Isso não quer dizer, no entanto, que
trilho: caminho geralmente tais informações sejam inúteis e que não o possam
seguido por um determinado
animal. ajudar a adquirir alguma experiência.

Nas páginas anteriores: pegadas de lobo

168
A
OS SINAIS DA PRESENÇA DE ANIMAIS

Existem cinco grandes tipos de sinais da presença


de animais:
— os dejetos;
— as pegadas;
— as regurgitações de aves;
— as marcas de ocupação;
— os vestígios de refeições.

Os dejetos
Apesar de, à primeira vista, serem muito desa-
gradáveis, os dejetos podem ensinar-nos mui-
tas coisas. Seja qual for o nome que se lhes dê
— dejetos, excrementos ou mesmo “caganitas” —,
a verdade é que permitem detetar, com elevado
grau de certeza, a presença de algumas espécies,
porque são utilizados, muitas vezes, para demarcar

DE QUEM É ESTE “COCÓ”?

Cabra Coelho Gafanhoto

Ovelha Perdiz Raposa

169
A
PORTUGAL NATURAL II

o território que lhes pertence (é também o que faz o gato doméstico


quando deixa atrás de si vestígios olfativos). Além disso, o con-
teúdo dos dejetos também permite reconstituir a dieta do animal
em questão, apesar de essa dieta variar — mesmo dentro de uma
determinada espécie — de acordo com as épocas.

• Os animais mais pequenos, como é evidente, produzem os excre-


mentos de menor tamanho. É o caso dos musaranhos e dos morcegos.
Ambos são insetívoros, e os seus excrementos finos e pontiagudos,
que não têm mais de dois ou três milímetros de comprimento, são
constituídos, essencialmente, por restos das carapaças de insetos.

• Na categoria a seguir, em termos de tamanho, devem incluir-se


os dejetos dos ratos. Geralmente, são cilíndricos e de cor verde ou
castanha. Os excrementos do rato-caseiro, por exemplo, medem
cerca de seis milímetros de comprimento e, muitas vezes, são
deixados no mesmo lugar, como forma de demarcação do terri-
tório. Mas também é verdade que esta espécie se denuncia mais
facilmente pelas (muitas) coisas que rói do que pela forma e loca-
lização dos seus excrementos.

• Os dejetos sistematicamente deixados no mesmo local consti-


tuem um fenómeno característico da presença do coelho e da
lebre. Os excrementos do coelho são esféricos e medem cerca de
dez milímetros de diâmetro; os da lebre têm quase o dobro do
tamanho e são um pouco mais achatados. Em ambas as espécies,
a cor depende dos alimentos ingeridos.

Por vezes não


é possível distinguir
• Os excrementos em forma de rolha do corço são aproximadamente
uma forma específica do mesmo tamanho. São relativamente pequenos (se tivermos
nos dejetos nem saber
a que espécie dizem
em conta o tamanho do animal), cilíndricos e bastante caracte-
respeito rísticos: pontiagudos de um lado, ligeiramente
metidos para dentro do outro. Geralmente, mas
sobretudo no verão, encontram-se dispostos em
fila ou em pequenos montes. Quando frescos,
têm uma tonalidade entre o castanho-escuro e
o negro.

• Os excrementos dos carnívoros caracterizam-se por


serem muito pontiagudos numa das extremidades.
São compostos de pequenos fragmentos de ossos,
pelos, penas, carapaças de insetos e caroços de
frutos. O tamanho varia entre três centímetros,

170
A
OS SINAIS DA PRESENÇA DE ANIMAIS

na doninha, e 19 centímetros, no lince-ibérico; a cor vai do cinzento-


-claro ao negro. O cheiro é, também, um bom indicador da espécie.

De acordo com a estação e a região, pode acontecer que os dejetos


das raposas e dos texugos, por exemplo, sejam compostos, quase
exclusivamente, por caroços de cereja. Mesmo quando o carnívoro
come outros frutos — alguns são grandes apreciadores —, a cor das
bagas pode influenciar grandemente a cor dos excrementos. Grande
parte dos carnívoros tem uma acentuada tendência para depositar
os excrementos em latrinas, constituídas por pequenos montes de
excrementos, os quais são utilizados, muitas vezes, para a marca-
ção do território. Nas regiões onde a fuinha ainda é relativamente
comum, encontram-se, por vezes, enormes latrinas, nos sótãos dos
celeiros e até no alto de medas de palha. Por vezes, descobrem-se
também pequenos montes de cascas de ovos, ou até ovos inteiros,
que são um dos alimentos preferidos deste carnívoro. A geneta, por
sua vez, costuma constituir as suas latrinas no alto de zonas rochosas.
Atenção: por vezes, confundem-se alguns dejetos de carnívoros com
regurgitações de aves de rapina (veja adiante, na página 175). Por isso,
convém ter em conta que as regurgitações dessas aves são compos-
tas, exclusivamente, de pelos, ossos e crânios de animais. Têm uma
forma mais compacta, curta e arredondada, do que os excrementos
e nunca são retorcidas. Têm a superfície lisa e, quando frescas, quase
lustrosa. E, ao contrário dos dejetos dos carnívoros, não têm cheiro
intenso e desagradável, o que os distingue com alguma facilidade.

• Os dejetos de aves, répteis e anfíbios podem ser sólidos, semi-


líquidos ou até completamente líquidos. Por vezes, apresentam
uma zona mais clara, em muitos casos branca, constituída por
urina concentrada. Isso acontece porque estes animais expelem
a urina juntamente com as fezes, enquanto os mamíferos o fazem
separadamente.

No caso das aves carnívoras, como as águias, os excrementos são


quase totalmente líquidos, já que os elementos sólidos das suas
presas são regurgitados. Os dejetos das aves herbívoras são, regra
geral, mais sólidos. No caso das que se alimentam de sementes,
algumas destas são expelidas ainda inteiras, o que é útil para a
propagação de algumas espécies vegetais.

Tanto nas aves como nos répteis e anfíbios que se alimentam de


insetos, a presença, nos excrementos, de restos de carapaças e
asas é facilmente visível.

171
A
PORTUGAL NATURAL II

As pegadas
Para que seja possível identificar um animal com base nas suas pegadas,
é necessário que as circunstâncias ajudem. É impossível fazê-lo,
como é evidente, numa estrada alcatroada ou num caminho pedre-
goso. Mas, mesmo em situações aparentemente propícias, convém
desconfiar: as marcas deixadas na lama são, muitas vezes, incom-
pletas — distinguem-se mal — e as que se veem, embora raramente,
na neve também não são de confiança.

• No que diz respeito às aves, a tarefa não é nada fácil: há tantas
espécies que se podem incluir na mesma categoria por terem o
mesmo tamanho ou o mesmo tipo das patas, que poucas coisas
se podem dizer sobre isso. Uma pegada de uma ave aquática, por
exemplo, reconhece-se, quando bem formada, pelas membranas
interdigitais (palmuras) que unem os dedos do pé, ou pelos lobos
(saliências) que os rodeiam. As aves canoras, os pombos e outras
espécies que costumam contemplar o mundo do alto de uma
árvore ou de um arbusto têm, geralmente, um dedo posterior
(comparável ao nosso polegar) bastante forte, o que lhes permite
empoleirarem-se nos ramos.

As aves que passam a maior parte da sua vida no chão, como a


perdiz, não possuem esse dedo — ou, se o têm, está pouco desen-
volvido — e nas suas pegadas apenas se veem, portanto, os outros
três dedos, orientados para a frente.

A posição das pegadas indica, além disso, a forma como a ave se


desloca: caminhando (passo a passo), como o pombo, ou saltitando
(pares de pegadas), como o pardal.

• Nos mamíferos, as coisas são ainda mais complicadas. Neles,


a posição das pegadas depende da velocidade a que vai o ani-
mal: a passo, a trote ou a galope, a que se acrescenta, nalgumas
espécies, a movimentação através de saltos.

Um fator interessante dos rastos deixados por alguns mamíferos


é a constatação da existência de itinerários fixos, a que se chama
trilhos. Estes seguem sempre pelo caminho mais fácil que une os
lugares entre os quais o animal se desloca, o que não quer dizer,
necessariamente, que seja esse o caminho mais curto. Os mesmos
trilhos ou pequenos trechos de trilhos podem ser utilizados por
animais de espécies diferentes.

172
A
OS SINAIS DA PRESENÇA DE ANIMAIS

Quando lebres e coelhos se servem do mesmo trilho, é possível


distingui-los, graças à marca das patas traseiras, desde que esteja
completa. Na lebre, essa marca pode ter 15 centímetros, o que é
bastante mais do que os dez centímetros, no máximo, que podem
atingir as marcas do coelho.

Quando as lebres e os coelhos fogem, apenas ficam marcadas no


chão as partes dianteiras das patas, tanto das da frente como das
de trás. Mas, mesmo nesse caso, é possível distinguir as marcas,
porque as patas traseiras da lebre são muito mais possantes e largas
do que as do coelho (quatro a cinco contra dois a três centímetros).

• As pegadas dos carnívoros são espetaculares. O rasto de uma fuinha,


por exemplo, é parecido com o de um gato. A marca arredondada
da pata dianteira da fuinha (com cerca de cinco centímetros de
comprimento) permite distinguir, no entanto, cinco dedos, ao
passo que a do gato tem apenas quatro, já que o quinto dedo
é demasiado curto para deixar marcas no chão. Além disso, o
gato movimenta-se com as garras metidas para dentro, enquanto,
na fuinha, a marca das garras é facilmente visível.

• Na raposa, as marcas das patas


dianteiras e traseiras são relativa-
mente parecidas. O seu tamanho
(cinco centímetros) é comparável
às de um cão de estatura média.
E, tal como o cão, também a
raposa tem apenas quatro dedos
e garras curtas. A marca, perfei-
tamente simétrica, de uma pata
de raposa é esguia e mais com-
prida do que larga, com os dois
dedos do meio nitidamente mais
para a frente do que os outros
dois. No cão, o comprimento e
a largura das marcas são quase
iguais. A dimensão da almofa-
dinha central também ajuda a Pegada de raposa
distingui-las: no cão, a almofadinha central é muito maior do que
as almofadinhas dos quatro dedos. Na raposa, as cinco almofadi-
nhas são de tamanho quase idêntico. Se, além disso, as marcas
das garras dos dois dedos do meio estiverem voltadas para dentro,
não há dúvida: trata-se mesmo de uma raposa.

173
A
PORTUGAL NATURAL II

As marcas das patas do texugo são


maiores do que as da raposa, e as
suas patas, bastante largas — são
umas autênticas pás escavadoras!
—, deixam marcas muito espe-
ciais: cinco dedos quase paralelos,
garras compridas e uma larga
almofadinha central.

• As marcas dos ungulados, isto


é, dos mamíferos que possuem
cascos, não se confundem com
nenhumas outras. As marcas das
pegadas do corço são alongadas
e medem entre cinco e sete cen-
Pegada de texugo tímetros. Geralmente, apenas se
conseguem distinguir as marcas
do par de cascos verdadeiros (os maiores); as pequenas marcas
dos cascos secundários (que se encontram no prolongamento dos
anteriores) apenas ficam visíveis quando o animal se desloca a
grande velocidade ou em solos muito moles.

• No javali, pelo contrário, os cascos secundários (esporões),


que se encontram bastante afastados um do outro, ficam quase
sempre bem marcados em terrenos mais macios. Além disso,
os cascos verdadeiros são também mais curtos e largos do que
os do corço.

• Finalmente, as marcas deixadas pelos répteis e pelos anfíbios,


apesar de raras, também merecem ser referidas. Os licranços e as
cobras não têm pernas e, obviamente, não deixam pegadas. Mas
deixam rastos: a marca sinuosa de uma cobra sobre terra móvel ou
areia é inconfundível. O mesmo se passa com as marcas deixadas
pelas osgas: as extremidades arredondadas dos seus cinco dedos
costumam ficar bem marcadas e o rastejar da sua cauda, que se
levanta ligeiramente a cada passada, também deixa traços fáceis
de distinguir.

As marcas de salamandras, rãs e pequenos lagartos ou lagartixas


são raras, porque se trata de animais muito leves. Mas as eventuais
marcas de uma rã, ou de um sapo, facilmente se distinguem das
das lagartixas e das salamandras, devido à ausência de cauda.
Além disso, também é fácil notar a diferença de proporções entre

174
A
OS SINAIS DA PRESENÇA DE ANIMAIS

PEGADAS DE UM MAMÍFERO

passo

trote

corrida

patas
Distância
dianteiras pata dianteira pata traseira
entre passadas
e traseiras

as patas dianteiras e as traseiras. Os rastos de salamandras são


sinuosos, devido à forma característica de estes anfíbios se deslo-
carem, enquanto, no caso de lagartos e lagartixas, que se movem
muito rapidamente, as marcas são pouco pronunciadas…

As regurgitações de aves
As regurgitações, tendo em conta a informação que fornecem,
não são menos interessantes do que os dejetos, apesar de o seu
aspeto ser igualmente desagradável. São constituídas por restos
não digeridos de animais (ossos, pelos, penas, asas de insetos)
e de vegetais (cascas, caroços, sementes), expelidos na forma
de uma bola compacta. O conteúdo e a forma desses vestígios,
bem como o local onde se encontram, permitem identificar a espé-
cie de ave que as produziu e a constituição daquilo que comeu. As
regurgitações que melhor se conhecem são as dos mochos e das
corujas, mas as aves de rapina diurnas, os corvídeos, as gaivotas,

175
A
PORTUGAL NATURAL II

as garças, as cegonhas e algumas aves canoras, como os tordos e


os melros, também as produzem.

• As regurgitações dos mochos e das corujas (três a cinco centíme-


tros de diâmetro) contêm numerosos ossos, através dos quais é
possível identificar as suas presas. Constituem o
melhor material de trabalho para detetar a pre-
sença, numa determinada região, de alguns grupos
de pequenos roedores, pois de outra forma seria
muito mais difícil saber se eles aí existem. Também
se podem encontrar, mas mais raramente, restos
de algumas aves, rãs, morcegos e insetos. Quando
frescas, as regurgitações são quase negras, mas,
passado algum tempo, ficam secas e adquirem uma
tonalidade mais cinzenta. Uma regurgitação de
tamanho médio de um mocho ou de uma coruja
contém, regra geral, restos de duas ou três presas.
Encontram-se, sobretudo, e em grande número,
Plumada de mocho nos campanários de igrejas, em celeiros ou em
casas abandonadas.

Por outro lado, estas regurgitações nem sequer para a ave são um
total desperdício, porque as mais antigas acabam por se decompor,
o que serve como camada protetora sobre a qual ela põe os seus
ovos. Portanto, se descobrir a moradia de uma coruja-das-torres,
por exemplo, não retire as regurgitações (contente-se em levar
um exemplar, no caso de querer observá-las com mais atenção),
nem os seus restos. Lembre-se de que esse “lixo” tem utilidade.

• As regurgitações das aves de rapina diurnas contêm muito menos


restos identificáveis do que as das suas colegas noturnas. Graças
à particular composição do seu suco gástrico, elas digerem quase
completamente (com ossos e tudo!…) as suas presas. Além disso,
também têm menos tendência para depositar as suas regurgitações
nos mesmos locais. Apesar disso, por vezes descobrem-se algumas
regurgitações de peneireiros, por exemplo, junto do poste de uma
cerca ou perto do local onde nidificam. As regurgitações desta espé-
cie são constituídas, essencialmente, por restos de ratos e insetos.

• Excecionalmente, também acontece, por vezes, que se encontre


uma regurgitação produzida por uma ave de outro tipo. As das
gralhas e dos corvos reconhecem-se pela sua estrutura fluida
e cor amarelada, que se deve à presença de uma quantidade

176
A
OS SINAIS DA PRESENÇA DE ANIMAIS

significativa de restos de cereais. Além disso, contêm muitos


caroços e restos de insetos, por vezes alguns restos de vertebra-
dos e também pequenas pedras. Lembramos que algumas aves
engolem areia grossa, a fim de melhor digerirem os cereais que
se encontram na moela.

As regurgitações das garças contêm, além de restos de peixes,


muitos vestígios de anfíbios e, por vezes, também de algumas
toupeiras. As da garça-boieira, porém, são constituídas, funda-
mentalmente, por restos de insetos. A alimentação das aves que
vivem junto ao litoral, como as gaivotas, é constituída, em grande
parte, por animais de concha dura. Como é natural, nas regur-
gitações dessas aves veem-se muitas dessas conchas, à mistura
com restos de peixes (espinhas) e também algumas sementes e
restos de plantas. Nas gaivotas, o conteúdo das regurgitações é
muito variável: restos sólidos de alimentos de origem vegetal ou
restos mais fluidos de origem animal ou ambos. Como as gaivotas
costumam frequentar lixeiras, as suas regurgitações contêm, por
vezes, coisas espantosas…

a análise das regurgitações


Trata-se de uma tarefa não Para analisar as regurgitações à
muito agradável, admitimo-lo, vontade, convém ter à mão:
sobretudo quando estão ainda — papel de jornal, para colocar
frescas. Mas o mais provável é os restos e os dispor como quiser;
que apenas encontre vestígios já — uma escova (por exemplo, uma
bastante secos. escova de dentes), para limpar os
restos sólidos;
As regurgitações mais interessantes — uma pinça pequena;
são as dos mochos e corujas, que — uma lupa, com uma capacidade de
poderá encontrar, sem grande aumento de 10 a 12 vezes;
dificuldade, em campanários de igrejas, — um quadro de determinação, para
celeiros ou edifícios abandonados. identificação dos ossos do crânio,
É possível, inclusive, para quem possua que poderá encontrar em bibliografia
alguma experiência, reconhecer o especializada. A identificação dos
tipo de rato que lhes tenha servido ossos do crânio permitir-lhe-á
de refeição. O mocho-galego descobrir a espécie de animal a que
regurgita também restos de insetos, pertenciam.
mas esses são muito mais difíceis
de identificar. Quanto aos crânios Se se der a esse trabalho, poderá
de pequenos mamíferos, é possível descobrir coisas muito interessantes.
identificá-los pelo tamanho e pela Sabia, por exemplo, que algumas aves
natureza dos dentes. costumam engolir objetos brilhantes?

177
A
PORTUGAL NATURAL II

Montículos de toupeira As marcas


de ocupação
Por marcas de ocupação entende-se não só a
construção de ninhos nos arbustos ou nas árvo-
res, ou até no solo, mas também os vestígios de
todas as atividades de escavação. A forma como
um certo número de animais constrói e arranja
o seu covil é descrita, com algum pormenor, no
capítulo 3 (veja a partir da página 98). Portanto,
vamos limitar-nos aqui à exposição de alguns
casos exemplares.

• Um deles é a rede de galerias escavadas pelos


Ninho de carriça ratos-do-campo. Tal como a maioria dos ratos
comuns, eles escavam as galerias muito perto
da superfície, imediatamente abaixo de uma
camada de erva ou de folhas. Por isso, basta,
por vezes, arrancar um tufo de erva num campo
para pôr a descoberto uma completa rede de
galerias pertencente a esses pequenos mamíferos.
Mas existem também galerias de esconderijo e
câmaras para provisões, que ficam um pouco
mais profundas. Além disso, como os ratos-do-
-campo são animais sociais, as suas redes de
galerias são utilizadas, simultaneamente, por
diversos indivíduos.

• Os ninhos de aves, como é evidente, também


Vestígios de tarântula têm a marca dos seus autores. Já falámos deles
no capítulo 2 (veja a partir da página 44).

• Mas as aves e os mamíferos não são os únicos a


deixar marcas de ocupação. Basta pensar nalguns
insetos, como as abelhas, os abelhões e as vespas
ou a formiga-leão. Esta constrói no solo uma espé-
cie de funil, que constitui, também, uma marca
facilmente identificável. Tal como os vários tipos
de excrescências que se formam nos ramos e nas
folhas das árvores (por exemplo, os bugalhos dos
carvalhos), devido à picada de um inseto que aí
deposita os ovos.

178
A
OS SINAIS DA PRESENÇA DE ANIMAIS

Os vestígios
de refeições
Consideram-se vestígios de refeições todos os
indícios relativos à absorção de alimentos por
um determinado animal. Essas marcas são tão
amplas e variadas que, normalmente, é muito
difícil determinar com exatidão a sua origem.
Muitas vezes, nem sequer notamos a existência
de quaisquer marcas… Só alguns casos são verda-
deiramente característicos e, destes, abordaremos
apenas os mais frequentes.

A expressão vestígios de refeições pode levar-


-nos a pensar, sobretudo quando atribuída a Lesmas a comer
certas espécies, em pilhagens. Banquetes de um cogumelo
ovos, por exemplo, são quase sempre sinal da
presença de um toirão, de um saca-rabos ou de
uma fuinha. O que nem sempre se sabe é que
também o ouriço gosta de saborear, de vez em
quando, um ovo de galinha. Mas, seja como for,
uma casca de ovo vazia pode ser sinal, muito
simplesmente… do feliz nascimento de uma ave-
zinha! É que, para saber se um ovo foi comido, é
necessário examiná-lo muito bem, procurando
ver se a membrana interior da casca se encontra
metida para dentro.

• Quando se trata de bolbos ou tubérculos de plan- Restos da refeição


tas roídos, é possível identificar o responsável de um esquilo
atendendo à largura das marcas dos incisivos:
ratazana, lebre ou coelho, eventualmente um
rato pequeno. Combinando essa pequena tarefa
de identificação odontológica com o exame de
outros tipos de marcas, como as galerias e os
dejetos, consegue-se, normalmente, identificar
o “culpado”.

• Os cadáveres de aves relativamente grandes


— pombos, por exemplo — que se descobrem no
meio de um monte de penas arrancadas devem
atribuir-se a uma raposa, a uma geneta ou a um

179
A
PORTUGAL NATURAL II

toirão. Também podem ser sinal da presença de alguma ave de rapina


bastante grande, como o falcão-peregrino ou o açor. Geralmente,
os mamíferos apenas comem o peito das vítimas, porque o músculo
peitoral é muito mais desenvolvido do que os outros.

A raposa destroça, muito mais do que os outros, o cadáver das


suas presas, a não ser que as leve ainda inteiras para a sua toca.
As aves de rapina decapitam as vítimas antes de as saborearem.

Restos de potro morto


Gavião após refeição por lobos

Se quiser saber mais


Onde ir e em que época?
Como fomos explicando ao longo de todo o capítulo, é possível
encontrar sinais da presença de animais um pouco por todo o
lado e em todas as épocas do ano. Vamos apenas recordar algumas
normas de bom senso.

180
A
OS SINAIS DA PRESENÇA DE ANIMAIS

o mundo dos vestígios…


A descoberta do mundo dos vestígios exige não só um olho atento
mas também alguma imaginação.

É necessário partir da ideia de que o aspeto das coisas da natureza


nunca é fruto do puro acaso. Uma reentrância no solo pode ser
indício de um lugar onde uma ave tomou um banho de poeira.

Alguns tufos de pelo abandonados não são, necessariamente, os


restos de uma presa; também podem ser sinal de uma luta entre
machos. Um monte de conchas de caracol partidas representa,
talvez, os restos da refeição de um tordo. As conchas e os ossos dos
chocos, que se encontram frequentemente nas praias, são um sinal
da vida no mar. As bolhas de espuma que por vezes se veem sobre
algumas plantas são prova não de uma água poluída, mas sim da
presença de uma espécie de insetos, as cigarrinhas.

Teias de aranha suspensas das paredes, pedaços de pele


abandonados por um réptil em plena muda, buracos de vermes
num móvel antigo… O mundo dos vestígios assume mil formas e
esconde-se, até, onde as plantas deixam de florir e os pássaros
de cantar. Ora, qualquer vestígio é sinal de um “autor”: o animal,
pequeno ou grande, que um dia por lá passou…

• No nosso país, um corço ou um lobo apenas frequentam, atual-


mente, áreas muito restritas. Por isso, talvez não valha a pena
tentar saber muito sobre a forma das suas pegadas e dos seus
dejetos, por exemplo, a não ser que vá, especificamente, à pro-
cura deles. O mesmo não se pode dizer sobre os coelhos, as
lebres, os ratos-do-campo e outros mamíferos. São frequentes
por todo o país e, por isso, é muito possível que, num passeio
pelo campo, possa encontrar vestígios da sua presença. Se qui-
ser reconhecer os sinais da presença desses animais, quando os
vir, procure saber as características das suas pegadas, dos seus
excrementos, hábitos, etc.

• Como é evidente, as pegadas de animais veem-se com muito


mais facilidade sobre terreno arenoso do que sobre terra batida.
É por aí, portanto, que devem começar os principiantes. Por exem-
plo: quem deseje ver, ao vivo, algumas pegadas de aves, poderá
deslocar-se, de manhã muito cedo, a uma praia, de preferência
não muito frequentada…

181
A
PORTUGAL NATURAL II

Toca de coelho

• É mais fácil encontrar regurgitações de aves junto de árvores


ou de postes de cercas do que em grandes extensões de campo
aberto. Além disso, se perto do local onde vive existe um cam-
panário de igreja e/ou uma torre alta, é possível que uma visita
cautelosa, para não perturbar os eventuais inquilinos, a esses locais
se revele útil. Não é impossível que neles se encontre um ninho
de coruja-das-torres… 

Tenha em conta que…


Uma visão apurada e uma grande abertura de espírito são os
melhores trunfos do “aprendiz de explorador” (veja também a
caixa O mundo dos vestígios..., na página anterior).

E essa arte até em casa se pode exercitar: por exemplo, onde há


teias, há aranhas; onde há tecidos roídos, há traças…

• Procure ter sempre à mão, para guardar algumas das suas des-
cobertas, uma coleção de frascos e caixas que podem ser uma
simples caixa de fósforos, uma caixa de um rolo de fotografias ou
até uma caixa de queijo fundido…

• Um elemento indispensável em qualquer digressão exploratória é


o caderno de apontamentos. Pode ser de qualquer tipo, mas con-
vém que seja facilmente manuseável e transportável. Nele poderá
anotar todas as observações que fizer: o local e a hora em que
fez uma determinada descoberta; a forma e o aspeto da mesma;

182
A
OS SINAIS DA PRESENÇA DE ANIMAIS

as suas hipóteses de identificação; e todos os dados que achar


pertinentes e que poderão ajudá-lo, mais tarde, a reconstituir o
achado e as circunstâncias que o rodearam. Vai ver que todo esse
trabalho é, além de útil, bastante divertido…

• Se tiver jeito para isso, também pode fazer moldes, em gesso ou
cimento de secagem rápida, das pegadas que encontrar. Enterre
no chão um anel feito a partir de uma garrafa de plástico. Pulverize
com laca, para a areia não colar ao gesso/cimento. Verta com
cuidado o gesso/cimento até ao cimo do anel de plástico. Deixe
endurecer e retire. Depois de bem seco, retire o anel e limpe o
molde com uma escova macia. Este processo leva bastante tempo,
mas permitir-lhe-á registar permanentemente o seu achado.

• Para melhor identificar as pegadas, é conveniente medi-las. Por isso,


não se esqueça de levar consigo um instrumento de medição: uma
régua, um metro ou até um pedaço de fio, que poderá cortar à
medida das pegadas.

• Fotografe de vários ângulos. E sempre com um objeto que dê a


escala. Pode ser uma régua, mas também um lápis ou uma moeda.
Depois, com um bom guia, poderá dedicar-se, calmamente, à iden-
tificação dos seus achados.

183
A
PORTUGAL NATURAL II

Bibliografia aconselhada
Aguiar, C. A. S. e Serrano, A. R. M., Coleópteros carabídeos de Portugal
continental (Coleoptera, Carabidae): chaves para a sua identificação,
Sociedade Portuguesa de Entomologia, Lisboa, 2012.

Ferreira, V., Guia de campo — fauna e flora marinha de Portugal,


Planeta Vivo, 2011.

Maravalhas, E., As Borboletas de Portugal — The butterflies of Portugal,


Edição de Autor, 2003.

Rainho, Ana (coord.), Atlas dos Morcegos de Portugal continental,


Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, Lisboa, 2013.

Reis, J. (coord.), Atlas dos bivalves de água doce em Portugal conti-


nental, Instituto da Conservação da Natureza, Lisboa, 2006.

Vários autores, Atlas das aves nidificantes em Portugal, Instituto da


Conservação da Natureza e da Biodiversidade/Assírio & Alvim, 2008.

Vários autores, Atlas dos anfíbios e répteis de Portugal, 1.ª edição, Instituto
da Conservação da Natureza e da Biodiversidade, Lisboa, 2008.

Vários autores, Guia da Estação Litoral da Aguda, Fundação ELA,


Vila Nova de Gaia, 2001.

Vários autores, Guia de aves, Assírio & Alvim, Lisboa, 2003.

Vários autores, Hamlyn guide: animals tracks, trails and signs, Hamyln
Publishing Group, Londres, 1982.

Vários autores, Livro vermelho dos vertebrados de Portugal, Instituto


da Conservação da Natureza, Lisboa, 2005.

Vários autores, Mamíferos de Portugal, Edições Inapa, Lisboa, 1998.

Vários autores, Os peixes do rio Guadiana: que futuro? Guia de peixes


do Guadiana português, Edições Cosmos, Alpiarça, 2007.

Vários autores, Spineless: status and trends of the world’s invertebra-


tes, Zoological Society of London, Reino Unido, 2012.

184
A
INFORMAÇÕES ÚTEIS

Alguns sites de interesse


Biodiversidade online (Naturdata): naturdata.com

Biodiversidade para todos: www.biodiversity4all.org

Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Climáticas da


Faculdade de Ciências de Lisboa: ce3c.ciencias.ulisboa.pt

Espaço de Visitação e Observação de Aves (EVOA):


www.avesdeportugal.info/sitevoa

Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente


(GEOTA): www.geota.pt

Grupo Lobo, da Faculdade de Ciências de Lisboa: lobo.fc.ul.pt

Informação geográfica em formato aberto (IGEO): www.igeo.pt

Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF):


www.icnf.pt

Liga para a Proteção da Natureza (LPN): www.lpn.pt

Quercus: www.quercus.pt

Sociedade Portuguesa de Botânica: www.spbotanica.pt

Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves: www.spea.pt

Contactos úteis
Linha SOS Ambiente e Território: 808 200 520

Grupo Lobo: 760 450 044

185
PORTUGAL NATURAL II

Índice remissivo
A arminho�����������������������������������������������������116
abelharucos ������������������������������������������� 46 artiodáctilos�����������������������������������113-115
abelhas�������� 11, 14, 17, 30-34, 43, 178 artrópodes�����������������������������������������13-14
abibes��������������������������������������������������������� 58 Asellus aquaticus������������������������������ 158
abrigo para aves���������(veja construir Athene noctua ��������������������������������������69
abrigo para aves) aves�����������������������������������������������������46-97
abrigo para morcegos�������������������(veja
construir abrigo para morcegos) B
abutre-negro������������������������������������������47 barata-castanha ����������������������������������22
acarídeos ���������������������������������������������������13 barata-negra������������������������������������������22
ácaros�����������������������������������������������������������13 baratas���������������������������������������� 19, 22, 34
achigãs�������������������������������������������153-154 barbos �������������������������������������������������������151
açor ����������������������������������������������������������� 180 besouros�������������������������������������������35-37
Aglais urticae������������������������������������������28 bichas-cadelas���������������������������������������14
águia-cobreira����������������������������������������65 bicha-solitária����(veja platelmintes)
alfaiates����������������������������������96, 161-163 bichinho-de-prata �������������������������(veja
aliária������������������������������������������������������������28 peixinho-de-prata)
alvéola-branca ����������������������������� 75-76 bicho-da-macieira������������������������������29
bicho-da-madeira ���������������������� 10, 35
Anax imperator��������������������������������������26
bicho-da-seda��������������������������������������29
andorinha-das-barreiras�������� 71-73
bicho-de-conta����������������������������� 14, 18
andorinha-das-chaminés������ 71-73
bicho-de-conta aquático���157-158
andorinha-das-rochas�������������71-72
bivalves�������������������������������������������������������13
andorinha-dáurica�����������������������71-72
boga��������������������������������������������������151-152
andorinha-dos-beirais�������������� 71-73
borboleta-cauda-de-andorinha����28
andorinhão ���������(veja andorinhões)
borboleta-colibri������������������������������������11
andorinhão-preto������������������������73-74
borboleta-da-couve�����������������27-28
andorinhão-real����������������������������73-74
borboleta-monarca�������������������������8-9
andorinhas��������������������������������� 71-72, 74
borboleta-noturna����������� 26, 37, 106
andorinhões�������������������������������������71-74 borboletas����������������8-14, 26, 30, 106
anelídeos����������������������������������������������13, 15 borboleta-saturna������������������������������27
anémonas-do-mar�����������������������������12 bordalo��������������������������������������������151-152
anfíbios�������������������������������������������137-145 búfalos�������������������������������������������������������113
Anodonta cygnea������������������������������156 bufo-pequeno����������������������������������������67
Anotonda anatina������������������������������157 bufo-real�������������������������������������������67-68
Anthocharis cardamines������������������28 búzios�����������������������������������������������������������13
aracnídeos����������������������� 13-14, 38-43
aranha-caranguejeira������������������������42 C
aranha-d’água������������������������������������� 160 cabras����������(veja dejetos de cabras)
aranha-doméstica���������������������� 38, 41 cágado-de-carapaça-estriada 136
aranha-dos-jardins�����������������������������41 cágado-mediterrânico��������������������136
aranha-lobo �������������������������������� 41 (veja cágados����������������������������������������������������136
também tarântulas) caganitas�����������������(veja dejetos de…)
aranhas ����������������������������� 13-14, 38-42 calhandra-real����������������������������������������75
aranhas aquáticas����������������������������� 160 calhandras������������������������������������������������62
aranha-saltadora����������������������������������42 calhandrinha��������������������������������������������75
aranha-vespa ����������������������������������������42 camaleão ����������������������������������������������� 130
aranha-zebra������������������������������������������42 camarão-d’água-doce������������������ 158
aranhiços�����������������������������������������������������41 camarões���������������������� 14, 18, 157-158

186
ÍNDICES ÚTEIS

canivetes����������������������������������������������������13 construir abrigo


caracóis���������������������13, 16-18, 43, 148 para aves������������������������������������������������93
caracóis aquáticos�������������������155-156 para morcegos����������������������������������107
caracoletas ��������������������������������������� 16-17 corços�����������������������������������������������113-115
caranguejos������������������������������14, 18, 157 corixídeos������������������������������������������������162
cardamina-dos-prados��������������������28 coruja-das-torres�����66-67, 94-95,
carochas�������������������������������������������35-36 ������������������������������������������������������ 104, 176, 182
carpa����������������������������������������������������������159 coruja-do-mato���������������������������67-68
carraças�������������������������������������������������������13 corujas�������������������������������������� 50, 66-69
carriça����������������������44-45, 62, 82, 178 corvos������������������������������������������������� 77-82
cefalópodes����������������������������������������������13 cotovia-de-poupa ������������������������������ 74
cegonha-branca������������������48-49, 53 cotovia-pequena����������������������������������75
cegonha-preta������������������������������������� 49 cotovias������������������������������47, 74-75, 97
cegonhas ��������������������������������48-50, 53 crisálidas���������������������12, 14, 24, 27-29
cenoura-brava����������������������������������������28 crustáceos����������������������������14, 157-158
centopeia ������������������������������������14, 18-19 cuco-rabilongo��������������������������������������62
chapim-azul���������������������������������� 89-90 cucos���������������������������������������������������62-63
chapim-carvoeiro���������������������������(veja
chapim-preto) D
chapim-de-poupa�������������������� 89-90 dáfnia ������������������� (veja pulga-d’água)
chapim-preto����������������������������������������� 90 dejetos de
chapim-rabilongo ������������������������������� 90 cabras����������������������������������������������������169
chapim-real��������������������������������������������� 89 carnívoros��������������������������������������������170
chapins���������������������������������������������� 88-90 coelhos��������������������������������������������������169
chocos������������������������������������������������13, 181 corços����������������������������������������������������123
ciclopes��������������������������������������������������� 158 doninhas������������������������������������ 170-171
cigarras ������������������������������������������������������23 fuinhas ���������������������������������������������������171
cigarrinha-da-espuma��������������������24 gafanhotos������������������������������������������169
cigarrinhas�������������������������������������� 24, 181 genetas �������������������������������������������������171
ciprinídeo �������������������������������������������������151 lebres������������������������������������������������������170
cnidários�����������������������������������������������������12 linces �������������������������������������������������������171
cobra-cega ���������������������������������� 131, 134 morcegos ��������������������������������������������170
cobra-d’água-de-colar�������133-135 musaranhos����������������������������������������170
cobra-d’água-viperina ������������������135 ovelhas��������������������������������������������������169
cobra-de-capuz�����������������������133-134 perdizes������������������������������������������������169
cobra-de-escada ������������������������������135 raposas��������������������������������������������������169
cobra-de-ferradura���� 132, 135-136 ratos��������������������������������������������������������170
cobra-de-pernas �������������������������������131 texugos �������������������������������������������������171
cobra-de-pernas-tridáctila���������131 diplópodes�������������������������������������������������19
cobra-de-vidro�����130-131, 134, 174 dípteros����������������������������������������������������� 30
cobra-lisa-europeia���������������134-135 doninha �������������������������������������������116-118
cobra-lisa-meridional�����������134-135
cobra-rateira�������������������������������133-134 E
cobras���������������������������������������������130-136 efémeras���������������������������������������163-164
cochonilha������������������������������������������������36 enguia���������������������������������� 149-150, 153
cocós�������������������������(veja dejetos de…) escalo����������������������������������������������151-152
coelho-bravo������������������������������112-113, escaravelho-d’água����������������160-161
122 escaravelho-da-batata�����������36-37
colibri��������������������������� 73 (veja também escaravelho-do-esterco ����������������36
borboleta-colibri) escaravelhos��������������������������36-37, 43
comedouro �������������������(veja construir escaravelhos aquáticos��������160-161
����������������������������������������� abrigo para aves) escaravelho-vermelho ��������������������36

187
PORTUGAL NATURAL II

escolitídeo-dos-ulmeiros���������������36 goraz��������������������������������������������������� 50, 52


escorpião-d’água������������������������������162 gorgulhos��������������������������������������������������37
escorpiões�������������������������������������� 14, 162 gralha-de-bico-vermelho��������������79
esponjas�����������������������������������������������������12 gralha-de-nuca-cinzenta����� 78-79
esquilo �����������������������������������110-113, 179 gralha-preta��������������������������� 77-78, 85
estorninho-preto��������������������������76-77 gralhas��������������������������������������� 77-79, 85
estorninhos����������������������������� 60, 76-77 Graphosoma lineatum�����������������(veja
estorninhos-malhados�������������������� 77 percevejo-das-riscas)
excrementos���������(veja dejetos de…) grilo-do-campo�������������������������������������21
grilo-doméstico�������������������������������������21
F grilos���������������������������������������������19, 21-22
falcão-peregrino������63-64, 66, 180 grilo-toupeiro�����������������������(veja ralos)
falcões ������������������������������������ 63-66, 180 guincho ������������������������������������������������������59
fecundação de Gyrinus������������������������������������������������������161
gastrópodes �����������������������������������������16
minhocas�������������������������������������������������16 H-I
plantas ������������������������������������� 10, 31, 33 hamster��������������������������������������������������� 104
sapos������������������������������������������������������139 hemípteros�����������������������������������������������23
felosa-comum��������������������������������������� 84 hibernação�� �� 24, 27, 32, 74, 101, 103,
felosa-do-mato����������������������������������� 83 ���������������������������������� 105-106, 110-111, 117
formiga-leão ����������������������������������������178 himenópteros�������������������������������������������31
formigas ���������������������������� 14, 31-35, 43 Hirudo medicinalis������������������������������159
formigas-obreiras������������������������������� 34 íbis-preta ��������������������������������������������������52
formigas-vermelhas��������������������������35 Inachis io����������������������������������������������������28
frisada��������������������������������������������������������� 54
fuinha �����������������������������117-118, 171, 179 J
fura-pastos������������������������(veja cobra- javalis�������������������������������������������������115, 122
-de-pernas-tridáctila) joaninha-das-catorze-pintas������36
joaninha-das-onze-pintas������������36
G joaninha-de-dez-pintas������������������36
gafanhotos���������������������������������14, 19-22 joaninha-de-duas-pintas��������������36
gafanhotos-castanhos������������20-21 joaninha-de-sete-pintas����������������36
gafanhotos-migradores����������20-21 joaninha-de-vinte-
gafanhoto-verde��������������������������20, 22 -e-duas-pintas����������������������������������36
gaios ������������������������������������������� 77, 79-80 joaninhas �������������������������������� 24, 35-36
gaivota-de-patas-amarelas��������59
gaivotas������������������������������������ 58-59, 64 L
Galba����������������������������������������������������������155 lagarta de borboleta����������������������������28
galeirão-comum ����������������������������������56 lagarta do bicho-da-seda ��������������29
galeirões�������������������������������������������55-56 lagarta-das-couves����������������������������10
galinha-d’água �����������������������������56-57 lagartas ��������������������������������������������� 27-29
gambúsia ������������������������������������������������153 lagartixa-de-dedos-denteados����129
gamos�������������������������������������113-114, 122 lagartixa-do-mato�����������������128-129
garça-boieira ������������������������������������������52 lagartixa-do-mato-ibérica����������128
garça-branca������������������������������������������52 lagartixa-ibérica�����������������������128-129
garça-real���������������������������������������� 49-53 lagartixas���������������������������������������127-134
garças������������������������������������������������ 49-53 lagarto sem pernas�������������������������(veja
garça-vermelha������������������ 50, 52-53 cobra-de-vidro)
gastrópodes����������13, 16-17, 155, 159 lagarto-d’água��������������������������������������128
gato-bravo������������������������������������118-120 lagartos �����������������������������������������127-130
gavião������������������������������������������������������� 180 lagostas�������������������������������������������������������18
geneta ���������������������������������������������118, 179 lagostim-de-patas-brancas ����� 158
girinos������������������������139-140, 143, 159 lagostim-vermelho ������������������������� 158

188
ÍNDICES ÚTEIS

lagostim-vermelho- licranços�������(veja rasto de répteis)


-do-Louisiana��������������������������������� 158 ocupação����������������������������������������������178
lagostins ������������������������������������������������� 158 osgas ����������������������������������������������������� 174
lampreia-de-riacho��������������������������152 rãs ������������������������������������������������������������ 174
lampreia-de-rio����������������������������������152 salamandras����������������������(veja rasto
lampreia-marinha������������������������������152 �������������������������������������������de salamandras)
lampreias �������������������������������������152-153 sapos������������������������������������������������������ 174
lapas �������������������������������������������������������������13 ungulados��������������������(veja pegadas
larvas de �������������������������������������������������������������� de corço)
abelhas����������������������������������������������������32 Margaritifera margaritifera������������157
anisópteros ������������������������������������������25 maria-café������������������������������������������14, 19
besouros������������������������������������������������37 marreco����������������������������������������������������� 54
borboletas ��������������������������������������������27 marrequinha������������������������������������������� 54
efémeras��������������������������������������������� 164 marta�����������������������������������������������������������117
escaravelhos����������������������������������������37 meixão���������������������������� (veja meixões)
formigas�����������������������������������������32-33 meixões��������������������������������������������������� 150
gastrópodes �����������������������������������������17 melgas����������������������������������� 31, 163-164
insetos ���������������������������������������163-165 melros����������������������������������15, 60, 76, 88
joaninhas������������������������������������������������36 mexilhão-de-rio ��������������������������������156
moscas�����������������������������������������������������31 mexilhões������������������������������13, 148, 156
moscas-d’água������������������������������� 164 minhocas de água������������������������������159
moscas-da-pedra������������������������� 164 minhocas de terra��������������� 13, 15, 159
salamandra ����������������������������������������142 miriápodes����������������������������������������� 14, 18
típulas �������������������������������������������������������31 mocho-d’orelhas����������������������������������69
tritão��������������������������������������������������������163 mocho-galego ���������������������������� 68-69
vespas��������������������������������������������� 32, 34 mochos���������������������������� 49, 66-69, 97
zigópteros����������������������������������������������25 moluscos������������������������������������������� 13, 55
latrinas���������������������(veja dejetos de…) morcego de Daubenton ��������������� 105
laverca ��������������������������������������������������������75 morcego-anão����������������������������������� 106
lebre������������������������������������������112-113, 181 morcego-arborícola-grande����� 106
leirão ������������������������������������������������ 104, 110 morcego-arborícola-gigante����� 106
lesmas������������������������������ 16-17, 43, 148 morcego-arborícola-pequeno� 106
libelinhas�������������������������������������������25-26 morcego-d’água ������������������������������� 105
libélula�����������������11, 14, 25-26, 43, 103 morcego-de-ferradura����������������� 105
licranço������������(veja cobra-de-vidro) morcego-de-ferradura-grande ����105
lince-ibérico ��������������� 98-99, 112, 116, morcego-de-ferradura-
����������������������������������������������������� 119-120, 123 mediterrânico����������������������������������� 105
lobo-ibérico��������������115-116, 121-123 morcego-de-ferradura-
180-181 -mourisco������������������������������������������� 105
lombrigas���������������������������������������������������12 morcego-de-ferradura-
lontra���������������������������������������116-118, 123 -pequeno������������������������������������������� 105
louva-a-deus��������������������������19, 22-23 morcego-de-peluche��������������������� 106
lulas ���������������������������������������������������������������13 morcego-hortelão ��������������������������� 106
morcego-orelhudo��������������������������� 106
M morcego-orelhudo-castanho��� 106
maçarico-real ����������������������������������������96 morcego-orelhudo-cinzento����� 106
mangustos������������� (veja saca-rabos) morcego-rato �������������������������� 105-106
Maniola jurtina����������������������������������������27 morcego-rato-grande������������������� 105
marcas de morcego-rato-pequeno���� 105-106
lagartixas�����������������������(veja rasto de morcegos������������������25, 100, 104-107
����������������������������������������������������������� lagartixas) mosca-d’água������������������������������������� 164
lagartos������(veja rasto de lagartos) mosca-da-pedra������������������������������� 164

189
PORTUGAL NATURAL II

mosca-do-esterco�������������������������������31 pardal������������������������������������������������������172
mosca-doméstica �������������������������������31 perdiz������������������������������������������������������172
mosca-drosófila�������������������������������������31 pombo����������������������������������������������������172
moscardos������������������������������������� 30, 163 raposa����������������������������������������������������173
moscas�����������������������������30-31, 43, 164 texugo���������������������������������������������������� 174
mosquitos �������������������������10, 14, 30, 43 pegas������������������������������������������60, 80-81
musaranho-anão ����������������������������� 104 peixes�������������������������������������������� 149-154
musaranho-d’água ������������������������� 104 peixinho-de-prata�������������������������������14
musaranho-de-dentes- peneireiros���������������������������������������62-64
-brancos ���������������������������������� 103-104 peneireiro-das-torres ����������������������63
musaranho-doméstico����������������� 103 peneireiro-vulgar ��������������������������������62
musaranhos����������102-104, 122-123 perca-sol������������������������������������������������ 154
percebes��������������������������������������������� 14, 18
N percevejo-de-riscas��������������������������25
náiades��������� (veja mexilhão-de-rio) percevejo-doméstico������������������������24
nemátodes �����������������������������������������������12 percevejo-listrado���������������������������(veja
notonectas ���������������������������������162-163 percevejo-das-riscas)
O percevejos������������������������������23-24, 161
percevejos de água�����������������������������161
obreiras ����������������������������(veja abelhas)
perdizes���� (veja pegadas de perdiz)
ógea����������������������������������������������������� 63, 66
perna-longa��������������������������������������������96
opiliões���������������������������������������������������������14
peto-verde ����������������������������������������������69
osga-comum����������������������������������������129
Philaenus spumarius���������������������(veja
osgas�����������������������������������������������127-130
osga-turca�����������������������������������129-130 cigarrinha-da-espuma)
ostras ������������������������������������������������ 13, 148 Phoneutria����������������������������������������������� 38
ouriço-cacheiro�����������������������������������101 Piadeira ����������������������������������������������������� 54
ouriços �� 15, 17, 100-101, 122-123, 179 picanço-barreteiro����������������������������� 85
picanço-de-dorso-ruivo��������������� 85
P picanço-real���������������������������������� 84-85
papa-figos������������������������������������������������ 77 picanços ������������������������������������������ 84-85
parasitas�������������10, 12-13, 17, 33, 159 pica-pau-malhado-grande��� 70-71
pardais�������������������������������������� 39, 92-94 piolhos ������������������������������������������������� 10, 14
pardal-comum ������������������������������������� 94 pirálide-da-maçã����������������������������������29
pardal-montês ������������������������������������� 94 pirilampo�������������������������������������������37-38
pato de superfície���������������������� 53-54 pisco-de-peito-ruivo������ 63, 85-86
pato-de-bico-vermelho����������55, 79 Planorbarius�������������������������������155-156
pato-mergulhador������������������������������53 platelmintes�����������������������������������������������12
pato-real������������������������������������������ 53-54 Podarcis����������������������������������������������������129
patos�����������������������������������49, 51, 53-54 polinização���������������(veja fecundação
pato-trombeteiro ������������������������������� 54 ��������������������������������������������������������� de plantas)
pega-azul������������������������������������������81-82 polvos�����������������������������������������������������������13
pegadas de pombo-bravo����������������������������������������� 60
aves ��������������������������������������������������������172 pombo-das-rochas����������������������������59
carnívoros��������������������������������������������173 pombos������������������������������������ 59-60, 95
coelho����������������������������������������������������173 pombo-torcaz������������������������������ 59-60
corço�������������������������������������������������������� 174 Porcellio scaber���������������������������������(veja
fuinha��������������(veja rasto de fuinha) �������������������������������������������bicho-de-conta)
gato-bravo������������������������������������������173 Potomida littoralis������������������������������157
javali�������������������������������������������������������� 174 potro ��������������������������������������������������������� 180
lebre��������������������������������������������������������173 processionária����������������������������������������29
lobo������������������������������������������������ 167, 172 pulga-d’água���������������������������������14, 157
mamífero������������������������������������ 172, 175 pulgão-das-couves����������������������������24

190
ÍNDICES ÚTEIS

pulgas������������������������������������������10, 14, 157 salamandra-de-pintas-


pulgões ��������������������������������������23-24, 31 -amarelas����������������������������������141-142
salamandra-lusitânica����������141-142
R salamandras������������������������������� 141-144
rã-castanha �������������������������������������������141 Salmo trutta�������������������������������������������151
Radix peregra����������������������������������������155 salmões������������������������������� 150-151, 153
rã-ibérica ������������� (veja rã-castanha) sanguessuga-comum��������������������159
ralos��������������������������������������������������������������22 sanguessugas����������������������� 13, 15, 159
raposa���������������������������������������������120-122 sapo-comum����������������������������������������137
rãs��������������������������12, 124-125, 137-141 sapo-corredor������������������������������������ 138
rasto de sapo-de-unha-negra�������������������� 138
fuinha������������������������������������������������������173 sapo-parteiro�����������������������������138-139
lagartixas���������������������������������������������� 174 sapo-parteiro-comum������������������� 140
lagartos�������������������������������������������������� 174 sapo-parteiro-ibérico��������������������� 140
répteis���������������������������������������������������� 174 sapos������������������������������������������������137-141
salamandras����������������������������174-175 sardanisca ������������������� (veja lagartixa-
rata-d’água����������������������������������109-110 -do-mato)
ratazana������������������������������� 104, 109, 179 sardão������������������������������� (veja sardões)
rato-caseiro ������������������������������ 108-109 sardões �����������������������������������������127-128
rato-cego�����������(veja rato-toupeiro) serpentes����������������� 127, 130, 132, 145
rato-do-campo ���������������������� 108-109 Stagnicola palustris��������������������������155
rato-dos-pomares��������� (veja leirão)
rato-preto����������������������������������������������� 109 T
ratos������������������� 104, 108-109, 171, 179 tarântula-europeia����������������������������� 38
rato-toupeiro�����������������������������������������110 tarântulas�����������������������38, 40-41, 178
rã-verde ���������������������������������������124-125 tartaruga-comum������������������������������136
regurgitações de tartaruga-de-couro��������������������������136
aves de rapina�������������������������� 171, 176 tartarugas�����������������������������������������������136
cegonhas����������������������������������� 175-176 Tegenaria ���������������������������������������������������41
corujas ����������������������������������������175-177 ténia��������������������������(veja platelmintes)
corvos����������������������������������������������������176 tentilhões����������������������������������47, 90-91
gaivotas������������������������������������������������ 177 texugos�����������������������������������������������������117
garças������������������������������������������176-177 típulas�����������������������������������������������������������31
gralhas ��������������������������������������������������176 tira-olhos ���������������������(veja libelinhas)
melros����������������������������������������� 175-176 toirão��������������������������� 116, 168, 179-180
mochos ��������������������������������������175-177 tordo-comum ����������������������������������������87
peneireiros������������������������������������������176 tordo-ruivo����������������������������������������������87
tordos ����������������������������������������� 175-176 tordos�������������������������������������������������87-88
rela-meridional������������������������� 140-141 tordoveia����������������������������������������������������87
relas��������������������������������������������������137-141 tordo-zornal��������������������������������������������87
répteis���������������������������������������������126-145 toupeira-comum��������������������������������102
rola-brava������������������������������������������61-62 toupeira-d’água���������������������� 102-104
rola-comum���������������������������������������������61 toupeiras������22, 101-104, 116, 164, 178
rola-de-colar����������������������������������61-62 toutinegra-de-barrete-
rolas������������������������������������������������������61-62 -preto ��������������������������������������������� 60, 83
rola-turca�����������(veja rola-de-colar) toutinegra-de-cabeça-
rouxinol ������������������������������������������������������ 74 -preta �������������������������������������������� 83-84
toutinegras ������������������������������������ 83-84
S traças������������������������������������������������ 29, 182
saca-rabos �������������������������118-119, 179 trilho de coelho������������������������������������173
salamandra-de-costelas- tritão-de-ventre-laranja��������������� 144
-salientes��������������������������������������������142 tritão-marmorado ��������������������������� 144

191
PORTUGAL NATURAL II

tritão-palmado����������������������������������� 144 Vanessa atalanta����������������������������������28


tritões��������������������������������������������� 144, 163 veados������������������������113-115, 122-123
truta-de-rio�������������������������������������������151 verdemã ���������������������������������������������������151
truta-marisca ����������������������������150-151 verdilhão��������������������������������������������91-92
trutas���������������� 146-147, 150-151, 164 vespas��������������������������������������� 14, 30-34
tubícola������������������������������������������������������159 vespas-solitárias��������������������������������� 34
vestígios de refeições�����������179-180
U víbora de Seoane��������������������������������132
Unio crassus������������������������������������������157 víbora-cornuda�����������������������������������133
Unio delphinus��������������������������������������157 víboras�������������������������������������������132-133
urtigas����������������������������������������������������������28 viúva-negra-europeia��������������������� 38

V Z
vaca-loira��������������������������������������������������37 zarro��������������������������������������������������������������55

Parques naturais
e outros locais de interesse
Alcácer do Sal��������������������������������������� 114 Mira������������������������(veja Lagoa de Mira)
Alvão��������������������(veja Parque Natural Monsanto�������(veja Parque Florestal
������������������������������������������������������������� do Alvão) �������������������������������������������������� de Monsanto)
Arrábida������(veja Serra da Arrábida) Montesinho������(veja Parque Natural
Arzila����������������������(veja Paul de Arzila) ����������������������������������������������de Montesinho)
Barrancos�������������������������������������������������114 Parque Florestal de Monsanto������111
Barrinha�� �� (veja Lagoa da Barrinha) Parque Nacional da Peneda-Gerês
Boquilobo�(veja Paul do Boquilobo) �������������������������������������������������30, 103, 122
Cabo Parque Natural
de São Vicente������������������������������������97 da Serra da Estrela������������������������� 103
Espichel��������������������������������������������������97 de Montesinho����������������������������������122
Castro Marim�����������������������(veja Sapal do Alvão����������������������������������������������� 103
����������������������������������������� de Castro Marim) Paul de Arzila�������������������������������������������96
Coimbra������������(veja Jardim Botânico Paul do Boquilobo��������������������������������96
�������������������������������������������������������de Coimbra) Peneda-Gerês����������������� (veja Parque
Coruche�����������������������������������������������������114 ���������������Nacional da Peneda-Gerês)
Espichel��������������(veja Cabo Espichel) Reserva Natural da Malcata������������111
Estuário Sado���������������(veja Estuário do Sado)
do Sado ����������������������������������������� 52, 96 São Vicente�����������(veja Cabo de São
do Tejo��������������������������������������������� 52, 96 �����������������������������������������������������������������Vicente)
Fermentelos����������������������� (veja Lagoa Sapal de Castro Marim��������������������� 30
��������������������������������������������de Fermentelos) Serra
Jardim Botânico de Coimbra����������111 da Arrábida������������������������������������������� 30
Lagoa da Estrela��������(veja Parque Natural
da Barrinha������������������������������������������156 ����������������������������������� da Serra da Estrela)
de Fermentelos��������������������������������156 da Malcata �������������������(veja Reserva
de Mira����������������������������������������������������156 ������������������������������������ Natural da Malcata)
Mafra��������������(veja Tapada de Mafra) Tapada de Mafra����������������������������������122
Malcata������������ (veja Reserva Natural Tejo��������������������(veja Estuário do Tejo)
��������������������������������������������������������da Malcata) Vicente�(veja Cabo de São Vicente)

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