Вы находитесь на странице: 1из 71

BWV 1002 1004 1006

AS DANÇAS NAS
PARTITAS PARA VIOLINO SOLO
DE JOHANN SEBASTIAN BACH

Para músicos que se encantam com a dança

RAQUEL ARANHA
JUNHO 2020
SÃO JOSÉ DOS CAMPOS . SP
Em tempos de isolamento
Este material é um pequeno resultado de anos de estudos, práticas e

pesquisas aprofundadas sobre a relação entre música e dança dos séculos

XVII e XVIII, no contexto cortesão europeu.

Foi escrito durante os meses de Junho e Julho de 2020, potencializado

pela imposição do isolamento que uma pandemia traz, afastando corpos

mas fertilizando mentes.

É de uso livre, pode ser compartilhado, e jamais comercializado.

Tampouco tem a intenção de esgotar o assunto, extremamente complexo e

que demandaria anos para uma publicação adequada.

Aqui estão reunidas apenas algumas das inúmeras informações que podem

nortear o músico a sanar sua curiosidade, e a situar algumas de suas

perguntas frequentes. Pretende-se ajudar, estimular os primeiros passos

em direção à pesquisa documental e, acima de tudo, despertar o interesse

pela interdisciplinariedade, no presente, que visita e olha de outra forma

para o passado.

Divirtam-se!

Raquel Aranha

i
Agradecimentos:

Ao grande violinista Emmanuel Baldini, responsável pelo estímulo necessário para trazer

este pequeno estudo à luz do dia, em momentos de confinamento e de união entre

artistas. À Dra. Ema Salomão Bonetti que ao manter meu trabalho, em tempos de

suspensão de atividades culturais no CAEB (Centro Ambiental Edoardo Bonetti), me

possibilitou concluir este pequeno projeto.

Ao cravista Edmundo Hora, e aos violinistas Paulo Souza e Luiz Fiaminghi, meus primeiros

orientadores que me encantaram com as belezas do barroco. Ao Festival Internacional de

Música Brasileira e Música Antiga de Juiz de Fora no qual, nos idos de 96, tive a certeza

de que trilharia um novo caminho, guiado pelo violino barroco do mestre Luis Otávio

Santos, e pela dança barroca da maître Christine Bayle.

A Manfredo Kraemer, violinista e amigo, quem primeiramente me ensinou sobre a

importância em conhecer os 'pés métricos' da poesia grega, um dos principais pontos de

apoio deste estudo.

A Ryo Terakado, pela oportunidade de trocar tantas reflexões sobre a dança na música

instrumental.

A Paulo M. Khül, meu mestre intelectual que me lapidou na arte da pesquisa.

À Ana Teixeira, amiga, bailarina, pesquisadora incansável que me inspira e estimula a

concretizar projetos.

A Daniel Ivo e Mayra Pereira, cravistas e amigos de longa data, e de longos caminhos,

pela revisão rápida e eficiente. Aos meus pilares, Alexandre D'Antonio e Juliano Buosi,

pela amizade e sábios conselhos em toda esta jornada pelo conhecimento. A Cristina

Azuma, nova parceira de pesquisa que se soma ao desafio de unir pesquisa e prática em

danças antigas.

A meus passos, Clara Couto, Maíra Alves e Osny Fonseca, que comigo bailam o barroco e

a vida.

E à minha família, amor incondicional, sempre.

Para citação desta obra:

ARANHA, Raquel da Silva, As Danças nas Partitas para Violino Solo de Johann Sebastian

Bach, publicação virtual no www.passosdobarroco.com, São José dos Campos, São Paulo,

11 de Julho de 2020.

@raquelaranha todos os direitos reservados.

ii
Raquel Aranha
Violino Barroco. Dança Barroca.

Doutora em música pela Unicamp (sob orientação de Paulo M. Kühl), com

estágio de doutoramento na Sorbonne (Paris IV, sob orientação Raphaëlle

Legrand), defendeu a tese "Apelles et Campaspe, Balé-pantomimo de

Noverre (1776): Dança, Libreto e Música" (2016), sobre o ballet en action

de Jean-Georges Noverre (1727 - 1810), um dos reformadores da dança.

Formada em Violino Barroco pelo Conservatório Real de Haia (sob

orientação de Ryo Terakado), estudou Dança Barroca na Holanda  com

Maria Angard Gaur, e na França com Christine Bayle, Cecília Gracio

Moura, Ana Yepes e Guillaume Jablonka.

Iniciou os estudos de Violino Barroco nos Festivais Internacionais de

Música Antiga de Juiz de Fora (com Luis O. Santos) e de Curitiba (com

Manfredo Kraemer), tendo participado de projetos de orquestra no Brasil,

e no exterior. Foi membro da Armonico Tributo (Campinas), da Orquestra

Barroca do Mercosul (Uruguai), da Orquestra Barroca do Festival

Internacional de Música Colonial Brasileira e Música Antiga (Juiz de Fora),

da Den Haag Baroque Orchestra (São Paulo), da Orquestra Barroca da

Casa da Música (Portugal), da orquestra da Academia Barroca Europeia

de Ambronay (França), dirigida por Christophe Rousset em 2004, e em

2005 foi spalla dos segundos violinos sob a direção de William Christie.

Participou de inúmeros concertos em grupos de câmera em Portugal,

Espanha, Holanda, Suécia, França, Alemanha e Coréia do Sul.

Ofereceu diversos cursos de Dança Barroca nos principais eventos de

música antiga do país – Festival Internacional de Música Colonial

Brasileira e Música Antiga de Juiz de Fora, Semana de Música Barroca da

UFMG, Encontro de Música Antiga de Olinda, Oficina de Música de

Curitiba, Colóquio de Música Antiga da UFG -, bem como promoveu cursos

e palestras em diversas universidades brasileiras (UNICAMP, UNICSUL, UEA,

UDESC, USP, UNESP, UFPE, UFPR, UFRJ, UFU, UFG e UNB) e no exterior

(EUM- Escuela Universitaria de Música / Montevidéu - Uruguai).

Desde 2016 faz parte do  Passos do Barroco, ao lado de Clara Couto,

Maíra  Alves e Osny Fonseca, grupo que se dedica ao estudo e prática de

danças antigas, bem como ao ensino.

Contato:

raqaranha@gmail.com

www.passosdobarroco.com

passosdobarroco@gmail.com

iii
Sobre as danças - Belle Danse

Belle Danse [1] - Danças do período chamado Barroco e que tiveram

participação tanto no repertório instrumental quanto no coreografado.

Dizem respeito a um número grande de danças (menuet, sarabande,

gavotte, gigue, chaconne, bourrée, passepied, rigaudon, courrante, loure,

passacaille, entre outras) que trazem várias diferenças em relação:

às origens;

às fórmula de compasso mais usuais (binários, ternários, simples e

compostos;

aos padrões rítmicos que as tipificam musicalmente;

aos passos empregados (se possuem mais ou menos saltos, giros, se há

maior ornamentação de passos, entre outros aspectos);

aos caráteres de cada uma.

Essas danças foram reelaboradas e forjadas num modelo francês ainda no

contexto histórico-cultural da corte de Luis XIII, mas tiveram seus auges

sobretudo durante o reinado de Luis XIV (de 1661 a 1715), ele mesmo um

exímio bailarino, sob o qual foi fundada a Académie Royale de Danse, em

1661.

A partir da institucionalização do ensino da Dança, os profissionais na

arte puderam ser treinados segundo métodos aplicados pelos mestres que

dividiam suas funções entre educar os nobres para a dança, e formar

bailarinos que atuariam no palco.

Como consequência deste processo, foi elaborado um complexo sistema

de símbolos, por mestres de dança do rei: para atender à padronização

dos movimentos ensinados (e executados em intrínseca relação com a

música), para estabelecer um modelo francês de ensino e de registro

coreográfico marcado pela precisão e simetria, e para elevar a dança à

condição de arte, associando-a à escrita codificada, ao método.

Este momento revolucionário para a dança viu uma difusão, sem

precedentes, de coreografias autorais francesas que alcançaram inúmeras

cortes europeias. A dança tornara-se um dos principais veículos de poder

da França setecentista.

Pierre Beauchamp e Raoul-Auger Feuillet [2] são os autores do sistema de

notação coreográfica que foi oficializado na publicação de Chorégraphie

(Paris, 1700), e que será exemplificado através de imagens das primeiras

páginas de coreografias, selecionadas para ilustrar este estudo.

[1] Termo empregado por Gottfried Taubert em Rechtschaffner Tantzmeister (Leipzig, 1717)

para indicar a técnica e estilo empregados na dança de salão segundo o modelo

cortesão francês.

[2] Feuillet se antecipou a Beauchamp e publicou sozinho o Chorégraphie ou l’ Art de

décrire la danse (Paris, 1700), e por isso o sistema ficou mais conhecido, entre os

estudiosos da dança, como sistema Feuillet.

iv
Feuillet, Recueil de Dances (Paris, 1704): Traité de la Cadence.

Moyen  pour Trouver facilement la Cadance de chaque pas.[s.p.]

v
É preciso então situar que se tratam de danças praticadas por mais de

cem anos, em distintas cortes, que foram coreografadas e registradas em

inúmeras coletâneas (Recueil de danses) publicadas anualmente a partir

de 1700, e que se transformaram pouco a pouco.

De forma que assumirmos respostas prontas não é o caminho. Tomarmos

um andamento "ideal" para cada uma delas, por exemplo, é um risco

desnecessário, uma vez que as indicações metronômicas estavam ainda em

elaboração na época [3], e são hoje interpretadas muito mais em função

dos limites da possibilidade de execução musical e coreográfica. Nos

tratados franceses, berço deste modelo que estudamos aqui, fala-se em

mouvement , para associar o caráter das danças.

Importante também é saber que há inúmeras fontes da época em questão

que fazem referência às danças, tamanha era a importância de conhecê-

las e executá-las bem. Assim, podemos nos nutrir de obras diversas como:

tratados de instrumentos (de violino, cravo, traverso, entre outros), de

composição, de harmonia, e sobretudo os de dança.

Também é importante ter em mente que algumas dessas danças podiam

ser executadas em mais de um contexto , e serviam para situações

distintas:

nos bailes da corte (nos salões), em que nobres treinados na arte da

dança executavam uma sequência pré-estabelecida de coreografias,

respeitando uma hierarquia e um ritual, do qual o vestuário suntuoso,

volumoso e exuberante também fazia parte;

nas tragédias líricas (Tragédie lyrique  representadas nos teatros reais),

obras de caráter dramático nas quais a dança pontuava e enfatizava

constantemente a trama e o discurso dos afetos, representado através

do canto pelos personagens principais. Nesta elaboração do drama, os

profissionais atuavam predominantemente (ainda que não estão

excluídas a participação de nobres que também eram exímios

bailarinos), e o vestuário ganhava outra abordagem (sendo um pouco

mais curto e mais leve que as indumentárias do salão). Neste contexto

a dança acresce uma camada visual, amplia a cena, e pontua

momentos cruciais que são ilustrados através dos movimentos e gestos

coordenados com os ritmos dos passos, construindo um discurso que é

captado por uma recepção que dominava a erudição apresentada. 

[3] O metrônomo, com função prática, veio à tona apenas em 1812 e foi desenvolvido por

Dietrich Nikolaus Winkel, um relojoeiro holandês. Antes dele, muitos se dedicaram a

elaborar objetos mecânicos para registrar a duração rítmica e o andamento: Étienne

Loulié (Eléments ou principes de musique, Paris 1696), Chevalier Louies-Léon Pajot Compte

d’Onzembray (Description et usage d’un métronome ou machine pour battre les mesures &

les temps de toutes sortes d’ airs, Paris 1732), Jacques-Alexandre de La Chapelle (Les

vrais principes de la musique, Paris 1737), Henry-Louis Choquel (La musique rendue

sensible para la méchanique, 1762) e Marie Dominique Joseph Engramelle (La tonotechnie

ou l’ art de noter les cylindres, Paris 1775), entre outros.


vi
Portanto, há minuetos e minuetos, sarabandas e sarabandas, gavotas e

gavotas... o que é mais interessante, e nos traz uma ideia mais precisa, é

pensarmos sobre as informações do caráter (ou o mouvement ) de cada

dança, ainda que estas tenham sofrido uma maior ou menor modificação

ao longo da existência das mesmas.

Em resumo, é importante:

reconhecer na música o que esta traz de características próprias de

cada dança (as suas marcas), e deixá-las evidente;

ter claro o caráter de cada dança, para que possamos encontrar uma

margem de execução que leve em conta um equilíbrio entre os desafios

técnicos impostos pelas obras (especialmente em peças instrumentais

que emprestam nomes de danças mas não foram necessariamente

escritas para serem dançadas), sem provocar a descaracterização de

uma dança.

Um minueto tocado muito rápido "se transforma" em passepied, e tocado

muito lento, perde seu atributo principal, a elegância, a fluidez. Tendo

este treino para farejar os traços marcantes de cada uma, estaremos

preparados para executá-las com uma abordagem mais coerente, mais

identitária.

Ainda assim, muitas vezes uma resposta mais acabada e plena à pergunta

do músico estará principalmente no conhecimento da mecânica dos

passos, na experiência da elaboração do movimento no espaço, na

percepção da fluidez de uma sequência coreográfica, e claro, na relação

dialógica e intrínseca entre dança e música.

Ah! algo muito importante que vale para todas as danças que veremos

aqui:

o movimento que se faz no primeiro tempo tético, da música,


corresponde a um gesto para cima, na dança!

De forma que, mesmo que não haja anacruse escrita antes deste "gesto

musical tético", haverá uma arsis executada com um  plié na dança (um

movimento de flexão que prepara para a subida no tempo tético). Este

fato, por si, já impacta o modo de pensar, de perceber, executar e até

"reger" essas danças, tão presentes no repertório instrumental.

É preciso nos reaproximarmos deste cruzamento entre artes irmãs, entre

perspectivas sonoras e corpóreas que, na época, eram apenas duas faces

de uma mesma experiência artística, guiada pelo discurso.

Fica um convite para mergulharmos em universos que se somam, se

potencializam.

Abraços musicais e bailados,

Raquel Aranha

2020

vii
Sobre a obra Sonatas e Partitas para Violino Solo
– BWV 1001 a 1006

O manuscrito de Bach traz o ano de 1720 em seu frontispício.

Para além deste documento, há vários outros manuscritos de copistas e um

dos mais conhecidos é o de Ana Magdalena Bach, que traz algumas

nuances se comparado ao original.

Fontes:

Holograph manuscript 1720 / Staatsbibliothek zu Berlin (D-B): Mus.ms.

Bach P 967

Disponível em:

https://imslp.org/wiki/6_Violin_Sonatas_and_Partitas%2C_BWV_1001-

1006_(Bach%2C_Johann_Sebastian)

A primeira edição da obra veio à tona por Bote & Bock (Bonn, 1802), 82

anos após a sua criação, e durante este período foi disseminada através

de copistas.

Sobre o contexto da obra

Em 1720 Bach era Capellmeister e diretor musical da corte de Leopold

(príncipe de Anhalt, em Cöten). Segundo Meredith Little e Natalie Jenne

[4], frequentemente visitava a corte de Celle, na qual a cultura francesa

era emulada e praticada como modelo cortesão. Bach teria conhecido

pessoalmente três mestres de dança na região da Saxônia (Pasch,

Hebenstreit e Volumier) e estudava na Ritterakademie (Lüneburg), um

centro de cultura francesa, na qual Thomas de la Selle (aluno de Lully)

ensinava dança com melodias francesas.

Leipzig, cidade onde viveu e trabalhou a partir de 1723 até sua morte,

contava com 12 mestres de dança em 1736.

Apesar desta proximidade, as Partitas  (suítes de danças) presentes nesta

obra representam melhor as sonatas da camara, com as sequências:

Partia I – Allemanda - Double / Corrente  -  Double / Sarabande  -  Double /

Tempo di Borea - Double

Partia II – Allemanda / Corrente / Sarabanda / Giga / Ciaccona

Partia III – Preludio / Loure / Gavotte en Rondeaux / Menuet 1re / Menuet

2de / Bourée / Gigue

[4] Meredith Little e Natalie Jenne, Dance and the Music of J.S. Bach, Bloomington, IN:

Indiana University Press, 2001.


1
Segundo Kirnberger (1721 – 1783), aluno de J.S. Bach:

[...] Para obter as qualidades necessárias para um bom desempenho, o

músico não pode fazer nada melhor do que executar todos os tipos de

caráteres de dança. Cada uma dessas músicas de dança tem seu próprio

ritmo, suas incisões de igual duração, seus acentos nos mesmos lugares de

cada frase; é fácil reconhecê-los e, por sua frequente execução,

acostuma-se de maneira despercebida a distinguir todos os ritmos e a

determinar suas frases e acentos, de modo a reconhecer facilmente em

uma longa peça musical os diferentes ritmos, incisões e acentos,

misturados uns com os outros. Também se acostuma a dar a cada peça a

expressão que lhe é peculiar, porque cada tipo dessas melodias de dança

tem seu tempo característico e seu próprio valor de notas.

Por outro lado, ao deixar de praticar, a composição de danças

características dificilmente ou nunca chegará a uma boa melodia. Na

verdade, é impossível compor ou executar bem uma fuga, sem conhecer

todos os diferentes ritmos; e precisamente porque este estudo é hoje

negligenciado, que a música desabou de sua antiga dignidade, não sendo

suportáveis quaisquer fugas, que por sua miserável execução, que não

define incisões, tampouco acentos, tornam-se um mero caos de tons.

Outra vantagem que resulta evidentemente do estudo das várias melodias

de dança, é imediatamente perceptível, sabendo-se assim, quais tempos

ou ritmos devem ser usados na composição de músicas e canções.

Nós dissemos acima que cada melodia de dança tem seu próprio caráter

definido; mas não se pode acreditar que uma dança tenha a mesma

nuance em todas as nações. Em vez disso, um ouvido treinado distinguirá

facilmente um Minueto vienense de um de Praga ou de Dresden. Os

minuetos de Dresden são os melhores, assim como os franceses são os

piores.

Frequentemente uma dança pode ter, conforme os países que a adotaram,

características bastantes diferentes: a courante, que tem um caráter sério

e firme na Alemanha e na França, é alegre e leve na Itália. [...]*

Johann Philipp Kirnberger

Prefácio do Recueil d’airs de danses caractéristiques, pour servir de

modele aux jeunes compositeurs, et d’exercise à ceux qui touchent du

clavecin (Berlin, 1778).

*Tradução de Osny Fonseca Júnior, cravista, regente e bailarino do Passos do Barroco.

2
BWV 1002

PARTITA 1

Allemanda - Double . Corrente - Double.

Sarabande - Double. Tempo di Borea - Double

RAQUEL ARANHA
JUNHO 2020
SÃO JOSÉ DOS CAMPOS . SP
Em tempos de isolamento
PARTITA 1

Desta Partita, apenas a Sarabande e a Tempo di Borea trazem

características que tipificam as danças francesas.

ALLEMANDE

A Allemande  ocupou um lugar de prelúdio nas suítes instrumentais da

música chamada Barroca, e já havia se distanciando bastante do modelo

dançado, do Renascimento.

Segundo Mersenne (1636): a Allemande é uma dança da Alemanha que tem

a mesma métrica da Pavanne mas que não era tão rápida na França [...]

hoje em dia nos contentamos em tocá-la em nossos instrumentos, sem

dançá-la. [5]

[5] Marin Mersenne, Harmonie universelle (Paris, 1636). Todas as traduções são de minha

autoria (quando não, serão indicadas).

4
PARTITA 1

CORRENTE

Há duas grafias para esta dança: Corrente e Courante.

A Corrente faz parte do modelo italiano, é ternaria, instrumental, não

dançada, e marcada pela característica fluida ritmo-melódica [6].

[6] Nos principais tratados de dança do Renascimento - Il Ballarino (1581) e Nobilità di

Dami (1600), de Fabritio Caroso, e Le Gratie d' Amore (1604), de Cesare Negri - não

constam registros de correntes.

5
PARTITA 1

François Couperin (1668 – 1733) em sua obra Concerts Royaux (1722) traz

no Quatrième Concert uma diferença clara entre a Courante a L’italiene

(instrumental, não dançada) e a Courante Françoise (instrumental e

dançada, que apresenta ritmos pontuados e uma ambiguidade entre a

execução ternária e a binária que se alternam em hemíola):

6
PARTITA 1

SARABANDE

Origem - Provavelmente do "novo mundo", foi introduzida na Itália e na

França através do repertório espanhol que usava guitarra barroca (e

nestes casos há também menção a castanholas). Na passagem do século

XVII para o XVIII se constatam que as referências à dança vão de

"rápida" para "grave". [7]

Caráter - Se tomarmos como exemplo autores franceses

contemporâneos à época da composição das Sonatas e Partitas de

Bach, encontramos as seguintes menções:

Dupont (1718)[8]: ela se canta com gravidade.

Rameau (1722)[9]: o movimento da sarabanda segundo se observa, é

lento.

Se tomarmos músicos e teóricos germânicos (contemporâneos e

posteriores a Bach), cujas obras são pilares como referência para as

tradições musicais alemãs de então, observamos as seguintes menções:

Mattheson (1739)[10]: há três tipos de sarabanda – para cantar, para

tocar e para dançar. O afeto da dança seria a reverência [respeito]. A

grandezza mantém a sua seriedade. Para tocar no cravo e no alaúde,

usam-se mais liberdades (incluindo variações).

Quantz (1752)[11]: sarabande é majestosa (como a loure e a courante,

cuja articulação com o arco destaca cada semínima), mas é tocada de

forma mais agradável.

[7]Oxford Reference Online - The International Encyclopedia of Dance.

[8] Pierre Dupont, Principes de musique (Paris, 1718) apud Judith Carls Caswell, Rhytmic

Inequality and tempo in French Music between 1650 and 1740 (Doctor Thesis, University

of Minesota, 1973).

[9] Jean-Philippe Rameau, Traité de l'Harmonie (Paris, 1722), apud Caswell, op. cit.

[10] Johann Mattheson, Der volkommene Capellmeister (Hamburg, 1739), trad. Ernst C.

Harris, MI: UMI Research Press, 1981. Harris traduz o termo  Ehrfurcht  para ambição, e a

palavra mais precisa seria reverência ou respeito, segundo Daniel Ivo, cravista e

pesquisador.

[11] Johann Joachim Quantz, On Playing the Flute (Berlin, 1752), trad. Edward R. Reilly,

Faber and Faber, London, 1966.


7
PARTITA 1

SARABANDE

8
PARTITA 1

SARABANDE

Fórmula de compasso mais usual - 3, 3/2 ou 3/4

Métrica e Afetos - Bach utilizou predominantemente duas das

organizações rítmicas típicas da dança, apontadas por Mersenne (1636)

[12] como "pés métricos" (ou mouvemens rythmiques)  da poesia grega,

sendo a sequência de três ritmos curtos, seguidos por um ritmo longo e

outro curto, que em música se traduz como:

Esta célula rítmica se decompõe em dois "pés métricos" apontados por

Mersenne como o tribrache e o trochee. Segundo o autor, a “Rítmica é

uma arte que considera os movimentos, e que regra o que advém destes

e suas combinações, para excitar as paixões, e para as cuidar

aumentado-as, diminuindo-as, ou apaziguando-as”.[13]

Outro "pé" característico da dança é o iambe, um ritmo curto seguido

por um longo, que em música se traduz como:

Vossius (1673)[14] associou afetos a cada um dos pés da poesia grega, e

indica que o tribrach é leve, e fluido, o trochee é terno, suave e o iambe

é orgulhoso, enérgico.

Características coreográficas - As coreografias de sarabandas são

predominantemente para a cena, podem ser em solo, em duo

(normalmente um casal), são complexas na técnica, utilizam tanto

movimentos de deslizar (glissé) no solo, deslocamentos (pas de bourré)

quanto saltos (demi-cabriole, chassé, pas de sissone, jetté,

contretemps) [15] e giros, principalmente nas sarabandas para

personagens masculinos. Também é recorrente utilizar o coupez-a-deux-

mouvement, cuja rítmica do passo (e do movimento de braços) enfatiza

o segundo tempo do compasso (ou seja, o iambe). Há bastante

ornamentação dos movimentos de braços e pulsos, o que confere uma

propriedade bastante expressiva e visual à dança.

Fraseado musical e coreográfico - 4 compassos.

[12] Marin Mersenne, op. cit.

[13] Idem. Livre Sixième, De l’ art de bien chanter, IV Partie, Proposition XVII, p.374.

[14] Isaac Vossius, De poematum cantu et viribus rhythmi (Oxford, 1673), apud Betty

Bang Mather, Dance Rhythms of the French Baroque, Indiana Univ. Press, 1987.

[15]Estas nomenclaturas de passos se encontram na publicação de

Chorégraphie  (1700). Ao longo da transformação da técnica dessas danças no século

XIX, boa parte desses termos se mantiveram e são usados na técnica do balé.

Entretanto a execução dos passos não guarda a mesma mecânica dos movimentos.
9
PARTITA 1

SARABANDE

Características coreográficas e musicais:

Francine Lancelot, La Belle Danse (1995,p. LII) [16]

[16] Francine Lancelot, La Belle Danse - Catalogue Raisonné. Ed. Van Dieren, 1995.

10
 
PARTITA 1

SARABANDE: EXEMPLO DE COREOGRAFIA

Informações da coreografia

Francine Lancelot, La Belle Danse (op. cit., p. 82)

11
PARTITA 1

SARABANDE POUR UN HOMME

Notação Beauchamp-Feuillet

Corégrafo: Guillaume Louis Pécour.

1 ª página da Sarabande pour un homme.

Publicada por Feuillet: Recueil d' Entrees de Ballet de Mr. Pécour (Paris, 1704, p. 225).

12
PARTITA 1

TEMPO DI BOREA

Origem - Segundo Rousseau (1768) [17] a Bourrée é proveniente da

província de Auvergne.

Caráter - Se tomarmos como exemplo autores franceses

contemporâneos à época da composição das Sonatas e Partitas de

Bach, encontramos as seguintes menções:

Dupont (1718)[18]: muito rápida, e sobretudo é preciso enfatizar as notas

que são as síncopas.

Rameau (1722)[19]: movimento da bourée, é rápido.

Démotz (1728)[20]: a dois tempos, alegre ou ligeira.

Se tomarmos músicos e teóricos germânicos (contemporâneos e

posteriores a Bach), cujas obras são pilares como referência para as

tradições musicais alemãs de então, observamos as seguintes menções:

Mattheson (1739)[21]: a melodia mais fluída, suave e conectada que a

gavotte é a da bourré, principalmente para dançar [...] Ocasionalmente

no teatro e em outras peças seculares aparece uma ária vocal,  col

tempo di Borea [...]. Devo dizer que seu verdadeiro caráter é o

contentamento, a alegria, como se fosse algo tranquilo [...].

Quantz (1752)[22]: a bourré e o rigaudon são executadas alegremente,

e com um golpe de arco curto e leve. A pulsação é marcada [uma vez] a

cada compasso.

[17] Jean-Jacques Rousseau, Dictionaire françois (Paris, 1768), apud Betty Bang Mather,

op. cit.

[18] Pierre Dupont, op.cit.

[19] Jean-Philippe Rameau, op.cit.

[20] Démotz de la Salle, Méthode de musique selon un nouveau systême (Paris, 1728),

apud Caswell, op. cit.

[21] Johann Mattheson, op. cit.

[22] Johann Joachim Quantz, op. cit.


13
PARTITA 1

TEMPO DI BOREA

14
PARTITA 1

BOURRÉE

Fórmula de compasso mais usual - 2, 2/4, C

Métrica e Afetos - Bach utilizou predominantemente um dos "pés métricos"

apontado por Mersenne (1636)[23]como a sequência de quatro ritmos curtos

(lembrando que o autor não associa este padrão à bourrée, ainda inexistente

em seu tempo). Em música a sequência se traduz como

Esta célula rítmica corresponde ao proceleumatique que pode ser decomposto

em duas sequências de pyrriche.

Se buscarmos a correspondência do ritmo da síncopa com os "pés métricos"

apontados por Mersenne, encontramos o scolien que se traduz em música

como

Vossius (1673)[24] associou os seguintes afetos ao "pé métrico''  pyrrich:  é

leve, fluente, como na dança dos sátiros. Não faz referência ao scolien, mas

sabemos que  iambe  (ritmo curto seguido de longo) é enérgico, para este

autor.

Características coreográficas - As coreografias de bourrés  são para duos e

podem ocorrer para as danças dos bailes da corte, e para a cena. Neste

último caso são mais complexas tecnicamente.

O passo de base da dança se chama pas de bourrée (mas não é exclusivo

desta dança), e é usado para percorrer o espaço. Além deste, com frequência

aparecerem passos com saltos (pas de sissone, jetté, contretemps) [25]. É

uma dança realizada com muita precisão rítmica nos passos, além de grande

velocidade de deslocamento. O ritmo do pas de bourrée nesta dança

corresponde ao "pé métrico" anapest, traduzido musicalmente por

cujo afeto é "furioso", segundo Vossius.

Fraseado musical e coreográfico - 4 ou 8 compassos.

Característica musical: anacruse de semínima (ou colcheias) e síncopa.

[23] Marin Mersenne, op. cit.

[24] Isaac Vossius, op. cit.

[25] Estas nomenclaturas de passos se encontram na publicação da Chorégraphie  (1700),


op.cit.

15
PARTITA 1

BOURRÉE

Características coreográficas e musicais:

Francine Lancelot, La Belle Danse (op. cit., p. XXXIX) [26]

[26] Francine Lancelot, La Belle Danse, op. cit.

16
PARTITA 1

BOURRÉE: EXEMPLO DE COREOGRAFIA

Informações da coreografia

Francine Lancelot, La Belle Danse (op. cit., p. 22) 

17
PARTITA 1

BOURRÉ D'ACHILLE

Notação Beauchamp-Feuillet

Corégrafo: Guillaume Louis Pécour.

1 ª página da Bourré d'Achille para um casal: homem (à esquerda) e mulher (à direita).

Publicada por Feuillet: Recueil de Danses composées par Mr. Pécour (Paris, 1700, p.1).

18
BWV 1004

PARTITA 2

Allemanda . Corrente . Sarabanda .

Giga . Ciaccona.

RAQUEL ARANHA
JULHO 2020
SÃO JOSÉ DOS CAMPOS . SP
Em tempos de isolamento
PARTITA 2

Desta Partita, apenas a Sarabanda e a Ciaconna trazem características

que tipificam as danças francesas.

ALLEMANDA

20
PARTITA 2

CORRENTE

21
PARTITA 2

SARABANDA

22
PARTITA 2

SARABANDA

Métrica e Afetos - Nesta Sarabanda Bach apresentou nos dois primeiros

compassos uma das organizações rítmicas típicas da dança, apontada

por Mersenne (1636)[27] como o iambe, um ritmo curto seguido por um

longo, que em música se traduz como:

Também usa a sequência de três ritmos curtos, seguidos por um ritmo

longo e outro curto, que em música se traduz como:

Como visto na Sarabande da Partita I, são os dois "pés métricos"

apontados por Mersenne como o tribrache e o trochee.

Lembrando que em termos de afetos, Vossius (1673)[28] indica que o

tribrach é leve, e fluido, o trochee é terno, suave e o iambe é orgulhoso,

enérgico.

Características coreográficas - Ver Sarabande da Partita I.

Fraseado musical e coreográfico - 4 compassos.

[27] Marin Mersenne, op. cit.

[28] Isaac Vossius, op. cit.

23
PARTITA 2

GIGA

A Giga faz parte do modelo instrumental italiano [29], e segundo

Rameau (1722)[30] a gigue italiana pode ser em 9/8 ou 12/8, e a gigue

francesa mais frequentemente é em 6/8 (e possui ritmos pontuados).

Mattheson (1739)[31] fala "a  Gige italiana, não usada para dançar, mas

para tocar no violino [for fiddling], força a uma extrema velocidade e

fluidez".

[29] Nos principais tratados de dança do Renascimento - Il Ballarino (1581), Nobilità di

Dami (1600), e Le Gratie d' Amore (1604), op. cit., não constam registros de gigas.

[30] Jean-Philippe Rameau, op. cit.

[31] Johann Mattheson, op. cit.

24
25
PARTITA 2

CIACCONA

Origem - Provavelmente do "novo mundo", foi introduzida na Espanha, e

depois na Itália e França.[32]

Caráter - Se tomarmos como exemplo autores franceses contemporâneos à

época da composição das Sonatas e Partitas de Bach, encontramos as

seguintes menções:

Hoteterre (1719)[33]: alegre.

Saurin (1722) [34]: Chaconne em 3, rápida.

Démotz (1728)[35]: Chaconne [...] três tempos alegres ou ligeiros [...]

marcados pelos mestres de dança e sinfonistas a um só tempo por cada

compasso.

Se tomarmos músicos e teóricos germânicos (contemporâneos e posteriores a

Bach), cujas obras são pilares como referência para as tradições musicais

alemãs de então, observamos as seguintes menções:

Mattheson (1739)[36]: a dança mais melodiosa é provavelmente a Ciacona,

Chaconne, com seu irmão, ou irmã, o passagaglio, ou Passecaille [...] A

chaconne é cantada e dançada, ocasionalmente ao mesmo tempo. Não

hesito em expressar seu caráter atualmente [satisfação] [...] chaconne tem

mais intenção e é mais devagar que a passacaille, [...] prefere tonalidades

maiores, [...]tem um tema constante no baixo que pode ser ocasionalmente

evitado [...] mas que reaparece.

Quantz (1752)[37]: tocada majesticamente.

[32] Oxford Reference Online, op. cit.

[33] Jacques Hoteterre, L' Art de préluder sur la flute travesière, sur la flute-à-bec, sur le

hautbois, et autres instrument de dessus (Paris, 1719), apud Betty Bang Mather, op. cit. 

[34] Didier Saurin, La musique theorique et pratique (Paris, 1722), apud Judith Carls Caswell,

op. cit.

[35] Démotz de la Salle, apud Caswell, op. cit.

[36] Johann Mattheson, op. cit.

[37] Johann Joachim Quantz, op. cit.

26
PARTITA 2

CIACCONA

27
PARTITA 2

28
PARTITA 2

29
PARTITA 2

30
PARTITA 2

31
PARTITA 2

CIACCONA

Fórmula de compasso mais usual - 3 ou 3/4

Métrica e Afetos - Bach apresenta a característica marcante da dança, de

iniciar no segundo tempo do compasso, apresentando em sequência dois

compassos do iambe:

Também usa a sequência de três ritmos curtos, seguidos por um ritmo curto e

outro longo, que em música se traduz como:

Esta célula rítmica se decompõe em dois "pés métricos", o tribrache e o

iambe.

Retomando Vossius (1673)[38], o tribrache é leve, e fluido, e o iambe é

orgulhoso, enérgico.

Características coreográficas - As coreografias de chaconas são

exclusivamente para a cena, muito virtuosas, em solo, ou em grupo, tanto

para personagens masculinos quanto femininos. Servem tanto para as

representações da Belle Danse (de caráter mais nobre), quanto são usadas

para personagens da Commedia dell'arte, em especial o Arlequim.

Utilizam movimentos de deslizar (glissé) no solo, deslocamentos (pas de

bourré vite) quanto saltos (chassez, contretemps de chaconne, jettez,

cabriole, échapez, pas de sissone, contretemps, battements) e giros.

Há bastante ornamentação dos movimentos das pernas, o que confere uma

propriedade bastante vigorosa à dança.

Nas coreografias de Arlequim constam passos que tipificam o personagem,

incluindo os movimentos de cabeça.

Fraseado musical e coreográfico - 4 compassos.

Característica musical: inicia no segundo tempo do compasso, apresentando

ora um ritmo pontuado (semínima pontuada seguida de colcheia), ora duas

semínimas. Ocupam um lugar importante nas entrées de ballet, e são peças

mais longas que apresentam variações e contrastes, também presentes nas

coreografias.

[38] Isaac Vossius, op. cit.


32
PARTITA 2

CIACCONA

Características coreográficas e musicais:

Francine Lancelot, La Belle Danse (op. cit., p.LVII) [39]

[39] Francine Lancelot, La Belle Danse, op. cit.


33
PARTITA 2

CIACCONA: EXEMPLO DE COREOGRAFIA

Informações da coreografia:

Francine Lancelot, La Belle Danse (op. cit., p.76)

34
PARTITA 2

CHACONNE DE PHAÉTON

Notação Beauchamp-Feuillet

Corégrafo: Guillaume Louis Pécour.

1 ª página da Chaconne de Phaéton pour un homme.

Publicada por Feuillet: Recueil d' Entrees de Ballets de Mr. Pécour (Paris, 1704, p.185).

35
PARTITA 2

CHACONNE FOR ARLEQUIN

Notação Beauchamp-Feuillet

Corégrafo: F. le Rousseau.

1 ª e 2 ª página da Chaconne for arlequin.

Publicada por F. le Rousseau: Collection of Ball and Stage Dances (Londres, 1720, pp. 72-73).

36
BWV 1006

PARTITA 3

Preludio . Loure . Gavotte en Rondeaux .

Menuet 1re . Menuet 2de . Bourre . Gigue .

RAQUEL ARANHA
JULHO 2020
SÃO JOSÉ DOS CAMPOS . SP
Em tempos de isolamento
PARTITA 3

Desta Partita, a Loure, a Gavotte, o Menuet e a Bourre trazem

características que tipificam as danças francesas.

PRELUDIO

38
PARTITA 3

39
PARTITA 3

40
PARTITA 3

LOURE

Origem - Não há precisão sobre a origem desta dança, mas o termo Loure se

refere a uma gaita de fole muito popular na região da Normandia [40].

Caráter - Se tomarmos como exemplo autores franceses contemporâneos à

época da composição das Sonatas e Partitas de Bach, encontramos as

seguintes menções:

Dupont (1718)[41]: devemos cantá-la gravemente.

Saurin (1722) [42]: Loure em 6/4, lenta.

Démotz (1728)[43]: a Loure se marca a dois tempos graves [...]. É um tipo de

melodia grave e dançante [...]começa em anacruse.

Se tomarmos músicos e teóricos germânicos (contemporâneos e posteriores a

Bach), cujas obras são pilares como referência para as tradições musicais

alemãs de então, observamos as seguintes menções:

Mattheson (1739)[44]: a Loure ou versão lenta pontuada [da Gigue] revela

um caráter orgulhoso da dança.

Quantz (1752)[45]: tocada majesticamente, o arco é articulado a cada

semínima, seja pontuada ou não.

[40] Oxford Reference Online, op. cit.

[41] Pierre Dupont, op. cit.

[42] Didier Saurin, op.cit.

[43] Démotz de la Salle, op. cit.

[44] Johann Mattheson, op. cit.

[45] Johann Joachim Quantz, op. cit.


41
PARTITA 3

LOURE

42
PARTITA 3

LOURE

Fórmula de compasso mais usual - 6/4

Métrica e Afetos - Bach apresenta nos dois primeiros compassos uma

das organizações rítmicas típicas da dança, que corresponde ao que

Mersenne (1636)[46] aponta como o trochee, um ritmo longo seguido por

um curto, e o tribrache, três ritmos curtos que em música se traduz

como:

Também usa a anacruse pontuada, típica da Loure e a sequência de dois

trochee:

Lembrando que em termos de afetos, Vossius (1673)[47] indica que

o trochee é terno, suave, o tribrache é leve, e fluido.

Características coreográficas - predominantemente para o teatro, rica

em ornamentação, para duo (casal), são complexas na técnica, utilizam

tanto movimentos de deslizar (glissé no pas grave) no solo,

deslocamentos (pas de bourré, pas de bourré en presence) quanto saltos

(pas de sissone, jetté, contretemps), e balancé. Também é recorrente

utilizar o coupez-a-deux-mouvement, cuja rítmica do passo (e do

movimento de braços) enfatiza o segundo tempo do compasso (ou seja,

o iambe, orgulhoso e enérgico segundo Vossius):

Fraseado musical e coreográfico - 4 compassos.

[46] Marin Mersenne, op. cit.

[47] Isaac Vossius, op. cit.

43
PARTITA 3

LOURE

Características coreográficas e musicais:

Francine Lancelot, La Belle Danse (op. cit., p. LIV) [48]

[48] Francine Lancelot, La Belle Danse, op. cit.

44
PARTITA 3

LOURE: EXEMPLO DE COREOGRAFIA

Informações da coreografia:

Francine Lancelot, La Belle Danse (op. cit., p.36)

45
PARTITA 2

THE LOUVRE

Notação Beauchamp-Feuillet

Corégrafo: John Weaver.

1 ª página da The Louvre.

Publicada por Weaver na: Orchesography or the Art of Dancing (Londres, 1715, p.107).

Fonte: Libray of Congress. Image 114. https://lccn.loc.gov/22022367

46
PARTITA 3

GAVOTTE

Origem - provavelmente francesa.

Caráter - Se tomarmos como exemplo autores franceses contemporâneos à

época da composição das Sonatas e Partitas de Bach, encontramos as

seguintes menções:

Dupont (1718)[49]: um pouco mais lenta que a marcha [...] se canta

graciosamente.

Saurin (1722) [50]: Gavotte em C , rápida.

Démotz (1728)[51]: a Gavotte  se marca a dois tempos graves [lento].

Se tomarmos músicos e teóricos germânicos (contemporâneos e posteriores a

Bach), cujas obras são pilares como referência para as tradições musicais

alemãs de então, observamos as seguintes menções:

Mattheson (1739)[52]: a Gavotta, cujos tipos são para cantar, para tocar no

cravo, no violino, etc. pra dançar, etc. Seus afeto é puro júbilo.

Quantz (1752)[53]: a gavotte é quase como um rigaudon, mas é mais

moderada no tempo.

[49] Pierre Dupont, op. cit.

[50] Didier Saurin, op. cit.

[51] Démotz de la Salle, op. cit.

[52] Johann Mattheson, op. cit.

[53] Johann Joachim Quantz, op. cit.

47
PARTITA 3

GAVOTTE

48
PARTITA 3

GAVOTTE

Fórmula de compasso mais usual - C, 2 , 2/4

Métrica e Afetos - Bach apresenta nos dois primeiros compassos uma

das organizações rítmicas típicas da dança, que corresponde ao que

Mersenne (1636)[54] aponta como o dactyle, um ritmo longo seguido por

dois curtos:

Também usa a anacruse típica da dança, de duas semínimas, ou o

pyrriche:

Em termos de afetos, Vossius (1673)[55] indica que o dactyle é alegre,

jubiloso, e o pyrriche é leve, fluido, como nas danças dos sátiros.

Características coreográficas - mais predominantemente no salão, onde

ocorria como contradança, ou seja, para mais de um casal dançar ao

mesmo tempo. É bastante frequente o uso do pas de gavotte, que

consiste num salto de deslocamento (contretemps) e um salto unindo os

calcanhares em primeira posição (assemblé).  A dança repete muitas

vezes este mesmo "passo de base". 

A dança inicia apenas após a anacruse, ou seja, no primeiro tempo

tético. O ritmo do pas de gavotte compreende dois compassos, sendo o

primeiro feito com dois ritmos curtos e um longo, ou anapeste segundo

Mersenne (furioso, segundo Vossius), e a junção de dois longos, ou

spondée (grave, segundo Vossius):

Estas características rítmicas da música e da execução do passo de

base da dança ocasiona um ritmo espelhado que ocorre

concomitantemente:

Música

Dança

Fraseado musical e coreográfico - 2 compassos.

[54] Marin Mersenne, op. cit.

[55] Isaac Vossius, op. cit.

49
PARTITA 3

GAVOTTE

Características coreográficas e musicais:

Francine Lancelot, La Belle Danse (op. cit., p. XLII) [56]

[56] Francine Lancelot, La Belle Danse, op. cit.

50
PARTITA 3

GAVOTTE: EXEMPLO DE COREOGRAFIA

Informações da coreografia:

Francine Lancelot, La Belle Danse (op. cit., p.176)

51
PARTITA 3

LA GAVOTTE DU ROY A QUATRE

Notação Beauchamp-Feuillet

Corégrafo: Claude Balon.

1 ª página da La Gavotte du Roy.

Publicada por Jacques Dezais no: XIII Recueil de danses pour l' année 1716 (Paris, 1716, p.1).

52
PARTITA 3

MENUET

Origem - provavelmente francesa, e se relaciona à branle de Poitou e à

branle à mener de Poitou [57], que são danças do Renascimento.

Caráter - Se tomarmos como exemplo autores franceses contemporâneos à

época da composição das Sonatas e Partitas de Bach, encontramos as

seguintes menções:

Dupont (1718)[58]: três tempos, fluido.

Saurin (1722) [59]: Menuet em 3, rápido.

Rameau (1722) [60]: Menuet [em 2], alegre. O Menuet segundo o uso [em 3],

alegremente.

Démotz (1728)[61]: o Menuet é marcado em três tempos alegres ou rápidos

[...] todas as melodias de dança a três tempos fluido, rápido e muito rápido

são marcas normalmente pelos mestres de dança e sinfonistas, a um só

tempo para cada compasso.

Se tomarmos músicos e teóricos germânicos (contemporâneos e posteriores a

Bach), cujas obras são pilares como referência para as tradições musicais

alemãs de então, observamos as seguintes menções:

Mattheson (1739)[62]: o Menuet, a Minuetta, pode ser para tocar, pra cantar

e para dançar. Não tem outro afeto que uma alegria moderada.

Quantz (1752)[63]: o menuet é tocado de forma saltada, as semínimas

marcadas mas ainda com arcadas curtas, com a pulsação a cada duas

semínimas.

[57] Oxford Regerence Online, op. cit.

[58] Pierre Dupont, op. cit.

[59] Didier Saurin, op.cit.

[60] Jean-Philippe Rameau, op.cit.

[61] Démotz de la Salle, op. cit.

[62] Johann Mattheson, op. cit.

[63] Johann Joachim Quantz, op. cit. 53


PARTITA 3

MENUET

54
PARTITA 3

MENUET

Fórmula de compasso mais usual - 3, 3/4, 6/4

Métrica e Afetos - Bach apresenta duas organizações rítmicas típicas da

dança, que corresponde ao que Mersenne (1636)[64] aponta como o

tribrache, três ritmos curtos, e o trochee, um ritmo longo e um curto:

Em termos de afetos, Vossius (1673)[65] indica que o tribrache é fluido,

leve, e o trochee é suave, terno.

Características coreográficas - uma das danças de maior longevidade,

dada sua importância nas festividades da corte (bailes), as coreografias

encontradas nos acervos datam entre 1706 e 1781.

Considerada elegante, com movimentos de deslocamento fluido no

salão, é uma dança necessariamente para 1 casal (há também minuetos

em contradança, em menor número). Obrigatoriamente iniciam de mãos

dadas (a dama sempre ao lado direito do cavalheiro), e diferentemente

das outras danças, ambos iniciam com o pé direito no primeiro tempo.

Todo minueto é realizado com o passo de base,  pas de menuet, que é

composto por uma sequência 4 passos


de (em que se alternam o pé

direito e o esquerdo), em 6 tempos . P i e r r e Rameau, autor de um dos

principais tratados de dança francesa - Le Maître a Danser (Paris, 1725)

- dedica vários capítulos para tratar apenas do Minueto, e no capítulo

XXI descreve a rítmica dos passos, indicando que o primeiro compasso

(de 3 tempos) se chama cadence, e o segundo, contrecadence.

Assim, a dança sempre considera 6 tempos , e em relação à rítmica dos

passos, segundo a descrição de P. Rameau, temos as seguintes

variantes 

Mais comum

Mais difícil

Concomitantemente, temos

Música

Dança

[64] Marin Mersenne, op. cit.

[65] Isaac Vossius, op. cit.

55
PARTITA 3

MENUET

Há figuras obrigatórias no minueto, como o "S" ou "Z", o giro horário

com a mão direita, o anti-horário com a esquerda, e giro de duas mãos.

No exemplo a seguir, foram reunidas algumas dessas figuras [66]:

Também faz parte do Minueto teatral o uso do contretemps de menuet,

um passo que usa uma sequência de três saltos, com a rítmica:

Segundo Vossius, essa sequência rítmica do  iambe  e do trochee

representa os afetos do orgulho e do terno (respectivamente). Esta

junção de pés métricos também era conhecida como antispastic.

Como se vê, o minueto era uma dança de muitas camadas rítmicas, e há

uma constante sobreposição de uma estrutura que envolve: dois

compassos ternários na música (se escrita em 3) e um compasso de

dança (de 6 tempos) que ora se organiza como um ternário 3/2, e ora se

apresenta como com um binário composto (no contretemps de menuet).

Os mesmos passos-base do Minueto são também usados no Passepied

(em 3/8), considerado uma versão rápida do Minueto.

[66] Kellom Tomlinson, The Art of Dancing (London, 1735).

56
PARTITA 3

MENUET

Características coreográficas e musicais:

Francine Lancelot, La Belle Danse (op. cit., pp. XLV, XLVIII) [67]

[67] Francine Lancelot, La Belle Danse, op. cit.

57
PARTITA 3

MENUET: EXEMPLO DE COREOGRAFIA

Informações da coreografia:

Francine Lancelot, La Belle Danse (op. cit., p.54)

58
PARTITA 3

MENUET À DEUX

Notação Beauchamp-Feuillet

Corégrafo: Guillaume Louis Pécour.

1 ª página do Menuet a deux.

Publicada por Feuillet no: Recueil d' Entrées de Ballet de Mr. Pécour (Paris, 1704, p.48).

59
PARTITA 3

BOURÉE

Características coreográficas - ver Tempo di Borea da Partita I, p. 13.

60
PARTITA 3

GIGUE

61
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Primárias

Caroso, Fabritio, Il Ballarino. Venetia, 1581.

_____________, Nobilità di Dami. Venetia, 1600.

Choquel, Henry-Louis, La musique rendue sensible para la méchanique. Paris, 1762.

Couperin, François, Concerts Royaux. Paris, 1722.

Démotz de la Salle, Abbé, Méthode de musique selon un nouveau systême. Paris, 1728.

Dezais, Jacques, XIII Recueil de danses pour l' année 1716. Paris, 1716.

Dupont, Pierre, Principes de musique. Paris, 1718.

Engramelle, Marie-Dominique-Joseph, La tonotechnie ou l’ ar t de noter les cylindres. Paris, 1775.

Feuillet, Raoul Auger, Chorégraphie ou l’ Art de décrire la danse. Paris, 1700.

________________, Recueil de Dances. Paris, 1704.

________________, Recueil d' Entrees de Ballet de Mr. Pécour. Paris, 1704.

Hoteterre, Jacques, L' Ar t de préluder sur la f lute travesière, sur la flute-à-bec, sur le hautbois, et

autres instrument de dessus. Paris, 1719.

Kirnberger, Johann Philipp, Recueil d’ airs de danses caractéristiques, pour servir de modele aux

jeunes compositeurs, et d’exercise à ceux qui touchent du clavecin. Berlin, 1778.

La Chapelle, Jacques-Alexandre de, Les vrais principes de la musique. Paris, 1737.

Loulié, Étienne, Eléments ou principes de musique. Paris, 1696.

Mersenne, Marin, Harmonie universelle. Paris, 1636.

Mattheson, Johann, Der volkommene Capellmeister. Hamburg, 1739.

Negri, Cesare, Le Gratie d'Amore. Milan, 1604.

Onzembray, Chevalier Louies-Léon Pajot Compte d', Description et usage d’un métonome ou machine

pour battre les mesures & les temps de toutes sortes d’ airs. Paris 1732.

Rameau, Traité de l' Harmonie. Paris, 1722.

Rameau, Pierre, Le Maître a danser. Paris, 1725.

Rousseau, F. Le, Collection of Ball and Stage Dances. Londres, 1720.

Rousseau, Jean-Jacques, Dictionaire françois. Paris, 1768.

Saurin, Didier, La musique theorique et pratique. Paris, 1722.

Taubert, Gottfried, Rechtschaffner Tantzmeister. Leipzig, 1717.

Tomlinson, Kellom, The Art of Dancing. London, 1735.

Vossius, Isaac, De poematum cantu et viribus rhythmi. Oxford, 1673.

Weaver, John, Orchesography or the Art of Dancing. London, 1715.

62
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Secundárias

Caswell, Judith Carls, Rhytmic Inequality and tempo in French Music between 1650 and

1740, Doctor Thesis, University of Minesota, 1973 .

Harris, Ernst C., Trad. Johann Mattheson, Der volkommene Capellmeister, Hamburg,

1739. MI: UMI Research Press, 1981.

Little, Meredith e Jenne, Natalie, Dance and the Music of J.S. Bach. Bloomington,

IIndiana University Press, 2001.

Lancelot, Francine, La Belle Danse - Catalogue Raisonné. Ed. Van Dieren. Paris, 1995.

Mather, Betty Bang, Dance Rhythms of the French Baroque, Indiana Univ. Press, 1987.

Oxford Reference Online - The International Encyclopedia of Dance.

Reilly, Edward R., Trad. Johann Joachim Quantz, Versuch einer Anweisung die Flöte

traversiere zu spielen, Berlin, 1752. Faber and Faber, London, 1966.

63

Вам также может понравиться