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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

Centro de Filosofia e Ciências Humanas


Programa de Pós-graduação em Psicologia

ARIANE NOEREMBERG GUIMARÃES

HOMENS, MASCULINIDADES E ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO À


VIOLÊNCIA DE GÊNERO:
Sentidos co-construídos com um grupo de estudantes

Orientador: Prof. Dr. Adriano Beiras

FLORIANÓPOLIS
2020
ARIANE NOEREMBERG GUIMARÃES

HOMENS, MASCULINIDADES E ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO À


VIOLÊNCIA DE GÊNERO:
Sentidos co-construídos com um grupo de estudantes

Dissertação apresentada como requisito parcial


à obtenção de grau de Mestre em Psicologia,
Programa de Pós-Graduação em Psicologia,
Mestrado, Centro de Filosofia e Ciências
Humanas da Universidade Federal de Santa
Catarina.

Orientador: Prof. Dr. Adriano Beiras

FLORIANÓPOLIS
2020
ARIANE NOEREMBERG GUIMARÃES

HOMENS, MASCULINIDADES E ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO À


VIOLÊNCIA DE GÊNERO: SENTIDOS CO-CONSTRUÍDOS COM UM GRUPO DE
ESTUDANTES

O presente trabalho em nível de mestrado foi avaliado e aprovado por banca examinadora
composta pelos seguintes membros:

Profª. Ivânia Jann Luna, Dra.


Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Profª. Raquel de Barros Pinto Miguel, Dra.


Universidade Federal de Santa Catarina

Certificamos que esta é a versão original e final do trabalho de conclusão que foi julgado
adequado para obtenção do título de mestre em Psicologia.

Documento assinado digitalmente


Andrea Barbara da Silva Bousfield
Data: 05/05/2020 13:36:47-0300
CPF: 690.659.850-34

_________________________________________
Profª. Andréa Barbará da Silva Bousfield, Dra.
Coordenação do Programa de Pós-Graduação

Documento assinado digitalmente


Adriano Beiras
Data: 04/05/2020 09:17:56-0300
CPF: 033.031.629-05

_________________________________________
Prof. Adriano Beiras, Dr.
Orientador

Florianópolis, 2020.
Agradecimentos

Agradeço a Deus pela guia, pelo amor, por tantas vezes renovar minhas forças nesta
caminhada! Este trabalho também não existiria nem faria sentido sem a presença em minha vida
de muitas pessoas. Por isso, minha imensa gratidão:
Aos meus pais, que sempre me incentivaram e me proporcionaram qualidade nos
estudos, por grande amor; à minha mãe, por suas incansáveis orações. Aos meus irmãos, que
trilharam antes de mim os caminhos da formação acadêmica e me deram as coordenadas nessa
área; à minha irmã, professora que tanto admiro e que me auxiliou em cada passo da pesquisa,
fosse de forma técnica ou escutando minhas lamentações.
Aos meus “pais adotivos”, Valdete e Maurino, pelo carinho, amparo, amizade,
confiança, refeições conjuntas e moradia. Não tenho palavras para lhes agradecer por tudo!
Ao meu esposo, pelo amor, companhia, paciência e desvelo. À sua família, pelo
acolhimento e cuidado; à minha sogra, que tantas vezes me preparou refeições para viagem,
facilitando minha rotina e tempo para estudos.
Aos amigos e colegas que acreditaram, mais do que eu, na minha entrada e conclusão
do mestrado, que aguentaram minhas reclamações, oraram, enviaram pensamentos positivos e
torceram muito: Andressa, Claudia, Allan, Fernanda M., Daniele, Raquel, Josiane, Aline,
Vivian, André, Jacqueline, Priscilla, Marilúcia, Alesandra, Silvia Maria, Fernanda S., Janaína,
Ingrid, Maria Luiza, Paolla, Juliane, Renata, Cássia, Anderson, Daniel, Pedro, Viviane, Betânia,
Juliana, Manoella, Natália, Adriana.
À minha psicoterapeuta, Dulce, pelo acolhimento e vínculo sinceros, que ajudaram a
me organizar no tempo em que estive em terapia, dando conta de tudo. Sem você, a caminhada
foi mais longa e difícil.
Aos colegas do mestrado e professores, pelos aprendizados e apoio: David, Ana,
Raíssa, Adriana, Matheus, Bruna, Elisângela, Merity, Juracy e Gileade. Aos professores Marcos
e Rodrigo, pela disponibilidade e pelas orientações na banca de qualificação. Às professoras
Raquel, Ivânia, pela gentileza na banca de defesa e pelas importantes contribuições a este
trabalho. Especialmente, ao meu orientador, Adriano, pela oportunidade, paciência,
generosidade, ensinamentos, compreensão e afetividade.
Às chefias e colegas de trabalho do IFSC Garopaba e do IFSC Palhoça Bilíngue, pela
paciência, compreensão e suporte de maior carga de trabalho em minhas ausências. Aos
estudantes do IFSC Garopaba que me inspiraram para esta pesquisa.
À direção, aos docentes envolvidos e à equipe pedagógica do IFSC São José, que me
acolheram e ofereceram as condições necessárias para esta pesquisa. Especialmente, aos
estudantes do IFSC São José, meus copesquisadores, pela participação, confiança, sinceridade
e cordialidade.
“na cabeça de José correm dois rios sem sentido. nas pessoas de cabeça exata, não. nessas
há uma grande quantidade de órgãos de palpite, a boca, os olhos, o cérebro – essas coisas
leves.

cabeça exata define pessoas sem pés nem cabeça. não é que sejam mulas-sem-cabeça, isso
não. continuam sendo pessoas, mas, como o tamanho não varia, os pensamentos são águas
paradas. aí acontece sofrerem de clichê.”

Patrícia Galelli, em Cabeça de José.


Resumo

Este estudo concebe a relação entre masculinidades e violências enquanto uma construção
social, o que significa reconhecer que masculinidades hegemônicas se construíram na violência
contra mulheres, crianças e comunidade LGBT, assim como consiste em admitir que também
há homens que sofrem com esses pressupostos por viverem vidas limitadas, com pouco contato
com suas emoções. Sobretudo, significa aceitar que inclusive essas masculinidades são
passíveis de desconstrução e reconstrução, portanto, que homens podem aprender a criar
relações diferentes que não sejam baseadas na violência. A escola tem papel fundamental neste
trabalho, pois se trata de um ambiente de forte construção e atualização de noções de
feminilidades e masculinidades. A escola muitas vezes é um espaço que nutre e estimula as
invisibilidades, mas também pode ser um lugar que trabalhe com a visibilização da igualdade e
das diferenças. Com base epistemológica no Construcionismo Social, esta dissertação teve por
objetivo geral identificar os sentidos de masculinidades co-construídos com um grupo de
estudantes e, a partir desses sentidos, analisar as possíveis estratégias de enfrentamento à
violência de gênero. O grupo foi realizado em seis encontros no formato de Grupos Reflexivos
de Gênero, com as devidas adaptações para as condições da pesquisa. Participaram 20
estudantes (19 homens e uma mulher) de um curso técnico subsequente ao ensino médio do
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina. Os materiais produzidos
foram analisados utilizando como apoio principal a análise temático-sequencial. Sentidos
diversos sobre masculinidades foram co-construídos com os estudantes, de modo que foi
possível produzir, no grupo, a noção de masculinidades, no plural, como formas diferentes de
cada um vivenciar a sua masculinidade conforme suas condições históricas, sociais e culturais
de vida. Destacaram-se os sentidos de masculinidades relacionadas à autoria de violências de
gênero e de masculinidades relacionadas ao sofrimento de violências de gênero, de modo que
foi possível se pensar em estratégias de enfrentamento à violência de gênero com o intuito de
proteger homens e mulheres do machismo. Dentre as estratégias, as que se mostraram mais
relevantes foram a desconstrução de sentidos de masculinidades e o trabalho com grupos
reflexivos. Outras surgiram, como: sair de cena ou ficar em silêncio, não contribuindo para a
continuidade das violências já proferidas, se houver a percepção de que há risco de mais
violências; se posicionar contra as violências de gênero quando sentir segurança de que não
haverá retaliação; não fazer e não rir de piadas machistas, visto que por meio delas é reproduzida
uma série de “clichês” que constroem e cristalizam significados de masculinidades tradicionais;
não colaborar com o ciclo da violência; respeitar as diversidades; realizar trabalhos com
crianças e adolescentes, na intenção de construir futuras gerações baseadas em relações mais
equitativas de gênero. Por fim, ressaltou-se que, ao significar o grupo reflexivo como uma das
estratégias, a própria pesquisa se tornou uma forte estratégia de enfrentamento à violência de
gênero. Assim, o caráter pragmático desta pesquisa oferece pistas para ações sociais e políticas
públicas, podendo ser de grande utilidade para práticas acadêmicas e profissionais.

Palavras-chave: Masculinidades; Construcionismo Social; Violência de gênero; Estratégias de


enfrentamento; Estudantes.
Abstract

This study designs the relationship between masculinities and forms of violence as a social
construction, which means recognizing that hegemonic masculinities were constructed through
violence against women, children and the LGBT community, as well as admitting that there are
also men who suffer from these assumptions because they have their lives limited, with little
contact with their emotions. Above all, it means accepting that even these masculinities are
susceptible to deconstruction and reconstruction; therefore, men can learn to establish different
relationships that are not based on violence. The school has a key role in this work, as it is an
environment of strong construction and updating of notions of femininities and masculinities.
The school is often a space that nourishes and encourages invisibilities, but it can also be a place
that works with the visibility of equality and diferences. With an epistemological basis on Social
Constructionism, this dissertation had the general objective of identifying the meanings of
masculinities co-constructed with a group of students and, based on these meanings, analyzing
the possible strategies to cope with gender-based violence. The group was held in six meetings
in the format of Gender Reflective Groups, with the proper adaptations to the research
conditions. It was attended by 20 students (19 males and one female) from a technical course
subsequent to high school at the Federal Institute of Education, Science and Technology of
Santa Catarina. The materials produced were analyzed using thematic-sequential analysis as
the main support. Several meanings about masculinities were co-constructed with the students,
so that it was possible to produce, within the group, the notion of masculinities, in the plural,
as different ways for each one to experience its masculinity according to their historical, social
and cultural conditions of life. The meanings of masculinities related to the authorship of
gender-based violence and masculinities related to the suffering of gender-based violence stood
out, so that it was possible to think about strategies to cope with gender-based violence, with a
view to protecting men and women from machismo. Among the strategies, the most relevant
ones were the deconstruction of meanings of masculinities and the work with reflective groups.
Others were raised, such as: leaving the scene or remaining silent, thereby not contributing to
the continuity of the forms of violence already issued, if there is a perception that there is a risk
of further violence; taking a stand against gender-based violence when you feel confident that
there will be no retaliation; not making and not laughing at sexist jokes, since, through them, a
series of “clichés” are reproduced, which construct and crystallize meanings of traditional
masculinities; not collaborating with the cycle of violence; respecting the diversities;
performing activities with children and adolescents, with the aim of constructing future
generations based on more equitable gender relationships. Lastly, it was highlighted that, when
meaning the reflective group as one of the strategies, the research itself became a strong strategy
to cope with gender-based violence. Accordingly, the pragmatic nature of this research offers
clues for social actions and public policies, which can be of great usability for academic and
professional practices.

Keywords: Masculinities; Social Constructionism; Gender-based violence; Coping strategies;


Students.
Sumário

1 Introdução.......……………..………………………..…………….................……....16
2 Fundamentação Teórica............……………………..…………….....……..............27
2.1 Construcionismo Social ..............................................................................................27
2.1.1 Teoria Relacional do Significado……...…………………....…..…….…...……........31
2.2 Masculinidades…………………………………………..…..…………....……........33
2.3 Violência de gênero………………………………………..……………....….......….35
2.4 Gênero na Educação....................................................................................................39
3 Estratégias de Produção do Conhecimento………….....................…..............……42
3.1 Grupos reflexivos de gênero………………………………...……………….............44
3.2 Campo de pesquisa................………………………………………….........…….....46
3.3 Participantes............………………………………………..…………….......…...…48
3.4 Procedimentos éticos..........................………………………….…......………....…..51
3.5 Procedimentos…………………………………………………….……...........……..51
3.6 Análise dos materiais………………...……………………….………………...........55
4 Sentidos de Masculinidades........................................................................................57
4.1 Masculinidades, no plural...........................................................................................58
4.2 Masculinidades relacionadas à autoria de violências de gênero...............................75
4.3 Masculinidades relacionadas ao sofrimento de violências de gênero.......................90
5 Estratégias de Enfrentamento à Violência de Gênero...............................................99
5.1 Desconstrução de sentidos de masculinidades...........................................................99
5.2 Grupos reflexivos.......................................................................................................103
5.3 Munições extra grupo................................................................................................109
5.4 Construção de futuras gerações................................................................................111
5.5 Respeito, apesar do preconceito................................................................................113
6 Considerações Finais.................................................................................................115
Referências……………………………………………………………................………….120
Apêndice A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido...………………..….............126
Apêndice B – Termo de Gravação de Áudio e Imagem.......................................................129
Apêndice C – Exemplo de Delimitação Temático-sequencial de um Encontro.................130
Anexo – Parecer de Aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da
UFSC......................................................................................................................................137
15
16

1 Introdução

Os caminhos percorridos para chegar até esta dissertação estão diretamente envolvidos
com minhas escolhas profissionais. Durante a graduação em Psicologia, passei a me identificar
com a pesquisa teórica, tendo realizado uma iniciação científica puramente teórica, analisando
um conceito entre dois autores. A teoria me era confortável em certa medida, pois me afastava
do medo da prática profissional. Quando me dei conta do quanto eu me sentia despreparada
para qualquer prática, comecei a buscar projetos de extensão e estágios para participar. Foi
quando conheci a professora Sheila Regina de Camargo Martins (in memoriam), que me
acolheu em um projeto de extensão que trabalhava com a perspectiva sistêmica (sobre a qual
eu nada sabia).
Este projeto, denominado Relações Familiares e Comunitárias, abriu-me as portas para
diversas atividades extensionistas ao longo de três anos, dentre elas o acompanhamento da
professora coordenadora em uma turma da UNATI (Universidade aberta à Terceira Idade).
Sheila nos convidava a preparar as aulas junto dela, bem como a atuar de alguma maneira em
todas as aulas. Ela tinha um jeito diferente de lidar com aquela turma, sempre se preocupando
em partir do interesse dos estudantes, o que favorecia muito a participação de todos. Soube mais
tarde que esse “jeito” se baseava na pedagogia de Paulo Freire.
Penso que foi um privilégio conhecer a perspectiva sistêmica em Psicologia e o olhar
freireano em Educação desta maneira: primeiro fazendo, depois conhecendo seus pressupostos
teóricos. Isso fez com que minha prática profissional se construísse diretamente relacionada às
visões de mundo dessas compreensões teóricas. Assim, registros de Paulo Freire aparecerão de
vez em quando ao longo do texto, auxiliando-me na escrita. No meu entender, não poderia ser
diferente, sendo ele o patrono da Educação brasileira e um educador e humanista vastamente
reconhecido no Brasil e no mundo.
Durante boa parte da graduação, namorei a ideia de ser professora e pensei em tentar
entrar no mestrado assim que finalizasse a graduação. Porém, quando este momento chegou,
não fazia mais sentido, para mim, realizar uma pesquisa que não estivesse ancorada em minha
prática profissional cotidiana. Eu desejava que a demanda de pesquisa viesse do meu campo de
trabalho e que, ao realizá-la, modificasse este campo diretamente. Assim, fui trabalhar!
Meu primeiro trabalho como psicóloga durou pouco, mas me presenteou com o início
dos estudos sobre a epistemologia que embasa esta dissertação. Eu era bolsista em uma
incubadora de empreendimentos econômicos solidários, em um projeto que trabalhava com a
perspectiva do Construcionismo Social, sob orientação do professor Murilo Moscheta. Por
17

poucos meses, estive envolvida com as adversidades de investigar, junto a catadores de


materiais recicláveis, os sentidos apreciativos de seus trabalhos. Nós atendíamos a cinco
cooperativas. Em cada uma delas, o trabalho se construiu de uma maneira, a partir de seus
integrantes e da relação que era possível desenvolver com cada equipe. Era um desafio contínuo
de co-construção! Não vi seu resultado final, pois, antes de o projeto encerrar, fui chamada para
assumir uma vaga em meu atual emprego.
Desde 2014, então, trabalho na esfera pública federal, no campo da Educação
Profissional e Tecnológica. Atuo no setor da Coordenadoria Pedagógica, junto a uma equipe
multidisciplinar composta por pedagoga, assistente social, técnicos em assuntos educacionais,
assistentes de alunos e eu, psicóloga. Trabalhamos com estudantes de diferentes faixas etárias,
mas nosso maior público de atuação são os jovens, entre 15 e 29 anos.
Em 2015, a demanda para esta pesquisa começou a surgir. Cheguei ao câmpus em que
atualmente trabalho e me deparei com um curso com turmas compostas apenas por meninos
entre 14 e 16 anos. Como eu já fazia em outro câmpus, propus atividades de temas diversos
com todas as turmas e comecei a notar que, nas “turmas só de meninos”, alguns assuntos eram
especialmente difíceis de se trabalhar. Em uma delas, foi-nos pedido, por professores, que
trabalhássemos a temática bullying, pois alguns estudantes estavam fazendo comentários
ofensivos que visivelmente chateavam os colegas, mas que todos diziam que era só uma
brincadeira. Os jovens permaneceram resistentes ao tema do início ao fim do encontro, não
reconhecendo “brincadeiras de sala de aula” como violências e falando sobre assuntos
aleatórios ao bullying, de modo que eu e a pedagoga precisamos voltar ao foco da atividade
diversas vezes. A mesma dinâmica não aconteceu em turmas com meninos e meninas
misturados, sendo encontros mais tranquilos e construtivos.
Meses depois, devido à repercussão de um caso de estupro coletivo no Rio de Janeiro,
levei para as turmas a temática da cultura do estupro. Novamente, nas “turmas de meninos”, o
assunto foi recebido com maior resistência. Essa situação me fez pensar em como os meninos
naturalizam a violência de gênero, não a reconhecendo como tal e não percebendo como
também são atingidos por ela (e não somente as mulheres). Quando se trata de violência sexual
contra mulheres, o reconhecimento fica ainda mais difícil, pois há uma série de justificativas
que culpabilizam as mulheres pelo ocorrido. E, diferentemente do que é mais divulgado pelos
meios de comunicação, a maior parte dos casos de estupro não acontece em um beco escuro, de
madrugada, por homens perversos que estupram, torturam e matam suas vítimas, horrorizando
a todos. A maior parte dos estupros tem como autores homens comuns, sem nenhuma patologia,
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que conhecem a vítima (IPEA, 2014) e que muitas vezes não compreendem seu ato como uma
violência.
Fui notando que esse assunto era uma demanda constante do meu campo de trabalho.
Destarte, em meio a esses pensamentos, decidi retornar ao ambiente acadêmico universitário
por meio de disciplinas isoladas da pós-graduação, buscando conhecimentos que me
auxiliassem nos trabalhos sobre gênero com aquelas turmas. Primeiro, descobri que o
feminismo não era apenas a queima de sutiãs e que eu tinha (continuo tendo) muito que
aprender. Logo em seguida, tive a oportunidade de iniciar os estudos sobre masculinidades, que
fizeram muito sentido com o que eu estava percebendo, na prática, com meus estudantes
homens.
Uma das cenas que me veio nas aulas sobre masculinidades foi a de um estudante que,
na atividade sobre cultura do estupro, pediu para que eu assistisse a um vídeo de comédia na
internet1 que, segundo ele, explicava por que os pedreiros davam “cantadas baratas” nas
mulheres. No vídeo, um pedreiro chama uma mulher que passa na rua por nomes “vulgares” e
ela para e o canta da mesma maneira. O pedreiro fica sem reação e não gosta daquilo. Ela então
pergunta por que ele faz aquilo e ele conta que é obrigado, pois faz parte do serviço de pedreiro
e, se não fizer, pode perder o emprego. Eu tentei entender o que aquele estudante quis me dizer
ao pedir para eu assistir a esse vídeo e pensei em como os homens se sentem pressionados a
agirem de forma machista, em como a violência de gênero também os atinge.
Paralelo aos estudos e ao trabalho, as masculinidades me tocavam de outra maneira, em
uma esfera mais pessoal. Passei a observar este tema em minhas microrrelações e vi estupros,
assassinato, muitas violências sob abuso de álcool, algumas violências sob abuso de outras
substâncias psicoativas: todas ações de homens contra mulheres. Não eram palavras em jornais,
nem números em um gráfico de artigo científico, mas estavam ali, no meu convívio pessoal.
Esta percepção foi bastante desconfortável, porém, também notei, nessas mesmas
microrrelações, relacionamentos não marcados por violências que me encheram de esperança.
Diante desses sentimentos, já no mestrado e conversando com meu orientador para
delinear melhor o tema de pesquisa, ele me disse algo que me tocou de imediato: há muitas
pesquisas com homens autores de violência, mas pouco se pesquisa sobre aqueles que não o
são. Se a violência é tão naturalizada entre os homens, como eles conseguem não exercer

1
O vídeo citado chama-se “Cantada” e foi publicado em 5 de junho de 2014 pelo canal “Porta dos
Fundos” no Youtube. Pode ser acessado pelo link
<https://www.youtube.com/watch?v=_S92oZVf8w4>.
19

violência? Tem a ver com o que eles acham que é ser homem? Como eles driblam o machismo?
Essas perguntas foram me fazendo chegar ao objetivo de minha pesquisa, mas ainda faltava
algo.
Muitas pesquisas são realizadas a partir de entrevistas individuais e os resultados são
utilizados posteriormente para se pensar em políticas públicas, em programas, em intervenções.
Mas, por que não já unir a pesquisa à prática? Desejando fazê-lo (desde o final da graduação,
como apresentei mais no início), comecei a analisar como poderia aliar a pesquisa científica à
realidade do meu campo de trabalho.
Fazer entrevistas individuais com os estudantes não está no escopo do meu trabalho. O
foco está nas atividades coletivas, construídas sob um olhar freireano de educação, que busca o
desenvolvimento de um espaço escolar debatedor. Paulo Freire (2017b) indica que a escola
deve ser aberta e problematizadora: não apresentando respostas prontas para a solução dos
problemas, nem apresentando a realidade como algo imutável; problematizar é pensar, e pensar
é se aproximar das realidades locais e desconstruir verdades. É preciso falar com as pessoas,
construir o conhecimento com elas e não para elas.
Em consonância a essa ideia, Rasera e Japur (2007), fundamentados no
Construcionismo Social, compreendem que é no plano conversacional que os sentidos podem
ser negociados interferindo na constância de certos discursos. Desse modo, esta pesquisa
buscou caminhos possíveis na problematização de temáticas relacionadas a masculinidades e
violência com homens no ambiente escolar.
Embasada em uma perspectiva construcionista social e em metodologias que dão
abertura para a sua co-construção com todos os envolvidos, esta dissertação teve por objetivo
geral identificar os sentidos de masculinidades co-construídos com um grupo de estudantes e,
a partir desses sentidos, analisar as possíveis estratégias de enfrentamento à violência de gênero.
Como objetivos específicos, teve-se construir um grupo de discussão sobre masculinidades com
estudantes e buscar estratégias de facilitação que tornasse o grupo reflexivo e aberto à co-
construção.
Antes de dar início à compreensão e justificativa mais minuciosas desses objetivos, faz-
se necessário realizar alguns apontamentos a respeito de meu lugar de fala nesta pesquisa, que
vai além de minhas trajetórias profissional e acadêmica já apresentadas.
Conforme reflexões de Louro (2014), se considerarmos a postura padronizada de ciência
que compreende o fazer científico como dotado de procedimentos metodológicos isentos da
pessoalidade da pesquisadora, seria impossível se assumir enquanto pesquisadora feminista,
visto que, para o feminismo, é imprescindível um posicionamento interessado, comprometido
20

e político. Esse impasse se dissolve nesta pesquisa, com a busca por procedimentos adequados
às realidades encontradas ao longo da investigação, incluindo as minhas realidades, com minhas
limitações, desejos, perspectivas de mundo, preconceitos, história de vida.
Assim como sob o olhar investigativo feminista, o reconhecimento e a exposição da
pessoalidade consistem em recursos éticos dos estudos construcionistas sociais. Louro (2014)
pondera que é preciso admitir que toda pesquisa é mobilizadora, também, de afetos e emoções
e que estes interferem nos resultados das pesquisas. Portanto, é fundamental considerar os
marcadores sociais vivenciados pela pesquisadora e como se relacionam com o
desenvolvimento da investigação, transformando-a.
No entanto, essa nova maneira de fazer ciência não é simples. Sorj (1992) sinaliza que
esses atributos (sentimentos, empatia, afetividade, desejos) eram considerados irracionais e
ligados ao feminino, portanto, inferiores e recusados no campo científico. Eu também aprendi
assim um dia, e atualmente entendo que ainda estou no processo de me desfazer desse
preconceito e, ao mesmo tempo, não me dirigir ao seu oposto, tornando a pesquisa uma
autobiografia.
Para tratar de meu reconhecimento enquanto feminista, trago para o diálogo conversas
que tive com meus co-pesquisadores, os estudantes participantes desta pesquisa, a respeito do
feminismo e de quem seriam as pessoas feministas. Essas conversas surgiram a partir de uma
pergunta direta de Edson2: “o que seria o feminismo?”.
Ao responder Edson, aproveitei para relembrar uma fala anterior de Tânia, que, após
contar de violências que sofreu no primeiro casamento (sendo seu esposo o autor), disse que
agora se impõe, pra não deixar que ninguém passe por cima dela. Retomei essa fala
posicionando-a em uma luta feminista, de forma proposital, com o intuito de que Tânia se
identificasse com o movimento. No entanto, a resposta dela foi “mas tem mulher que exagera
né, que anda nua, como é lá, as suvaquentas” e acrescentou, posteriormente, que não é uma
causa que a representa.
Diante dessa fala de Tânia, muitas outras vieram (algumas, bem irônicas) ratificando
sua opinião, de que as feministas são exageradas e parecem querer o poder, em vez da igualdade.
Renato fez duras críticas a um movimento feminista extremista, que impõe determinadas
atitudes às mulheres; porém, explicou que não é todo o movimento assim, mas que acaba sendo

2
Os participantes da pesquisa serão apresentados no capítulo “Estratégias de Produção do
Conhecimento”, mas faz-se necessário adiantar aqui que os nomes dos estudantes são fictícios para
preservar seu anonimato.
21

deturpado por uma minoria de pessoas que dele participa. Em outro encontro com o grupo de
estudantes, o tema foi retomado por Henrique, que contou que sua mãe achava que feminismo
significava “união íntima entre mulheres”. Ele e outros refletiram que, dentre as feministas, as
que são lésbicas e as que “mostram os peitos” chamam mais a atenção na mídia e que, talvez
por isso, algumas pessoas pensem como a mãe de Henrique. Tânia acrescentou que as
feministas parecem buscar um padrão, pois não aceitam outras opiniões.
Essas falas e outras não citadas que apresentavam sentidos similares me tocaram muito,
visto que, em alguns momentos, eu concordava com as críticas aos extremismos e, em outros,
identificava-me com as ditas “exageradas”. Optei por me posicionar informando, tirando
dúvidas, explicando sobre os movimentos feministas e significando positivamente o feminismo,
sem desconsiderar as experiências que os demais participantes estavam trazendo. Diria
Conceição Nogueira (2001) que eu procurei adotar um posicionamento pragmático. Segundo a
autora, as feministas devem assim se posicionar se o que quiserem for a justiça e não a verdade.
Isso significa reconhecer a categoria em certo momento para desconstruí-la em um momento
seguinte, o que permite tomar posições contraditórias ou ambíguas, pois, diante de
determinadas circunstâncias e em busca da igualdade, essas posturas podem ser práticas mais
libertadoras.
A socióloga e historiadora Bila Sorj (1992) discute sobre elementos da modernidade e
da pós-modernidade que transformaram o feminismo, especialmente no campo teórico. A
autora sintetiza que a perspectiva pós-moderna veio como um antídoto a tendências
totalizadoras, enquanto a modernidade ainda tem a força da identificação de denominadores
comuns, que vão além das experiências particulares.
Observando esse apanhado de Bila, enquanto adepta do olhar construcionista social vejo
como mais interessante o ponto de vista pós-moderno. Mas, também percebo que, em minhas
práticas a respeito do feminismo, a perspectiva moderna ainda pesa bastante. Um exemplo disso
se sucedeu na ausência do meu olhar diferenciado para os homens negros do grupo enquanto
os encontros estavam acontecendo. Apenas no período da análise, notei que, em algumas
oportunidades, não aproveitei para adentrar no entendimento da raça enquanto interseccional
ao gênero.
Sobre o assunto, Ribeiro (2017) atenta para a importância de se identificar a oscilação
de status de mulheres brancas e homens negros, reconhecendo as especificidades desses grupos.
Para melhor entendimento, a autora traz como exemplo a assertiva “no Brasil, mulheres ganham
30% a menos do que os homens”. Esta declaração não está errada, mas se torna incorreta do
ponto de vista ético, pois não revela a informação de que mulheres brancas ganham 30% a
22

menos do que homens brancos; homens negros ganham menos do que mulheres brancas; e
mulheres negras ganham menos do que todos.
Destarte, observei, enquanto analisava as transcrições dos áudios, essa falta de cuidado
ético ao trabalhar, em muitos momentos dos encontros, com uma universalização das categorias
homem e mulher. Para Ribeiro (2017), esse é um empecilho para a melhora do índice de
desenvolvimento humano, pois, ao não se nomear algumas realidades, sequer será pensado em
melhorias para elas, mantendo-as invisíveis. No espaço desta pesquisa, pode-se pensar que a
manutenção dessas invisibilidades não colabora na construção de estratégias de enfrentamento
a violências de gênero.
Outro exemplo foi não me preocupar em questionar sobre a classe social dos estudantes,
não tendo iniciado conversas sobre renda e composição familiar, ainda que muitas falas possam
me dar dicas sobre esses elementos. Isso me posiciona, na prática, em um feminismo que,
conforme Ribeiro (2017), ainda não leva em conta outras intersecções, como raça, orientação
sexual e identidade de gênero.
Djamila Ribeiro (2017), mestre em filosofia política, reconhecida por sua militância
negra e feminista, em seu livro “O que é lugar de fala?”, conduz um diálogo com diversas
autoras (como Simone de Beauvoir, Patricia Hill Collins, Grada Kilomba e Gayatri Spivak) e
explica que o lugar de fala se trata de um debate estrutural. Pois, não está relacionado a
experiências individuais, mas ao lugar social que determinados grupos ocupam restringindo ou
privilegiando oportunidades. Assim, por exemplo, uma mulher negra experencia gênero de uma
forma diferente de uma mulher branca, devido à sua localização social (Ribeiro, 2017).
Em concordância com essas reflexões, compreendo que o fato de, além de feminista, eu
ser branca, heteroafetiva, cisgênero, monogâmica, de classe média e sem deficiência me
posicionam em localizações sociais que me privilegiam e auxiliam na construção de minha
perspectiva sobre gênero. Isso faz com que não seja automático eu pensar sobre as
interseccionalidades que envolvem gênero e que estão relacionadas às suas violências. E, ainda
que eu pense, compreenda e consiga dissertar sobre, meu lugar de fala será diferente de quem
não só pensa, mas vivencia essas intersecções em um nível estrutural. Além disso, finalizada
esta dissertação, eu continuarei com minha posição social privilegiada nesses aspectos.
Ribeiro (2017) discorre sobre o pensamento pós-colonial, trazendo o entendimento de
Spivak e de Kilomba sobre a categoria do Outro. Spivak faz uma crítica aos intelectuais
franceses contemporâneos, aludindo que estes entendem a constituição do sujeito como sendo
a Europa e, portanto, se torna difícil compreender o Outro como sujeito. Kilomba afirma que a
pessoa branca tem dificuldade de ouvir as vozes que foram silenciadas, pois escutá-las gera
23

incômodo e, possivelmente, confronto. No entanto, esse incômodo precisa ser superado, pois
as narrativas das pessoas silenciadas são necessárias para a mudança.
A partir dessa reflexão, mais uma vez percebo, especialmente no processo de análise
das transcrições dos áudios, que o fato de eu ser branca está relacionado à minha pouca ação
perante uma fala de Gabriel (negro) sobre racismo, por exemplo. Estaria eu com receio de que
uma discussão sobre o assunto fosse gerada? Estaria eu com medo de não saber lidar com a
situação? Fica claro que é preciso reconhecer que o colonialismo é estrutural e que alguns
sujeitos estão mais aptos a escorregar em suas artimanhas. Basta eu pensar no meu desejo, desde
criança, de conhecer a Alemanha, devido a meus bisavós maternos terem vindo de lá. No
entanto, também desde criança, sempre soube que minha bisavó paterna era indígena, mas
nunca tive o interesse (a não ser recentemente) de conhecer melhor sobre os povos indígenas.
Deixo para tratar por último o fato de eu ser mulher, pois, se penso por primeiro nessa
localização social, entendo que a discussão poderia tomar outros rumos, até mesmo caindo em
discursos próximos da vitimização ou da opressão patriarcal como resposta para todos os males,
já que, como citei antes, notei que minha prática ao longo dos encontros com os estudantes não
alcançou a interseccionalidade de gênero e das violências atribuídas a este. No entanto,
refletindo sobre esse aspecto após as considerações já feitas a respeito de minha posição de
privilégio perante tantas outras, entendo que serei mais justa em minhas ideias sobre o assunto.
Para falar sobre como eu ser mulher altera meu lugar de fala e de análise, conto uma
cena: meses depois de ter finalizado o grupo com os estudantes, em um dia comum no trânsito,
em uma rua com duas faixas na mesma direção, eu estava dirigindo meu carro quando o carro
que estava à minha frente parou pouco antes de uma faixa de segurança para que um pedestre
(homem) pudesse passar. Eu coloquei meu carro na faixa ao lado, também parando para o
pedestre. Este, talvez pensando que eu tinha a intenção de ultrapassar, se assustou e se
aproximou do meu carro muito nervoso, apontando o dedo para mim e repetindo “apressadinha,
né?!”. Eu apenas olhei para aquele senhor, senti vergonha e continuei meu caminho. Segundos
depois, uma fala de Diogo sobre as relações de gênero no trânsito me veio à cabeça: “Eu já
prefiro mulher, que aí você pode xingar que não vai dar nada. [risadas]”.
Ao lembrar-me dessa fala naquela situação, senti tristeza. Fiquei triste em pensar que,
talvez, se eu fosse um homem, não teria escutado aquelas palavras, talvez não daquela forma
agressiva. Tempos depois, retomando esta cena, pensei também no contrário, que, se eu não
fosse uma mulher, em vez da violência psicológica (que me fez ficar envergonhada mesmo
compreendendo que eu não tinha culpa), poderia ter sido física, como um murro no capô do
carro ou no vidro da minha janela.
24

Se eu não fosse uma mulher, talvez não construísse, no processo de análise, momentos
como “Lembrança de Marielle” e “A fala de uma mulher”, nem entendesse uma fala de Diogo
como desqualificação à fala de uma mulher (ver momentos 20 e 22 no apêndice C, após a leitura
das estratégias de produção do conhecimento). São muitos “talvez”, mas não posso deixar de
levar em conta essas minhas elucubrações e esses meus sentimentos acontecendo enquanto
desenvolvia esta dissertação.
Pensando no que Beiras e Cantera (2012) refletem sobre a potência dos grupos
compostos apenas de homens para se trabalhar com a temática de violências de gênero,
considerando que homens buscam a aprovação de outros homens para confirmar ou
desconfirmar a sua masculinidade, preocupou-me, no início das atividades práticas, o fato de
eu ser mulher e de ter mais uma mulher, estudante, compondo o grupo, a Tânia. Encontrei alento
na perspectiva de Barker (2008):
Dar poder ou autoridade política às mulheres sem envolver os homens é encarar de um
ponto de vista estreito o problema das relações entre gêneros; ao mesmo tempo, é
bastante difícil, se não impossível, transformar os significados socialmente
reconhecidos da masculinidade sem que as mulheres participem desse processo. (p.
209).

Assim, guiei-me por esse entendimento, de que as questões de gênero são relacionais e
de que os grupos para se trabalhar com a temática das masculinidades podem ser também muito
potentes ao envolver mulheres nessa discussão. Além disso, nesta pesquisa, é importante
enfatizar que uma dessas mulheres que compôs o grupo detinha determinado poder. Louro
(2014) ressalta que mesmo uma sala de aula que se propõe a uma prática educativa feminista
não consegue suprimir as relações de poder, já que “não há espaços sociais livres do exercício
do poder!” (p. 120). Dessa maneira, a autora adverte para o cuidado com uma prática que se
diga sem autoridade ou sem diferenças, o que iria exatamente à contramão das teorias que
apreciam as diferenças.
A partir desse olhar, fica-me claro o que um professor me disse na banca de qualificação
sobre eu ser uma mulher com poderes perante aquele grupo de homens. Ainda que eu me
apresentasse com uma postura construcionista, aberta ao diálogo colaborativo, muitas
transversalidades eu não podia controlar: eu era alguém que foi apresentada pelos professores,
que usaria tempo de aula deles contando presença, que estava cursando uma pós-graduação
enquanto eles estavam cursando um curso técnico, que iniciava e terminava os encontros, que,
ainda que se apresentasse como estudante, era também servidora pública daquela instituição de
ensino.
25

Louro (2014) opina que as mulheres feministas, sejam elas professoras ou não, não
teriam alcançado suas práticas e teorizações se estivessem realmente de fora dos jogos de poder.
Continuo, assim, a refletir como cheguei até aqui, como estive envolvida nesses jogos para estar
à frente de uma turma de homens (muitos, mais velhos do que eu) e ter o silêncio deles enquanto
falava antes mesmo de construir o grupo reflexivo. Volto, então, aos meus privilégios de pessoa
branca, classe média, cisgênera, heteroafetiva, monogâmica, etc., que me concedem um
determinado lugar de fala e de análise que, conforme Ribeiro (2017), põe-me no risco de falar
pelos outros quando, na verdade, estou falando de mim ao me julgar universal.
Destaco que apresento meu lugar de fala como maneira do leitor ou da leitora
compreender melhor os caminhos dessa pesquisa, no entanto, não tenho a intenção de justificar
o trabalho que se segue, como se outra pesquisa não fosse possível. Reconheço que outra pessoa
com lugar de fala similar pode compor uma pesquisa muito diferente, abarcando muitas
interseccionalidades aqui não tratadas.
Feitas essas considerações, encontra-se, no título a seguir, a fundamentação teórica desta
pesquisa, que especificará: o Construcionismo Social enquanto epistemologia que respalda esta
dissertação; alguns estudos sobre masculinidades; considerações sobre a violência de gênero;
e, discussões sobre gênero no campo da Educação brasileira.
Em continuidade, estão detalhadas as estratégias de produção do conhecimento
empregadas nesta pesquisa, com destaque para os Grupos Reflexivos de Gênero: metodologia
do Instituto Noos (Beiras & Bronz, 2016) que facilitou o processo de construção das
informações. Também neste tópico, está descrito como os materiais foram analisados utilizando
como apoio principal a análise temático-sequencial (Rasera & Japur, 2007).
No capítulo seguinte, escrevi os resultados que obtive com esta pesquisa aliados à
discussão. Portanto, situam-se aqui os sentidos de masculinidades negociados durante as
atividades do grupo e as estratégias de enfrentamento à violência de gênero que foram possíveis
de serem construídas naquele espaço com aqueles estudantes. A análise foi inspirada em autores
que optaram por escrever sobre narrativas esperançosas e de resistência, como faz Gary Barker
em seu livro “Homens na linha de fogo” (2018) e Oswaldo Montoya Tellería em “Nadando
contra corriente” (1998). Enfatizo que esta é uma escolha. Eu poderia analisar os mesmos
materiais colocando holofotes nas violências de gênero que praticamos, mas o intuito de se
pensar na construção de estratégias de enfrentamento a essas violências modificam
completamente o olhar analítico desta pesquisa.
26

Logo após, alcançam-se as considerações finais, que são necessárias, pois em algum
momento precisamos concluir a dissertação, mas sem o intuito de finalizar as discussões
iniciadas com este trabalho.
Por fim, enfatizo que este estudo não tem a intenção de se fechar em si mesmo, pregando
alguma verdade ou essência. Trata-se de uma investigação localizada, que foi possível em
espaço e tempo específicos, com pessoas específicas. O que não significa que ele não possa ser
útil para outros contextos, pois abre um leque de possibilidades para se pensar práticas
profissionais e científicas.
Compreendendo que construímos e desconstruímos, a todo o momento, nossas ideias e
ações a partir de nossas relações (permeadas pela linguagem), esta dissertação se propõe a ser
mais um ponto de negociação de sentidos sobre os assuntos nela abordados. Assim, continue a
leitura e vamos negociar!
27

2 Fundamentação Teórica

2.1 Construcionismo Social

É importante situar o desenvolvimento da perspectiva construcionista social nas


discussões sobre o conhecimento científico possibilitadas pela pós-modernidade. Para tanto,
precisamos compreender primeiro o que chamamos de modernidade.
Convencionalmente, modernidade se refere ao período histórico que se iniciou no século
XVI com mudanças trazidas por novas tecnologias como o microscópio e a imprensa. As leis
espirituais deram lugar às leis naturais e as perguntas sobre o que é certo e o que é errado
deixaram de ser feitas à religião e buscaram suas respostas na ciência (Moscheta, 2014).
Como resposta à época medieval, a modernidade se constrói no período iluminista. O
indivíduo, em vez de Deus e da igreja, passa a se tornar o foco para questões relacionadas à
verdade e à moralidade. As pessoas podiam, agora, fazer julgamentos, baseados na objetividade
e na evidência científica, sobre o que era a realidade e quais as regras morais apropriadas para
a vida dos seres humanos (Burr, 1995).
O pesquisador moderno utiliza metodologias de trabalho rigorosas, controladoras, no
intuito de ser neutro, de separar totalmente o sujeito que conhece do objeto a ser conhecido.
Pois, ele acredita que assim garantirá a certeza do conhecimento da realidade, tal como ela é,
sendo o objeto sua representação fiel (Moscheta, 2014).
No campo da Psicologia, esse modo de pensar não era diferente. Spink e Frezza (2013)
lembram que, até a década de 1970, a Psicologia buscava fazer ciência a partir da demonstração
e da generalização dos resultados. Até mesmo a Psicologia Social não escapou do olhar
científico moderno, levando seus psicólogos para o laboratório e enfatizando a perspectiva
individualista.
A Psicologia Experimental retrata bem esta ideia. Aqueles que tiveram esta disciplina
em seu currículo de formação em Psicologia nos moldes antigos, em que tínhamos que treinar
um rato de laboratório a realizar determinados comportamentos, sabem do que estou falando.
Se o rato não alcançava o comportamento esperado, entendia-se que havia algo de errado em
nossa técnica e devíamos repetir até “acertarmos”. Afinal, era uma metodologia científica
verificada e aprovada anteriormente. Precisávamos chegar todos ao mesmo resultado.
Apesar de o discurso científico moderno ter se construído em oposição ao discurso
mítico medieval, manteve-se a noção de verdade única, que deveria ser reconhecida e
28

assimilada por aqueles que a contemplavam. Esta razão única permitiu a aniquilação das
diferenças, instituindo valores de poucos grupos sobre muitos outros (Moscheta, 2014), já que
poucos eram os sujeitos que tinham o acesso privilegiado à realidade dos objetos, entendida
como independente e mais válida do que a realidade humana (Ibañez, 2001).
Na visão desses poucos grupos, tudo parecia se encaixar, mas essa lógica cartesiana não
conseguiu abarcar novas mudanças tecnológicas como o computador e a internet. O
conhecimento, até então disponível a um grupo privilegiado, agora pode ser acessado por
pessoas que não fazem parte do meio acadêmico. Opiniões, comentários, pensamentos sobre
conhecimentos reconhecidos como científicos não são mais regalia dos especialistas (Moscheta,
2014).
Portanto, a partir de meados do século XX, os pressupostos modernos passaram a ser
questionados e os intelectuais da época começaram a resistir às metanarrativas – teorias
consideradas as mais verdadeiras para se compreender a realidade (Moscheta, 2014). Burr
(1995) explica que as metanarrativas, também chamadas de grandes teorias, ofereciam uma
maneira de entender o mundo social a partir de um princípio abrangente, de modo que qualquer
recomendação para a mudança social baseava-se nesse único princípio. Assim, em vez dessas
narrativas explicativas únicas e absolutas, o pensamento pós-moderno procura reunir discursos
que se aproximam de alguma maneira, mas que também podem divergir em alguns aspectos. O
rigor metodológico é pensado de forma diferente, pois a preocupação com a neutralidade dá
lugar à implicação dos pesquisadores. Em vez da separação, tem-se o diálogo entre o sujeito
que conhece e o objeto de conhecimento (Moscheta, 2014).
Ao se afastar da colonização da cabeça, que é a lógica de Descartes, recusando a
dicotomia interior – exterior, é possível compreender que as “entidades mentais” não estão
dentro de nossa cabeça nem são inseridas nela a partir de nossas condutas, mas pertencem ao
campo da discursividade, construída no tecido relacional, nas tramas sociais (Ibañez, 2001).
Nesse mesmo entendimento, Moscheta (2014) destaca que o pensamento pós-moderno
reconhece as diferenças e busca uma postura relativista frente às diversas verdades e maneiras
de ver o mundo, por meio da leitura de cada contexto, histórica e cultural. Dessa maneira, os
discursos científicos se tornam possibilidades discursivas, modos de narrar, de contar algo sob
uma determinada perspectiva.
Imersa neste contexto, a Psicologia Social saiu do laboratório e voltou a valorizar os
processos sociais, estudando os comportamentos em seu ambiente natural, o que sugeria a
reflexão sobre a forma de ver o mundo do outro (Spink & Frezza, 2013). A partir deste olhar, a
29

Psicologia Social também passou a observar as práticas discursivas, e encontrou no


Construcionismo Social uma maneira de ver o mundo que a auxiliou neste processo.
O Construcionismo Social é uma das perspectivas que se desenvolveram com as
mudanças advindas da pós-modernidade. Ao lermos sobre teorias que se desenvolveram neste
período, percebemos muitos aspectos em comum, pois se construíram a partir de críticas à
modernidade muito similares. As principais diferenças estão na ênfase que cada uma dá em
suas análises. Tendo isso em mente, seguirei este texto procurando ressaltar os aspectos
principais desenvolvidos pelo olhar construcionista social à produção de conhecimento.
Vivien Burr (1995) descreve o Construcionismo Social como um discurso das ciências
sociais e multidisciplinar, pois teve em sua base influências de diversas disciplinas, como a
filosofia, a sociologia e a linguística. Spink e Frezza (2013) destacam três movimentos que
impulsionaram o Construcionismo Social:
1) As críticas ao representacionismo no campo da Filosofia;
2) O trabalho de empoderamento de grupos socialmente marginalizados no âmbito da
Política;
3) A desconstrução da verdade (no singular) desenvolvida pela Sociologia do
Conhecimento.
Dando atenção especial ao terceiro tópico, Spink e Frezza (2013) nos apresentam Peter
Berger e Thomas Luckmann, que inovaram a Sociologia do Conhecimento ao focarem-se no
conhecimento cotidiano das pessoas em geral e ao afirmarem que a realidade é uma construção
social. Autores da Psicologia Social, como Kenneth Gergen e Tomás Ibáñez, retomaram essas
ideias ao centrarem-se na interação humana, no estudo dos processos de produção de sentido
no dia a dia.
Para o discurso construcionista social, o conhecimento não está na esfera mental, como
se nosso cérebro conseguisse decodificar a realidade natural das coisas, mas sim é construído
nas relações sociais, em conjunto pelas pessoas. Desta maneira, para nos propormos à produção
de conhecimento, primeiro precisamos desconstruir (desfamiliarizar) ideias convencionalmente
entendidas como certas/Verdadeiras/reais em nossa cultura (Spink & Frezza, 2013). Ou seja,
precisamos estranhar, refletir e desconstruir metanarrativas.
Em consonância, Gergen (2009) questiona o conceito de verdade quando reflete que o
quanto uma maneira de pensar prevalece ou se sustenta no tempo não depende necessariamente
da legitimidade empírica do ponto de vista em questão, mas das variabilidades dos processos
sociais, como a comunicação, o conflito, a negociação e a capacidade de expressão.
30

Para a perspectiva construcionista social, os conhecimentos que buscam a verdade são


limitados, como atentam Gergen e Gergen (2010, p. 35):
Declarar A Verdade é congelar profundamente as palavras, reduzindo desta forma o
reino das possibilidades para o surgimento de novos significados. Em contraste, os
construcionistas preferem o diálogo constante e aberto, no qual há sempre lugar para
outra voz, outra visão e outra revisão, e para uma expansão adicional na esfera da
relação.

Burr (1995) salienta que o Construcionismo Social se posiciona de forma crítica em


relação ao conhecimento adquirido, pois entende que não há essências dentro das coisas e das
pessoas que as fazem ser quem elas são. Tudo o que existe é o que percebemos existir. Assim,
aquilo que conhecemos não é produto de uma observação objetiva do mundo, mas de processos
sociais e interações nas quais as pessoas estão constantemente se envolvendo umas com as
outras.
Ver o mundo a partir desse ponto de vista não significa negar toda e qualquer afirmação
sobre a realidade, nem negar a realidade de forma absoluta. Mas sim adotar uma postura
relativista frente às realidades, às verdades (no plural), refletidas e compreendidas como
construções sociais, historicamente localizadas, da qual todos fazem parte (Spink & Frezza,
2013). Desta maneira, adota-se uma postura crítica em relação às realidades, buscando
compreender como as descrições e maneiras de pensar funcionam, para quê servem, em que
situações e para quem (Rasera & Japur, 2007).
Além das reflexões, do olhar crítico e das desconstruções, o Construcionismo Social é
uma proposta à responsabilização, à participação ativa nos processos de transformação social
(Spink & Frezza, 2013). Pois, nessa perspectiva, conhecimento e ação social andam juntos
(Burr, 1995).
Corrobora a esta ideia a noção pragmatista de Richard Rorty, que compreende a filosofia
como necessária para libertar nossa imaginação das amarras culturais, mas insuficiente se as
pessoas ficarem apenas na reflexão e não dizerem algo que nunca disseram. Além de analisar
as práticas antigas, é preciso criar novas práticas (Rorty, 1996).
Para propor novas ações, muitas vezes é preciso ousadia para construir conhecimentos
que desafiem modelos sociais, como indica Gergen (2009, p. 306):
A abertura “Oi, como vai?” é tipicamente acompanhada de uma gama de expressões
faciais, posturas corporais e movimentos sem os quais a expressão pareceria artificial .
. . . Da mesma forma, descrições e explicações compõem uma parte integral de vários
modelos sociais. Elas servem, portanto, para sustentar e apoiar certos padrões, à
exclusão de outros. Alterar descrições e explicações é, portanto, desafiar certas ações e
propor outras.
31

Nesse trecho, também percebemos a importância da linguagem no processo de


construção do conhecimento. Não poderia ser diferente, já que o Construcionismo Social
entende as realidades enquanto construções sociais, desenvolvidas na esfera relacional. Souza
(2014, p. 60) salienta que para esta perspectiva “a linguagem não é a representação da realidade,
mas a construtora de realidades sociais”.
Todos os dias, por meio da linguagem, as pessoas compartilham e negociam
entendimentos sobre as mais diversas coisas. Todos os dias, ao interagirem, as pessoas co-
constroem conhecimentos. Isso faz da linguagem uma ação social, uma pré-condição para o
pensamento (Burr, 1995). Assim, a linguagem não reflete uma realidade independente, mas a
constrói a todo o tempo. Essa construção do mundo a partir de descrições e explicações
específicas se dá por meio de condições históricas e sociais concretas de sistemas de
significação (Rasera & Japur, 2007).
Esta noção da linguagem enquanto prática social é desenvolvida por Ludwig
Wittgenstein, que relativizou o sujeito do conhecimento ao pensar que o sentido das proposições
linguísticas não está relacionado a uma estrutura lógica, mas ao aspecto pragmático, ou seja, ao
uso que fazemos dessas proposições em nosso discurso (Andrade, 2012).
Assim, para compreender o sentido de uma proposição, é preciso recorrer ao contexto
em que ela foi utilizada e analisá-lo. Em um contexto de pesquisa, se quisermos nos aproximar
desta compreensão, precisamos praticar, jogar o jogo de linguagem ao qual o contexto que
desejamos compreender está submerso (Andrade, 2012).

2.1.1 Teoria Relacional do Significado

Para explicar como as palavras e os gestos passam a ter significados para as pessoas e
como estes adquirem compreensões comuns, especialistas tradicionais partem de
entendimentos sobre significações individuais ou de simbolizações internas de representações
do mundo externo. Kenneth Gergen (1996), ao propor noções ainda rudimentares para uma
teoria relacional do significado, substitui o indivíduo pela relação como elemento fundamental
da vida social. Assim, a capacidade da linguagem de significar está no intercâmbio das relações
humanas, não pressupondo, segundo Rasera e Japur (2007), a separação entre os significados
privados e públicos.
32

A teoria relacional do significado é uma teoria da linguagem bastante proveitosa para o


entendimento dos processos conversacionais entre as pessoas (Rasera & Japur, 2007). Por essa
teoria, não é possível determinar em que momento ou lugar o significado nasce, já que estamos
sempre em uma situação relacional com outras pessoas. Desta maneira, podemos falar em um
potencial para o significado, que, para Gergen (1996), se realiza a partir da ação
complementária (também chamada suplementária). A ação de alguém por si só não possui
significado. Quando alguém a complementa, ela passa a ter um significado, sendo que os
complementos tanto criam quanto limitam o significado; da mesma maneira, as ações criam e
limitam as possibilidades de complementação, tornando recíproca a relação ação-complemento.
Gergen (1996) ressalta que o significado é uma conquista temporária, sujeito a
reconstituições a partir da ampliação da complementação e das negociações ao longo do tempo.
Ainda, nem toda relação apresenta um significado. Para apresentá-lo, a sequência de ações e
complementos deve ser relativamente ordenada (estruturada) de maneira que o conjunto de
contingências seja limitado. Porém, novas formas de relação e de inteligibilidade sempre são
possíveis.
Por fim, Gergen (1996) explica que os equívocos na comunicação entre pessoas de
formações culturais similares podem acontecer mesmo após consensos estabelecidos
anteriormente, visto que os contextos das relações mudam continuamente, proporcionando
novos significados. Cada ação pode se abrir a múltiplas sequências inteligíveis; cada significado
é potencialmente outro significado e a possibilidade de mal-entendidos ou desavenças é
constante.
Mendoza, Ramos, Jaramillo e Ortiz (2010) esclarecem que Gergen entende o sentido
como um subproduto das relações que possibilita que os significados surjam, se mantenham e
enfraqueçam em um intercâmbio relacional. Desta forma, o significado é orientado pelo
sentido, que depende do contexto. Marilene Grandesso (2011) também assinala a íntima relação
entre sentido e significado, entendendo que os sentidos configuram o contexto a partir do qual
os significados são construídos e reconstruídos.
Assim, é a partir dessas noções de sentido e significado que esta pesquisa se guiou, tendo
como base a teoria relacional do significado proposta por Kenneth Gergen. A escolha por
trabalhar com a construção de sentidos se deu por compreender que esta faz parte do processo
que é a construção de significados, o que me pareceu mais viável considerando os espaços físico
e temporal desta pesquisa.
33

2.2 Masculinidades

Amparada por uma perspectiva que reconhece e, principalmente, aceita a


multiplicidade, a incoerência e o paradoxo na análise de categorias construídas socialmente
(Conceição Nogueira, 2001), esta pesquisa compreende os sentidos e significados como
processos históricos e culturais, que permitem muitas possibilidades em suas teorizações.
Assim são entendidas as masculinidades neste estudo, enquanto construções sociais que se
modificam e se transformam a partir dos acordos sociais que mudam com o tempo, os aspectos
culturais, os interesses políticos, etc.
Os estudos sobre masculinidades surgiram no final da década de 1970 e início da década
de 1980 em reação aos estudos feministas desse período. Psicólogos, antropólogos, sociólogos
e, mais tarde, historiadores encabeçaram trabalhos nesse campo que, ao final da década de 1980,
recebeu contribuições de estudos culturais, da literatura e de humanidades (Kimmel, 2008).
Seidler (2009) aponta que a masculinidade é marcada pelas relações de poder e que
todos nós ensinamos aos homens jovens que emoções de afeto são sinal de fraqueza e ameaçam
as identidades masculinas. Ravazzola (2007) entende que, por esse processo, os homens são
instigados a serem violentos de tal forma que não reconhecem muitos de seus atos como
violentos, pois entendem que “é coisa de homem”. Desde crianças, os homens recebem
mensagens para cercear expressões emocionais de ternura e estímulos para inibir a expressão
verbal e manifestar emoções como a ira e a contrariedade.
Por outro lado, em pesquisas com homens jovens3 de baixa renda de lugares diferentes
do mundo (países da América Latina, do Caribe, do continente africano e E.U.A.), Gary Barker
(2008) concluiu que, mesmo estando esses jovens em condições de alto risco para participarem
de conflitos violentos, apenas a minoria se envolve com violências. Dessa maneira, “é
necessário, mas não suficiente, associar a violência [...] à masculinidade” (Barker, 2008, p. 16).
Por isso, Barker (2008) aposta em momentos de sua pesquisa nas vozes da resistência, ouvindo
homens jovens desses contextos sociais que não praticam violências.
Raewyn Connell inicialmente propôs o conceito de masculinidade hegemônica para se
pensar um ideal de masculinidade construído historicamente: homem branco, da classe média,
heterossexual, com um bom emprego e bem sucedido. Porém, se há um ideal (que, na prática,

3
Para fins de definição, utilizo o termo “jovens”, ao longo da dissertação, de acordo com o Estatuto da
Juventude (Brasil, 2013), que considera jovens as pessoas entre 15 e 29 anos de idade. A pesquisa de
Barker se refere a esta mesma faixa etária.
34

dificilmente é alcançado), há também “desvios” ou caminhos alternativos: diversas formas de


vivenciar a masculinidade permeadas pela historicidade e pela singularidade das narrativas de
cada indivíduo (Nascimento, 2014b). Assim, falamos de masculinidades, no plural, entendendo
que múltiplas masculinidades podem ser construídas.
A noção de masculinidade hegemônica foi, então, revista. Connell e Messerschmidt
(2013) retornaram ao termo atentando para que esse conceito não se mostre fixo e essencialista,
violando a historicidade do gênero, mas que se compreenda que as masculinidades hegemônicas
podem não corresponder à vivência de nenhum homem real. Portanto, deve-se reconhecer a
relevância do território nos estudos sobre masculinidades.
Também importante para esses estudos é a compreensão acerca da linguagem enquanto
produtora de realidades e subjetividades. Beiras e Cantera (2012), em pesquisa relacionada à
análise de narrativas de homens autores de violência, destacam como os sujeitos são construídos
por meio da linguagem a partir de suas narrativas pessoais. Estas são permeadas por aspectos
históricos, sociais e culturais que não são fixos, mas atualizados cotidianamente por homens e
mulheres com determinados comportamentos. Destarte, subjetividades masculinas são
construídas tendo como bases, por exemplo, a virilidade, a violência e a heteronormatividade.
Se comportamentos e atributos esperados para os homens são produzidos socialmente e
se as narrativas têm o potencial de articular significados e moldar subjetividades (Beiras &
Cantera, 2012), grupos de homens que buscam conversar e refletir sobre os aspectos citados
têm a capacidade de construir novos olhares sobre as masculinidades, por intermédio da
aprovação entre pares.
No caso de grupos específicos para homens que exercem ou exerceram violência, a
própria intitulação de “homens autores de violência” em vez de “homens violentos” ou
“agressores” já traz uma reflexão sobre os marcadores identitários que produzem sujeitos. A
nomeação diferente do tratamento que geralmente é dado pela justiça é uma tentativa de
desconstruir a essencialização da violência masculina. O objetivo não é desdenhar a gravidade
das violências, mas de buscar estratégias mais efetivas para que a violência cesse, pois, ao
destacar o problema no ato, e não na identidade da pessoa, é mais possível se pensar em
mudanças e alternativas para solução de conflitos (Beiras & Cantera, 2012).
Ao se compreender as masculinidades enquanto construídas socialmente, não se pode
deixar de considerar também o aspecto colonial de suas construções. Seidler (2009) nos ajuda
nesse caminho ao indicar que as ideias sobre os homens e sobre a masculinidade devem
respeitar as diferenças, resistindo às narrativas ocidentais que colonizaram os povos indígenas
no entendimento de que estes tinham uma natureza não civilizada. Para o autor, é preciso
35

reconhecer o que as pessoas compartilham e o que elas têm de diferente, sem que haja
subordinações entre as culturas e uso de violências para silenciar a diferença do outro.
Já Melissa Chagoya (2014), ao dissertar sobre grupos organizados de homens no
México, em especial sobre aqueles que buscam a transformação dos homens em prol da
igualdade entre homens e mulheres, propõe que esse tipo de trabalho pode se tratar de uma
ficção discursiva. Para a autora, a ideia de desconstruir a masculinidade tradicional/hegemônica
pode nos levar a novos mecanismos de gênero, produzindo uma violência sutil e sedutora.
Chagoya (2014) entende que homens que se veem como “novos homens”, que negam
ser machistas, que são sentimentais e contra violências podem, mesmo sem perceber, continuar
sendo aquele que controla, que decide e, após passar por essa “transformação”, aquele que
espera serviços e benefícios por ser um “novo homem”, por ter “mudado”. Ou seja, esses
homens podem continuar exercendo mecanismos de opressão, mas mais sutis, ocultos. Dessa
maneira, Chagoya (2014) sugere que, para se pensar em um real deslocamento das posições
heteronormativas e machistas, é preciso abandonar a ideia de masculinidade, seja ela uma
masculinidade hegemônica, alternativa, “nova” ou qualquer outra.

2.3 Violência de gênero

Quase sempre, a violência tem algum fator que está relacionado ao gênero, e acontece
conforme situações específicas de poder, contexto cultural e classe social (Barker, 2008). A
Organização das Nações Unidas (2003) define violência de gênero como qualquer tipo de
violência que visa pessoas ou grupo de pessoas com base em seu gênero. Violência de gênero
não é sinônimo de violência contra as mulheres, apesar de estas serem as mais prejudicadas (em
número, grau e variedade de formas) com esse tipo de violência.
“Quando a mulher se casa, agarra o sobrenome do homem e passa a ser a esposa do
fulano. É como quando você tem um terreno, você é dono do terreno”. Essa é a fala de um
homem, autor de violência, que participou de um estudo da instituição Puntos de Encuentro
sobre violência contra mulher (Tellería, 1998), a respeito da relação entre casais. Apesar deste
estudo já ter mais de 20 anos e das lutas feministas terem avançado desde então, essa fala ainda
retrata a forma de pensar de muitas pessoas (principalmente, homens).
Essas palavras também expressam a noção do poder patriarcal. Dentro do sistema
patriarcal, a violência tem função de manter o poder e os privilégios da população masculina.
Ainda que hoje não se viva mais em um patriarcalismo propriamente dito, a violência continua
36

sendo permitida e até mesmo estimulada por costumes sociais. A violência de homens contra
homens, por exemplo, é constantemente valorizada em filmes, no esporte e na literatura (Lima;
Medrado; Carolo; Nascimento, 2007).
Núñez Noriega (2008) salienta que o homem também pode ser contido nesse sistema,
pois silêncios masculinos surgem a partir do desprezo e da negação do que se desvia do que é
considerado ser homem. Nesse sentido, pode-se pensar novamente no conceito de
masculinidade hegemônica (Connell & Messerschmidt, 2013), que indica que, apesar de outras
formas de se viver as masculinidades serem a maioria, a exigência de se posicionar perante uma
masculinidade hegemônica se mantém.
Essa exigência traz sofrimento e perdas. Lima, Medrado, Carolo e Nascimento (2007)
assinalam que a rejeição a qualquer expressão que possa aparentar feminina distancia os
homens da educação dos filhos e do próprio cuidado. Também, no caso dos homens jovens, o
machismo tem sua parcela de responsabilidade nas maiores taxas de morte por homicídio, em
acidentes de carro e suicídio e no maior consumo de álcool e outras drogas, se comparado aos
dados de mulheres jovens.
Em consonância a esse pensamento, Salud y Género (2001) observa que a violência não
pode ser entendida somente a partir das relações de poder desiguais entre homens e mulheres.
A violência também advém das experiências de sofrimento e medo da população masculina. O
repertório de comportamentos dos homens, especialmente dos jovens, para atender a
circunstâncias difíceis do cotidiano (tensões emocionais ou situações de estresse) é bastante
inflexível e restrito. Além disso, por medo de parecerem vulneráveis ou femininos, os homens
costumam ter maior dificuldade para pedir apoio e ajuda social e/ou familiar. Com essas
características, percebe-se que os homens jovens se encontram em situações de alto risco para
cometer ou sofrer atos de violência.
Nesta pesquisa, compreende-se que esse entendimento a respeito da relação direta de
violências com masculinidades trata-se de uma construção social. Seidler (2009) nos ajuda a
pensar nisso quando chama a atenção para os discursos que envolvem a globalização, que
omitem o histórico de relações coloniais que ainda interferem em sociedades atuais,
especialmente na América Latina e na África. A violência esteve presente na história desses
povos com a dominação das comunidades indígenas pelos europeus e se institucionalizou nos
dias presentes a partir de uma perspectiva ética e política do “homem branco”. Essa visão foi
construída em uma cultura patriarcal, privilegiando masculinidades heterossexuais europeias e
determinando como obrigação dos homens o controle e a disciplina de sua esposa e de seus
filhos. Em caso de desobediência, o castigo, em suas mais variadas formas de violência, era
37

autorizado socialmente e ainda visto como sinal de amor e cuidado devido às fortes tradições
religiosas do catolicismo.
Nos dias atuais, essa violência aparece de forma estrutural na cultura ocidental com a
imagem globalizada da masculinidade dominante, independente e autossuficiente, que separa a
razão da emoção, o conhecimento do corpo e o poder do amor. O resultado é uma geração de
homens e mulheres jovens que compreendem que precisam ter controle sobre suas vivências e,
se não têm, é exclusivamente por sua própria culpa (Seidler, 2009).
Conceber a relação entre masculinidades e violências enquanto uma construção social
significa reconhecer que masculinidades hegemônicas se construíram na violência contra
mulheres, crianças, gays e lésbicas, assim como consiste em admitir que também há homens
que sofrem com esses pressupostos por viverem vidas limitadas, com pouco contato com suas
emoções (Seidler, 2009). Sobretudo, significa aceitar que inclusive essas masculinidades são
passíveis de desconstrução e reconstrução, portanto, que homens autores de violência podem
aprender a mudar, criando uma relação diferente, consigo mesmo e com as demais pessoas, que
não seja baseada na violência.
Seidler (2009, p. 127) enfatiza que “somos distintos como hombres y jugamos distintos
juegos. Tenemos historias diferentes, algunas felices, otras traumáticas; también heredamos
diversas tradiciones.” No entanto, com frequência recorre-se à violência para silenciar a voz do
outro porque o que diz nos desafia e não queremos ouvi-lo, não queremos tolerar a diferença.
Dessa maneira, para diminuirmos e prevenirmos violências de gênero, precisamos legitimar as
diversas tradições e histórias culturais, colocando em xeque as teorias com pretensões
universais sobre masculinidades dominantes.
A pesquisa já citada de Gary Barker é um exemplo desse olhar problematizador frente
a uma cena supostamente comum. Barker (2008) aponta que, em contextos de baixa renda,
líderes de gangue frequentemente aparecem nos jornais, enquanto jovens considerados não-
violentos, não. Não se trata de compreender que todos os jovens são pacíficos e respeitam as
mulheres, mas de também enxergar homens que resistem a versões tradicionais e patriarcais de
masculinidade mesmo em situação de pobreza, diferente do que é divulgado pela mídia.
Assim, para se trabalhar com violência de gênero, é preciso ouvir também os homens.
Em 1994, no Cairo, a Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento e, em
1995, em Beijing, a IV Conferência Mundial sobre Mulheres trataram sobre a importância de
envolver os homens nos esforços de melhorar a qualidade de vida de mulheres e meninas (Lima;
Medrado; Carolo; Nascimento, 2007).
38

Em 2009, no Rio de Janeiro, 80 países participaram de um simpósio global sobre


trabalhos com homens e igualdade, no qual foi concretizada a MenEngage, uma aliança global
de agências das Nações Unidas e organizações não governamentais empenhadas em envolver
homens e crianças nas ações relacionadas à igualdade de gênero. Em 2011, em Barcelona, um
congresso iberoamericano sobre masculinidades e equidade também buscou fortalecer redes e
experiências a favor da igualdade a partir de trabalhos com homens (Beiras, 2013).
Aguayo e Nascimento (2016) ressaltam que, mesmo passados cerca de 20 anos de
discussões e investigações sobre masculinidades na América Latina, ainda é preciso
desenvolver muito o campo de políticas de prevenção destinadas ao público masculino de todas
as idades com a perspectiva transformadora de gênero.
De 84 países, o Brasil está na sétima posição no crescimento de assassinato de mulheres,
em sua maioria realizados por companheiros e ex-companheiros, demonstrando que os
mecanismos de punição e repressão têm se mostrado insuficientes para diminuir esta estatística
(Andrade, 2014), o que nos faz pensar que a prevenção pode ser uma melhor opção. Barker
(2008) corrobora com essa ideia ao compreender que apenas culpabilizar os homens acarreta
políticas punitivas, injustas e ineficientes, sendo importante também entender o que acontece
na socialização de meninos e homens que faz com que eles assumam a autoria de violências
contra as mulheres.
Nesse sentido, para se fazer progressos na prevenção da violência contra as mulheres, é
necessário mudar as atitudes, identidades e relações entre os homens. Pois, se alguns homens
são parte do problema, todos os homens são parte da solução. Para tanto, precisa-se de
intervenções que promovam atividades de prevenção, sensibilização e conscientização em
diversos níveis: familiar, relacional, comunitário, institucional e social; todos com o intuito de
modificar normas sociais, relações de poder e atribuições de gênero que alimentam a violência
(Flood, 2011).
Beiras (2013) elencou várias referências internacionais e estatais na Espanha de ações
com homens abordando temas como saúde, violências e paternidade. No que diz respeito à
temática “violências”, o autor aponta a relevância de se trabalhar diretamente em espaços de
socialização masculina, com destaque à construção de masculinidades e aos aspectos
socioculturais.
No caso dos homens jovens, Lima, Medrado, Carolo e Nascimento (2007) reforçam que
o direcionamento das atividades sobre violência de gênero para adolescentes e jovens são
importantes para atuar antes que a violência ocorra, quando muitos valores e preconceitos ainda
estão em construção e enquanto a violência ainda pode estar em seus primeiros passos.
39

Não é à toa que, dentre as experiências de trabalhos com homens levantadas por Beiras
(2013), há destaque para um projeto realizado com jovens reconhecido e replicado
mundialmente: o Projeto H. A partir de materiais educativos sobre temas variados, são
realizadas intervenções com grupos de jovens de forma participativa e dinâmica. Alguns
assuntos trabalhados são: paternidade, afetividade, violência e saúde sexual e reprodutiva.
Por fim, deixo a fala de outro homem, considerado não autor de violência contra mulher,
participante do estudo da Instituição Puntos de Encuentro (Tellería, 1998, p. 109): “Não estou
fazendo nenhum sacrifício. O único [...] é que estou nadando contra uma pequena corrente”.
Essa fala representa seu sentimento em relação ao seu estilo de vida enquanto não praticante de
violência contra mulher: ele se sente uma minoria e, para continuar sendo, precisa nadar contra
a corrente, precisa se esforçar constantemente.

2.4 Gênero na Educação

Considerando que um importante lugar de socialização é a escola, a Política Nacional


de Atenção Integral à Saúde do Homem tem como diretriz promover articulação interinstitu-
cional especialmente com o campo da Educação para favorecer diferentes formas de agir e
pensar e como objetivo incluir a ótica de gênero, identidade de gênero, orientação sexual e
condição étnico-racial nas ações educativas (Brasil, 2009). Esse objetivo tem como fundamento
a noção de que concepções rígidas de gênero na escola afetam tanto meninas quanto meninos
(Barker, 2008).
Guacira Lopes Louro (2014) explica que, desde cedo, os estudantes constroem
identidades “escolarizadas”, baseadas no modelo de uma postura e uma disposição física que
supostamente favorecem um aprendizado produtivo, constante e sutil. No espaço escolar,
gestos, movimentos e sentidos são produzidos e incorporados por meninos e meninas. Aprende-
se a olhar e a se olhar; a falar, a ouvir e a se calar; a conhecer os sons, sabores e cheiros
“decentes” e a recusar os “indecentes”. Esses ensinamentos não são aprendidos de forma
passiva: os educandos se implicam e são implicados nesse processo, reagindo, respondendo,
recusando ou os assumindo parcial ou totalmente.
Esses processos acontecem por meio da linguagem, que estabelece e fixa os lugares dos
gêneros por diversos mecanismos, como: adjetivando os sujeitos, ocultando o feminino, usando
ou não usando o diminutivo e fazendo correspondências entre certos comportamentos ou
qualidades e os gêneros (como também ocorre com as raças, etnias, sexualidades, classes, etc.).
40

Os “nãos ditos” na escola também são um mecanismo, que estabelece o que os sujeitos não são,
perceptível especialmente no ocultamento e/ou negação da homoafetividade e das pessoas
homoafetivas nos ambientes educativos (Louro, 2014).
Marcio Caetano (2011) salienta que, em sua experiência como professor, o baixo
rendimento escolar, a indisciplina e a apatia dos estudantes eram, muitas vezes, entendidos nos
conselhos de classe como problemas dos educandos com sua sexualidade. Ele nos conta de
Jonathan, um estudante que, em uma aula de vôlei, escutou dos outros meninos que ele deveria
ter “toque de homem”, pelo fato de seu arremesso de bola não ter força o suficiente para
atravessar a rede. Jonathan já havia repetido de ano mais de uma vez e recebeu o diagnóstico
escolar de problemas sexuais; por isso, foi encaminhado a uma psicóloga para distanciá-lo de
comportamentos que contrariam a heterossexualidade e a supremacia androcêntrica e para
reorientá-lo a características desejadas para um “homem de verdade”.
Assim, a escola colabora com a continuidade e a geração de hierarquizações criadas a
partir de noções sobre feminilidade e masculinidade. Currículo, instrumentos oficiais e ocultos
trazem apresentações e avaliações sobre os sujeitos que, por vezes, estigmatizam algumas
identidades (gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transgêneros) que não se moldam aos
comportamentos heteronormativos, excluindo-as do ambiente educacional (Caetano, 2011).
Fernando Seffner (2011) complementa a discussão com seu entendimento sobre
inclusão escolar. Para o autor, três bases sustentam a inclusão: a garantia de acesso a todas as
pessoas; as políticas e atividades de permanência; e o incremento, nos currículos escolares, de
temáticas ligadas às necessidades desses novos públicos que foram inclusos. O acesso
universal, conciliado a outros agentes, trouxe a diversidade para a escola, portanto, as práticas
escolares também precisam ser diversas para, de fato, promover a inclusão.
Entretanto, a inclusão – também vista em alguns momentos como aceitação, respeito ou
tolerância – de assuntos que se referem a gênero e sexualidade e dos estudantes que apresentam
diferenças no que diz respeito à heteronormatividade compulsória acontece de maneira distinta
de outras diferenças. Uma pessoa com deficiência, por exemplo, ainda que exija novos e mais
complexos planejamentos didáticos, é aceita pela escola como alguém que “não tem culpa de
ser assim”. Já os estudantes LGBT são vistos como culpados, como agentes desses “desvios”
que são suas diferenças (Seffner, 2011).
Portanto, não dando conta de realmente incluir a diversidade, a escola muitas vezes é
um espaço que nutre e estimula as invisibilidades, mas também pode ser um lugar que trabalhe
com a visibilização da igualdade e a beleza das diferenças (Mendes, 2016). Para tanto, Louro
(2014) compreende que é necessário, primeiramente, assumir um posicionamento vigilante e
41

constante com o intuito de desestabilizar as divisões e problematizar a condescendência com o


“natural”, estando disposto, assim, a interferir nos jogos de poder.
Porém, após um progresso histórico na inserção da temática de gênero na Educação,
esse assunto tem voltado a ser um tabu nas salas de aula brasileiras. Patrícia de Oliveira e Silva
Pereira Mendes (2016), em sua pesquisa documental sobre a retirada dos termos “igualdade de
gênero” e “orientação sexual” do Plano Nacional de Educação de 2014 a 2024, debate que, bem
antes da aprovação do plano, controvérsias sobre a dita “ideologia de gênero” já habitavam
espaços conservadores, especialmente religiosos e anunciados pelas mídias, preparando muitas
pessoas para a remoção desses assuntos do PNE e de Planos Estaduais de Educação. Sabe-se
que estudos e teorias científicas sobre gênero não fazem qualquer citação ao termo “ideologia
de gênero”. Este conceito surge em obras de outras áreas apresentando os estudos de gênero
como doutrinários, em uma grande distorção do aspecto libertador desses estudos, além de se
posicionarem com julgamento moral a respeito de uniões homoafetivas.
Oito estados brasileiros também retiraram os referidos termos (além de “igualdade racial
e regional”) de seus planos, sendo Santa Catarina um deles. Mendes (2016) reflete que isso foi
um retrocesso após anos de trabalho com essa temática no campo educacional, notadamente no
que diz respeito à formação de professores. Pois, os educadores precisam compreender que
esses temas precisam ser visibilizados, visto que são marcadores sociais da diferença, e ações
devem ser desenvolvidas no âmbito escolar com o intuito de combater desigualdades.
Em 2019, o retrocesso continuou e se intensificou. Em seu discurso de posse, o
presidente da República anunciou que seu governo irá “combater a ideologia de gênero” e o
“Brasil voltará a ser um país livre das amarras ideológicas” (Folha UOL, 2019).
Compreendemos que as discussões de gênero trazem à tona diversidades que denunciam e
incomodam, por isso a tentativa de silenciá-las a partir desse discurso temeroso ao debate e ao
dissenso, que não condiz com o espaço educacional. Nas palavras de Freire (2010, p. 104), “a
educação é um ato de amor, por isso, um ato de coragem. Não pode temer o debate. A análise
da realidade. Não pode fugir à discussão criadora, sob pena de ser uma farsa”. Pode-se dizer
que a luta tem sido diária para que o cotidiano dos educadores não se torne uma farsa.
42

3 Estratégias de Produção do Conhecimento

“É fundamental diminuir a distância entre o que se diz e o que se faz, de tal maneira que,
num dado momento, a tua fala seja a tua prática.”
Paulo Freire

Simples? Talvez. Fácil? NÃO! Assim, em letras maiúsculas mesmo, com exclamação.
É só pensarmos em mudanças de hábitos que são simples, mas tão difíceis de conseguirmos
realizar, como passar a comer mais frutas, beber mais água, elogiar mais do que reclamar, deixar
de fazer algo que não nos faz bem, dar notícias com frequência a pessoas queridas que estão
longe... E por aí vai. Podemos pensar também que, se fosse fácil, não existiria o ditado “faça o
que eu digo, não faça o que eu faço”.
Trago este trecho de Pedagogia da Autonomia (Freire, 2017a) na epígrafe para frisar
que esta pesquisa foi pensada com o intuito de se alcançar este fundamento, especialmente na
elaboração e construção das estratégias de produção do conhecimento. Como já apresentado
anteriormente, esta investigação tem como referencial teórico e epistemológico o
Construcionismo Social, que se apresenta como um movimento que nega a existência de uma
essência humana e que está interessado em saber de que maneira as pessoas constroem os
sentidos sobre os fenômenos (Gergen & Gergen, 2010). Assim, encontramos caminhos
metodológicos alinhados a esse referencial e, no decorrer de cada etapa da pesquisa, a partir
dos sentidos e materiais que foram sendo produzidos, esses caminhos foram reavaliados e
reorganizados.
Como refletido no parágrafo que inicia este tópico, este não foi um processo fácil. Em
algumas ocasiões, eu me vi caindo nas amarras da ciência tradicional, não condizendo minha
prática com minha fala. Assim, peguei-me, por exemplo, meditando em como eu iria encaixar
as produções que eu estava obtendo nas estratégias de produção do conhecimento inicialmente
pensadas e que, naquele momento, não pareciam mais tão adequadas. Outro exemplo, que ficará
mais claro mais a frente quando eu tratar dos encontros com os estudantes, foi a minha escolha
em manter algumas atividades previamente idealizadas para os encontros com os estudantes
que não surtiram o efeito imaginado. Destarte, trabalhar com a perspectiva construcionista
social em pesquisa significou lidar, o tempo todo, com o desafio de estar aberta à produção
coletiva em cada etapa do trabalho, ainda que a sistematização da dissertação tenha sido feita
apenas por mim e pelo meu orientador.
43

Ancorada em um movimento em constante (re)construção que é o Construcionismo


Social (Mcnamee, 2014), esta pesquisa é uma forma de prática profissional. Mcnamee (2014)
salienta que a dicotomia pesquisa/profissional não se trata de uma divisão, mas de
“comunidades discursivas diversas”, visto que, na perspectiva construcionista, “a própria
pesquisa é uma prática” (p. 131). A autora enfatiza que o entendimento de que pesquisadores
não são profissionais (e vice-versa) é um mito, que frequentemente faz com que se evite a
utilização de métodos práticos na pesquisa que poderiam ser mais úteis e habituais aos
pesquisadores.
Assim, a presente investigação foi realizada a partir da compreensão de que o modo
familiar de prática profissional é uma legítima forma de pesquisa construcionista (Mcnamee,
2014), de maneira que os instrumentos escolhidos para se alcançar os objetivos da pesquisa
foram pensados com o intuito de privilegiar uma investigação colaborativa e processos de
diálogo.
Vale ainda pontuar que, apesar dos produtos das estratégias de produção do
conhecimento se mostrarem qualitativos, não se compreende que esta é uma pesquisa
qualitativa conforme caracterizada pela ciência tradicional. Pois, como explica Cardoso (2018),
o Construcionismo Social propõe transcender a pesquisa qualitativa entendendo que esta ainda
se integra ao saber científico hegemônico, que busca pela universalização do conhecimento
produzido. Portanto, sob a perspectiva construcionista social, esta investigação se trata de um
processo relacional. Nas palavras de Mcnamee (2014), a pesquisa acontece no processo
interacional, na análise das possibilidades de construções a partir de interações, conversações e
ações permeadas pela linguagem.
Feitas essas considerações, apresento, a seguir, as estratégias de produção do
conhecimento utilizadas ao longo desta investigação, iniciando pela metodologia de grupo
escolhida para realizar os encontros com os estudantes. Na sequência, estão as caracterizações
do campo de pesquisa e dos participantes e o detalhamento dos procedimentos realizados. Por
fim, encontra-se a descrição de como analisei os materiais produzidos.

3.1 Grupos reflexivos de gênero

Tom Andersen (1999) indica que mais importante do que um objetivo a ser alcançado é
o caminho traçado para alcançá-lo, pois é no caminho, no processo, que acontecem as
44

mudanças. Esse caminho é a reflexão: em francês, réflexion, que significa “algo ouvido é
internalizado e pensado antes de uma resposta ser dada” (Andersen, 1999, p. 28).
Em um grupo, uma das maneiras de contribuir para esses processos reflexivos é a
utilização de perguntas que estimulem a curiosidade, o diálogo e a vontade de se comprometer
com o grupo (Bojer, Roehl, Knuth, & Magner, 2010). Andersen (1999) acrescenta que as
perguntas devem focalizar mudanças, criando uma situação incomum, para que novas e
diferentes perspectivas possam ser pensadas sobre determinado assunto.
Nesse sentido, os grupos reflexivos de gênero, como propostos pelo Instituto Noos no
Rio de Janeiro, surgiram com o intuito de produzir conversas reflexivas a respeito de assuntos
relacionados ao gênero por meio de diálogos construídos em conjunto para desenvolver relações
de gênero mais equitativas. Referenciados pelo construcionismo social, pelos estudos de gênero
e teorias feministas, pela visão sistêmica, ecológica e complexa e pela educação popular, esses
grupos propõem implicação, reflexão crítica e estranhamento do óbvio (Beiras & Bronz, 2016).
Assim, os grupos reflexivos de gênero também utilizam as perguntas e questionamentos como
expressão de uma curiosidade espontânea, deixando emergir significados e produção grupal de
sentidos, sem a intenção de inferir ou afirmar ideias.
Os grupos se baseiam na ideia de que o conhecimento só tem sentido no campo
relacional e que há uma correspondência entre a forma como falamos sobre as coisas e a forma
como agimos sobre elas. Nesse processo, novas descrições podem surgir e, ao modificarmos
nossas descrições, também modificaremos nossa forma de se relacionar com as coisas. Portanto,
é por meio da linguagem que nos constituímos e nos reconstituímos, visto que os significados
construídos consensualmente na linguagem são suscetíveis de serem transformados (Beiras &
Bronz, 2016).
Beiras e Bronz (2016) caracterizam o grupo reflexivo de gênero como um espaço que
valoriza a diversidade e a cidadania ao destacar a importância de cada participante na produção
dos conhecimentos. Ainda, é um lugar onde se problematiza e se questiona aspectos do
cotidiano dos participantes, promovendo uma visão mais crítica e mais complexa sobre esses
aspectos.
Uma dupla de facilitadores(as) é a responsável pelo processo grupal e por promover
contextos reflexivos a partir de uma postura reflexiva. Essa postura, baseada na obra de Tom
Andersen, consiste em escutar, fazer uma avaliação da repercussão das falas de outras pessoas
e compartilhá-la, além de respeitar a diversidade de vozes. Também é responsabilidade dos(as)
facilitadores(as) utilizar (Beiras & Bronz, 2016):
45

• os disparadores de conversas: atividades feitas no início dos encontros para instigar o


debate sobre o tema do dia;
• as sínteses grupais dos encontros: sempre que acharem interessante e, no final de cada
dia, em material que possa ser exposto e estar presente em todos os encontros – as sínteses
pessoais podem ser feitas por cada participante em um diário de viagem;
• perguntas que promovam conversas dialógicas, reflexivas, agentes de novos significados.
Ainda, Beiras e Bronz (2016) recomendam que os grupos sejam preferencialmente
fechados com aproximadamente dez pessoas e no máximo vinte e durem cerca de 12 encontros
semanais de duas a três horas cada, com intervalo para lanche e integração. Na impossibilidade
de ser semanal, é possível ser quinzenal com atividades de ligação (tarefas) para os participantes
realizarem entre um encontro e outro.
Nos primeiros encontros, com a colaboração de todos, deve ser feito o acordo de
convivência, a partir do qual se combina aspectos objetivos dos encontros (quantidade, duração,
frequência...), condutas e posicionamentos éticos. Feito o acordo, é negociada a agenda do
grupo, em que os temas de cada encontro serão escolhidos. Por fim, Beiras e Bronz (2016)
orientam sobre a avaliação do grupo, que deve acontecer ao longo de todo o processo grupal
para que os participantes possam refletir sobre a importância do grupo para suas vidas e para
que os(as) facilitadores(as) possam aprimorar seu trabalho.
Utilizei a metodologia de grupos reflexivos de gênero do Instituto Noos para alcançar
as finalidades de minha pesquisa, visto que a proposta de refletir e dialogar sobre gênero
construindo significados em conjunto com todos os participantes veio ao encontro do meu
objetivo de pensar e co-construir sentidos de masculinidades em grupo. Igualmente, o intuito
dessa metodologia de promover relações de gênero mais equitativas estava em meu objetivo de
buscar estratégias para enfrentar as violências relacionadas ao gênero. Além disso, nossos
referenciais teóricos e epistemológicos estão de acordo ao compreendermos que o
conhecimento se dá no intercâmbio relacional.
Essa metodologia não foi construída com objetivos de pesquisa, mas, sim, como ação
interventiva. No entanto, utilizei-a como um instrumento (uma estratégia) de investigação
considerando que os estudos construcionistas acolhem as práticas profissionais enquanto
investigação colaborativa quando geradas pela perspectiva relacional do contexto de pesquisa
(Mcnamee, 2014). Também, a escolha aconteceu por se tratar de uma metodologia que
privilegia os processos de diálogo, o que tornou o contexto de pesquisa mais familiar para mim
pelo fato de eu já trabalhar dessa maneira cotidianamente.
46

Todavia, foram necessárias algumas adaptações para adequar a metodologia de grupos


reflexivos de gênero ao meu contexto de pesquisa. A primeira modificação foi realizar o grupo
sozinha, e não em uma dupla de facilitadores. Isso aconteceu pela falta de disponibilidade de
mais uma pessoa no mesmo horário em que o grupo foi possível, considerando que os (as)
facilitadores (as) precisam ter conhecimentos e, principalmente, a prática da postura dialógica.
Outra adaptação foi a quantidade de encontros, que foi reduzida para se adequar à quantidade
de aulas que me foi disponibilizada nas tratativas com a instituição e às características do espaço
educacional em questão. Também, pelo fato dos encontros terem sido iniciados já com alguns
objetivos de pesquisa, delineados antes da primeira atividade com os estudantes, de modo que
foi possível focar um pouco mais os encontros em algumas discussões, reduzindo o número
total recomendado pela metodologia.
É importante afirmar que o mais importante da metodologia de grupos reflexivos de
gênero, para esta pesquisa, são suas bases reflexivas, sua orientação teórica e filosófica, que
direciona a uma postura dialógica e de produção construtiva e relacional do conhecimento, de
reflexões e inquietações. Assim, apesar das adaptações feitas, esse posicionamento teórico e
filosófico se manteve ao longo de todos os encontros com os estudantes.
Por fim, considerando que a pesquisa de orientação construcionista é uma forma de
prática profissional sempre aberta à possibilidade de construir novos entendimentos, crenças,
valores e realidades no momento em que ela acontece com todos que a constroem (McNamee,
2014), entendi que, durante os encontros do grupo reflexivo, essa possibilidade permeou nossas
conversas o tempo todo, provocando em mim e nos demais participantes mudanças, reflexões
e transformações. Pois, uma investigação construcionista é sempre uma intervenção, “como
uma performance que literalmente coloca em ação e, portanto, disponibiliza, novos recursos
relacionais” (McNamee, 2014, p. 118).

3.2 Campo de pesquisa

O Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina (IFSC) foi


criado em Florianópolis como Escola de Aprendizes Artífices de Santa Catarina por meio do
decreto nº 7.566 de 23 de setembro de 1909, pelo então presidente da república Nilo Peçanha.
Seu objetivo era proporcionar formação profissional aos filhos de classes socioeconômicas
menos favorecidas. Em quase 100 anos, muitos foram os decretos que modificaram o nome da
47

instituição e a variedade de cursos, até que, em 29 de dezembro de 2008, a lei 11.892 implantou
38 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia no país (Almeida, 2002).
Junto da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), dos Centros Federais
de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca do Rio de Janeiro (Cefet-RJ) e de Minas
Gerais (Cefet-MG), do Colégio Pedro II no Rio de Janeiro e das Escolas Técnicas vinculadas
às Universidades Federais, os Institutos Federais compõem a Rede Federal de Educação
Profissional, Científica e Tecnológica, que atualmente se constitui em 661 unidades de ensino
distribuídas por todo o país (Brasil, s/d). Os Institutos Federais são vinculados ao Ministério da
Educação (MEC) por meio da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (SETEC).
São instituições de educação básica, profissional e superior distribuídas por vários campi.
Especializados na oferta de educação profissional e tecnológica, também têm forte inserção na
área de pesquisa e extensão (Almeida, 2002).
O IFSC tem como missão promover a inclusão e formar cidadãos, por meio da educação
profissional, científica e tecnológica, gerando, difundindo e aplicando conhecimento e
inovação, contribuindo para o desenvolvimento socioeconômico e cultural. Pautada nos valores
da ética, do compromisso social, da equidade, da democracia, da sustentabilidade e da
qualidade, a instituição visa a excelência na educação profissional, científica e tecnológica,
fundamentada na gestão participativa e na indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão
(IFSC, s/d).
Conforme a Plataforma Nilo Peçanha, que organiza dados estatísticos sobre as
instituições da Rede Federal, em 2018 o IFSC ultrapassou as 50 mil matrículas. Foram 50.335
matrículas, distribuídas em seus 22 campi pelo estado, totalizando 704 cursos. Considerando
toda a Rede Federal, esse número ficou atrás apenas dos Institutos Federais de São Paulo e do
Ceará, que realizaram 61.871 e 51.413 matrículas, respectivamente (IFSC, 2019).
Ainda sobre dados de 2018, o curso técnico representou o tipo de curso com maior
número de matrículas no IFSC: 33,5% do total. Em relação aos campi, o IFSC de São José, que
aqui nos interessa, ocupou a quarta posição no ranking do maior número de matrículas (IFSC,
2019).
O campus do IFSC de São José, localizado na Grande Florianópolis, foi a primeira
unidade de ensino fora da capital do estado, iniciando a oferta de cursos em 1988 (Almeida,
2002). Desde sua criação, este campus se desenvolveu fortemente nas áreas de
telecomunicações e refrigeração e climatização. No IFSC de São José, os cursos nessas áreas
de nível pós-médio têm turmas compostas predominantemente por estudantes homens.
48

Os estudantes que se formam no curso Técnico em Telecomunicações podem atuar na


instalação, operação e manutenção de sistemas e redes de telecomunicações, o que inclui
sistemas de telefonia, redes de computadores e internet, radiodifusão e radiotransmissão. Eles
também podem elaborar projetos de telecomunicação e supervisionar as atividades adotadas
nos serviços dessa área. O mercado de trabalho abrange empresas de telefonia fixa e móvel,
empresas de radiodifusão, indústrias de telecomunicações, agências reguladoras e provedores
de internet e empresas de prestação de serviços e assistência técnica (IFSC, 2018).
“Fundamentos do Trabalho” está dentre as unidades curriculares4 que compõem o curso
Técnico em Telecomunicações do IFSC São José. Faz parte de sua ementa estudar a divisão do
trabalho ao longo do desenvolvimento capitalista, as transformações recentes no mundo do
trabalho e os direitos dos trabalhadores frente ao cenário pós-fordista (IFSC São José, s/d). Três
professores, das áreas de História, Geografia e Filosofia, lecionavam a disciplina. Em algumas
aulas, profissionais externos à instituição eram convidados para trabalhar temas transversais
aos assuntos da ementa.

3.3 Participantes

Foram realizados seis encontros com 20 estudantes (19 homens e uma mulher) que
cursavam o Técnico Subsequente em Telecomunicações no IFSC Câmpus São José no primeiro
semestre de 2018 e que estavam fazendo a unidade curricular “Fundamentos do Trabalho”.
A maioria dos estudantes (13) tinha idade entre 22 e 32 anos, o mais novo tinha 18 e o
mais velho 43 anos. Quanto à raça, os estudantes se declararam da seguinte forma: quatro
negros, três pardos e três brancos; os demais não declararam.5 Ao longo das conversas, quase
todos os estudantes disseram estar casados ou em um relacionamento fixo, sendo que todos os
relacionamentos citados eram heteroafetivos. Apenas dois estudantes relataram ter filhos.
Quanto a trabalho, alguns já trabalhavam na área do curso, outros estavam desempregados e
alguns trabalhavam em campo diferente do de Telecomunicações.

4
Termo utilizado pelos Institutos Federais que se refere às disciplinas ou matérias escolares.

5
Os estudantes não foram questionados quanto à idade e à raça na pesquisa. Essas informações
foram coletadas por meio do Sistema Integrado de Gestão de Atividades do IFSC.
49

A mulher foi aceita como participante, primeiramente, por uma questão prática, tendo
em vista que os professores acordaram com os estudantes que a presença no grupo contaria
presença para a unidade curricular e consideraram que o grupo colaboraria com os conteúdos
da disciplina. Destarte, analisou-se que apartá-la do grupo a prejudicaria no andamento de seu
curso. Além disso, discutiu-se durante a banca de qualificação que o trabalho continuaria sendo
sobre e com homens, apesar de não ser apenas com homens.
O grupo manteve o mesmo horário e a mesma sala de aula da referida unidade curricular.
As paredes da sala eram edificadas de tijolos a vista e o espaço era relativamente amplo em
largura, mas não em comprimento. Duas turmas estavam cursando juntas aquela disciplina,
estando uma no segundo módulo do curso e a outra no quarto e último módulo. Por esse motivo,
percebia-se uma divisão na sala nos relacionamentos, mas nada que tenha prejudicado o
andamento do grupo.
É comum que, nos cursos noturnos de Técnico Subsequente ao Ensino Médio, a maior
parte dos estudantes trabalhe durante o dia, o que ocasiona muitas faltas, por cansaço e falta de
tempo para realizar as atividades acadêmicas extraclasses. Nos conselhos de classe finais desses
cursos, a maior discussão costumeiramente gira em torno dos excessos de faltas dos estudantes.
Destarte, considerando esta questão e que os encontros do grupo não contariam como
atividade avaliativa para esses estudantes, já era esperado muitas faltas aos encontros. Porém,
conseguimos formar, em cada encontro, um grupo de 10 a 20 participantes, conforme
recomendado para os grupos reflexivos de gênero e organizado na Tabela 1.
50

Tabela 1
Estudantes participantes dos encontros

Total de
Estudante E1 E2 E3 E4 E5 E6 encontros
Luís x x x x x x 6
Renato x x x x x x 6
Carlos x x x x x x 6
Davi x x x x x 5
Fernando x x x x x 5
Tânia x x x x x 5
Gabriel x x x x x 5
Anderson x x x x 4
Edson x x x x 4
Sérgio x x x x 4
Pedro x x x x 4

Felipe x x x x 4
Diogo x x x 3
Paulo x x x 3
Evandro x x x 3
Henrique x x x 3
Juliano x x 2
Ronaldo x 1
Marcos x 1
Allan x 1
Total de
estudantes 10 14 12 11 12 16

Assim, dos 20 estudantes, apenas três participaram de todos os encontros do grupo, mas
a maioria (15 estudantes) participou de ao menos a metade dos encontros. Os três que foram
em apenas um encontro não falaram, perceptivelmente presentes apenas para não extrapolarem
o número de faltas possíveis para não reprovarem na unidade curricular. Mas, mesmo estes, se
juntaram à roda que fazíamos e se mostraram atentos ao que conversávamos no único encontro
em que participaram.
51

3.4 Procedimentos éticos

Esta pesquisa tem seus procedimentos fundamentados nos preceitos éticos da Psicologia
em diálogo com o campo dos direitos humanos e nas normas do Comitê de Ética em Pesquisa
com Seres Humanos (CEPSH) da Universidade Federal de Santa Catarina, que busca defender
os interesses dos participantes da pesquisa, respeitando sua integridade.
Foi solicitada autorização por escrito da direção da instituição onde ocorreu a pesquisa,
além de conversado previamente com os profissionais envolvidos (equipe da Coordenadoria
Pedagógica, coordenador de curso e professores). O projeto de pesquisa e demais documentos
necessários foram submetidos ao CEPSH para apreciação e aprovados conforme o parecer nº
2.766.077 (Anexo).
Aos estudantes, foram apresentados os termos de compromisso livre e esclarecido
(TCLE) e de permissão para gravação de áudio e imagem por fotografia (Apêndices A e B). A
pesquisa foi realizada apenas com aqueles que, entendendo do que se tratava a pesquisa, com
seus riscos e benefícios, leram e assinaram o TCLE.
Quanto ao segundo termo, enquanto era feita a leitura do documento para tirar dúvidas,
vários estudantes disseram que não gostariam de ser fotografados, então combinamos que
nenhuma fotografia seria tirada. Apenas um estudante não assinalou permissão para a gravação
em áudio, assim, contratamos oralmente que, quando ele quisesse falar, levantaria a mão com
antecedência para pausarmos os gravadores. Após o encerramento de um encontro, um
estudante me pediu para não transcrever uma parte de sua fala, pois citava sua empresa de
trabalho, e assim o fiz.
Conforme consta no Termo de Compromisso Livre e Esclarecido, os estudantes que
aceitaram participar da pesquisa estavam no direito de dela deixar de participar a qualquer
momento. Também, disponibilizei auxílio psicológico aos participantes. Caso fosse preciso, eu
poderia fazer o acolhimento e o devido encaminhamento à rede pública de saúde; porém, não
surgiu essa necessidade. Por fim, ressalto que todos os nomes utilizados nesta dissertação são
fictícios, para preservar a identidade dos participantes.

3.5 Procedimentos

Participei, no final de 2017, de uma reunião da equipe pedagógica do IFSC Câmpus São
José com o objetivo de apresentar o projeto de pesquisa e conhecer melhor o contexto das
52

turmas para eventualmente modificar o projeto e para pensarmos sobre qual seria o melhor
curso para realizar a pesquisa. Nessa reunião, ficou definido que o curso de Telecomunicações
seria a melhor escolha (por ter predominantemente homens cursando) e que a pesquisa poderia
ser feita durante o horário de aula dos estudantes. A escolha pelo horário se deu pelo fato de
que os estudantes que fazem curso no período noturno trabalham durante o dia e têm poucos
horários livres nos finais de semana, portanto, dificilmente poderiam participar da pesquisa em
outro horário.
Assim, duas semanas depois, realizei uma reunião com o coordenador do curso de
Telecomunicações, que gostou da proposta e sugeriu que a pesquisa fosse feita na unidade
curricular de Fundamentos do Trabalho, pois alguns temas trabalhados nessa matéria têm
relação com o tema da pesquisa. Ele também pediu para que eu conversasse diretamente com
os professores responsáveis pela unidade curricular para analisar a viabilidade da proposta.
No mesmo dia, conversei com uma das professoras, que prontamente se dispôs a auxiliar
na pesquisa, cedendo horários de aula e participando das atividades. Combinamos de nos
reencontrar em 2018 para conversar com os demais professores e definirmos as datas dos
encontros. Desta forma, em fevereiro de 2018, fiz uma reunião com os três professores
responsáveis pela disciplina, que aceitaram a proposta e combinaram de fazer atividades
paralelas com aqueles estudantes que não desejassem participar da pesquisa.
Após aprovação deste projeto de pesquisa na banca de qualificação, solicitei autorização
por escrito da direção do Câmpus São José. Posteriormente, os professores de Fundamentos do
Trabalho me apresentaram à turma e disponibilizaram parte de uma aula para que eu explicasse
aos estudantes sobre a pesquisa, seus objetivos, o sigilo, como funcionariam os encontros, etc.
Fiz a leitura dos termos e, após tirar todas as dúvidas, coletei as assinaturas.
A partir da semana seguinte, passei a utilizar metade do tempo das aulas da referida
unidade curricular para realizar os encontros da pesquisa com os estudantes que aceitaram
participar. Os professores não me acompanharam e, tendo em vista que apenas um estudante
não assinou o TCLE, não fizeram atividades paralelas como havíamos pensado que poderia ser
necessário.
Os participantes foram reunidos em uma atividade coletiva, construída enquanto grupo
reflexivo fundamentado na metodologia de Grupos Reflexivos de Gênero (Beiras & Bronz,
1999). Foram seis encontros, sempre nas segundas-feiras, das 20h45 às 22h, com frequência
semanal. Apenas o intervalo entre o segundo e o terceiro encontro foi quinzenal, devido ao
cancelamento das aulas em função da greve dos caminhoneiros.
53

Salienta-se, mais uma vez, que a metodologia de Grupos Reflexivos de Gênero foi
adaptada para fins de pesquisa e para o espaço educacional em questão. No entanto, foi mantida
a base teórico-epistemológica e boa parte da estratégia metodológica, preocupando-se em
promover um espaço construcionista e de reflexão coletiva.
Para atingir o objetivo da pesquisa, as atividades desses encontros tiveram a função de
auxiliar na promoção de reflexões e na co-construção de sentidos, com os participantes do
grupo, a respeito de masculinidades e de possíveis estratégias de enfrentamento à violência de
gênero. Elaborei, ainda no projeto, um esboço de roteiro com perguntas e sugestões de
atividades sem a intenção de construir um mapa a ser seguido, mas de exercitar a formulação
de perguntas reflexivas para me auxiliar na atividade em campo.
Os encontros com o grupo foram gravados em áudio com o objetivo de facilitar a análise
da dinâmica do grupo a partir da transcrição literal das falas, além de permitir que eu tivesse
mais atenção à atividade sem me preocupar com anotações. Utilizei dois gravadores, com o
acordo inicial de que os próprios participantes fossem passando o gravador para quem estava
falando, mas isso acabou não acontecendo, pois raramente nos lembrávamos do gravador.
Utilizei alguns minutos do primeiro encontro para explicar a pesquisa aos que não
estavam na semana anterior e coletar as assinaturas nos termos. Foi rápido, pois os colegas já
haviam conversado com eles. Feito isso, pedi para que fizéssemos um círculo e liguei os
gravadores, dando início ao grupo. Primeiramente, conversamos sobre nossa dinâmica, como
cada um poderia participar e respeitar a participação dos demais, em um trabalho de co-
construção dos encontros. Inicialmente, acordamos que nos encontraríamos cinco vezes.
Após essa contratação, considerando a possível resistência inicial ao assunto e o
contexto de realização da pesquisa dentro da unidade curricular Fundamentos do Trabalho,
comecei os diálogos com o tema “desenvolvimento sustentável”, compreendendo como as
relações de gênero (especialmente as desigualdades na área do trabalho) interferem em um
desenvolvimento sustentável. A partir desse “ponta pé” inicial, o grupo teve vida própria e eu
fui apenas facilitando as conversas, instigando com perguntas e sintetizando as discussões.
Como o tempo de cada encontro era curto, compreendi que não havia tempo de produzir
um material no grupo a cada encontro. Assim, ao escutar o primeiro áudio, eu construí um
resumo em forma de esquema sobre nossa conversa, que eu apresentei no início do segundo
encontro no quadro. Foi uma maneira de eu me organizar nos caminhos que estávamos
traçando, de todos nos lembrarmos do que foi tratado naquele encontro e de contarmos
rapidamente aos que faltaram na semana anterior o que conversamos. Acabou sendo um ótimo
54

instrumento disparador de diálogos, pois, conforme íamos falando sobre o “resumo”, outras
questões já iam sendo levantadas e guiavam o presente encontro.
Eu não montei os resumos dos encontros sempre em formato de esquema, mas aquele
primeiro foi retomado em diversos encontros, conforme íamos percebendo que estávamos nos
aprofundando em um assunto que surgiu apenas superficialmente no primeiro encontro ou que
estávamos conseguindo conversar sobre algo que inicialmente não conseguimos. Por exemplo,
ao final do primeiro encontro, eu perguntei como a desigualdade de gênero pode prejudicar
também os homens (e não só as mulheres). Após alguns segundos de silêncio total, apenas um
estudante se pronunciou, falando ainda timidamente. Esse assunto apareceu no esquema como
um ponto de interrogação e, até o sexto encontro, fomos destrinchando esse tópico.
Algumas vezes, programei atividades para o grupo que, ao longo do encontro, eu
percebia que não eram tão adequadas conforme eu imaginei, devido ao andamento imprevisível
de cada encontro. Nas situações em que eu insisti na atividade, porque era o que eu havia
pensado e preparado durante toda a semana, sozinha... não surtia efeito! Não fazia sentido para
todo o grupo e simplesmente não gerava diálogo. Foi assim que notei que, em alguns momentos,
eu estava distanciando minha prática da minha fala.
Assim, de forma geral, todos os participantes (me incluindo) foram co-construindo os
encontros com perguntas, histórias de situações que já vivenciaram, reportagens e vídeos. Nos
primeiros encontros, eu perguntava, com o intuito de estimular essa ação, se eles conversaram
com alguém durante a semana sobre os temas que estávamos tratando ali. Recebi um “não” e
desisti de perguntar, até que passaram por conta a falar sobre as conversas que tiveram fora do
IFSC sobre nossos encontros.
Ao final do quarto encontro, percebi que mais um encontro não seria suficiente para
conversarmos sobre tudo o que já havia surgido. Sugeri mais um encontro, ao que os estudantes
toparam de imediato e eu consegui negociar com os professores.
A avaliação do grupo foi feita de forma oral ao final de cada encontro e, nos minutos
finais do último encontro, pedi para que me entregassem por escrito a resposta às seguintes
questões: 1. Considerando que conversamos que todos nós contribuímos de alguma maneira
para a desigualdade de gênero, quais são seus desafios pessoais sobre este tema? 2. Comentários
gerais sobre os encontros. Informei que não precisavam escrever o nome, mas alguns fizeram
questão de se identificar.
55

3.6 Análise dos materiais

Em concordância com Rasera e Japur (2007) e assim como todas as estratégias de


produção do conhecimento já apresentadas, os procedimentos de análise dos materiais não
pretendem ser a definição de etapas corretas a serem seguidas para se alcançar um
conhecimento objetivo e universal. Esses procedimentos são o resultado da reflexão sobre quais
estratégias fizeram sentido e se mostraram viáveis ao longo do processo de toda esta pesquisa.
Tendo esse pensamento em vista, apresento a seguir o corpus de pesquisa e sua análise.
O conjunto de produtos dos instrumentos de pesquisa foi composto pela gravação em
áudio dos seis encontros com os estudantes, que totalizaram seis horas e cinquenta e três
minutos de duração, pelas respostas por escrito dos estudantes às questões levantadas ao final
do último encontro e pelos resumos que eu preparei de cada encontro. Desses materiais, foram
escolhidos os áudios para realizar a análise mais detalhada deste estudo e os demais produtos
foram utilizados como auxiliares na organização dos resultados.
As gravações em áudio foram exploradas com base na análise temático-sequencial
proposta e utilizada por Emerson Rasera em sua dissertação de mestrado e tese de doutorado,
que se mostra bastante útil no processo de produção de sentidos em contextos grupais (Rasera
& Japur, 2007). A análise temático-sequencial tem como base a teoria relacional do significado
de Kenneth Gergen e busca uma compreensão da construção de sentidos tendo como eixo de
análise a linguagem enquanto ação.
Para elaborar as etapas de análise conforme os objetivos desta pesquisa, contei com a
ajuda da tese de Pedro Pablo S. Martins (2017), que também utilizou a análise temático-
sequencial em sua investigação. Assim, os passos para a construção da análise foram:
1) Transcrição integral de todas as conversas do grupo gravadas em áudio. Não
utilizei regras de transcrição padronizadas por algum(a) autor(a) reconhecido nessa área. Tentei,
ao máximo, transcrever de maneira que eu me lembrasse da dinâmica grupal (olhares,
interjeições, ironias, brincadeiras, etc.) ao fazer a leitura.
2) Leitura intensiva, curiosa e flutuante das transcrições. Esta etapa possibilitou que
eu percebesse sentidos que foram surgindo nos encontros que eu não me dei conta enquanto
estava na posição de facilitadora do grupo.
3) Construção de delimitações temático-sequenciais. Neste estágio, fiz recortes
sequenciais de momentos do processo grupal de disputa de sentidos sobre um determinado
tema. Dessa maneira, foi possível visualizar melhor a ampliação ou a restrição de significados
56

sobre um assunto específico, bem como consonâncias e discordâncias nos posicionamentos ao


longo do processo. No Apêndice C, encontra-se a delimitação temático-sequencial do segundo
encontro do grupo como exemplo.
4) Seleção de momentos da construção dos encontros. Aqui, escolhi momentos que
deram visibilidade ao processo de co-construção de sentidos que interessam aos objetivos deste
estudo. Para identificar os sentidos de masculinidades, selecionei conversas a respeito do
feminismo e da desigualdade de gênero em diversas áreas (trabalho, família, trânsito, ciência,
tarefas domésticas, amizades). Para analisar as possíveis estratégias de enfrentamento à
violência de gênero, separei diálogos sobre como o machismo prejudica a vida dos homens e o
que podemos fazer em relação a esse assunto. Os motivos pelos quais escolhi esses momentos
serão explicitados na continuidade desta dissertação, nos capítulos referentes aos resultados e
discussões.
5) Análise dos momentos selecionados. Então, analisei as conversas previamente
selecionadas considerando os objetivos da pesquisa e utilizando como base a teoria relacional
do significado apresentada na fundamentação teórica.
6) Nomeação de estratégias de enfrentamento à violência de gênero. Por fim,
procurei dar nome às estratégias que foram possíveis de ser construídas a partir dos sentidos de
masculinidades co-construídos nos encontros.
A organização por escrito dos materiais elaborados a partir de todas essas estratégias de
produção do conhecimento encontra-se nos próximos dois capítulos desta dissertação, em que
são discutidas as produções sobre os sentidos de masculinidades e as estratégias de
enfrentamento à violência de gênero, respectivamente no primeiro e no segundo capítulos
apresentados a seguir.
57

4 Sentidos de Masculinidades

Uma pesquisa construcionista social indica que os significados e sentidos não existem
apartados das maneiras de se falar sobre eles. Portanto, os sentidos de masculinidades dos quais
aqui trataremos foram co-construídos a partir das conversações entre os participantes do grupo
constituído durante esta investigação.
É importante relembrar que essa construção conversacional se trata de um processo
dinâmico, em que os sentidos são, a todo o momento, conjuntamente (re)negociados (Rasera &
Japur, 2007). Esta característica fica clara em falas como as de Fernando (citadas com mais
detalhes mais a frente neste capítulo), que inicia um encontro dizendo que o machismo não
prejudica os homens, mas apenas os favorece, e, ao longo do encontro, com as conversações
que foram acontecendo, Fernando passa a dar exemplos de como o machismo interfere
negativamente na vida dos homens.
Assim, os sentidos foram sendo co-construídos indo e vindo em determinadas direções,
algumas mais conservadoras e fechadas, outras com indicações de aberturas a novas maneiras
de pensar e outras claramente progressistas. Para melhor compreensão do percurso dos
encontros, apresento, a seguir, um diagrama (Figura 1) que desenvolvi depois de terminado o
primeiro encontro com o grupo de estudantes.

Figura 1. Diagrama do primeiro encontro do grupo.


58

Apresentei esse diagrama ao grupo no início do segundo encontro, como resumo da


primeira conversa e estratégia para dar continuidade nos assuntos. Foi um recurso interessante
para que aqueles que faltaram no primeiro encontro visualizassem os temas trabalhados e se
interassem mais rapidamente das conversas. Além disso, ao apresentá-lo, aproveitei para
conferir com os participantes se gostariam de modificar alguma parte, acrescentar algo que
consideraram importante que talvez eu não tenha dada a devida atenção, explicar melhor algum
assunto, etc.
Ao longo dos encontros, esse diagrama foi sendo modificado, sendo acrescentados
outros tópicos dentro dos já existentes. A temática maior, “desigualdade de gênero”, teve esse
nome apenas no primeiro encontro. Apesar dos estudantes saberem desde o início os objetivos
da pesquisa, preferi não iniciar as atividades com os assuntos diretos de “masculinidades” e
“violências de gênero”, mas chegar neles por meio das conversas sobre desigualdade de gênero.
O círculo que contém um ponto de interrogação representa o silêncio que houve quando eu
perguntei de que maneira a desigualdade de gênero influenciava a vida dos homens (e não
apenas das mulheres). Nos encontros seguintes, essa pergunta começou a ser respondida.
Neste capítulo, serão utilizados momentos de todos os encontros para análise da co-
construção de sentidos de masculinidades. Os sentidos foram sendo re(negociados) de formas
direta e indireta ao se conversar sobre assuntos diversos e organizados, nesta dissertação,
preferencialmente conforme a ordem cronológica dos encontros, para priorizar o entendimento
dos leitores e leitoras a respeito do processo de negociação de sentidos. Os únicos sentidos
separados pela temática foram os que envolveram violências de gênero, para melhor síntese e
compreensão do capítulo seguinte, sobre estratégias de enfrentamento à violência de gênero.

4.1 Masculinidades, no plural

Para contemplar este tópico, trarei para a discussão momentos de todos os encontros,
com exceção do quinto, que abordou outros temas que serão trabalhados em tópicos seguintes.
Começo, então, com momentos do primeiro encontro do grupo a respeito de conversas sobre
diversas áreas em que os participantes percebem a desigualdade de gênero. Iniciei o encontro
contando de estudos ambientais que relacionam a igualdade de gênero ao desenvolvimento
sustentável e os questionei se atualmente ainda temos uma desigualdade de gênero.
Propositalmente, não defini, nem dei exemplos do que eu estava chamando de desigualdade de
gênero.
59

Após alguns segundos de silêncio, Fernando diz que acha que já melhorou muito e que
nunca presenciou uma situação de desigualdade de gênero, que apenas já viu na televisão.
Renato relaciona o termo a preconceitos, quando comenta que é difícil de ver a desigualdade
de gênero pessoalmente, pois as pessoas demonstram mais preconceito atrás de um telefone ou
computador. Peço exemplos e ele cita a página virtual Quebrando o Tabu, a qual “muita gente
segue . . . só pra ficar xingando os outros que pensam diferente”. Diogo parece fazer confusão
com o conceito no princípio, igualando-o com o bullying devido à cor da pele ou à classe social,
mas é interessante como ele já posiciona a desigualdade de gênero como uma violência. Logo
em seguida, Diogo cita que algumas empresas ainda pensam duas vezes antes de contratar
mulheres. Uma negociação se inicia:
Diogo: . . . Algumas empresas, muitas vezes, você vai fazer entrevista e a pessoa vem e
te pergunta, pergunta pra mulher né, “ah, você pensa em ter filhos?” ou alguma coisa do
tipo. Então já tem um pouco de preconceito nisso aí também, é que tipo hoje digamos
tá mais descarado, mais sutil, mas tá presente do mesmo jeito, só não é tão descarado
como era antigamente.
Ariane: Quando as empresas perguntam se a mulher pretende ter filhos ou se ela já tem
filhos. Que ideias tem por trás disso assim, que que eles estão querendo saber com isso?
Fernando: Ah, que o filho pode atrasar alguma coisa na empresa, ela pode, sei lá, cuidar
se ficar com rinite.
Paulo: Licença.
Diogo: É, engravidou, a empresa não pode mais mandar embora, pra empresa, pelo lado
burocrático, não é nada legal ter esse tipo de situação.
Ariane: Tem outros países que a licença é também pro pai né. Tem um período ali pra
mãe, mas também tem um pro pai, e aí não faria muito sentido perguntar isso só pra
mulher né.
[Silêncio]
Ariane: A mesma coisa sobre essa questão de levar ao médico né. Por que se preocupam
tanto com a mulher levar ao médico? Quem disse que o pai não vai levar?
[Silêncio]

Neste trecho, Diogo traz um exemplo importante, ao tratar da diferença na contratação


de mulheres e homens em empregos formais. Eu pergunto sobre a intenção da empresa com a
pergunta sobre os filhos em um convite a refletir sobre essa situação, sobre as questões de
gênero que estão relacionadas. Em um segundo momento, tento encaminhar a conversa para
sentidos de masculinidades, questionando o sentido de uma masculinidade que não cuida dos
filhos como as mães, mas obtenho silêncio do grupo.
Rasera e Japur (2007) assinalam que, sob a ótica construcionista social, o problema e a
mudança são construções discursivas produzidas nas maneiras pelas quais juntos conversamos
sobre as coisas. Sendo assim, aquilo que eu quis colocar como um problema para discutirmos
e, quem sabe, produzirmos mudanças, não ressoou da mesma forma para os demais
60

participantes. Também, podem ter pensado algo, mas talvez ainda fosse muito cedo para se
sentirem à vontade para falar. Então, já que não se constrói sentidos em um monólogo, pensei
que poderia ter mais nexo para todos conversarmos a princípio sobre as relações sociais que
envolvem as mulheres. Aproveitei que Renato já tinha falado sobre preconceitos e questionei:
Ariane: Vocês conseguem ver pessoas próximas de vocês, mulheres, sofrendo algum
tipo de preconceito pelo fato de ser mulher?
Gabriel: Ah, tem! No nosso ramo, tem. Telecom. É muito complicado. E eu sei que o
gerente e as pessoas ali dentro não contratam mulheres, porque eles não gostam de
trabalhar com mulheres naquele ambiente. Acham que agrega mais um homem, homem
que é profissional técnico... Isso é... preconceito! Achar que mulher não pode trabalhar
com tecnologia, não tem o mesmo rendimento. Eu ouço muitos comentários a respeito
disso. Existe esse tipo de preconceito.
Ariane: Que que vocês acham disso? Pensando que o curso de vocês é um curso que
praticamente não tem mulheres né. Na sala de vocês só tem a Tânia?
Diogo: Começaram acho que cinco mulheres e as outras quatro já xiu [movimento com
a mão], já desistiram. Primeira fase sempre tem umas menininhas. . . . A única que ficou
ela ficou por engano, ela achou que o curso era comunicação, ela entrou sem saber o
que ela tava fazendo. Na primeira aula, ela entrou em choque e falou “não, mas que que
eu tô fazendo aqui?” [risos]. Aí ela só de birra falou “não, eu vou terminar”. E a gente
tá tentando fazer ela não desistir, ela tá indo. Ela tentou trancar uma vez, a gente foi,
conversou com ela e ela tá continuando. Vamo vê até quando ela vai.
Ariane: E por que vocês acham que as mulheres não se interessam ou as que entram não
ficam?
Diogo: Olha, pelo menos quem começou o curso com a gente foi porque achou que tava
muito complexo, não tava conseguindo acompanhar. Não foi porque “ah, não gosto”.
Tanto é que teve umas meninas que pararam na aula de matemática ainda [risos] . . .
Mas eu acho que entrou sem saber o que realmente era, por isso que desistiu, mas eu
acho que ainda acontece muito preconceito porque na verdade não é só um trabalho
braçal, a não ser que elas tenham o ponto de vista assim, que seja muito braçal . . . eu
trabalho numa empresa de tecnologia e hoje já tá tendo bastante mulher ali envolvida,
até mesmo na parte do suporte técnico, que é uma coisa mais mão na massa. Então, tá
aumentando o número de mulheres no meio da tecnologia mas ainda rola muito
preconceito. Às vezes, mesmo, você vai ligar pra um fornecedor, você vê um outro
fazendo o comentário “ih, foi aquela lá que atendeu” . . . então acho que fica meio que
um bloqueio por parte das mulheres mesmo pra entrar nesse meio . . . o preconceito tá
com elas também, não é só com os homens.
Pedro: É igual a área da rodoviária. Acredito que há dez anos atrás aí, era praticamente
impossível ver uma mulher dirigindo caminhão, ônibus, enfim. Hoje tá mais comum, no
caso da telecomunicação talvez pense que seja outra coisa, “ah, vou ficar na frente do
computador, fazendo minhas coisas ali”, daí quando diz assim ó, quando se formar
técnico, vai pra rua, vai fazer isso, vai fazer aquilo, vai, enfim. Aí a mulher, ela mesmo
já se exclui ali pro lado.

Trazendo como um preconceito, Gabriel questiona sentidos de masculinidades que estão


associados a um melhor rendimento e ao trabalho com áreas de tecnologia, em contraposição
ao trabalho de uma mulher. Tânia não está em sala neste dia, mas pergunto sobre ela com o
intuito de trazer a conversa para mais perto da realidade daqueles estudantes. Diogo, então,
61

produz um discurso bastante controverso, repetindo algumas vezes que é um preconceito aquilo
que ele mesmo parece estar fazendo. Sua fala sobre as menininhas que não conseguem
acompanhar a complexidade do curso apenas reafirma que ali não é o lugar delas. Tratando de
Tânia, que entrou por engano, ficou chocada e continuou por birra, parece também infantilizar
a colega, que tem conseguido continuar devido aos cuidados dos homens da turma. Cuidados
na forma de incentivo, que não parece ser muito convidativo, mas desafiador, quando se ouve
“vamo vê até quando ela vai”. Os demais participantes não suplementam sua fala, mas também
não a contrariam, ninguém traz outros elementos para se pensar outras razões para Tânia ter
entrado e permanecido no curso.
Sobre a dualidade da comunicação de Diogo neste momento do encontro, compreendo,
baseando-me em Beiras e Cantera (2012), que a narrativa foi utilizada como instrumento pelo
narrador para negociar sentidos que manifestem como ele quer ser entendido como sujeito pelo
público que o escuta. Neste caso, como sujeito não preconceituoso. Considerando o contexto
de pesquisa e seus objetivos, percebi esse tipo de narrativa em diversas ocasiões, parecendo ser
as narrações às vezes direcionadas especificamente ao que achavam que eu gostaria de ouvir.
Essa estratégia discursiva foi novamente empregada em outros momentos, mais por Diogo e
por Pedro, mas também por outros participantes. De qualquer forma, é preciso destacar como é
interessante e importante para o grupo, nessas falas de Diogo, ele reconhecer e declarar que o
comentário do colega “ih, foi aquela lá que atendeu” é preconceituoso.
Em continuidade à conversa, Pedro mostra concordar com Diogo que são as próprias
mulheres que se excluem ou criam um bloqueio com determinadas áreas de trabalho.
Especialmente, Pedro traz a questão do trabalho em espaço público, que “vai pra rua”, como
sendo algo não desejado pelas mulheres. Estão em jogo, nesse ponto da conversa, sentidos de
masculinidades que trabalham em espaço público, que ajudam as mulheres, que realizam
trabalho braçal, que tem mais facilidade com a tecnologia. Eu questiono os motivos que levam
à produção dessas masculinidades e as respostas oscilam:
Pedro: Criação dos pais, ah, a mulher é mais pra pegar um servicinho mais tranquilo, na
sombra, enfim.
Diogo: Cultura.
Pedro: De casa . . . é mais delicado.
Diogo: Vai numa mecânica pra ver se encontra uma mulher. Raro, difícil.
Renato: É igual tu ir na enfermagem e encontrar um homem . . . enfermeira é coisa de
mulher, se ensinou que é coisa de mulher, como mecânica é coisa pra homem, coisa
braçal é pra homem, é difícil encontrar pedreira. Agora, o porquê eu não sei, não sei se
é questão de força, sei lá. Cultura talvez, não sei.
Davi: Um pouco dos dois né.
Diogo: Um pouco dos dois.
62

Davi: A cultura inibe bastante, mas também é um trabalho braçal. Ele falou de ir pra rua
geralmente é passar fio, subir em poste, trabalhos mais braçais do que intelectuais, e elas
acabam optando por uma outra área.
Pedro: São poucas as pessoas, são poucas as mulheres que se submetem a isso. Elas
tendem a pensar em uma outra área que talvez pra elas seja mais tranquilo.
Luís: Acho que é cultura mesmo né. O exercício faz a pessoa né. Então, se for pensar
que o físico te limita, não! Isso aí, com o exercício você consegue. Daí, o que acho que
encaminha mais isso é a cultura que sempre, ahh, até um tempo atrás, mulher é criada
pra ser dona de casa, daí por isso que ainda a gente tá nessa transição né.
Davi: Tem até aquele clichê né, sexo frágil, já vem dali. Bastante coisa se limita por
causa dessa frase. Não que sejam frágeis, mas se for tentar um emprego pra trabalhar
em um serviço braçal, o próprio contratante não vai aceitar, mesmo que ela prove que
seja capaz, vai haver o preconceito.
Diogo: A questão do serviço braçal, o cara vai pensar “um homem vai fazer duas vezes
o que ela vai fazer”, ponto. Eles querem saber de produção, no final do dia render muito
mais, então vai pensar duas vezes antes de contratar. A não ser, igual já falamos mesmo,
trabalhos intelectuais, mente, aí eu acho que até sai na frente né [risos]. Mas, tudo
questão de cultura mesmo.
Fernando: Ah, eu acho que até o que ele falou ali, eu acho que nem que é questão de
preconceito, é de produção. O cara, tipo, não é nem tão preconceituoso, mas, tipo, um
homem vai produzir muito mais do que aquela mulher ali. Eu acho que às vezes nem
sempre é preconceito.

Importante notar o comentário de Renato sobre a comparação com o trabalho dos


homens na Enfermagem. Pois, até então, eu estava sozinha tentando fazer a relação de nossas
conversas sobre desigualdade de gênero com as masculinidades. Renato foi uma figura
significativa para o grupo nesse ponto, pois veremos que em muitos momentos foi ele quem
primeiro fez essa relação, ou, ao menos, o primeiro que a expressou, incentivando outras falas.
Nesse trecho, inicia-se uma negociação a respeito das razões para existir as atuais
atribuições de gênero em nossa sociedade. O aspecto cultural é bastante citado, mas a
naturalidade também surge, imbuída no sentido do trabalho braçal. Davi resolve o dilema
opinando que as duas características estão envolvidas, ao que Diogo concorda. Diante das
explicações de Davi e de Pedro, Luís se manifesta pela primeira vez no grupo, sendo claro: não
é natural, é cultural e histórico.
Após a declaração de Luís, Davi, então, traz algo importante para o debate: ainda que a
prática demonstre algo diferente, o entendimento preconceituoso que se tem sobre o assunto é
mais forte e limita a possibilidade de outras práticas sobre gênero. Diogo concorda e volta a
tocar no sentido de uma masculinidade que rende mais no trabalho braçal devido à força física
de um homem, aqui entendida como supostamente maior do que a de uma mulher. Fernando
fortalece ainda mais esse sentido, tratando como algo natural que os homens rendam mais em
63

trabalhos braçais do que as mulheres, portanto, não seria um preconceito do contratante escolher
por um homem.
Em seguida, Pedro, que anteriormente enfatizou a “tendência” da mulher ao trabalho
mais “delicado” (sic.), puxa mais uma vez o “cabo de guerra” para a noção da construção social
das masculinidades ao contar com detalhes uma situação que presenciou quando trabalhava em
uma companhia de gás. Uma mulher de pouco mais de 30 anos pediu ajuda na companhia,
dizendo que estava com fome. O chefe falou ironicamente que ela poderia comer ali, mas que
em troca deveria ajudá-lo descarregando um caminhão com botijões de gás. A mulher
descarregou um caminhão sozinha, para surpresa de todos:
Pedro: . . . eu pensei “faz tempo que não vejo uma mulher homem daquele jeito” [risos
de outras pessoas]. Digo homem pela força de vontade, pela força física também. Não
sei por que ele não ofereceu o emprego pra ela . . . o preconceito, digamos assim, que
eu tinha com a mulher com relação a serviço braçal, acabou naquele momento ali. . .
essa ideia de sexo frágil.

Ao mesmo tempo em que escolhe contar sobre uma mulher com bastante força braçal,
quebrando com a noção de “sexo frágil”, Pedro fortalece o sentido de masculinidade enquanto
dotada de força física e de atividade (em contraposição à noção de uma passividade feminina),
quando define aquela mulher como “mulher homem”. Wetherell (1997), conforme citado por
Conceição Nogueira (2001), assinala que as questões de gênero não envolvem um dilema
individual, mas se constroem a partir de peças de discursos organizadas em um sistema de
significados que são reconhecidos como respostas femininas e masculinas. A declaração de
Pedro, portanto, trata-se de mais um discurso contraditório alinhado com esse sistema a ponto
de não conseguir produzir totalmente sentidos diferentes sobre o tema.
Seguindo o encontro, eu questiono sobre a ideia de sexo frágil e Diogo diz que se trata
de um “pensamento grosseiro de antigamente”. Problematizo que, se é antigo, mas ainda é
lembrado, é porque reproduzimos de alguma maneira. Pergunto se conseguimos pensar em
exemplos de como fazemos isso e Juliano cita as piadas, mas o assunto não rende muito, pois
alguém comenta sobre dirigir automóveis e Pedro interrompe. Ele conta que seu serviço exige
que ele dirija rápido e, por isso, se for possível, não dá vez para as mulheres no trânsito, já que
são “mais cautelosas” e acabam o atrasando. Os colegas riem bastante, Pedro cita Tânia e Diogo
complementa contando de uma vez em que sua esposa precisou ajudar Tânia a estacionar. Eu
convido a pensar nessa ideia de que a mulher é cautelosa no trânsito e Diogo dispara: “Ah, nada
a ver, minha mulher é louca no trânsito”. Essa fala inicia outras que virão com frequência e que
querem dizer “não é sempre assim” ou “comigo acontece diferente”. Nessa curta frase, Diogo
coloca em jogo, na discussão, um distanciamento da noção de naturezas feminina e masculina
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e começa a criar um dos pontos centrais de nossas conversas, que é o questionamento às


generalizações (aspecto a ser mais bem trabalhado no capítulo seguinte).
Em face das reclamações às mulheres no trânsito, Renato se posiciona dizendo que,
como pedestre, para atravessar na faixa, prefere estar numa fila “com um monte de mulher . . .
do que numa fila com um monte de homem, homem não olha pro lado pra ver se tem pedestre,
homem quer passar por cima”. Renato generaliza e traz o sentido de uma masculinidade que
pratica violência no trânsito. A frase seguinte, de Diogo, parece ratificar esse sentido: “Ah, eu
já prefiro mulher, porque aí você pode xingar, falar que não vai dar nada. [risadas]”. Apesar de
não ter notado no encontro, é perceptível, pela minha pergunta seguinte, que fiquei incomodada
com a fala de Diogo e sua maneira de tratar o assunto (rindo):
Ariane: . . . O quanto vocês se orgulham disso assim? Ou não se orgulham?
Pedro: Orgulho de?
Ariane: Dessa visão assim de que o homem é mais ágil, não é devagar, não é cauteloso.
O quanto isso é bom ou ruim ou tanto faz?
Juliano: Pros homens é comum. Eu acho ruim, acho uma visão totalmente errada na
verdade. É questão de educação também né, não é só esse negócio de ahh é porque é
mulher, não, é questão de educação. Eu particularmente não acho legal andar correndo
ou atrasado. Se tu tá atrasado, a culpa não é de ninguém, e aí vai andar contente
correndo?
Diogo: Se for pra ir devagar, eu vou a pé [risadas].
Juliano: A educação que eu digo de forma geral, que todo mundo aprende, isso é um
negócio que tá na mente de cada um. Tipo, a questão de mulher dirigir de um jeito e
homem porque ele é homem, é educação num geral, de pessoa pra pessoa.
Gabriel: A gente pode tá também prejulgando os homens. Igual ele falou que prefere
mulher dirigindo pra atravessar na rua, mas se for a minha mãe ou a minha vó que
acelera.
Diogo: A minha esposa! A minha é daquela que ainda passa xingando ainda [risadas].
Ariane: Eu acho que o Gabriel falou algo legal assim, . . . quando a gente coloca em
caixinhas...
Diogo: Generalizando, né?
Ariane: Exatamente. A gente coloca na caixinha lá que o cara é o forte, o rápido, é isso
ou aquilo e a mulher é frágil, delicada, mais cautelosa. E aí quando a gente vai fazer
uma entrevista de emprego, por exemplo, se é homem ou se é mulher a gente já joga
naquela caixa. . .

Diante de minha pergunta mais provocativa do que reflexiva, Juliano afirma serem
aqueles sentidos de masculinidades comuns para os homens, mas que ele não aprova. Diogo,
diante de uma declaração de responsabilidade, que, em outras palavras, indica que as coisas não
estão certas e deveriam ser diferentes, reage fazendo piada com a fala do colega. Juliano
continua, demonstrando não concordar com algumas rotulações referentes a gênero e atribuindo
as diferenças à educação de cada um. Importante destacar que Juliano não se remete à educação
enquanto processo educativo vivenciado por cada um, mas como uma escolha pessoal (ser ou
65

não educado), individualizando e simplificando a questão. Assim, Juliano traz uma fala que
desconstrói a noção de atribuições naturais de gênero, mas que não reflete sobre as construções
sociais que colaboram para a continuidade dessas atribuições.
Gabriel exemplifica como fazemos prejulgamentos nesse assunto, citando uma fala
anterior de Renato e contando sobre sua mãe e sua avó. Diogo concorda e também dá um
exemplo pessoal. Eu tento resumir alguns sentidos que estão sendo discutidos e os coloco como
um possível problema quando são generalizados. A partir daí, volta-se à conversa de diferenças
nas contratações profissionais de homens e de mulheres. Fernando comenta que algumas áreas
de empresas, como o RH (Recursos Humanos), privilegia a contratação de mulheres. Diogo diz
que empresas que fazem trabalhos manuais que precisam de mãos mais delicadas e dedos
menores também darão preferência a mulheres. Aparece, assim, mais uma vez, a delicadeza
como não sendo atribuída a masculinidades.
Eu pergunto por que eles acham que os setores de RH contratam mais mulheres. Diogo
e Fernando explicam que se trata de uma parte mais administrativa, que envolve trabalhar com
documentações e assuntos corporativos. A ideia é que as mulheres não colocam a “mão na
massa”, sendo esta uma característica dos homens. Pedro, que anteriormente falou que são
poucas mulheres que se interessam por trabalhos braçais, agora responde minha pergunta
dizendo que são poucos homens que se interessam por essa área. Parece se tratar, para Pedro,
de uma falta de opção do empregador, mais do que de algum preconceito de sua parte.
Diogo continua, expressando que a mulher exerce melhor do que o homem o trabalho
administrativo, pois “já é mais organizada de nascença [risos]”. Fernando concorda explicando
que no RH “é tudo organizadinho”. Eu questiono se, então, eles diriam que os homens são mais
desorganizados. Diogo diz que sim e vários estudantes começam a falar ao mesmo tempo,
alguns discordando do colega. Ele justifica contando uma cena de seu trabalho:
Diogo: Ó, onde eu trabalho, tem várias fileiras, e o pessoal, vamos supor, é cada analista
por cada fileira, e eu trabalho na última. E às vezes eu levanto assim e, se eu olho, toda
mesa onde senta uma mulher tudo arrumadinho, fotografia, um vasinho de flor, não sei
o quê [tom de voz mais baixo e agudo], você olha dos caras é papel jogado, amassado
[risos e tom de voz bem alto], e se você pede um telefone, aí começa [vira folhas do
caderno com rapidez, fazendo barulho], tentando achar alguma coisa [risos]. Você pede
pra uma mulher, aí ela olha “ah, não, tá aqui ó” [voz aguda e risos]. É tipo, é convivência
no trabalho, por isso que eu falei isso.

Fernando apoia Diogo e suplementa sua fala também com um exemplo de seu ambiente
de trabalho. Ele relaciona feminilidades à limpeza, quando conta da colega de trabalho que
passa álcool em gel todos os dias na mesa. Pedro dispara “aí é questão de cada um. . . minha
mesa também era com álcool em gel. . . Não sou mulher [risos], mas tenho zelo”. Nesse
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momento do encontro, repete-se a negociação de sentidos que houve no assunto anterior, a


respeito de comportamentos femininos e masculinos no trânsito, em que algumas pessoas fazem
afirmativas mais tradicionais sobre sentidos que envolvem masculinidades e outras se
manifestam declarando que não é exatamente como estão falando, que não agem daquela
maneira ou que conhecem pessoas que não agem assim. Logo em seguida, Gabriel conta que
fez nove entrevistas de emprego desde 2016 e que todas seguiram o mesmo padrão:
Gabriel:. . . era sempre mulher. Seja via e-mail, tem entrevistas que é só por e-mail,
aparece uma mulher, fala muito bem contigo por e-mail, ou então a primeira entrevista
presencial é uma mulher que tá contigo, ela faz tudo, a apresentação da empresa, passa
toda uma imagem. Aí depois que terminou, tá bom então, agora vou chamar o chefe do
setor, aí vem um barbudão. Sempre foi assim, sempre.

Ainda que possa não parecer, essa fala de Gabriel é bastante reflexiva. Mais a frente na
conversa, ele explica que, ainda que não ache que o RH tenha necessariamente que ser um setor
de mulheres, ele o faria assim se fosse o dono da empresa, porque ele não vivenciou algo
diferente. Este perfil que ele relata está tão bem estruturado socialmente que sequer passa pela
mente das pessoas contratar um homem para este trabalho, é o que ele parece querer dizer. E,
assim, repete-se mais uma vez a história, reforçando-se os sentidos de masculinidades que estão
por trás desse “barbudão”.
Fernando suplementa a fala de Gabriel, também exemplificando com vivências de
entrevistas de emprego, mas dando o tom de que, de fato, comparadas aos homens, as mulheres
são melhores em conversação. Davi retoma a questão anterior, sobre a organização, e se
posiciona:
Davi: . . . Não tem a ver com o sexo e sim com como você lida com a sua vida. Pra ser
organizado basta querer. Sempre fui organizado . . . Eu sou assim, em casa...
Fernando: Eu em casa aprendi a limpar a casa. . . Também não dá pra não saber varrer
uma casa, lavar uma louça se morar sozinho.
Pedro: Tu sabe, mas tu faz? [risos de outras pessoas]
Fernando: Eu faço. Mas eu acho que tem uma diferença entre a mulher e o homem, cara.
A mulher é mais organizada do que o homem. Ela gosta de ver aquele negócio limpo,
aquele banheiro limpo, faz as coisas muito melhor.
Ariane: Mas por quê? . . . Por que você acha que ela é mais organizada, gosta mais das
coisas limpinhas, da onde vem isso assim?
Fernando: Pô, eu acho que vem desde criança, cara. Tipo, o quarto da minha irmã, ela
tem 10 anos e tá sempre arrumado. Não sei, acho que a mãe deve ensinar assim. Eu acho
que até às vezes em família que cresce o irmão e a irmã, a irmã que vai lavar louça pro
irmão, ela que vai limpar a casa, entendeu. Geralmente é.
Pedro: Na casa, pode ser que as mães e os pais digam, assim, digam, ahh, o irmãozinho
vai lá, suja alguma coisa lá, “ahh deixa na pia que daqui a pouco a mãe lava”, não diz
sujou vai lavar. Eu tive uma situação na casa de um familiar meu que era assim, só as
mulheres faziam as coisas. os homens comiam, deixavam tudo na mesa ali. E, quando
eu cheguei pra passar um tempo lá . . ., saí da mesa, peguei o prato e “nãão, deixa aí que
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a fulana vai lavar”. E eu disse “não, mas fui eu que sujei, eu vou lavar”. Aí depois fui lá
conversar e o pessoal ficava tipo assim “ai que otário”. . . Não sei os de agora, mas os
pais de antigamente incentivavam a mulher a fazer o serviço do lar e os homens, ah, vai
trabalhar fora, vai trazer o dinheiro pra casa.
Davi: É uma questão cultural, né. Pelos brinquedos você já tira uma boa base de como
vai ser no futuro. Os brinquedos dos homens é um bombeiro, um policial, uma
maquininha, uma ferramenta. Da mulher é uma boneca pra cuidar de bebê, uma
panelinha, um fogãozinho, então já começa cultural desde cedo.
Renato: É, eu acho que essa questão é mais de criação da pessoa. Eu tenho duas irmãs
mais velhas, e minha mãe, lógico. E eu sempre fui criado que sujou tem que limpar,
foda-se se tu é homem ou não. . . Mas, tipo, é uma coisa cultural. Lá em casa, quem lava
a louça é meu pai, quem cuida da cozinha é meu pai. Então eu acho que tem mais a ver
com a educação que tu tem em casa do que com qualquer outra coisa, sei lá!
Pedro: Quando eu consegui entrar pro exército, teve um curso . . . pra oficial, enfim, é
tudo misturado lá, não é só homens igual os quartéis assim. Só tem os dormitórios
separados, mas é tudo igual. Tudo igual. Ah, rasgou minha calça aqui. Linha, agulha,
costura! . . . Então eles igualam ali, os sexos ali. Todo o trabalho que um faz o outro faz
igual.

No início desse trecho, Davi desconecta o gênero da organização e Fernando volta a


enfatizar que o gênero atravessa, sim, essa questão, sendo a organização e a limpeza atributos
mais femininos do que masculinos. Refaço a mesma pergunta do início do encontro e, desta
vez, as respostas vêm mais atreladas ao cotidiano de cada um. Reforça-se o sentido de
masculinidades culturalmente construídas, às quais não é exigido o serviço doméstico e aqueles
que saem desse padrão correm o risco de serem ridicularizados. No entanto, mesmo
reconhecendo a força do aspecto cultural, o grupo dá exemplos práticos de masculinidades que
tiveram aprendizados diferentes.
No segundo encontro com o grupo, em que metade dos participantes era diferente dos
estudantes presentes no primeiro encontro, alguns elementos que foram discutidos como fatores
que interferem na construção das masculinidades se repetiram e outros foram novidades em
nossas conversas. Um deles diz respeito às culturas regionalistas, muito presentes em um país
do tamanho do Brasil. Tânia, que é nordestina, fez uma comparação entre os homens do sul do
Brasil e os homens do nordeste, e contou que seu pai não deixava sua mãe trabalhar fora de
casa. Anderson complementou dizendo que aqui os homens são mais abertos e Diogo disse, em
tom de brincadeira, que no norte só tem “cabra macho”. O tema dos serviços domésticos voltou
nesse contexto, e Tânia disse que não percebe a desigualdade de gênero tão forte no sul a ponto
de ser feio um homem lavar uma louça. Anderson concorda que, no norte e no nordeste, se um
homem lavar louça já será visto como “baitola”.
Em outro momento, após Edson perguntar o que seria o feminismo, volta-se a conversar
sobre as vivências de homens e mulheres e Diogo pergunta, indignado, por que a mulher paga
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mais barato pra entrar numa balada. Tânia responde que é a mulher quem chama os clientes,
sendo esta situação uma desvalorização da mulher. Renato concorda, dizendo que se trata de
uma ideia machista. Henrique, então, sugere que o machismo está em todo lugar:
Henrique: Não tá só na cabeça das pessoas, também tá no comércio, na indústria, na
mídia...
Tânia: Em tudo. E a mídia, assim, meu Deus, ela realmente tem um poder seríssimo. E
as pessoas acreditam num ideal, que é aquilo, e acabou depois que põe na cabeça.
Henrique: É, tá tudo afunilado, desde que a gente nasceu. A gente nem sabe da onde
vem.
Tânia: Acho que desde a época de Deus! Tu vê...
Anderson: Não, não...
Tânia: É sim! Quando a gente lê a bíblia, vai dando uma raiva. [risos]

Nesse trecho, conversamos sobre nascermos e vivermos em uma sociedade machista


que constrói nossa subjetividade. Tem-se clareza, pelas falas, que não se trata de uma questão
individual, mas que todos estão mergulhados nessas relações machistas de tal maneira que as
reproduzimos também. Esses sentidos também foram construídos no encontro anterior, com a
diferença de que neste o grupo está relacionando mais diretamente as diferenças de gênero ao
machismo, “dando nome aos bois”.
Caetano (2011) faz essa mesma reflexão ao discorrer sobre a masculinidade
hegemônica, que ele compreende como criada, construída, imaginada, considerada como
padrão e disseminada por meio do discurso das práticas entendidas como masculinas. Assim,
os discursos de gêneros podem ser interpretados como consequências de um complexo
equipamento educativo e formativo preservado por instituições como a escola, a família, a
religião e a língua.
Os estudantes também comentam sobre o poder da mídia, assim como Pimenta e
Natividade (2012) abordam em pesquisa sobre propagandas com imagens de homens de
diversas idades em uma revista popular brasileira. As autoras consideram que as representações
midiáticas são espaços de construções de significados importantes sobre identidades sociais. E,
nas publicidades analisadas, concluíram que as imagens se remetem à construção da
masculinidade de forma hegemônica, machista: afastada das emoções e voltada para o mundo
exterior.
Após as considerações sobre a mídia, Tânia traz a religião como uma das fontes de
propagação do machismo. Anderson imediatamente protesta, explicando que as pessoas
deturpam o que está escrito. Ele diz ter aprendido com a bíblia que o homem deve prover e
amar sua família, mas hoje ele apenas ama a si próprio. Diogo concorda com Anderson, que
continua dizendo que o homem não respeita mais a esposa e os filhos, pois entende que prover
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é ser ditador da casa. Tânia consente: “é, inverteu muita coisa”. Com isso, segue Anderson, as
mulheres começaram a preferir ficar com outra mulher e “as famílias passaram a se
desintegrar”. Anderson compreende que, quando a bíblia diz que a mulher é submissa, significa
que está na mesma missão de seu esposo, “é adjuntora, e não que ela seja lixo ou empregada”.
Independente da visão positiva ou negativa desse aspecto, percebe-se o entendimento
da religião como um forte elemento de construção das masculinidades. Na fala de Anderson,
há uma ratificação da noção tradicional de que o homem deve ser o provedor da casa e de que
família deveria ser sempre composta por um casal heteroafetivo. Quando isso não acontece, foi
o homem quem não fez seu papel direito, de amar e cuidar de sua esposa e filhos. O que
aconteceu no momento da negociação desses sentidos volta a me lembrar Caetano (2011),
quando ele explica que as maneiras desiguais de sermos educados são, em diversas situações,
carregadas de afeto e proteção. Assim que Anderson relaciona esses sentidos que ele traz com
as ideias de amor e cuidado, ninguém no grupo discorda dele. Pelo contrário, aqueles que se
manifestam apoiam sua fala, inclusive Tânia, que iniciou o assunto com uma crítica.
Pedro dá continuidade à fala de Anderson, mostrando ao grupo um vídeo em seu celular
que exibe um diálogo entre dois vizinhos. Um está batendo o tapete fora de casa e o outro diz
que um homem não deveria fazer tarefas tão inferiores, que na casa dele quem faz aquilo é sua
esposa. O segundo responde que, se ele quiser continuar casado, deve cuidar e ajudar sua
esposa, pois nisso reside a felicidade. Pedro reflete que o vídeo trata do respeito no casamento
e a divisão das tarefas, não devendo o homem ser superior. Diogo diz que casamento é pra
somar. Tânia compara com a criação dos filhos, em que os dois (pai e mãe) devem ajudar.
Esses discursos co-constroem e positivam sentidos de masculinidades ligados à
cooperação e à igualdade de gênero. Também, à heteroafetividade, que veio embutida em
sentidos de masculinidades ao longo de todos os encontros. De forma direta, no primeiro
encontro, não se falou sobre a homoafetividade. No segundo, eu entrei nesse tema fazendo um
paralelo entre as mulheres hetero que são paqueradas por lésbicas e os homens hetero que são
paquerados por gays, generalizando e sugerindo que as reações do homem e da mulher são
diferentes, e os questionei sobre isso. Anderson contou de um colega de trabalho que lhe disse
que gostava muito dele e o grupo começou a fazer especulações sobre os desejos afetivos do
rapaz. O que me chamou a atenção foi que em nenhum momento pronunciaram o termo “gay”
ou outro que tenha o mesmo significado, apenas diziam “acho que ele é”, sem completar a frase,
como se não tivessem receio de nomear. No momento seguinte, algo similar aconteceu no início
da conversa:
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Anderson: Você falou do machismo, o que que atrapalha. É igual, eu fui atendido por
um cara, ah, ele era gay, porque ele deu um fora “ah, não sei que lá meu marido”, já
peguei na hora, né . . . Acho que ele se sentiu à vontade com a gente . . . mas assim, ele
me atendeu tão bem . . . foi tão respeitoso comigo e com a minha esposa, que eu gostei
do cara! Falei pô, esse cara é respeitoso, entendeu.
Tânia: Mas é uma coisa que ninguém tem nada a ver né, se a pessoa é gay, gente! Lá no
Ceará mataram o coitadinho, o bichinho. Meu Deus, espancaram e trocidaram com o
coitado porque, gente, a vida é dele! Se ele quer fazer as coisas dele, se ele tem uma
outra opção sexual, eu acho que não tem nada a ver. Nada a ver! Que nem uma mulher,
uma mulher tá se beijando com outra mulher, o que eu acho desrespeitoso, quando eu
tô saindo com a minha família por exemplo, lá no Giassi já aconteceu muito. Eu tô
subindo as escadas, as mulher tão se agarrando, tão se, independente de ser mulher, ou
um homem também, um casal, homem com mulher, tá se beijando, se agarrando. Eu
acho isso horrível! Horrível, entendeu, independente de ser gay ou não. Aí entra
novamente o respeito.
Anderson: É, hoje em dia a palavra sempre vai ser respeito.
Fernando: Eu, por exemplo, tenho bastante amigo gay e, tipo, ah vou sair com um amigo,
eu levo ele junto. Por ele ser gente boa, eu trato ele igual eu trato outra pessoa.
Henrique: Não parece [risos].
Tânia: Mas ele não é diferente!

Anderson explica que soube que o atendente era gay porque “ele deu um fora”, como se
fosse algo a não ser dito, mas que escapou. Depois, ele diz que o atendente deve ter se sentido
à vontade com eles para ter citado o marido, mais uma vez tratando a situação com estranheza.
Continuando, Anderson traz o sentido de que gays precisam ser muito respeitosos. Tânia
percebe que Anderson está fazendo uma diferenciação entre as pessoas por suas orientações
sexuais e reage: ninguém tem nada a ver com isso. No entanto, quando começa a mencionar
violências extremas de gênero sofridas por gays, trata-os de forma animalesca. Ainda que se
leve em conta que Tânia é nordestina e, portanto, “bichinho” e afins são palavras muito comuns
em seu vocabulário, ela produz um forte sentido estigmatizador ao falar dessa maneira. Em
sequência, Tânia se aproxima do sentido trazido por Anderson quando cita o desrespeito que é
duas lésbicas se beijando em público. Apesar de declarar que compreende a atitude como falta
de respeito independente de ser um casal hetero ou homoafetivo, há que se considerar a escolha
por falar no assunto quando se está conversando sobre gays. O comentário que se segue, de
Fernando, produz a diferenciação pela orientação sexual de forma ainda mais clara, algo que
Henrique e Tânia logo percebem.
Do terceiro encontro, destacarei apenas um momento, que considero crucial no processo
de co-construção dos sentidos de masculinidades de nossas conversas. O grupo voltou a
conversar sobre feminismo e as diferentes linhas de pensamento feminista e eu citei a teoria
queer, esclarecendo que é uma linha que luta pela descategorização, pela dissolução das noções
de feminino e masculino. Renato logo pergunta: “Não seria o outro extremo, professora?”. Peço
71

para ele explicar melhor e ele me pede um exemplo de não categorização. Quem o
imediatamente responde é Felipe: “Você chegar numa loja e ter roupa! Não ter seção feminina
e seção masculina”. Felipe opina sobre o assunto dizendo que, por haver a diversidade, tende a
haver o feminino e o masculino, sendo que o que não pode acontecer é a opressão ao outro. Ele
também faz uma comparação com as cores de pele para repetir a ideia de que não é possível
dizer que não há feminino e masculino. Eu contraponho que as cores da pele envolvem a
genética e que falamos diversas vezes, desde o primeiro encontro, sobre os gêneros enquanto
construções sociais; se tivermos isso por base, a desconstrução também é possível. Renato
questiona sobre a homossexualidade:
Ariane: Dentro dessa proposta, não faria sentido falar de hetero ou homo.
Anderson: Complicado isso.
Eathan: É radical.

Outros estranhamentos surgem, assim como algumas falas indicando que essa linha de
pensamento é impositiva. Eu digo que se trata do contrário, da luta por nenhum tipo de
imposição nesse assunto. Renato declara que é utópico e outros concordam com ele. Muitas
pessoas falam ao mesmo tempo, de modo que, no momento do grupo, não se formou uma
conversação, já que ninguém se ouvia (escutando depois os áudios, consegui escutar algumas
falas como “é pior do que o feminismo”). Após se acalmarem, foi possível ouvir novamente.
Davi diz que, para ele, a questão da vestimenta não importa, pois a pessoa pode andar do jeito
que ela quiser: “não sei por que as pessoas se preocupam tanto com isso, é pessoal”. Anderson
responde que “se você não vive daquele jeito, no meio social você é discriminado, então tem
uma série de coisas”. Tânia concorda, mas lembra de um país em que homens vestem saia e
que isso não está errado, que é natural, mas que no início é sempre um impacto.
Nesse ponto da conversa, já está na hora de encerrar o encontro, portanto eu faço um
fechamento rápido e continuo o assunto no encontro seguinte. No quarto encontro, então, eu
pensei em fazermos uma conversa um pouco direcionada, para refletirmos sobre as categorias
“feminino” e “masculino”, já que o grupo, de forma geral, estranhou bastante a ideia no
encontro anterior de não haver uma estruturação social com base nessas categorias. No entanto,
quando fiz a proposta da atividade (que seria de colocarmos no quadro características
consideradas femininas e masculinas, separadas, para depois refletirmos sobre), houve
oposições que, no meu entendimento, demonstraram o desenvolvimento do grupo sobre o tema:
Renato: A ideia não é o contrário, de desmistificar?
Felipe: Vai ser complicado isso aí, vai haver divergências.
Edson: Tem que ter homem feminino e mulher masculina.
72

Apesar dos protestos, o grupo topou começarmos o encontro dessa maneira e assim o
fizemos. Inicialmente, todos estavam levando a atividade de forma extrovertida, às vezes
brincando com algumas provocações como “dirigir bem é coisa de homem, professora [risos]”
ou, quando Renato citou “maquiagem” e eu perguntei se devia colocar em feminino ou
masculino, ele apontou, rindo, que antes ele havia dito futebol e eu não fiz a mesma pergunta,
já colocando direto no quadro como algo masculino. Nesse clima descontraído, conversamos
sobre “as caixinhas” (como chamamos as categorias que envolvem gênero que foram surgindo),
sobre assuntos já citados em outros encontros e assuntos novos.
Um tema que não tinha sido falado ainda e, por sua polêmica, tomou boa parte do
encontro foi traição em um relacionamento íntimo. O sentido de traição foi pouco
problematizado e os exemplos se referiam sempre a um relacionamento monogâmico e
heteroafetivo, mas muito se falou sobre as diferenças entre homens e mulheres em relação aos
motivos e à percepção social do fato. Não considerei que sentidos foram co-construídos, pois
as falas foram muito soltas, sem relações diretas de suplementação, mas vale a pena o registro
dos sentidos de masculinidades trazidos para a conversa: masculinidades que traem para
“provar ser o machão”; que traem tanto quanto as mulheres mas que não escondem direito por
não ser vergonhoso; que traem por insegurança, “para não ser traído primeiro”; que traem para
que sejam descobertos para terminar o relacionamento, pois não conseguem terminar de outra
forma. Sobre esses sentidos, houve uma fala ou outra sobre não podermos generalizar e a traição
ser um desvio de caráter, independente do gênero.
Também conversamos sobre maternidade e como ficam os filhos em uma separação do
casal. Tânia, então, trouxe a questão da figura paterna, contando de uma separação que teve e
explicando que entende que, por mais que a mulher tente, não vai ser igual, a criança precisa
do pai. Eu questiono o grupo sobre a figura paterna e Renato conta que sua irmã teve um filho
de forma independente e não percebe que falta lhe falta o pai:
Renato: . . . Mas ele tem a figura masculina no tio e no avô. Então não precisa ser o pai,
mas a figura de homem. Não sei se isso soa meio machista, mas enfim.
Tânia: Eu também acho, acho que é importante a figura masculina pra criança.
Ariane: Pra eu entender, precisa ser um homem e uma mulher, precisa ter pai e mãe, ter
figura materna e paterna? Porque, se entendermos assim, em um casal gay tá faltando
alguma coisa.
Renato: Hum, entendi seu ponto de vista.

A frase de Renato “não sei se isso soa meio machista” demonstra reflexão sobre esse
ponto e um elemento importante dentro de um processo de negociação de sentidos, pois, de
certa maneira, ele está questionando como o grupo (e, talvez, principalmente eu) está ouvindo
73

o que ele está dizendo. Minha resposta seria sim, mas eu prefiro problematizar a ideia e jogá-la
novamente para o coletivo. O simples comentário de Renato à minha pergunta ratifica o
entendimento que eu estava tendo da conversa de que ela estava sendo construída seguindo uma
linha de pensamento heteronormativa. Caetano (2011) explica que as instituições citadas
anteriormente, que funcionam como equipamentos educativos e formativos, produzem corpos
diferenciados como masculinos ou femininos, dificultando outras perspectivas de estruturação
das identidades e práticas sexuais. Destarte, minha fala vem no sentido de questionar a estrutura
em que estavam apresentando suas ideias.
Em continuidade, Tânia começa dizendo que não vê problema para as crianças, depois
diz que talvez os filhos sintam falta de uma mãe no caso de ser um casal de dois homens, mas
que verdadeiramente não sabe. Renato diz à Tânia que a criança não terá problemas porque
sempre vai ter uma avó ou uma tia. Edson comenta que um casal hetero também pode ser ruim
para a criança, sendo melhor uma separação. Eu pergunto, então, se, independente de ser pai ou
mãe, é necessário que tenha uma figura feminina e uma figura masculina significativas na
educação da criança. Renato explica que não acha necessário, porém, inevitavelmente isso vai
acontecer. Já Edson acha que pode confundir a criança, no entanto, outras situações também
podem confundir, como pais hetero separados ou uma mãe que troca de namorado em pouco
tempo.
Nota-se que há uma confusão na co-construção dos sentidos quando o tema envolve
masculinidades homoafetivas. Também, poucos participam da conversa, parecendo existir um
receio de alguns em se expressar e acabar caindo em preconceitos, possivelmente por já
identificarem melhor as falas preconceituosas. Por isso, eu participo mais, guiando um pouco
mais a conversa.
O mesmo acontece no sexto encontro, em um momento em que Edson me pergunta:
“Uma criança com uma convivência com os pais é, tipo homossexuais, tanto dois homens como
duas mulheres, pode ter algum, algum problema no crescimento de uma criança que cresce
naquele meio ali?”. Apesar de já termos conversado um pouco sobre isso no encontro anterior,
inclusive tendo o próprio Edson já parcialmente respondido essa questão, eu opto pela postura
de especialista e respondo que a criança pode ter os mesmos problemas que ela pode ter com
um casal heteroafetivo e que não há estudos que mostrem que pode ser prejudicial para os filhos.
Tânia sugere que podem ser complicadas as relações extrafamiliares, como o bullying na escola.
Já Anderson, que em outro encontro trouxe indiretamente o relacionamento homoafetivo como
um desvio de acordo com princípios bíblicos, finaliza o assunto declarando que, se a criança
receber carinho, ela se beneficiará independente de quem sejam as figuras parentais.
74

Essa confusão de sentidos tem lógica dentro de um sistema em que a identidade


“homem” é circunscrita ao campo da heterossexualidade e, consequentemente, ao que essa
categoria representa no corpo dos homens e na relação com as mulheres (Caetano, 2011). Nesse
sistema, em que o lugar de fala de Anderson é tão comum, sua declaração perante um grupo se
torna muito importante em um processo de negociação de sentidos, como o que estava
acontecendo.
No início do sexto encontro, em vez de resumir o encontro anterior, eu decidi fazer uma
breve síntese de todos os encontros e perguntar:
Ariane: . . . Nesse sentido, eu usei o plural aqui né, porque a gente talvez não possa falar
de fato de uma masculinidade, como se existisse só uma masculinidade, só um jeito de
ser masculino, só um jeito de ser homem, mas de masculinidadês. Com base no que
conversamos aqui, vocês conseguem entender esse conceito e concordar ou discordar?
[acenos de cabeça em sinal de concordância]
Anderson: É que a gente discutiu muito, por exemplo, assim, cada um tem uma criação
né. Um exemplo: alguns são mais carinhosos porque talvez receberam mais carinho,
outros são mais secos, mais grosso. Então aquele cara, pra ele, vai ter outro tipo de
masculinidade. Isso foi uma das coisas que a gente discutiu né. Pode ser, realmente,
masculinidadês.
Renato: Sim, somos individuôs, no plural. Como ele falou, cada um vive de uma maneira
diferente. Cada um se porta de uma maneira diferente. Não tem sentido ser um só.
Ariane: E quando a gente tem mais certo, assim, cristalizada essa ideia de que existe
uma masculinidade, uma feminilidade, o que que isso significa pra nossa vida a partir
daquilo que a gente foi conversando?
[Silêncio]
Tânia: Não entendi a pergunta, professora.
Ariane: Traz algum prejuízo pra nossa vida, de uma forma geral, quando a gente fixa
uma masculinidade, uma feminilidade, é isso aqui que é ser masculino, homem é desse
jeito e o que tá fora disso não é homem, o que tá fora disso daqui não é ser mulher.
Quando a gente fixa isso, isso traz algo de prejudicial pra nossa vida?
Tânia: Claro que traz.
Renato: Você cria barreiras, você se limita a fazer alguma coisa.
...
Henrique: É um padrão para seres humanos que não são padronizados.
Anderson: Óóó [risos].
Renato: Exatamente.
Henrique: Masculino, feminino e ser humano. Ser humano é ser humano. Pode ser
masculino, pode ser feminino.
Renato: Pode não ser nenhum dos dois também.
Henrique: Pode não ser nenhum dos dois. Tem que ver o ser humano como ser humano,
não como macho ou fêmea. Mas é lógico que, pelos padrões, eu não vou sair pra Marisa
comprar vestidinho né...
Davi: Não, exatamente.
Henrique: ...porque eu já tô num sistema e o sistema acha legal que eu use camiseta,
calça e tênis.
Renato: E você concordou com esse sistema.
75

Esse momento do sexto encontro é uma boa síntese dos sentidos de masculinidades que
foram co-construídos ao longo de todos os encontros, reforçando-os nesta ocasião final. Eu
inicio já trazendo uma análise parcial das nossas conversas e confiro com os demais
participantes do grupo se o entendimento que eu tive faz sentido para eles. Aqueles que se
manifestaram concordaram lembrando de alguns pontos de discussão que tivemos e, da mesma
forma que Nascimento (2014b), indicaram que as masculinidades são marcadas pela história de
cada um. No quarto encontro, na atividade realizada, essa posição dos estudantes ficou mais
estabelecida, pois cada item do quadro que conversávamos era seguido por exemplos de
situações contrárias. No decorrer dos encontros, também foram muito citados os aspectos
culturais na construção das subjetividades masculinas, em concordância com Connell e
Messerschmidt (2013) que enfatizam a importância do território nos conhecimentos sobre
masculinidades.
Seguindo, em respostas à minha pergunta e como aconteceu em conversas anteriores,
foi quase unânime a ideia de que as fixações em categorias (no caso, homem e mulher, feminino
e masculino) trazem prejuízos para as pessoas. E, apesar de Renato até citar que uma pessoa
pode não se entender como do gênero feminino nem como do masculino e problematizar nossa
contribuição na reprodução de um sistema, ao que houve concordância por parte dos colegas, a
possibilidade de uma total descategorização, como Chagoya (2014) propõe, foi rejeitada pelo
grupo nos encontros. Seffner (2011) ressalta que as identidades de gênero e sexual, em nossa
sociedade, são compreendidas como elementos fundamentais na definição de um status de
humanidade para cada um. Portanto, se problematizá-las já é difícil, anulá-las se torna um
processo muito mais complexo. Dessa maneira, os sentidos de masculinidades co-construídos
pelos participantes da pesquisa se aproximaram mais, nesse tópico, de uma perspectiva trazida
por Barker (2008), de que as diferenças de gênero não são essencialmente ruins: os problemas
são os desequilíbrios de poder e as imposições que geram desigualdades e sofrimentos.

4.2 Masculinidades relacionadas à autoria de violências de gênero

Neste item, trataremos dos sentidos co-construídos de masculinidades que foram


relacionadas à autoria de violências de gênero. Para tanto, foram selecionados momentos do
segundo ao sexto encontro para análise. É importante destacar que discursos de violências de
gênero surgiram não só nos momentos que serão citados, mas foram nestes que os sentidos
sobre essas masculinidades foram claramente negociados no grupo. Dessa maneira, ainda que
76

tenham surgido brincadeiras que desqualificam as mulheres ou falas como a de Diogo, já


anteriormente citada, sobre a possibilidade de xingar as mulheres no trânsito, essas situações
não participaram de um contexto de conversa sobre o assunto das violências de gênero, de modo
que não foram assim problematizadas pelo grupo, ou seja, não houve suplementação de
sentidos. Portanto, foram priorizados os momentos em que o grupo estava ciente e participando
do processo de negociação, em vez de apenas impressões ou constatações minhas.
O primeiro momento, então, se inicia no segundo encontro, com uma história de Tânia.
Ela é vendedora em uma loja de eletrodomésticos e conta de uma cliente já senhora na idade
que deixou de levar o eletrodoméstico que queria da loja porque o esposo não deixou. Tânia
disse que conversaria com ele, mas ela falou que não adiantava e reclamou de tudo que deixou
para seguir o esposo (cidade onde cresceu e trabalho como professora), parecendo arrependida.
Tânia expõe que sentiu o medo da cliente ao indicar que falaria com o esposo dela. Edson apoia
a indignação de Tânia dizendo que era uma situação agressiva. Tânia complementa que era
absurda e corriqueira, contando outro caso similar. Na sequência, Fernando conta do machismo
de seu avô: o tratamento com sua avó – que, mesmo depois da aposentadoria do seu avô,
continua fazendo todos os serviços domésticos sozinha – e coisas que ele fala para Fernando,
como “tem que pegar mulher mesmo, faz isso com tal mulher, tem que beber”. Tânia e Edson
reprovam verbalmente essas atitudes do avô de Fernando.
Esses relatos e a indignação com que foram contados, bem como a reprovação das
atitudes por boa parte do grupo, co-constroem sentidos de masculinidades que causam medo,
masculinidades que são agressivas e que são comuns, vivenciadas em muitos espaços
cotidianos. Talvez não por coincidência, os exemplos citados neste momento se referem a
homens idosos, assim como muitos sentidos foram discutidos ao longo dos encontros
começando com a noção de “antigamente...”. Também é interessante que várias vezes os
tópicos de conversas iniciaram com essa ideia, como se hoje em dia aqueles comportamentos
ou situações não ocorressem mais, no entanto, conforme os diálogos se desenvolviam, surgiam
relatos atuais com a significação de que ainda há algo a ser mudado.
Outro momento diz respeito à parte final do terceiro encontro. Eu mostro à turma um
vídeo curto da Prefeitura de Macapá6 em uma campanha contra a violência a mulheres. No
vídeo, são feitas entrevistas individuais com meninos com a idade aproximada entre cinco e

6
O vídeo citado foi publicado por Alberto Lima, no Youtube, em 12 de maio de 2018, com o título
“Violência com Mulheres – Campanha Prefeitura de Macapá”. Pode ser acessado pelo link
<https://www.youtube.com/watch?v=LjXYHo2Zkqo&t=2s>.
77

onze anos. Primeiramente, as perguntas são direcionadas a profissões, como por exemplo: “o
que você que ser quando crescer e por quê?”. Em seguida, entra em cena uma menina chamada
Raquel e perguntam o que acham bonito nela e pedem para que façam um carinho na menina.
Por fim, a entrevistadora pede que deem um tapa forte na Raquel. Os meninos se recusam a dar
o tapa e explicam seus motivos: porque não pode, porque quem bate em mulher é covarde,
porque é feio, porque nenhuma garota merece, porque não é de ficar batendo em mulher. Ao
fim da exibição, eu pergunto o que acharam do vídeo:
Tânia: Se vivêssemos a pureza da criança, muita coisa seria diferente. Elas têm o
sentimento de que não é certo. Nós vamos crescendo, vamos nos corrompendo,
mudando de opinião. Claro, a gente muda de opinião toda hora, mas a gente vai
perdendo a essência da pureza.
Anderson: Tem duas coisas interessantes aí. Uma, porque ele escolheu a profissão, o
que aprendeu com o pai, a mãe, alguém da família que tem aquela profissão, e o que ele
gosta. E a outra coisa é que todos responderam a mesma coisa, que não é certo, que é
covarde. A parte do respeito, a criança já sabe, o adulto que se corrompe, perde o
respeito, entendeu, o adulto é muito egoísta.
Tânia: É igual uma criança que vê agressão em casa. Ou ela se traumatiza, pega aquilo
como defesa e talvez trabalhe com prevenção porque tem uma sensibilidade a mais, ou
vai achar normal bater em mulher. Eu vejo pelos meus filhos, os dois são muito
diferentes um do outro, fico pensando como eles vão ser, um deles gostava que eu era
presente na escola, o outro já não. Hoje eu conheço muitas mulheres que sofrem
agressão física e psicológica, aí você imagina uma criança presenciar isso em casa!
Renato: O adulto gosta de complicar as coisas. Seria muito mais simples se o mundo
fosse das crianças.
Felipe: Eu fico pensando que os agressores quando eram crianças provavelmente
também achavam que não devia bater na mulher, então o que mudou, o que aconteceu
no meio tempo entre infância e adulto? Algo deturpou.
Tânia: Mas tem crianças que já são agressivas, né.

Eu começo esse momento direcionando o olhar para a temática dos homens autores de
violência para facilitar a retomada desse assunto em encontros posteriores. Nesse trecho, os
participantes trouxeram sentidos de subjetividades construídas a partir do meio e das relações
em que as pessoas vivem: a criança que quer seguir a profissão dos pais; o adulto que se torna
sensível a causas relacionadas à violência por ter convivido com autores de violência na
infância. Tânia traz um sentido importante, que é o da naturalização da violência, quando se
refere à criança que aprende que é normal bater em mulher.
Em pesquisa dos Institutos Promundo e Noos realizada na cidade do Rio de Janeiro,
Acosta e Barker (2003) apuraram que dentre os fatores vinculados à violência física praticada
por homens contra mulheres estão os baixos níveis de escolaridade, as perspectivas tradicionais
de masculinidade e a circunstância de os homens terem presenciado ou sofrido violência no
âmbito familiar no decorrer da infância. Nota-se que as palavras de Tânia estão de acordo com
78

este último aspecto, que Barker (2008) explica melhor ao referir que muitos meninos crescem
presumindo que essa violência é normal e justa, assim como muitas meninas crescem
entendendo que devem aceitá-la.
Na sequência do trecho, com a fala trivial de Renato de que o mundo seria mais simples
se fosse das crianças, a declaração de Tânia perde força e Felipe faz um questionamento que se
distancia do sentido de uma masculinidade em contínua e histórica construção, como se um
evento isolado fosse o causador de masculinidades agressoras. A resposta de Tânia, de que
existem crianças que já são agressivas, sugere um sentido mais próximo da noção de natureza
e do aspecto individual. Então, eu entro na disputa desses sentidos buscando problematizar as
ideias de que a criança já é agressiva e que algo tornou o adulto agressivo trazendo a informação
de que a maioria dos homens autores de violência contra mulheres não são violentos em outras
situações, com o intuito de colaborar com o significado de homens autores de violência e não
de agressores:
Ariane: . . . O cara tem boas relações no trabalho, bebe bastante com o pessoal no bar,
não arruma confusão com ninguém...
Anderson: Quando chega em casa...
Ariane: Quando chega em casa, espanca a mulher. Mas o que me chamou a atenção, que
você ainda não comentaram, é a fala de que é covardia bater em mulher. O que vocês
pensam sobre isso?
Tânia: Acho que é porque ouve em casa.
Anderson: Talvez vem da ideia de mulher ser mais frágil, que precisa de cuidado, e o
pai é mais forte.
Renato: Na real, as crianças batem umas nas outras. Talvez a câmera intimidou e, se não
tivesse sendo filmado, talvez bateriam na menina.
Juliano: Não só a câmera, mas talvez o grupo também. Se tivesse mais homens...
Renato: Pois é, pois é. Porque criança quando trola, trola pesado, não tem filtro.
Anderson: É que a criança vai vendo outra sendo bulinada, vai vendo coisas, entendeu,
e tem receio, não quer passar por aquilo. Talvez por isso ela bateria com o grupo
influenciando, por trás das câmeras.
Renato: Mas ela bateria por ser outra criança, não por ser menina.
Tânia: Eu acho que uma criança sozinha não ia tomar a iniciativa de bater em outra, tem
a ver com o grupo mesmo.
[vozes discordam]
Tânia: Pode acontecer, mas não é provável.

Eu faço alusão a uma cena comum, que Anderson logo completa, em aprovação. Sobre
o sentido da covardia, Tânia menciona a repetição dos vocabulários como um fator provável e
Anderson observa que pode ter relações com significados sociais atribuídos à feminilidade e à
masculinidade. Em concordância, Rasera e Japur (2007, p. 207) explicam que “a possibilidade
de dar sentido está delimitada pelas condições sócio-históricas dos sistemas de significação.
79

Não é possível significar sozinho e livremente. Estamos sempre inseridos numa tradição
cultural sustentada por determinados vocabulários e formas de viver”.
Logo em seguida, Renato se pronuncia colocando em xeque sentidos tradicionais de
infância, associados à pureza, que foram trazidos no início do assunto, o que incentiva Juliano
em sua proposição a respeito do grupo de homens. Esse entendimento, de que a violência é
incentivada e/ou permitida em grupos de homens, é corroborada por boa parte dos participantes.
Aqueles que discordaram não desenvolveram suas ideias, não produzindo sentidos no grupo
(no dia do encontro, eu nem cheguei a ouvi-los, percebendo as discordâncias apenas quando
escutei a gravação). Essas compreensões e especialmente a fala de Anderson sobre a criança ir
observando o grupo e o que ela precisa fazer para não sofrer as consequências de não fazer parte
daquele grupo remontam ao que Welzer-Lang (2001) chama de educação por mimetismo, que,
no caso dos homens, trata-se de um mimetismo de violências. Os homens aprendem a se
comportar fazendo igual a outros homens, o que, muitas vezes, envolve violências contra si e
contra os outros para provar “ser homem”. O assunto prossegue:
Ariane: Eu não sei se as reações das crianças nesses vídeos são espontâneas mesmo ou
se é tudo combinado, mas acho que o vídeo ajuda a pensar do mesmo jeito. Sobre o que
o Renato falou, eu pensei que, se a criança já tiver essa ideia de que a menina é mais
frágil, pode ser que ela bata porque é menina sim, porque a criança vai naquele que é
mais fraco.
Renato: Sim, sim. Já seria algo que veio do meio né, porque a criança sozinha não
pensaria assim.
Ariane: E sobre a ideia de não bater na mulher porque é covardia, eu fiquei pensando
“tá, então no homem pode bater?”.
Renato: É, não pode bater no ser humano na verdade. Eu pensei isso também.
Tânia: Acho que é porque no homem ele já não vai bater mesmo, porque é forte.
Anderson: Isso, acho que é porque se tem essa ideia da mulher frágil e tal.
Tânia: É que nem no trânsito, homem não respeita, é só ver que é uma mulher no trânsito
que ele já se acha, eu vivo isso.

Como Renato desvincula da relação de gênero as suposições que estavam sendo feitas,
eu continuo a conversa retomando a sua fala e voltando a colocar a relação de gênero em jogo.
Ele concorda e complementa reforçando o sentido de uma masculinidade relacionada à autoria
de violência não natural e não individualizada, mas construída pelo meio em que vive. Eu
provoco outro questionamento com o intuito de pensarmos nas violências de gênero além da
violência contra a mulher. Renato me apoia e Tânia e Anderson voltam a reforçar o sentido da
violência contra a mulher por sua suposta fragilidade, bem como pela suposta força superior do
homem. Essa compreensão é coerente com o feminicídio e com as violências contra gays,
travestis e mulheres trans, que são pessoas estigmatizadas como “efeminadas”.
80

Com o exemplo de Tânia sobre o trânsito, soma-se o entendimento de que não se trata
apenas de diferenças de força física, mas de sentidos machistas de masculinidades, que
inferiorizam o que consideram o contrário de si, em qualquer aspecto. Não sabe Tânia, mas, ao
se expressar sobre as relações de gênero no trânsito, ela reforça ao grupo sentidos de
masculinidades relacionadas à autoria violência contra a mulher neste contexto. Pois, no
primeiro encontro, teve colegas que citaram ela para exemplificarem como mulheres não são
boas de direção. Não à toa, quando ela toca nesse assunto, o grupo se cala. Após Tânia terminar
de contar uma história sua vivenciada no trânsito, Anderson retoma uma fala de Felipe sobre
ter acontecido algo entre a infância e a fase adulta de um homem para que ele passasse a ser um
autor de violências:
Anderson: . . . Às vezes é algo na juventude que mudou o cara.
Renato: Acho que é ainda pior o que se aprende na infância.
Anderson: É complicado, cara. Eu na escola, tinha um guri valentão, que ninguém mexia
com ele. Ele roubava estojo e tal e um dia voltou a mexer comigo. Eu não aguentava
mais, aí fui lá e bati no menino. Ficou todo mundo assim [faz expressão de espanto]. Eu
podia ter assumido o poder ali, mas eu preferi acabar com aquilo com um tapa na cara
dele. E nunca mais, ele parou de encher o saco de todo mundo.
Ariane: E aprendemos com essa história que se resolve o cara valentão com violência
também [risos].
[risos]
Anderson: Por isso eu digo, vai muito do caráter da pessoa.
Renato: Sim.
Ariane: Caráter... algo que se nasce com isso?
Anderson: Não se nasce. É construído por diversas coisas, não só com o que você
aprende na escola, pelo que você vive, pelo que você aprende com seus pais, diversas
coisas, que ela vai agregando na sua vida, por conhecimento. Mas às vezes você vai
aprendendo pelo lado errado.
Tânia: Mas esse cara aí faz errado porque quer. Ele sabe que tá errado.
Anderson: Porque quer.
Felipe: Tudo me é lícito, mas nem tudo me convém.
Anderson: Exatamente.
Felipe: Mas é que o poder muda as pessoas de uma forma absurda. Se for muito cen-
trada, vai conseguir, mas se se deixar levar. Homens agressores por exemplo, não devem
ter agredido uma ou duas vezes, foi a primeira vez, nada aconteceu, deu poder a ele.

Quando Anderson fala de caráter, eu desconfio de que possamos estar voltando a


individualizar e a naturalizar a questão, por isso pergunto, para entender melhor. A resposta
fortalece, mais uma vez, o sentido de masculinidades construídas social e continuamente, que
se alteram com aspectos individuais, mas principalmente coletivos (políticos, históricos,
culturais, familiares, etc.). E é por meio desses processos sociais que, conforme Ravazzola
(2007), os homens captam sentidos e significados que cerceiam suas expressões emocionais de
delicadeza e positivam manifestações relacionadas a comportamentos considerados violentos.
81

Também se destaca nesse trecho as relações de poder que são trazidas para a conversa
conectadas à temática da violência. Barker (2008) indica que a violência geralmente está de
alguma maneira associada ao gênero e acontece conforme circunstâncias e extensões próprias
de poder, de contexto cultural e de classe social. Na história contada por Anderson
especialmente, constrói-se a noção de que o poder é conquistado e mantido por meio da
violência, como se não fosse possível estar em uma posição de poder sem exercer violência. No
sexto encontro, a questão da classe social também é brevemente discutida pelo grupo:
Edson: A nossa classe ainda acho que respeita mais as mulheres que as classes
superiores aí pelo que eu já vi. Pelo que eu vejo, é... Eu fui numa festa uma vez no P127
e era só burguesinho e tal, filhinho de papai, tem que ver o jeito que eles tratam, que
eles falam das mulheres lá, é outra coisa, é outra realidade, é bem diferente.
Tânia: É que daí já entra o dinheiro né, eles acham que podem.
Renato: Acaba que elas se submetem, sei lá.
Tânia: Elas se submetem a isso.
Edson: É, acho que a mulher fica mais submissa porque não tem o poder aquisitivo, a
mulher mais pobre.

Nesse momento, o grupo suplementa e fortalece o sentido trazido por Edson concernente
a um aspecto interseccional da violência de gênero que é a classe social. Por essa perspectiva,
quanto maior a desigualdade entre as classes, maior o poder de quem está na classe mais alta e
maior a tendência à autoria de violências. Sobre essa questão, Conceição Nogueira (2001)
salienta que a perspectiva construcionista social de gênero compreende que há discursos de
homens e mulheres com traços e competências mais similares do que diferentes, porém, há um
entendimento usual de que se comportam de maneira diferente. Pois, homens e mulheres
enfrentam circunstâncias, expectativas e constrangimentos sociais muito distintos, o que os
leva, com certa regularidade, a tomar decisões diferentes conforme suas possibilidades de ação.
Ao repetirem constantemente esses discursos e formas de entender e significar estes
comportamentos, reafirmam uma ordem social que se baseia nas categorias sexuais como
naturais e imutáveis. Assim, a autora nos chama a atenção para os constrangimentos
institucionais, as hierarquias sociais e as relações de poder que limitam as ações individuais.
Destaco do quarto encontro momentos em que sentidos de naturalização da violência
foram mais uma vez co-construídos pelo grupo. Enquanto realizávamos aquela atividade de
separarmos no quadro o que era considerado feminino e o que era considerado masculino, eu
resgato um depoimento de Renato sobre seu receio de apanhar de grupos de homens no futebol

7
Espaço junto à praia de Jurerê Internacional, em Florianópolis – SC, conhecido por oferecer shows
diversos, música eletrônica e pool parties.
82

se os contrariasse e reflito que, em uma situação similar, em um grupo de mulheres, eu


imaginaria primeiro que poderiam me excluir, falarem mal de mim, mas que não me passaria
de imediato à mente a possibilidade de apanhar delas. Termino minha reflexão perguntando se
poderíamos colocar violência física em “masculino”. Renato diz que pensou nisso e Tânia
declara que acha que, de forma geral, os homens são mais violentos do que as mulheres. Pedro
dispara: “Tira por você mesmo! Lá na sua casa, quem bate nos seus filhos é tu ou teu marido?”.
Todos riem, Renato brinca: “Acabou com a conversa”. Tânia tenta explicar que é diferente e o
grupo parcialmente a apoia com a ideia de que uma palmada não faz mal. Felipe é um dos que
apoia, relatando que deixava de fazer coisas erradas quando criança por medo de apanhar e não
porque entendia que era errado. De repente, começam todos a olhar para mim e a rir,
comentando que eu era psicóloga e que psicóloga achava que bater traumatiza a criança. Eu
exponho meu entendimento sobre a repercussão da dita “lei da palmada” e continuam fazendo
comentários em tom de brincadeira.
Na sequência, conversamos sobre festas de aniversários e alguns estudantes relatam já
terem ido a festas de meninas em que a cor predominante era azul, sinalizando que “menina
veste rosa e menino veste azul” é coisa do passado. Anderson menciona que seu filho tem uma
camiseta rosa que é muito bonita: “ele fica bonitão nela”. Eu conto sobre o aniversário de cinco
anos de um menino que a temática era de super-heróis e, na parede ao fundo do bolo, tinha uma
imagem enorme do Huck muito bravo. Eu demonstrei incômodo ao ver as fotos do aniversário
e o pai do menino, que é meu colega, comentou que o filho quem tinha escolhido tudo na festa.
Eu o questionei se ele também não teria interferido na escolha se fosse uma menina, ao que ele
riu e disse que a incentivaria a optar por algo mais “delicado”. Meu relato despertou Anderson
para contar que seus filhos (um menino e uma menina) brincam um com o brinquedo do outro:
Anderson: . . . Mas quando ele pegava a boneca dela... Não adianta, a gente tem isso...
Eu ficava pensando [faz semblante de desconfiado] “vou ter que comprar um monte de
carrinho pra esse piá”. Mas aí eu ficava observando e via que era brincadeira de moleque
[faz movimento com a mão, como se estivesse batendo a boneca no chão com força],
“ah, esse é piá mesmo, esse aí é homem” [risos]. Mas ele assiste desenho da Barbie, dali
a pouco muda pro Mickey, entendeu, ele assiste tudo, gosta de todos.

Aproveitando o relato de Anderson, eu aponto para o item “cuidado com os filhos” que
está no quadro, em “feminino”, e sugiro que as mulheres cuidam mais dos filhos porque, na
infância, brincam mais com bonecas. Acrescento que o risco que os meninos correm ao brincar
com bonecas é de aprenderem e gostarem de cuidar de pessoas, especialmente de filhos. A
maioria me escuta em silêncio, alguns balançam a cabeça positivamente e Renato diz “com
certeza”.
83

Nota-se que essa naturalização da violência é, em alguns momentos, apoiada e, em


outros, criticada. Quando se trata dos filhos apanhando de seus pais, o grupo fica dividido:
alguns entendem como violência, outros percebem como educação e cuidado. Nesse contexto,
os homens não surgem como únicos autores de violência, sendo as mulheres, na função de
mães, também citadas em cenas comuns de violências contra crianças.
O meu relato sobre o aniversário do Huck e o relato de Anderson, aliviado pelo filho
brincando com a boneca daquela maneira, substanciam a conexão da violência com os meninos
pela ideia socialmente aceita de que “é coisa de menino mesmo”. No entanto, eu posiciono meu
relato em um lugar de preocupação, enquanto Anderson faz exatamente o contrário. Para
Anderson, o comportamento aparentemente violento de seu filho com a boneca não é um
problema porque prova que ele não é homoafetivo. O posicionamento de Anderson não é
estranho; as expectativas em relação aos meninos são comumente associadas a comportamentos
que os definem como não-efeminados, não homoafetivos e não-dependentes (Barker, 2008).
Por não ser socialmente estranho, fica difícil eu não me dispor em um lugar de fala de
especialista para falar do tema, o que eu acabo parcialmente fazendo e pouco ressoa no grupo
nesse momento. Na sequência, apresento momentos do quinto encontro que surgiram a partir
da minha pergunta “o que vocês entendem por violência de gênero?”.
Felipe: . . . Alguns casos antigamente nem chegavam a ser crime. Tinha aquela coisa do
crime de honra, que o homem podia matar a esposa se encontrasse ela traindo ele.
Tânia: É covardia, é má índole, o homem sabe que a mulher não vai ter condições de
revidar, ela não tem a mesma força do homem.
Ariane: E quais seriam os motivos?
Felipe: A ciência explica um pouco, eu acho. Desde os homens na caverna, os animais
lutam pelo território.
Tânia e Renato: Mas o leão vai brigar com outro leão, não com a leoa.
Renato: E por que que homem, quando enche a cara, não vai brigar com outro homem
mas bate na mulher dele?
Felipe: Tem casos e casos, não conseguimos olhar o quadro inteiro. Mas tem sim uma
grande tendência a esse tipo de comportamento, isso é inegável.
Ariane: Então vamos conversar um pouco sobre essas tendências. Quando você falou
da ciência, se referia a algo biológico?
Felipe: [sinal afirmativo com movimento da cabeça]
Ariane: E que outras podemos pensar?
Felipe: Muitos homens gostam de ter o controle de forma geral. Mas num mundo onde
as mulheres estão tomando seu espaço, que é delas por direito, rola competição e muitos
homens não sabem lidar com isso, o que acaba contribuindo para o que tá acontecendo.
Lá em casa, quem manda é minha mulher, por mais que eu seja mais forte e mais alto
que ela, quem manda é ela. Se entrássemos numa briga, é provável que ela ganhe. Mas
isso não chega a ser um problema pra mim. Por mais que a gente discuta, não chegaria
ao ponto de agredi-la. Mas pra muitos homens é, eles entendem como uma afronta.
Muitos homens não admitem ser superados por alguém, especialmente por uma mulher,
que eles subjulgam. Em alguns casos, acho que tá relacionado com isso.
84

Gabriel: É. Eu não sei o que faz alguém agir dessa maneira, matar uma mulher por ser
mulher. Mas como já falamos em outros dias, mulher administra melhor as coisas, elas
são melhores nos trabalhos domésticos. Eu acho que as próprias mulheres se assumem
como inferiores e deixam o homem crescer. Aquilo, desde o início do relacionamento,
acaba virando uma bola de neve. Então não vejo uma competição, vejo uma mulher
acuada e o cara só crescendo, fazendo o que quer quando bem entender. Se eu falar mais
alto que minha mulher, ela vai dar um tapa no meu beiço.
[Tânia dá risada]
Gabriel: É um exemplo idiota, mas assim, pô, não tem nem esse lance de é mulher ou
homem. É uma família, é a mesma coisa, um complementa o outro. Pra chegar nesse
ponto, da mulher inferior e o homem superior, nada justifica, mas acho que a mulher
tem que se impor mais.
Tânia: Se a mulher tá sempre acuada, sempre acuada, de repente resolve mudar, o
sentimento do homem é difícil. Isso gera uma raiva muito maior. O que observo dos
feminicídios que tem acontecido no Piauí, é relacionamento que terminou. Então talvez
vinha já muito tempo, muito tempo daquele jeito, aí não aguenta mais. Então, na
primeira agressão, tem que ir na delegacia. É mais fácil de resolver do que deixar ir
embolando.
Renato: Isso que o Felipe falou é assim mesmo. Um exemplo, no futebol, se você perde
pra um time de homens, ok. Agora imagina perder pra um time de mulher, não vai
admitir, pensa na polêmica que vai causar na cabeça do homem. E é machista o que se
espera do homem, porque se espera que ele tome conta das contas da casa e que bata na
mulher também, porque ele que toma conta. Eu não concordo com isso, mas acho que
também é um pouco culpa das mulheres o que tá acontecendo.

Conversando sobre os motivos para que aconteça a violência de gênero, Felipe busca
uma explicação que trata da espécie humana e Tânia e Renato logo problematizam o diálogo
questionando sobre a relação de gênero dessas violências, que não teria uma razão biológica.
De maneira que faz com que Felipe afirme que essa relação existe. Seguindo o trecho, os
sentidos de masculinidades que vão sendo co-construídos podem ser associados às
masculinidades heterossexuais europeias dominantes. Seidler (2009) elucida que essas
masculinidades foram produzidas em uma cultura patriarcal que compreende que disciplinar e
controlar a esposa e os filhos é uma obrigação do homem, de tal modo que as violências
praticadas pelo esposo e pai não eram entendidas como violências, mas como atitudes
necessárias para o próprio bem da família, para educá-los e os tornarem pessoas civilizadas.
Como aparece nas declarações dos estudantes, especialmente na de Renato, esse sentido de
masculinidade não é uma construção apenas dos homens, mas também de muitas mulheres que
reproduziam e reproduzem a noção de obediência ao esposo. É interessante pontuar que o grupo
não apenas apresentou esse sentido de masculinidade, mas o relacionou diretamente a práticas
violentas, de forma crítica. O raciocínio continua:
Felipe: Até pouco tempo, a mulher vivia com o homem e não junto dele. Porque ele
quem provia tudo na casa. Aí vem essa coisa da inferioridade.
85

Luís: Essa questão da sujeição, vai criando na cabeça da outra que ela é dona daquela
pessoa e aí como é que...
Renato: Como é que meu objeto vai se voltar contra mim?
Luís: Isso. Aí essa pessoa que é doente foi criando na cabeça que é dono. Aí depois, o
que seria o subjulgado ali levanta e “opa, não, você é subjulgado, não levante a voz e
tal”, daí isso pode ser que isso aí, na cabeça da pessoa...
Renato: Pra eu conter aquilo, preciso bater naquilo, reprimir de alguma forma.
Luís: ...lembrando dos senhores, na época dos escravos, os escravos não podiam levantar
a voz. Então, lembrando do que você falou [olha para Gabriel], esse casal, no início
provavelmente não era sempre ele mandando ou ela mandando, provavelmente começou
de boa, esse é o homem ou a mulher da minha vida. Aí começa um a ter mais força que
o outro, não de uma hora pra outra, mas foi construindo há muito tempo pra estourar
naquilo ali.
Ariane: O que vocês estão falando é que o comportamento de um alimenta o do outro
né? Então, quanto mais a mulher se sentir inferior e não se posicionar de alguma forma,
o cara vai se sentir também cada vez mais com poder. Não que seja a culpa de um ou de
outro, mas que isso retroalimenta...
Gabriel: Sim.
Renato: Isso. A questão não é botar a culpa em alguém.
Luís: Não falei de culpa. Mas, de certa forma, tem sim certa culpa, porque deixou isso
acontecer, mas às vezes até a pessoa se sente acuada de alguma maneira que ela achava
que aquilo era melhor, “ah, meus filhos, ah, não sei o quê”. E foi arrumando desculpas
pra deixar aquilo acontecer.
Tânia: Mas tem mulher também que provoca muito. Nada justifica. Mas que tem mulher
que gosta de levar o homem até a última na hora da raiva. Tem que se dosar, até onde
eu posso ir? Não só por ser homem, mas por limite de ser humano mesmo. Não por
baixar a cabeça, é questão de bom senso. Não adianta ficar gritando igual galinha e galo,
é igual discutir com bêbado, não vai resolver o problema. Tem que esperar a cachaça
passar. Eu e me ex-marido, a gente brigava muito, muita coisa que eu comentei aqui era
de mim, muitas vezes eu fui até o último minuto, testando, medindo forças. Se fosse
hoje, talvez eu fosse vítima de algo, porque ele era muito machista. Então eu vi que
muitas vezes eu fui machucando, induzindo. Então às vezes também tem isso. A gente
ser humano tem os nossos limites. No meu trabalho, esses dias eu e uma menina nos
pegamos no tapa, por causa de uma brincadeira. Eu fiquei na minha, ela foi me
xingando, xingando, eu fiquei quieta, aí ela entrou na minha família, aí eu perdi a razão.
Então às vezes a mulher instigar o negócio, sabendo que ele é a cabeça mais rápida de
se esquentar, não dá pra medir forças. É igual eu quando falar dos meus filhos, é muito
rápido.
Ariane: Em parte, o que você tá dizendo tem relação com nossos relacionamentos
cotidianos, sobre conhecermos quem está ao nosso redor, seus limites, no que podemos
tocar. Agora, ter receio de falar algo porque se trata de um homem, aí eu penso que já
envolve uma questão de gênero.

As trocas nesse trecho buscam as razões que explicam os sentidos de masculinidades


produzidos. A noção de “meu objeto” para a mulher demonstra, além da relação de posse, a
posição de ser irracional, que precisa ser civilizado, como colocou Seidler (2009).
Compreendido como doentio e vinculado à escravidão, permanece a crítica negativa do grupo
a esse sentido de masculinidade que controla, que requer obediência e justifica violências
86

(“precisa bater”). A fala de Luís, sobre ter começado “de boa”, reforça a de outros colegas
produzindo o entendimento de que esse sentido de masculinidade, ainda que tenha raízes
históricas, nos dias atuais vai se construindo aos poucos nos relacionamentos, especialmente de
casais. A violência, nessa perspectiva, aparece como uma consequência, um sintoma dessa
significação de masculinidade. Eu reforço essa noção refletindo sobre esse nível relacional da
violência de gênero por ser mais passível de mudança e como uma maneira de lidar com os
discursos de culpa e responsabilidades unilaterais. Felipe continua o diálogo, trazendo mais
uma vez a percepção da construção do encadeamento das violências:
Felipe: Eu acho que não se começa com uma agressão física muitas vezes, mas pode
começar com alterar o tom de voz e a mulher ir deixando, talvez, numa situação que ela
tenha errado, ela ache que ela mereça ouvir aquilo ou passar pelo que ela passou e não
se impõe diante disso. O que a Tânia tá dizendo, sobre os limites, cabe a nós homens
entender que a mulher tem uma sensibilidade peculiar. Vou me citar como exemplo. Fiz
um comentário infeliz esses dias, o Renato não gostou, não pedi desculpas na hora, já
aproveito pra pedir agora, mas enfim, eu fiz um comentário infeliz, ele se ofendeu e
falou a opinião dele, mas em nenhum momento tivemos uma discussão acalorada. Pode
ter 15 homens juntos, é difícil que eles acabem com um monte de picuinha. Mas, tirando
pelo serviço da minha mulher, elas são em cinco e volta e meia estão se estranhando.
Elas são AMIGAS, e volta e meia estão se estranhando. Então acho que a mulher tem
uma sensibilidade particular que nós homens às vezes não enxergamos dessa forma.
Ariane: Acho que isso tem muito a ver com o que conversamos em outros encontros,
quando falamos que é desde criança, é muito cultural, o quanto que as mulheres foram
criadas para serem mais sensíveis, que é permitido para as mulheres que elas já briguem,
chorem, reclamem, e para os homens isso já é mal visto. Eles já são criados para serem
mais racionais, e isso repercute na vida adulta. A gente vem falando das brincadeiras,
das meninas que tem mais a ver com estar em casa, com cuidar, e o relacional está muito
mais forte aí. E os meninos brincando com a maletinha, que vai trabalhar fora de casa,
mais envolvido com o racional, com o financeiro, não precisa conversar sobre muita
coisa né. E aí, sim, a gente tem as mulheres mais sensíveis do que os homens, que foram
criados de uma maneira diferente.
Renato: Eu acho que o comentário do Felipe tem a ver que nós já temos uma
convivência, a gente já teve outros papos polêmicos e nunca rolou alguma conversa
estranha, até porque não foi pra mim, eu me senti ofendido, mas não foi pra mim, até
porque ele não pode medir o que eu sinto, né.
Felipe: Com certeza.
Renato: Mas, a gente já se conhecia, se fosse num ambiente novo, eu jamais diria a
alguém que fosse uma falta de caráter por trair, se fosse um ambiente só de homens que
eu não soubesse até onde eu posso ir. Porque provavelmente eu seria execrado ou até
morto, vai que alguém tá armado. Então eu sei onde eu posso chegar, pra quem, tem
essa história também, homem gosta de mostrar pra outro homem que ele é mais forte.

Felipe desenvolve a ideia de que muitas violências acontecem pelo fato de não se
compreender e/ou respeitar peculiaridades femininas. Em minha fala desse momento, eu não
desmistifico esse entendimento, inclusive a finalizo generalizando e reforçando a ideia de que
as mulheres são mais sensíveis do que os homens. Porém, eu tento trazer um pouco mais de
87

reflexão para a fala de Felipe, tratando essas “peculiaridades” como construções sociais e não
naturais, como coletivamente já discutimos antes. Pimenta e Natividade (2012) tratam do que
eu falei ao grupo, explanando que a construção da subjetividade masculina tradicional é
concretizada no espaço público. Neste, os homens são convocados para assumir atitudes de
independência e autossuficiência, o que os distancia das necessidades afetivas em favor da
razão. Faço esse comentário considerando que Felipe e outros não estavam presentes nos
primeiros encontros, em que tratamos bastante desse assunto, e também já com o intuito de
começar a arrematar os sentidos que foram sendo co-construídos ao longo da pesquisa, pois é
o penúltimo encontro.
Refletindo sobre o que Seidler (2009) menciona a respeito do temor e da debilidade,
entende-se que os homens têm feridas e limitações em diversas áreas devido a suas próprias
vivências como homens, de tal modo que as demonstrações de força e de coragem – que, muitas
vezes, os envolvem em violências, como apontado na fala final deste trecho – se tratam de
camuflagens para o medo e a fraqueza, que são socialmente permitidos apenas para as mulheres.
Minha fala nesse trecho da conversa sobre a não habituação dos homens com o diálogo nas
relações pessoais está ligada a esse sentido de masculinidade, limitada em alguns aspectos pelas
experiências pessoais e sociais dos homens, e foi suscitada pelo aproveitamento do encontro,
por parte de Felipe, para pedir desculpas a Renato (de forma quase inaudível) por algo que dizia
respeito somente aos dois e que já tinha acontecido há alguns dias. Meu discurso, inclusive,
ficou parcialmente fora do diálogo, pois foi perceptível que Renato também aproveitou para
responder ao colega, mais do que suplementar algo sobre o que eu havia dito. Por isso, eu
pergunto se o que eu disse sobre a sensibilidade da mulher e a racionalidade do homem serem
construídos socialmente faz sentido para eles:
Renato: Homem mostra os sentimentos batendo, né.
Ariane: É isso que é permitido?
Renato: Pode ser. Não sei se permitido, construído talvez.
Felipe: Eu acho que tem a ver com essa ideia da mulher ser mais delicada, de certa
forma, mais frágil, e em alguns momentos ter um nível de tolerância um pouco menor.
Talvez, se eu fizer um comentário pra professora, a professora vai se sentir ofendida, se
eu fizer pra um homem não, porque são níveis de levar em consideração completamente
diferentes.
Ariane: Mas essa delicadeza, você entende que todas as mulheres são mais delicadas?
Felipe: Eu não diria que todas, porque tem muita mulher que é mais macho do que eu.
Mas acho que tem a ver com a figura da mulher. Não que isso seja errado ou inferior,
mas é a imagem da mulher.
Gabriel: Sobre isso dos homens não mostrar os sentimentos, por exemplo, os amigos
fazem bullying, fazem uma piada e ele, pra não magoar os amigos, vai lá e ri da piada,
“ahaha, legal”, e aí aquilo vai indo, vai indo, vai indo, por ele não demonstrar o
88

sentimento dele, chega uma hora que explode e aí ele demonstra de um jeito mais
agressivo.

Nesse ponto, como Felipe mais uma vez traz a questão da sensibilidade e delicadeza da
mulher, eu questiono esse sentido generalista. Sua resposta lembra palavras de Pedro, no
primeiro encontro, quando ele disse que fazia tempo que não via “uma mulher homem daquele
jeito” (contando a história da mulher que descarregou um caminhão de botijões de gás). Os
sentidos do que é ser homem e do que é ser mulher, nessas falas, se mostram cristalizados, de
forma que se referir a um deles automaticamente se refere à negativa do outro. Assim, para se
pronunciar sobre uma mulher que não demonstra todas as características socialmente
consideradas femininas, algumas pessoas precisam se referir ao masculino (“ser macho”, no
caso da fala de Felipe).
Barker (2008) cita vários estudos e pesquisas que discorrem sobre a violência física dos
homens contra as mulheres e expõe que há diversos aspectos conectados a esse tipo de
violência. Muitos deles se encontram também em pesquisa mais recente com homens autores
de violência participantes de grupos reflexivos em Belém-PA (Vasconcelos & Cavalcante,
2019). Dois desses aspectos estão relacionados à conservação de atribuições tradicionais de
gênero, que posiciona a mulher em uma condição de subserviência, e ao entendimento da
violência como uma forma dos homens expressarem suas emoções ou frustrações. O primeiro
aspecto já surgiu no grupo em trechos já citados do quinto encontro e o segundo apareceu com
mais clareza nesse momento, quando Gabriel reforça a opinião de Renato, destacando o sentido
de uma masculinidade a qual não é socialmente bem vista a expressão dos sentimentos
desconectada da violência.
Nesse ponto da discussão, para conversarmos sobre violências de gênero além da
violência contra mulheres, eu retomo a resposta que Fernando deu assim que eu perguntei o que
seria a violência de gênero: homofobia. Eu informo que as pessoas que cometem crimes contra
gays e trans muitas vezes fazem questão de marcar as vítimas fisicamente para mostrar que a
razão da violência está ligada à orientação sexual e/ou à identidade de gênero das vítimas.
Pergunto, então, se e qual paralelo podemos fazer entre essas violências e o machismo:
Felipe: Sim, alguns podem ter como algo vergonhoso, que envergonha os homens.
Tânia: Pode ser um incubado, né. Pra não ser descoberto. Assim como sabemos que tem
vários homens casados que saem com gays, mas jamais vai assumir pra sociedade.
Renato: Tem muito homem que diz que não é gay porque come, não dá. E aí vem com
aquele discurso louco homofóbico da cabeça dele.
Edson: Ativo e passivo, né.
Ariane: E a gente tá falando muito de assassinato, né. Mas, como o Felipe lembrou, não
temos só violências físicas, né, tem coisas que falamos, estereótipos, apelidos, a
89

exclusão de algumas pessoas. Como vocês veem essas violências acontecendo


relacionadas ao gênero?
Felipe: O ser humano, de modo geral, sabe pouco lidar com a diversidade e com opiniões
diferentes, não sabe debater. Muitos casos acabam levando pras vias de fato porque não
conseguem entender ou ouvir uma opinião contrária, de certa forma não conseguem
aceitar diferenças. Uma coisa é concordar outra é aceitar. Eu não preciso concordar, ser
conivente, pra respeitar, independente da situação que for. E aí independe de gênero,
raça, cor, o ser humano ainda tá aprendendo a lidar com a diversidade. Isso que a gente
tá fazendo aqui acho que é algo que pouco acontece, de um respeitar, de escutar o outro,
de ter opinião diversas e nem por isso entrar em conflito. Eu acho que a gente às vezes
pra defender os nossos interesses, os nossos ideais, a gente acaba atacando os outros ou
os ideais dos outros. Eu acho que isso, de uma certa forma, é o que acaba gerando mais
violência na sociedade hoje em dia. Onde o povo, de modo geral, tem tão pouco e aí tem
que lutar com unhas e dentes pelos seus direitos e aí não sabe ceder também em certos
pontos, não sabe explicar, não sabe aceitar diversidades e aí acaba levando pro que a
gente tá vendo hoje.
Renato: O ser humano tem o problema de sempre querer estar certo das coisas. E por
isso prefere acreditar em uma crença do que na ciência, porque a ciência é passível de
erro e uma religião, a nossa crença, não te dá essa dúvida. Então eu acho que é isso
mesmo, a gente não tá acostumado a ouvir o outro e botar a mão na consciência e ver
que tá errado. Quando a gente vê que tá errado, a gente não dá o braço a torcer.
Tânia: Às vezes a gente também fica meio envergonhado de se posicionar, não sabe
como lidar. Lá na loja, às vezes vem alguém, um homem vestido de mulher, como
chama?

Finalizando esse momento do quinto encontro, o grupo co-constrói, sem discordâncias


manifestadas, o sentido de uma masculinidade relacionada à autoria de violências de gênero em
nome da heterossexualidade e da recusa à diversidade. A maior parte dos exemplos sobre
violência de gênero nos encontros se refere a violências físicas, no entanto, a base de criação
de sentidos sobre essas violências não é diferente da base que percebemos na história de
Jonathan, o estudante de Caetano (2011), que sofreu diversas violências por não apresentar
traços desejados para um “homem de verdade”.
A pergunta de Tânia é importante, pois, ao fazê-la em tom de preocupação, ela também
posiciona as maneiras preconceituosas de tratamento às pessoas não cisgêneras como uma
violência de gênero, algo que ainda não tinha surgido no grupo. A partir da questão de Tânia,
outras similares surgiram e aproveitamos o espaço para trabalhar com a visibilização da
igualdade e a beleza das diferenças, como Mendes (2016), Felipe e Renato destacaram como
tão importantes para que menos violências de gênero aconteçam.
Em suma, foram organizados neste tópico sentidos de masculinidades: comumente
relacionadas à agressividade e ao medo; que expressam emoções por meio da violência;
fortemente influenciadas pelos grupos de homens; envolvidas com violências por um processo
90

de naturalização da violência, em parte construída pelos discursos machistas; que inferiorizam


e objetificam as mulheres e, consequentemente, os homens gays.

4.3 Masculinidades relacionadas ao sofrimento de violências de gênero

Este item é dedicado aos sentidos co-construídos de masculinidades que foram


associadas a algum tipo de sofrimento devido à violência de gênero. Foram selecionados, para
análise, momentos do primeiro, do segundo e do quarto encontro com o grupo. Da mesma
maneira como foi destacado no início do item anterior, discursos que poderiam ser relacionados
a este tópico apareceram não só nos momentos que serão aqui tratados, no entanto, foram
escolhidos os momentos em que os sentidos sobre essas masculinidades foram conscientemente
discutidos pelo grupo. Assim, ainda que eu considere, por exemplo, que Pedro (conforme
exposto no item 5.1) sofreu uma violência de gênero pelos familiares que o chamaram de otário
porque ele estava lavando a louça, não foi assim problematizado pelo grupo, por isso não
constará neste espaço, como outros momentos.
Para começar este item, trago inicialmente um momento do primeiro encontro. Mais
próximo do final do encontro, após termos conversado bastante sobre como a desigualdade de
gênero interfere negativamente na vida das mulheres, eu perguntei de que maneira os estudantes
achavam que a desigualdade de gênero poderia atrapalhar a vida dos homens:
[Silêncio: 3 segundos]
Ariane: De que forma influencia negativamente a vida dos homens, a vida de vocês?
[Silêncio: 5 segundos]
Ariane: Conseguem imaginar alguma coisa? Acham que é um problema só das
mulheres?
[Silêncio: 9 segundos]
Renato: Sei lá, eu posso não falar de uma questão de trabalho, mas, na questão de uma
sociedade machista, em um escopo geral, sei lá, a gente num, a gente, um homem não
pode mostrar carinho por outro homem. É coisa de mulher, demonstrar carinho por outra
pessoa assim. Então o machismo não oprime só a mulher, ele oprime todo mundo, e não
é só nessa questão, mas esse é um ponto que dá pra se observar, né.

A partir dessa fala de Renato, aproveito a oportunidade e passo a falar de machismo no


lugar de desigualdade de gênero. Primeiramente, como já estava no final do encontro, em vez
de questionar o que o grupo entende por machismo, eu opto por definir rapidamente o que seria
e, então, pergunto se o machismo também prejudica a vida dos homens:
Davi: Sim, até nos empregos né. Tem profissões que é voltada mais pras mulheres, que
se o homem tentar entrar ele vai sofrer também pra entrar. E não pelas mulheres, e sim
pela própria sociedade machista que tacha ele como... Por ele não fazer aquilo, por ele
91

ser homem, então acaba sofrendo também. É um tipo de sofrimento e que ele vai sofrer
da sociedade em si.
[Silêncio: 5 segundos]
Ariane: Conseguem pensar em mais exemplos?
Pedro: Esses tempos atrás o David Beckham usava as calcinhas da mulher dele, né. E o
repórter fez a pergunta pra ele “tá, mas por que que tu usa calcinha?” e ele disse “ah,
simplesmente porque pra mim é confortável e deu.”
[Risos]
Ariane: Esse daí eu nem sabia.
[Silêncio: 5 segundos]
Ariane: Se de repente não concordam com essa ideia, acham que não tem nada a ver,
podemos conversar sobre também.
[Silêncio: 14 segundos]
Ariane: Como é difícil, né, quando eu joguei pra “vamos pensar nos homens agora!”
[risos].
[Silêncio: 9 segundos]
Ariane: Vocês já conversaram alguma vez sobre isso antes? Lembram, assim, de... Ou
entre colegas ou de repente de uma forma mais acadêmica mesmo, esse tema? Pararam
já pra pensar sobre isso ou isso é totalmente novidade?
[Silêncio: 10 segundos]
Ariane: Sim, não? Tô imaginando que não [risos]. Lembram de conversar com os
colegas sobre isso?
Renato: É, a gente sempre vê o lado oposto, o lado da mulher. É mais difícil falar do
outro lado, bem mais complicado.
Ariane: Ahã. Minha dúvida é assim, vocês podem responder só sim ou não, e se
quiserem. Realmente não tá vindo nada na mente ou tá vindo um monte de coisas que
“ahh, é melhor não falar, não sei”, ou realmente tá tipo um vazio?
Juliano: Na minha cabeça tá um vazio.
[Outras pessoas fazem movimento de “sim” com a cabeça]
Pedro: Tentei buscar alguma coisa aqui, mas num... Num veio nada não.
[Silêncio: 6 segundos]
Ariane: Vocês todos têm convivência com mulheres em casa?
Coletivo: Sim.
Ariane: Conseguem pensar em exemplos de como que o machismo pode prejudicar na
relação com essas mulheres?
[Silêncio: 18 segundos]
Ariane: No meu trabalho, eu trabalho mais com adolescentes, né. E daí, isso é uma coisa
bem comum assim, no caso dos meninos que não tão a fim de iniciar a vida sexual ainda.
Eles têm por volta de 15, 16 e nem todos querem ou se sentem preparados pra iniciar a
vida sexual. Eu percebo a pressão que eles sofrem entre os colegas, pra que transem
logo, né, com menina, pra provar que é homem e tal. Enfim, tem que pegar geral. Se
tiver uma menina dando mole então, como assim o guri não vai aproveitar, né. Enfim,
essa é uma pressão que eu vejo bastante. O “não tô a fim, deu, acabou” não é simples
assim, né. Já é tachado de gay, enfim. E das meninas o contrário né, se tiver uma lá com
14 anos que já transou com dois, três, já fica mal falada.
Renato: Engraçado como que isso faz diferença na vida das pessoas, né. A vida sexual
dos outros é uma coisa que importa muito, né. É inacreditável, é inacreditável! A
necessidade que a gente tem de cuidar da vida alheia. A gente não presta atenção nem
nos nossos erros, a gente tem que cuidar da vida dos outros, com quem o homem transa
e com quem deixa de transar, é inacreditável. Mas enfim, eu mesmo sou um exemplo
92

vivo disso, eu tive que... sei lá, não sei se pega bem, mas foda-se, não tenho nada pra
esconder. Eu sofri esse tipo de pressão em relação à sexualidade durante muito tempo
na escola, sofria bullying por causa disso, mas, tipo, eu nunca me incomodei com isso.
Eu acho que era uma coisa minha, ninguém tinha que se importar com isso. E a minha
irmã era justamente o contrário. As minhas irmãs sempre foram mais assim, sempre
passaram por isso. Então meio que lá em casa as coisas são meio que ao contrário assim
né, digamos. Digo contrário do, digamos, normal... É muito louco isso.
Ariane: Que bom que você, pelo que você diz, não sofreu exatamente por conta disso,
né, que não se importava. Mas não é todo mundo...
Renato: Sim!
Ariane: Tem gente que sofre pra caramba com essas coisas.
Renato: E eu consigo entender as pessoas que sofrem por isso, não é fácil.

Em seguida a essa fala de Renato, passamos a conversar sobre possíveis estratégias de


enfrentamento a essas pressões sociais, conforme veremos no capítulo seguinte. De todos os
encontros, esse foi o momento em que surgiram mais silêncios. Como, até pouco antes, o grupo
vinha conversando bem, fica perceptível que minha pergunta (refeita várias vezes e de formas
diferentes) parece mesmo ter sido uma grande novidade para eles. Renato e David trazem os
temas da demonstração de afeto e do mundo do trabalho, mas não gera suplementação imediata
por parte do grupo, que escuta em silêncio. Porém, as falas de ambos são fundamentais para o
decorrer dos encontros, pois começam a entrelaçar o machismo aos sentidos de masculinidades.
Destaco que, por uma estratégia dialógica, eu não utilizei alguns termos (como “machismo” e
“feminismo”) antes que os demais participantes o trouxessem, para que a pesquisa não fosse
logo entendida como um “mimimi feminista” e perdesse potenciais novas co-construções de
sentidos sobre masculinidades para o grupo em questão.
É importante apontar que Renato e David se referem à “sociedade machista”, de uma
forma aparentemente distanciada de nós, assim como o exemplo de Pedro, a respeito de uma
celebridade internacional. Da mesma maneira, quando eu tento novamente trazer as mulheres
para o assunto para facilitar as articulações, há também silêncio, pois eu pergunto sobre as
mulheres próximas deles, que estão presentes em seus cotidianos. Podemos pensar em inúmeras
razões para esses silêncios, mas o que pôde ser co-construído no grupo foi a ausência de mínima
reflexão anterior sobre o assunto e a dificuldade de se pensar “no lado oposto”.
Por fim, após muitos silêncios, eu opto por não discursar sobre, mas dar um exemplo do
meu cotidiano que eu considero que seria um caso em que o machismo interfere negativamente
na vida de homens adolescentes. Meu exemplo ressoa e dá abertura para um exemplo pessoal
de Renato, que faz uma declaração cheia de energia, indignação e sinceridade. Em pesquisa
sobre a iniciação sexual de adolescentes do sexo masculino em uma cidade do interior de Santa
Catarina, Gubert e Madureira (2008) refletem sobre temas que se relacionam com a declaração
93

de Renato. As autoras discutem que os homens, no período da adolescência, sofrem pressões


pelos colegas para que iniciem logo a vida sexual e mantenham relações sexuais com mulheres,
para atestarem sua masculinidade heteroafetiva. Esse entendimento é representado pelas falas
de adolescentes da pesquisa de Gubert e Madureira (2008) que afirmam que a primeira relação
sexual serviu para que pudessem “tirar a maior onda” com os amigos, como prova de
masculinidade para si e para os outros.
Em meados do segundo encontro, eu relembro que já foi citado, em nossas conversas, o
preconceito com a demonstração de afeto entre homens, e uma negociação sobre esta temática
se inicia. Anderson diz que o homem é visto como “viado” e que essa situação é mais recente,
pois, quando ele era criança, se abraçava um amigo, ninguém interpretava errado. Acrescenta
que tem um amigo que ele gosta muito, que se abraçam e não vê problema nisso. Edson pergunta
o que Anderson acha de amigo que beija outro amigo no rosto. Ele responde que sempre beijou
familiares, mas que vai de cada um interpretar o que o amigo está querendo. Tânia pergunta a
Edson se ele se incomoda de um amigo beijá-lo no rosto. Ele responde que não, que não teve
essa criação em casa e até sente falta disso no meio familiar. Tânia e Diogo dizem que também
foram criados assim. Diogo conta que toda vez que encontra amigos que moram longe “é
sempre no beijo”. Anderson conta de um rapaz em seu trabalho que, logo que se conheceram
(há anos), disse que gostava muito de Anderson, mas que ele falou isso muito perto e de forma
suave, tocando em seu ombro, o que o incomodou bastante e fez com que ele se afastasse desse
colega. Vários estudantes riem e eu comento que não percebo as mulheres heteroafetivas
ficando muito incomodadas com a tentativa de aproximação de mulheres lésbicas e pergunto
como eles percebem isso no caso dos homens. Diogo diz que depende da situação,
especialmente se você já sabe de antemão se o homem é gay, e retoma o caso trazido por
Anderson, defendendo a reação dele. Tânia questiona se a intenção do colega de trabalho de
Anderson era mesmo outra ou se era só amizade. Anderson responde que não sabe, mas que,
depois disso, o colega já se casou com uma mulher e se separou, e todos no trabalho o chacotam
achando que ele é gay. Eu sugiro que, talvez, pela reação de Anderson e de outros colegas, ele
já não se sentiu mais à vontade para demonstrar afeto pelos colegas. Edson diz “se reprimiu”.
Diferente do que aconteceu no primeiro encontro, em que Renato citou sobre a não
permissão aos homens de demonstração de afeto por outros homens e ninguém comentou, nesse
momento os demais participantes se interessaram pelo tema e se mostraram curiosos, fazendo
94

perguntas um para o outro sobre suas perspectivas, problematizando a questão e dando


exemplos pessoais.
Anderson inicia o assunto com uma comparação com sua infância, dizendo que não se
lembra de ouvir tantos comentários preconceituosos quando um menino demonstrava afeto por
outro menino quanto se ouve hoje em dia. Mendes (2016) toca nesse assunto ao elucidar sobre
as ideias conservadoras que tem se construído e ganhado força atualmente, permitindo cada vez
menos a diversidade em todos os âmbitos sociais. Anderson se posiciona de forma crítica com
esse comentário, mas pouco depois conta uma história em que um colega de trabalho passa pela
situação dos demais o prejulgarem, assim como o próprio Anderson, que aparentemente não
chacota, mas opta pelo afastamento do colega. Diogo, que traz para a conversa um exemplo
pessoal de homens que demonstram afeto por outros homens sem serem estigmatizados por
isso, apoia a decisão de Anderson. Por sua vez, Edson relata sentir falta da demonstração de
afeto no campo familiar e expressa o entendimento de que há uma repressão no tratamento
diferenciado aos homens que são mais afetivos com outros homens.
Nascimento (2014a) aponta que a homofobia, na esfera das convenções sociais de
gênero, é uma das bases da construção da masculinidade heteroafetiva, que atua como um
dispositivo de vigilância das relações cotidianas entre os homens. De tal modo que a
homoafetividade acaba se tornando como um fantasma no imaginário dos homens, que os
persegue em busca do cumprimento das relações de gênero convencionadas. Essa visão da
homofobia é uma compreensão possível para as conversas que se desenrolaram nesse segundo
encontro. Os questionamentos sobre beijar o amigo, os comentários sobre o cuidado com a
intenção dos colegas em uma aproximação e o afastamento do colega que talvez seja gay
parecem ações de observação e avaliação, em outras palavras, de vigilância do comportamento
dos homens em relação a sua suposta heteroafetividade.
Assim, são co-construídos sentidos, que não são desejáveis, de que as masculinidades
estão relacionadas ao sofrimento de preconceitos e repressões se homens demonstrarem
afetividade entre si e, ao mesmo tempo, sentidos de que essa afetividade deve mesmo ser
reservada se não houver a segurança de que se trata de uma amizade entre homens
heteroafetivos. Dessa forma, parte do grupo co-construiu o sentido de sofrimento por violência
de gênero por parte de homens hetero quando demonstram afetos pelos amigos e são
estigmatizados.
95

Após outros assuntos menores surgirem, eu aproveito a oportunidade e pergunto se hoje,


que o grupo está maior, conseguem pensar em mais situações em que o machismo pode
prejudicar a vida dos homens. O primeiro a falar é Fernando:
Fernando: Ah, mas daí eu acho que, eu não sei, eu acho que não tem muito o que falar.
Porque chega até, o nome, é ma-chismo, entendeu. Acho que não entra tanto, tipo, o
homem sofrer. Eu acho que, pelo nome mesmo, machismo.
[Risos]
Tânia: Mas eu acho que eles sofrem sim! Eles sofrem pelo motivo de que, uma mulher,
quando ela vê, ou quando ela sabe que o homem é machista, aquilo pra ela, pra algumas
né, mas a grande maioria, só ver no dia de hoje, eu, se eu souber que, ah aquele cara ali
eu tô a fim mas se eu ver alguma situação de machismo da parte dele, ah não, pra mim
já ó, fio. Então assim, querendo ou não, é uma situação em que ele se coloca que ele,
alguma coisa ele perde também. Porque ele se coloca numa situação de que, nos dias de
hoje, quem é mais do que ninguém? Nenhum homem é mais do que uma mulher,
nenhuma mulher é mais do que um homem. São direitos iguais né, na teoria, pra ambos.
Mas a mulher hoje tem muito mais direito de escolha, diferente de antigamente.

Fernando considera o termo, que diz respeito à noção de uma superioridade dos homens
em relação às mulheres, para responder minha pergunta. Os colegas dão risada, mas a resposta
dele não é muito diferente dos muitos silêncios do primeiro encontro, que demonstraram não
compreender como o machismo poderia influenciar na vida dos homens. No entanto, ele
escolheu falar, e a reação dos demais começa a construir um estranhamento sobre esses
sentidos, ainda que não saibam expressar muito bem sobre o assunto. Tânia faz uma declaração
que atenta para um aspecto mais relacional da violência de gênero: se não está bom para as
mulheres, também não ficará bom para os homens, pois terão dificuldades no relacionamento
com aquelas. Na pesquisa de Barker (2008), declarações similares surgiram vindas dos próprios
homens, como a de Murilo, jovem do Rio de Janeiro, que comenta que as mulheres buscam por
parceiros que as respeitam.
Tânia continua, contando exemplos de como o machismo prejudica as mulheres
(histórias das clientes citadas no item 5.2 deste capítulo). Falando sobre a indignação das
mulheres com essas situações, Anderson diz que está assim porque as mulheres sofreram uma
grande repressão com o machismo. Conta como o avô e o pai perderam terra e empresa por não
escutarem suas esposas. Anderson entende que os homens crescem mais quando reconhecem
que as mulheres têm uma visão diferente e que eles aprendem isso com o tempo. Fernando
96

emenda que aprendeu muito com a namorada, porque ela não faz tudo por ele, mas ensina a
fazer (café, lavar roupa, feijão). Diogo se pronuncia e Anderson se lembra de mais um exemplo:
Diogo: O que vai atrapalhar a vida do cara é a própria atitude dele.
Tânia: Se auto prejudica.
Diogo: Ele vai se prejudicar. A sociedade não vai prejudicar ele em si sem ter alguma
ação. Eu acho que é isso. Não é igual às mulheres que sofrem muitos preconceitos, já
ele não! Ele mesmo que acaba se afogando.
Anderson: É igual assim, quando eu trabalhava em uma franquia do correio. A gerente
era uma mulher, eu tinha que aprender com ela. Se eu fosse machista, eu ia falar “não,
eu sei o que eu to fazendo” e eu não ia aprender nada, ia me ferrar bonito na empresa lá.
Diogo: Exatamente.

A primeira declaração de Tânia suscitou outras falas dos colegas relacionadas ao sentido
de que relações mais equitativas de gênero trazem benefícios não só para as mulheres, mas
também aos homens, especialmente de aprendizados. Os exemplos de Anderson e de Fernando
auxiliam na co-construção de sentido de uma masculinidade que, devido ao machismo, tem
prejuízos por menosprezar a voz das mulheres. Sobre o assunto, Figueroa e Franzoni (2011)
refletem que a antiga instituição social de que o homem deve ter controle e dominação sobre
sua esposa e filhos, demonstrando autoridade e sendo o provedor econômico do lar, era sinal
de compromisso e amor por sua família. Apesar dos avanços, essa instituição ainda está presente
na construção social das masculinidades, de modo que os autores observaram, em pesquisa com
homens mexicanos sem emprego formal, que esses homens se sentem incapazes e deprimidos
por não cumprirem com o suposto dever de provedores da família, especialmente nos casos em
que as esposas estão trabalhando formalmente. Percebe-se, assim, que, seja perdendo dinheiro
por não aceitar opiniões das esposas (como no exemplo de Anderson), seja sentindo-se
deprimido enquanto a esposa trabalha fora, os homens são prejudicados por um sentido
machista de masculinidade, que os mantém fixados em um suposto comportamento masculino
ideal.
Diogo, em seguida, afirma o lugar de privilégio dos homens, entendendo que estes se
prejudicam, no contexto do que estamos conversando, apenas se agirem em favor disso. Sua
afirmativa é interessante se pensarmos que as violências tanto contra as mulheres quanto contra
os homens têm mais homens como autores. Barker (2008) sugere que os homens, especialmente
os jovens, se envolvem mais com violências para provarem que são “homens de verdade”, em
nome da preservação de modelos tradicionais de masculinidade. Beiras e Cantera (2012)
meditam da mesma maneira, apresentando resultados de interconexões da construção social da
subjetividade masculina com a dominação, a força física e atos de violência. Assim, desde a
pesquisa de Barker até os dias presentes, estatísticas das áreas de trânsito, de saúde e registro
97

civil mostram os mesmos dados: homens jovens morrem mais do que mulheres jovens; em
2017, a taxa de sobremortalidade masculina devido a causas externas – não naturais, como
homicídio, suicídio, acidente de trânsito e afogamento – na faixa etária de 20 a 24 anos foi de
11 vezes (Azevedo, Contarato & Sanches, 2018; Dearo, 2018; IBGE, 2018; O POVO, 2018;
G1, 2010; Barker, 2008). Para se pensar esses dados, o sentido trazido por Diogo é interessante,
mas há que se ter o cuidado para não levar ao entendimento de que as situações de violência de
gênero contra homens são simplesmente uma escolha pessoal, descaracterizada do contexto
sócio-histórico de construção das masculinidades.
Ainda no segundo encontro, Anderson retoma a questão de como o machismo atrapalha
a vida dos homens contando que foi atendido por um vendedor gay, que era muito respeitoso e
o atendeu muito bem. Anderson entende que, se ele fosse machista, ao perceber que o vendedor
era gay, este talvez já perderia a venda. Tânia fala sobre respeito, que ninguém tem nada a ver
se a pessoa é gay e, indignada, conta que no Ceará um homem gay foi espancado e morto.
Fernando diz que tem um amigo gay e que, por ele ser gente boa, trata-o como qualquer outra
pessoa. Tânia protesta que ele não é diferente. Fernando continua dizendo que antes tinha muito
preconceito, que já fez “fiasco no colégio” por conta de ciúmes da namorada. Ele achava que
ela podia “se engraçar” com os amigos da escola:
Fernando: . . . Já tive preconceito, mas amadureci, mas já tive. Pensava que por ela estar
no meio de homem vai fazer alguma coisa, ahh, vai se engraçar com eles. Por eu ver
mulheres fazendo isso, éé, eu já vi várias cenas de mulheres fazendo isso, casada, e eu
achei “ah, vai fazer igual qualquer mulher, vai se oferecer”, entendeu. Esse é um
preconceito.

Alguns trechos desse momento já tratamos no item anterior deste capítulo, ao pensar
sobre homens enquanto autores de violências de gênero. Agora, os mesmos trechos vêm sob
outra perspectiva, dos homens que sofrem essas violências. Nesse momento, Anderson retoma
a construção do sentido de masculinidades gays que estão relacionadas ao sofrimento de
violências pelo machismo e Tânia suplementa esse sentido com os exemplos que dá. Fernando
faz um comentário sobre um amigo gay que Tânia imediatamente percebe como um preconceito
camuflado, protestando. Fernando parece entender, pois começa a explicar que já melhorou
nesse entendimento, especialmente devido ao relacionamento com a namorada, pois ela não
98

aceitava os “fiascos”, o que corrobora com o sentido que Tânia começou a construir no início
do encontro.
Do quarto encontro, destaca-se um curto momento em que eu estou retomando os
tópicos que foram elencados como femininos:
Ariane: Poesia?
Renato: Eu quem falei. Eu coloquei porque eu gostava de poesia na adolescência e eu
me achava meio estranho por isso, porque dizem que é coisa de menina. Romantismo,
sentimentalismo, essas coisas. Eu coloquei pensei no feminino porque a mulher tem
mais facilidade pra demonstrar os sentimentos, não vai rolar julgamento, ao contrário
dos homens.
Tânia: Ah, mas acho que isso tá mudando.
Renato: Sim, sim.

Esse pequeno momento não teve uma forte construção grupal, no entanto, dá
continuidade a momentos de outros encontros, o que não aconteceria se os participantes não
criassem um ambiente de acolhimento para determinados assuntos. Assim, Renato retomou
rapidamente o que ele iniciou no primeiro encontro, sobre a expressão de sentimentos por parte
dos homens. No entanto, aqui ele fez um adendo: de que o julgamento não é uma posição
cômoda, mas no mínimo vivenciada com estranheza, e os homens também sofrem com isso.
É notável a diferença de quantidade de momentos em que sentidos de masculinidades
que estão relacionadas ao sofrimento de violências de gênero foram construídos pelo grupo e
de outros momentos, sobre sentidos de masculinidades diversos. Em boa parte, isso se deu pela
dificuldade do grupo em refletir sobre essa perspectiva, permanecendo em silêncio ou logo
levando a conversa para outros olhares. No entanto, pôde-se perceber um amadurecimento do
grupo, ao longo dos encontros, na compreensão de que as violências de gênero, em muito
propagadas pelo machismo, oprime a todos. O amadurecimento não se deu no sentido de aceitar
ou construir sem discordâncias essa ideia, mas de ser cada vez mais possível se pensar sobre o
assunto e passar a construir alguns sentidos que refletem nesse entendimento.
Nos momentos citados, então, co-construíram-se sentidos de masculinidades que estão
relacionadas a sofrimentos por: demonstrarem e serem estigmatizadas ou não se sentirem à
vontade para demonstrar afetos e sentimentos (especialmente se forem direcionados a homens
hetero); não conseguirem empregos ou sofrerem discriminação em empregos que são
socialmente considerados trabalhos de mulheres; não terem um relacionamento íntimo saudável
por atitudes machistas; não se desenvolverem como poderiam por menosprezar mulheres com
quem se relacionam de diversas formas. Esses sentidos, assim como aqueles co-construídos nos
itens anteriores deste capítulo, implicaram na possibilidade de construção de estratégias de
enfrentamento às violências relacionadas a gênero, conforme veremos no capítulo a seguir.
99

5 Estratégias de Enfrentamento à Violência de Gênero

Neste capítulo, discutiremos as estratégias de enfrentamento à violência de gênero que


foram pensadas a partir dos sentidos de masculinidades co-construídos ao longo dos seis
encontros com os estudantes. Algumas estratégias foram também co-construídas no grupo,
sendo elencadas durante os encontros, e outras foram refletidas e analisadas posteriormente.
Ressalta-se que, em sua maioria, as estratégias pensadas estão intrinsecamente relacionadas,
sendo a sua estruturação em tópicos apenas uma escolha por um modo de apresentação nesta
dissertação.

5.1 Desconstrução de sentidos de masculinidades

Dentre as explicações sobre os motivos pelos quais as violências de gênero acontecem,


foram co-construídos sentidos de masculinidades que estão atreladas à suposta força superior
do homem em relação a uma suposta fragilidade da mulher. Esse sentido machista de uma
masculinidade que é responsável por tomar conta da esposa e dos filhos foi diretamente
associado à violência em alguns momentos, sendo esse “cuidado” a justificativa para atitudes
de repressão e de contenção por meio de agressões. Como nos disse claramente Renato:
Tem gente que imagina, que acha que é o certo bater na mulher, que a mulher tem que
obedecer o homem e pronto. Pra ele não é desrespeitoso bater na mulher porque a mulher
é dele, ele casou com ela, a mulher é um objeto, é assim que ele foi criado, entendeu.

Em consonância a essa perspectiva, Barker (2008) sinaliza que as motivações em casos


de violência física contra mulheres em que homens são os autores têm íntima relação com a
maneira como a masculinidade é construída, ou seja, com a definição social do que significa
ser homem. Dessa forma, e considerando que o grupo produziu sentidos de masculinidades
construídas socialmente, foi possível se pensar na estratégia de desconstrução de determinados
sentidos de masculinidades que colaboram com a violência de gênero.
Vimos que esses sentidos estão conectados a significados tradicionais de masculinidade,
que subjulgam o feminino e fortalecem o que Connell e Messerschmidt (2013) descreveram
como uma masculinidade hegemônica. Esse entendimento da mulher como o “sexo frágil”
também faz com que muitos homens não admitam perder um jogo para um time de mulheres,
ter uma mulher como sua chefe no trabalho, envolver as mulheres em uma decisão importante,
100

etc. Ainda, faz com que homens sintam vergonha e repulsa de pessoas consideradas
“efeminadas”, que se distanciam desse ideal de masculinidade.
É importante relembrar a crítica que o grupo co-construiu de que esses significados não
são produções exclusivas de homens, mas também de mulheres, que igualmente auxiliam na
reprodução desses significados tradicionais e cristalizados de masculinidade. Tonificando esse
entendimento, Anderson e Diogo contaram cenas que presenciaram em festas e outros colegas
disseram já terem ouvido histórias similares. Anderson viu um casal brigando e, quando “o
homem desceu a mão nela, os seguranças partiram pra cima dele”, ao que a mulher respondeu
brigando com os seguranças, gritando “solta meu marido!”. Diogo se envolveu em uma cena
parecida: “final da balada, o cara enfia a mão na orelha de uma menina. A gente foi lá pra poder
dar um soco no cara e a menina foi pra cima da gente”. Um possível olhar para essas duas cenas
é de que ambas transbordam de sentidos de masculinidades tradicionais sob diferentes
perspectivas: temos homens agindo com violência contra mulheres em espaços coletivos
(talvez, seguros de que nada lhes aconteceria); homens que tentam resolver a situação também
agindo com violência e sob o pretexto de cuidar de uma mulher (no caso da cena de Diogo); e
mulheres que, sob o olhar dos contadores, aceitavam a violência que sofriam, impedindo que
as coisas pudessem acontecer de forma diferente.
É claro que essa pode ser uma análise superficial e que muitos outros fatores estão
envolvidos em cada história. No entanto, quando elas são contadas para explicar algo sob uma
determinada perspectiva, passam a ser elementos construtores de suplementação de sentidos.
No caso, o sentido de que mulheres também reproduzem o machismo e, por isso, igualmente
precisam repensar sobre essas questões a ponto de ter ações diferentes. Esse não é um trabalho
fácil para ninguém. Como disse Tânia, "as pessoas acreditam num ideal, que é aquilo e acabou,
depois que põe na cabeça. . . Ninguém tá 100% livre" das amarras culturais.
Destarte, é preciso conversar sobre os sentidos que constroem essas amarras,
questionando-os, para que seja possível construir culturas menos violentas. Como muitas vezes
citado por vários estudantes, essa cultura machista vem "desde antigamente", como uma
herança, que está distribuída em todos os aspectos de nossas vidas. Portanto, temos essa cultura
como natural, cotidiana, e, se não analisarmos de perto, nem a notamos, ou tendemos a achar
que se trata de algo que aparece apenas na televisão, nos noticiários, distante da realidade diária
de cada um. Um exemplo disso aconteceu no primeiro encontro do grupo, quando perguntei
sobre a desigualdade de gênero em nosso cotidiano e responderam se tratar de algo que já estava
mudando bastante e não se lembravam de um exemplo atual e próximo. Ainda no primeiro
101

encontro, ao continuarmos refletindo sobre o assunto, muitos exemplos surgiram vivenciados


pelos estudantes.
Desconstruir esses sentidos de masculinidades que permeiam violências de gênero
significa desmistificá-los como algo dado e imutável. Por exemplo, quando se percebe que há
uma generalização nas mais diversas áreas quando o assunto é gênero e que essa generalização
não contempla a realidade, alguns significados bem estruturados começam a se desestabilizar.
Como aconteceu nos encontros, questões como “no trânsito, homem é louco, mulher é
cautelosa”, “nas tarefas domésticas, mulheres gostam mais de limpeza do que homens”, “no
trabalho mais braçal, homens rendem mais do que mulheres”, “nos estudos, homens se
interessam mais por tecnologia do que mulheres”, dentre outras similares, caem logo por terra
com muitos exemplos contrários a essas afirmações, mostrando que esses sentidos fazem mais
parte de um plano ideal (do campo das ideias) do que real. São mitos, que, de tanto repeti-los,
se tornam verdades, como a ideia de “sexo frágil”, que o próprio grupo refletiu não saber de
onde vem, apesar de ser a explicação para muitas coisas.
Barker (2008) trata disso em sua pesquisa, ao discutir que a noção de que “homens
jovens que moram em favela são muito machistas e envolvidos de alguma maneira com o
tráfico” não condiz com a realidade das populações que ele pesquisou. Sendo essa noção
construída em boa parte pela mídia televisiva, que dá muito mais visibilidade para os homens
jovens que moram em comunidades de baixa renda que praticam violências. A reflexão sobre
esse poder midiático também é importante para a desconstrução de sentidos, o que algumas
vezes aconteceu no grupo de estudantes. Uma fala marcante para o grupo foi a de Tânia, que
surpreendeu a todos contando que boa parte dos nordestinos enxerga onde moram de um jeito
muito diferente do que é representado pela mídia no sul do país: “tem seca, tem miséria, mas
não desse jeito, gente, não é aquela tristeza toda que passam, e só passam isso, tem tantas outras
coisas”.
Não se trata de desmistificar uma verdade e buscar por outra, “a certa”. Mas de
compreender que as vivências são múltiplas e complexas e que reduzi-las a poucos significados,
especialmente sem dar abertura a novos sentidos, traz limitações, preconceitos, exclusões,
violências. O trecho a seguir, com falas do sexto encontro com o grupo, explica essa relação:
Ariane: Traz algum prejuízo pra nossa vida, de uma forma geral, quando a gente fixa
uma masculinidade, uma feminilidade, é isso aqui que é ser masculino, homem é desse
jeito e ponto final, o que tá fora disso não é homem, o que tá fora disso daqui não é ser
mulher? Quando a gente fixa isso, isso traz algo de prejudicial pra nossa vida?
Tânia: Claro que traz.
Renato: Você cria barreiras, você se limita a fazer alguma coisa.
...
102

Anderson: Não, eu acho que, em vários momentos, setores, sei lá o que mais, em
assuntos da vida, tanto do homem quanto da mulher, acho que atrapalha, depende do
assunto, entendeu, depende do quê. Acho que atrapalha bastante depende do quê . . .
Tânia: Eu também acho que prejudica nesse sentido aí, é, a mulher, por exemplo, não
vai poder dirigir um caminhão porque é uma coisa masculina!
Diogo: Se você tem uma ideia dessa você acaba tendo preconceito com quem não tá
naquela mesma ideia.
Renato: Se você fixa uma ideia de que homem não pode ter cabelo comprido, eu vou ter
que impor aquilo pra todo mundo. E quem for diferente daquilo eu vou olhar estranho
ou vou agir de alguma forma com algum preconceito. A partir do momento que você
limita, você acaba não enxergando mais assim [abriu as mãos], você enxerga só assim
[colocou ao lado do rosto, como cavalo].
Edson: Não sai fora da caixinha.
Renato: É, exatamente, você não experimenta coisas novas, você não aprende, você
não...
Henrique: E é um padrão para seres humanos que não são padronizados.

Assim, desconstruir sentidos se refere a desconfiar dos padrões, a sair das caixas, a
derrubar barreiras, a conhecer antes de pré conceituar, a ampliar a visão. No caso dos sentidos
de masculinidades, conforme as discussões no grupo, diz respeito a desconstruir um sentido
hegemônico e construir a possibilidade de sentidos diversos, que, como se preocupa Seidler
(2009), resiste a narrativas coloniais e respeita as diferenças. Também, em alguns momentos, a
desconstrução de sentidos de masculinidades remete ao questionamento da relação de
determinado assunto com gênero, como foi o caso do tópico “organização”, em que Davi se
posicionou que nada tem a ver com ser homem ou mulher.
Um sentido importante a ser desconstruído no enfrentamento à violência de gênero é o
de que a demonstração de sentimentos e afetos não pertence às masculinidades. Por um lado,
devido a uma co-construção a partir da fala de Gabriel de que, por não demonstrar sentimentos,
chega uma hora em que os homens “explodem” e manifestam suas emoções de forma agressiva.
Por outro lado, pela violência que os próprios homens sofrem ao terem suas emoções contidas,
ao se sentirem envergonhados quando se emocionam ou ao se sentirem pessoas estranhas por
gostarem de algo do campo mais afetivo, como poesia, por exemplo.
Welzer-Lang (2001) considera que, ao passo que a expressão de sentimentos está
construída socialmente como atributo de mulheres, homens compreendem que, se
demonstrarem seus sentimentos, serão considerados por outros homens como “mulherzinhas”
ou “afeminados”. Ampliando o entendimento, temos a compreensão apresentada por Pimenta
e Natividade (2012) de que a não expressão das emoções (não chorar, não se mostrar fraco,
com medo ou inseguro) está relacionada às condutas necessárias para atender às configurações
sociais atribuídas aos homens de que devem ser fortes, competitivos, seguros de si mesmos e
103

vencedores. Dessa maneira, em um processo de (des)construção de sentidos de masculinidades,


é importante não contribuir para a reprodução do entendimento de que a expressão das emoções
é um sinal feminino, de debilidade, e, assim, uma ameaça às identidades masculinas (Seidler,
2009).
Por fim, esse processo de reflexão precisa ser contínuo e englobar outros aspectos além
do gênero, complexificando a questão e atendo-se ao risco, do qual Chagoya (2014) trata, de se
criar novos mecanismos opressores de gênero, mais sutis e igualmente controladores. Apesar
das dificuldades dessa estratégia, vale apontar o otimismo do nosso grupo com a possibilidade
de diminuição das violências de gênero:
Edson: Talvez uma má criação né, desde pequeno.
Anderson: É.
Tânia: Desconhecimento.
Edson: Já vê o pai batendo na mãe.
Henrique: Eu acho que é aí que tá o ponto. É que o conhecimento que vem até a gente
já tá elaborado...
Tânia: Engessado.
Henrique: ... Já tá engessado: masculino é o machismo, feminino é o feminismo. E a
igualdade, qualé que é a igualdade mesmo?! Não sei, não tem qualé a igualdade. Então,
a partir do momento que as pessoas construírem e educarem seus filhos na ideia de um
conhecimento em cima da igualdade, que todos somos humanos, iguais, sem perna, com
perna...
Renato: Não padronizados.
Henrique: ... Sem padrão. Bem, bem, exatamente isso. Vai acabar um monte dos
problemas ligados ao gênero né, das pessoas.
Diogo: Depende. Porque aí vai começar a ser mais aparente outra coisa.
Henrique: É, mas aí outras coisas começam a prevalecer, com certeza. Daí vem o poder,
né.
Diogo: Sempre vai ter alguma coisa prevalecendo..
Henrique: É difícil, é difícil.
Ariane: É, aqui a gente tá falando de uma coisa só, né.
Henrique: É.
Renato: É, acho que acabar não vai...
Henrique: Isso.
Renato: ... Porque, como eu falei, o ser humano é diferente mas, a gente pode diminuir,
acho que uma diminuição boa já ajuda bastante.
Henrique: Também acredito que ajuda.

5.2 Grupos reflexivos

Compreendida a importância de se desconstruir sentidos de masculinidades


relacionadas à autoria de violências de gênero e a complexidade dessa estratégia, podemos
perguntar: como fazer isso? Respondo essa questão com este tópico, não com o intuito de
104

cristalizar a resposta, mas de trazer uma possibilidade e de mostrar a potência dos grupos
reflexivos no enfrentamento à violência de gênero8, conforme assim foi co-construído ao longo
desta pesquisa.
Retomando Beiras e Cantera (2012), observamos a relevância no ajuntamento de
homens em um espaço propício para o diálogo e a reflexão visto que as masculinidades são
produzidas socialmente e constantemente aprovadas (ou não) entre os pares. Portanto, as
atitudes, as falas e até mesmo a maneira de pensar de homens podem ser muito diferentes em
um espaço individual e em um espaço coletivo com outros homens. No grupo, as falas tomam
outra dimensão, muito mais atreladas à potencialidade da construção de sentidos importantes
no processo de socialização dos homens. No grupo, os homens encontram força, apoio e
exemplo. Esse entendimento foi desenhado pelos estudantes quando tratamos do vídeo das
crianças, quando alguns levantam a questão de que, se os meninos estivessem em grupo,
poderiam ter sido influenciados negativamente pelo grupo a bater na menina. A proposta deste
tópico é apresentar essa mesma força do grupo, mas enquanto uma “influência” positiva quando
elaborado como um grupo reflexivo.
Uma primeira potencialidade do grupo reflexivo enquanto estratégia de enfrentamento
à violência de gênero são as trocas e somas que ele permite entre os participantes, de forma
respeitosa e segura. Um exemplo interessante aconteceu no quinto encontro, em que Tânia
comentou que não sabia como chamar clientes trans e travestis e que ficava receosa de parecer
desrespeitosa ou preconceituosa. Imediatamente, o grupo começou a ajudá-la, com dicas e
orientações. Apesar de ser uma dúvida aparentemente simples, Tânia não tinha encontrado
anteriormente um espaço para conversar sobre o assunto que não a julgasse pela pergunta. E, a
partir de seu questionamento, outros colegas se sentiram à vontade para fazer perguntas
similares, pois se sentiram apoiados pelo clima tranquilo com que o assunto foi abordado.
Outra grande potencialidade no trabalho com grupos em uma perspectiva reflexiva é o
reconhecimento da linguagem enquanto ação, enquanto produtora direta da possibilidade de
novos sentidos, conhecimentos e diferentes visões de mundo (McNamee, 2014). Dessa maneira,
não haverá uma mudança apenas se os participantes se comprometerem a fazer algo além do

8
Outros trabalhos trazem a importância de se trabalhar de forma reflexiva com temáticas que não
costumam apresentar resultados efetivos de prevenção com palestras expositivas. Indico a leitura de
um artigo de Virginia Lucia Moreira Barbosa sobre uma atividade reflexiva realizada em pesquisa
com adolescentes a respeito de drogadição: Barbosa, V. L. M. (2012). Facilitando uma conversa sobre
álcool e outras drogas: um convite à reflexão. Nova Perspectiva Sistêmica, 42, 28-41.
105

grupo, mas a própria co-construção do grupo e dos encontros de forma dialogada é produtora
de mudanças e reflete em ações e/ou ligações com conteúdos extra grupo. O grupo formado
nesta pesquisa, por exemplo, não teve em nenhum momento a tarefa de levar as discussões para
além dos encontros, nem de trazer de fora questões relacionadas ao que estávamos conversando,
e, no entanto, diversos relatos surgiram: Henrique conversou sobre feminismo com sua mãe e
sua esposa, Fernando falou com seu avô, Anderson comentou de algo que aconteceu naquela
semana que o lembrou das nossas conversas sobre generalizações, Gabriel discutiu com sua
namorada se ele poderia ser feminista, Fernando sugeriu que assistíssemos ao filme “Eu não
sou um homem fácil”, Tânia disse que quase toda semana chegava em casa contando ao esposo
e aos filhos sobre o que conversamos e Felipe trouxe para discussão uma reportagem sobre o
filme da Mulher Maravilha que se estendeu por dois encontros.
A naturalidade com que isso aconteceu remete ao caráter participativo e não pronto do
grupo reflexivo, que se constrói enquanto acontece, por todos que dele participam. Ao perceber
isso e ao elogiar a maneira como os estudantes estavam conversando com outras pessoas sobre
aqueles assuntos, Tânia explicou:
Tânia: Até porque eu acho que o enfrentamento não é você colocar na cabeça da pessoa
que o certo é o que tu acha. É tu discutir o assunto e...
Renato: Por que ele acha certo aquilo, né.
Tânia: Exatamente. Cada um vai ter uma opinião, e de repente uma opinião diferente da
que ele tem.
Henrique: Botar na cabeça dele, não vai adiantar de nada. Seja pra... Qualquer que seja
o gênero, qualquer que seja a pessoa. Padrão é diferente de ser livre.

Tânia e os colegas já estavam reproduzindo o funcionamento do grupo, estrategicamente


conversando com as pessoas de forma reflexiva, e não impositiva. Esse trecho me remonta às
discussões sobre o feminismo que aconteceram e as duras críticas que muitos estudantes
fizeram com suposições de que os movimentos feministas igualmente impõem padrões, como
o machismo. Conforme fomos conversando, muitas dessas suposições se desfizeram, o que
alerta para se pensar em estratégias de menos impacto neste campo para se ter uma melhor
receptividade e interesse por parte dos envolvidos.
Conceição Nogueira (2001) pontua que as mudanças acontecem fazendo-se práticas
diferentes e reflexivas e com o cuidado para que as consequências sejam libertadoras para os
participantes. Nesse sentido, o grupo reflexivo de gênero com homens aparece como uma
prática libertadora ao ser um convite às masculinidades alternativas que ocupem seu espaço.
Seguem algumas falas que foram possíveis nos encontros da pesquisa:
106

Juliano: [Homens no futebol com comentários machistas] São ignorantes, geralmente


são. Tem uma opinião própria e não dão oportunidade às outras opiniões, né. Tem aquilo
fixado na mente e esquece que os outros também têm voz ativa, tem que ter, né.

Renato: Engraçado como que isso faz diferença na vida das pessoas, né. A vida sexual
dos outros é uma coisa que importa muito, né. É inacreditável, é inacreditável! A
necessidade que a gente tem de cuidar da vida alheia. A gente não presta atenção nem
nos nossos erros, a gente tem que cuidar da vida dos outros, com quem o homem transa
e com quem deixa de transar, é inacreditável. Mas enfim, eu mesmo sou um exemplo
vivo disso, eu tive que... sei lá, não sei se pega bem, mas foda-se, não tenho nada pra
esconder. Eu sofri esse tipo de pressão em relação à sexualidade durante muito tempo
na escola, sofria bullying por causa disso, mas, tipo, eu nunca me incomodei com isso.
Eu acho que era uma coisa minha, ninguém tinha que se importar com isso. E a minha
irmã era justamente o contrário. As minhas irmãs sempre foram mais assim, sempre
passaram por isso. Então meio que lá em casa as coisas são meio que ao contrário assim
né, digamos. Digo contrário do, digamos, normal... É muito louco isso.

Anderson: Um exemplo de um amigo meu que foi criado toda vida, pô, linha dura pra
caramba, o pai dele “você tem que ser homem”, entendeu, esse negócio de não poder
chorar, tal. O cara virou um grosso, entendeu. Mas ele, depois assim, depois de muito
tempo, ele aprendeu, relacionamento indo e vindo, ele aprendeu que aquilo ali que ele
aprendeu não valeu em nada, cara. Porque ele perdeu muita amizade, brigou muito à
toa, depois já de velho, né, aprendeu que tudo aquilo que ele tinha aprendido com o pai
dele de ser e tal não era legal, hoje é um cara bem doce, assim, um cara bem gente boa,
bem coração mesmo, isso é legal.

Anderson: [Sobre filhos de pais homoafetivos] Independe, né. Se a criança receber,


independente, né, se receber carinho, ela vai ver aquilo como bom.

Juliano: Um exemplo disso, essa semana, minha esposa disse que um amigo nosso, não
é que virou, né, se declarou gay tal e ela me veio com a informação. Eu disse assim, pra
mim não muda nada, ele continua sendo a mesma pessoa, tenho o mesmo carinho,
mesmo respeito, e pra mim isso é uma opção dele.

Essas falas, pronunciadas em um grupo quase todo de homens, têm impacto direto na
co-construção de sentidos de masculinidades, produzindo diferenças narrativas importantes,
permitidas e, muitas vezes, apoiadas em grupo. Assim, dá-se voz ativa a masculinidades que
não diferenciam amizades pela orientação afetiva dos colegas, que conotam positivamente o
“cara bem coração” e que, mesmo apresentando a fala advinda de uma visão religiosa de que a
homoafetividade é um desvio, reconhecem que as crianças podem crescer normalmente com
pais homoafetivos.
Outra potencialidade do grupo reflexivo que trabalha com gênero com homens, pensada
a partir dos sentidos co-construídos com os estudantes, é a capacidade de se refletir sobre a
equidade de gênero enquanto um desenvolvimento social para todos, homens e mulheres.
Quando as reflexões giram em torno apenas dos prejuízos causados às mulheres com as
107

desigualdades de gênero (o que é muito comum nas intervenções educativas com esse tema),
tem-se falas comuns como a de Fernando, que inicialmente declarou que o machismo era um
problema apenas para as mulheres. Ao passo que a reflexão foi encaminhada para pensar de
outra maneira, temos o mesmo Fernando analisando que seu machismo já lhe trouxe problemas
em seus namoros, envolvendo-o em confusões e tendo pensamentos e sentimentos que lhe
traziam desconfortos.
Assim, as partilhas e co-construções de sentidos de masculinidades relacionadas ao
sofrimento de violências de gênero são fundamentais no enfrentamento a esse tipo de violência.
É importante que homens compreendam que a padronização da masculinidade traz limitações
para a vida cotidiana, tirando-lhes certa liberdade e autonomia. O processo de co-construção
desses sentidos deve abarcar conversas desde prejuízos mais sérios, como Anderson contou
sobre a falência na família que poderia ter sido evitada se as mulheres tivessem tido poder de
decisão, até questões simples do dia a dia, como Felipe e outros contaram de suas esposas que
não dirigem automóveis e que, se o fizessem, facilitaria muito a rotina do casal. Pois, dessa
maneira, tanto auxilia na identificação de como essas questões estão presentes em nosso
cotidiano (e não distantes, como é comum se pensar inicialmente), quanto na avaliação da
gravidade do assunto. Vejamos uma fala de Anderson sobre o tema:
Anderson: É, isso é um tipo de prejuízo né, que causa. O cara achar que ele é o bonzão,
que tudo é ele que decide, que a cabeça dele tá certa, e às vezes não é bem assim,
entendeu. Saber escutar né, saber reconhecer que… Aquilo que eu falei foi que a mulher
às vezes tem uma visão diferente do homem, né, consegue ver umas coisas diferentes.
E daí se o cara escutasse, não se achasse tão machão pra decidir tudo, hoje seria
diferente, né. Entendeu, não teria perdido tanta coisa. Ih, é um dos vários exemplos que
um monte de gente tem aí. Acredito que isso seja um prejuízo, um dos, né. Esse foi um
prejuízo financeiro, né, mas aí o cara tem outro prejuízo.

Observa-se nessa declaração de Anderson que, mesmo recaindo na noção generalista de


diferenças entre gêneros, ele defende a importância da descentralização do poder masculino
como benefício tanto para homens quanto para mulheres. Analisando por essa perspectiva, nota-
se que as discussões sobre equidade de gênero sob esse viés abarcam diferentes sentidos de
masculinidades a favor do enfrentamento à violência de gênero. Portanto, torna-se uma
estratégia com muito potencial.
Outro aspecto importante do grupo reflexivo é seu caráter também educacional (porém
sem impor, colonizar ou dizer o que é certo e errado e sim de forma reflexiva), pois, ainda que
não seja seu objetivo direto, conhecimentos são compartilhados com mediação e com espaço
de problematização para que as informações não fiquem apenas no senso comum. Nesse
sentido, o grupo parece uma estratégia mais adequada do que campanhas expositivas de
108

conscientização que não dialogam com o interlocutor. Tânia foi a que mais trouxe a frente esse
aspecto:
Tânia: Eu acho que isso que tu fala, eu acho que é bom ter sim, discutir com o outro o
pensamento, até com as pessoas do nosso convívio mesmo, né. Tudo que a gente
conversa aqui às vezes eu chego em casa, esses dias eu falei com meus filhos que que
eles acham de mim como mãe. Então querendo ou não tu leva isso pro teu dia a dia. De
repente, se tu vê um feminicídio, uma coisa que era distante da tua realidade, mas sabe
que tem casos, tu vai discutir até com uma bagagem a mais, uma força a mais, porque
tu já começa a ter relacionamento com o assunto. É diferente de eu discutir com você,
sei lá, sobre as feministas, se eu nunca ouvir falar. O conhecimento acho que é o
princípio básico pra ti começar a ter uma discussão legal com alguém, até pra passar pra
frente, igual o gerente, com certeza ele pensou, tu gera aquele questionamento na pessoa,
né.

Por fim, os grupos reflexivos não poderiam ser uma boa estratégia se não fizessem
sentido e não fossem agradáveis aos seus participantes. Por isso, compartilho feedbacks de
alguns estudantes sobre os encontros, ciente de que não precisaram comparecer em horários
diferentes dos já encaixados em suas rotinas e em um ambiente que habitualmente é cansativo
e monótono, que é a sala de aula:
Renato: Eu acho importante ter esse tipo de debate. Eu, muito do que eu me tornei como
ser humano... Todo mundo tem preconceito, então é normal... Mas, de eu entender mais
um pouco o lado dos outros, foi graças a um professor que eu tive de sociologia no
ensino médio que era muito de fazer debate também, de fazer esse tipo de roda que a
gente comenta sobre muitas coisas. Então hoje tudo o que eu me tornei como pessoa foi
por isso. Então eu acho que é muito importante que as escolas e os lugares tenham esse
tipo de coisa. A gente sempre tem que ouvir os outros, cara, é inacreditável como isso é
uma coisa real, é real. Eu não me tornei um fascitão da cabeça justamente por isso. Então
a gente tem que aprender a conviver com as diferenças assim.

Tânia: Tá, professora, eu achei muito interessante, muito legal. Até porque não tem
como a gente não levar tudo isso que a gente discutiu aqui pra vida, né. Acredito que
essa questão da mulher cabeluda aí [risos] abriu muito a minha mente assim pra uma
coisa que eu não tinha me atentado . . . Até na minha casa, eu chegava com ideias, até
demais né [risos]. Mas foi bem legal!

Fernando: Teve bastante debate, foi bem interessante porque todo mundo expressou um
pouquinho da sua opinião sobre isso, né, gerou um debate bem grande.

Anderson: Eu sinceramente achei que ia ser bem chato assim, bem sincero. Pensei vai
ser bem chato, meu Deus, vou dormir nessa aula. Mas foi bem legal, valeu a discussão,
levantamos muitas questões que ninguém gosta de falar, falar a verdade, gosta muito de
camuflar, né, o pessoal “não, não” [em tom baixo], entendeu, mas eu acho que é
importante falar. Amanhã, que que nós vamos deixar pros nossos filhos aí, nesse
mundão aí. Todo mundo querendo se matar, cada um tem o que quer... Eu achei
interessante, bem bacana.
109

5.3 Munições extra grupo

Este tópico foi construído em conjunto com o grupo, a partir de conversas diretas sobre
como contribuímos para a manutenção das violências de gênero (refletindo, portanto, sobre
como podemos deixar de contribuir) e como os estudantes poderiam agir em situações em que
presenciam violências de gênero acontecendo, especialmente em grupos de homens. Esse
diálogo se iniciou nos minutos finais do primeiro encontro:
Ariane: . . . Quando a gente tá no grupo, é mais difícil, rola uma pressão e tal se você
não rir junto, ou vocês acham que não?
Renato: É, é complicado. Principalmente quando você tá num grupo de homens tipo
jogando futebol. Eu costumava jogar futebol . . . e tinha algumas opiniões deles que
eram contrárias do que eu pensava. Eu cheguei a ouvir de um cara que a gente tá dando
muito espaço pra mulher hoje em dia. Cheguei a ouvir isso de um cara e eu, eu num tive,
eu queria falar alguma coisa, mas a gente se sente meio que coagido. . . Porque uma
pessoa só contra 12, 13 caras, então a gente acaba meio que se coagindo, e isso ajuda,
isso é uma covardia, querendo ou não. . . A gente meio que ajuda a se perpetuar assim,
a isso crescer no meio das pessoas. Sei lá! A gente se sente meio acovardado.
Ariane: Quando você falou que isso é uma covardia, você falou de ti ou...
Renato: É, eu me senti um covarde por não ter falado aquilo, eu fiquei um tempo com
aquilo na cabeça, principalmente pensando nas minhas irmãs e na minha mãe. Uma que
elas sofreram pra ter o que elas têm, principalmente minha mãe. Mas enfim, . . . às vezes
é difícil bater de frente com pessoas e ficar batendo a cabeça na parede, né. É igual dar
um murro em ponta de faca, né.

Tellería (1998) complementaria a declaração de Renato dizendo que é igual nadar contra
a corrente. Essa paralisia e sensação de que não há o que fazer, ou de que é necessária muita
força para avançar minimamente, permeiam o enfrentamento à violência de gênero. Mais a
frente na conversa, Gabriel comenta a fala de Renato o confortando de que, ao menos, ele não
apoiou os comentários dos outros jogadores, saindo para beber água. Aqui, delineou-se uma
estratégia retomada posteriormente na fala de outros estudantes: se a pessoa se sentir coagida
com a percepção de que há risco de mais violências (especialmente físicas), uma estratégia
possível é sair de cena ou ficar em silêncio, não contribuindo para a continuidade das violências
já proferidas (geralmente orais).
Advinda da anterior, outra estratégia apresentada pelos estudantes se refere a se
posicionar contra as violências de gênero quando estiver em um grupo conhecido e sentir
segurança de que não haverá retaliação. Pedro explica: “Quando você conhece todo mundo,
fica mais fácil de se posicionar. Tá com os amigos ali, alguém fez uma brincadeira que tu não
gostou, você pô cara, não gostei. Agora, quando é terceiros, que você não conhece, fica mais
complicado”. Como exemplos já praticados pelos estudantes dessa estratégia, podemos citar:
110

Pedro, quando foi chamado de otário pelos familiares por estar lavando a própria louça,
explicou o que pensava e continuou lavando a louça; Renato, que se sentiu ofendido por um
comentário de Felipe em sala de aula sobre todos os homens traírem um dia e ele respondeu ao
comentário; Anderson, que foi colocado em um grupo do Whatsapp com vídeos pornôs, saiu
do grupo e foi recolocado, então ele teve “uma conversa séria” com o administrador do grupo
para não ser mais colocado.
Como foi considerado pelo grupo que um grande propagador do machismo no nosso dia
a dia são as piadas, elas merecem ser comentadas nesse tópico. Não fazer e não rir de piadas
machistas é uma forte estratégia de enfrentamento à violência de gênero, visto que por meio
delas é reproduzida uma série de “clichês” que constroem e cristalizam significados de
masculinidades tradicionais. No entanto, os estudantes se dividiram quanto a pensarem em
utilizar, de fato, essa estratégia, pois em diversos momentos, ao longo dos encontros, piadas
machistas foram feitas e defendidas como “brincadeiras sem maldade”. Por outro lado, essa
estratégia foi utilizada no próprio grupo por Davi, em um momento em que ele não ri e não dá
atenção a Diogo, que havia acabado de fazer um comentário supostamente engraçado a respeito
do que Davi falou sobre ser organizado. Davi apenas ignorou a fala de Diogo e continuou o
assunto.
Outra estratégia consiste em não colaborar com o ciclo da violência. Essa não é uma
medida fácil, pois exige reflexão sobre a relação e certo controle sobre as próprias ações. Essa
estratégia foi construída a partir de algumas conversas que tivemos e não diz respeito apenas a
violências de gênero, mas também é útil para essa temática. Vejamos as falas de Luís, Renato
e Tânia:
Luís: . . . Esse casal no início provavelmente não era sempre ele mandando ou ela
mandando, provavelmente começou de boa . . . Aí começa um a ter mais força que o
outro, não de uma hora pra outra, mas foi construindo há muito tempo pra estourar
naquilo ali.

Renato: O ser humano tem o problema de sempre querer estar certo das coisas . . . A
gente não tá acostumado a ouvir o outro e botar a mão na consciência e ver que tá errado.
Quando a gente vê que tá errado, a gente não dá o braço a torcer.

Tânia contou que brigava muito com o ex-marido e, nas discussões, sabia qual era o
limite que ele suportava e ela fazia questão de ultrapassar esse limite, já sabendo que iria “tirar
ele do sério”: “A gente tem nossos limites. No trabalho, eu e uma menina nos pegamos no tapa,
por causa de uma brincadeira. Ela foi me xingando, xingando, eu fiquei quieta, mas quando ela
entrou na minha família eu perdi a razão”.
111

Em outras palavras, podemos entender que essas falas tratam (não unicamente) do
processo relacional das microrrelações, no qual podemos aprender a reconhecer nossos limites
e a respeitar os limites das outras pessoas, buscando não retroalimentar ciclos de violências.
Não se trata de encontrar culpados, mas de compreender que as relações são vias de mão dupla
e que a mudança em uma dessas vias necessariamente mudará também a outra via. Como dito
antes, não é uma estratégia simples, é preciso refletir para se dar conta das próprias ações e
pensar qual a melhor maneira de quebrar com o ciclo de uma relação permeada pela violência.
Destaco que essa é uma estratégia mais localizada e não dispensa outras estratégias que levam
em conta os aspectos socioculturais da violência de gênero.

5.4 Construção de futuras gerações

Esta estratégia foi pensada diversas vezes pelos estudantes no decorrer dos encontros,
inclusive antes mesmo de iniciados. No dia em que apresentei a pesquisa, Edson já me
perguntou se não seria interessante também fazê-la com os adolescentes, justificando sua
pergunta com a afirmação do alto índice de suicídios entre os homens jovens. Assim,
comentários como os que se seguem foram comuns em nossos encontros:
Anderson: Você tem que ensinar o seu filho, como é que você vai produzir pessoas
melhores, com pensamento diferente? São os filhos! Não são a gente que já tá velho, já
tá tudo engessado. É os filhos! É a geração que vai vir, que tem que vir com uma ideia...
Ariane: Os filhos têm mais chances, né...
Anderson: Têm mais chances de construir uma sociedade . . . construída com pessoas
que sejam mais respeitosas, que vão respeitar mais a opinião do outro.
...
Renato: Eu acho importante também ter esse tipo de debate, não só pra gente, mas acho
que com adolescente.
Fernando: É, tão em formação, né.
Renato: É, vão começar a ter uma perspectiva da vida maior, eu acho que seria
interessante.
Edson: Uma estratégia, né.
Renato: Com certeza.

Conversamos também que são os adultos quem vão ensinar e precisar dar o exemplo
dessas novas construções sociais a respeito da equidade de gênero. Se a maioria de forma geral
não está preparada, esse é um trabalho para ser feito também, e talvez principalmente, no
ambiente escolar. Pois, os ensinamentos da escola são particularmente atravessados pelas
diferenças: confirmam e produzem diferenças (Louro, 2014), que são elementos fundamentais
para novos olhares sobre gênero.
112

O trabalho com as crianças também se justifica nas falas dos estudantes sobre como elas
rapidamente começam a reproduzir oralmente violências baseadas em estereótipos (a gorda, o
viado, a neguinha, o quatro olhos, a ceguinha, etc.). Não se trata, portanto, de tratar apenas
sobre as questões de gênero com as crianças e jovens. Por isso, Seffner (2011) ressalta que a
escola deve ter sua estrutura baseada nos princípios dos direitos humanos, que garantem que
toda manifestação de diversidade possa existir e ser respeitada, não permitindo que as maiorias
hostilizem as minorias.
Além da escola, ainda que a família não se sinta tão preparada para lidar com o tema,
atitudes simples podem ajudar a construir futuras gerações de forma mais equânime em relação
ao gênero. Barker (2008) pontua que os homens jovens que têm familiaridade com conversas e
atitudes mais sensíveis à equidade entre gêneros conseguem ter confiança o suficiente para
questionar ou desconsiderar as pressões ou censuras que sofrem por parte dos colegas,
assumindo sua vida sexual por conta própria, não a sujeitando aos julgamentos dos amigos. Isso
que Barker traz é facilmente observável pelos posicionamentos de Renato, que muitas vezes se
destoaram do grupo, sendo mais sensíveis às equidades e ignorando pressões alheias. Sendo
que ele, em vários momentos, relatou como cresceu em uma família que apresenta diferenças
nesse tema se comparado ao perfil tradicional de família brasileira. São diferenças simples
como seu pai ser o responsável por cozinhar e lavar a louça na casa e Renato e suas irmãs
sempre terem as mesmas tarefas domésticas para cumprir.
Outro espaço importante para a construção de atuais e especialmente futuras gerações
mais sensíveis à equidade de gênero é o da representatividade. Em alguns momentos dos
encontros, os estudantes co-construíram sentidos de masculinidades que, mesmo
compreendendo e aceitando teoricamente as diversidades, não sabem como lidar com elas na
prática, por falta de hábito, de convívio:
Gabriel: . . . Até hoje em dia, eu não tenho preconceito nenhum. Mas se aparece um
casal de gay aqui e se beija, eu vou achar meio estranho, não vou ficar tipo, pô... Porque
não é, é cultura, fui acostumado de um jeito.
Renato: A gente não se habituou a isso, né.
Lucas: É, é! É estranho. A gente tem que ir se adaptando, entendesse . . . Então por isso
que eu acho que é uma tendência mais pra frente, até a questão de gênero, de mulher e
homem. A tendência é que acabe tendo uma aceitação mais cedo ou mais tarde, em
qualquer que seja o setor. Mas é tudo cultura! E eu sei, por exemplo se eu tivesse uma
empresa, eu sei que eu ia querer, pô, uma recepcionista, né. Eu ia querer ter uma
recepcionista. Mas não porque ela tem que ser recepcionista, porque recepcionista ganha
menos, ela não poder ser uma funcionária numa função melhor, uma função mais
valorizada. Simplesmente porque eu tenho essa imagem que tem que ter uma
recepcionista, uma mulher bonita que atende bem as pessoas. Eu cresci vendo isso.
Essas coisas. Então, se a criança chama alguém de gorda, é porque os pais dela fazem
113

piada de certo em casa de vez em quando, “ah, aquela vizinha gorda” e a criança tá ali
ouvindo tudo. E aí, chega na escola, vai virando aquela bolinha de neve. É basicamente
isso que acontece, qualquer tipo de preconceito hoje em dia eu acho que é simplesmente
cultura.
...
Renato: Eu acho muito importante hoje as novelas, por mais que eu não assista novela,
mas se eu souber que tem gays e travesti e tão comentando sobre isso, já é algo legal
assim sabe. A gente poder sair um pouco da nossa bolha social, de tudo que tem na
internet, e conhecer coisas novas, acho que só assim mesmo.

Nesse sentido, a representatividade é uma grande aliada no enfrentamento à violência


de gênero, ao habituar as pessoas às diversidades, seja aprendendo a lidar com a diferença do
outro, seja encontrando sua diferença nos espaços públicos e não apenas naqueles reservados a
possíveis minorias. Sampaio e Lima (2018) também destacam a importância dessa estratégia
como forma de garantir que todos os públicos sejam pensados e atendidos em suas demandas e
complexidades relacionadas ao gênero, além de subsidiar que mulheres e a comunidade LGBT+
possam se munir de estratégias para se desenvolverem enquanto sujeitos e grupos diante da
atual ordem social hierárquica, silenciadora e violenta.

5.5 Respeito, apesar do preconceito

As estratégias anteriores foram trazidas imbuídas da relevância de se trabalhar com a


construção de sentidos de masculinidades mais equânimes e a desconstrução de sentidos de
masculinidades relacionadas à autoria e ao sofrimento de violências de gênero. Pois, temos a
compreensão de que este é o caminho mais viável para que mudanças mais expressivas
aconteçam em relação à diminuição da violência de gênero. Mesmo as munições extra grupo
(tópico 6.3), que têm um caráter mais emergencial por se referirem a ações frente a violências
de gênero proferidas fora dos grupos de reflexões sobre equidade de gênero, partem do princípio
de que os estudantes construíram o entendimento geral de que a mudança das estruturas de
significação de masculinidades tradicionais é importante. No entanto, a partir da análise de
sentidos que também foram co-construídos no grupo, notou-se que nem todos compartilharam
(até o momento da finalização do grupo) da necessidade dessa mudança, devido a crenças, como
as religiosas, ou a outros fatores. Alguns sentidos, por exemplo, envolviam a importância dessa
mudança quando envolvia a situação de desigualdade com mulheres, mas, quando a conversa
passava a tratar de homens gays, esses sentidos ficavam confusos e, por muitas vezes, se
114

mostraram homofóbicos. Além disso, esse é um processo estrutural, que exige uma
complexidade de estratégias para que caminhe a passos curtos.
Dessa maneira, o discurso “respeito, apesar do preconceito” é a estratégia mais possível
em muitos casos e pode ser importante para, de forma mais urgente, evitar violências mais
graves. Esse discurso apareceu diversas vezes ao longo dos seis encontros com o grupo, às
vezes como uma reflexão própria e às vezes como resposta a algo discriminatório que outro
colega havia dito. Seguem algumas dessas falas, que finalizam este curto tópico:
Juliano: . . . Agora, a questão de escolhas, isso pra mim não importa, entendeu, eu acho
que é uma questão de respeito, cada um faz o que quer. E acho que, a partir do momento
que eu me meter na vida do Fábio, o Fábio tem o direito de se meter na minha, então, se
eu não gosto, não faço, entendeu. É só isso que eu penso.

Edson: Hoje em dia tem que ter mais tolerância, né.

Anderson: Pra mim, a primeira coisa é o respeito. Como ele disse ali, é o ser humano,
entendeu. Se tiver respeito pelo ser humano, pelo seu próximo . . . O respeito vai além
da sua opinião, entendeu.

Gabriel: . . . Acho que todo mundo tem um pouco de preconceito com alguma coisa, lá
no fundo. Só que a gente tem que ter disciplina e respeitar.

Felipe: O ser humano, de modo geral, sabe pouco lidar com a diversidade e com opiniões
diferentes, não sabe debater. Muitos casos acabam levando pras vias de fato porque não
conseguem entender ou ouvir uma opinião contrária, de certa forma não conseguem
aceitar diferenças. Uma coisa é concordar outra é aceitar. Eu não preciso concordar, ser
conivente, pra respeitar, independente da situação que for. E aí independe de gênero,
raça, cor, o ser humano ainda tá aprendendo a lidar com a diversidade.

As estratégias elaboradas neste capítulo dizem respeito aos sentidos de masculinidades


co-construídos no grupo reflexivo com os estudantes deste estudo, o que indica que elas são
uma tentativa de se aproximar mais da realidade daquele grupo, para que façam sentido para os
participantes e possam ser, de fato, utilizadas. No entanto, como se observou pela relação entre
os sentidos co-construídos e as fundamentações teóricas, que muitas vezes corroboraram os
entendimentos surgidos no grupo, os sentidos produzidos não são exclusividade do grupo dessa
pesquisa. Assim, essas estratégias podem ser úteis para muitos outros grupos e outras pessoas
que desejam promover versões de masculinidades que estejam menos relacionadas a violências
e mais sensíveis à equidade de gênero.
115

6 Considerações Finais

As considerações são finais porque um fechamento é necessário. Os conhecimentos


precisam se aglomerar em algum momento para que não se caia no imobilismo ou em um
completo relativismo, como nos alerta Louro (2014). No entanto, essa pesquisa aceita o
desconforto das certezas provisórias, compreendendo que os saberes são localizados e fazem
sentido dentro de determinados contextos de significação.
Atentos aos ensinamentos de Freire (2017a), os fechamentos aqui construídos não se
propõem a transferir conhecimentos, mas a criar possibilidades para a produção de novos
estudos e práticas acadêmicas e profissionais. O caráter pragmático desta pesquisa, aliado à
especificidade da metodologia de trabalho escolhida, que clarifica os procedimentos ao dar
ênfase nos processos de negociação de sentidos, aproximam esta investigação de possíveis
fazeres acadêmicos e empíricos, buscando oferecer pistas para ações sociais e políticas públicas
e podendo ser de grande utilidade para esses fazeres.
Baseada no Construcionismo Social, a proposta metodológica tentou compreender o
processo de conversação do grupo, a partir da Teoria Relacional do Significado, analisando a
produção de sentidos de masculinidades. Pois, de acordo com Burr (1995, p. 5), “when people
talk to each other, the world gets constructed”. Desta maneira, dialogar sobre masculinidades
se trata também de (re) produzi-las, visto que, sob a perspectiva socioconstrucionista, a
linguagem é ação. Trabalhar com essa base significou lidar com o desafio da imprevisibilidade
do grupo e da reavaliação da proposta a cada etapa, a fim de dar seguimento na co-construção
dos sentidos produzidos.
Assim, o objetivo central deste estudo foi alcançado ao longo dos encontros com os
estudantes e a análise dos materiais elaborados. Vale retomar que a análise aconteceu no
decorrer de todo o processo da pesquisa, e não somente após o término dos encontros. A cada
início de reunião com os estudantes, em que eu apresentava o resumo do encontro anterior com
minha análise parcial sobre os sentidos que estavam sendo co-construídos, todo o grupo
participava da avaliação daquela análise. Importante considerar que a produção e as possíveis
análises de sentidos são infindáveis, sendo que foram destacados neste estudo aqueles que
foram mais suplementados pelo grupo e que foram úteis para atender aos objetivos desta
investigação. Destarte, a partir do exame das negociações de sentidos ocorridas, foram
identificados, de forma resumida, os seguintes sentidos de masculinidades:
116

• Masculinidades histórica, social e culturalmente construídas. Em quase todos os


encontros, a dualidade cultura/natureza surgiu como explicação para as diferenças de
comportamentos dos homens e das mulheres. No entanto, conforme as conversas foram
se aprofundando, o sentido da masculinidade como uma construção social foi
prevalecendo. Ainda, com os vários exemplos de vivências diferentes de masculinidade,
o grupo entendeu que se pode falar em masculinidades, no plural.
• Masculinidades enquanto categoria de gênero. Ainda que o grupo tenha feito muitas
críticas em relação aos padrões de gênero, ao conversarmos sobre descategorização, os
estudantes reagiram contrariamente. Assim, a compreensão mais geral foi de que as
categorias masculino/feminino não são ruins em si mesmas; o problema está no
desequilíbrio de poder entre elas.
• Masculinidades relacionadas à autoria de violências de gênero. Masculinidades
machistas, agressivas, homofóbicas, que provocam medo, que inferiorizam quem não
se assemelha ao ideal tradicional de masculinidade. A naturalização da violência,
especialmente na infância, foi um aspecto bastante citado quando conversado sobre esse
sentido.
• Masculinidades relacionadas ao sofrimento de violências de gênero. Sobre esse sentido,
conversamos a respeito de preconceitos que homens sofrem por demonstrarem
afetividade, pressões em relação à sexualidade (incluindo aqui novamente a homofobia)
e prejuízos que homens com pensamentos machistas têm ao menosprezar a voz de
mulheres.
Rasera e Japur (2007) versam sobre como a negociação de sentidos entre os
participantes de um diálogo não se dá em um vácuo, mas está inserida em um contexto imediato.
Neste estudo, o contexto era a escola, poucos meses antes de eleições presidenciais (com pré-
candidato machista ganhando notoriedade) e já com a famigerada ideologia de gênero se
popularizando nas conversas cotidianas brasileiras. Em outro contexto, os sentidos co-
construídos poderiam ser muito diferentes, e provavelmente seriam. Por essa característica,
torna-se interessante se pensar nas estratégias de enfrentamento à violência a partir dos sentidos
produzidos, para que as estratégias possam fazer sentido e terem real aplicabilidade naquele
contexto.
Portanto, em seguida, utilizando aqueles sentidos como base, foram elaboradas
possíveis estratégias de enfrentamento à violência de gênero. Essa etapa do trabalho não foi
programada para acontecer ao longo das reuniões com os estudantes, sendo a análise das
117

estratégias pensada em momento posterior ao término das atividades de campo. No entanto,


algumas estratégias foram possíveis de serem co-construídas ainda com o grupo, no decorrer
dos encontros.
Um entendimento geral do grupo importante na elaboração das estratégias foi de que o
enfrentamento à violência de gênero é necessário para a proteção de todos, homens e mulheres.
Também, a compreensão de que essas violências estão relacionadas ao machismo. Assim,
dentre as estratégias construídas, a que se mostrou mais relevante foi a desconstrução de
sentidos de masculinidades, seguida do trabalho com grupos reflexivos como uma maneira de
se alcançar a primeira estratégia.
Outras estratégias surgiram, como: se perceber que há risco de mais violências, sair de
cena ou ficar em silêncio, não contribuindo para a continuidade das violências já expressadas;
se posicionar contra as violências de gênero quando sentir segurança de que não haverá
retaliação; não fazer e não rir de piadas machistas, pois são grandes reprodutoras de sentidos
que constroem e cristalizam significados de masculinidades tradicionais; não colaborar com o
ciclo da violência; respeitar as diversidades; realizar trabalhos com crianças e adolescentes, na
intenção de construir futuras gerações baseadas em relações mais equitativas de gênero.
Nota-se que algumas estratégias se desenvolveram ancoradas no entendimento de que
as violências de gênero estão relacionadas ao que se acha que é ser homem e de que talvez não
se possa acabar com o machismo, mas que é possível aprender a driblá-lo para que perca sua
força e extensão de ação. Também se percebe que as estratégias não foram elaboradas como
regras ou receitas a se seguir, mas como opções de acordo com quem as utilizará e em quais
condições. Por último, apresento uma fala potente de Felipe, que colaborou para a construção
do grupo reflexivo enquanto uma estratégia de enfrentamento à violência de gênero e que nos
faz pensar:
Felipe: Isso que a gente tá fazendo aqui acho que é algo que pouco acontece, de um
respeitar, de escutar o outro, de ter opiniões diversas e nem por isso entrar em conflito.
Eu acho que a gente às vezes pra defender os nossos interesses, os nossos ideais, a gente
acaba atacando os outros ou os ideais dos outros. Eu acho que isso, de uma certa forma,
é o que acaba gerando mais violência na sociedade hoje em dia. Onde o povo, de modo
geral, tem tão pouco e aí tem que lutar com unhas e dentes pelos seus direitos e aí não
sabe ceder também em certos pontos, não sabe explicar, não sabe aceitar diversidades e
aí acaba levando pro que a gente tá vendo hoje.

Ressalta-se que, ao significar o grupo reflexivo como uma das estratégias, a própria
pesquisa se tornou uma forte estratégia de enfrentamento à violência de gênero, como
observado na fala de Felipe, de modo que o anseio inicial de unir a investigação acadêmica à
prática profissional foi alcançado. Espera-se, nesse sentido, que os caminhos traçados neste
118

trabalho possam auxiliar outras pesquisas e ações especialmente no campo da Educação, visto
que a escola é uma grande (re)produtora de sentidos de masculinidades e feminilidades.
No âmbito dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, atividades
relacionadas às masculinidades têm surgido publicamente nos últimos três anos (Borges, 2019;
IFES, 2019; IFFar, 2019; IFPE, 2019; IFBA, 2017). Chama a atenção o fato de que nenhuma
dessas atividades foram organizadas (ao que consta nas publicações) por psicólogas ou
psicólogos. Tendo em vista esse dado, o resultado dessa dissertação sobre a importância dos
grupos reflexivos para se trabalhar com o enfrentamento da violência de gênero e que a
Psicologia é uma profissão que tem aporte teórico para lidar com grupos e processos reflexivos,
endosso o convite do Conselho Federal de Psicologia (2017) de refletir sobre a prática da
Psicologia como estratégia de garantia dos direitos fundamentais e de enfrentamento às
violências e às condições objetivas e subjetivas que produzem sofrimento psíquico, como é o
caso da violência de gênero. Destarte, trabalhar com violências de gênero é notadamente uma
atividade de saúde mental, portanto, que se encaixa no escopo de trabalho de qualquer área da
Psicologia.
Em relação às limitações deste estudo, é significativo retomar que a construção de todo
o trabalho, ainda que tenha sido feito junto de muitas pessoas, perpassa meu lugar de fala. De
modo que muitos temas que atravessam os sentidos de masculinidades e as violências de gênero
foram aqui apenas citados, como classe e raça, e outros que sequer foram mencionados, como
a transfobia. Dentre tantas interseccionalidades, reconheço que meu poder de fala às vezes é
silenciado apenas por eu ser mulher, o que colabora para que em muitos momentos eu pense
somente pela lógica binária “masculino / feminino, homem / mulher”, como foram apresentadas
as discussões nesta dissertação. Não se trata de uma justificativa, pois outras pessoas com lugar
de fala similar podem e fazem pesquisas interseccionais, mas de uma constatação que precisa
ser apontada e contextualizada. Outra questão que se soma a essa é minha posição acadêmica
de quem teve contato com as temáticas de gênero e masculinidades de forma teórica apenas no
mestrado. Portanto, há muito que aprimorar na fundamentação teórica dessa dissertação, que
pode parecer superficial aos olhos de quem há tempos estuda o assunto.
Outra limitação, que eu chamaria mais de desafio, diz respeito a futuras práticas que
essa investigação possa inspirar no campo da Educação. É preciso pensar estrategicamente para
inserir esses assuntos no âmbito escolar atual, que se encontra ainda mais resistente à reflexão
do que quando os encontros desta pesquisa foram realizados. Com o novo governo eleito,
figuras políticas têm se sentido autorizadas a abusarem de seus poderes políticos para calar a
119

Educação, especialmente a educação pública e reconhecidamente de qualidade, como é o caso


dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia.
Por fim, não tendo esta pesquisa a intenção de produzir verdades, chegamos à sua
conclusão com o um desejo inspirado em Gergen (1996): que este estudo possa ser uma parcela
da desconstrução, democratização e reconstrução e novas realidades e práticas para a
transformação cultural, em especial, no que diz respeito à equidade de gênero.
120

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126

Apêndice A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

Você está sendo convidado(a) a participar, como vo1untário(a), na pesquisa que


tem como título “Estratégias de enfrentamento à violência de gênero: sentidos construídos
com um grupo de homens estudantes”. Esta pesquisa está associada ao projeto de mestrado
de Ariane Noeremberg Guimarães do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da
Universidade Federal de Santa Catarina, sob orientação do Prof. Dr. Adriano Beiras.
Esta pesquisa tem como objetivo principal identificar os sentidos de masculinidades
construídos com um grupo de homens estudantes e, a partir desses sentidos, analisar a
construção de possíveis estratégias de enfrentamento à violência de gênero. Conferências
internacionais ressaltam a importância de envolver os homens nos esforços para fortalecer redes
e experiências a favor da igualdade de gênero. No que diz respeito à temática “violências”,
aponta-se a relevância de se trabalhar diretamente em espaços de socialização masculina, como
o ambiente educacional, com destaque à construção de masculinidades e aos aspectos
socioculturais.
Durante a pesquisa, você participará de uma atividade coletiva, construída enquanto
um grupo reflexivo de gênero. Serão aproximadamente seis encontros de no máximo 1h30min
cada, em horário e dia a serem combinados com os demais participantes do grupo. O local será
uma sala de aula do IFSC Campus São José. Ressaltando que você não é obrigado a participar
de todas as atividades propostas nos encontros, bem como está garantido o seu direito de desistir
do estudo em qualquer fase em que ele se encontre. A atividade será gravada em áudio e com
imagens fotográficas para facilitar a análise dos dados.
A partir dessa pesquisa, como benefício, você poderá contribuir para ampliar o
conhecimento sobre masculinidades e violências de gênero, fazendo parte da conscientização
da sociedade a respeito da natureza da construção do conhecimento científico.
Durante os encontros e o processo de pesquisa, aspectos desagradáveis podem
acontecer. Segue alguns possíveis danos da pesquisa: cansaço ou aborrecimento ao fazer
atividades; constrangimento ao se expor durante a realização da atividade; desconforto,
constrangimento ou alterações de comportamento durante a gravação de áudio ou imagem
fotográfica; alterações na autoestima e de visão de mundo, de relacionamentos e de
127

comportamentos em função de reflexões sobre suas práticas cotidianas relacionadas ao gênero.


Caso você identifique que exista a necessidade, todo o auxílio psicológico será disponibilizado.
Os pesquisadores serão os únicos a terem acesso aos dados e tomarão todas as
providências necessárias para manter o sigilo, porém sempre existe a remota possibilidade da
quebra do sigilo, mesmo que involuntário e não intencional, cujas consequências serão tratadas
nos termos da lei. Os resultados deste trabalho poderão ser apresentados em encontros ou
revistas científicas e mostrarão apenas os resultados obtidos como um todo, sem revelar seu
nome, instituição ou qualquer informação relacionada à sua privacidade.
Desse modo, a quebra de sigilo, ainda que involuntária e não intencional, é um risco
que deve ser reconhecido e informado a você. Caso você experiencie danos materiais ou morais
decorrentes da pesquisa, inclusive relacionados à quebra de sigilo, você tem o direito de recorrer
judicialmente por indenizações.
Durante os procedimentos de coleta de dados, você estará sempre acompanhado
pelo pesquisador, que lhe prestará toda a assistência necessária ou acionará pessoal competente
para isso. Caso tenha alguma dúvida sobre os procedimentos ou sobre o projeto, você poderá
entrar em contato com os pesquisadores a qualquer momento pelo telefone ou e-mail abaixo.
Os dados da pesquisa serão apresentados em março de 2019 na Universidade Federal de Santa
Catarina, na cidade de Florianópolis. Sendo assim, você poderá, caso haja interesse, participar
da apresentação.
Sinta-se absolutamente à vontade em deixar de participar da pesquisa a qualquer
momento, sem ter que apresentar qualquer justificativa. Ao decidir deixar de participar da
pesquisa, você não terá qualquer prejuízo no restante das atividades.
Duas vias deste documento estão sendo rubricadas e assinadas por você e pela
pesquisadora responsável. Guarde cuidadosamente a sua via, pois é um documento que traz
importantes informações de contato e garante os seus direitos como participante da pesquisa.
A legislação brasileira não permite que você tenha qualquer compensação
financeira pela sua participação em pesquisa. Para participar da pesquisa, destacamos a
importância de estar acontecendo em um local de fácil acesso para você, portanto você não terá
nenhuma despesa advinda da sua participação na pesquisa.
Caso alguma despesa extraordinária associada à pesquisa venha a ocorrer, você será
ressarcido. Portanto, se acontecer algum prejuízo material ou imaterial em decorrência da
pesquisa, poderá solicitar indenização, de acordo com a legislação vigente e amplamente
consubstanciada. O pesquisador responsável, que também assina esse documento, compromete-
128

se a conduzir a pesquisa de acordo com o que preconiza a Resolução CNS 510 16, que trata dos
preceitos éticos e da proteção aos participantes da pesquisa.
Você poderá entrar em contato com a pesquisadora pelo telefone (48) 996842024,
email arnguimaraes@hotmail.com, endereço profissional Universidade Federal de Santa
Catarina - UFSC - Trindade, Florianópolis - SC, 88040-970.
Você também poderá entrar em contato com o Comitê de Ética em Pesquisa com
Seres Humanos da UFSC pelo telefone (48) 3721-6094, email cep.propesq@contato.ufsc.br ou
no Prédio Reitoria II, 4º andar, sala 401, localizado na Rua Desembargador Vitor Lima, nº 222,
Trindade, Florianópolis/SC, CEP 88040-400. O CEPSH é um órgão colegiado interdisciplinar,
deliberativo, consultivo e educativo, vinculado à Universidade Federal de Santa Catarina, mas
independente na tomada de decisões, criado para defender os interesses dos participantes da
pesquisa em sua integridade e dignidade e para contribuir no desenvolvimento da pesquisa
dentro de padrões éticos.
Este documento foi elaborado em duas vias e todas as suas páginas devem ser
rubricadas pelas partes interessadas.
Eu, _______________________________________________________, RG
_________________, li este documento (ou tive este documento lido para mim por uma pessoa
de confiança) e obtive dos pesquisadores todas as informações que julguei necessárias para me
sentir esclarecido e optar por livre e espontânea vontade participar da pesquisa, autorizando o
uso de minha imagem e gravação de minha voz.

Local e Data: _______________________________________________


Assinatura: _________________________________________________
Pesquisadores responsáveis:
Prof. Dr. Adriano Beiras: adrianobe@gmail.com
Mestranda Ariane Noeremberg Guimarães: arnguimaraes@hotmail.com

Assinatura da pesquisadora: __________________________________________


129

Apêndice B – Termo de Gravação de Áudio e Imagem

Eu,_______________________________________________________, permito que


os pesquisadores relacionados abaixo obtenham para fins de pesquisa científica, médica e/ou
educacional:
( ) gravação de voz de minha pessoa;
( ) imagem fotográfica de minha pessoa.
Eu concordo que o material e informações obtidas relacionadas à minha pessoa possam
ser publicados em aulas, congressos, eventos científicos, palestras ou periódicos científicos.
Porém, a minha pessoa não deve ser identificada, tanto quanto possível, por nome ou qualquer
outra forma. As gravações e imagens ficarão sob a propriedade do grupo de pesquisadores
pertinentes ao estudo e sob sua guarda.

Nome do sujeito da pesquisa e/ou paciente:


______________________________________________________________

RG:_______________________________

Endereço: _______________________________________________________
_______________________________________________________________

Assinatura: _________________________________________

Contato com os pesquisadores responsáveis:


Professor Doutor Adriano Beiras: adrianobe@gmail.com
Mestranda Ariane Noeremberg Guimarães: arnguimaraes@hotmail.com
130

Apêndice C – Exemplo de Delimitação Temático-sequencial de um Encontro

Encontro 2: Sobre o ponto de interrogação e o feminismo

Momento 1 Ariane apresenta um diagrama com o resumo do primeiro encontro e


Resumo do pede para que os participantes sinalizem se foi aquilo mesmo. Tânia,
Encontro 1 que não estava no primeiro encontro, fala diversas vezes “é mesmo/
é isso”. Os demais manifestam concordância com o movimentar da
cabeça ou quando são citados. Ariane explica que o ponto de
interrogação no diagrama é para lembrarem da pergunta que gerou
silêncio: Como a desigualdade de gênero ou o machismo prejudica
os homens?

Momento 2 Tânia diz que os homens não gostam muito de falar o que pensam e
Diferenças faz uma comparação dos homens do sul do Brasil com os homens do
regionais nordeste. Anderson complementa dizendo que aqui os homens são
mais abertos. Diogo diz em tom de brincadeira que, no norte, só tem
cabra macho. Anderson aponta que é uma questão cultural. Tânia
conta que seu pai não deixava sua mãe trabalhar fora de casa e que
quis ter uma vida diferente, sem dependência de um homem. Aqui
no sul, ela não vê tão forte essa desigualdade a ponto de “ser feio”
um homem lavar uma louça. Anderson salienta que “para aquelas
bandas de lá”, se um homem lavar louça será visto como “baitola”.
Tânia diz que preferiu não voltar para o nordeste pelo emprego e para
criar os filhos com a mente mais aberta.

Momento 3 Fernando entende que também há preconceito por parte das


Tarefas mulheres, quando dizem que homem não sabe fazer duas coisas ao
domésticas I: mesmo tempo. Tânia ratifica, em tom de brincadeira, que “não sabe
engessamento na mesmo”. Fernando também aponta que é o pai quem tem a mala de
divisão ferramentas e não a mãe que troca a resistência do chuveiro, por
exemplo.

Momento 4 Anderson traz que depende do ambiente familiar e do meio social.


Repressão Que, às vezes, não é como a pessoa pensa, mas ela acaba seguindo a
linha. Anderson exemplifica com um rapaz que é chamado de
“bichona” porque lavou uma louça: ele não vai mais lavar. Tânia
concorda, mas diz que tem homens, atualmente, que estão de
parabéns, pois se posicionam e não deixam isso acontecer.

Momento 5 Ariane relembra que já conversaram sobre o preconceito com a


demonstração de afeto entre homens. Anderson diz que o homem é
visto como “viado” e que essa situação é mais recente, pois, quando
ele era criança, se abraçava um amigo, ninguém interpretava errado.
131

Demonstração de Acrescenta que tem um amigo que ele gosta muito, que se abraçam
afeto entre e não vê problema nisso. Edson pergunta o que Anderson acha de
homens amigo que beija outro amigo no rosto. Ele responde que sempre
beijou familiares, mas que vai de cada um interpretar o que o amigo
está querendo. Tânia pergunta a Edson se ele se incomoda de um
amigo beijá-lo no rosto. Ele responde que não, que não teve essa
criação em casa e até sente falta disso no meio familiar. Tânia e
Diogo dizem que também foram criados assim. Diogo conta que toda
vez que encontra amigos que moram longe “é sempre no beijo”.
Anderson conta de um rapaz em seu trabalho que, logo que se
conheceram (há anos), disse que gostava muito de Anderson, mas
que ele falou isso muito perto e de forma suave, tocando em seu
ombro, o que o incomodou bastante e fez com que ele se afastasse
desse colega. Vários estudantes riem e Ariane comenta que não
percebe as mulheres heteroafetivas ficando muito incomodadas com
a tentativa de aproximação de mulheres lésbicas e pergunta como
eles percebem isso no caso dos homens. Diogo diz que depende da
situação, especialmente se você já sabe de antemão se o homem é
gay, e retoma o caso trazido por Anderson, defendendo a reação dele.
Tânia questiona se a intenção do colega de trabalho de Anderson era
mesmo outra ou se era só amizade. Anderson responde que não sabe,
mas que, depois disso, o colega já se casou com uma mulher e se
separou, e todos no trabalho o chacotam achando que ele é gay.
Ariane sugere que, talvez, pela reação de Anderson e de outros
colegas, ele já não se sentiu mais à vontade para demonstrar afeto
pelos colegas. Alguém diz “se reprimiu”. Ariane fala sobre ser uma
questão social que, mesmo que não tenhamos preconceito, quando
uma situação assim acontece não sabemos como lidar. Tânia entende
que, por isso, homens não têm costume de dizer a outro homem que
ele está bonito. Anderson discorda e vários estudantes passam a falar
ao mesmo tempo, rindo, sobre como elogiam a beleza dos amigos.
Pedro complementa que depende da criação dos pais, se foram
carinhosos ou não. Conta que seu pai (ex-militar) nunca foi carinhoso
e até hoje Pedro não sabe abraçar nem a esposa direito. Tânia dispara,
em tom de brincadeira, que ele vive a abraçando. O pessoal ri e faz
brincadeiras, Pedro fica sem graça. Ariane comenta que aprendemos
uma maneira com nossa família, mas podemos aprender outros jeitos
em outros espaços e/ou com outras pessoas.

Momento 6 Ariane retoma sobre a dificuldade de se posicionar contra num grupo


Estratégias de de homens e sugere que, às vezes, o fato de não apoiar já é uma forma
enfrentamento de se posicionar, como quando contam uma piada que não gostamos
e não damos risada. Ariane pergunta como reagem em uma situação
dessas. Pedro responde que, se são todos conhecidos, é mais fácil se
132

posicionar. Mas, quando não, é complicado, dando um exemplo do


que aconteceu com Diogo. Diogo conta de “uma brincadeira sem
maldade” que ele fez num grupo, que foi interpretada como racista e
gerou confusão. Anderson conta, indignado, que foi colocado em um
grupo no whatsapp com compartilhamento de vídeos pornôs. Ele saiu
e pediu para quem o colocou não colocar mais. Pedro apoia dizendo
que, se você fica calado, a pessoa vai achar que você gostou. Renato
concorda que foi o certo a fazer porque Anderson foi imposto no
grupo, mas que, no futebol, você está lá porque quer, pelo esporte, e
de repente puxam um papo preconceituoso. Conta que vivencia isso
e, quando acontece, fica quieto ou vai para o banheiro/beber água,
porque em grupo de futebol pode ter briga física se falar algo contra.
Ariane indica que são estratégias diferentes, a serem usadas
conforme a avaliação de cada situação.

Momento 7 Ariane pergunta se hoje, que o grupo está maior, conseguem pensar
Como o em mais situações em que o machismo pode prejudicar os homens.
machismo Fernando diz que o próprio termo já indica que favorece os homens.
prejudica os Tânia responde que os homens sofrem porque, com a maioria das
homens I mulheres, quando ela percebe que o homem é machista já perde o
interesse em um relacionamento.

Momento 8 Tânia entende que antigamente era mais desigual e conta de uma
Como o cliente senhora que deixou de levar o eletrodoméstico que queria na
machismo loja porque o esposo não deixou. Tânia disse que conversaria com
prejudica as ele, mas ela falou que não adiantava e reclamou de tudo que deixou
mulheres para seguir o esposo. Tânia disse que sentiu o medo dela. Edson
apoiou a indignação de Tânia dizendo que era uma situação
agressiva. Tânia complementou que era absurda e corriqueira,
contando mais um caso; finalizou dizendo que, por isso, não permite
que ninguém a diminua. Fernando conta do machismo de seu avô: o
tratamento com sua avó e coisas que ele fala para Fernando (“tem
que pegar mulher mesmo, faz isso com tal mulher, tem que beber”).
Tânia e Edson reprovam essa atitude e Anderson diz que é por isso
que as mulheres lutam tanto por igualdade. Tânia pensa que tem mais
a ver com respeito do que com igualdade. Anderson acha que não
tem a ver com respeito, que hoje a mulher quer mostrar que está
maior que o homem no cargo de uma empresa. Tânia discorda
dizendo que é porque a mulher tem capacidade.

Momento 9 Anderson diz que está assim porque as mulheres sofreram uma
Como o grande repressão com o machismo. Conta como o avô e o pai
machismo perderam terra e empresa por não escutarem suas esposas. Anderson
entende que os homens crescem mais quando reconhecem que as
133

prejudica os mulheres têm uma visão diferente e que eles aprendem isso com o
homens II tempo. Fernando emenda que aprendeu muito com a namorada,
porque ela não faz tudo por ele mas ensina a fazer (café, lavar roupa,
feijão). Diogo diz que as mulheres sofrem pelo preconceito de outras
pessoas, já os homens sofrem por suas próprias atitudes. Anderson
conta sobre quando trabalhava em um espaço em que a gerente era
uma mulher. Diz ele que, se tivesse sido machista, não teria aceitado
aprender com ela e teria se dado mal no emprego.

Momento 10 Tânia diz que, normalmente, os homens não respeitam uma mulher
Mulher na na liderança da mesma forma que respeitam um homem. Diogo conta
liderança que acontece o contrário na sua empresa. Anderson sinaliza que a
gerente de Diogo conquistou o respeito de todos.

Momento 11 Anderson retoma a questão de como o machismo atrapalha a vida


Como o dos homens contando que foi atendido por um vendedor gay, que era
machismo muito respeitoso e o atendeu muito bem. Anderson entende que, se
prejudica os ele fosse machista, ao perceber que o vendedor era gay, este talvez
homens III já perderia a venda. Tânia fala sobre respeito, que ninguém tem nada
a ver se a pessoa é gay e, indignada, conta que no Ceará um homem
gay foi espancado e morto. Fernando diz que tem um amigo gay e
que, por ele ser gente boa, trata-o como qualquer outra pessoa.
Silvana protesta que ele não é diferente. Fernando continua dizendo
que antes tinha muito preconceito, que já fez fiasco por conta de
ciúmes da namorada. Ele achava que ela podia “se engraçar” com os
amigos da escola.

Momento 12 Edson pergunta à Ariane o que seria o feminismo. Ariane fala sobre
Visão deturpada a luta pela igualdade de gênero e violências e retoma algumas falas
do feminismo I deles sobre o machismo. Tânia diz que tem mulheres que exageram,
que andam nuas e são “suvaquentas”. Ariane começa a explicar, mas
Henrique interrompe dizendo que na UFSC muitas mulheres lutam
contra o machismo dos homens, mas fazem um “machismo
feminino”, oprimindo que o homem possa ter qualquer tipo de poder
porque o poder é das mulheres. Fernando emenda contando uma
situação em que quis pagar o ingresso da menina com quem estava
saindo e ela “endoidou” dizendo que não dependia de homem.
Henrique dispara “é a super fêmea?” e algumas pessoas riem. Renato
diz que é uma causa que está sendo deturpada por meia dúzia de
pessoas.

Momento 13 Diogo pergunta, indignado, por que a mulher paga mais barato pra
Como o entrar numa balada. Tânia responde que é a mulher quem chama os
machismo clientes, sendo uma desvalorização da mulher. Renato concorda que
134

prejudica as é uma ideia machista. Henrique explica que o machismo está no


mulheres II comércio, na indústria, está em tudo desde que nascemos.

Momento 14 Tânia acha que é desde a época que se passa na bíblia. Anderson
Religiosidade protesta que as pessoas deturpam o que está escrito e diz que
aprendeu com a bíblia que o homem deve prover e amar sua família,
mas hoje ele apenas ama a si próprio (Diogo concorda) e não respeita
esposa e filhos, pois entende que prover é ser ditador da casa. Com
isso, as mulheres começaram a preferir ficar com outra mulher e as
famílias passaram a se desintegrar. Anderson compreende que,
quando a bíblia diz que a mulher é submissa, significa que está na
mesma missão, é adjuntora, e não que ela seja lixo ou empregada.

Momento 15 Ariane retoma a questão sobre o feminismo, explicando que


Visão deturpada inicialmente as causas eram mais homogêneas, mas que hoje existem
do feminismo II diversas vertentes feministas; no entanto, costumamos colocar tudo
dentro de uma caixa só. Renato diz que há extremos. Ariane concorda
e pergunta qual a caixa mais comum em que colocam as feministas,
já respondendo: a “suvaquenta”, a lésbica. Tânia continua: a que
mostra os peitos. Anderson conta de uma reportagem em que as
feministas estavam lutando para não precisar usar absorvente, que
ele achou “idiota”, sem sentido. Diogo concorda dizendo que, se não
quer usar, apenas não use. Tânia diz que não é uma causa que a
representa. Anderson pensa que as mulheres deturpam a ideia
principal sobre os direitos iguais.

Momento 16 Gabriel pergunta à Ariane se seria certo dizer que todos ali são
Homens podem feministas se todos concordam que não deve haver desigualdade de
ser feministas? gênero. Ariane explica que há ideias diferentes sobre isso no
movimento feminista. Renato discorda da ideia de que o homem não
possa se dizer feminista e acha mais fácil dizer que todos são
feministas mas com pontos de vistas diferentes, e que dizer que só
mulheres são feministas é um pensamento preconceituoso e
excludente. Tânia concorda e compara com a mãe que diz que uma
mulher que não é mãe jamais vai saber o que ela passa. Ariane diz
que é feminista e que não vê problemas em homem se dizer
feminista, desde que não diga que não deve haver desigualdade, mas,
quando se trata da namorada dele, já muda a conversa. Diogo entende
que pode ser que o homem aceite a ideia do feminismo mas não
apoie. Gabriel explica que fez a pergunta porque sua namorada é
feminista e diz que ele também é, o que ele concorda. Acrescenta que
o feminismo dela não é o que aparece na TV, “essas loucuras”. Tânia
se interessa perguntando o que ela defende. Gabriel responde que é a
igualdade e que pensa diferente de Diogo, dizendo que, se o homem
concorda com as ideias do feminismo, já pode se dizer feminista.
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Gabriel diz que o nome “feminismo” confunde, Tânia concorda.


Diogo explica que, para ser feminista, o homem não deve apenas
concordar com a ideia, mas também lutar por ela.

Momento 17 Tânia acha que é apenas uma pequena parcela das mulheres que
Visão deturpada adere ao movimento e que ela própria não sabe se é feminista, pois
do feminismo III: tem muita falta de informação sobre o assunto. Renato diz que há
mídia muito extremo de um lado e de outro. Diogo, Tânia e Renato pensam
que deve haver um equilíbrio. Renato entende que outro problema é
a mídia, que deturpa tudo. Como exemplo, Anderson volta a falar
sobre a matéria do absorvente, que a ele pareceu uma causa que não
é coletiva, pois para ele é uma questão de higiene pessoal. Tânia diz
que aquilo é nojento e que assim as pessoas não procuram entender
pelo que aquelas mulheres lutam. Ariane critica a mídia
sensacionalista.

Momento 18 Renato diz que tem muita mulher querendo impor pra outra mulher
Imposições que não se depile por conta de patriarcado e que ele entende que é
um direito da pessoa querer ou não se depilar. Tânia acrescenta que
essas mulheres (a que depila e a que não se depila) podem defender
os mesmos ideais. Anderson ratifica falando que se trata do livre
arbítrio. Ariane diz que o mesmo pensamento deve servir para os
homens, mas que, se quiserem se depilar, já são vistos como gays
(Tânia diz “viados” concomitantemente).

Momento 19 Ariane aponta como muitas pessoas são contra o feminismo sem nem
Visão deturpada saber do que se trata, às vezes por generalizar a partir de estereótipos.
do feminismo IV: Anderson concorda e acha que, se a mídia explicasse melhor em vez
mídia de “só colocar essas figurinhas aí”, muita gente iria aderir ao
movimento. Renato diz que, quando é explicado, é em programas
mais noturnos, como o Profissão Repórter. Tânia compara com o que
passa na mídia sobre o nordeste, que não é tão miserável quanto
divulgam. Diogo brinca que devem dizer lá que no sul só tem viado.
Tânia reflete que a mídia tem um poder muito grande, pois, depois
que as pessoas acreditam, acabou.

Momento 20 Edson comenta que a Marielle Franco era feminista. Renato confirma
Lembrança de e diz que o assassinato dela foi por outro esquema, pois ela lutava
Marielle por muitas outras coisas também, mas que é um assunto complexo
de se falar. Anderson brinca que só se tem conversado sobre assuntos
complexos.

Momento 21 Pedro conta sobre um vídeo que acha interessante. Assim que
encontra em seu celular, coloca para todos ouvirem. Trata-se de um
diálogo, em tempos medievais, entre dois vizinhos. Um está batendo
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Tarefas o tapete fora de casa e o outro diz que um homem não deveria fazer
domésticas II: tarefas tão inferiores, que na casa dele quem faz aquilo é sua esposa.
divisão O segundo responde que, se ele quiser continuar casado, deve cuidar
e ajudar sua esposa, pois nisso reside a felicidade. Pedro reflete que
o vídeo trata do respeito no casamento e a divisão das tarefas, não
devendo o homem ser superior. Diogo diz que casamento é pra
somar. Tânia compara com a criação dos filhos, que os dois devem
ajudar e diz, em tom de brincadeira, que vai falar ao seu esposo que
ele é obrigado a bater tapete. Os colegas protestam e ela diz que vai
só dar um toque.

Momento 22 Ariane destaca do encontro: Fernando iniciou entendendo que o


A fala de uma machismo não prejudica os homens e, a partir da conversa, passou a
mulher pensar um pouco diferente; está forte a ideia de que, havendo de fato
uma igualdade, os dois (homem e mulher) ganham com isso.
Anderson concorda e Pedro se enrola para dizer que, quando Ariane
perguntou sobre gênero, pensou-se logo na mulher como sexo frágil.
Tânia interrompe com “quem é frágil aqui?”. Pedro diz que não é e
tenta explicar, mas Tânia interrompe novamente e fala sobre as dores
do parto e o auge que é, no dia seguinte, já estar cuidando da criança.
Diogo, em tom de desqualificação, diz para ela fazer mais um filho
então. Tânia continua, diz que o homem nunca vai saber como é a
dor e que o amor pelos filhos é o que faz ter força para segurar as
pontas de muita coisa, inclusive de estudos e relacionamento.
Acrescenta que a igualdade entre o casal significa se respeitar, cada
um entendendo o momento difícil do outro.

Momento 23 Ariane vê que já passou do horário de término e pede um retorno


Finalização rápido sobre como estão os encontros. Anderson diz que estão
conversando sobre um monte de coisas importantes. Renato fala que
está gostando. Tânia brinca que gosta de falar pouco e comenta que
nunca ouviu a voz de um dos colegas. Os demais disseram que estava
tudo bem e assim todos se despediram.
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Anexo – Parecer de Aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da


UFSC
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