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ÁSCIOS
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BERRO – LABORATÓRIO DE ARTES CÊNICAS
DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ
ÁSCIOS
ATORES PERSONAGENS
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(Cena de rua. Coreografia: “Vai pela sombra”: pessoas se protegem do sol; procuram por
sombra. Música: um artista de rua, cego e idoso, toca uma rabeca, que mima a coreografia.
Projeções: cotidiano dos sem sombra do sertão-mundo. Esgalamido e Menina estão entre os
áscios que perambulam, ouve-se a sineta do carro deles, igual a de carrinho de sorvete. O
carrinho também é semelhante aos de coletar lixo e tem placa como as de automóvel.
Esgalamido passa vestido em poucos trapos, logo atrás a Menina, com um chicote na mão.
Quando passam novamente Esgalamido puxa o carrinho como cavalo a uma carroça, a
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Estas palavras estão inscritas na base da Estátua da Liberdade, nos Estados Unidos da América.
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CENA I – Nas ruas
MENINA – (ao público) Onde vive Fulano da Sylva, as sombras da maioria das pessoas
foram tiradas; o comércio das sombras tornou-se lucrativo para as organizações não
governamentais internacionais.
ESGALAMIDO – (ao público) Todos aqueles que são sem sombra são lançados ao sol,
FULANO – Estou na Cidade Verde? Tanta placa, tanto sinal, e não sei que rumo tomar!
RELIGIOSO – Ainda que eu andasse pelo vale da sombra da morte, não temeria mal algum;
MENINA – Calcinhas! Leve duas pague uma. De renda! De seda! De sede! De hortelã,
morango e chocolate! Na rede! Na cama! No céu! Da boca faz bem! R$ 1,99; R$ 1,99. Leva?
ESGALAMIDO - (repara as moças que vendem café2) Ah este cheiro! Meu faro não me
FULANO – (aturdido, vê entre as moças do café a Sra. Fulana) Não, não tomo café! Pelo
amor de Deus!
apresentem a Licença de Livre Circulação, todos os classificados como suspeitos, ainda que
tolerados, os que moram fora do Grande Círculo da Green Zone3, todos os áscios que
2
Em Teresina (Piauí), além de outras técnicas, o meretrício usa, nas ruas, a venda de café como um chamariz de clientes.
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A Green Zone é a área de proteção criada pelos EUA quando da invasão no Iraque em 2003. Este tipo de espaço tem se
tornado comum nas grandes metrópoles: condomínios fechados, áreas privativas etc.
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a L.L.C. Não usufruir deste direito é cometer infração grave contra a paz e a economia; crime
RELIGIOSO – Mil cairão a tua direita, 10 mil a tua esquerda, mas tua casa não se abalará.
RELIGIOSO - Adquira aqui tua proteção! Não façais negócio com qualquer santo! Fazei um
ESGALAMIDO – (com as garotas do café) Sem sombra de dúvida, é bem aqui o paraíso!
MENINA: Diga meu bem! // Café? // Quem é que não vem, quem é?
ESGALAMIDO: E aí professor?!
Amigo-12345/x, arma uma rede, os punhos da rede pendem do seu pescoço e do boneco;
usam coleiras no pescoço, de cada uma pende uma corrente que é fixa na cintura, não usam
camisas apenas os punhos delas; pose de bailarinos. Sra. Sicrana chega, deita na rede).
AMIGO-12345/1 – Esta área é reservada! Pertence ao Círculo dos Privilegiados. Ei, ei, ei,
FULANO – Xô! Vocês não ouviram bando de diabos... Xô! Xô! Xô bando de urubus! (muda
intenção) Não estou com eles. Não sei como conseguem passar da Linha de Segurança dos
ÁSCIO X – Te alui professor! Tu é um lançado ao sol que nem nós, xô! Xô!
Sra. SICRANA – Não me empate! Tira estas coisas fedidas daqui. Ficam enfeiando as ruas.
ESGALAMIDO – O mercado tá mal humorado? Tua sorte tá ficando com outro? Ela desfaz
MENINA – Resolvo todo problema de negócio, doença e tudo que não tem solução!
FULANO – (à frente) Minha cabeça está para espocar; é aqui a Business Sonhos do Brasil?
ÁSCIO VI – (toma a frente) Hierarquia professor! (manso) Sou do Movimento dos Sem
Sra. SICRANA - (brinca com os lábios do Sr. Beltrano) “A Business”. Quero banhar! Vamos?
FULANO – Não posso ir. Eu tenho amigos aí! Estou sendo aguardado.
MENINA - Estes bando de diabos já devem estar com os miolos queimados! (Áscios saem
(imaginação de Fulano)
MÃE – Vem cá filho, como mamãe ensinou (Fulano se ajoelha). Isto, junte as mãos, feche os
olhos, repita (pega a mão do filho e traça o sinal da cruz no rosto dele): com Deus me deito,
com Deus me levanto, com as graças de Deus e Divino Espírito Santo. Assim meu filho ficará
protegido e será um homem forte pra ser um servo de Deus. (a Mãe traça com giz um círculo
no chão, ao redor de Fulano e Amigo-12345/x, beija o filho e sai, ele fica de olhos fechados).
(Tribunal. Juiz, de toga sobre a roupa de bufão, bate o martelo sobre um bumbo. Dentro da
FULANO – Mãe?!
PSICÓLOGA – Não senhor Fulano da Sylva. Estamos num tribunal, sou a psicóloga
designada para este caso, preciso fazer meu trabalho, vamos parar com essas brincadeiras!
FULANO – Eu me sinto melhor no escuro. Ninguém me vê... Não preciso me justificar. Não
preciso justificar nada pra ninguém. Não preciso pedir desculpas... No escuro eu não preciso.
PSICÓLOGA – Medo?! Por quê não tocou no Amigo? Não tem marcas nele. Não sente
raiva? Esta jaula não te deixa estressado? Não sente falta de carinhos, necessidades
ESGALAMIDO - Palavras deste naipe não são aceitas aqui. Seja mais polido professor.
FULANO – Chegamos a passar no teste do Conselho de Genética, mas confesso que fiquei
feliz quando o governo estabeleceu uma taxa por filho, e quando estabeleceu uma renda
mínima para se ter o primeiro filho também. Filhos que nascessem fora dos padrões
estabelecidos pelo Conselho, de pais que não podiam pagar a taxa ou que não tinham a tal
FULANO – Sim. Só recentemente é que o Banco Mundial obteve o controle das sementes de
todas as espécies: pessoas, animais e plantas. Ninguém mais tem mãe nem pai. A
fertilização é em laboratório, ninguém mais pare. Não nasce mais feijão de pé de feijão,
simplesmente porque o feijão que se compra é pra comer, se quiser plantar ele não germina,
e não é por falta de água ou de adubo; se quiser plantar feijão precisa ir aos Bancos, precisa
ter Licença.
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PSICÓLOGA – Ainda bem que temos um governo humanista; somente quando o número era
excedente é que os execrados eram lançados ao sol. Nasci num período em que o governo
precisava da confiança pública. (gloriosa) O senhor está diante de uma das 777 crianças
escolhidas para ser emergente... (deprime-se) Meus irmãos não foram escolhidos...
PSICÓLOGA - Vamos falar sobre você, da relação com tua esposa! Tinha prazer quando
FULANO - Adorava quando, para me agradar, ela falava comigo com voz de menina, olhava
pra mim de baixo para cima, sabe? Me aliviava quando dizia que estava cansada... Ser
PSICÓLOGA – E tua mulher sabia deste teu (insinua à platéia que ele não gosta de
mulheres) desvio?
FULANO – Quando ela estava cansada não precisava cumprir com as obrigações de mulher.
(tempo) Ser homem por muito tempo cansa. (tempo) Vocês nunca se cansam?
FULANO - Ela me atraia... por causa do nada que era ela. Sim, ela toda era nada. Não sei.
PSICÓLOGA - Tua ficha diz que viveram juntos 15 anos; é quase uma vida...
FULANO - Eu sei. (abre os olhos) Tua camisa é muito bonita. Flores azuis são raras.
PSICÓLOGA – Sei. Então continuemos com nosso teatro; um pouco mais de melodrama:
FULANO – (também melodramático) Quando ela andava comigo colocava o braço sobre
meus ombros e eu sentia que pesava... Como se eu carregasse uma cruz... O mundo! Ela
dizia que um casal tinha de andar daquele jeito, de mãos dadas; jamais tirar o anel; se
FULANO – Onde vai? Vender o diagnóstico dos teus irmãos execrados?! (rictus) Ahrr! (tenta
agarrar, mas sem forças, limita-se à jaula traçada com giz, vai até em frente ao Amigo-
CENA IV – Um casal
FULANA – Ainda sonhando com mulheres que vendem café?! Consegue sonhar... eu nem
durmo! (senta na beira da cama) Mas aquela quenga ruim vai me pagar!
FULANO – Este ventilador me tortura. (desliga o ventilador) Por que demora tanto a
FULANO – Na verdade não sei se era sonho ou se eu pensava... parecia tão real...
FULANA - Ainda sonha! Devia pensar num serviço! Mas pensar pra você deve ser
(sarcástica) cansativo...
FULANO – Eu te dei esta sombra! (pega a cadeira e a põe em frente à janela, senta e
FULANA – (ainda na beira da cama) Tem a capacidade de chamar isto de sombra... De dia
não tem quem agüente e de noite o calor me tira o ar. Que agonia! Esta casa não tem forro!
Eu, morando numa casa sem forro! Estes ratos andam nas nossas cabeças; parece que
todas as baratas do mundo no final da vida vêm pra cá, não tem quem vença varrer tantas
baratas; tem umas que ficam viradas pra cima e aí ficam dias, ainda vivas; elas se mexem. É
estranho como elas se parecem com algumas pessoas... (tempo). Estas aranhas tecem
tanto, aos poucos vão tomando conta da casa até nos prenderem; são elas que atraem
tantas bribas, bichos horríveis, brancos e ficam olhando pra gente; não suporto mais as
picadas dessas muriçocas, estão me deixando toda marcada; estou ficando estressada
porque tenho de ficar mexendo as pernas sem parar! Todas as pragas vêm pra cá!
FULANA – O quê?!
Hoje é o dia de circulação de todos com nomes que começam com a letra A.
MENINA – (como locutora) Portanto, minha amiga e meu amigo, esta é a hora de você sair
de casa, levante antes do sol, garanta já o seu lugar na fila, enquanto tem vagas!
ESGALAMIDO – Para você que aluga sua sombra, você que ainda vive na Zona Tórrida...
MENINA – Para você de sombra mirrada, você que ainda sobrevive nos Assentamentos
Paupérrimos...
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ESGALAMIDO - O Plano Globalizado de Inclusão emitirá a Licença de Livre Circulação para
quem comprovar que algum parente seu, até terceiro grau, nasceu em alguma das atuais
zonas protegidas...
MENINA – Anote os documentos que você deve apresentar: árvore genealógica, mapa
ESGALAMIDO - Se você não dispõe destes documentos não se apoquente, não é Menina?
MENINA - É isto mesmo Esgalamido, caro ouvidente você não esquente a moringa...
quem comprovar que paga dízimo superior a 1.000 créditos ao Padim desta Capitania...
FULANO – (desliga o rádio) Devia estar agradecida eu ter conseguido pelo menos isto.
condicionado na casa toda; que quarto lindo! A casa tem cheiro de clínica de tão limpa!
Agora isto aqui, toda esta poeira, não tenho mais paciência pra ficar tirando pó a toda hora.
FULANO – Quando foi à casa da sua prima?! Como conhece o quarto deles?...
FULANO – Cada tijolo foi suado, a casa comeu toda a bolsa-auxílio do serviço voluntário.
FULANA – (liga o ventilador; vai até Fulano, faz gesto para que se levante, pega a cadeira)
O marido dela (abraça a cadeira ao peito) foi indicado diretamente pelo Padim para ser o
gerente geral nacional da Business Sonhos do Brasil. Fui conversar com ele. Pelo menos eu
tenho família, fui muito bem tratada (põe a cadeira diante do espelho, senta.). Até me
FULANO - Sabe muito bem que as casas com sombra custam muito mais caro...
FULANO - Poderia ter alugado, sairia mais barato... mas respeito a tradição... A vida é
assim! Homem pra casar precisa ter uma casa e eu sou é homem! (volta à cama).
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FULANA – (passa creme no rosto) Fiz este sacrifício por ti. Precisava ver a cara daquela
secretariazinha quando eu disse que era uma Sylva com Y, prima da mulher do Dr. Sicrano...
Acredita que ela teve a coragem de dizer que era a minha prima?! Imagina que minha prima
iria trabalhar como uma secretariazinha! (passa creme no rosto, obsessiva) Tu deveria ter ido
para ver quem eu sou. (tempo) Tu vai trabalhar! Ah vai! Nem que seja de lamber o chão... E
no natal, quero aquela blusa que me prometeu desde o nosso primeiro natal juntos! A blusa
da Eva era linda! Azul turquesa. Claro, o marido dela é um homem de verdade! Se bem que
minha saia estava bem mais na moda que a daquela palhaça dos brincos enormes. Devia
era colocar uma melancia no pescoço. Este mês pode se preparar para pedir dinheiro para
pagar a luz, eu não vou pagar! (tempo) Ai meu deus! Me ajude. Sempre fui uma mulher
quieta... estou com este homem, mas até que ele é tão bonzinho, talvez ele nem mereça
estar debaixo das tuas sandálias, precisa apenas que o senhor olhe para ele... (muda o tom,
para o marido) Me prometeu de tudo! Não é! Ah, mas tu vai trabalhar! Vai me pagar tudinho!
serei o próximo!
o próximo serei!
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serei o próximo!
FULANA – Ele está comigo. Não sai da minha sombra este homem (patética).
FULANA - Querida, sou a Sra Fulana de Tall e Sylva, se escreve Tall com dois eles e Syl
com (diz as letras em inglês) S.Y.L, mas se lê-se Syl como em português mesmo, sabe?
Sra. SICRANA - Aguarde por favor (Esgalamido traz na bandeja um telefone), Doutor a Sra.
Sra. SICRANA – A Sra. Fulana de Tall e Sylva com y está aqui. (tempo) anrã... entendi...
Sra. SICRANA – Dr. desculpe, ela diz que é prima da Sra. Sicrana. (tempo) Como? (tempo)
Não conheço! (tempo) Tudo bem Doutor, desculpe... (à mulher) Desculpe, ele diz que
FULANA - Senha?
Sra. SICRANA - Sim... tem 17 pessoas aguardando, se der tempo ainda hoje ele vai atender.
FULANA – Ora... (patética) O senhor é uma pessoa interessante... Isto não se faz... Como
está a prima? Vou dizer para ela que tu nem se alembra mais da família... Também, trabalha
muito! Precisa é de alguém que cuide de você. Digo, ela precisa passear mais com você...
Sr. SICRANO – Diga isto para ela, esta é a Sra. Sicrana, minha esposa.
FULANA– Ai desculpa! Que lindo! Trabalham juntos! Ai, eita mancada a minha! Como
Sra. SICRANA – Tudo bem, nem eu te reconheci. (ao Sr. Sicrano) O Sr. Beltrano ligou.
Sr. SICRANO – Claro. Temos um almoço, não posso demorar, já estou atrasado!
Sr. SICRANO - Venha, no caminho conversamos. Sicrana, cadê o meu gravador de voz?
FULANO – Eu...
FULANA – Não queridinho, pode voltar para casa. Está muito quente, vai lhe dar aquelas
dores de cabeça. Chegando em casa tome um banhinho bem gostoso, tá bom? (comenta)
Tadinho, é meu marido, fazer o que né? Ele é tão bonzinho. (sai com o Sr. Sicrano).
MENINA – (cumplicidade com o público) Sr. Fulano apresente o seu Cartão de Acesso.
MENINA – Já virão atender! (ao cliente que entra) O senhor é da casa, será um prazer servir.
Sr. BELTRANO – O que eu gosto sirva sempre, o mesmo sorriso, natural e espontâneo,
Sr. BELTRANO – (fixo em Beltrana embora fale com a Menina) Feito! Continue assim e logo
logo vai estar no mural: “Lindinha, funcionária do mês”. Uma semana inteira as pessoas vão
Sr. BELTRANO – Em 2022 nossa capitania será livre, vai desfilar no Bloco das Emergentes.
Sr. SICRANO – O Grande Gestor disse para os Secretários utilizarem o (enfático) "potencial
financeiro que é o coração do ser humano" para resolver os problemas sociais em vez de
Sr. SICRANO – Agora todo mundo tem projeto para tudo. (Beltrana sai). Preciso de mais
sombras, a baixo custo! Não tenho créditos pra investir em Amigos, o alvará é caro demais.
(garçons servem a Sra. Fulana nua como prato principal, sobre seu corpo diversas iguarias).
Sr. BELTRANO – Existem modelos populares. É sombra que tu quer? Tenho umas
Sr. SICRANO – Oba! Vamos começar pela sobremesa? O negócio dos pontos de ônibus
funciona. A construtora da Cidade Verde faz pontos mui calientes. O governo pede pra minha
empresa construir pontos mais (intenção) “confortáveis”; enquanto o transporte não vem, o
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(gesto) populacho admira propagandas dos nossos clientes. Mantenho meu parceiro
saciando sua carência aos poucos, deixando margens para melhorias futuras.
Sr. BELTRANO – Ora, eu não ia te passar um mau negócio! Afinal somos amigos. Mas
algum dia teu parceiro pode querer experiências diferentes. O mundo é muito atraente.
árvores dos locais públicos, hoje em dia, sombra de gente quase não tem.
Sr. BELTRANO – Sábia natureza! Porque eu trago o negócio pra você. O Grande Gestor
Sr. SICRANO – E a limpeza? Quem vai tirar os ambulantes, os mendigos das sombras?
Sr. BELTRANO – Não me conhece!? Está tudo sob controle. Tem gente que vende luz, que
vende cruz. Ué! Precisa de sombra? Eu coleciono e vendo. São virtuais e os valores reais.
Sr. SICRANO – Vamos receber visitas da matriz; nosso último relatório não foi muito
satisfatório; estamos perdendo para as filiais da África e da América Central, e você sabe,
ser explorado por nosso padrinho comercial é um privilégio. A concorrência está grande. Já
Sr. BELTRANO - Meus amigos no Conselho dos Secretários aprovaram o projeto do nosso
Doutor. Quanto aos sem sombra, antes que se tornem perigosos, o governo tem projetos de
reciclagem e recrutamento. A ONG vencedora da licitação receberá meia bolsa para cada
execrado que for aproveitado. Para os que não se enquadrarem, apela-se para a Santa
Sr. SICRANO – Podemos lucrar com as sombras e com aqueles que não têm sombra?
Sr. BELTRANO – É assim, nosso Doutor provou que casas com sombra em frente, à tarde,
são boas para a saúde. Lotes de mesma área e numa mesma quadra tem valores diferentes,
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justifica impostos diferenciados. Tiramos as sombras, ou compramos dá no mesmo, e somos
parceiros do governo para ajudar quem não tem sombra. Ganhamos nos dois casos.
Sr. SICRANO – (improvisa um jingle) “na Business sucesso terei // meus sonhos realizarei //
Sr. SICRANO – Espero não precisar pagar os jornais pra cuidar daquela gente do
Sr. BELTRANO – Nosso slogam é: “Vá pela sombra”. Quer saber? Queria controlar o sol; e
aí ter o controle total sobre as sombras. Se eu controlo a luz não vou controlar as sombras?
Sr. BELTRANO – Tem gente que se alimenta do pecado, eu me alimento das sombras.
(brinca com o corpo de Fulana) Imagina Sicrano, eu sou luz e tu também, se a gente cruzar
com este corpo, produzimos sombras. Mais luz, mais sombra. Entendeu?
Sr. SICRANO – Sem este corpo, não tem luz nem sombra. O sol é azul.
Sr. BELTRANO – Pode deixar comigo, o lugar do Fulano na fila está garantido.
Sr. BELTRANO – Fechado! Faça o depósito naquelas três contas. Nada em meu nome
Sicrano (chama a Menina). Lindinha, (referindo-se à bandeja) embrulhe o resto pra viagem
que o Sicrano vai levar! (risos, saem; áscios avançam vorazes sobre a mesa).
Sr. FULANO – (enquanto a cena bacante se desenvolve ao lado) Ei! Ninguém vai me servir?
MENINA – Não ligue para aquilo (em relação ao banquete), é tudo sonho. Para o senhor
Pedaços de // Retalhos de
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Recolhidos na Ceasa
No final da feira
Casca de banana
Bunda de formiga
Ricas em potássio
Ricos em ferro
Enlatados já vencidos
(áscios saem carregando a Sra. Fulana da Sylva) Piaba Frita! Piaba Frita! Piaba Frita!
MENINA - Tutano é bom, mas tu não tem. Bom mesmo é gongo, gongo frito com farinha.
(imaginação de Fulano)
PAI – Vai servir a Pátria filhão?! Muito bem, vai aprender o que é disciplina. Aprender a ser
um homem de verdade!
PAI – (interrompe e indica sinal de silêncio) Lá você vai aprender a ouvir os seus superiores.
(o pai traça com giz o círculo em torno de Fulano e do Amigo-12345/x, faz sinal de
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CENA VII - A reconstituição
(Tribunal. Fulano da Sylva na jaula traçada por seu pai. Esgalamido e Menina cumprimentam
ESGALAMIDO – (ao Juiz) Meretrícimo, vamos reconstituir os fatos. (ao público) Senhoras e
senhores, jurados, furados e murados, tenho a honra de apresentar a Trupe Que Se Lembra!
(os integrantes da Trupe entram, como bufões, aspectos de figuras cujos movimentos
FULANO – Avisa ao Grande Gestor, vão fazer uma manifestação na hora da reunião.
Excelentíssimo, o Magnificente, o nosso Grande Gestor Professor Doutor pós pós neo neo.
aqueles que estão na primeira fileira, aqueles que usam azul, senhoras bem-vindas,
senhores bem-vindos e... (fotos) e... (fotos) autoridades aqui presentes... (fotos) estaremos
dando um voto de confiança ao amor que o homem tem no coração, aproveitando o seu
potencial financeiro, ando, endo, indo, ondo, undo, é assim que vamos resolvendo os
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problemas sociais, tipo, sei lá, tipo, como se diz, ou não, entendem? Vamos estar
substituindo todos os muros por paredes de vidro. Portas de vidro! Janelas de vidro!
Sapatinhos de cristal! Não estou querendo perder tempo discutindo se temos créditos ou
não, temos capital humano. Precisamos estar aproveitando, ando, endo, indo, ondo, undo,
esta onda de otimismo, enquanto o humor do mercado está sendo favorável, pois uma nova
era está começando hoje. Pocotó-pocotó! Somente assim nossa Capitania estará sendo
SICRANA - Ai que lindo! Sabia que eu ajudei a escrever este discurso? Não é lindo?!
BELTRANO – Sim. Vamos lá. São aqueles ali? Quer que a gente pegue o nome deles?
SICRANO – São eles. Não precisa pegar nomes, já sabemos quem são. Sicrana vá com ele.
ESGALAMIDO – Algum amigo pra fazer papel do aluno? Alguém?! Sr. Meretrícimo poderia
nos emprestar sua máscara, sabemos que o senhor já chegou a fazer bico como ator.
MENINA – (ao público) Isto vai ser moleza, talvez ele ainda lembre daquele dia, o
Meritíssimo era o aluno. (ao Juiz) Vai lá meritíssimo, usa tua memória emotiva.
Internacionais para que venhamos fazer parte do Bloco das Capitanias Emergentes. O que
ALUNO-JUIZ – (pigarreia) Ham ham. Primeiro, dizer que nossas observações são
“interessantes”, não informa nada. Segundo, (tomado pelo ímpeto de ex-aluno) as tais
“sugestões” do Conselho são impostas como leis, se a gente não concorda, sofremos
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boicote. Ham ham (retoma a compostura) Terceiro, não fomos condenados pela natureza a
fazer parte do Bloco, (ímpeto) esse é o destino que nos quer obrigar a voz do Padim que é a
Dominante no Conselho. Ham ham. Nossa proposta é que seja cumprida nossa Constituição.
ESGALAMIDO – Palmas! Palmas! Se ator ganhasse crédito como o Juiz, dava até pra trocar
SICRANA – Não sei, mas gostei de ver os lábios dele dizendo “Padim, dominante”.
FULANO – (torce para que a manifestação se realize, à surdina) Vai! Não acredito que eles
acontecer nada?! Vão achar que menti! Estes filhos da p... (espera o martelo que não vem)
FULANO – (sente-se flagrado) Não foi nada disto! (tempo) O que é que esperavam de mim?
Que eu fosse alguma espécie de herói? Concordo que os motivos de vocês eram legítimos,
mas tem maneiras de fazer as coisas. Acham que fui um traidor?! Pois achem.
ALEX - “Os motivos de vocês eram legítimos”; Sylva, nós somos da mesma classe!
FULANO - Que classe? Você sabe, o Padim diz que hoje não tem mais isto.
ALEX – Lá vem com as tuas citações! Só sabe arremedar mesmo. Tem preguiça de pensar?
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FULANO - Não fala isto! Isto eu não admito!
das Paredes de Vidro, paredes mais cruéis que os antigos muros; querem fazer acreditar que
ALEX - Os construtores das paredes de vidro têm um sindicato eficaz para defender o lugar
deles. E nós?
FULANO – Eles querem nossa participação! Isto é solidariedade! Um pacto social! Somos
ALEX - Acorda! O discurso antes transformador agora faz parte do programa dos
reciclagem!”; “Vamos jogar umas bombas, depois mandamos ajuda humanitária!”. Viver de
reciclagem! Sylva, você gosta de comer restos? É esta a nossa participação?! Sylva, o
pedem pra nós diminuirmos nossas queimadas. Prefiro coco e não coca e não vem com
papo de xenofobia que não cola. (bate o gongo, recuperam o fôlego e retornam ao debate).
FULANO - Tu não é periferia. Tu não sabe o que é passar fome! Nunca andou em pau-de-
arara. Não passa sede e nem fome! Por que fala em pobreza?
ALEX - Cadê a Revolução Social? O Conselho Gestor das Capitanias Internacionais está
queimando o direito conquistado pelo trabalhador durante séculos de lutas. Isto é aliança? É
flexibilidade?
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FULANO – O que está querendo? Luta armada?
nome da paz universal e com a bandeira da democracia, da liberdade, invadem países e dão
as novas regras da Aldeia Global. Do outro lado, homens se transformam em armas para se
FULANO – Não quero saber de história! Caro professor, eu quero viver tranqüilo, quero dar
minhas aulas, já joguei a bandeira branca, joguei a toalha. Pronto! Esse delírio é meu, acaba
ESGALAMIDO – Para vocês que são nossos ouvidentes Classic e Gold temos uma
entrevista exclusiva com o Porta-Voz do Padim: O que muda no cenário da nossa Capitania?
agora em diante fica estabelecido que somos todos parceiros; cada cidadão é uma empresa;
cada empresa tem autonomia. Autonomia para se adaptar aos paradigmas contemporâneos,
doravante será medido não pela riqueza, mas pela felicidade. Portanto, nada de cara feia,
ninguém mais emburrado, nem carrancudo ou cabisbaixo! Nosso eficiente governo vai
orientar a política econômica pela felicidade e não pelo crescimento econômico. Para manter
nossa Felicidade Interna Bruta acima da média, vamos alistar os voluntários otimistas, cuja
função será andar pelas ruas divulgando boas novas. Também serão incentivados os
programas que provoquem o riso fácil; afinal ninguém tem tempo pra ficar adivinhando
fazendo do nosso teatro oficial o melhor lugar para se ouvir uma boa piada, depois de um dia
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alecrologia. Só para concluir e parafraseando nosso Padim: qualquer discurso contrário é
(Plano da memória. Agência Vagas Ltda. Paredes de Vidro. Um quadro luminoso avisa
números de senhas e anúncios: “Saia Da Fila!”; “Adquira Sua Senha Antes!”; “Em Um Posto
JÁ MORREU – (anda com as mãos, que calçam chinelos) O senhor sabe quando vai abrir?
MENINA - (para o público) Hoje, a pessoa entra na fila e depois pergunta pra que é a fila.
ÁSCIO VI – (sarcástico) A gente só vai a algum lugar se pega fila. É mais democrático!
ÁSCIO III – O senhor sabe se era preciso trazer carteira de motorista? (Já Morreu entra no
Genética; a Licença de Livre Circulação. Se a senhora não tem, vou dar um conselho de
JÁ MORREU – (levanta, calça os chinelos e vai atrás) Ei! calma aí. Espera, sei onde tem
outra fila.
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ÁSCIO VI – Um a menos! (aparte) Menos são, melhor passamos! O meu já tá garantido.
ÁSCIO VII – É, mas tinha de trazer três fotocópias de cada documento. O senhor trouxe?
faixa! Mais para trás! É cega é!? Atrás da faixa! Muito bem, venha agora. Devagar! Isto,
BELTRANA – (ao áscio VI) Ai, brigadinha. Paguei com o cartão. Xau, lindinho!
ÁSCIO VI – É só ligar, nossa empresa 24HORAS está a sua disposição. (irritação dos
ÁSCIO VII – Só vou fazer uma pergunta. É este os documento? Tenho experiência.
AMIGO-12345/1 – Experiência? Isto não tem mais importância. Não fazemos reciclagem; já
AMIGO-12345/1 – Coloque o e-mail, quero entrar no seu blog; preencha a ficha direitinho.
BELTRANA - Treinamento virtual? Interessante! Deixa eu anotar: qual teu nick number?
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AMIGO-12345/1 - Sou o Amigo-12345/1 (orgulhoso de sua patente: /1). Possuo as mais
BELTRANA – Sabe é? Interessante, mas tua numeração é doze mil e quanto? Bom... anotei,
ÁSCIO VII - Olha, conheço o Sicrano, patrão da minha mãe... ele taí?... Ele disse pra mim
Sr. BELTRANO – Preencha a ficha, coloque naquele monte e aguarde a agência ligar.
ÁSCIO VII – O senhor liga pro orelhão e pede pra chamar a filha do Seu Beiço, que é eu.
Sr. BELTRANO – Quê?! Não posso fazer nada, coloca teu endereço para correspondência.
ÁSCIO VII – Doutor, na minha casa não tem endereço, nem que tivesse, num sei escrevê.
Sr. BELTRANO – Vive lá nos Assentamentos Paupérrimos, não é? Olha aí uma invasora!
AMIGO-12345/1 – Assim não dá minha tia, atendimento pra analfabetos e mais de 40 é das
7 as 10h!
AMIGO-12345/1 – Seu horário foi de manhã. Não podemos fazer nada, a vida é assim.
ÁSCIO VII - Nada. Disculpa. Obrigado (procura ajuda pra preencher a ficha).
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AMIGO-12345/1 - O amigo leu aquele aviso? Faltar com respeito ao funcionário é crime, de
acordo com a Lei dos Funcionários Precavidos. (serve água ao Sr. Beltrano). Próxima! Pela
faixa amarela!
ESGALAMIDO – Ê mano, nem parece que mora lá nas quebradas com a gente.
Sr. BELTRANO – Passa as pessoas desta lista pra frente e vamos fazer a seleção.
FULANO – Obrigado.
CENA IX - A seleção
(Plano da memória. Sala onde se fazem dinâmicas para seleção dos novos servidores).
aprovação do Sr. Beltrano). Vamos romper com esta forma tradicional de relacionamento?
Muito bem, vamos colocar as cadeiras num círculo. (solícito em relação à aprovação do Sr.
Beltrano) Se chegaram até aqui é porque são campeões. Até outro dia eu era apenas mais
um de vocês. E pelo apoio de pessoas como o professor aqui presente e ao meu esforço
(serve um copo d’água ao Sr. Beltrano) consegui vencer. É importante que vocês
mantenham a felicidade no coração; assim já estarão muitos passos à frente dos perdedores.
Vamos nos dar as mãos. Coloquemos nossas inteligências emocionais para funcionar.
Nosso mundo precisa de cidadãos flexíveis, portanto vamos nos exercitar. (tempo) Com
Capitania são nossas clientes. Daremos início ao processo de seleção; tão logo tenhamos
classificados.
AMIGO-12345/1 - Vamos distribuir os testes; são muito simples, leiam com atenção. Só
comecem a preencher quando dermos a largada, o start! Para segurança de todos; vocês
estão sendo filmados; os testes não são exatamente idênticos, portanto, não se esforcem em
querer pescar as respostas dos outros colegas. Não esqueçam: “Sorria. Vocês estão sendo
(ações concomitantes)
MENINA – (sobe na cadeira e canta o hino nacional, ao terminar desce e retorna aos testes).
FULANO – (segue instruções assinaladas num mapa; acha uma garrafa e grita) “Eu achei
ÁSCIO XV – (como gato, mia, lambe e grosa; beija o pé de um selecionador; volta à cadeira
e aos testes).
BELTRANA – (pega a garrafa achada por Fulano e requebra sobre ela, retoma os testes).
FULANO – (sai correndo e fura os balões pendurados; dentro de um dos balões há um papel
onde lê em voz alta) “Serei um sucesso e vou realizar meus sonhos” (retorna à cadeira).
ÁSCIO XV – (como Oficial Militar, pega um cacetete, tenta disciplinar outros como recrutas).
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MENINA - (gira como dervixe e tenta fazer os outros girarem até a vertigem).
FULANO – (tenta formar esculturas com os outros; que resistem porque têm seus testes
para executar; estapeiam-se com certa compostura, cria-se uma pantomima) Sou um artista!
Sr. BELTRANO – Chega! Parem! Eu disse parem! O primeiro teste dizia: “o mais rápido
possível faça...”, mas a frase seguinte dizia: “Antes de executar o que manda a frase anterior,
BELTRANA – “Não precisa executar nenhuma das questões anteriores, apenas escreva seu
AMIGO-12345/1 - Parece que nenhum de vocês leu a última questão. Mesmo assim,
parabéns! Aqueles que passaram no teste serão chamados por nossa agência. Vamos
novamente fazer um círculo, nos dar as mãos, agora juntem as mãos, assim. Respirem
profundamente... profundamente. Abrace a pessoa que está do seu lado. Epa! Ei! Calma! O
Sr. BELTRANO - Mas não se preocupem! Além dos testes, a agência valoriza muito os
implantes, os dotes e as dimensões das suas sombras. Todos vocês são pessoas especiais
FULANO – (ergue receoso e educadamente a mão) Licença, é... e se por acaso a pessoa
não tiver sombra? (Sr. Beltrano começa a rir, Amigo-12345/1 acompanha e em seguida
(imaginação de Fulano)
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MÃE – Parabéns meu filho! Me orgulho de você! Dou muito valor as letras que tu estudou.
Teu padrasto não veio, tu sabe a opinião dele, entenda. Ele é um sargento, terceiro sargento,
sempre achando que tu devia era fazer carreira no exército. Mas teu pai, tão humilde! Um
magarefe. Que Deus o tenha. Onde estiver, está feliz que o filho dele tem um diploma. (a
mãe traça, como antes, a jaula com giz, beija-o e sai. Fulano fecha os olhos e assim fica).
(Tribunal. Fulano da Sylva na jaula traçada com giz no chão. Cacofonia invade o ambiente.
Esgalamido usa uma capa de chuva, é de plástico e transparente com muitos bolsos,
senhoras! Mas somente até a linha amarela. Não é permitido dar comida, pois ele tem uma
dieta controlada pelos nutricionistas da Central. É um ser muito dócil. Mas não se aproximem
ESGALAMIDO – Filhinho, ele foi filósofo e professor de Artes. Como filósofo, achava que
pensar era muito cansativo. Teve muito azar no tempo dos SS, Sapientíssimos Secretários;
para eles, qualquer um poderia ser professor de Arte. Assim, passou parte da vida prestando
Sra. BELTRANA – Ai, isto tudo é tão emocionante! Quando vejo estas coisas no jornal ou na
TV o cheiro e o gosto são censurados, óia! Posso chegar perto dele! Tipo, posso tocar nele?
ESGALAMIDO - Para as vossas lentes indiscretas; este é o melhor dos lugares públicos que
oferece a você o melhor dos programas de fim de semana, o nosso, o meu, o teu: Zoológico
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Humano. Idealizado por nosso consultor científico o digníssimo Professor Doutor Phd. e pós
Sra. SICRANA - Meu filho é... alguma coisa Timbrado. Fique quieto! Vai com teu pai, vai.
ESGALAMIDO – Vocês poderão observar que pessoas normal fazem coisas extraordinárias
e até mesmo más! Apenas porque Alguém com autoridade as manda fazer! A pergunta que
os senhores devem se fazer é: Por que fazemos o que algumas pessoas nos mandam fazer,
mas desobedecemos outras? Nestas jaulas, temos testemunhos reais de pessoas que
estiveram em situações adversas! Aqui são analisados para entender os motivos das
diferenças de comportamento.
AMIGO-12345/1 – (aparece aqui sem a corrente, a coleira é substituída por uma gravata
borboleta, mas ainda apenas com os punhos de camisa. Fala à criança) Vem cá filho, vamos
patrocinador exige. Vai economizar se comprar nossas fotos! Foram tiradas por um
especialista. São flagrantes da vida privada deste espécime. Elemento padrão civilizado! Na
cadeia evolutiva, conforme as experiências indicam, este indivíduo não alcançou a categoria
Sra. SICRANA – Estupendo nada. Aposto que nem chega a ser padrão. Fotos mentem;
lembra do álbum de família que a finada mostrou pra gente lá na casa deles?
Sra. BELTRANA – Não estou falando dele, é da companhia dele; modelo novo de Amigo!
AMIGO-12345/1 – Pra você quebrar como sempre? Agora só no dia das crianças. Quieto!
ESGALAMIDO – Para realmente formular uma tese sobre o assunto, foi necessário explorar
as estruturas de poder em casa e ver como elas afetam as ações dos adultos desta espécie.
governo ainda não tinham o completo controle da distribuição do poder numa família
convencional.
(sinal sonoro; luz vermelha acende; com as mãos para fora da jaula, Fulano passa a digitar).
receber cartas! Claro que nós verificamos antes, depois lemos para ele; pode ser que alguém
ESGALAMIDO - Assim que ele chegou aqui ficou animado com os fãs... O sucesso subiu a
sua cabeça e começou a ficar mal humorado. Hoje para ele comer tem de teclar com nossos
escrever no seu blog! Fotos, conversas e diário são para um livro que será publicado após
sua execução!
ESGALAMIDO – Calma! Não sabemos se ele será o sorteado. São muitos os candidatos.
Uma vez por mês o público escolhe um dentre todos aqueles que estão na nossa galeria de
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executáveis. A Central tem suas preferências, mas a participação do público é muito
Sra. BELTRANA - Eu gosto destas coisas bizarras, grotescas! Moço tem como fazer
ESGALAMIDO - Aqueles que pagarem com antecedência vão receber o livro autografado
pelo Doutor e, claro, antes que nosso espécime seja lançado ao sol, vamos providenciar para
CRIANÇA – Mãe, como ele vai autografar se vai ser lançado ao sol?
Sra. SICRANA – Ah filhinho eles dão um jeito. Vamos, não solta da mamãe.
ESGALAMIDO - Por aqui! Veremos um professor de História, que também não foi escolhido
CRIANÇA – Mamãe disse que sou semente selecionada! (ficam Fulano da Sylva e Menina)
MENINA – (ao público) O Fulano não alcançou a categoria de um tipo pós-humano, ainda
CENA XI - As visitas
(Plano da memória. Sala da casa dos Da Sylva. Uma mesa, cadeiras, Tv, flores de plástico).
MENINA – (diarista) Sim senhora, são de plástico, o pó tinha grudado, achei melhor lavar.
FULANO – Não sei porque tenho de vestir esta roupa! Não suporto esta gravata! Este calor
do inferno! O paletó me deixa sem ar, fico me desfazendo em suor! Já não basta quando
FULANO – Não sei o que ele está fazendo aqui, nunca se interessou pela família.
FULANA – Vai ver quem é? São eles! Meu deus, já chegaram! Olha! Vem cá! A braguilha
aberta, de novo? E a gola deste jeito! Desta vez não estraga tudo, pelo menos desta vez, tá
FULANA - Porque você é o chefe da casa! (sinal pra que se levante, ele levanta).
FULANA - Vai pra cozinha menina! Só vem quando eu chamar! Entendeu! Vai queridinha.
Vai logo diabo! Ai, não sei como mamãe continua com esta menina!
FULANO – É a que está suportando mais sua mãe, está até demorando muito lá. Nenhuma
Sra. e Sr. SICRANO – Boa noite Fulano! Como vai? Tudo bem?
Sra. e Sr. DA SYLVA – Boa noite Sicrano! Como vai? Tudo bem?
Sra. e Sr. BELTRANO - Boa noite Fulano! Como vai? Tudo bem?
Sra. e Sr. DA SYLVA – Boa noite Beltrano! Como vai? Tudo bem?
(As moscas)
FULANA – Aqui está o álbum que disse mostraria a vocês. (a partir deste momento projeção
Sra. SICRANA – Ai, parece que você acertou na mosca! Vocês nasceram um para o outro.
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Sra. SICRANA – Meu professor explicou que um grupo de células nervosas ligadas ao
comportamento sexual é que garante o sucesso entre as garotas; pelo menos entre as
Sra. SICRANA – Não, imagina! Acontece que a mosca é um organismo modelo com funções
também se baseiam num circuito do sistema nervoso que regula as atrações e o namoro.
Sra. BELTRANA - Já ouvi dizer que geneticamente a diferença entre os seres humanos e as
Sra. SICRANA – Temos muito em comum com as drosófilas. Temos células responsáveis
por nosso comportamento sexual. Quando estas células não funcionam bem, as moscas
Sra. BELTRANA – Adoro maçã, morango, banana, pepino; mas não sou nem um pouco
mosca, porque até gosto quando um homem, um homem de verdade, avança o sinal!
FULANA - Como?!
Sra. SICRANA - Meu bem, o pepino fica por sua conta, não sabia que era fruta.
Sra. SICRANA - Claro. O professor disse que os rudimentos básicos das mosquinhas são
muito semelhantes com o que as pessoas fazem para namorar com sucesso.
(Os macacos)
turnos. Dizem que o empregado não agüenta e o sindicato negocia somente até 3 jornadas.
Sr. BELTRANO - Nem todo mundo é como a empregada lá de casa, à nossa disposição dia
e noite; as crianças até tratam ela como se fosse da família. Pra tudo tem um jeito. Até
Sr. SICRANO – Que diabos é esta tal dopamina e o que tem a ver com macacos?
dopamina o nosso Doutor fez com que os macacos trabalhassem mais e melhor.
Sr. SICRANO - Qual o nome desta substância? Já está patenteada? Posso adquirir?
repassar a substância por um preço camarada. Olha, basta uma gota pra transformar todo
Sr. SICRANO – O Conselho de Genética vai liberar o produto para comercialização aqui na
Sr. BELTRANO – Depois falo sobre estes detalhes. Escuta, esta técnica transformou a ética
de trabalho dos macacos. Como muitos de nós, relaxam quando trabalham rumo a uma meta
elementos visuais que apareciam na tela, e recebiam uma gota de água como recompensa.
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Sr. BELTRANO – Sim. Eles trabalham de forma mais eficiente conforme ficam mais perto de
serem recompensados. O que é melhor, com a dopamina bloqueada, eles suportam por mais
tempo as tarefas e com dedicação, cometem poucos erros, porque já não conseguem mais
aprender a usar os elementos visuais para prever quanto trabalho falta para receberem a
Sr. SICRANO – Então a substância age sobre aquilo que ainda temos de humano. E os
trabalho necessário. Pra você ter uma idéia, eu iria demitir 50% do plantel, mas fiz um acordo
comprometeram em manter a mesma produção, resultado: ainda pude contratar uns pobres
lascados que estavam passando fome. Você sabe que hoje a empresa é cotada não pelo
quanto produz, mas pelo seu potencial, a ONG que tu gerencia, por exemplo, que
comercializa sonhos, vale pela importância social. Você sabe, é preciso humanizar o capital,
minha empresa Sicrano, posso dizer de boca cheia e dormir com a consciência tranqüila,
Sr. SICRANO – Caramba! Parece bom! Parabéns! Então vamos aos detalhes...
Sr. BELTRANO – (mudando de assunto) Como é Fulano, não vem conversar com a gente?
Sr. FULANO – Oi? Nesta TV não passa nada (desliga a TV). O que é isto?
Sr. SICRANO - (evita revelar o segredo) Nada, apenas um adoçante! Não é Beltrano?
(O café)
FULANA – Sobre o que tanto conversam os rapazes? Sr. Sicrano, será que nos traz boas
notícias? Imaginem, meu querido esposo será o novo amigo de serviço do Sicrano.
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Sr. SICRANO – É, quem sabe?... Bem, vou ser sincero... (Fulano oferece um aperitivo).
Sr. FULANO - Os testes foram engraçados, mas acredito que eu tenha ido bem.
Sra. BELTRANA - É o que eu digo, devemos sempre estar bem preparados! Agora estou
lembrando dele! O cara da mamãe. (sardônica) Aquilo foi ótimo! E no final confessou que
Sr. SICRANO – Prima! Você veio me vender a sombra do teu marido, mas o nosso amigo é
um áscio, não tem sombra! Ele vendeu a sombra e você não sabia!
Sr. SICRANO – O lugar dele na fila sim. Não posso obrar milagre, negócios são negócios.
FULANA – (à sorrelfa) Fique calado! Como diz o professor da Sra Sicrana, tu é uma mosca
que sempre avança o sinal, mas sempre fez isto na hora errada e para o que não devia. Não
Sr. FULANO - Vendi pra comprar nosso par de alianças... Não pude dizer a você...
Sr. SICRANO – (irônico) Tua mulher fez um puta negócio. Meu amigo, não se faz negócio só
pensando em créditos! Tem negócio que fazemos por puro prazer! (ri) Mas, vem cá (para
Sra. Sicrana), que professor é este que tu tem que eu não sei?
Sr. BELTRANO – Vamos mudar de assunto, esta é uma reunião de família. Peba tu tem
visto o Oreia?
Sr. SICRANO – A última vez que nos vimos foi... na festa de casais na casa do Zoim!
Sra. BELTRANA - Fiquei sabendo que a mulher dele emprenhou de outro homem!
Sr. FULANO – Com isto aqui, ninguém vai ter dor de cabeça. 3 gotinhas pra cada um. Ah
sim, lembrei de uma coisa, quer dizer que sirvo só pra motivo de riso, não é? Pois agora
também vou rir um pouco. Pra estes dois, um pouco mais de adoçante. Opa, talvez devemos
prever e ajudar o casal de pombinhos a não ter dor de cabeça durante toda esta semana,
3x7 igual a 7, 14, 21 gotinhas. Melhor, o que você acha se eles ficarem um mês sem ter dor
de cabeça? Pronto. Derrame o resto do café. Coloque água aqui (no frasco vazio).
FULANA – Ganhei no nosso chá-de-cozinha. Resolvi guardar para uma ocasião especial
como esta, pra compartilhar com pessoas especiais (gesto indicativo em relação ao Sr.
FULANA – (repara a xícara quebrada) Eu também não! (levanta, dá as mãos ao Sr. Sicrano).
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ESGALAMIDO – (as personagens executam o que é narrado) E foi assim que tudo
aconteceu. Os outros convidados apavorados olharam para os dois, para o café que tinham
nas mãos, para o Sr. Fulano, que pasmo, ria... ria... ria nervoso. Sra. Fulana e Sr. Sicrano
caíram; os outros se levantaram, olharam para o público, estáticos, e saíram como não
MENINA - Depois vieram os áscios entraram e carregaram os corpos caídos. Sim, porque eu
EPÍLOGO - O julgamento
CRIANÇA – Vamos brincar de pula-macaca? São sete casas, do inferno (desenha, traça
com giz o circulo em torno de Fulano e do Amigo-12345/x, o inferno coincide com a jaula) até
o céu, não pisa na casa que tem a pedra, tem de pular (demonstra: a pedra no inferno, pula,
Sra. BELTRANA – Com licença, tenho Cartão de Acesso, o meu lugar é pré-pago,
VOZ POPULAR – (áscios que estão num pau-de-arara) Fala! Fala! Fala!
FULANO – É como tenho dito, não foi propósito meu. Queria apenas tirar a dor de cabeça
MENINA – Epa! Todo mundo viu, você sentiu sua masculinidade ofendida, por outro macho
da mesma espécie.
quem viveu ao lado desta fera. Recesso para ouvir a mensagem do nosso patrocinador.
TESTEMUNHA I – (para o público) Conheci o Vivi, vivi era como a gente chamava, quando
ainda andava descalço e corria peladinho pelas ruas, os pesinho tudo rachado, parecia uma
criança normal.
TESTEMUNHA II – (para o público) Era muito difícil “ficar” com o Sylva, ele vivia com livros
debaixo do braço; não dava pra saber se ele carregava o livro ou o livro carregava ele. Nós
TESTEMUNHA III – (para o público) Para um professor de Arte, isto é antiestético; deveria
andar bem vestido, com rosto limpo e não cheio de pêlos, coisa mais bárbara! Ele até anda
FULANO – Bem...
MENINA – Temos público do mundo inteiro. É bom lembrar que todo o material deste
processo está sendo organizado num livro, mas a galeria dos execráveis é grande. Será este
ACUSAÇÃO – Protesto!
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JUIZ – Direito concedido! (a Criança bate o martelo)
ACUSAÇÃO - O Sr. Fulano é um homem que não é pós-humano. Não disfarça o cheiro do
seu suor! Saiu dos Assentamentos Paupérrimos, não adquiriu a L.L.C., não tem sombra,
anda penso, não usufrui da estética oficial, embora se esforce. Involuntariamente causou a
morte da sua esposa e de outro ente familiar que, mui solidariamente e fazendo uma boa
ação, arrumou-lhe um lugar na fila. Não conseguiu tornar-se uma empresa competitiva. Não
tem nada de extraordinário que o faça merecer um livro dedicado a sua biografia. Todos
Similar aos outros da sua espécie, como vêem, não olha nos seus olhos e abaixa a cabeça
quando conversamos com ele, acreditem, suas atitudes são previsíveis, com seus bons
modos, não significa nada, nenhum risco à ordem. Talvez por isto nunca tenha recebido um
cargo de segundo escalão. Pede licença. Pede desculpa. Agradece. Tudo o que faz a
maioria.
MENINA – Vocês aí, no pau-de-arara, o que acham? Devemos lançar ele ao sol?
FULANO – Sempre fui um homem quieto. Cumpri minhas obrigações de cidadão! Sempre fiz
tudo certo. Estudei. Não pesquei4. Não fui um bom ops, não me interpretem mal senhores, eu
fui um bom marido. Eu não traí minha mulher. Quanto a ser penso, oras meus senhores, todo
mundo pende pra algum lado. Fui voluntário, fiz caridade. Sempre cumprimentei sorrindo
qualquer pessoa que olhasse para mim. Vocês sabem, não é? Quem aqui nunca teve de rir
ou cumprimentar mesmo não querendo? “- Está tudo bem?”, “- Sim, tudo bem!”. Devemos
fazer isto por educação. Pois bem, sempre fui um homem educado! Sempre procurei não
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Na linguagem local dos estudantes significa usar recursos não permitidos para resolver as provas dadas por professores.
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desagradar ninguém. Nunca cuspi no chão. Não falei grosso diante de nenhuma autoridade.
Nem me lembro da última vez que gritei. Acho que não sei mais gritar. Posso tentar?
FULANO – Estava só brincando. Claro, não se permite a um homem civilizado gritar sem
motivo. Um homem civilizado deve ser manso. Sereno, mas não lerdo, ando rapidinho, sabe?
Pra não me atrasar, mesmo não tendo compromisso, sempre alerta! Estão vendo? Sou um
homem normal.
MENINA – Já apuramos os votos dos nossos diletantes virtuais. Podemos ler o veredicto?!
MENINA – Sentença...
VOZ POPULAR – (áscios) Aeh! Lançado ao Sol! Lançado ao Sol! Lançado ao Sol!
FULANO – Não posso sair daqui. Não entendem? Esta jaula é onde aprendi a viver! Eu não
saberia viver fora daqui. Por favor senhores! É simples, sejam razoáveis. Um passarinho,
depois que se acostuma na gaiola, não sabe mais voar, tem asas, mas não sabe mais usar
estas asas. Aqui eu sou notado, sou visto, me acostumei com as visitações. Aqui pelo menos
uma vez ao dia me levam para pegar sombra. Por que o silêncio? Por quê me olham assim?
(riso patético, desespero) Se me tirarem isto, não me resta mais nada. É preferível a morte.
ESGALAMIDO – Sr. Fulano, fala sério? Não estamos chamando o senhor de frouxo. Fala a
verdade, tem coragem de se matar? Aqui!? Pra gente ver!? Ao vivo!? (os que estão no pau-
FULANO - Sou um cristão, é isto, um cristão não pode tirar a sua própria vida. Me causa
medo saber que vou ser um áscio, um ninguém! Me espanta ver a risada deles, é uma
FULANO – Não posso sair daqui! Não consigo! O que me amarra, não é uma jaula de ferro.
Ei pessoal, não me deixem assim! Os senhores devem saber o quanto é cruel estar sozinho.
Não estou pedindo que os senhores tenham piedade. O que sinto é mais do que dor, é um
grito que explode dentro, é um desespero. Não é melodrama, eu juro! Estou perdido. Eu
preciso acreditar em uma saída. Me dêem pelo menos uma esperança! (Espera a
reprimenda do martelo).
ESGALAMIDO – (canta como galo, locutor) Atenção você que sempre ansiou por uma vaga.
Inferiores.
MENINA - Chegou sua vez de ser feliz, será o nosso novo reaproveitado...
participação...
ESGALAMIDO - Treinado para andar pelas ruas e propagar que está tudo bem...
MENINA – Para você que é amarelo, vermelho, branco, negro, verde, furta-cor ou colorido...
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ESGALAMIDO – Suas mãos e, principalmente, o dedo polegar da sua mão direita e os
indicadores.
FULANO - É?! Esperança, espere por mim! Estou indo! Esperança! (música do prólogo).
(Esganiçamento).
Pano
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