Вы находитесь на странице: 1из 14

Você é...

o que você come


E também quanto e como você come. Os alimentos podem ajudar ou prejudicar sua saúde. Mas não é
recomendável
sentar-se à mesa como se vai a uma farmácia ou lançar-se a excessos como um condenado em sua última
refeição.
O prazer do equilíbrio é a chave de tudo. Anna Paula Buchalla

Quando o francês Jean Anthelme Brillat-Savarin cunhou, em 1825, a expressão "diga-me o que comes e eu
te direi o que és", referia-se, sobretudo, aos prazeres de uma boa refeição. Em seu tratado de gastronomia
A Fisiologia do Gosto, a primeira obra sobre a relação do homem com a comida, ele dizia que a elaboração
de um novo prato causava mais felicidade à espécie humana do que a descoberta de uma estrela. Pouco
mais de um século depois, na década de 1950, o sabor de uma boa refeição ganhou um tempero de culpa
com a descoberta de que a gordura, em excesso, trazia malefícios à saúde. De lá para cá, uma série de
estudos vem contribuindo para medicalizar o pão (e a carne, e a massa, e o doce) nosso de cada dia. Para o
bem e para o mal. Alguns alimentos passaram a ser vistos como venenos e outros, como remédios. Entre os
dois extremos, está você, fazendo a conta de quantas calorias vai ingerir no almoço, imaginando se suas
artérias entupirão de vez com a feijoada programada para o sábado e pensando se, afinal de contas, não
seria melhor evitar beber o quinto copo de vinho tinto da semana. É claro que as descobertas de médicos
nutrólogos e nutricionistas são para ser levadas a sério. Mas não é igualmente evidente que elas não devem
servir para criar neuroses. Você é, sim, o que você come – desde que entenda que, quando nos sentamos à
mesa, o fazemos por motivos que vão além da nutrição pura e simples. Entre eles, degustar iguarias,
compartilhar um grande momento com os amigos, participar de rituais e cerimônias familiares e até explorar
novas culturas (mesmo que isso signifique não ultrapassar os limites de um frango xadrez). Tudo isso se
perde quando você começa a encarar uma refeição como uma ida à farmácia. Qual a saída? Ter uma dieta
equilibrada – em qualidade e quantidade. Tão equilibrada que lhe dê a chance de, vez por outra, cometer
alguns "crimes" nutricionais. "A manutenção da saúde deve ser uma conseqüência, e não o único objetivo do
ato de comer bem", diz o americano Michael Pollan, autor do livro In Defense of Food (Em Defesa da
Comida), que está na lista dos mais vendidos do jornal The New York Times.
Pollan está certo, mas é um radical, digamos, livre demais. Ele chega a afirmar que "a nutrição está na
mesma posição que a cirurgia no século XVII: é uma ciência jovem e promissora, da qual você não quer ser
a cobaia". Menos, Pollan. Repita-se que não se trata de jogar no lixo as descobertas feitas ao longo do
último meio século. Já está provado que, das dez doenças que mais matam no mundo, cinco estão
diretamente associadas a uma dieta de má qualidade: obesidade, infarto, derrame, diabetes e câncer –
sobretudo o de mama, o de próstata e o de intestino. "Quem quer que seja o pai de uma doença, a mãe foi
uma dieta deficiente", diz o nutrólogo Durval Ribas Filho, presidente da Associação Brasileira de Nutrologia
(Abran). Não é preciso ser um freqüentador compulsivo de spas de emagrecimento para perceber que basta
uma semana de alimentação regrada, frugal e saudável para o organismo funcionar melhor. O hálito
melhora, o cabelo fica mais sedoso, a pele mais viçosa. Surge o ânimo para acordar mais cedo e, por que
não, fazer inclusive uma caminhada. "A boa alimentação favorece o metabolismo, o sono e a regularidade do
intestino e controla os radicais livres, as moléculas responsáveis pelo envelhecimento celular", diz a
nutricionista Cristina Menna Barreto, de São Paulo. Até o nosso humor pode ser modulado pela alimentação.
Certos nutrientes têm efeito direto sobre a produção ou a inibição de determinados neurotransmissores,
responsáveis pelas oscilações do estado de espírito. "Uma pessoa que acorda, toma uma xícara de café e
não come nada até a hora do almoço tem maior probabilidade de ficar com o humor azedo", diz o nutrólogo
Daniel Magnoni, do Hospital do Coração, de São Paulo. Existem, ainda, estudos que mostram a relação entre
deficiência de ácido fólico e depressão. E uma pesquisa publicada recentemente no British Journal of
Psychiatry indica que o uso de determinados suplementos nutricionais reduz a ocorrência de problemas de
comportamento – entre eles a agressividade.
Muitos dos alimentos hoje demonizados foram essenciais para a evolução do homem. O consumo de carnes
vermelhas garantiu a sobrevivência de nossos ancestrais em tempos de escassez de comida. Estocada sob a
forma de tecido adiposo, a gordura animal representava a principal fonte de energia do pessoal das
cavernas. Também se devem à dieta carnívora as proteínas que permitiram ao homem, entre outras coisas,
criar o alfabeto, fabricar papel, inventar a tipografia e escrever livros que condenam... a carne. No século
XVI, a inclusão da batata, tubérculo oriundo da América, no cardápio europeu possibilitou o ganho calórico
que resultaria na Revolução Industrial. Mas nossos antepassados obtinham do mel e das frutas a quase
totalidade do açúcar que constava de sua dieta. O doce vilão, que está na origem dos distúrbios metabólicos
mais nocivos, não era onipresente como hoje. No entender de pesquisadores da história da alimentação, o
gatilho para a epidemia de obesidade dos Estados Unidos, que se alastrou pelo mundo, foi justamente um
açúcar: o amido de milho. "A adoção do milho é o fenômeno alimentar mais importante – e preocupante –
da modernidade", diz o historiador Henrique Carneiro, autor do livro Comida e Sociedade. Dessa substância
são fabricados os adoçantes e xaropes presentes em boa parte dos produtos industrializados, como os
refrigerantes.
Ah, os refrigerantes, as batatas fritas, os hambúrgueres... Se eles não fossem tão gostosos, não teriam
ganhado o planeta. Já as frutas, as verduras, os legumes... Bem, a verdade nua e crua (ou cozida, como
queira) é que são alimentos difíceis de engolir para oito em cada dez pessoas (e para dez em cada dez
crianças). Pesquisadores da Universidade de Oxford, na Inglaterra, desvendaram os mecanismos cerebrais
que tornam uma fritura mais apetitosa do que um rabanete. Eles descobriram que as comidas gordurosas
ativam uma região cerebral conhecida como córtex cingulado, a mesma que se acende quando recebemos
um carinho ou sentimos o cheiro de um perfume.
A educação dos sentidos, no entanto, não é tão difícil como parece. Há uma máxima antiga segundo a qual
"as doenças não afetam quem sabe o que comer, o que não comer, quando comer e como comer". Isso está
ao seu alcance. A chave, aqui, é cultural. Gostar de vegetais implica educar o paladar – e antes dele, óbvio,
o cérebro. Na verdade, trata-se de uma reeducação. Foi comprovada a existência de um instinto natural de
seleção da comida. Um estudo realizado nos Estados Unidos é particularmente interessante. Os
pesquisadores entregaram a crianças de péssimos hábitos à mesa dez tipos de alimentos naturais. Ao longo
de uma semana, privadas de sua dieta habitual, elas conseguiram combinar tais ingredientes de forma a
construir uma dieta variada e saudável. Não se recusaram a comer nada, nem repetiram sempre o mesmo
prato. A capacidade de adestrarmos nosso paladar de modo a extrair prazer de comidas antes intragáveis
também ficou evidente graças ao inglês Jamie Oliver, aquele chatinho dos programas de televisão. Há três
anos, ele realizou uma campanha para banir as porcarias dos lanches e refeições servidos às crianças nas
escolas públicas inglesas. Oliver ajudou a promover mudanças drásticas nesse cardápio – a merenda
"junkie" à base de nuggets e salsichas cedeu lugar a saladas, frutas e receitas italianas. Tudo isso
acompanhado do desafio de agradar aos estudantes. Deu certo. Em poucas semanas, o paladar da moçada,
"mascarado" pelo consumo abusivo de gorduras artificiais, ficou, como dizer, menos inglês.
Se ainda não veio à sua cabeça a expressão, aqui está ela: bom senso. Pois é, nesse caso não dá para
variar. E bom senso significa não exagerar nem no consumo nem na privação. Quer um exemplo? A exclusão
de carne vermelha da dieta é responsável por carências de ferro e vitamina B12, nutrientes fundamentais
para o organismo. Mais: de nada adianta seguir cegamente dietas como a japonesa e a mediterrânea, tidas
como as mais saudáveis, sem levar em conta que você não vive no Japão ou às margens do Mediterrâneo.
Uma dieta para ser equilibrada e prazerosa tem de se combinar ao ambiente em que se vive e à genética de
cada um. Coma de tudo um pouco e tente transformar o ato de comer numa experiência mais agradável do
que se restringir a uma porção de brócolis ou se entupir de frituras. De vez em quando, dá vontade de
comer um hambúrguer? Não se prive desse prazer. Coma com calma, sem tanta gordura pingando no prato.
Esforce-se para que pelo menos uma de suas refeições diárias seja uma experiência estética e, com o
perdão da palavra, sinestésica. Tente melhorar a apresentação dos pratos, capriche na combinação dos
alimentos e no seu colorido. Você dificilmente (e põe difícil nisso) se tornará um Marcel Proust, que escreveu
o primeiro romance do monumental Em Busca do Tempo Perdido a partir das evocações proporcionadas por
uma madeleine – mas, decerto, será alguém mais saudável e feliz.
VEJA Edição 2058 30 de abril de 2008
A ciência de viver bem
Pequenas mudanças de atitude podem melhorar sua saúde física, mental e material. Conheça 7 hábitos
comprovados cientificamente que você deve adotar para ganhar qualidade de vida - e uma coisa
que você não deve fazer
Texto Mariana Sgarioni
Use filtro solar. Coma frutas e verduras. Lembre-se do fio dental. Pratique pelo menos uma hora de
exercícios físicos por dia. Passe longe do torresminho de bar. Aliás, falando em bar, trate de parar de encher
a cara. Aproveite também para largar o cigarro. Beba dois litros de água filtrada por dia. E durma 8 horas
por noite. Leia mais e sempre. Endireite as costas. Aprenda a meditar. Vá ao dentista regularmente. Se
beber, não dirija. Faça um check-up por ano. Verifique se suas vacinas estão em dia. Não fique com o rosto
colado na tela do computador. Trabalhe menos, divirta-se mais. Encha o prato com verduras, grãos e brotos.
Esvazie-o de doces e gorduras. Limpe os ouvidos, mas cuidado com o cotonete. Sexo só com camisinha
(aliás, este deveria ser seu mantra). Não dê pipocas aos macacos. Muito menos coma pipocas de
desconhecidos.
Seguindo à risca essa lista de cuidados, é bem possível que você tenha uma vida mais saudável. E nem
precisamos encher estas páginas com estudos que comprovem tudo o que está dito aí em cima – até
porque, convenhamos, você já está cansado de saber. É bem possível, inclusive, que muita coisa daí esteja
entre suas promessas para o início do ano. Então, resolvemos engordar seus planos para 2006. Pinçamos 7
outras coisas importantíssimas (mas bem menos óbvias) que você pode fazer – e uma que você NÃO deve
fazer – para melhorar consideravelmente seu dia-a-dia. Fora tudo isso que está aí em cima, lógico. O que
1. Ouça música
Não se culpe se você é daqueles que passam o dia todo com um fone de ouvido cantarolando por aí. A
música tem efeitos muito benéficos para a saúde física e mental. Já não é de hoje que os cientistas vêm
estudando o fenômeno. Entre outras coisas, a música pode acalmar, estimular a criatividade e a
concentração, além de ajudar na cura de uma porção de doenças.
Em 1999, uma pesquisa feita no Instituto de Psicologia da USP mostrou que crianças hiperativas conseguem
atingir um grau de concentração muito maior se estiverem ouvindo música – e não estamos falando de jazz
ou bossa-nova, mas de rock pesado. A trilha sonora da pesquisa, que acompanhou crianças entre 9 e 10
anos, era composta pelo guitarrista sueco Yngwie Malmsteen. Embora muitos roqueiros torçam o nariz para
seu heavy metal melódico, é inegável que o cara faz um tanto de barulho.
Pois essa é uma bela resposta aos pais que implicam quando o filho estuda curtindo um som. Que o digam
aqueles que aprenderam música desde pequenos. Pesquisas canadenses provaram que crianças que
estudam música precocemente têm desenvolvimento intelectual melhor do que as que não tiveram nenhum
contato com ela.
“A música é capaz de mudar a freqüência das ondas cerebrais. Já foi provado, por exemplo, que clássicos de
compositores como Bach, Beethoven e Mozart deixam as ondas cerebrais com o mesmo comportamento, ou
seja, com o mesmo potencial elétrico, de um indivíduo em repouso”, afirma Luiz Celso Vilanova, médico
neurologista, professor da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). “Esse estado é chamado ritmo alfa e
ocorre quando a pessoa está muito relaxada ou não está pensando em nada, como em algumas
meditações.”
Entre os clássicos citados, o austríaco Wolfgang Amadeus Mozart merece um destaque na sua discografia. O
poder do compositor vem sendo alvo de diversas pesquisas. A Universidade da Califórnia em Los Angeles
mostrou, no início da década de 1990, que a execução da Sonata para Dois Pianos em Ré Maior aumenta o
número de conexões dos neurônios e melhora o raciocínio matemático em estudantes.
Uma vez que nosso organismo também tem um ritmo interno, ao entrar por nossos ouvidos, a música faz
contato com este ritmo, interagindo com as atividades biológicas do nosso corpo. É assim que trabalha a
musicoterapia, muito aplicada – e com bons resultados – no tratamento de pacientes com mal de Alzheimer,
epilepsia, esquizofrenia e depressão, entre outras doenças. “Não existem indicações que comprovem que a
música tenha o poder de curar alguém. Mas podemos dizer que ela está diretamente associada à promoção
da saúde”, afirma Luiz Celso. Isso significa que ainda não é possível prescrever um Mozart em jejum ou duas
doses de Beethoven após as refeições. Feita essa ressalva, é certo que eles podem, sim, trabalhar na
prevenção de uma doença que virou epidemia nos dias de hoje: estresse. Até porque está mais do que
provado que música relaxa – e muito.
2. Prepare-se para envelhecer
Ninguém gosta muito da idéia de vir a ser velho, mas isso é a melhor coisa que pode acontecer a uma
pessoa (pense na outra possibilidade). É bom reservar um tempo desde já para planejar como você
pretende que seja sua velhice. Inclusive porque é bem possível que essa fase da sua vida dure bastante
tempo. Graças aos avanços no saneamento básico, à descoberta de novas drogas e a fatores ambientais e
de prevenção, estamos vivendo cada vez mais. Em 1900, a expectativa média de vida no Brasil ao nascer
era de 33 anos. Hoje, já estamos na marca dos 67. Estudos demográficos apontam que, em 2025, o
brasileiro viverá em média 75,3 anos e, por volta do ano 2050, 2 bilhões de pessoas no mundo terão mais
de 60 anos. E, graças a esses mesmos motivos, os velhos estão ficando cada vez mais velhos.
Sendo assim, duas coisas precisam ser preparadas desde já: saúde e finanças. Afinal, ninguém quer viver
até os 120 anos vegetando numa cama, sem grana e dando um trabalho danado para o filho de 96 anos.
Para começar, os cuidados para ter um envelhecimento saudável. Valem todos aqueles que falamos lá no
início da reportagem – e que certamente você já ouviu milhões de vezes. É preciso dar ouvidos à máxima
dos médicos, não há muita saída. “Os sinais de envelhecimento são conseqüência de desgastes físicos e
emocionais que sofremos durante a vida. Os principais são o estresse, doenças, fumo, bebida em excesso,
consumo de drogas, pouco sono e descuido com o descanso. Os desgastes são cumulativos, por isso, para
envelhecer de forma saudável, é preciso tomar atitudes ainda jovem”, diz a médica geriatra Mariana Jacob,
do Rio de Janeiro. Portanto, arregace as mangas e comece desde já.
Agora, também é importante pensar como estará sua conta bancária. Se você é daqueles que confiam no
INSS, é bom abrir os olhos. O envelhecimento em larga escala da população preocupa as finanças públicas
do mundo todo. No Brasil, o déficit da Previdência Social ultrapassará R$ 40 bilhões em 2005 e vem sendo
um dos maiores pepinos para os governos. Vá saber como será a aposentadoria daqui a algumas décadas...
Portanto, é melhor tomar outras atitudes, além de, claro, continuar colaborando para o INSS. “O ideal é a
estratégia da formiga: guardar uma quantia todo mês e, quando parar de trabalhar, viver desse valor
acumulado”, afirma o administrador Ricardo Humberto Rocha. Pegue o lápis e anote a lição que ele ensina:
se você começar a guardar dinheiro aos 30 anos, deve pensar em se aposentar 40 anos depois, ou seja, aos
70. Durante esse tempo, deve separar 300 reais todo mês. Aos 70, terá acumulado 300 mil reais (valores de
hoje, sem projetar a correção monetária). Na pior das hipóteses, isso renderá 0,5% ao mês, ou seja, 1,5 mil
reais. Juntando isso a uma aposentadoria do INSS de 3,6 mil reais (o casal), dará uma renda mensal de 5,1
mil reais. “Com 5 mil reais por mês, um casal de idosos deve viver bem: vai gastar 1,5 mil reais entre plano
de saúde e remédios e o resto paga o condomínio, a alimentação e o lazer.”
3. Tenha fé
Costuma ser mais feliz quem consegue encontrar um significado para a vida. Esse significado pode estar em
qualquer coisa – da filatelia à filantropia. Mas é na religiosidade que a maior parte da população vai buscar
essa razão de viver. E encontra. Pesquisas mostram que as pessoas religiosas consideram-se, em média,
mais felizes do que as não religiosas. Elas também têm menos depressão, menos ansiedade e índices
menores de suicídio.
“A fé nos conecta com outras pessoas, dá sentido e propósito para nossa existência, ajuda também na auto-
aceitação e sustenta a esperança de que, no final, tudo ficará bem”, diz o relatório de um estudo sobre o
assunto do Centro Nacional de Pesquisas de Opinião dos EUA.
O poder da crença pode ir além do conforto espiritual, ajudando a curar doenças e aumentando a
longevidade. Uma das razões para tanto passa longe do sobrenatural: a fé traz a reboque uma rotina mais
regrada e vínculos mais sólidos com a família e a comunidade. Quem professa uma crença raramente faz
bobagens como se embebedar e sair dirigindo a 160 quilômetros por hora.
“Existem evidências de que pessoas com atitude positiva e fé têm saúde melhor”, afirma o psiquiatra
Frederico Camelo Leão, que defendeu tese de mestrado sobre o assunto no Hospital das Clínicas de São
Paulo. “Isso vale tanto para a espiritualidade intrínseca, quando a pessoa é voltada a seus valores internos,
quanto a extrínseca, quando a pessoa se associa a grupos e cerimônias. Nos dois casos, há trabalhos que
mostram que essas pessoas tendem a pontuar mais em qualidade de vida e na evolução do tratamento de
doenças.”
A fé propriamente dita pode ter efeitos benéficos no corpo humano. Já foi comprovado, por exemplo, por
meio de uma pesquisa da Universidade Duke, na Carolina do Norte (EUA), que pessoas com fé religiosa
conseguem melhorar o funcionamento de seu sistema imunológico. “Ter uma fé ativa é tão fortemente
associado à longevidade quanto ao hábito de não fumar”, afirma David Myers, professor de psicologia da
Faculdade Hope, em Michigan (EUA).
Mas se você não se sente preparado para ligar-se a algum grupo religioso, não tem problema. A religião não
é exatamente a única forma de explorar a fé, muito menos de dar significado à vida. Quem não se identifica
com nenhum grupo religioso pode procurar outras crenças. E crer em algo não significa necessariamente ser
em Deus. Um ateu convicto pode ter fé em seu próprio papel na história da humanidade, na justiça social,
no desenvolvimento sustentável do planeta, na democracia. Ou ainda buscar o significado da vida em algum
desafio diferente, como aprender a escalar uma montanha, cozinhar, tocar bateria, fazer mountain bike.
Acreditar faz bem. Outro caminho é a prática do altruísmo. Isso, inclusive, já foi testado em laboratório: está
comprovado que aumenta os índices de felicidade e bem-estar. Vale visitar uma creche, colaborar com uma
ong, inscrever-se em um trabalho voluntário – enfim, fazer qualquer coisa que ajude alguém.
4. Ande mais a pé
Gastar sola de sapato é um dos melhores exercícios que existem, seja para a saúde física, mental, do meio
ambiente ou do seu bolso mesmo. Sim, porque para fazer caminhadas você não precisa gastar rios de
dinheiro com academias elaboradas, muito menos com personal trainer. Um par de tênis basta. E quando
falamos de caminhada, não estamos nos referindo a nada profissional, que exija pista adequada e
treinamento. Pode ser no seu bairro, no quarteirão da sua casa, ou até mesmo na escadaria do prédio, na
pior das hipóteses.
Os benefícios físicos vão desde a melhora do sistema imunológico, a perda de peso e a oxigenação do corpo
a até mesmo o aumento da nossa inteligência, acredite. Segundo artigo publicado na revista científica
americana Trends in Neurosciences (“Tendências em Neurociências”), a caminhada aumenta a resistência
cerebral e melhora o desempenho de leitura e aprendizado. E mais: beneficia a plasticidade do cérebro – a
capacidade que ele tem de se adaptar a novas situações e realizar funções diferentes. Sem contar o efeito
no humor. “Andar diminui o estresse e ajuda muito no combate à depressão”, afirma o médico ortopedista
Victor Matsudo, consultor da OMS (Organização Mundial da Saúde).
No corpo, a caminhada ajuda a diminuir a gordura intra-abdominal, aquela que se acumula entre as
vísceras. É a famosa barriguinha de chope. Ela é considerada a forma mais perigosa de depósito de gordura.
Estudos associam diretamente esses tecidos adiposos a vários problemas de saúde – desde ataques
cardíacos, problemas coronarianos e hipertensão até a formação de pedras na vesícula biliar.
Mas ainda está dando preguiça? Bem, não é só da forma física que estamos falando – andar a pé pode ser
algo muito mais divertido que fazer uns abdominais e uns supinos na academia, por exemplo. Se você
resolver tirar apenas uma hora do seu dia para caminhar no seu bairro, vai perceber uma enorme diferença
na sua socialização. “Caminhar permite que você observe muito mais as coisas ao seu redor, aproveite a
natureza, reflita sobre a vida, pense em histórias, lembre fatos e acontecimentos, faça cálculos, tenha
idéias, faça reflexões”, diz Victor. Você vai entrar em lojinhas que nunca percebeu, pedir e dar informações,
falar com gente desconhecida (nessas, você pode acabar até conhecendo o amor da sua vida). Às vezes
também vai tomar um pouco de chuva e pisar em cocô de cachorro, mas isso faz parte do jogo.
Deixar o carro em casa de vez em quando já pode ser um bom começo para começar a se exercitar. O
trajeto pode ser pequeno – uma caminhada de sua casa até a padaria ou à banca de revistas –, mas a
diferença já aparece. De quebra, você ainda estará contribuindo para a diminuição da poluição, do trânsito,
do consumo de combustível, entre outras coisas. Outra boa idéia é evitar o elevador e as escadas rolantes.
São atitudes mínimas, mas que vão começar a colocar seu corpo – e, por tabela, a sua mente – para
funcionar.
5. Tenha (pelo menos) um amigo
Todo mundo quer ser feliz, isso é tão verdadeiro quanto óbvio. O psicólogo Martin Seligman, da Universidade
da Pensilvânia (EUA), passou anos pesquisando o assunto e concluiu que, para chegar à tal felicidade,
precisamos ter amigos. Os amigos, segundo ele, resumem a soma das 3 coisas que resultam na alegria:
prazer, engajamento e significado. Explicando: conversar com um amigo, por exemplo, nos dá prazer. Ao
mesmo tempo, nos sentimos engajados, porque doamos muito de nós mesmos a ele. E ainda esse bom
bate-papo faz com que nossa vida adquira um significado mesmo que seja momentâneo.
O cientista social americano Ronald Inglehart analisou diversas pesquisas sobre qualidade de vida e chegou
à conclusão que os ingredientes para uma vida feliz incluem relações próximas. “Os homens têm o que os
psicólogos apelidaram de uma profunda necessidade de se sentirem incluídos. Os que são apoiados por
amizades íntimas se declararam muito felizes”, afirma.
Outro benefício decorrente de ter amigos é manter a saúde em ordem. De acordo com o psicólogo social
David Myers, professor da Faculdade Hope, nos EUA, as pessoas que têm amizades próximas ou são ligadas
à sua comunidade (seja de colegas de trabalho, de religião ou de organizações por causas comuns) têm
menos possibilidade de morrer prematuramente, se comparadas àquelas pessoas que têm poucos laços
sociais. E perder esses laços aumenta o risco de ficar doente. “A amizade libera substâncias hormonais no
cérebro que favorecem a alegria de viver e o bem-estar”, diz Roque Theophilo, presidente da Academia
Brasileira de Psicologia.
Mas será que todo mundo tem amigos? A resposta não é tão óbvia. Uma das queixas mais freqüentes no
divã de analistas é a solidão. Gente que não encontra ninguém para dividir com sinceridade suas angústias.
Ou que se sente só mesmo quando rodeada de pessoas – aquela impressão de ter mil amigos, mas na
realidade não ter nenhum. É a chamada superficialidade das relações, tão discutida nos dias de hoje.
Segundo o psicanalista Contardo Calligaris, o único jeito de ultrapassar a barreira da solidão é justamente
tendo pelo menos um amigo e um amor. Um só de cada, não precisam ser muitos. Mas isso dá um trabalhão
dos diabos, não pense você que é fácil.
Contardo propõe uma situação hipotética: “Você é meu amigo e me telefona para jantar. Você passa o
tempo todo falando de si mesmo. Quando eu começo a falar de mim, lá pelas tantas, você diz que precisa ir
embora, pois acorda cedo no dia seguinte. Tudo bem, na próxima vez não vou aceitar o convite e você se
sentirá sozinho.” Isso não é amizade verdadeira. “Não se consegue uma amizade sem generosidade”, afirma
o psiquiatra. Para termos pelo menos um amigo, diz ele, precisamos nos livrar daquilo que ele chama de
“avareza de si mesmo”. Trocando em miúdos: doar-se, estar disponível, saber trocar. E, principalmente,
olhar além do próprio umbigo.
6. Coma devagar
Parece até falatório de mãe, mas os benefícios de diminuir o ritmo das garfadas são incríveis. Para começar,
ninguém ganha tempo comendo um sanduíche na frente do computador – o máximo que você ganha são
quilos a mais, uma vez que, quanto mais rápido come, mais fome sente. “Existem dois centros que regulam
a alimentação no cérebro: o centro da fome e o centro da saciedade”, afirma Arthur Kaufman, coordenador
do Prato (Projeto de Atendimento ao Obeso), do Hospital das Clínicas da USP. “O centro da saciedade
demora até 20 minutos para mandar uma mensagem ao outro de que você está comendo e está satisfeito.
Se você comer muito rápido, vai passar da conta, sentir o estômago estufado antes que seu centro de
saciedade tenha tempo de informar seu corpo de que já está bom e você deve parar de comer.” É isso que
acontece numa churrascaria rodízio com aqueles que comem na mesma velocidade em que os garçons
trazem os espetos.
Isso quer dizer que, se você comer mais devagar, provavelmente vai comer menos sem ter que fazer
nenhuma dieta. O que será um ganho danado à sua saúde. Fora a redução do peso e do risco de doenças
aliadas à obesidade, há diversas pesquisas que apontam que devemos diminuir a quantidade de comida se
quisermos viver mais. Por exemplo, uma experiência conduzida na Universidade de Wisconsin em Madison,
nos EUA, mostrou que a redução do consumo calórico entre 30% e 40% fez aumentar a sobrevida de ratos
até os 38 anos – isso corresponderia a aproximadamente 114 anos em humanos.
Mas e o prazer de comer? Tem razão, é um dos principais prazeres da vida. Mais um motivo para você
comer devagar: vai saborear melhor a comida, apreciar o prato e o momento, e, de quebra, não vai ficar
empanturrado. “Não há nenhum problema em comer um hambúrguer e uma porção de batatas fritas, desde
que você saboreie o sanduíche, sinta o gosto do que está comendo e comer seja sua atividade principal
naquele momento”, afirma Heloísa Mader, representante do Movimento Slow Food em São Paulo.
Em oposição à moda do fast food, o slow food prega que incrementar a qualidade da comida e desfrutá-la
com calma é uma maneira simples de fazer o nosso cotidiano mais feliz – conceito, aliás aprovadíssimo pela
Associação Dietética Americana. O movimento quer que as pessoas voltem a curtir a refeição, e não comer
por compulsão ou como uma forma de compensar a ansiedade. Lembre-se disso quando for buscar um
sanduba correndo na padaria para comer entre um trabalho e outro na frente do computador. “Isso é pior
ainda. Quando está distraído, você não percebe o sinal do centro de saciedade e passa da conta. E o pior:
como não registra a saciedade, dali a 30 minutos vai ter fome de novo”, diz Arthur. E já que o convencemos
a comer mais devagar, aproveite para compartilhar as refeições com quem mais gosta – isso não inclui o
computador nem a televisão, que fique bem claro.
7. Desligue a TV
Ninguém está dizendo aqui para você nunca mais assistir à televisão. Mas que você poderia diminuir o
tempo em frente ao aparelho, isso você poderia. Até porque televisão em excesso não faz bem.
Telespectadores inveterados podem ter suas funções cognitivas alteradas, problemas de postura e
articulações, além de tornar-se dependentes da telinha: essa é a conclusão de um amplo estudo realizado
em 2003 nos EUA pelos pesquisadores Robert Kubey, diretor do Centro de Estudos de Mídia da Universidade
Rutgers, em Nova Jersey, e Mihaly Csikszentmihalyi, professor de psicologia da Universidade de Claremont,
na Califórnia.
Sim, o hábito de se largar no sofá e assistir a qualquer porcaria que esteja no ar pode deixar as pessoas
viciadas no relaxamento que a TV produz. O problema é que essa sensação gostosa vai embora assim que o
aparelho é desligado – é igualzinho ao vício em substâncias químicas. O estado de passividade e a
diminuição no grau de atenção, no entanto, continuam. Quando vista por mais de 20 horas por semana, a
televisão pode danificar as funções do lado esquerdo do cérebro, reduzindo o desenvolvimento lógico-verbal.
Faça uma continha rápida: se você assistir à televisão por cerca de 3 horas por dia, quando chegar aos 75
anos, terá passado 9 anos inteiros da sua vida vendo TV. É tempo para chuchu sem exercitar a mente nem o
corpo, o que pode acarretar sérios problemas, desde obesidade a até mesmo doenças degenerativas
cerebrais, como demência e mal de Alzheimer.
O cérebro, assim como o corpo, também precisa ser exercitado. Só que ninguém se lembra dele nas
academias de ginástica, por exemplo. A diminuição da capacidade mental associada à idade ocorre por causa
de alterações nas ligações entre as células cerebrais. Há indícios de que manter o cérebro em atividade
ajuda a aumentar as reservas de células e conexões cerebrais. “O que é bom para seu coração é bom para
seu cérebro. Tudo aquilo que você fizer para prevenir doenças coronárias também vai ajudar sua cabeça e
assim diminuir o risco de desenvolver mal de Alzheimer”, indica a Associação Alzheimer, órgão americano de
ajuda e informação aos portadores da doença.
Segundo um estudo publicado na revista científica Nature, ratos e outros roedores estimulados com
brinquedos e aparelhos para exercícios desenvolveram células novinhas em folha na região do cérebro
envolvida com aprendizado e com a memória. Portanto, mande ver nas atividades físicas. Agora, é lógico,
lembre-se de botar a cabeça para funcionar também. Ler, escrever, jogar jogos de tabuleiro, aprender coisas
novas, fazer palavras cruzadas, resolver passatempos de lógica: todas essas atividades mantêm seu cérebro
ativo e, quem sabe, criam reservas de células e conexões. Estudar sempre algo diferente pode ser um bom
jeito de obrigar sua cabeça a pensar mais. Outra idéia que também contribui para romper a inércia cerebral
é praticar atividades ao ar livre – no mínimo, elas vão arrancar você do sofá e da frente da televisão.

Não leve nada disso tão a sério


Se você leu esta reportagem até aqui – e levou tudo o que está escrito em consideração – deve estar cheio
de tarefas a cumprir. De fato, são dicas que podem ajudá-lo a melhorar consideravelmente seu dia-a-dia.
Mas, sinceramente, não precisa tanta rigidez. Se der para fazer tudo, ótimo. Se não der, tudo bem também.
E não precisa levar tão a ferro e fogo as milhares de pesquisas que mandam comer isso e fazer aquilo,
caindo em depressão profunda se “fracassar” em um ou dois itens. Afinal, são as escapulidas que tornam a
vida da gente divertida – ou você acredita mesmo que todas as nutricionistas esguias e saudáveis só comem
refeições balanceadas e todos os médicos fazem ginástica todo santo dia? Essas pessoas também capitulam
à preguiça, comem demais e xingam a mãe dos outros no trânsito.
Radicalismos e rigidez com regras são um perigo. Podem se tornar uma obsessão e isso não é bom – mesmo
que seja por uma vida saudável. O melhor mesmo para a saúde é o equilíbrio, a flexibilidade. “Todos os
meus pacientes que mudaram o comportamento e se tornaram mais flexíveis tiveram uma melhora no
estado de saúde. Pessoas muito rígidas, controladoras e perfeccionistas tendem a ter mais doenças do
coração”, afirma o cardiologista Alan Rozanski, do Departamento de Medicina da Universidade Colúmbia,
Nova York. Os oncologistas também vêm avançando em estudos que comprovam ligação entre esse tipo de
comportamento humano e o desenvolvimento de câncer – chama-se “padrão biopsicossocial de risco de
câncer”. Ele é caracterizado principalmente por pessoas que negam ou suprimem as emoções, são muito
racionais e têm um controle muito rígido que as impede de se expressar. Esse perfil diminuiria a
competência do sistema imunológico, seja para prevenir o câncer, seja para combatê-lo durante o
tratamento, ou para impedir que ele reincida.
Edward Creagan, médico oncologista da Clínica Mayo, em Rochester, EUA, é um ardoroso defensor da
flexibilidade para a manutenção da saúde. Mas como chegar até ela? “Ser resiliente não é seguir os clichês
de ‘se a vida te deu um limão, faça uma limonada’. Ser resiliente é não ignorar seus sentimentos, suas
dores”, diz. “É também perceber que nem sempre você tem que ser forte, você pode pedir ajuda. Esses são
fatores fundamentais para lidar bem com o estresse e com as situações ruins da vida. Essa capacidade
protege você e seus familiares de doenças como depressão, ansiedade, estresse pós-traumático, doenças
cardíacas e diabetes”. Está vendo? Até o corpo agradece. E aí? Vai uma picanha no capricho? Com polenta
frita?
A ciência de comer bem
Saiba tudo sobre os alimentos que podem transformar seu prato - e salvar sua vida.
Nada é mais importante do que comida: 80% das doenças de coração, 90% dos casos de diabetes e 70%
dos casos de alguns tipos de câncer podem ter uma ligação estreita com hábitos de vida e alimentação.
Dieta inadequada é uma das duas maiores causas de morte no mundo, junto com o tabaco. E uma dieta
saudável tem influência positiva em todos os aspectos da vida. Comer bem é fundamental. Mas... o que é
comer bem?
Informações sobre nutrição estão em toda parte. Hoje, quase toda embalagem no supermercado contém
uma tabela cheia de números pequenos, além de letras grandes anunciando "50% menos disso", "50% mais
daquilo". Novidades médicas sobre alimentação são alardeadas nas revistas e nos jornais com a mesma
freqüência com que você almoça, e o prazo de validade delas é quase sempre menor que o de uma caixa de
leite. Dietas novas surgem como relâmpagos, sempre desmentindo o que a anterior dizia - e impulsionando
a venda de uma porção de livros.
É claro que o acesso às informações é uma vantagem. Mas a confiança que depositamos em cada novo
estudo é desproporcional. Faz só meio século que os cientistas começaram a investigar os efeitos da dieta
em humanos e a maioria das pesquisas divulgadas com barulho não comprova a eficiência de uma dieta ou
um alimento. No máximo, demarcam um ponto de partida para pesquisas mais aprofundadas. A dura
realidade é que os cientistas provavelmente têm mais dúvidas que certezas quando o assunto é dieta.
E o pior é que muitos de nós nos aproveitamos dessa bagunça para comer errado. "Enquanto pudermos
culpar um estado de confusão geral, não temos que nos responsabilizar pelo tamanho de nossas cinturas",
escreveu a jornalista americana Christine Gorman na revista americana Time. É como se tudo fosse culpa
dos cientistas, que não chegam a um acordo.
Temos então duas notícias para você - e, como de costume, uma é boa e outra é ruim. A boa: apesar de
discordarem, cientistas sabem o suficiente para que você consiga comer de maneira saudável. Grãos
integrais e vegetais variados fazem bem. Achar que não existe refeição sem bife faz mal. Comer pelo menos
três vezes por dia faz bem. Basear a dieta em arroz branco e açúcar faz mal. Fazer da refeição um ritual
tranqüilo e prazeroso faz bem. E, definitivamente, comer demais faz mal.
A notícia ruim é que você pode esquecer a desculpa de que você come errado por causa da confusão que
cerca o assunto. Ela não cola. Você é o maior responsável por sua dieta e certamente vai arcar sozinho com
as conseqüências dela, mais cedo ou mais tarde. Melhor então saber o que está fazendo. E então, vai comer
o quê?
E vai comer quanto?
Rodízio ou à la carte? Quando uma das perguntas mais fundamentais da vida moderna pega você sentado à
mesa de um restaurante japonês, não há dúvida. Quase ninguém é capaz de trocar o coma-o-quanto-quiser
pelas modestas porções de seis rolinhos, mesmo sabendo que, no rodízio, os sushis são preparados de
forma tão mecânica que fariam corar o oriental mais amarelo. Tudo bem, ninguém se importa com detalhes
quando pode comer por quanto tempo o estômago agüentar.
Quando a refeição termina, você devorou algo perto de 350 gramas de carboidratos, 40 gramas de proteína,
30 gramas de gordura e 1 800 calorias. Um jantar que daria para nada mais nada menos que quatro
pessoas. "O principal problema hoje é que estamos comendo demais", diz o médico americano James Hill,
diretor do Centro de Nutrição Humana, da Universidade de Colorado, nos Estados Unidos.
Moderação é a palavra-chave quando o assunto é alimentação. O problema é que moderação pode significar
coisas muito diferentes para pessoas diferentes. E, por isso, o único jeito eficiente de controlar o quanto
comemos continua sendo prestar atenção nas famigeradas calorias - do mesmo modo que o único jeito de
economizar na conta de luz é controlar o consumo de energia elétrica ao longo do mês. Caloria é o nome
dado à unidade de medida de energia térmica. Para saber o quanto as calorias influem no nosso peso, a
conta é simples. Pegue o quanto de energia você põe para dentro (X) e o quanto de energia você gasta (Y).
Se X é maior que Y, você engorda. Se X é menor que Y, você emagrece. Se X é igual a Y, você se mantém
no peso.
É verdade que alguns fatores podem interferir no processo. Os genes, por exemplo. Além disso, o corpo
pode ajustar a variável Y em algumas situações e gastar menos energia do que o normal. Se você passa um
longo período comendo pouco (X baixo), seu corpo entende que está numa época de escassez e reduz o
ritmo do metabolismo para gastar menos energia (tornar Y tão baixo quanto X). Assim, se você comer de
repente algo mais calórico, como um chocolate, tende a engordar mais facilmente. Ou seja, dietas radicais e
repentinas podem aumentar a tendência a engordar.
O problema dessa equação é que, nos dias de hoje, as pessoas simplesmente não são capazes de se
exercitar com a mesma compulsão com que comem. X fica sempre maior que Y. É provável que essa nossa
compulsão por comida seja genética - nossos ancestrais aprenderam a comer tudo o que estivesse
disponível, para criar reservas e suportar as épocas de escassez. A diferença é que comida disponível era
coisa rara há milhares de anos e é uma constante hoje.
A oferta, além de incessante, é cada vez mais democrática. Se, até poucos anos atrás, você tinha que
resistir apenas aos biscoitos de morango ou chocolate, agora há os de capuccino, baunilha, frutas
vermelhas, chocolate alpino, frutas cítricas... Sempre haverá algo engordativo que se encaixe no seu gosto.
Os tamanhos das porções também acompanham nosso instinto ancestral por fartura - e nosso instinto, bem
atual, por barganhas.
Nas lanchonetes ou supermercados, você pode levar o dobro de refrigerante por apenas 20% a mais do
preço. E a lógica do rodízio faz com que porções à la carte se tornem um péssimo negócio. Enquanto
investimos em pechinchas, nossas artérias e corações pagam a conta. Para você ter uma idéia, estamos
comendo 230 calorias por dia a mais do que comíamos na década de 70. Para não ganhar peso, teríamos
que aumentar proporcionalmente o gasto de energia. E o que fizemos? Fomos ficando cada vez mais
sedentários.
Isso significa que é preciso levar a sério a instrução "coma menos" - mesmo que você esteja satisfeito com o
ponteiro da balança. À medida que envelhecemos nosso corpo precisa de menos comida para realizar as
mesmas atividades. E, ao que parece, engordar quando adulto é um problemão. Dois estudos de longo prazo
realizados pela Escola de Medicina de Harvard mostraram que homens e mulheres que engordaram de 5 a
10 quilos depois dos 20 anos têm três vezes mais chance de desenvolver doenças cardíacas, hipertensão e
diabetes do que aqueles que engordaram 2 quilos ou menos.
Uma boa dica para evitar que você coma em excesso é restringir as opções. "Quanto mais variedade temos,
mais comemos. Isso funciona para qualquer espécie testada", diz Susan Roberts, professora de nutrição da
Universidade Tufts, em Boston. Se você come em restaurantes self-service, sabe do que Susan está falando.
É quase impossível escolher apenas uma opção quando há pizza, nhoque à bolonhesa e lasanha vegetariana.
Nessas horas, lembre-se: você tem que fazer algum esforço.
Para controlar a ingestão de calorias, determine - com a ajuda de um médico - uma média que você deve
consumir por dia. A Anvisa, agência do governo brasileiro que cuida da vigilância sanitária, recomenda 2
500, uma quantia considerada alta por muitos nutricionistas. A Pirâmide de Alimentação, criada em 1992
pelo Departamento de Agricultura americano e que se tornou referência mundial, recomenda 2 800 por dia
para homens e adolescentes ativos e 2 200 para mulheres ativas e homens inativos. Mulheres inativas não
precisam de mais que 1 600 calorias.
Alguns truques podem ajudar a reduzir quantidades - e, assim, as calorias ingeridas. Use um prato menor.
"Ele vai ficar cheio mais rápido e obrigar você a parar de comer", diz o médico Walter Willett, que coordena
a Departamento de Nutrição da Escola de Saúde Pública de Harvard. Evite se servir mais de uma vez e
comece com saladas. Ao contrário do que sua mãe falava, "estrague" seu apetite antes das refeições. Coma
pequenos lanches ao longo do dia - frutas ou castanhas. Outra boa sugestão é começar o almoço ou jantar
com uma tigela de sopa (sem creme de leite). Estudos recentes sugerem que a textura e a consistência da
sopa mantêm o apetite controlado enquanto outros líquidos, como sucos, não ajudam nessa tarefa. O
médico Willett dá outra dica preciosa: "Não precisa cortar a sobremesa. Basta dividi-la. A quantidade de
gordura e caloria em uma fatia de torta doce é suficiente para a uma família inteira".
E preste atenção nos rótulos. Geralmente, os números que aparecem nas embalagens se referem a porções
bem menores do que as que imaginamos à primeira vista. Por exemplo, o rótulo de um chocolate pode
indicar que uma porção do alimento tem 230 calorias. Se você ler com atenção, vai ver que uma porção são
15 gramas, e não as 30 da barrinha. Ou seja, no chocolate todo há nada menos que 460 calorias.
Pouco, mas com prazer
Equações, variáveis X e Y, meia porção, contar calorias... Agora que você entendeu tudo, esqueça. Se você
se tornar compulsivamente preocupado, não vai conseguir manter uma dieta saudável. "Calorias contam,
mas você não precisa contar cada uma delas", diz Willett, autor de Coma, Beba e Seja Saudável, livro que se
tornou uma bíblia da alimentação saudável nos Estados Unidos. Se comer virar um suplício recheado de
números e cálculos, é bem capaz que você passe a odiar as refeições. E aí vai bastar aparecer um problema
na sua vida para você descontar tudo em si mesmo - comendo sem controle. Isso é exatamente o contrário
do que os médicos querem.
Desde muito jovens aprendemos que quem nos ama nos dá comida. E, se nos ama muito, nos dá muita
comida. Está aí um dos motivos pelos quais não conseguimos nos manter por muito tempo em dietas. Dieta
é a privação do prazer, daquilo que amamos mais.
Portanto não adianta ser radical. Nas duas próximas semanas, descubra a quantidade de calorias das
porções que você consome com freqüência. Duas colheres de sopa de arroz branco, por exemplo, têm 105
calorias; um bife de frango pequeno grelhado, 160. (Confira outros exemplos na página 65. O Ministério da
Saúde está investindo na elaboração de uma tabela completa. A partir do dia 24 de setembro, ela vai estar
disponível no endereço www.unicamp.br/nepa/taco) Ajuste-as para que se encaixem na sua média de
ingestão diária. Essas duas semanas de treino vão ajudar você a entender a lógica das calorias. A partir da
terceira semana, use apenas o bom senso.
Um estudo americano chamado Registro Nacional de Controle de Peso, que investiga os hábitos de 3 mil
pessoas bem-sucedidas nas dietas que fazem, descobriu que três dos quatro pontos em comum entre elas
estão diretamente ligados ao estilo de vida: todas monitoram com freqüência seu peso e o consumo de
comida, todas se exercitam por mais de uma hora todos os dias e nenhuma pula a primeira refeição do dia,
o café da manhã. "Não é que o café da manhã emagreça. Mas, em geral, quem toma café da manhã tem
uma alimentação mais equilibrada ao longo do dia. É isso que faz a diferença", diz a endocrinologista Annete
Abdo, integrante do Projeto de Atendimento ao Obeso, ligado à USP.
Cuidar da alimentação precisa ser algo prazeroso. E isso significa que o sabor não deve ser sacrificado. "É
impossível se alimentar só de coisas que você acha horrível", escreveu o médico Andrew Weil no livro
Alimentação Ideal para uma Saúde Perfeita. Weil acredita que o ditado "tudo o que é bom engorda" não
poderia estar mais longe da verdade. E você vai ver que ele tem razão se decidir se divertir enquanto se
alimenta. Procure explorar novos sabores, usar temperos diferentes, experimentar frutas ou folhas que você
nunca comeu antes. Use sua inclinação para barganhas quando tiver que escolher entre uma refeição feita
em casa ou uma comprada de uma lanchonete ou restaurante: comer em casa é muito mais barato. E você
pode controlar os ingredientes usados, além de descobrir um passatempo relaxante e saudável.
Gorduras x carboidratos
Quarto ponto em comum entre os 3 mil "dieteiros" bem-sucedidos: todos limitam a ingestão de gordura. E é
aqui que mora o maior dilema nutricional da atualidade: qual é o vilão da dieta moderna? Gorduras ou
carboidratos?
Desde 1950, médicos de todo o mundo tentam encontrar diretrizes confiáveis para conter a expansão de
barrigas e cinturas. Nos anos 60, pesquisas indicaram que a gordura aumenta a taxa de colesterol e facilita
a obstrução das veias. Assim, ela se tornou o inimigo número 1. Bacon e manteiga, nozes e azeite de oliva
foram banidos do cardápio ideal. Milhões de pessoas em todo o mundo seguiram as recomendações e os
fabricantes de alimentos estamparam "sem colesterol" ou "50% menos gordura" nos mais diversos produtos.
Para matar a fome, muita gente aumentou o consumo de carboidratos.
E o que aconteceu? As cinturas continuaram crescendo. Nos Estados Unidos, segundo o Centro Nacional de
Estatística de Saúde, a taxa de obesidade pulou de 13% (nos anos 60) para 22% (em 80). E países que
consomem muita gordura, como França e Grécia, têm taxas de obesidade e de ataques cardíacos menores
que os americanos.
Em 1972, um médico americano lançou uma dieta que soava como heresia criminosa. Ela limitava o
consumo de frutas e pães, os alimentos mais recomendados pelos caçadores de gordura, e liberava a
ingestão de gorduras e carnes. Robert Atkins vendeu mais de 15 milhões de livros no mundo e ganhou fama
de picareta. Ele acreditava que o açúcar (e o nível de insulina provocado por ele) era o verdadeiro
responsável pelo aumento de peso e doenças entre seus conterrâneos. As gorduras, ele dizia, estão longe de
ser vilãs.
E ele tinha razão. Pelo menos em parte. Os avanços da endocrinologia permitiram que os estudos
acompanhassem a reação do corpo aos diferentes tipos de alimento e provassem que as gorduras não fazem
só mal. Elas realmente elevam o colesterol ruim (conhecido como LDL), mas algumas elevam também o
colesterol bom (conhecido como HDL). O HDL faz bem ao coração. Além disso, está ficando claro que comer
um pouco de gordura sacia a fome. Assim, quando ingerimos gorduras de menos, acabamos comendo
açúcar demais.
A questão é que nem toda gordura é igual - há muitos tipos delas, cada uma com uma estrutura molecular
diferente e, conseqüentemente, com um efeito distinto sobre o corpo. Para resumir, gorduras sólidas são
piores que as líquidas. As sólidas são de dois tipos: saturadas (como a manteiga) e trans - também
chamadas de gorduras vegetais hidrogenadas (como a maior parte das margarinas). Já as gorduras líquidas
são insaturadas, como azeite e óleos presentes em castanhas. Essas são melhores porque aumentam o HDL.
As gorduras líquidas também são divididas em dois grupos: monoinsaturadas (abacate, nozes, azeite) e
polinsaturadas (peixe, óleo de soja). As gorduras polinsaturadas são as únicas que o corpo não produz
sozinho, e elas também vêm em dois tipos: ômega-3 e ômega-6. A ômega-6, que está no óleo de soja, nas
carnes e nos laticínios, é muito abundante nos alimentos, e portanto você não precisa se preocupar em
consumi-la. Mas a ômega-3 é rara, daí a importância de comer peixe, frutos do mar e óleos de canola e
linhaça.
Por muito tempo, a gordura saturada foi vista como a pior. Mas hoje se sabe que ela, ao mesmo tempo em
que aumenta o LDL, aumenta também o HDL - ou seja, não faz só mal. Hoje é na gordura trans que a
etiqueta "Livre-se disso!" se dependura. O processo de hidrogenização - que consiste em adicionar
hidrogênio à gordura vegetal - permite que o produto dure mais tempo na prateleira do supermercado, mas
eleva muito o LDL no sangue. Um ótimo negócio para os fabricantes, um péssimo negócio para você. Seu
corpo vai agradecer se sorvete, batata frita de saquinho e margarina forem trocados por sorbet, brócolis e
azeite. Além disso, é bom ficar atento aos rótulos e evitar produtos que têm "gordura vegetal hidrogenada"
na lista de ingredientes.
A reabilitação das gorduras fez emergirem acusações contra outro grupo de alimentos: os carboidratos. A
idéia de emagrecer comendo bacon no café da manhã convenceu muita gente cansada de privações na
tentativa de perder peso. Hoje, milhões de pessoas (26 milhões só nos Estados Unidos) seguem dietas que
limitam a ingestão de carboidratos. Muitos nutricionistas estão esperneando, afinal não há estudos que
garantam que tanta proteína e gordura não tenha efeitos negativos a longo prazo. Para atender à nova
demanda, a indústria de alimentos estampou "sem carboidratos" ou "baixo índice glicêmico" nas
embalagens.
"Índice glicêmico" é a medida do nível de glicose que o alimento gera no sangue. Carboidratos como grãos
integrais e frutas têm índice glicêmico baixo - eles são ricos em fibras, que retardam a absorção de açúcar.
Outros, como pão e arroz brancos, batata e açúcar têm índices altíssimos. Eles elevam rapidamente a taxa
de glicose no sangue e forçam o corpo a armazenar o excesso dentro das células. Quem faz o trabalho de
armazenamento é a insulina. Quando comemos alimentos de alto índice glicêmico, produzimos muita
insulina de uma só vez. O excesso do hormônio diminui o nível de glicose no sangue e a queda faz o corpo
pedir mais, gerando a sensação de fome. Ou seja, consumir muita comida com alto índice glicêmico pode
aumentar a compulsão alimentar. E não é só isso: está ficando mais claro que esses altos e baixos na
produção de insulina podem levar a diabetes tipo 2, uma doença séria, cuja incidência está explodindo.
A má notícia é que isso significa abrir mão de comer arroz branco e batata todo dia. Além de índice glicêmico
altíssimo, eles têm poucos nutrientes comparados a substitutos como brócolis ou ervilhas. E, se você acha
impossível substituir arroz, passe em uma loja de produtos naturais. Amaranto, cevada, e quinoa são só
alguns dos grãos que você deixa de lado ao optar pela monotonia alva do arroz nosso de cada dia.
Para resumir: não há heróis ou vilões. Gorduras e carboidratos devem estar presentes nas dietas. Entre as
gorduras, prefira as dos peixes, nozes e azeite de oliva. E, entre os carboidratos, escolha aqueles presentes
em grãos integrais, frutas e verduras. Arrume substitutos para manteiga, margarina, carne vermelha, arroz
branco, batata... Substituir alimentos pode ser mais importante do que cortá-los. Experimente trocar a
alface-americana da sua salada por espinafre, que tem diversos nutrientes e fibra. E alterne bifes com soja,
frango ou peixes. Há muitos indícios de que carne vermelha tenha relação com diversos tipos de câncer.
Conta corrente
Lembre-se de que todo grupo de alimentos tem uma função importante. "Os carboidratos são nossa conta
corrente. Possibilitam os esforços físicos diários, como subir uma escada. Já a gordura forma nossa
caderneta de poupança. O corpo só usa gordura para esforços mais longos, como exercícios físicos
prolongados", diz Annete Abdo. Nesse cenário, proteínas seriam nossa credibilidade. Formam a estrutura
que nos permite abrir a conta no banco - ou seja, são a massa corporal. Sem elas, não há conta corrente
nem caderneta de poupança.
A metáfora é valiosa em tempos em que a economia fala tão alto. Se você tira todo seu dinheiro da conta
corrente (consome poucos carboidratos), vai usar o dinheiro da caderneta de poupança (gordura). O gerente
do banco vai achar estranho que você esteja gastando suas reservas e vai cortar seus benefícios (para se
proteger da escassez, o corpo reduz o metabolismo). Sem investimentos você perde credibilidade (a massa
corporal) e se você precisar de um empréstimo (comer algo mais calórico) seu banco vai cobrar juros
altíssimos (você engorda muito mais rápido). É por isso que o único jeito eficiente de mexer em
investimentos sem conseqüências desastrosas é ganhar credibilidade. Comer com moderação e fazer
exercícios físicos regularmente, que aumentam a massa corporal e dão agilidade ao metabolismo.
Evite ações de alto risco (dietas muito radicais), diversifique investimentos (não coma apenas um grupo de
alimentos: variedade é o outro mantra da alimentação). E, lembre-se, muito lucro pode sair caro. Nossa
obstinação por barganhas pode se reverter em alguns anos de vida a menos.

Deveríamos parar de comer carne?


A decisão sobre que comida colocar no prato tem implicações econômicas, ambientais, éticas,
históricas e religiosas. Saiba as vantagens e desvantagens do alimento.
Comer não é só uma questão de matar a fome. A decisão sobre que comida colocar no prato tem
implicações econômicas, ambientais, éticas, culturais, fisiológicas, filosóficas, históricas, religiosas. Embora a
porcentagem de vegetarianos venha se mantendo mais ou menos estável ao longo da história, há um
interesse crescente no assunto - restaurantes naturais e vegetarianos ficam lotados na hora do almoço,
tornou-se comum, pelo menos nas classes médias urbanas, a preocupação em reduzir o consumo de carne,
e surgiu uma indústria bilionária de produtos naturais que, nos Estados Unidos, já movimenta quase 8
bilhões de dólares.Esta reportagem não ensina você a comer. Felizmente, essa ainda é uma decisão pessoal,
que depende apenas do seu julgamento sobre o que é certo e o que é errado e - não menos importante - do
seu gosto. O que essa matéria faz é tentar ajudar na decisão com o máximo possível de informação
insuspeita sobre cada um dos muitos aspectos envolvidos nessa importante decisão. Se você, depois de
terminá-la, vai devorar um brócolis ou um cheeseburger, já não é assunto nosso. Só esperamos que,
terminado o texto, ao decidir o que comer você saiba o que está fazendo e o que isso implica.
O que é a carne?
A faca desce macia, cortando sem esforço o pedaço de picanha. Dourada e crocante nas bordas, tenra e
úmida no centro. Você põe a carne na boca e mastiga devagar, sentindo o tempero, a maciez, a
temperatura. O sumo que escorre dela enche a boca e, com ele, o sabor incomparável. Carne é bom.
Mas que tal assistir à mesma cena sob outra perspectiva? No prato jaz um pedaço de músculo, amputado da
região pélvica de um animal bem maior que você. Com a faca, você serra os feixes musculares. A seguir,
coloca o tecido morto na boca e começa a dilacerá-lo com os dentes. As fibras musculares, células compridas
- de até 4 centímetros - e resistentes, são picadas em pedaços. Na sua boca, a água (que ocupa até 75% da
célula) se espalha, carregando organelas celulares e todas as vitaminas, os minerais e a abundante gordura
que tornavam o músculo capaz de realizar suas funções, inclusive a de se contrair. Sim, meu caro, por mais
que você odeie pensar que a comida no seu prato tenha sido um animal um dia, você está comendo um
cadáver.
Carne é tecido animal, em geral muscular. As fibras que a compõe são feixes de células musculares,
enroladas umas nas outras. Em volta delas há uma cobertura de gordura, cuja função é lubrificar o músculo
e permitir que ele relaxe e se contraia suavemente. Ou seja, não há carne sem gordura.
A diferença entre carne branca e vermelha é a quantidade de ferro no tecido - o mesmo mineral que dá cor
ao sangue. As células de animais grandes, como o boi, são ricas de uma molécula chamada mioglobina, que
contém ferro. Peixes e galinhas, por terem o corpo menor, não precisam de reservas tão grandes de
nutrientes nas células e, por isso, têm menos mioglobina. Animais mais velhos têm carne mais vermelha -
isso explica a brancura do frango industrializado, abatido antes dos dois meses, se comparado à galinha
caipira. Essa última tem mais tempo para acumular mioglobina nas células.
Números, números, números
Há no mundo 1,35 bilhão de bois e vacas. Criamos 930 milhões de porcos, 1,7 bilhão de ovelhas e cabras,
1,4 bilhão de patos, gansos e perus, 170 milhões de búfalos. Some todos eles e temos uma população de
animais quase equivalente à humana dedicando sua vida a nos alimentar - involuntariamente, é claro. E isso
porque ainda não incluímos na conta a população de frangos e galinhas abastecendo a Terra de ovos e carne
branca: 14,85 bilhões.
Só no Brasil há 172 milhões de cabeças de gado bovino - uma para cada cabeça humana. Nosso rebanho
bovino só é menor que o da Índia, onde é proibido matar vacas. Na média, um brasileiro come perto de 40
quilos de carne bovina por ano - ou seja, uma família de cinco pessoas devora uma vaca em 12 meses.
Somos o quarto país do mundo onde mais se come carne bovina (veja quadro na página 44). Um brasileiro
médio come também 32 quilos de frango e 11 quilos de porco todo ano.
Todos os tipos de vegetarianos
Vegetarianos não são todos iguais. Conheça as diferenças.
Ovolactovegetarianos
Não comem carne de nenhum tipo, mas consomem ovos, leite e derivados. Em geral, quando alguém diz
que é "vegetariano", é essa dieta que ele segue.
Lactovegetarianos
Provavelmente o mais numeroso dos grupos, já que essa dieta é predominante no sul da Índia - por razões
religiosas. Nada de carne, mas leite e derivados estão liberados. O ovo é terminantemente proibido, por
conter a "vibração da vida".
Vegans
Não consomem nada de origem animal: carne, ovos, leite, mel. Roupas de couro, lã e seda também estão
proibidas.
Semivegetarianos
Aquelas pessoas que afirmam ser vegetarianas, mas abrem exceções para peixes ou aves. São vistos com
desdém pelos outros grupos. A principal razão para essa dieta, que recusa só a carne vermelha, é o cuidado
com a saúde.
Macrobióticos
Dieta tradicional japonesa, que pode ser vegan, ovolactovegetariana ou incluir peixe. Há várias restrições - a
dieta acompanha as estações do ano, o cardápio tem que incluir uma árvore toda, da semente ao fruto.
Como foi elaborada no Japão, a macrobiótica não contempla a realidade brasileira (as estações do ano, por
exemplo, são diferentes aqui). Isso pode levar a deficiências alimentares.
Crudivorismo
Só comem vegetais crus. É preciso cuidado com essa dieta, porque ela exclui os grãos, que são as melhores
fontes de proteína e ferro dos vegetarianos. Há risco de desnutrição.
Frugivorismo
Os frugivoristas não só rejeitam carne, como evitam machucar ou matar vegetais. Por isso, comem apenas
aquilo que as plantas "querem" que seja comido: frutas e castanhas. Consideram o consumo de folhas,
caules e raízes uma violência. A dieta não é das mais saudáveis, já que é pobre em proteínas e em minerais.
Carne faz mal?
Quem come mais carne - especialmente carne vermelha - tem índices maiores de câncer e de enfarte, as
duas principais causas de morte do planeta. É o que dizem as estatísticas. Carne faz mal, então? Não é tão
simples.
Nos últimos 30 anos, as autoridades dos Estados Unidos vêm aconselhando os americanos a diminuir a
ingestão de carne vermelha e manteiga por causa de suspeitas de que a gordura saturada presente em
grande quantidade nesses alimentos aumenta a taxa de colesterol e, com isso, causa ataques cardíacos. O
conselho virou norma no mundo todo - a Organização Mundial da Saúde e vários governos adotaram a
política de reduzir a gordura saturada. Tudo muito bom, só que tem algumas peças que, mesmo após três
décadas de pesquisas, continuam não se encaixando no quebra-cabeças.
Uma delas é a Europa mediterrânea. Lá, desde que terminaram os rigores da Segunda Guerra, o consumo
de carne vermelha tem aumentado. Pois bem: a taxa de doenças cardíacas diminuiu no mesmo período. E a
França? O país da pâtisserie, fã ardoroso das carnes vermelhas de todo tipo, onde qualquer almoço começa
refogando o que quer que seja em manteiga derretida, tem uma das mais baixas taxas de mortes por
ataque cardíaco do mundo.
No ano passado, Gary Taubes, correspondente da revista americana Science e um dos principais escritores
de ciência do mundo, escreveu um longo artigo no qual classificava o medo da gordura saturada como
"dogma". Taubes afirma que, mesmo com tanta pesquisa, não há prova de que gordura saturada e enfartes
estão ligados. E vai além: diz que a propaganda do governo só serviu para fazer com que os americanos
comessem mais - ao evitar a gordura, eles acabavam ingerindo mais carboidratos, mais açúcar, para manter
a quantidade diária de calorias (o corpo tende a reclamar quando as calorias são insuficientes para saciá-lo -
isso se chama fome). Resultado: o índice de obesidade passou de 14% para 22% no país. E obesidade,
sabidamente, é um sério fator de risco para doenças cardíacas.
A maior parte do mundo médico ainda acredita na malignidade da carne vermelha e da manteiga. ("Não
tenho dúvidas da relação entre gordura saturada e doenças cardiovasculares", afirma o nutricionista
argentino Cecílio Morón, oficial da agência da ONU que cuida de alimentação, a FAO. Denise Coutinho, que
coordena a política de nutrição do governo brasileiro, repetiu quase as mesmas palavras.) Mas o artigo de
Taubes serviu para mostrar que nutrição não é baseada numa relação simples de causa e conseqüência, tipo
"mais carne, mais ataques cardíacos".
Mas, afinal, o que sobra da discussão? Dietas de países gelados como a Escócia e a Finlândia, onde o único
vegetal consumido em quantidade é o tabaco, estão equivocadas. Os altos índices de ataques cardíacos por
lá são prova incontestável. Mas os franceses, e os mediterrâneos em geral, devem estar fazendo alguma
coisa certa. Sua dieta é variada e rica em vegetais frescos, azeite de oliva (tido como redutor de colesterol),
vinho e carne de todos os tipos. Ao contrário dos americanos, esses povos comem com calma, em ambientes
descontraídos. O que os está salvando dos ataques cardíacos? Os legumes, o azeite, o vinho, a conversa
mole depois do almoço, a brisa marinha? Ninguém sabe ao certo. Provavelmente é uma conjunção de todos
esses fatores.
O raciocínio vale em parte para o câncer também. Os comedores de carne morrem mais de câncer de
intestino, boca, faringe, estômago, seio e próstata. Ainda assim, o elo entre carne e câncer é meio frouxo.
Tudo indica que, se é que a carne aumenta mesmo a incidência de câncer, sua influência é bem pequena -
um fator entre muitos.
Agora, de uma coisa ninguém tem dúvidas: vegetais fazem bem. Uma dieta rica em frutas, legumes e
verduras claramente reduz as chances de ter câncer no esôfago, na boca, no estômago, no intestino, no
reto, no pulmão, na próstata e na laringe, além de afastar os ataques cardíacos. Frutas e legumes amarelos
têm caroteno, que previne câncer no estômago; a soja possui isoflavona, que diminui a incidência de câncer
de mama e osteoporose; o alho tem alicina, que fortalece o sistema imunológico; e por aí vai - essa lista
poderia ocupar o resto da revista. Em resumo: não está bem claro se a carne faz mal. Muito bem, pelo jeito,
não faz. Mas, para ser saudável, o importante é ter uma dieta rica e variada de vegetais. Seja ela
vegetariana ou não.
Dá para viver sem carne?
Dá. O vegetarianismo exige cuidados e conhecimentos de nutrição, mas com certeza pode-se ter uma dieta
saudável sem carne. Aliás, o fato de exigir cuidados a faz mais saudável. Um vegetariano tende a prestar
mais atenção no que come e nos efeitos disso sobre seu corpo. E isso, em si, já é um hábito salutar. Muitos
nutricionistas afirmam que as crianças não devem, de maneira nenhuma, ficar sem proteína animal, sob
risco de terem o desenvolvimento cerebral prejudicado. Essa regra deve ser seguida a não ser que os pais
saibam muito bem o que estão fazendo, conheçam as propriedades de cada alimento e - não menos
importante - que a criança queira.
Os ovolactovegetarianos não têm problemas com proteínas porque os derivados de animais são tão protéicos
quanto a carne. O perigo é que leite e ovos são pobres em minerais, especialmente ferro, que é fundamental
para a saúde - ele é usado para construir a hemoglobina, uma molécula cuja função é carregar o oxigênio do
pulmão para as células. Sem ferro, portanto, as células podem morrer. Isso é a anemia.
Ou seja, ovolactovegetarianos não podem basear sua dieta no leite, nos ovos e nos queijos, sob risco de
ficarem sem nutrientes valiosos. É preciso comer muitos e variados vegetais, em especial soja, feijão,
brócolis, couve, espinafre - todos ricos em ferro. A quantidade é fundamental, porque o ferro dos vegetais
é menos absorvido pelo corpo que o de origem animal. Uma boa dica é acompanhar as refeições com suco
de laranja, já que a vitamina C ajuda na absorção do ferro. Outra fonte de ferro é a casca de grãos como o
arroz e o trigo. Por isso, eles devem ser sempre integrais. Denise Coutinho, responsável pela política
nutricional do governo federal, adiantou à Super que está em estudo uma medida para tornar a fortificação
com ferro obrigatória nas farinhas de trigo e de milho. A medida, que visa combater a desnutrição, vai
acabar ajudando a vida dos vegetarianos.
Já para os vegans, a palavrinha mágica é "soja". Se você não gosta desse grão ou é alérgico a ele, virar
vegan vai ser bem mais penoso. A questão é a seguinte: suprir suas necessidades protéicas com carne
é fácil. "Afinal, você é feito de carne", diz Pedro de Felício, especialista em produtos de origem animal da
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Um bife tem a mesma composição que os músculos do seu
corpo. As proteínas das quais ele é feito são, também, iguais às suas, feitas com os mesmos aminoácidos.
Portanto, contêm tudo o que você precisa.
Proteínas vegetais são mais simples. Elas não contêm todos os componentes necessários. A soja, entre os
vegetais, é o que tem as proteínas mais completas. Há outras fontes de proteína, como o feijão, mas, se
você não come soja, vai precisar de grandes quantidades e de muita variedade de vegetais para juntar todos
os aminoácidos de que precisa. "Desde que sigam essa regra, os vegans tendem a ter uma dieta até mais
equilibrada que os ovolactovegetarianos, já que não ocupam lugar no estômago com ovos e leite, que são
pobres em vários nutrientes", diz o nutricionista vegan George Guimarães.
Uma questão para os vegans é a vitamina B12, que o corpo não produz e não existe em vegetais. A B12
é fabricada por bactérias e pode ser encontrada nos animais (que comem bactérias ao ciscar ou pastar). Mas
suprir as necessidades de B12 é fácil: qualquer biscoito ou cereal com a palavra "fortificado" no rótulo
contém a vitamina. Ela também é vendida em cápsulas.
Samos vegetarianos por natureza?
Não. "O homem tem dentes pequenos e sistema digestivo curto, características de onívoros", afirma o
antropólogo físico Walter Neves, da Universidade de São Paulo, maior especialista brasileiro em homens pré-
históricos. Ou seja, nosso organismo está preparado para comer de tudo, inclusive carne. Somos como o
chimpanzé, que, além de plantas, cata insetos, lagartos e roedores. E diferentes do gorila, que só come
plantas e, para isso, tem dentes molares imensos e uma barriga enorme (se você também tem uma, por
favor não tome isso como uma comparação). Os dentes grandes servem para criar mais área de mastigação
e, assim, triturar melhor as folhas e tirar delas os escassos nutrientes. A barriga abriga o intestino e o
estômago, que são bem maiores para dar mais tempo ao organismo de absorver o que interessa.
Walter afirma que, num passado longínquo, nos alimentávamos como chimpanzés. Mas há 2,5 milhões de
anos nossa dieta mudou. Começamos a fabricar instrumentos de pedra e as novas armas permitiram que
incluíssemos no cardápio a carne de grandes mamíferos. Assim, nossa ingestão de proteína animal
aumentou demais. "Sem isso, não teríamos desenvolvido um cérebro grande", diz Walter. O aumento súbito
de proteína na dieta permitiu que nosso corpo investisse mais recursos no sistema nervoso. Hoje, de 30% a
40% de tudo o que comemos vira combustível para fazer o cérebro funcionar. Sem o aumento na ingestão
de carne, isso jamais seria possível.
Mas, na mesma época, surgiu um gênero de humanídeos estritamente vegetarianos. Conhecidos como
Paranthropus, eles tinham grandes molares, eram barrigudos e não comiam animais de nenhuma espécie,
nem insetos. Esses humanos vegetarianos conviviam com os humanos caçadores - há um lago no Quênia
onde foram encontradas ossadas das duas espécies, com aproximadamente a mesma idade, a poucos
quilômetros de distância.
O Paranthropus se extinguiu há 1,2 milhão de anos, provavelmente porque sua dieta mais restritiva o
atrapalhou na competição com nossos ancestrais generalistas. Nossos primos vegetarianos deviam ser muito
menos espertos que seus contemporâneos Homo, como atesta o tamanho de seu cérebro. "Eles investiram
os recursos do organismo em dentes, os Homo investiram no cérebro", diz Walter.
Quer dizer que precisamos comer carne para raciocinar? Não. Há 2,5 milhões de anos era assim porque não
sabíamos plantar e nossa dieta quase não incluía plantas protéicas. Os únicos vegetais que comíamos eram
frutas, folhas e raízes. Hoje, é possível ter uma dieta rica em proteínas sem carne.
Vaca, a onipresente
Há quem diga que o problema de comer carne é moral: não teríamos o direito de matar para comer. Mas, se
você acha que basta parar de comer carne para acabar com a matança, está enganado. Há muito mais
produtos no mercado que incluem animais mortos do que imagina a nossa vã filosofia.
Para começar, boa parte da indústria de vestuário depende de animais. O couro, você sabe, é a pele de
bichos abatidos. Para separar o fio de seda, é preciso ferver o bicho-da-seda. Além disoo, filmes fotográficos
e de cinema são recobertos por uma gelatina, retirada da canela da vaca. Ou seja, um vegan radical só tira
fotos digitais. Dos pés bovinos saem também substâncias usadas na espuma dos extintores de incêndio. O
sangue bovino rende um fixador para tinturas e a gordura acaba em pneus, plásticos, detergentes, velas e
no PVC. Cremes de barbear, xampus, cosméticos e dinamite derivam da glicerina, substância que contém
gordura bovina. A quantidade de medicamentos feitos com pedaços de gado, do pâncreas ao cordão
umbilical, passando pelos testículos, é imensa.
Há um pouco das vacas também em vários produtos da indústria alimentícia - e não estamos falando só de
bife à parmegiana. A gelatina deve a consistência ao colágeno arrancado da pele e dos ossos. Aliás, quase
toda comida elástica contém colágeno - da maria-mole ao chiclete. Os queijos curados são feitos com uma
enzima do estômago do bezerro. Além dos bovinos, vários outros animais são usados pela indústria de
comida. Vegans devem ficar de olho nos rótulos e evitar dois corantes: coxonilha e carmin. O primeiro,
usado para tingir de azul, é feito de besouros moídos. O segundo, que pinta de vermelho, é feito de lesmas
amassadas.
O planeta precisa de carne?
Na verdade, se todos fossem vegetarianos, é provável que não houvesse tanta fome no mundo. É que os
rebanhos consomem boa parte dos recursos da Terra. Uma vaca, num único gole, bebe até 2 litros de água.
Num dia, consome até 100 litros. Para produzir 1 quilo de carne, gastam-se 43 000 litros de água. Um quilo
de tomates custa ao planeta menos de 200 litros de água.
Sem falar que damos grande parte dos vegetais que produzimos aos animais. Um terço dos grãos do mundo
viram comida de vaca. No Brasil, o gado quase não come grãos - graças ao clima é criado solto e se
alimenta de grama. Mas boa parte da nossa produção de soja, uma das maiores do mundo, é exportada
para ser dada ao gado. Outra questão é que a pecuária bovina estimula a monocultura de grãos. Num
mundo vegetariano haveria lavouras mais diversificadas e teríamos muito mais recursos para combater a
fome.
E não se trata só de comida. A pecuária esgota o planeta de outras formas. "Para começar, ocupa um quarto
da área terrestre e não pára de se expandir", diz o ativista vegetariano Jeremy Rifkin. A pressão para a
derrubada das florestas, inclusive a amazônica, vem em grande parte da necessidade de pasto. Entre os
danos ambientais causados pelo gado, está também o aquecimento global. Os gases da flatulência de bois e
ovelhas - não, isso não é uma piada - estão entre os principais causadores do efeito estufa.
Como vimem - e morrem - os animais
Boi
No Brasil, os bois são criados soltos. Provavelmente, essa forma de criação é menos terrível que a de países
frios do Cone Sul e da Europa, onde os invernos matam o pasto e fazem com que os animais fiquem
fechados em áreas apertadas, comendo só ração. Isso não quer dizer que seja o melhor dos mundos. Os
animais muitas vezes passam fome, vivem cheios de parasitas e apanham copiosamente. "O manejo no
Brasil é muito bruto", diz o etólogo Mateus Paranhos da Costa, da Universidade Estadual Paulista (Unesp),
de Jaboticabal, especialista no assunto.
Não existe aqui no Brasil a produção de vitela - carne muito branca e macia de bezerros mantidos em jaulas
superapertadas para evitar que se movimentem. Para acentuar a brancura da carne, os criadores não
permitem que o bezerro coma grama ou grãos, só leite - a dieta tem que ser pobre em ferro e em outros
nutrientes, forçando uma anemia no animal. Com isso, torna-se necessário o consumo de antibióticos, para
diminuir o risco de infecções do animal desnutrido. "A vitela deveria ser proibida no mundo inteiro", afirma o
agrônomo e etólogo Luiz Carlos Pinheiro Machado Filho, especialista em técnicas de manejo da Universidade
Federal de Santa Catarina.
Para matar um boi, primeiro se dá um disparo na testa com uma pistola de ar comprimido. O tiro deixa o
animal desacordado por alguns minutos. Ele então é erguido por uma argola na pata traseira e outro
funcionário corta sua garganta. "O animal tem que ser sangrado vivo, para que o sangue seja bombeado
para fora do corpo, evitando a proliferação de microorganismos", diz Ari Ajzenstein, fiscal do Serviço de
Inspeção Federal (SIF), que zela para que as regras de higiene e de bons tratos no abate sejam cumpridas.
Em 1997, a ativista de direitos dos animais americana Gail Eisnitz escreveu o bombástico livro
Slaughterhouse ("Matadouro", inédito no Brasil), no qual acusava os matadouros de sangrar muitos animais
ainda conscientes. "Não vou dizer que isso não acontece no Brasil, mas não é freqüente", afirma Mateus
Paranhos.
O abate a marretadas está proibido no país, o que não quer dizer que não aconteça - já que quase 50% dos
abates são clandestinos e, portanto, sem fiscalização. O problema da marretada é que não é fácil acertar o
boi com o primeiro golpe. Muitas vezes, são necessários dezenas para desacordá-lo.
Galinhas
Essas quase sempre levam uma vida miserável. Vivem espremidas numa gaiola do tamanho delas. As luzes
ficam acesas até 18 horas por dia - assim elas não dormem e comem mais (isso acontece principalmente
com as que produzem ovos). Seus bicos são cortados para que não matem umas às outras e para evitar que
elas escolham que parte da ração querem comer - caso contrário, ciscariam apenas os grãos de seu agrado
e deixariam de lado alimentos que servem para que engordem rápido.
A morte é rápida. As galinhas ficam presas numa esteira rolante que passa sob um eletrodo. O choque
desacorda a ave e, em seguida, uma lâmina corta seu pescoço. O esquema é industrial. Hoje, nos Estados
Unidos, são abatidas, em um dia, tantas aves quanto a indústria levava um ano para matar em 1930. Nas
granjas de ovos, pintinhos machos são sacrificados numa espécie de liquidificador gigante. Parece horrível,
mas é a mais indolor das mortes descritas aqui.
Porcos
Outros azarados. Não têm espaço nem para deitar confortavelmente. "São confinados do nascimento ao
abate", diz Pinheiro Filho. As gestantes são forçadas a parir atadas a uma fivela, apertadas na baia. O abate
é parecido com o de bovinos, com a diferença que o atordoamento é feito com um choque elétrico na cabeça
e que o animal é jogado num tanque de água fervendo após o sangramento, para facilitar a retirada da pele.
Gail Eisnitz afirma, em seu livro, que muitos porcos caem na água fervendo ainda vivos, mas isso
provavelmente é incomum.
Patos e gansos
Os mais infelizes dos nossos alimentos provavelmente são os gansos e patos da França. O foie gras, um patê
tradicional e sofisticado, é feito com o fígado inflamado das aves. Os produtores colocam um funil na boca
delas e as entopem de comida por meses, fazendo com que o fígado trabalhe dobrado. Isso provoca uma
inflamação e faz com que o órgão fique imenso, cheio de gordura. Ou seja, o patê, na prática, é uma
doença. Há movimentos pedindo o banimento do produto. Não se produz foie gras no Brasil.
E o que fazer a respeito
Há uma verdade inescapável: ao comermos carne, somos indiretamente responsáveis pela morte de seres
que têm pai, mãe, sofrem, sentem medo. "Os vertebrados sentem dor", diz Rita Paixão, fisiologista e
bioeticista da Universidade Federal Fluminense. Isso é um fato e, se você pretende continuar comendo
carne, é bom se acostumar com ele. Mas podemos ao menos minimizar o sofrimento, escolhendo comidas
que impliquem em menos crueldade. O mercado oferece alternativas.
Uma delas são os ovos caipiras, produzidos por galinhas criadas soltas, em companhia de galos, sob o sol -
um desinfetante natural -, comendo o que querem com seus bicos inteiros. A maior granja brasileira de ovos
caipiras é a Yamaguishi, que distribui "ovos da galinha feliz" pela região de Campinas e em São Paulo. "Os
ovos que nós produzimos... quer dizer, que nossas galinhas produzem", diz Marcelo Minutti, gerente da
granja, "são mais saborosos e não contêm substâncias químicas."
Frangos caipiras, criados em condições semelhantes, também já são encontrados nos supermercados. Sua
carne é mais dura, mas é mais saborosa e a chance de conter substâncias perigosas, como hormônios e
antibióticos, é mínima. A rede Carrefour, graças a uma política da sede francesa, é uma das que oferece o
produto. Ele faz parte da linha "garantia de origem", só de produtos feitos com essa preocupação.
Os bois certificados com "garantia de origem" são bem alimentados e criados por pessoas treinadas por
especialistas em comportamento animal para entender como ele pensa e manejá-lo sem violência. "Agora
vamos produzir porcos com origem garantida, criados soltos", diz o veterinário Adolfo Petry, responsável, no
Carrefour, pelos produtos animais garantidos com o selo. Produtos assim custam entre 50% e 100% a mais
que os convencionais. Apesar do interesse crescente do consumidor em diminuir a crueldade (numa
pesquisa feita pela Super na internet, 85% das 2408 pessoas disseram que deixariam de comer alimentos se
soubessem que eles causam sofrimento para animais), a procura por esses produtos ainda é muito pequena.
A vaca e a humanidade
A criação de gado foi uma das maiores forças ditando os rumos da humanidade. Essa é a opinião do escritor
Jeremy Rifkin, ativista polêmico, vegetariano convicto e pesquisador competente - um dos maiores críticos
da biotecnologia e, por tabela, um dos maiores inimigos do establishment científico. Rifkin, em seu Beyond
Beef ("Além da carne", sem versão em português), mostra que devemos muitas coisas importantes ao
hábito de criar vacas para matar. Veja algumas delas:
Deus
Algumas das primeiras pinturas nas cavernas representavam vacas. Devemos à carne nossas primeiras
manifestações artísticas e, possivelmente, a origem das nossas religiões - essas pinturas são o primeiro
registro de uma humanidade preocupada com o mundo espiritual, acertando as contas com os animais que
matava.
Diabo
As tribos nômades de cavaleiros que habitavam a Eurásia há 6 000 anos juntavam gado selvagem e o
criavam nos pastos naturais. Esses pastores cultuavam um deus-touro, chamado Mithra, símbolo da força,
da masculinidade, do poder. A necessidade de pastos novos a cada vez que acabava o antigo fazia deles
expansionistas por natureza e, no início da era cristã, eles já tinham se espalhado da Índia a Portugal. Com
isso, o culto a Mithra tornou-se muito popular no Império Romano. Para contê-lo, a Igreja adotou sua data
sagrada, o dia de Mithra - 25 de dezembro. Estava estabelecido o Natal. Depois, no Concílio de Toledo, em
447, a Igreja publicou a primeira descrição oficial do diabo, a encarnação do mal: um ser imenso e escuro,
com chifres na cabeça. Como Mithra.
Grandes navegações
Na Idade Média, a carne raramente era fresca e, por isso, havia muita demanda de temperos para disfarçar
o sabor. Ao mesmo tempo, tinham se esgotado os pastos da Europa - não havia mais para onde levar os
rebanhos crescentes. Resultado: os europeus caíram no mar em busca de um caminho para as especiarias
indianas e de espaço para soltar os bois. Acharam mais espaço do que imaginavam: a América. Hoje,
Estados Unidos, Brasil, Uruguai e Argentina têm alguns dos maiores rebanhos do mundo.
Conquista do Oeste
Em 1870, boa parte dos Estados Unidos tinha se transformado em pasto. Mas havia um obstáculo para a
expansão. Os campos do oeste americano estavam tomados por hordas de búfalos, que serviam de caça
para as tribos indígenas. O governo americano não queria os búfalos, difíceis de manejar, e temia os índios.
Adotou, então, uma solução simples: matar os búfalos e, assim, deixar os índios sem comida. É assim que
Rifkin resume a heróica "conquista do Oeste".
Naquela década, matar búfalo foi o que mais se fez na região. Havia "excursões turísticas" nas quais um
trem emparelhava com manadas e os passageiros começavam a atirar. As carcaças eram abandonadas ao
longo da ferrovia. Cowboys como Buffalo Bill se tornaram lendários por matar até 40 búfalos numa caçada.
Em dez anos, as manadas, que eram tão grandes que levavam horas para passar, sumiram. Em 1881, a
tradicional Dança do Sol da tribo kiowa foi adiada por dois meses porque os índios não conseguiam
encontrar um só búfalo para o sacrifício ritual. Finalmente, acharam um animal solitário e o mataram. No
ano seguinte, não encontraram nenhum.
Indústria moderna
No final do século XIX surgiu uma novidade na indústria da carne: a esteira rolante. Em vez de depender de
um açougueiro habilidoso, o matadouro podia usar vários funcionários pouco especializados, cada um
fazendo um pouco do trabalho, enquanto a carcaça se movia sozinha. Uma "linha de desmontagem". Um
dia, um mecânico que vivia em Detroit foi visitar essa linha. Anos depois, esse mecânico admitiria que a
indústria do abate foi uma forte inspiração para a sua própria fábrica, batizada em 1903 com seu
sobrenome. O nome desse mecânico? Henry Ford.
Agora é com você. O que vai ser? Brócolis ou cheeseburger?

Вам также может понравиться