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paula.medeiros@esepf.pt
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e continuam a ser, momentos de (re) significação do que posso estudar esta situação? Mas como?»; « Como
meu pensamento sobre a investigação em Educação melhorar a auto-estima de uma criança dislexica? A per-
Especial. Resultaram ainda em muitas interrogações gunta pode ser assim?». Reparo no aluno que se encon-
que põem em causa a segurança e o conforto possíveis tra no final da fila e que suspira de impaciência. Outro
que as leituras dos teóricos da investigação social nos colega reclama: «Essa também era a minha questão!».
dão. Provocam-nos igualmente certas inquietudes: Segue-se a reconciliação. Os dois deixam-me porque
Como responder com seriedade e rigor científicos aos descobrem que não só têm a mesma questão como tam-
novos problemas que se vão colocando nesta área do bém partilham entre si algumas angústias que eventual-
saber? mente eu nunca seria capaz de compreender. Finjo não
Alguns manuais de investigação começam por explicar me importar e continuo a ouvir: « Será que os professo-
que toda a pesquisa nasce de uma interrogação acerca de res estão preparados para ter um aluno sobredotado na
um problema que se pretende conhecer melhor. Há sala de aula?». De novo, os interesses convergem: «Eu
nesta afirmação um silêncio sobre as motivações de pes- também gostaria de estudar a sobredotação, mas na
quisa que tem vindo a ser quebrado por aqueles que perspectiva das famílias, é possível?»
assumem, de um modo comprometido, os desafios da Escondo alguma tristeza que me causam outras histórias
Educação Especial. A memória de muitas interpelações de vida de cada criança, de cada família, de cada profes-
que me foram colocadas, em poucos anos, permitiu a sor, enquanto olho disfarçadamente para a fila de espera.
correcção do meu olhar sobre as razões pelas quais se Sinto-me constrangida por não entender como é que
pode e quer investigar. estes estudantes e profissionais conseguem enfrentar
Um episódio que vos quero contar, embora possa não com tanta coragem tais contextos de sofrimento.
ser novo para muitos de nós. Recordo-me, então, das conversas e reuniões com os
Estamos numa aula de Metodologias Investigação em Educação meus colegas, que nunca perdem tempo com paternalis-
cuja abordagem temática se centra na formulação da mos fáceis na abordagem destas questões, e do entu-
«pergunta de partida». Explicitada a necessidade de pre- siasmo e paixão que colocam em cada reflexão, na
cisão, clareza e pertinência da questão orientadora da análise e procura de respostas educativas para os casos
pesquisa, ninguém parece ter dúvidas. Fim da aula. Che- que lhes vão sendo colocados. Recupero o ânimo.
gava a altura de respirar fundo, não fosse aquela fila de Ao olhar para lista de referências bibliográficas da disci-
alunos que assalta a minha mesa. Arrumo o material na plina de Metodologias Investigação em Educação, pergunto-me
tentativa de escapar às esperadas questões. Sei que não qual será o autor que terá conhecido de perto estes estu-
posso e já enfrento a «desordem» com alguma boa dis- dantes e qual a proximidade que ele terá estabelecido
posição. Afinal, eu não tinha respondido às principais com os contextos de que eles me falam. Mas já não me
dúvidas dos nossos estudantes: «Tenho uma aluna hipe- sinto derrotada. Sei que o rigor nas escolhas dos méto-
ractiva na sala (bem, eu acho que ela é hiperactiva, não se dos, na interpretação dos sentidos que cada pessoa dá
concentra etc., etc.) e a minha pergunta é como agir para aos problemas que enfrenta, a procura da objectividade
melhorar o seu rendimento escolar e o da turma? E na obtenção e reflexão dos resultados serão sempre asse-
agora? como é que eu formulo a pergunta de partida?»; gurados pelos professores que acompanharão o percurso
« A minha escola não tem uma cadeira que esteja adap- de investigação dos nossos alunos. Sei que todas essas
tada ao meu aluno que tem uma deficiência motora, será questões são valorizadas. Motivam-me as perguntas, os
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pedidos de ajuda nas questões metodológicas, que me Para entender o sentido especial dado à investigação em
dirigem. De vez em quando surge um pedido mais espe- Educação Especial, basta ler com atenção as histórias do
cífico: «Paula, não se esqueça de lhes falar nas referências Paulo com Distúrbios de Comunicação e Linguagem, as
bibliográficas!». Sorrio agora, pedindo desculpa por esta histórias da Família do Paulo, do Paulo «hiperactivo»,
pequena traição. com problemas de aprendizagem, do Paulo com Trisso-
Reinvento sempre o entusiasmo de ser professora de mia 21, do Paulo com dislexia, do Paulo sobredotado, do
metodologias de investigação em Educação Especial e Paulo que é surdo, as histórias dos Professores e Educa-
prometo, um dia, escrever um artigo científico com as dores do Paulo, todas as histórias contadas nesta Revista,
referências bibliográficas «direitinhas». De resto, não sustentadas num rigor investigativo exemplar mas sem-
tenho qualquer pretensão de responder adequadamente pre aliado a uma sensibilidade de quem olha para o
a todas as questões que me vão surgindo, nem de impor Paulo como um caso de poesia.
qualquer verdade no âmbito da investigação em Educa-
ção Especial. É essa liberdade que nos incapacita de
saber qual é a verdade, a liberdade de não ter certezas, Referência Bibliográfica
que gostaria de dedicar a todos os que se interessam
ANDRADE, Carlos Drummond de (1997), Histórias para o Rei, Rio de
pelas questões da Educação Especial, através de um Janeiro: Distribuidora Record de Serviços de Imprensa S.A.
breve conto de Carlos Drummond de Andrade.
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