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Um Encontro no Jardim dos Saberes

O caminho entre o tempo, a realidade e a verdade

A.J. Vilanculo

2017
Notas Introdutórias

Esta obra é uma ficção, contém claramente pensamentos e ideias que


reflectem em grande medida uma certa realidade para o nosso
contexto histórico-cultural.

Respeitosamente, recomenda-se a não alteração do seu conteúdo


e/ou realização dalguma forma de publicação para fins de terceiros. Ela
foi escrita para qualquer indivíduo interessado em leitura e
compartilhar ideias, em particular, sobre vida. Reconhecendo
fragilidades e pontos que suscitem curiosidades o caro leitor pode
fazer críticas e sugestões encaminhando-as ao correio electrónico:
azariasvila@outlook.com

Meu maior apreço vai ao Jamisse e ao Ifraime pela contribuição desta


breve obra. Reconheço que há ainda muito que trabalhar nela. Afinal,
uma arte é uma obra de contínua criatividade.

Soli Deo Gloria

AJ
Índice
Introdução ............................................................................... 3
No século das afeições ............................................................. 7
A Sentença............................................................................. 17
Memórias da Última Primavera ............................................. 29
A Peregrinação ao Além......................................................... 35
Os homens, a Tradição e o Incomum .................................... 44
Na Casa da Conselheira ........................................................ 53
Uma Estranha Confissão ....................................................... 60
Quando os Homens Sonham ................................................ 69
Um Encontro no Jardim dos Saberes

Introdução
O Jardim

“A vida só pode ser compreendida olhando-se para trás; mas só pode ser
vivida olhando-se para a frente.”— Søren Kierkegaard

“Não alcançamos a liberdade buscando a liberdade, mas sim a verdade.


A liberdade não é um fim, mas uma consequência.” — Tolstoi
É sábado, talvez! Esse é momento de encontrar uma vida para ser
vivida, achar-se em existência desse lado que parece se cercar dum
misterioso mundo e tempos. Convoca-se uma caminhada entre
vários elementos num universo maravilhosamente ornamentado.
Encontra-se nele uma minúscula parcela: é o jardim!
Um jovem caminha em passos suaves para chegar não no destino
mas para encontrar algum caminho e uma luz ao fim de todas as
caminhadas. No momento apropriado embora pareça súbito ele vê
uma luz, uma beleza e um dia para se lhe encantar ou quem sabe
transtornar-lhe. É um jardim cheio de fragrância, movimentado
por gentes diversas e nele o tempo está em dinâmica ordenada. Um
jardim, uma orquestra do mundo dos homens!
Encontra um assento entre os tempos, pensamentos, crenças,
hábitos e toda e qualquer coisa que alcance os seus sentidos. Aqui
a sua mente, seu espírito, sua alma e o seu corpo se encontram com
um mundo, se imaginário ou tangível não se pode dizer agora.
Logo o seu ser capta todo o resto de si. Aquele assento encontra-se
diante de mais três: num extremo estão numa conversa homens
com cãs, no centro duas mulheres adultas – uma com os olhos nos

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O caminho entre o tempo, a realidade e a verdade

velhos e outra no outro extremo – e nesse último assento mais


pessoal jovem que tem um mesmo parecer com este jovem. Lhe
chamam Miguel. Sua busca inicia nesse cativante momento.
No jardim ouvia-se todo o tipo de pensamento. Haviam palavras
para dar alegria ou tristeza, verdade ou mentira, realidade ou
ilusão. E ninguém escapava desse pequeno mundo de diálogos
amplíssimos.

— Sabes meu amigo! Que eram os antepassados dos antepassados que


passaram estes víveres aos nossos recentes antepassados? Indagou o velho
ao seu amigo de longa vida.

— Me queres pregar essas filosofias dessa gente que acha-se cheia de saberes!
Ah! Por um momento exclamou como que aborrecido. Deixemos
essa forma de ignorância! Teu pensamento é sensato mas que nos valerá
saber de tais coisas, já vivemos bastante tempo e temos muito que olhar
para o passado e agradecer ao que nos sucedeu. Talvez as nossas tradições
nunca tenham mudado, ou talvez sempre exista um começo revolucionário
para trazer novos víveres a terra.
— Bem que o falaste! Vamos continuar nesse significado que criamos. Já
ouvimos que quando os que moram do outro lado do jardim chamado “o
país da ciência”, vieram a esse lado enganaram muitos cuja memória jaz
no esquecimento e naqueles que são propensos a fantasias.
Em simultâneo ouviam-se as mulheres e os jovens. Eram os jovens
cheios de conversas mais sobre o porvir. O futuro continuamente
lhes acontecia com mais imprevisibilidade e fascínio, nada mais
lhes podia dar euforia senão ser possuidor de experiências
inexperimentáveis no passado recente. Estes eram como o Miguel.
Um Encontro no Jardim dos Saberes

— O que seguiremos nós!? O mundo está em dinâmica! O jardim está cada


vez mais fascinante para que nos apeguemos a frágeis fundamentos de
coisas contadas. Argumentava uma jovem aos demais que a ouviam.

Podem ser os seus sentidos que estejam frágeis para não entender este
pequeno mundo. Pensou consigo o jovem ainda atentando
admiravelmente ao que acontecia naquele momento.

— Que existe para além do jardim, desse nosso jardim!? Seria o nosso deleite
desse agora só por este maravilhoso momento!? Um outro jovem pôs-se
na dúvida de todas as coisas.

— Vocês sabem que há nesse tempo muitas coisas sobre todas essas coisas.
Eu quero crer nesse agora, vamos viver isso, isso é ou pelo menos nos é
tangível. Continuava a conversa.
As mulheres pareciam gozar de dois mundos: um extremo
antiquado e um outro virado para um mundo de curiosidade,
experiência sem limites, vivendo o futuro no presente que se
tornava passado instantaneamente. Assim prosseguia o dia naquela
orquestra incomum. Era a orquestra dos mundos e da vida.
O Miguel encostou-se como que deitando no seu assento. Do nada
uma voz sussurrou-se que se lhe levanta-se para existir. Como existir?
Questionou-se duvidando não da voz, sim da pergunta. Como o
farei. Nada compreendendo tornou ao seu mundo.
Depois, despertou momentaneamente maravilhado com tal
pensamento de realidade e a sua alma alegrou-se. Foi como que
respondendo a uma tão sublime vocação para além do mundo
natural dos homens. Porém, seu encontro com o que pareceu

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O caminho entre o tempo, a realidade e a verdade

realidade desapareceu de imediato e tornou a acomodar-se ao seu


mundo do então. Esta era a complexidade ideológica com a qual
deparavam-se todos os participantes do jardim. Caminhar pelo
jardim é uma única vez na existência dos homens, como acharei luz para
minha alma? Sua mente indagou. Pensou em como havia
“realidade” e “verdades” no jardim com seus prazeres e desprazeres,
tentou achar um caminho cujo fim fosse para alegria da sua
existência para além do tempo, a eternidade.
Se no sonho, na imaginação, para além do jardim ou numa
espontânea revelação ao natural ou ainda numa vida em terceiro
não se sabe, mas começou a viver em busca de si.
É nesse mundo que lhe importou saber: o tempo em todas as suas
dimensões, a realidade do que é e verdade de cada coisa da vida.
Assim caminhou…
Um Encontro no Jardim dos Saberes

No Século das Afeições

“Dê-me um espírito que, nesse mar agitado da vida,


Ame ter suas velas enchidas por um vento forte,
Mesmo até suas vigas estremecerem e seus mastros se partirem.”
George Chapman

Naquele brilhar dos céus peregrinou aquele jovem. Apartou-se da


sua gente indo as suas origens desconhecidas para descobrir.
Encarnou-se o conto de que os filhos sempre correm para a terra
dos ascendentes. Mas este deixou-se ir, não para se tradicionar, ele
foi como um revolucionário carregado de todos tempos e
civilizações. Em terras ricas, abandonadas e bem proclamadas do
sul do país, nas redondezas nómadas do sul, desembarcava do voo
do tempo um jovem renovado e com dissimulada afeição. Parecia
carregar uma ansiedade de séculos cuja antiguidade não conseguira
enterrar, suas doces emoções tornavam as servas caseiras, numa
impetuosidade emocional transgressora, desejosas de aventuras
modernas cuja realidade nem sequer lhes passara pela imaginação.
Por meses peregrinou até chegar num povoado abandonado. Era a
terra de Malembe.

— A minha alma apetece-lhe descansar aqui. Habitarei por um tempo


aqui.
Logo se deixou morar entre aquela gente. Outros o evitavam,
outros bem queriam com ele tirar as espessas dúvidas que lhes
fluíam nos nervos. Era um sinónimo de novidades, ninguém
chegara aquela terra há anos difíceis de contar.

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O caminho entre o tempo, a realidade e a verdade

Esta terra estava a muito desnudada da escravidão dos homens


brancos e continuava ornamentada de ignomínia dos seculares do
mundo ao redor. Carregada de memórias vivas para cada geração
que lhe consolava solidão em sua eterna vida pela natureza, seu
nome mal conseguia-se ouvir para além daquelas densas paisagens
verdejantes, pois nada a tornava desejável pela sua descivilização.
Em seu aspecto reflectia os tempos do dia, apenas dia, e a noite
tudo desabou. Com uma imensidão de fenómenos sociais e
emocionais esquadrinhava-se uma nova era nos habitantes incultos
e transeuntes que naquela terra moravam.

Revestido de víveres, longínquou-se com a sua aparência


transcendente. Àquela sociedade ameaçava destronar a cultura,
desmoronar os alicerces que outrora os antigos preservaram.
Reluzia pela sua simplicidade e superava a todos pela sabedoria em
lugares longínquos adquirida: sua espiritualidade transformava o
transcendente em um lugar-comum á finita “logicidade” dos
homens, seus suspiros alegravam e amedrontavam idosos e homens
de renome em Malembe. Seu espírito de luta, perseverança e ânsia
despertavam curiosidades que iam perambulando nos desérticos
pensamentos dos filhos de Malembe.
Nas poucas esquinas do vilarejo até aos mais distantes campos a
sua fama era aclamada suscitando paixão e ódio entre aquela gente.
Por mais tempo deixava-se desejar morar naquelas terras.
Quando o sol da vida lhe despertou ânsias profundas abandonou
a sociedade para consigo mesmo cogitar aquele mar impetuoso
dentro de si. Saiu-se a explorar aquela floresta cheia de cicatrizes
dos tempos em que deslocava-se dalém do Atlântico o tão almejado
Um Encontro no Jardim dos Saberes

tesouro negro. Sua imaginação corria a busca de sossego em seu


interior e para em paz alegrar-se em Malembe. Caminhou sob
intensos cantares matinais e em muitos passados deixou-se levar
naquele mundo.
O seu interior não era mais como um mar em sua euforia, mas sim,
os entrecruzamentos dos oceanos agitando-se com tal veemência,
porém, sempre que via homens por onde deambulava era tão
temperado em todo o seu ser o que tornava-o um todo misterioso
que ao revelar-se, confundiam-lhe como ressuscitado dentre os
ancestrais para alguns e como irmão das estrelas para outros. A vida
lhe queria manifestar o destino o qual escolhera para si, ou como
vieram a sussurrar dele, muitas maldições lhe seguiram por
corromper a sua origem. Então seguiu-se com ele….
Ergueu-se uma voz dentre aquele arvoredo, ecoando melodias de
curiosidade. O jovem apercebeu-se que algum espírito vivente lhe
procurava para desvendar segredos da sua alma e quiçá o seu corpo
que mais parecia os homens brancos camuflados. Aquela jovem
mulher ansiava desaguar naquela terra estrangeira para acalmar a
inquietude do seu espírito. Em passos sorrateiros e com a astúcia
do guerreiro, o Nkuvu lhe descobriu entre os arbustos, e
respeitosamente, entronizou-lhe naquele reino de mistérios e
revelações. A Luísa Maria, nome que seu pai lhe concedera na
esperança de lhe garantir entradas entre as mulheres cultas daquela
terra, emudecia-se e com resmungados comunicava-se com aquele
estranho da terra. Contaram-se as estrelas que de uma extremidade
para outra reluziam, as gentes de tindzava acamparam ao redor
daquele dramatismo para ver se uma bênção para os seus corações

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O caminho entre o tempo, a realidade e a verdade

desgarrados chegava. Ah! Mas por longos tempos bocejavam e


babujavam com contínua insatisfação. Contaram-se tempos.
A coragem nasceu no coração dela naquele dia quando os céus
puseram-se curiosos impedindo o crepúsculo de ocultar verdades
profundas. A natureza vislumbrou segredos ainda invisíveis que na
forma de palavras buscavam revelar atitudes corajosas e obscenas
aos anciãos. A bela jovem frisou com ternura de espírito e
consciente das tempestades vindouras pelo clarear do sol do seu
coração:

— Homem culto que fazes nesta árdua terra?— Fitando os seus olhos
nele contemplando mistérios sobre beleza— que fazes pois o meu
espírito perturba-se em vê-lo trilhando os caminhos de pouco esplendor?
Ela soube das falas “insilenciadas” da sua comunidade qual
caminho seguia o estranho.

— Oh! Senhora por que amarguras a tua alma perguntando tal coisa?—
Com tom de sussurro a consciência.

— Olhe para a tua ternura e a inclinação afectiva, esta terra a muito jaz
no esquecimento e na insensibilidade. Porque há muitos tempos ele
estava entre aquele povo.
Falando ela ainda!

— Atente as tuas palavras e olhe a necessidade urgente de lavrar esta terra


sem sentimentos que, nem o calor do sol a amolece para buscar frescura,
nem a frieza da noite de luar a convence da necessidade da busca de calor.
Um Encontro no Jardim dos Saberes

Custava-lhe acreditar no que ouvia do jovem, com seu olhar, ia


contemplando-o numa montra, os grandes oceanos que a cada
condensar das emoções traziam chuvas intensas e vivas e
comoventes, permanecia determinada a incredulidade de tal
compromisso.

— Ouse honestamente contar-me a fonte das tuas afáveis afeições!—


Suplicando como se pedisse um juramento de amor.

— Que direi eu a ti? As minhas afeições são fruto de oceanos transbordantes


de companheirismo e união que obtive na cidade onde nasci e cresci, e
tornaram-se comuns pelo lar caloroso dos meus queridos pais!
Tal declaração veio como uma declaração dos sonhos mais
insensatos e insuperáveis em Malembe. Nunca ouvira, a Luísa
Maria que tal coisa existia, pois há muito tempo que em Malembe
não se falam de tais coisas pois quando moravam os homens
brancos, argumentaram ter tal sentimento, contudo, enganaram as
leigas mulheres que naquela terra habitavam, fazendo-as promessas
e mudando-lhes a cultura que durante eras fora construída.
Encostado num velho tronco, o Nkuvu lhe contava as alegrias da
sua terra, eram estórias de tempos de dor e escravidão, tempos de
júbilo e liberdade, e outras eram dos dias que o ventre da terra
desterrava os horrores do abismo e outras eram dos dias que os
frutos dos céus desciam às almas viventes da sua terra. Narrava com
tal vontade d’alma que levava a jovem a surtos esporádicos e
soluços intensos porque tudo era, para ela, uma mera ilusão, uma
realidade não do mundo dos homens.

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O caminho entre o tempo, a realidade e a verdade

O Nkuvu apercebendo-se da tenebrosidade prevalecente,


constrangeu-se em seu espírito, destemendo na ignorância as
consequências vindouras do seu afecto manifesto, levantou-se
correndo a ela em poucos passos para lhe sustentar o coração e,
como fontes transbordantes para jorrar aquela emoção, abraçou a
jovem com lágrimas inexplicáveis que da sua alma fluíam.
O céu escondeu os olhos grandes da luz do sol, o vento
impetuosamente quis levar para longe todo vestígio daquele facto,
as aves silenciaram os cânticos que desde a alvorada enchiam
aquelas planícies extensas! O abraço rápido pareceu durar um
século de carinho e ternura, que para os que despercebidamente
caminhavam e vigiavam naquele local se aperceberam.

— Não! Não! Pare….


O coração dela enfureceu-se, preocupou-se e abalou-se. Ousadia de
muitas gerações divinizadas ressuscitou naquela mulher, mas suas
entranhas tremaram dentro de si e pensou: não há amor em
Malembe, por isso, nunca ouvi perdão. “O abraço dele nos levará a
sepultura sem nenhuma misericórdia”, pensou consigo mesma já em
estado de desespero, gritou-lhe: “Quem poderia fazer algo naquela
terra sem que a natureza testemunhasse e contasse longas histórias aos
anciãos?”
— Por que dizes isso, oh jovem mulher?
O Nkuvu esquecera naquele momento todos os mandamentos dos
homens de Malembe. Aquela gente era uma lei em si mesma.
Um Encontro no Jardim dos Saberes

O coração dela não estava seguro, palavras lhe faltaram para contar-
lhe as horrendas histórias dos que intentaram aventuras modernas
e amaram os tempos dos exploradores. Quando saísse dali, era para
ser-lhes aplicado severo juízo. Olhando no fundo dos seus olhos,
continuaram orquestrando o momento solene.
Naquele dia, a Dona Catarina executava as suas actividades
quando viu um vulto de testemunhas correndo a ela
apressadamente. Sua alma sentiu um aperto repentino e ela
suspirou para acalmar-se. Lhe contaram as sentinelas dos segredos,
o sacrilégio da eterna punição aos que o cometem. Vieram-lhe
dores profundíssimas no peito, perdeu o fôlego e os batimentos
cardíacos quase que paravam e seu tempo acabaria naquele
instante. Então lhe seguram para que não desfalecesse diante deles,
e recuperando-se, no chão da terra engoliu a poeira da vida.

— Que fez esta minha estrela?– Questionou-se lacrimejando — que fez


a Nweti!
Aquela mulher foi dominada pela justiça que ela mal sabia definir
que não pôde conter aquele segredo. Recolheu bem cedo do seu
afazer naquele dia, seguiu o caminho trémula e sem amparo, com
aspecto de palidez incurável, desfardou-se na consciência de tal
modo que não sentia as trouxas que levava na cabeça. O medo lhe
domou o corpo que mal podia respirar, o auge da agonia encheu o
seu ser.
Não obstante estar distante, o velho Mangueze sentiu o
desmoronamento da mulher que de longe via-se vindo a passos

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O caminho entre o tempo, a realidade e a verdade

incalculáveis, prosseguia como que correndo e parando, fazia tal


movimento consecutivamente até aquela casa alcançar.

Oh Nyeleti! Levantou-se para recebê-la pasmado com aquele aspecto


agonizante.
Nyeleti, o nome tradicional da D. Catarina, o qual os seus
progenitores deram-lhe, pois viram nela luz das estrelas que reluzia
sem sentir-se o seu calor. Mulher de vigor cuja fragrância da noite
passara a sua amada e desmazelada filha apelidando-a de Nweti.
Aquela mulher silenciou o seu carinhoso amor pela filha e
proclamou tristemente:

— Que fiz eu madala? A minha filha…


Derramando lágrimas nos braços do velho Mangueze

— Que foi mulher? Que fez a Nweti?

— Ela foi vista como que dada a actos de afeição àquele jovem que tem
enchido a nossa terra com as abominações dos homens brancos! Limpando
as lágrimas do seu rosto, aquietaram-se os choros.
Não tardou até que gritos foram ouvidos de seguida como que
anunciando a perda de uma alma amada, a terra cantou e os céus
ecoaram os cânticos! Foi tão grande o ruído estrondoso dos
cânticos sem melodias que entoaram na terra de Malembe. Tanto
foi que, a jovem Luísa Maria apercebeu-se do sucedido.
Estremeceu, abalou-se sua existência que antecipou a sua sentença
e a do jovem. E noite toda chorou. Ah! Que atrevimento,
despertou-se nela a sensibilidade emocional e falou, em ritmo
poético, incansavelmente ao Nkuvu:
Um Encontro no Jardim dos Saberes

“Ouço a sentença vindo como uma grande tempestade


O meu coração não entende, não compreende
Alegria nunca vista, exulta a minha alma (vivos factos recentemente
vividos)

Mas ouço a sentença vindo, faz uma promessa


Diga-me: “te mostrarei o caminho da felicidade douradora ”
Faz uma revolução em mim, abrasa-me com viva emoção
Para que vá ao juízo com entendimento iluminado (…).”
— Queres que eu te ame mulher? Suavemente, tocou-lhe o rosto —
Entendes o que eu digo?
A terra silenciou a história, o tempo transformou-se. “O que é
amor?” Em sua ignorância questionou a jovem mulher, imaginou
oceanos transbordantes, rios correndo com tamanha força, os
montes firmando-se sobre a terra, pensou acerca dos espíritos dos
antepassados cujo mito fizera dominar o coração dos homens. A
sua imaginação alcançou pirâmides históricas, a sua africanidade a
tornou heroína em Malembe: a mulher que ressuscitou o amor.
Os seus olhos abriram-se em seu coração, sustentando-se naquele
homem incredulizava-se dos seus costumes para poder possuir
heranças seguras e promessas vivas desse tal amor. Ainda não fora
ela martirizada, mas em meio aos factos, ela era uma escolhida
dentre as mulheres para não ser morna como a lua, e sim,
irradiante como os milhões de luminares que aquecem o Universo.

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O caminho entre o tempo, a realidade e a verdade

— O amor supera as palavras ó mulher de Malembe! Ele manifesta-se entre


os que o deixam morar em si. Sim, as palavras dele não davam
raciocínio lógico àquela palavra para ser tão real e verdadeira para
ela e apenas os factos lhe convenciam bastante: o amor acordou em
Malembe, o amor deixou o seu coma e abriu os seus olhos para não
mais deixar-se dominar pelos insensatos.
Um Encontro no Jardim dos Saberes

A Sentença

Toda atmosfera da existência contemplou uma voz de silêncio.


Também o tempo nada descobriu aquele caso e os céus
emudeceram- para testemunhar somente perante a corte no dia do
juízo. O labutar diário foi cessado para dar contas aquele caso, uns
para os seus curandeiros corriam com clamores doídos afirmando
que "os deuses se cansaram de nós", outros suspeitavam tamanha
maldição ter convivido com uma mulher de grande maldição,
assim lhe a Nweti tornou-se maldição aos homens. Todos queriam
pureza para si argumentando azares futuros pelo sucedido.
A Luísa Maria morava com a sua mãe nessa vida de longas guerras
e de muitas alegrias mas a partir desta época revolucionária ela vivia
acompanhada da solidão e angústia. Não mais podia falar com
Dona Catarina nem sequer era contada nos banquetes de cada dia.
Era o início do castigo. Olhava o sol nascendo para além da
escuridão em busca de forças e no poente se enchia de incertezas
pois lhe aspiravam vinganças. Sonhou as memórias historizadas em
sua plena infância como outrora a munthi ya ngati, a Gólgota de
Malembe, fora feita palco dos martírios dos que ousaram
revolucionar a eterna tradição daquela terra (mas nenhum deles
era contado como herói nas estórias), e era também casa da justiça
do povo contra todos os inimigos e traidores. Apenas contos que
ouvira em sua pequenice estremeciam aquele esplendor da
juventude plena, insensata continuava naquele terror de
pensamentos. O pavor lhe subia com intensidade de uma

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O caminho entre o tempo, a realidade e a verdade

tempestade ao coração porque o povo conspirava-lhe julgar pelo


desconhecido pecado.

— Não fiz o que dizem! Porque a minha insensatez me conduziu a tão


grande escárnio? Inconsolável falava as paredes da desintegração da
dureza da terra.
O Nkuvu estava encarcerado na casa dos supremos de Malembe.
Da terra ao redor contemplava o céu numa só vista, seu corpo de
dores mal conseguia estender-se naquele início do profundo
abismo do planeta. Conduziu a cabeça ao peito e como em acto de
reverência sussurrava sozinho. Parecia falar com o Invisível, era um
mar de palavras como de alguém lutando e as suas lágrimas não
eram pela dor dos açoites e sim como de súplicas.

— Que fiz àquela pobre jovem? Compaixão, Compaixão! Era o seu grito,
no abismo da vida, em intercessão por aquela jovem.
Um jovem de aspecto desconcertante e com coração cheio do
Universo guarnecia aquela prisão, escutava em silêncio aqueles
sussurros. Comovia-se dentro de si que não podia resistir convocar
os seus companheiros para contemplar aquele evento. O Lungani
e os seus companheiros de caça deleitavam os seus ouvidos das
rezas ao ar, riam-se e zombavam aquele corpo que já o destino lhe
reservara comunhão muito passageira entre a sua alma e a força da
sua juventude. A sepultara lhe já havia engolido para aprender a
lição de arar dentro da terra.

— Ouçam o homem jazendo esquecido pelo tal Deus a quem está orando?
— A voz em tom de alegrias abundantes falava aos companheiros
Um Encontro no Jardim dos Saberes

— Confiou no Deus daqueles enganadores! Trouxeram com eles azares a


esta terra e este vai cantando ao ar que pelos ares viverá.—
Acrescentavam-se escárnios àquele jovem.
Os homens manietavam as suas cabeças ao vê-los, a canção mais
proclamada era a sua obscura tragédia, nenhuma enfermidade
tornara-se tão longa em cicatrizes para se igualar a vida daqueles
jovens. A sua mocidade não perdoou-lhes de tal modo que se lhes
multiplicou a sentença: cem acoites para um e mais menosprezo a
coitada. Custava crer que sobreviveriam de tal episódio; Nkuvu
entregou-se por ela como que cumprindo votos feitos em relação a
promessa que lhe fora designado a cumprir.
E a acusação contra eles fora bem manifesta e claramente dita a
todo o povo e era irrevogável: o sentimento dos brancos foi
ressuscitado, o amor dos homens brancos foi proclamado em
Malembe. Tal sentença pesou-lhes mas não superou a tristeza do
coração do Chambule, o jovem de olhos redondos, cujo aspecto
parecia oceanos transparentes, desertos de areias claras, seu
tamanho revelava um homem de grande estatura física. Ah custou-
lhe acreditar que aquela jovem mulher a qual seu coração já
designara pagar o dote se havia entregue a um estranho e inimigo
da cultura e do bem-estar daquela gente.

— Porque não sentenciamo-los a morte?— O coração amargurado de


Chambule suspirava vingança.
Os seus amigos tentavam acalmar os seus intentos pois a frieza do
seu coração era bastante visível. Estava tão possesso de espíritos de
vingança e de ódio.

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O caminho entre o tempo, a realidade e a verdade

A sua possível culpa manifestava-se como muito digna de todo grau


de punição. Naquele dia de calor foram levados a casa das agonias,
onde foram dura e grandemente acoitados. Permitiu-se que ele
carregasse apenas a metade do castigo da mulher a quem ele
propôs-se a defender. Sangue derramou-se naquele recinto, a casa
do castigo encheu-se de sangue do homem que atreveu-se a
desenterrar os sentimentos cuja história de Malembe havia selado.
O amor não poderia tornar insensível a dor, não poderia esconder
à alma a mais intensa zombaria que se fazia ao homem pela sua
rendição a afeição. As mulheres olhavam-na e seus pensamentos a
acusavam para que sofresse uma sentença mais severa e que se
possível vivesse eternamente como instrumento de zombaria para
todas as gerações vindouras.

— A luz do Sol não alcançou a pobre alma deste rapaz?– Perguntavam-


se os homens mais velhos

— Perdeu todo o sentido de masculinidade e prontidão masculina!


Trabalhando para os senhores brancos está a caminho da sepultura.—
Diziam os jovens moços.
A noite alcançou-lhes naquele deserto, a fraqueza assenhoreou-se
deles e a dor não queria abandoná-los. A terra encheu-se de trevas,
os pássaros refugiaram-se em seus palácios e os homens recolheram-
se para as suas casas. O Nkuvu estava inconsciente, a sua pele
tornar-se naquele dia vermelha e as suas vestes tornaram-se
diferenciáveis pela cor. O sangue de amor, o sangue da promessa
derramou-se naquele lugar. Ergueu-se a Luísa Maria, alcançou vigor
depois e despertou a sua consciência, grande temor lhe tomou os
sentidos:
Um Encontro no Jardim dos Saberes

— Estou sonhando? Pasmada pela força que possuía e o fenómeno


daquele lugar.
A pele suplicou-lhe agasalhos, os olhos lhe pediram atenção para
contemplar aquele homem estatelado no chão, as mãos lhe
convidaram ao nobre trabalho e o coração compeliu-a ao
sentimento cuja ciência do então não conseguira apregoar-lhe nem
sequer lhe incutir a existência de tal emoção. O tal amor
simplesmente a conduziu ao nobre trabalho de cuidar daquele
homem.
A solidão jazia com ela, a sua mãe lhe condenara sem antes ter-lhe
dado o beijo de despedida, em seu castigo a solidão foi o seu pão
de cada dia. Não encontrava o consolo nas histórias consoladoras
que um dia aprendera, e a fraqueza, a solidão e a dúvida cresciam
com rapidez que lhe entenebreciam profundamente os
pensamentos. Chorou naquela escravidão da alma que nenhum
Homem lhe poderia libertar.
Os dias pareceram-se continuamente com as noites. O tempo nada
mais gravava senão aquele evento, todas as gentes sentiam um facto
que mudaria o curso das gerações vindouras. O passado cansou-se
de ser enganado e o futuro suplicava por vida e tremendas
emoções. Assim o caminho para aquele advento revelava-se a cada
cocorico dos galos.
Na convicção das narrativas da terra de Malembe, os anciãos
convocaram a congregação de todas as terras daquele império
desfeito. Nunca se ouvira desde séculos e décadas um evento tão
célebre que se assemelhasse a contos sobre o sobrenatural. Outros

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O caminho entre o tempo, a realidade e a verdade

concorriam para se fazer presentes como se os deuses e os seus


antepassados tivessem descido do além.
Então ergue-se diante duma nuvem de testemunhas o Mukhulo,
homem de cataratas gigantes onde rios de emoções não mais
transcorriam e cujas memórias carregavam sonidos de armas na
guerra e de vozes angustiosas clamando por socorro. Era tão
prestigiado e respeitável diante de todos os povos do Sul, que no
acenar de sua mão todos calaram-se. Até os rios intrépidos e
imparáveis de Malembe calaram-se naquele instante. Fitando os
olhos ao céu, abriu o livro das leis e estórias da terra gravadas em
sua mente. Então moveram-se os sábios lábios do ancião.
As estórias dos campos dos Nogueiras
Vivia um homem branco de proveniências estranhas, se da terra
dos exploradores das nossas gentes vinha ou dalém da terra onde
jazem os nossos ancestrais vinha nada se sabia. Apenas seus modos
aportuguesados lhe concebiam o título de príncipe português.
Ajuntava o Nogueira as escravas rodeando a fogueira e com ilusões
revolucionárias lhes embriagava pelos falares de aroma desejável ao
coração. E com um pouco de vinho lhes buscava escravizar as
almas, porém como as astutas serpentes, lhe descobriam os
intentos do coração e eram persistentes àquelas tentações.
E vivia naqueles campos uma mulher de virtudes que tanto de
beleza como de sabedoria se achava em si. Carregava muitas cores
em si, nos pulsos, nos tornozelos e no pescoço, Lucrécia era seu
nome. Não se dava ao explorador das escravas e vivia condenada
pelo seu senhor por ter dado sua paixão a um escravo de um senhor
das terras vizinhas. Mas a dor lhe era aumentada pela sua
Um Encontro no Jardim dos Saberes

resistência e em desesperança caia cada dia. Certa vez, o seu


coração perdeu as coordenadas do tempo, enlouquecendo da vida
que escolhera perdeu a luz da sabedoria. E deu-se a acreditar nas
pregações do Nogueira, que carregavam-se de retórica e
brilhantismo e eram feitas citando-se os escritos eruditos do
Ocidente: “o amor dá virtude a alma, ilumina o coração e faz da beleza
exterior uma luz. Saciem-se do amor alcançável, quem você ama deve ser
livre e o que não é livre pensa em uma só coisa: sua liberdade apenas! Não
credes nos vossos que mais pensam vos tornar suas serventes sem nunca
lhes dar afeição”, eram as suas palavras misturadas de arrogância e
astúcia. Lucrécia apostatou do seu comprometimento de um dia
com aquele a quem dera seu coração. Se inflamou com o homem
de cor e lhe acreditando as promessas de um paraíso para além das
extensas águas dos oceanos. Muitas daquelas africanas da terra do
sul junto do beijo com o Indico se tornaram insensatas. E todas as
mulheres que lhe tinham prestígio, sob efeito dominó, deram-se a
outros homens brancos.
Anos passaram-se para que a peregrinação da ilusão da pequena
glória nas terras do tesouro negro cessasse e a glória do amor
reservada do outro lado da ponte azul se revelasse inalcançável.
Então se rebelaram os escravos da terra, os mais entendidos
ergueram-se como guerreiros sutis e pelejaram contra o domínio
dos seus senhores. Tomando o conhecimento Nogueira congregou
os seus para que dali fugissem pois bem sabia da revolta, que num
cálice se misturara com vingança. As mulheres, que eram muitas,
foram levadas no meio das danças dos luminares celestiais para
uma suposta navegação e lá foram escondidas e abandonadas.

23
O caminho entre o tempo, a realidade e a verdade

Verdadeiramente navegaram no esquecimento. Os homens


brancos fugiram deixando-as. Quando os dias contaram-se
aperceberam-se do marasmo e ouvia-se ao redor do seu esconderijo
um grande vulto. Então saíram com os olhos agarrados no futuro
mas a realidade lhes havia reservado um presente obscuro.

— Olhem para ali! Gritou um dos vorazes guerreiros. São as mulheres


dos senhores brancos. O seu modo de vestir era característico.
Se aproximaram como um vento destemido e com sopro de
vingança lhes cercaram. O líder dos guerreiros, o homem cuja
paixão da vida se dera aos seus senhores, o homem de florestas
virgens ao redor do caminho das palavras do coração viu aquela
formosura perdida em Lucrécia.

— Traidoras! Corruptas! Vocês envergonharam esta terra e creram em


tolices! Para onde foram os vossos heróis? Sua fala era de estremecer a
terra.
Por causa da neblina da sua afeição por aquela mulher não pensou
em lhes tirar a vida. E um decreto para todas as gerações foi dada
para as mulheres que se dessem a crer nas afeições fossem marcadas
com queimas no corpo, não dadas a homem algum e
envergonhadas pelo resto da vida. E viveu Lucrécia em escárnio
todos os dias da sua vida por ter crido no amor, sim no amor.
E por isso a nossa terra foi amaldiçoada com os sentimentos dos
brancos e como em suas viagens naufragavam, o amor que
argumentavam ter, sim vinha em barcos e os piratas das almas lhes
saqueavam quando pensassem dar herdeiros negros. Assim
sentenciou-se o amor em Malembe e em todo império do Sul.
Um Encontro no Jardim dos Saberes

As trevas encobriram toda aquela terra! O silêncio permaneceu.


Mukhulo silenciou a sua voz e todos descansaram daquele dia.

— Viste o rosto dela? A Beleza dela? As suas lágrimas quando sinceramente


defende-se? A luz do amanhecer parecia nascer na consciência da
vovó Teresa.

— Não há inocência nela, está enganando-nos! As palavras da Dona


Catarina eram sempre de condenação pois ela que lhe levou a
acusação aos magistrados da aldeia. Ela entregou-se a ele.

— Sei que sentes a culpa! Porque nada ganhaste pelo que fizeste senão dores
inconsoláveis. Ninguém dentre nós pode afirmar que se passou naquele dia.
E uma coisa devias saber acerca do Muthando.
— Não menciones o nome dele. Numa voz de raivas profundas.
As memórias calorosas daquele homem cujo tempo apagou.
Muthando, o homem valente de Malembe aprendeu fazeres dos
brancos, e quando despertou seus actos de espírito ensinado pelos
homens brancos foi levianamente enganado e conduzido as
memorias do além do calor da vida.
A dor da Dona Catarina multiplicou-se. Desconforto lhe subiu a
alma. E vendo a nudez daquele coração a vovó Teresa lhe deixou
derramar as lágrimas que não se viram na sua viuvice.
Ouvindo os segredos que nunca antes foram especulados soprou
vento quente no coração daquela jovem moça. A dor que ao seu
corpo se assenhoreava pareceu cessar. Escutou da parede da solidão
que na casa lhe impuseram.

25
O caminho entre o tempo, a realidade e a verdade

— Que fez o dito homem chamado Muthando? Ela não conheceu o


nome nem o parecer do seu pai de quem nunca ouvira nenhuma
menção.
A noite alongou-se mais ainda aquela jovem. Tornou-se a sentinela
do tempo, vigiando para lhe descobrir os pesares. Cantava consigo
mesma pensando naquele homem que a sua gente queria ver a
cabeça degolada, irrequieta no quarto da separação pesava a sua
mente pensar em como estava a viver aquele que ela desejava
descobrir ainda a viva ciência do amor. De pão duro, água da
sepultura e do ar de tristeza vivia cada dia de suas dores.
Os mistérios pareciam ser os fundamentos daquele povo. Nada era
verdade absoluta nem falsidade absoluta, eram os segredos de um
passado cheio de conspirações, traições e desapontamento pela
vida. As dores trazidas pelos estrangeiros pareciam um castigo para
aquelas gentes.
O velho Mukhulo compungia-se dentro de si, era mais um episódio
com mesmo lema o qual ele vivia. E naqueles dias enfermou-se por
causas das muitas memórias que lhe perseguiam procurando-lhe
sufocar. Levantou-se bem cedo movendo-se até ao grande rio da
região, local onde jaziam os mortos. Permaneceu durante o dia
naquele local, parecia contender com os espíritos dos mortos que
talvez ali habitavam.
A madrugada silenciosa permanecia a única companhia do
Mukhulo. Por que este Nkuvu me persegue? Sois vós ó meus irmãos?
Falava em sua alma confiando que os espíritos fossem amigos dos
homens e oniscientes. Repentinamente sentiu-se obrigado de
Um Encontro no Jardim dos Saberes

deveres e no meio do nevoeiro embalou-se regressando ao


povoado.
O sol do inverno carregava-se de pouca energia, sua luz parecia ter
mais aventuras estranhas que demorava-se nascer. A alvorada
enchia aqueles assentos de gente de muita vivência. Esquentavam
os lábios com os beberes quentes que lhes propunham a tomar.

— Tragam aquele moço a nossa mesa! A ordem do Mukhulo aos


guardas locais.
Tempo, pouquíssimo tempo passou-se que o Nkuvu estava diante
dos homens calvos e cheios de cãs. Tornou-se insuportável para
que de perto estivesse, sua face mostrava-se carregada de
deformações. Águas sãs viu-se beber delas depois de longos dias.

— Sabes que os espíritos dos nossos antepassados estão furiosos consigo e


esta terra corre o perigo de por gerações incontáveis ficar amaldiçoada?
Argumentou um dos anciãos.

— Vocês sabem que este negócio não pertence aos mortos. Ó homens
honráveis desta terra vossos corações precisam descansar dos sofrimentos
desta vida e por um tempo alegrarem-se. Com voz trémula esforçava-se
no pronunciar de cada palavra.

— Diga a esta assembleia, te damos o tempo de falar acerca de quem tu és.


És tu um morto vivendo novamente?
— Não sou nenhum morto ressurreto mas sim sou filho herdeiro desta terra.
O homem que vocês venderam como traidor aos bóeres me gerou.

27
O caminho entre o tempo, a realidade e a verdade

Uma chama viva inflamou nos corações dos anciãos. Era o jovem
neto da terra, filho do filho do aldeão de Ngondo. Era uma
linhagem de tantas afeições aquela. Todos emudeceram-se e
ordenaram que o Nkuvu fosse retirado do seu seio.

— O sangue dos Ngondos está cheio de maldição. Este sangue não será
sobre nós, ofereçamos pois aos nossos antepassados talvez cessam desta vez
os nossos azares.
Um Encontro no Jardim dos Saberes

Memórias da Última Primavera

A noite escondia-se da face do sol que em quietude segura


afirmava-se para transformar o dia. Revoluções eternizáveis
gravavam-se nas mentes daquela gente de fraqueza nas
letras. As jovens transbordavam de dúvidas, que pareciam
estar prontas a conceber as suas imaginações esvaziadas de
sentimentos reais. Agrupavam-se para aumentar o deleite
de sua bisbilhotice acerca das verdades sepultadas pelo
tempo e das vivências escondidas pelos seus ascendentes.

—Os nossos ancestrais eram cheios de emoções demasiadamente


estranhas. Coisas inatingíveis eles viveram nesta terra.
Em espírito de ignorância declarava a jovem de olhos
cheios da realidade e de aspecto de lírios perfumados.
—É verdade. Viram-na, ela parece estar possessa do nosso passado.
Aquele homem não pertence ao nosso mundo de gente real. Dizia
a outra jovem.
O silênciodaquela terra ressuscitava memórias de guerras,
agonizava as almas das gentes cujo tempo não se pode mais
contar no futuro daquela terra. Madrugando os olhos,
Mukhulo olhou o céu transfigurado,parecia o mesmo
porém as incontáveis estórias que presenciou o tinham
tornado bem tímido das pessoas. Continuou olhando.
Então sorrateiramente buscou o Nkuvu.

29
O caminho entre o tempo, a realidade e a verdade

— Eis o moço cheio de muitas paixões! Assim introduziu o


jovem moço à uma mulher vestida de longos farrapos, com
argolas cintilantes em seus pulsos e com enormes buracos
nas orelhas. Estava esta mulher encostada num tronco
naquela sala natural.
Parecia-se uma profetisa carregada de toda sorte mágica,
como que tudo viesse a descobrir.

—Trouxeste apenas o moço? Olhando ao derredor daquele


lugar. E o Mukhulo acenou-lhe em gesto de confirmação.

—Para que vocês me trouxeram aqui? São vocês reais? Despertou


o Nkuvu junto aquela fogueira.

—Acalme-se ó rebelde da terra. Gritou-lhe a Mhunu. Escute ó


filho dos azares, esta terra não tem achado refrigério. A última
colheita que vimos nela foi antecedida de alegrias insuperáveis,
quando o teu avô deu-se a ternura bruta de seguir as tradições que
sepultaram os fundadores desta terra.
—Ninguém do meu sangue habitou nestas terras. Isso só pode ser
ilusão, o que buscava não pode ser real. Retorquiu o Nkuvu.
Ninguém...
—- Cala-te e escute!O Mukhulo apontando-lhe a sua bengala.

— O meu coração enterneceu bastante, quando então os meus pais


decidiram apagar a sua memória na nossa terra. Então numa
madrugada a caminho de casa soube que lhe caçariam para numa
viagem interminável lhe mandar. Os seus olhos pareciam
Um Encontro no Jardim dos Saberes

planaltos virgens cujo metamorfismo da vida provocara. E


seus lábios continuavam destilando lembranças vivas.

Então adormeci com a ânsia em meu peito. Soprou sobre aquele


meu humilde lar, de imediato despertei mas era quase tarde. Pus-
me a correr a seguir o curso das águas, e estava eu muito longe
daquela embarcação, a primeira sem aquele que falou pela
primeira vez o amor entre o povo. Acenei-lhe mas não o via
corresponder. Mas no desespero de toda a minha vida ele disse-me
“enquanto o meu sangue viver nesta terra cerrarei os céus para
que você veja que não fui habitar entre as estrela (…) ”.Foi nesse
tempo que os homens se achavam divinos, tradições
rudimentares e inúteis lhes encheram de tal louca falácia.
Inundou o solo com as suas lágrimas que nunca a ninguém
manifestara antes.

— Mulher de vida vivida! Sei que são muitas as tuas dores mas…—
o moço apiedou-se da velha mulher.

Não fale mais nada. E continuou contando. O meu filho


escondi para que nunca o vissem como herdeiro de tais
sentimentos. Longe desta terra viveu e te concebeu, eu nunca mais
o vi e tu te considerei um bastardo e ainda te chamarei. Teu avô
prometeu-me cerrar os céus e verdadeiramente o fez, ele
amaldiçoou a terra e em escuridão tenho vivido eu. E tu és do
sangue dele, então em ti se cortará a promessa que ele me fez.
Nunca mais sorri desde aquela primavera nem os campos. Toda
terra enlutou-se porque os céus esqueceram-se, oxalá se o amor que
ele me falou tivesse em mim vivido mas tudo me largou.

31
O caminho entre o tempo, a realidade e a verdade

— Tu és verdadeiramente do meu sangue. Prostrou-se diante


dela. Tudo abandonei com uma certeza tão firme para aqui
chegar. As minhas emoções não me mentiram. Talvez não seja
verdade ou real!
— Por que julgas o juízo dos mais crescidos? Perecerás por teu
espírito irreverente ó homem de pouco culto.
Sentenciou-lhe o velho Mukhulo.
Então o dia despertou. O Nkuvu estava numa sala de dores.
Parecia que tivera sonhos sinistros, nada podia falar
convicto ou ainda o acusariam de loucura. Entendeu os
passos da terra que corriam mais rápido que ele nunca
antes imaginara.

— Onde está aquele homem que me enfadou de sentimentos!?


Falava as paredes de lodo que a cercavam.
O Nkuvu estava mais próximo da Luísa Maria assim como
estava mais próximo do seu martírio, que aos olhos daquela
terra ele era um sacrifício agradável aos seus antepassados
e aos espíritos da terra. Cantou-lhe o seu hino de valente.

— Eis-me aqui! Ouves-me?

— Oh, és tu de verdade?
— Sim, aproxima-te a parede para que ao menos eu escute todos
tons da tua voz, e encosta a parede talvez eu ainda sentirei os
ritmos do teu coração.
Um Encontro no Jardim dos Saberes

— Não me tornes mais insensata, sei quão tens sofrido mas a


minha alma está incomodada dentro de mim. O que tenho ouvido
me desespera a vida. És tu o sacrifício do brotar da vida nesta
vida?
— Não me aflija o meu ser, eu sou apenas um homem, Deus é
quem sabe do que devemos fazer.
— Quem é Deus? Tu falas coisas demasiadamente estranhas,
desperte-me a mente. Faz o sol da vida iluminar a minha mente.
Todos me abandonaram e sei que tu estás para partir.
As súplicas tornaram-se ordens. A dor e a tristeza tornaram-
se inconsoláveis. Porém, o Nkuvu no meio a tempestade e
ao deserto do entendimento daquela que propusera dar
alegria apregoava-lhe consolo e esperança.
O Verão da vida foi outrora devastador que nada restou. O
Outono continuou esmagando o pouco que parecia
sobreviver nas vidas dos filhos do Sul. Por fim, veio o
Inverno duradouro. Foram mais trevas que o dia. A vida
em Malembe parecia nunca mudar, os corações eram dados
a tolice e somente tolice. Nenhum sentimento senão o de
patriota e de herói da terra valia.

— Sim, desperte o juízo. A muito que não nos segue a primavera


da vida. Falou o espírito do Mukhulo a todo o seu ser.
Este marasmo das estações estava além da compreensão da
Natureza que em sua vida nunca se detivera em uma
estacão fria e infrutífera. A história escravizava mais que a

33
O caminho entre o tempo, a realidade e a verdade

escravidão de outros semelhantes, sim, as cadeias da mente


superavam os anos transcorridos nos mares em meio a dor
de ser como as minas de carvão. Quem poderia
compreender este fenómeno cuja filosofia contemporânea
precisaria dedicar volumes de milénios em contos e
tentativas sem sucesso.
Na última primavera! Tudo se marasmou pelos séculos até
aqui…
Um Encontro no Jardim dos Saberes

A Peregrinação ao Além

Quando o sacrifício que se iria oferecer aos espíritos da


terra já tinha sido consagrada, dos céus coisas
inimagináveis mostraram-se. Depois de quase um século, os
rios dos céus transbordaram e fluíram desde as alturas
jorrando água sem cessar. A terra tornou-se perturbada. Os
velhos cogitaram ser a antecipação da resposta dos
antepassados. Os mais novos nunca antes tinham visto algo
similar, eles perturbaram-se e espantaram-se. E naquele
momento todos se descuidaram.
Os condenados desapareceram no meio da confusão do
temporal, as águas dos céus enfureceram-se pelo contínuo
contemplar da loucura dos homens de Malembe. Os seus
nervos acenderam sobre a terra. Por um momento o castigo
se acendeu. Mas as dores dos tempos acharam naquela
visitação do alto um acto de benevolência. Cessou por um
momento a maldição dos tempos. Os velhos perturbaram-
se e nada podia-se entender.

— Os tempos são uma ilusão. Tudo parece um sonho duma longa


madrugada. Sussurrou a Mhunu ao Mukhulo naquele
convento de gente de cãs.
— Esta vida, isto parece imaginação de um madala. Replicou o
Mukhulo.

— Que virá a ser isto? Alegria? Castigo?

35
O caminho entre o tempo, a realidade e a verdade

— Que seja o renovo, a lembrança dos nossos pais que se foram


sem herança nos deixarem.
A face do Mukhulo camuflou-se dos céus, reluzindo
dúvidas do que viriam a ser os seus pronunciamentos. As
águas, goticulando, pareciam falares dos mortos para
aqueles velhos.
Os céus esconderam os segredos do sol, as flores brancas
dos céus tornaram-se negras. O altar preparado, no munthi
ya ngathio sacrifício fora arrebatado. A dúvida pairou nas
suas mentes. As suas falas trombetearam o facto. O
momento foi cravado para a história. Houve gritos, choros
e cânticos, se de súplicas ou de gozo não discerniu-se. Mas
a velhas lendas fizeram com que o facto fosse
espiritualizado e até celebrado.
Então contou-se o evento.
O Nkuvu desapareceu no meio da terra, suas ataduras
ficaram estateladas sobre aquelas madeiras. E a Luísa Maria
foi levada por um grande valente da terra vestido de trajes
de grande homem de guerras e pelas águas peregrinou para
onde devia ir. E quando o sol se segredou aos homens, a
glória de Malembe tornou-se luz tangível para crianças e
idosos.
O coração da D. Catarina estava numa viagem pelas águas
doloridas. E contava os tempos através dos amigos
radiantes que dalém a acompanhavam, até que o dia
deixou-se manifestar. Parecia que nunca mais deixaria o seu
Um Encontro no Jardim dos Saberes

corpo encher-se de fôlego. Viu a sua donzela sendo contada


com as desvairadas da terra, viu aquela que ela acusara.
Enterneceu profundamente a sua alma. Sentiu a fogueira
da vida aprontar-se tanto para refinar como para reprovar.
Um aroma intrigante cercou a casa da D. Catarina em todo
o seu exterior. Ela aprontou-se rapidamente para
dissimular o seu estado de culpabilidade, ensaiou consigo
mesma um sorriso. Antes que a madeira parada se deixasse
tocar por nobres mãos ela deixou a luz com a suavidade do
aroma lhe penetrar o corpo.

— Oh minha filha, grande sorte minha te encontrar! A vovó


Teresa falou. Estava ali com a sua neta, a jovem de belo
olhar e de dócil aspecto e viva presença.

— O que aconteceu? Por que madrugaste tanto para vir até aqui?
Com a gentileza de uma mulher lhes encaminhou a uma
sombra junto a casa, e deu-lhes assentos para confortar as
suas carnes desgastadas com o caminhar.

— A tua filha…ela não está mais nesta terra. Ela foi levada pela
água e pela terra.
O coração daquela mulher se azedou. E a partir daquele dia
a D. Catarina viveu enlutada por tempos, tempos e alguns
tempos. As mulheres lamentaram o seu sofrimento. Lhe
tentaram consolar.

37
O caminho entre o tempo, a realidade e a verdade

Em Malembe, o aspecto das coisas mudou de um dia para


o outro. Enquanto uns lamentavam aquela bela jovem que
se foi, outros lhe cultuavam como esposa dos espíritos
vitoriosos da terra. Na D. Catarina os contos não eram
mais verdade, sua filha fora convidada a navegar o oceano
dos mortos. O dia habitou com os homens.
Todo o Universo tocou-se com aquele facto. Tudo mudou
e mudou de modo visível. Tudo cessou do mundo que se
designava real, o sol eternizou-se e o orvalho não mais foi
consumido pelo dia, a alegria provida da terra brotava a
cada tempo sem gente cônscia para dela gozar. Até o tempo
mudou os seus modos, dias contendiam mais fortemente
com as noites.
Para além do dia
A beira daquele rio cristalino um grupo de mulheres jovens
atarefava-se cumprindo os deveres que a tradição lhes
imputara, e naquela comunhão debruçavam-se em falares
efeminadíssimos e umas com as outras riam e alegravam-se.
As águas corriam trazendo-lhes a cada tempo a pureza da
nascente e lhes dando mais tempo para se darem aos gozos
da juventude.
Mas algo novo traziam as aguas. Algo surgiu. Viu-se
saltando lá do alto e batendo nas águas, revelou-se ser
grande.
Então uma voz clamou do pequeno abismo, Luísa, Luísa,
não largues a minha mão.
Um Encontro no Jardim dos Saberes

As jovens turbaram-se em seu espírito. Correu uma das


jovens chamar aos moços que doutro lado pescavam. E
estes vindo rapidamente obraram o salvamento aquele que
clamava. Socorrendo aquele corpo, descobriram um moço
feito aos pedaços. Tomando-o, o conduziram ate a aldeia
para ser tratado. Na casa do curandeiro, irmão do régulo
de Kumbula, o Nkuvu permaneceu para ser curado das
chagas e do seu indomável espírito que apenas chamava por
aquele que prometera dar o seu amor. Estava muito
possesso de alucinações, gemia das dores que sentia, e em
outros momentos parecia ter encontros com a Luísa Maria.
Ele a via naquelas paredes do quarto em que fora
hospitalizado.
Os moços que o encontraram o sustentavam de dia e de
noite. De dia lhe consolavam as dores e de noite lhe
espantavam as alucinações.

— Que será que ele tem?

— Perguntemos ao Mativa, ele tem poderes para saber todas as


coisas.
— Mas ele não nos pode ajudar, temos de pagar se formos ao seu
encontro. Deixemos que ele venha até ai nós teremos o nosso
momento.
— E se este enlouquecer ou morrer?
— Marta, o teu espirito está muito irrequieto? Acalma.

39
O caminho entre o tempo, a realidade e a verdade

Os olhos cheios da terra, cor de sua pele, olhavam


preocupadíssimos para aquele vigor da vida enfraquecido.
Suplicava que algo extraordinário acontecesse. Todos
tentavam acalmar a Marta. Era de beleza muito distinta,
esta que ornamentava tanto a estrutura como o seu
interior.
Porem, os dias alongaram-se e nada mudava no jovem
desconhecido. Os idosos da terra pouco se importavam
com o desconhecido.
A aurora invadiu as paredes que contemplava o este da
terra, os olhos viraram vendo um tecto com ondulações
regulares. De uma ponta a outra acompanhava-as para
descobrir que seria aquilo. Despertaram as memórias de
casa. Apressou-se a levantar da cama. Ergeu o seu corpo
então viu uma mulher em sonhos numa cadeira. Pensou
por instante na Luísa, mas aquele parecer era como o
brilho do céu a noite.

— Onde estou?
A Marta imaginou-se em sonho ouvindo o jovem. Celebrou
ainda em sua imaginação. Sentiu então a gravidade da vida
real, tocou-se em risos e ameigou o seu espírito. Ainda
desconectando-se do mundo desconhecido dos que
dormem pôs-se em pé carregando a sua cabeça na mão.
Acalmou o sonhador, o levou a encamar-se tranquilamente
e este apenas aceitava mesmo nada percebendo.
Um Encontro no Jardim dos Saberes

A boa nova foi anunciada aqueles que estavam desejosos


de a ouvir. Todos aqueles moços e moças dirigiram-se a casa
onde estava o estranho. Houve gozo e espanto, alguns até
creram que ele tivesse ressuscitado, outros perguntavam-se
que viria a ser tal coisa. Um homem que não esteve diante
das portas da morte antes na habitação. O Pedro adiantou-
se a liderar a conversa para descobrir os mistérios, a sua voz
suavizou-se e moveu os seus lábios.

— Olha nós somos reais, podes ficar tranquilo.


— Mas quem são vocês?
O sentimento de estar nos lugares miseráveis a caminho do
paraíso lhe subiu a alma, mas a humanidade deles era a
prova de que estava deslocado no tempo apenas.

— Te encontramos junto ao rio. Se morto ou meio morto não


sabemos. Somos filhos de Kumbula, olha que aqui o sol se deita a
cada dia.
— A Luísa! Onde ela está?
— Quem é Luísa? Nos não a encontramos.
— Ela estava comigo quando os céus tornaram-se impetuosos
trazendo raivas sobre a terra. Vi o castigo cair sobre aquela terra,
as águas sacudiram tudo. Eu segurei na mão dela, logo tudo
tornou-se escuro e muito escuro, afogou-se todo o meu ser, a minha
alma, o meu corpo e perdi a ciência da vida.
— Lamentamos o que te aconteceu, mas fale-nos quem és tu?

41
O caminho entre o tempo, a realidade e a verdade

As emoções encheram aquele quarto, a compaixão, a


benevolência e até raízes de amor enraizaram-se e brotaram
no seio dos estranhos. Talvez fosse apenas sonho! Talvez
fosse imaginação! Talvez fosse uma realidade incomum.
Dias alongaram-se até que o Nkuvu ganhasse forças ativas.
Amizade conquistou do Pedro, homem de espírito nobre,
conhecedor dos mundos, temperado. E habitaram na casa
marítima do Pedro. Este levava o Nkuvu para as suas
viagens diárias as águas do rio, e do rio para o mar. Nkuvu
tomava a sua enfadonha timidez e a jogava a cada dia
naquelas viagens, sorria e conversava. E durante as noites e
madrugadas a solidão o encontrava e sentia a ausência da
Nweti, e do lado de baixo olhava para o alto e deixava que
a lua o abraçasse e emanava a sua imaginação.

— Por que destróis a tua alma? Eu estou aqui consigo?

— Como edificarei o meu ser inseguro de não ter cumprido a minha


promessa? E apenas de noite posso-te comunicar o meu coração?
Com o vento conversava. No princípio o Pedro pensava
que fossem sonhos, sonhos que a cada dia se tornavam
mais sonhados e emanavam a realidade humana. Os
amigos que os visitavam continuamente escutavam as
estórias, o seu estranho amigo era um mistério e mistérios
em tudo. O Nkuvu sentiu o peso de ir ao pescar com o seu
amigo, porque o mar combatia-o para lhe roubar o anelo
com a sua amada. Viveu na aldeia, e aplicava-se
redescobrindo de si dons e talentos na carpintaria, na
Um Encontro no Jardim dos Saberes

pintura até em ensinar aos leigos de Kumbula a arte dos


dedos e tintas.
Todos admiravam-se, os homens de estatura o respeitavam,
os jovens o reputavam por douto. A Marta falava a Weni,
mulher por quem o Pedro pagou o dote, e a esta falava a
outra. Nos afazeres das jovens, que a cada semana faziam
no rio era agora para falar do homem de sonhos.
O Nkuvu vivia aquela nova tradição e a tradição penetrava
nele. Repentinamente sentiu-se sepultando aquela que ele
amava, então cessou de viver no mundo esqueceu o dia
ansiando apenas a noite, desejando somente a noite
porque com ela vi e sentia o verdadeiro calor da Nweti.

— Porque estou esquecendo-lhe e você está silenciando cada vez


mais a tua voz.
Sua alma amargurou-se toda a noite. Sua dor alongou-se
por longas noites.

43
O caminho entre o tempo, a realidade e a verdade

Os homens, a Tradição e o Incomum

“Tradição é a fé viva daqueles que já morreram.


Tradicionalismo é a fé morta dos que ainda vivem”.
Jaroslav Pelikan

O hábito dos víveres seduziu o Nkuvu a retornar ao


verdadeiro século, a realidade da década e ao pulsar de cada
dia. Despiu-se das ilusões, esvaziou-se dos sonhos. Naquele
instante sentiu-se oco, sem destino e sem rumo. Memórias
desfocadas, memórias intrigantes e cheias de incógnitas.
Despertaram-se costumes antigos, ressurgindo dentro de si.
Alongou-se do mundo, abrigou-se num pequeno bosque
que circunvizinhava a aldeia. Assentou-se sobre as folhas
que já a muito estavam divorciadas das suas árvores, por
um momento buscou elevar os olhos para a terra azul do
alto. Trouxe à vida as lições dos missionários trazedores das
palavras do Criador das coisas aos homens indígenas. De
imediato embriagou-se com falares improvisados e ao
Invisível ergueu a sua voz. Este era o Nkuvu a busca de
entender o destino, a realidade e o tempo.
O dia fugiu de Kumbula. Os homens tornaram-se sombras,
os herdeiros dos homens brancos pareciam fantasmas
errantes. O Nkuvu tornou a ganhar hálito de vida, e voltou
a presença dos homens. Todos os que o viam se
espantavam cada vez mais dele, era um duplo espanto
Um Encontro no Jardim dos Saberes

movido de forças compassivas e de repugnância. O


olhavam, nele pareciam habitar os mistérios dos séculos e
os mitos da terra dos Bantu. Dele se contavam mitos.
Ninguém sabia donde ele se originou nem por onde
caminhou antes de chegar naquela terra.
No meio do fogo que começava a ganhar a vida no embalar
da noite, um olhar reluzente surgiu brilhando sobre a face
do Nkuvu. E se aproximava transportando o calor dos
sentimentos, tornando-se mais poderoso que o calor dos
vulcões. E perto tornou-se mais do que olhar, e formou-se
num corpo, num corpo efeminado. Então formou-se a
sombra que de longe vinha. A Marta apareceu. Pela
primeira vez o Nkuvu encontrou motivo para sorrir.

— Por onde andaste?


Perguntou a Marta, desanuviando as ansiedades. Já
pensavam os seus amigos que ele tivesse ido ao espaço viver
com a Lua.

— Estava no bosque, precisava despertar o meu ânimo.


— Devias saber que ninguém vai ao bosque sem passar dos anciãos.
Poucos sabem mas nele tem coisas mui sagradas para o meu povo.
— Oh Marta. Não sabia que aquele lugar vos é separado. E
dentro de si percebera mais enigmas de um mundo tão
imenso e tão intenso.

45
O caminho entre o tempo, a realidade e a verdade

Seu falar reflectia a calma que a um dia era um oceano de


alucinações. E Marta o olhava com tamanha ternura, ela
não entendia que mais se inclinava para onde não devia. O
mundo das dúvidas e lutas.

— Mas fala-me, o que há realmente de sagrado nele?

— São segredos muito profundos e apenas os mais entendidos o


sabem.
— Será que todos os povos são carregados de imaginações e
superstição…!
— Por que dizes isso? Cada povo tem sua tradição e sua cultura…
Ela entendeu pelo seu falar cicatrizes dolorosas de um
passado que ela não conheceu. Logo cessou aquele assunto.

Era o dia da celebração do lobolo da Weni. No vilarejo todos


celebravam, a luz dos candeeiros e das fogueiras que
alumiavam a terra, as mulheres, masungucates e os jovens
gozavam do dia com danças, cantos e beberes. Foi naquela
noite que o Nkuvu encantou-se das gentes. Os dois jovens
deixando o calor da vila caminharam a casa do Pedro e
ajuntaram-se aos outros para preparar o jovem à noite da
contração do matrimónio. Todos alegravam-se e gozavam
com noivo.

— Sabem vocês por que o homem e a mulher se unem?


Uma voz do Nkuvu ecoou a casa! E o Nkuvu aprontou-se a
responder. Então todos silenciaram as suas vozes para ver
Um Encontro no Jardim dos Saberes

o estranho revelar-se ainda mais. Apercebendo-se de que os


velhos, os senhores e as mulheres que estavam naquela casa
pararam para ouvir coisas tão intrigante, seu íntimo moveu-
se.

— Que sabes tu? Podes ensinar-nos este mistério? Há seculos os


homens casam-se e nós sabemos porque dessa união. Que nos dirás
tu?
O Fumani ergueu a sua voz e fez gemer a todos e tudo. Ele
era o homem de elevada reputação diante de todos os
povos daquelas terras. Seu olhar de nervos intimidou a
todos. Vendo os outros que o Nkuvu queria responder, o
calaram imediatamente. Logo todos voltaram aos seus
afazeres.
Perante o luar todos celebravam. O noivo e a noiva foram
ajuntados naquele dia, e seguindo a tradição foram
conduzidos a casa dos régulos. Recebendo a bênção dos
anciãos que ali se ajuntavam, partiram a comunidade onde
o noivo fazia o juramento de sempre trabalhar para o bem
da sua casa e noiva declarava a sua donzelice a todos para
ver quem a acusaria, e esta aceitava publicamente as
condições da nova família que iria pertencer.
Aos olhos de todos, do Invisível, da lua e das estrelas
uniram-se o Pedro e Weni. E a festa continuou durante a
noite. Todos que ali estavam lançavam sortes sobre o novo
casal, era alegria incansável. O Nkuvu contemplava o acto
e maravilhava-se. Ele já os conhecia e convencido de que

47
O caminho entre o tempo, a realidade e a verdade

eles verdadeiramente amavam-se. Seus olhos tornaram-se


nascentes de rios de águas salgadas com vida. Eram
lágrimas, lágrimas que reflectiam o brilho do fogo, e
memórias o visitaram. Do seio do calor das pessoas
apartou-se e foi para lugares despovoados durante as noites.
Foi ao rio, onde deitou algumas memórias. E assentou-se
nos encostos que estavam a beira do rio e fintou os seus
olhos nas águas cristalinas que beijavam tão
esplendidamente os céus, derramou naquela fluente as suas
lágrimas. Parecia um louco, chorava e sorria, parava e
continuava. Lembrou-se dos dias em que viveu sobre a
terra, nenhuma memória mesmo impercetível lhe escapou.
Sentiu-se esquecido com o tempo. Começou a clamar:

— Porquê este destino? Eu tenho esperado e convicto permaneço e


porque não me respondes?
Suas mãos fizeram um símbolo, uma cruz e nas águas
poucos profundas do rio a colocou. E a olhava com
amargura e infelicidades multiplicadas. Em tristeza
permaneceu…
Repentinamente, do silêncio as folhas começaram a mover-
se forçosamente, a terra movia-se pouco a pouco. O som
tornava-se cada vez mais alto. Olhou para os lados e nada
viu. O aroma de aloés consumiu todo o local, e ele
comoveu-se pensou consigo que alguém o estava
acompanhando, se a resposta pelos seu clamores, se os tais
espíritos vigias do bosque ele não sabia.
Um Encontro no Jardim dos Saberes

Então o silêncio durou por longos momentos.


Imediatamente se revelou a Marta, sorrindo e admirando
aquele episódio. O coração do Nkuvu acalmou-se e a sua
melancolia escondeu para o seu íntimo não revelar.

— Que fazes com os mortos nas águas que fluem? Era a cruz que
significa honra aos mortos a causa dessa pergunta.

— Não são os mortos que ela representa, sim Alguém que foi
rejeitado, morto e reviveu.
— Claro que isso não pode ser real. Vai ao encontro dos mortos no
cemitério da aldeia verás muitíssimas réplicas de tal símbolo. Ou
tu és um homem carregado de creres incomuns, que enfeitiçaram
o mundo e quando os homens dessa terra se deram a tais creres,
nós viramos símbolo de riqueza e ignorância mesmo tendo a nossa
ciência.
O íntimo do Nkuvu turbou-se! Aquelas palavras
carregavam consigo fortes impressões de lugares onde
outrora estivera, e aquela jovem mulher parecia encarnar
uma outra que lhe arrebatou os sentidos. E suas palavras
tornaram-se poucas que nem mesmo o som possuíam senão
aquele olhar terno na jovem e admiração que pouco
revelava.
A Marta lhe fintou o olhar por longos momentos. E
levantou-se como que querendo seguir para o destino que
antecede o nascer do sol. Ela percebeu a sua ignorância nas
suas últimas palavras, e para provar a sustentar o que a sua

49
O caminho entre o tempo, a realidade e a verdade

mente já guardava desde a tenra idade convidou o jovem


numa caminhada para encontrar o limite da aldeia. E assim
caminharam até que a alva enamorou-se daquele mundo.
E olhando para o distante mar que escondia segredos do
passado e conduzia para lugares de histórias, saberes e
viveres desconhecidos.
Estória do padre António Cabral (As letras
escravizadoras)

Atente a esse mistério na natureza e reconcilia esta narrativa que


celebra-se sobre a terra dos meus pais. Sim, deles! Porque eu não
sei realmente as minhas origens, pois sinto que preciso seguir para
além das correntes deste rio e continuar no oceano. Talvez
encontrarei a fonte que me dará identidade real e não a que me
foi atribuída. Sim, talvez eu esteja enganada, mas nesse mistério
que a minha alma busca desvendar prefiro acreditar nesse inútil
estado que me foi dado. A Marta desabafou e, seu íntimo
revelou a sua nobreza oculta e a busca da alma vivente por
algo mais real e verdadeiro.

Eis a narrativa: quando chegaram os homens brancos tinham


semelhanças de espíritos compassivos mas enganaram os homens
daquela terra. Deram-lhes um livro que lhe chamavam: “viva
palavra de Deus” e pregaram-lhe sem cansar dia e noite, tiraram-
lhes da ignorância das letras para que soubessem de cada lei deste
livro. E deste livro ensinaram palavras que acrescentaram dor e
necessidade do negro em procurar favor no seu Criador, como lhes
argumentavam.
Um Encontro no Jardim dos Saberes

E achando este a alegria, deveria servir aos senhores brancos pelos


favores dados. Por muitos anos assim se fez naquela terra até que
um jovem de muitas letras que havia crescido no pequeno
convento local e o seu amigo, que ganhara liberdade do seu senhor,
deram-se a entender de que os homens brancos lhes manipulavam
para lhes sugar o sangue. Então, numa noite incendiaram a igreja
da comunidade e lutaram contra todos os seus senhores e
subjugaram-lhes. A partir daquele tempo não mais se tolerou que
os homens de Kumbula se dessem as religiosidades inúmeras senão
fosse a que a sua tradição defendia apenas.
Sim, essa é a nossa história!
Guardou o Nkuvu aqueles saberes, e dali sua alma se
devotou em secreto para a sua religião. E a Marta amou
mais que num tempo, não mais se achou naquela terra e
com ela estava para além das leis de anciãos. Se isso foi na
mente, no espírito, no corpo, nas palavras nem o jovem
compreendeu. Naquela viagem o seu ser pareceu viver o
real. E em sua peregrinação incompreensível transgrediu
contra as leis das terras do Sul.
Seu ser encontrava-se menos com muitos de Kumbula,
fugindo de todas as coisas que ao seu intelecto eram
incomuns. Continuou sua vida em Kumbula com
esperança de em pouco tempo, se de facto o tal estava
mudando, mudar e continuar a sua jornada. Uma cabana
fez junto ao limite da terra esperando o dia que poderia
dali partir. Apenas tinha uma visita, a Marta, com a qual

51
O caminho entre o tempo, a realidade e a verdade

discorriam em toda a matéria da vida, da terra, dos


homens, das estrelas, e tudo quanto chegava a mente e aos
lábios. Assim sonharam, imaginaram, pensaram, viveram
ou experimentaram aquele ansio ambos.
Um Encontro no Jardim dos Saberes

Na Casa da Conselheira
(Por onde se esquecem as origens)

“A maior fome é a fome por um sentido na vida. Se você não


descobrir isso passará fome a vida toda.” (do filme Ordinary
People)

Muito a amou! Sim, a sua alma mesmo duvidando do


tempo, da realidade e da existência em si, entregou-se a um
amor de ciência misteriosa. Depois de épocas difíceis e
alegres, o casal despediu-se de tudo racional e com
aparência de Kumbula para a sua ciência e buscou o outro
lado da existência, se tal lugar antecedia a morte ou era o
lugar onde jaziam os que viviam mortos não deram-se o
momento de buscar. Em busca de um lugar habitável
correram.
Navegaram o rio, quilometraram demasiado por longos
dias (dias de fome, de ansiedade, de dor e de esperança) até
que encontraram um porto que levava a uma estrada. De
longe os atraiu ainda, o ruído dos motores das grandes
máquinas que trilhavam aquele caminho. Ali
desembarcaram e seguiram a estrada. Quiçá chegaram ao
tempo e a realidade. Mas pareceu-lhes estarem sonhando.

53
O caminho entre o tempo, a realidade e a verdade

E encontraram a estrada que acompanhava os peregrinos


que dali se destinavam as suas histórias e sonhos.
Descobriu-se-lhes, ao longo da via, uma grande casa, essa
foi a sua grande primeira descoberta. Enchendo-se de
euforia correram esquecendo-se da fraqueza que lhes
dominava a dias. Desse lado da existência, os dias tinham
durações desequilibradas, seguiam movimentos para além
dos explicáveis.

— Este parece um tal palácio, casa de delícias e descanso para


almas viventes que buscam o seu destino.
— Eu nunca vi tal coisa, nem em contos nem em imaginações.
Parece que estamos nas fronteiras do céu querido. De repente o
seu parecer mudou e desfaleceu. E se um de nós não for aceite
entrar nesses aposentos?
O meu amor é todo para ti, não irei para sítio algum sem você.
Se este ainda não é o lugar que separa os vivos dos mortos, eu
estarei só para ti. Jurou-lhe presente companhia nessa ilusão
da vida.
E naquele mesmo instante uma mulher cuja face carregava
olhos finos, lábios que numa velha vida falaram de tudo
que se pode imaginar sábio e amoroso. E a eles se achegou
com um sorriso resplandecente. Logo os convidou ao seu
lar e lhes concedeu o quarto do seu desaparecido filho (este
foi a guerra para vingar o sangue dos pretos daquela terra
que foram dados por escravos aos brancos), e ali habitaram
por dias prolongados, trabalhando naquela fazenda. O
Um Encontro no Jardim dos Saberes

Nkuvu interrogava aos velhos a transformação dos hábitos


e das tradições nas pessoas. A Marta amigava-se as mulheres
dali e lhe descobriam modos civilizados ou experimentados
em mundos afuturados, mais cheios de vida a ser vivida.
Mas a resposta a sua busca continuava oculta e nenhuma
luz resplandecia sobre eles. E continuaram por longos
tempos vivendo naquela terra esperando ver uma
manifestação incomum para descobrirem o oculto em suas
almas. E nada sucedia.
A mulher sentia neles uma insegurança constante. Temiam
nada ser real, ou no caso de real, uma vida fracassada e
inútil. Assim buscou oportunidades para lhe interrogar
sobre o que lhes despertara para aquela viagem, afinal
aquele era o caminho para forasteiros e peregrinos. Embora
poucos atentassem para esse facto.

— Meus jovens, vocês têm estado neste lugar por mais de um mês
e ainda não tivemos um momento para conversarmos. Acho que
este é o dia ideal para tal. Pois sei, ouço conversas de pequenos e
grandes sobre algo que buscam. Assim lhe arrebatou a velha
senhora dona daquele aposento e num passeio lhes
conduziu ao monte que levava a uma aldeia em que viviam
todos os homens, tribos, etnias e toda sorte de gente. Dali
muitos partiam para das suas tradições divorciarem-se.
Porém, nada lhes contou sobre o que dali encontrariam.
— Talvez tu não o saibas. Mas contaremos a nossa história.
Buscando as minhas origens e um propósito final do meu ser
55
O caminho entre o tempo, a realidade e a verdade

comecei a viajar, donde venho não sei, apenas recordo-me de ter


encontrado o caminho para as minhas origens, quem o sabe para
o meu destino. Se no sonho, na leitura, na vida ou na imaginação
não sei. Então ousei procurar para a minha vida um propósito.
Descobri lugares que não sei se existiram, amei uma mulher que
do amor nada sabia, e dela me separei. Para onde ela se foi? Não
sei. Se em algum momento aquilo aconteceu, não mais certo estou.
Foi um sonho! Sim, um sonho!
Posteriormente, conheci esta jovem mulher que carrega dentro de
si uma força e beleza que me fazem olhar para os primeiros factos
como sonho. Para mim só deve existir uma realidade ou nada é
real. Sim, creio que sonhei nos primeiros passos da vida mesmo
não sabendo as minhas origens. Eu a amei e ela me revelou uma
sede comum, talvez o Criador nos quisesse revelar um propósito
comum. Mas em nós há um vácuo persistente. Contava o Nkuvu
enquanto a Marta acenava com a cabeça em acepção aos
seus dizeres.

— O que vocês estão buscando de facto meus filhos!? Eu não sei


de que fogem ou o que buscam. Mas neste lado do mundo as
pessoas se esquecem e se tornam o que os outros querem para si
mesmos. Talvez sejam sonhos enraizados em vós, sim sonhos reais
daquilo que querem se tornar. Vejo que o passado vos prende,
factos que não se podem negar, mas vocês precisam de libertar-se
de certa escravidão. Me questiono se o vosso amor um pelo outro
continuara vivo após a liberdade. Vossas almas buscam liberdade
mas nesse caminho as gentes não encontram identidade
Um Encontro no Jardim dos Saberes

libertadora senão guias que lhes conduzem a uma escravidão mais


terrível. Falou a velha senhora.

— Mas como saberemos se somos livres se não disserem, ou se não


encontrarmos uma claridade maior? As nossas terras estão
carregadas de crenças, leis e saberes duvidosos que não nos dão a
liberdade e propósito, pelo contrário nos levam a uma obediência
ignorante. Lá doutro lado donde viemos, o amor tem limites
operando quando o povo acha e nunca pode jamais manifestar
sinais dos ditos senhores de escravos, a religião é segundo as
ignorantes leis da nossa terra. E lágrimas começaram a correr
no rosto da Marta, e seus lábios continuavam falando do
que lhe enchia a alma. Esta é a manifestação de uma
ansiedade para ser.

Essa terra é cheia de regras mas eu sei, confio não estar num
engano, sei que preciso de algo para além do que já vivi. Mostra-
nos algo, precisamos de guia. Tudo deixamos para neste lugar
chegar agora revela-nos algo. Desse lado parece habitar a nossa
esperança…
E conversa tornou-se intensa e incansável naquele dia.
Houve luz, houve luz naquele dia para as suas mentes e os
seus corações. Talvez tenham finalmente alcançado a
verdade que buscavam.
Há verdade, tempo!
O encontro tornou-se uma manifestação de
conhecimentos, confissões e toda coisa que as gerações de

57
O caminho entre o tempo, a realidade e a verdade

homens da terra se alegrariam em comunicar umas as


outras. A mulher parecia ser cheia de conhecimentos sobre
os fundamentos da terra e da vida nela em activo, falava
com convicção tal que poderia, talvez, explicar como as
montanhas firmam-se sobre a terra.

— Isso é real? Verdade? A mente do Nkuvu questionou-se ao


que ouvi da mulher.

— Há verdade meus filhos! Não verdades, verdade somente. Vocês


caminharam até aqui. Esse é o lugar na existência do Homem que
lhe convida a seguir um caminho. Verdadeiramente, esse é o
mundo da sua alma, onde a vontade, o desejo, a busca de vida e
todas emoções se unem em discurso que elevam o vosso ser a um
caminhar sólido e alegre segundo o que vocês querem ou tenham
ouvido alguém dizer. Tempos atrás passaram daqui dois amigos
inseparáveis até aquele momento. Diz-se que viviam na parte mais
ínfima do jardim, porém, chegou o dia em que foram chamados a
seguirem os seus caminhos: parece que nesse tempo as suas
consciências uniram-se com os elementos da existência. Eu os
conheci por poucos dias, na verdade, eu fico pouco tempo com as
pessoas, elas não se podem demorar comigo, pois lhes é custoso
levar muito tempo por aqui. Vocês devem escolher uma coisa, dado
que não escolhem voltar, apenas duas opções vos restam: seguir a
descida escura pelo monte (o caminho do trabalho duro ou algo
parecido) para alcançar o mundo de “todos vos aplaudem” ou
seguir um caminho ainda mais estreito, segundo diz-se em nome
da verdade, este é quase que tenebroso do início ao fim e encontrá-
lo parece ser um dos grandes obstáculos dos homens.
Um Encontro no Jardim dos Saberes

— Qual nome lhe dão?


— Chamam-lhe fé! Sim, dizem que importa ter fé e fé na verdade.
Julgam, os sábios desse caminho, não há verdades, apenas uma
verdade. Nem existem tempos para tentar qual entrada que
conduz ao certo, pois muitas portas têm-se feito pintadas com tal
imagem mas são ruins no seu fim. Que dir-vos-ei? Sigam esses
conselhos: se escolherem o caminho da fé deverão considerar
estudar a verdade sabendo que só há uma chance quando chega-
se ao fim do curso, não há voltas. Nenhum registo se fez de alguém
que venha nos afirmar categoricamente qual é a verdade.
Aprendam vocês e busquem qual seja o verdadeiro. Isso, dizem os
entendidos do caminho, tem o valor de um tempo chamado
eternidade. Mas ainda podem escolher descer pelo caminho escuro
e chegarão ao mundo que tem muitos volumes o contando, apenas
receio que no fim não encontrem o que buscam. Afinal vocês estão
buscando não um caminho em si, mas o fim ao que vocês são.
Vossas almas clamam por uma causa para a vossa existência.
Não se pode descrever qual salto deram as almas dos dois
jovens. Ou qual combate lhes houve no íntimo. Mas qual
caminho seguir…importava descobrir o que eram e não
meros vislumbres do percurso cujo fim fosse terrível, ou
mesmo tenebroso caminho para uma miséria mais ruim no
fim do mesmo. Isso lhes foi ainda mais misterioso. Conta-
se que este foi o mistério mais misterioso a todos os
homens que viveram na terra de todos-vivem-pouco.

59
O caminho entre o tempo, a realidade e a verdade

Uma Estranha Confissão

“Duas estradas bifurcavam-se no bosque e eu…


Escolhi a que era menos percorrida…
E isso tem feito toda a diferença.” – John Eldredge

O tempo mudou para se encontrar com a ordem das coisas


tangíveis as mentes tanto doutas como leigas. Era uma
quinta-feira, a chuva caía mansamente sobre as ruas,
campos, casas, viaturas, pessoas e tudo que debaixo daquele
céu coberto de cinzentas vestes que escondiam a sua bela
nudez que desde tempos distantes acostumara aos seres
inferiores que o contemplavam. A tarde continuava
tomando um banho morno e refrescado. O Miguel
Armando Tchava continuava deitado sobre a pequena
mesa, seu centro de operações inteligentes naquele
escritório, que a décadas acompanhava o seu velho e
falecido avô, o “Miguelão”. Seus dedos inconscientemente
continuavam tateando na caneta e no lápis e os olhos
encobertos continuavam contemplando para além do
horizonte daquela era.

— Para onde iremos nós agora? Sussurrou a Marta ao Nkuvu.


As nossas esperanças foram-se, ou caminharemos pela trilha da
desilusão esquecendo o tempo e vivendo para não mais viver a
morte que não queremos morrer ou seguiremos pela fé. Fé em algo
racional.
Um Encontro no Jardim dos Saberes

O Nkuvu estava com a cabeça inclinada, se ouvindo ou


sonhando não era possível ver. Enquanto os lamentos da
Marta tornavam-se cada vez menos audíveis mesmo para o
seu íntimo.

— Miguel desperta! Uma voz distante chamava o jovem à


vida!
Tentando despertar a mente, o jovem prendeu-se entre a
incerteza do tempo e da realidade. Não podia saber se
acordava para um sonho mais nobre ou dormia para
continuar no sonho que lhe agradava vivenciar. Quem o
poderia saber para lhe dar um gozo da realidade feliz.
A voz tornou-se mais intensa que o Miguel não conteve-se.
Num mundo acordou, noutro o Nkuvu continuou com a
mente inclinada até que sua face desapareceu. A Ester
encostada junto a entrada do escritório dirigiu uma palavra
de emergências. Embora o dia celebrando as chuvas que
dançavam sobre os ritmos suaves do vento por longas horas
e algumas vezes pelas batidas dos trovejos. Ergueu-se e
contemplou com um sorriso àquela viva e formosa
criatividade de mãos do Invisível, e a Ester respondeu
alegremente com um alegre aspecto como o do arco-íris
radiante.
Tomaram o caminho seguindo uma rua vazia de gente. O
guarda-chuva os guardava que se molhassem e em sua
pequenice permitia que a proximidade da amizade fosse
visível. Logo chegaram ao edifício que se fazia morar no fim
da rua. Velas iluminavam o local, e em pleno dia davam
61
O caminho entre o tempo, a realidade e a verdade

um aroma de lírios aos que ali entravam e a beleza do


jardim se resumia em flores ao redor do local. Assentaram-
se junto a janela que conduzia a contemplação de uma
igreja lá para o fundo. E o Miguel desviou por uns instantes
o seu olhar para aquela estrutura, de imediato tornou a
sorrir como se dentro de si carregasse vivas experiências do
mundo e dos séculos.

—Podes contar-me o que tornou o seu sorriso mais radiante que os


densos campos cobertos de neve? Naquele falar meigo com o
queixo dormindo sobre a mesa requereu a Ester.

Sabe-se se o Nkuvu encontrou o caminho para a vida! Tenho me


questionado se o que vale a pena é viver o sonho que buscamos ou
o que se nos dá espontaneamente nessa caminhada. Meus pais
contam-me vezes sem conta de como a nossa fé e certeza do que
não vemos é inútil quando deixamos o que chamam de raízes,
melhor falando, raízes de amargura e tradições, sei que nisso há
ainda muita beleza, mas é sempre carregada de algo místico. Fujo
de todas as coisas que me unem com uma realidade duvidosa.
Prefiro crer que os sonhos são a melhor coisa na vida. Sim, mesmo
os sonhos que sonhamos vivos. Mas deixe que lhe cante uma
canção eterna que do meu coração foi se ritmando e melodiando
para gozar desse momento.
— Não agora! Me conte mais desse nosso sonho. Agora que o
estamos a viver quero deleitar-me em cada parágrafo e período. A
Ester rogou-lhe que não interrompesse o conto.
Um Encontro no Jardim dos Saberes

Está certo! Continuei aprendendo com o tempo (sim nesse pouco


tempo), que a verdade importa mesmo quando me faz crer numa
realidade inimaginável incluindo com isso a perda de momentos
frágeis que alguns buscam-me envolver. Lembro-me dos dias na
escola, quando menino e quando jovem na universidade em como
muitos procuravam, seguiam e outros viviam tantos sonhos que
lhes desuniam da verdade do que deveriam ser. Desaprendi
algumas coisas para encontrar o caminho que me leva este lugar.
O Nkuvu, sim eu o Nkuvu, aprendeu a olhar para a história da
nação e das nossas etnias e sempre respeitá-las mas buscando a
verdadeira alegria para si. Duas vezes amei-te, duas vezes te
conheci; na ignorância e na busca de luz e compreensão. Bem te
conheci em três momentos nos quais foste razão encorajadora para
buscar algo além do que os mundos ensinam. Talvez o amor
ensine-me algo, afinal esse caminho é explicado por amor-perfeito
que alcança níveis mais baixos que o aprendem.
A nossa terra, há poucos anos, era local de comércio de gente como
nós. Agora vejo que nos vendemos de forma mais terrível: as
mentes de gentes equivocadas e dos hábitos rudimentares dessa
nossa terra de vaidades. O coração encheu-se, naquele
momento Miguel cessou a expressão verbal, manifestando
o seu interior com lágrimas e sorriso demasiado.

Compreendo. Acho que devemos voltar ao ponto de início.


Gostaria de reviver esse sonho. Parecia encarnar tal sonho com
um prazer tão intenso, tão calmo. Creio que a beleza dessa
caminhada reside nessas transformações que enlouquecem aos que
nos ouvem e nos seguem na ignorância. Sabes que a D. Catarina

63
O caminho entre o tempo, a realidade e a verdade

lamentou-se por uma vida, penso em como ela não me deteve no


mundo dela, bem que gostaria de ter-lhe conhecido melhor, estar
naquela presença materna para aprender as raízes das origens e o
espírito ignorantemente zeloso. Nesse tempo em que vivemos
gostaria de esquecer que carregamos marcas escuras dos colonos,
sim que estão lá no íntimo. As nossas leis, em relação ao mundo,
são, em primeiro lugar, um medo e em segundo lugar desprezo
pelas coisas que nos aconteceram, pelo que nos esquecemos da
verdade e da razão por de trás das falácias que nos escravizaram.
Eu sei que a escravidão tornou-se mais severa nesses anos. Oh!
Quero caminhar à liberdade, ao propósito e à uma união com a
realidade e a verdade. Quero beijar as coisas que me dão razão
para ser. Quando a Marta encontrou-se com a conselheira se
desesperou: ela mostrou-lhe que voltar seria contentar-se com a
ignorância e a felicidade, por outro lado, seguir aquela estrada
levaria ao encontro do mundo de hoje onde os pensamentos
relativos, diferentes e rotativos tentam moldar uma multidão sem
rumo. Neste mar da vida muitos caminham seguindo os vários
cursos de águas que no fim da sua doçura desaguam na amargura
dos oceanos. Em sua melódica voz, a Ester acrescentou
saberes a conversa.
O sol despertou do lado de fora que invadia a pequena
cabana. Os vivos alegraram-se em ir para o exterior e
caminhar para contemplar o sol de um dia refrescado. Uau!
Estava um belo pôr-do-sol que convidava ao regozijo dos
últimos raios antes que a noite chegasse. E naquele lugar,
donde deslumbrava-se o dormir do sol, pararam ambos.
Um Encontro no Jardim dos Saberes

— Se o sol sonhasse, se ele sonhar! Seriam, ou ainda quem sabe


serão, maravilhosos os seus sonhos, livres e radiantes como esses
raios. Expressou a Ester.

—Talvez Deus, que o fez, lhe dê tais coisas…quem o sabe! Falamos


de coisas sábias de homens aos homens. Vislumbrou-se o
Miguel.
E continuou o Nkuvu no sono, dormindo naquele
desconhecido tempo. Ele e a Marta perpetuaram-se
sentados ali debaixo duma árvore, entre um passado por
esquecer e um futuro difícil de ir contemplar. Eles
dormiram quando noutro mundo o sol dormiu. Quiçá
foram encontrar-se com o sol quando se põe para além da
nossa terra! Quem imagina se o sol tal coisa fizesse, assim
fizeram Nkuvu e Marta. Foi nesse mistério que se
envolveram para sua caminhada peregrinar no
subconsciente do Universo da vida.
Um Cântico da alma
E naquele vislumbrar duma noite por vir, quando a luz da
natureza se esconde da terra, o Miguel tomou a mão da
Ester. Ali, onde todos os homens se cruzavam, com as suas
diferenças e estranhezas arrebatou-lhe a uma dança
corporalmente sem movimentos. E seus lábios falaram-lhe
da alma do sonho e cantou a sua canção.
A jovem mulher pôs-se em silêncio em todo o seu interior
para do momento gozar os versos de uma alma
experimentada em afectos de mais variada sorte. Voltando-

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O caminho entre o tempo, a realidade e a verdade

se da dança sem vibrações, voltaram-se pela gravidade aos


seus assentos e pondo-se em pouca distância pelo corpo, o
seu íntimo achegou-se em tal proximidade, como a união
das moléculas da matéria. O Miguel expressou!

Falaram-me de guerras antes das guerras da nossa história


Tentei procurar registo que me desse crença a tais factos
De um lado para outro andei, sem me cansar andei
Logo entendi que as guerras eram mais reais
Envolviam o corpo, a alma e o espírito
O seu auge dividia eras, tronos e famílias
Essas guerras me alcançaram quando buscava achar-me
Não foram os colonos que escravizam-me nem o capitalismo
Afinal os colonos e os capitalistas são também escravos
Todos unidos obedecendo em ignorância a saberes duvidosos
Quem é então esse senhor? E donde surge essa guerra?
Eu, amada minha, não sou entendido de tais coisas
Talvez os padres, monges, filósofos e outros pensadores
Mas cuida-te que eles não estejam sob a mesma condição
Pois essa escravidão parece pesar a toda a criação
Posso confiar que há criados e Criador nessa extensão
Um Encontro no Jardim dos Saberes

Quem me dirá?
Parece que todos estão nessas cadeias de terrores
Essas cicatrizes me afligem o mais íntimo!
Choremos, choremos! Cantemos e Cantemos!
Vivamos esse nosso sonho
Sem duvidar dessa nossa verdade
Essa canção é para ti minha amada
Corajosamente persististe nessa caminhada
Esqueçamos de tudo e vivamos na nossa realidade
Sabendo que tão breve nos iremos na eternidade
Esperemos fazê-lo num nascer-do-sol
O descansemos até num pôr-do-sol (...)
E lhe cantou aquele consolo e lamento doutro lado da
estrada donde viviam o Nkuvu e a Marta. Se nas mentes ou
nas imaginações, se nos papeis ou na vidas de outros, quem
o poderá dizer? Aqui onde a revolução da vida não
encontra limites.

— Sei que não estamos sozinhos! Há consolo, há forca, há alívio!


Ah! Tamanha certeza habita-me o interior que procuro encontrar-
me em contacto com o Invisível. Essa é a fé! E Ester entoou o
último verso.

67
O caminho entre o tempo, a realidade e a verdade

— Algo queria que soubesses para além de tudo que já ouviste.


Toda a minha estrutura se consome dentro de mim para lhe
manifestar tal preocupação ou pensamento irrequieto em mim.
A Ester olhando para a tranquilidade da noite a
intensidade das estrelas que do céu já brilhavam lhe
concluiu um dia para repousar e equilibrar as experiências.
Pelo que lhe sussurrou a sua sinceridade.

— Dentro de mim são muitas as emoções! Me conte no sono


quando estivermos para além desse sonho…talvez já me tenha
acalmado no íntimo.
Um Encontro no Jardim dos Saberes

Quando os Homens Sonham

Na luz da existência e para o caminho, o Nkuvu despertou.


Parece que sonhara do outro lado do caminho. Uma luz,
uma revelação! Despertou-se daquele lugar e a velha
senhora não mais estava ali com eles, nem a Marta. Turbou-
se por não vê-la.
Tornou aos outros homens cheio de alegria e cheio de
ansiedade. Inquiriu sobre onde poderia encontrar a velha
senhora, a dona da fazenda, e lhe indicaram seguir ao
interior da casa. Entrando, encontrou-se com uma bela
imagem que envolvia o olhar e continuou caminhando
cheio de alegria e mais alegria sem mais ansiedade. A Marta
estava naquele escritório, cercada das ideias de eras e gentes
da terra. Seu olhar, fito estava numa tela que recebia a
todos os que entravam naquele lugar.
— Esse é um caminho. Sua admiração consigo mesma por
aquela obra.
O Nkuvu achegou-se a ela naquela contemplação
arrebatadora. E os seus olhos encontraram-se.

— Acho que sei qual destino seguir para nossas dúvidas


dissiparmos! A novidade ouviu-se.

— Verdade? Real? Certo? Não sei como perguntar como convém.


Mas como podes ter tal certeza? Se não agora, nossas mentes
tornaram-se mais envolvidas com mais saberes. E tu sonhaste, eu

69
O caminho entre o tempo, a realidade e a verdade

sonhei, será que não estamos na ilusão! Conturbou-se a sua


alma.
— Não sei. Mas gostaria que caminhássemos um pouco.
Ouvi sobre um caminho que conduz a um jardim
maravilhoso, segundo as memorias que me restam, lá
moram homens de todos os caminhos. Acho que quando
lá chegarmos, saberemos qual decurso da vida seguir.
Enquanto falando achegou-se-lhes a eles uma jovem
mulher, a Maria de Graça, acompanhada por dois jovens,
o Tito e o Tiago. Caminharam de suas origens para ali, suas
origens se perderem. Há uma semana estavam na fazenda,
ainda receosos sobre aquele lugar e sobre as pessoas. Já
faziam dias que procuravam gente como eles para juntos
aprender a vida segundo o seu entender. Os cinco
assentaram-se e debateram a vida, os tempos e todas as
coisas que os cercavam naquele pequeno mundo.

— Vocês precisam contemplar o que está ao nosso redor. Não são


simplesmente livros, pinturas e artes e mais artes. Esses são os
pensamentos de cada tempo, cada tradição, cada língua, cada
civilização. Eu aprendi nesses poucos dias que neste lugar, nós
podemos encontrar a verdade, a realidade e o nosso tempo. Nos
estamos nesse caminho. Todos nós passamos pelo jardim, sim o
lugar onde todas as coisas encontram-se. Na verdade esta é a porta
pela qual seguiremos um destino e uma vida. Qual fim? Não me
importa referir. Com uma voz convicta, Maria da Graça
despertava novos horizontes ao seu pequeno auditório.
Um Encontro no Jardim dos Saberes

— É o que acabávamos de contemplar quando vocês chegaram.


Mesmo assim, são muitas as coisas que nos sugerem aqui. Me
questiono qual delas poderá ser a que importa saber para valer a
pena. Tive um sonho, na verdade, não sei se foi um sonho ou uma
revelação mas, cuido que não seja nenhuma ilusão. Há algo
dentro de nós que está nesse lugar e acho que isso importa. Vos
contarei uma pequena história: houve homens desde gerações
passadas nos tempos rudimentares, houve dias que o mundo se
distinguia dum civilizado para com o que era mais antigo. Houve
ainda tempos que os homens começaram a descobrir que os outros
homens nesse tempo não eram ainda seguidores do tempo, e em
sua astúcia se introduziram dominando-os. Em Kumbula, donde
viemos, os homens ainda sentem cicatrizes de tais eventos, em um
outro lugar onde creio ser real ou uma alegoria com outros
mundos, ainda podemos encontrar tais vestígios. Todos os homens
vivem num tempo para um tempo e um plano. Eu preciso entender
o que é plano ou destino como o chamamos, quero ser o que fui
feito a ser. Discursou-lhes o Nkuvu.

— E o meu sonho foi a coisa mais terrível: encontrei-me seguindo


o caminho tenebroso cujo fim é deleitoso. Por uma razão mudei
para um extremo que não entendi, porém, tudo era diferente.
Alguém chamou-me pelo nome e chamou-me a seguir-lhe, sem
hesitar segui por aquele caminho. Então vi glórias e glórias de
todos os tempos, homens afamados de cada tempo e era jubiloso
caminhar por ali. Subitamente, paramos na entrada de uma
grande sala, admirei-me ouvir o silêncio depois de um longo
caminho cheio de ruídos alegres e emocionantes. Mas não
compreendi. A pessoa que me chamara estava mais distante

71
O caminho entre o tempo, a realidade e a verdade

agora, e acenou-me que tornasse para um espelho para o lado


oposto a entrada daquela sala, os meus olhos encheram-se de
lágrimas, pois eu estava ali me contemplando e parecia com todos
os que vi durante esse percurso. A Marta estava a contar.
Os outros estavam em silêncio seguindo a narração
envolvidos de corpo e alma. Como que num mistério
profundo, todos se encontravam na mesma caminhada
como que compreendessem a partir daquele, a vida no seu
todo. Assim continuaram ouvindo.

— O que me chamou permitiu que visse o seu parecer, pois os meus


sentidos estavam fitos no que contemplara. Era uma mulher de
fina estatura, com uma simplicidade intrigante e com parecer de
alguém de vividas experiências. Ela levou-me para um outro
caminho, e senti um amor como que duma mãe. Me alegrei
naquele momento. Continuamos num novo percurso. Era um
caminho mais duro, vi homens vestidos de pouca alegria e com
todas as razões para um desgosto, ouvi mais choros e lamentos que
no primeiro, e a caminhada pareceu mais rápida que a primeira.
Logo chegamos na entrada duma outra sala, igualando-se a outra,
era o seu silêncio, pensei em olhar para o outro extremo e
contemplei-me: lágrimas correram da minha face, pois naquela
ignomínia estava eu também. Então perguntei a que me
acompanhava que era aquilo. Ela disse-me coisas imperceptíveis,
estremeci e não ousei perguntar-lhe novamente o que veria a ser
aquilo. Pela primeira vez senti a falta daquele que me prometera
amor leal, mas não tinha como o fazer e perguntei a mulher se o
sabia, mas não me respondeu. E caminhamos como que saindo
Um Encontro no Jardim dos Saberes

para encontrar um novo lugar, mas algo despertou-me a atenção.


Então, a mulher começou a falar-me em linguagem comum
mostrando-me as medidas dos dois caminhos. Passando numa obra
artisticamente feita numa parede começou a expor-me os
pensamentos, tradições, hábitos, aspirações dos dois caminhos.
Perguntei-lhe por que apenas dois se eu vinha dum terceiro, ela
disse que o outro não pertencia aos que deveriam terminar as suas
caminhada ali. Perguntei-lhe ainda sobre o silêncio que ouvira nas
duas salas. “Filha, não importa qual caminho você segue neste
jardim se a sua vida é daqui, não importa se é cheia de tristeza
ou sucessos, você termina no silêncio que implica uma vida de
ilusão cuja memória é indigna de permanecer mesmo que tenha o
nome gravado em todo o lugar por onde tenha passado. Para além
do tempo donde você vive, não mais poderá esperar vivas memórias
de si, você viveu falsidade.” Comecei a chorar sozinha e
lamentando naquele lugar. E todos na sala se turbaram
grandemente. E a noite envolveu-lhes.
A madrugada chegou naquele mundo. Era a luz do sol
quando caminha na solidão escura da noite, dissipando
pela sua fraqueza as trevas da noite para um novo dia
despertar. O Miguel despertou naquele momento e olhou
para o fundo do quarto junto a porta, no assento estava a
Ester. Estava sonhando ou escutando. Questionou-se! E
continuou olhando para a Ester e ela sorriu-lhe, depois
estranhou-lhe.

— Este foi o sonho do qual lhe contei que tivera. Pensei que tivesse
seguido pelas pobres e rudimentares tradições dos nossos ancestrais.

73
O caminho entre o tempo, a realidade e a verdade

Ah! Pensei que me tivessem conquistado a honra e o louvor desse


mundo. Agora sei que isto não é ilusão, é a realidade. Não é um
sonho, esse tempo é real e dinâmico como os rios cujo fim, revela-
se quanto mais o navegamos. Pensei que me tivesse entregado aos
mais caminhos falsos dessa vida. Aprendi que o caminho da fé em
Deus vale a pena, nessa fé racional. Agora entendo o nosso sonho
sobre aquela cruz a beira do rio, não era sobre os que morrem
levando as suas memórias a escuridão, é Daquele Invisível cuja
memória habita na luz onde nossas mentes foram iluminadas
para sempre. Este sonho é melhor e maravilhoso. Em todos os
outros me foi mostrado o fim, mas desse não. Apenas sei que vai
valer a pena, pois a nossa vida carrega sintomas de um propósito
maior. Vamos continuar nesse sonho real.

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