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Tireóide

Caso 10
RELATO DOS CASOS
Um casal de irmãos, ela com 17 e ele com 20 anos de idade,
relatam história de aumento de volume cervical anterior desde a
infância.
No irmão, foi identificado bócio aos 12 meses de idade asso-
ciado a hipotireoidismo primário laboratorial, segundo relato da
mãe. Ela não notou alterações no desenvolvimento psicomotor e
refere que na ocasião havia apenas constipação como sintoma de
disfunção tireoidiana. Foi iniciada a reposição com levotiroxina
apenas aos três anos de idade, com uso bastante irregular, sobre-
tudo durante a adolescência quando ocorreu aumento importante
do volume do bócio. Atualmente o paciente faz uso regular de levo-
tiroxina e apresenta déficit cognitivo leve a moderado. Nega ou-
tros sintomas de disfunção tireoidiana ou de compressão de estru-
turas cervicais.
Sua irmã tem 17 anos e história de diagnóstico de hipotireoi-
dismo aos dois meses de idade (investigação orientada por médi-
co), sem bócio na ocasião. Em uso de levotiroxina desde então.
Notou aumento importante do volume cervical anterior a partir
dos 11 anos de idade associado ao uso irregular da medicação.
Queixa-se de desconforto cervical pelo grande volume do bócio e
não apresenta sintomas de disfunção tireoidiana. Menarca aos 11
anos com catamênios regulares, sem anormalidades em crescimen-
to e desenvolvimento.
Há relato de que a avó materna apresentava bócio volumoso e
não há história de consangüinidade na família.
Ao exame físico, o rapaz apresenta tireóide difusamente au-
mentada de tamanho (cerca de sete vezes o volume normal), elásti-
ca, indolor, móvel à deglutição, com nódulo de 3cm de diâmetro em
lobo esquerdo de consistência um pouco maior que o restante do
parênquima. Manobra de Pemberton é negativa. Não se palpam
adenomegalias regionais. A pele, os fâneros e o reflexo aquileu são
normais.

CAPÍTULO 2 71
A menina apresenta glândula tireóide algo maior que a do seu
irmão (aumentada em cerca de oito vezes), sem nódulos palpáveis
e manobra de Pemberton também negativa.
O restante do seu exame não apresentava anormalidades.

EXAMES COMPLEMENTARES (TABELA 2.1)

Tabela 2.1
Exames Laboratoriais dos Hormônios Tireoidianos em Ambos os Irmãos

Resultado na Irmã
Exame Resultado no Irmão (LT4 200mcg/dia) V.R.
TSH 4,97 0,064 0,4 a 4,0µU/mL
T4 livre 1,10 1,50 0,8 a 1,9ng/dL
T3 total 182 82 a 179ng/dL
T4 total 12,5 4,5 a 12,5ng/dL
Anti-TPO Negativo Negativo Negativo

ULTRA-SONOGRAFIA DE TIREÓIDE
No Irmão
Ecotextura heterogênea, com padrão multinodular, com nódulos sóli-
dos predominantemente hiperecogênicos apresentando inúmeras áreas de
degeneração cística de permeio. O maior nódulo encontra-se à esquerda
(29mm). Incremento da vascularização intraglandular. Maior diâmetro dos
lobos é de 8cm e estende-se até o intróito torácico. Istmo de 78mm. Sem
adenomegalias regionais. Leve desvio do eixo traqueal.

Na Irmã
Bócio difuso com alguns nódulos de ecogenicidade variada, bem iden-
tificados, e algumas áreas císticas de permeio. O diâmetro longitudinal da
glândula é de cerca de 9cm alcançando o intróito torácico. Sem adenome-
galias regionais.

TESTE DO PERCLORATO
Positivo em ambos os irmãos. Foi administrado 1,5g de perclorato de
potássio, via oral, para a realização deste teste. O normal é ocorrer libera-
ção de menos de 15% do radioiodo contido na tireóide. No irmão, ocorreu
a liberação de 70% e na irmã, esta liberação foi de 50%.

72 CAPÍTULO 2
Meu diagnóstico

RESUMO DOS CASOS


Casal de irmãos com quadro de hipotireoidismo primário e bócio desde
os primeiros meses de vida, sugerindo anormalidade hereditária na síntese
de hormônio tireoidiano. O teste do perclorato foi positivo em ambos, indi-
cativo de defeito na incorporação do iodo na célula tireoidiana.

DISCUSSÃO
Bócio Dis-hormonogênico
Bócio dis-hormonogênico é o defeito hereditário na biossíntese hormo-
nal, causa rara de hipotireoidismo primário. O padrão de herança é autossô-
mico recessivo, logo, relacionado a casos de consangüinidade na família. A
apresentação clínica é de bócio cedo na infância associado à produção
subnormal de hormônio tireoidiano em grau variável. O exame histopatoló-
gico revela hiperplasia celular com áreas adenomatosas, padrão microfoli-
cular-fetal-embrionário (o colóide é escasso ou ausente) e atipias celulares
que podem dificultar a diferenciação com malignidade.

CAPÍTULO 2 73
Os defeitos podem ocorrer em pontos diferentes no processo de bios-
síntese hormonal, como relacionado a seguir:

Defeito no Transporte de Iodeto


A bomba de iodeto encontra-se em tireóide, glândulas salivares e mu-
cosa gástrica. O defeito neste transporte leva à captação de radioiodo redu-
zida ou ausente, devendo-se, portanto, diferenciar de tireoidite e contami-
nação por iodo. A relação dos níveis de iodeto saliva/sérico e secreção
gástrica/sérico encontra-se reduzida após administração de iodo venoso,
devido à falha na entrada do iodeto no tecido glandular. O tratamento con-
siste na administração oral de iodeto de potássio em doses suprafisiológicas
(1a 5mg/dia) ou reposição de levotiroxina.

Defeito na Incorporação do Iodo


A oxidação do iodeto a iodo orgânico e sua ligação covalente aos resí-
duos tirosil da tireoglobulina é dependente da tireoperoxidase e do sistema
de formação de peróxido de hidrogênio (NADPH oxidase). No defeito de
incorporação do iodo, a captação de radioiodo pela tireóide encontra-se
aumentada e o teste do perclorato é positivo. Durante o teste de estímulo
com TRH, observa-se resposta exagerada e prolongada do TSH.
No defeito na incorporação de iodo pela célula tireoidiana, a atividade
da tireoperoxidase encontra-se reduzida ou ausente. Se a atividade desta
enzima for normal, então deve tratar-se de defeito na geração de peróxido
de hidrogênio.

Síndrome de Pendred
É uma anormalidade ligada ao cromossoma 7, no locus q21-34 que
leva ao defeito na incorporação do iodeto e no locus contíguo (DNF B4)
relacionado à surdez. Caracteriza-se pela presença de bócio, surdez senso-
rial congênita e teste do perclorato positivo (incompleto).
Do ponto de vista tireoidiano, observa-se bócio de aparecimento mais
tardio que nos outros defeitos de biossíntese e hipotireoidismo subclínico a
leve. A captação de radioiodo é normal a alta e o teste do TRH leva à
resposta exagerada de TSH. A ultra-sonografia de tireóide normalmente
revela bócio multinodular. Os nódulos devem ser investigados, pois existe
associação a carcinoma de tireóide.

74 CAPÍTULO 2
O defeito coclear que leva à surdez (defeito de Mondini) é a existência
de aqueduto vestibular dilatado, lúmen do meato alargado e canais semicir-
culares normais.

Defeito na Síntese e Secreção de Tireoglobulina


Este defeito pode ser quantitativo, em que a tireoglobulina estará redu-
zida ou ausente, ou qualitativo, em que a tireoglobulina estará em nível
normal ou aumentado.
Neste defeito, ocorre produção de iodoproteínas anormais, e a quanti-
dade de iodo sérico ligado a elas é maior que a presente em de tiroxina
sérica. A excreção urinária de material resultante da degradação destas io-
doproteínas anormais está aumentada, servindo como marcador para esta
anormalidade.
A captação de radioiodo encontra-se elevada, e o teste do perclorato é
negativo. A ultra-sonografia revela bócio multinodular ou difuso.

Defeito no Sistema Iodotirosil Desalogenase


Este sistema é importante para o reaproveitamento do iodeto desaloge-
nado das iodotirosinas e para nova organificação a resíduos tirosil da tireo-
globulina. Assim, mantém-se o estoque corporal de iodo.
Logo, o defeito no sistema iodotirosil desalogenase leva à deficiência
secundária de iodo, com conseqüente baixa produção de hormônio tireoi-
diano. A dieta rica em iodo pode mascarar este defeito, que pode ser con-
fundido com bócio por deficiência de iodo. A captação de radioiodo encon-
tra-se elevada. O tratamento com doses altas de iodo (1mg/dia) pode suprir
as necessidades para produção hormonal normal.

BIBLIOGRAFIA
1. Figueiredo MLD, Cardoso LC, Ferreira ACF, Campos DVB, Domingos MC, Corbo
R, Nasciutti LE, Vaisman M, Carvalho DP. Goiter and hypothyroidis in two sibilings
due to impaired CA +2/NaD(P)H-dependent H2O2-generating activity. JCEM.
86(10):4843-8, 2001.
2. Medeiros-Neto G, Stanbury JB. Defective organification of iodide. Em Medeiros-
Neto G, Stanbury JB, Inherited Disorders of the Thyroid System. Boca Raton, CRC
Press; 53-80,1994.
3. Refetoff S, Dumont J, Vassart G. Thyroid Disorders. In Scriver CR, Beaudet AL, Sly
WS. The Metabolic and Molecular Bases of Inherited Disease, 8th Ed, International
edition, New York. McGraw-Hill; 4029-4075. 2001.

CAPÍTULO 2 75
Caso 11
RELATO DO CASO
Homem de 38 anos, branco, relata início de mialgia há cerca de
10 meses de caráter progressivo. A dor é mais acentuada em mem-
bros inferiores e piora com atividade física. Notou aumento de volu-
me de panturrilhas bilateralmente e refere astenia crescente, ultima-
mente aos mínimos esforços. Relata investigação em outro hospital,
quando foi detectada elevação de enzimas musculares (sic), sendo
realizada biópsia muscular que revelou “fibras musculares em geral
preservadas, sem alterações estruturais, notando-se apenas uma leve
irregularidade no tamanho das fibras, algumas um pouco menores e
com núcleos centrais. Há raras fibras em processo de degeneração e
regeneração. Ausência de infiltrado inflamatório”.
Na anamnese dirigida refere parestesia ocasional em região pal-
mar direita, intolerância ao frio e sonolência e nega diminuição de
força muscular distal ou proximal ou alteração de hábito intestinal.
O paciente é casado, trabalha como técnico de aparelhos a
gás, natural de Natal. Nega co-morbidades ou doenças na família.
Nega etilismo e tabagismo, e sua alimentação é satisfatória quan-
titativa e qualitativamente.
Ao exame físico encontra-se lúcido e orientado, porém bra-
dipsíquico e com fala arrastada. Corado, hidratado, eupnéico e
anictérico. PA: 130×90mmHg, FC: 68bpm, peso: 79kg.
A tireóide é impalpável e a pele ressecada, infiltrada.
Há aumento de volume de panturrilhas bilateralmente e dor
muscular à palpação.
Ao exame neurológico, apresenta marcha preservada, tônus
muscular normal, força muscular e sensibilidades preservadas,
reflexos cutaneoplantares indiferentes bilateralmente, reflexos
patelar e bicipital normais e reflexo aquileu com fase de relaxa-
mento alentecida.
Não há anormalidades nos aparelhos cardiovascular, respi-
ratório e abdome.
Seus exames complementares mostram elevação de enzimas mus-
culares, hipercolesterolemia e elevação de TSH e T4 livre indetectá-
vel com elevação de anticorpos antitireoidianos (Tabela 2.2).

Tabela 2.2
Exames Laboratoriais

Exame Resultado Exame Resultado


Glicose 108mg/dL Colesterol total 416mg/dL
Potássio 4,2mEq/L Triglicerídeos 150mg/dL

76 CAPÍTULO 2
Tabela 2.2 Cont.)
Exames Laboratoriais

Exame Resultado Exame Resultado


Sódio 140mEq/L Hemograma normal
Uréia 39mg/dL VHS 16mm3/h
Creatinina 0,8mg/dL Ptn C reativa negativa
CK total 8.284U/L FAN 1/40 (padrão salpicado)
CK MB 159U/L anti-DNA negativo
LDH 1.149U/L TSH 42,5mcU/mL
TGO 213U/L T4 livre < 0,2
Proteína total 8,50g/dL AC antiperoxidase >1.000U/mL
Albumina 4,40g/dL AC antitireoglobulina 642U/mL

EVOLUÇÃO
Foi prescrito doses progressivas de levotiroxina até 125µg/d, com de-
saparecimento da dor em membros inferiores e da fraqueza muscular, e
normalização dos níveis de TSH e T4L.

Meu diagnóstico

CAPÍTULO 2 77
RESUMO DO CASO E IMPRESSÃO DIAGNÓSTICA
Paciente com quadro arrastado e progressivo de mialgia sobretudo em
membros inferiores. Em casos como este, deve ser feito diagnóstico dife-
rencial com miopatia pelo hipotireoidismo. Este paciente era oligossintomá-
tico quanto às queixas de disfunção tireoidiana, o que postergou o diagnós-
tico etiológico. A investigação apontou para o diagnóstico de miopatia
associada a hipotireoidismo primário por tireoidite linfocítica na for-
ma atrófica.

DISCUSSÃO
Miopatia no Hipotireoidismo
Os pacientes com hipotireoidismo freqüentemente apresentam altera-
ções neuromusculares. A prevalência de miopatia varia entre 30 e 88% e
seu aparecimento não guarda relação com duração do hipotireoidismo. Al-
guns autores notaram que pacientes com miopatia apresentam alta fre-
qüência da variante atrófica de tireoidite linfocítica.
A intensidade do comprometimento pode variar de mínima, detectá-
vel apenas quando é procurado especificamente, até ser a manifestação
preponderante e motivo da consulta do paciente. A maioria manifesta mial-
gia, fadiga, cãibras, rigidez muscular, reflexos tendinosos com fase de re-
laxamento lenta e mioedema. Com menor freqüência podem ocorrer au-
mento de volume de massas musculares, bradicinesia, diminuição de força
e espasmos dolorosos. Raramente, foi descrita atrofia muscular. A síndro-
me de Hoffmann é o aumento de volume e espasmos de massa muscular e
pseudomiotonia, e a síndrome de Kocher-Debré-Semelaigne é a ocorrência
deste quadro em crianças. A miopatia pode preceder os sintomas de hipo-
tireoidismo, e os achados de mioedema e de fase de relaxamento do reflexo
aquileu prolongada podem ser úteis para levantar a suspeita de hipotireoi-
dismo como diagnóstico etiológico.
Os níveis séricos de CPK (fração MM) estão freqüentemente elevados
devido ao aumento na permeabilidade do sarcolema e redução no clearance.
Parece existir correlação entre a magnitude da elevação da CPK e a gravida-
de do hipotireoidismo. A LDH e as aminotransferases também podem estar
elevadas.
A eletroneuromiografia (ENMG) é inespecífica (potenciais polifási-
cos de baixa amplitude e curta duração), não apresenta correlação com a
clínica e é anormal em 75% dos pacientes com hipotireoidismo.

78 CAPÍTULO 2
A biópsia muscular mostra edema intersticial, aumento de fibras mus-
culares, predomínio das fibras tipo I e atrofia das fibras do tipo II, perda de
estriações, núcleos centrais, acúmulo de glicogênio e lipídeos e degenera-
ção sarcoplasmática.
Subcelularmente ocorre defeito na glicogenólise e na oxidação mito-
condrial, levando ao declínio rápido nas reservas de energia no músculo em
exercício. A predileção pela atrofia das fibras do tipo II poderia ser secun-
dária à maior dependência destas da glicogenólise. O baixo pH intracelular
do músculo em repouso e a recuperação lenta do pH após exercício suge-
rem que a dinâmica de prótons está anormal no hipotireoidismo. É possível
que isto ocorra, ao menos em parte, por baixa atividade da bomba Na+/H+.
A reposição com levotiroxina leva à melhora dos sintomas e das en-
zimas musculares em semanas. O mioedema e as anormalidades ENMG
demoram mais a normalizar.

BIBLIOGRAFIA
1. Rodolico C, Toscano A, Benvenga S et al. Myopathy as the persistently isolated
symptomatology of primary autoimmune hypothyroidism. Thyroid. Nov;
8(11):1033-8, 1998.
2. Tellez R, Arriagada P, Avaria MA, Jalil P, Gonzalez G, Vergara F, Michaud P.
Hypothyroid myopathy. Communication of 4 cases. Rev Med Chil. Jan; 122(1):75-
81, 1994.

CAPÍTULO 2 79
Caso 12
RELATO DO CASO
M.H.M.S., mulher de 40 anos, encaminhada ao ambulatório de
endocrinologia por apresentar hipotireoidismo subclínico. Trou-
xe uma dosagem de TSH realizada em laboratório particular de
5,2mUI/mL. Nega sintomas de hipotireoidismo.
A paciente é natural do Rio de Janeiro e trabalha como do-
méstica. Possui hipertensão arterial em uso de enalapril, dislipi-
demia sem tratamento e precordialgia atípica. Realizou teste ergo-
métrico que foi negativo para isquemia apesar da capacidade
funcional atingida ser inferior a média prevista para a idade. Ges-
ta 3 para 1, com parto cesáreo. Refere dois abortos (espontâneos,
no primeiro trimestre). Seus ciclos menstruais são regulares. Nega
história familiar de tireoidopatias, doença coronariana e dislipi-
demia. Nega tabagismo e etilismo. Sedentária.
Ao exame físico, não possuía edema peripalpebral. PA: 130
× 80mmHg, FC: 68bpm. Peso de 72kg, altura de 156cm, IMC:
29,6kg/m 2.
Tireóide aumentada cerca de 1,5 × bilateralmente, regular,
móvel, com nódulo de 1cm em lobo esquerdo.
Reflexos tendinosos simétricos e sem alterações.
Restante do exame físico sem alterações.

EXAMES COMPLEMENTARES (TABELA 2.3)


• Punção aspirativa por agulha fina guiada por ultra-sonografia de ti-
reóide: laudo de tireoidite linfocítica.

Tabela 2.3
Exames Laboratoriais para Avaliação de Hipotireoidismo

Exame Resultado V.R.


TSH 4,74 0,4 a 4,0µUI/mL
T4L 1,0 0,8 a 1,9ng/dL
Anti-TPO Positivo
Colesterol total 340 < 200mg/dL
Triglicerídeos 74 < 150mg/dL
HDL 65 > 45mg/dL
LDL 260 < 160mg/dL

80 CAPÍTULO 2
Foram prescritos 25mg/dia de levotiroxina, evoluindo com normaliza-
ção do TSH e T4l (1,06µUI/mL e 1,11ng/dL, respectivamente).
No sexto mês de acompanhamento, evoluiu com hipotireoidismo manifes-
to, apresentando TSH elevado com T4l diminuído (9,91µUI/mL e 0,67ng/dL,
respectivamente) (Tabela 2.4). Nesse momento a tireóide encontrava-se au-
mentada cerca de 2×, permanecendo com o nódulo palpável de 1cm no lobo
esquerdo. PA: 130 × 80mmHg, FC: 67bpm, peso: 78,7kg, IMC: 32,3kg/m2.
Sem edema peripalpebral, com reflexos tendinosos simétricos e sem alterações.

Tabela 2.4
Perfil Lipídico Realizado no Sexto Mês de Acompanhamento

Exame Resultado V.R.


Colesterol total 440 < 200mg/dL
Triglicerídeos 74 < 150mg/dL
HDL 64 > 45mg/dL
LDL 361 < 160mg/dL

Meu diagnóstico

CAPÍTULO 2 81
RESUMO DO CASO
Mulher de meia-idade apresentando hipotireoidismo subclínico com
leve elevação do TSH. Seu exame físico já revelava tireóide aumentada,
com biópsia de nódulo compatível com tireoidite linfocítica. Outro dado
importante é a presença de anticorpo antiperoxidase. Mesmo após ter sido
iniciado dose pequena de levotiroxina, evoluiu para hipotireoidismo com
diminuição do T4L e aumento do peso. A dose era suficiente numa fase
inicial para normalizar o TSH quando a disfunção tireoidiana (se existisse)
era mínima ou inicial.

DISCUSSÃO
Hipotireoidismo Subclínico
O hipotireoidismo subclínico é definido, pela maioria dos autores, como
uma anormalidade detectada laboratorialmente. Caracteriza-se por elevação
do nível sérico do hormônio tireoestimulante (TSH) acompanhada de ní-
veis normais de hormônios tireoidianos.
Questiona-se se trata de uma disfunção tireoidiana precoce ou mínima,
uma vez que os pacientes podem ter sinais ou sintomas inespecíficos de
hipotireoidismo. A prevalência de hipotireoidismo subclínico na população
adulta varia entre 1% e 10%. Quando analisadas populações de mulheres
com mais de 60 anos, essa prevalência pode chegar a 21%. A taxa de
progressão para hipotireoidismo manifesto descrita é de 4% a 18% ao
ano, quando associado à presença de anticorpos antitireoidianos.
Alguns autores preconizam o tratamento baseados na ocasional asso-
ciação com sintomas e possível melhora com levotiroxina, além de possí-
vel reversão de efeitos metabólicos e cardiovasculares e prevenção de pro-
gressão para hipotireoidismo manifesto. Quando o paciente apresenta
infertilidade, não se questiona o tratamento.
É importante destacar a variedade existente entre os indivíduos que pre-
enchem critérios laboratoriais para o diagnóstico de hipotireoidismo subclínico:
• Disfunção tireoidiana leve ou inicial (tireoidite crônica auto-imune, irra-
diação externa do pescoço, pós-cirúrgica);
• Hipotireoidismo, em reposição insuficiente de levotiroxina;
• Hipertireoidismo “supertratado”;
• Situações de elevação transitória do TSH (recuperação da síndrome do
doente eutireoidiano; uso de drogas, tais como amiodarona ou lítio; uso

82 CAPÍTULO 2
de antidopaminérgicos; tireoidite linfocítica e pós-parto; tireoidite de
“De Quervain”);
• Outliers eutireoidianos (termo aplicado a 2,5% da população com ní-
veis de TSH acima do percentil 97,5 da distribuição normal dos euti-
reoidianos).
Outras condições que entram no diagnóstico diferencial do hipoti-
reoidismo subclínico incluem:
• Insuficiência renal crônica;
• Síndrome nefrótica;
• Artefato pela presença de anticorpos heterófilos contra tireotropina no
soro do paciente;
• Mutações causando inativação do receptor de tireotropina.
Estudos tentam relacionar hipotireoidismo subclínico com alterações
metabólicas, especialmente do perfil lipídico, apesar dos dados serem con-
flitantes. No que diz respeito à doença aterosclerótica cardiovascular, ten-
ta-se demonstrar tal relação inclusive de forma independente da presença
de alterações do perfil lipídico. Estudos intervencionistas não são unânimes
quanto aos benefícios da levotiroxina no perfil lipídico quando se compara
aos efeitos de placebo. Em uma metanálise recente realizada por Danese e
cols., todos os estudos publicados sobre hipotireoidismo subclínico entre
1966 e 1999 foram avaliados. Treze estudos utilizando levotiroxina para
hipotireoidismo subclínico foram analisados, mostrando redução média de
colesterol total de 7,9mg/dL (0,2mmol/L), representando uma redução de
5% a partir de valores basais, cujos valores médios foram de 255mg/dL
(6,7mmol/L). A queda foi maior nos grupos com hipotireoidismo “subtra-
tado” e com níveis de colesterol pré-tratamento maiores que 240mg/dL.
Houve uma queda pequena, porém homogênea entre os estudos, nos níveis
de triglicerídeos.
Somente quatro estudos citaram os níveis de LDL-c. A queda média
foi de 10 mg/dL. A modificação nos níveis de HDL foi heterogênea e a boa
resposta encontrada na metanálise deveu-se, basicamente, ao ótimo resul-
tado de um estudo isolado.
O que parece ser comum é que a maioria dos estudos que encontraram
benefícios relacionou com níveis elevados de TSH de pelo menos duas
vezes o limite superior da normalidade.
Além do perfil lipídico, outras possíveis alterações neuropsiquiátricas,
musculares, hemodinâmicas e cardiovasculares parecem estar relaciona-
das ao hipotireoidismo subclínico. Tenta-se correlacionar tais alterações
com níveis de TSH e com a presença de anticorpos.

CAPÍTULO 2 83
Deve-se levar em consideração o fato de que tal entidade é mais preva-
lente na população idosa, a qual freqüentemente já utiliza rotineiramente
algum tipo de medicamento e que o benefício do tratamento deva superar
os riscos da “polifarmácia” e da possível supressão do TSH. É descrito
que até 40% dos pacientes que fazem uso de hormônio tireoidiano têm
níveis de TSH abaixo do limite inferior da normalidade, sendo que na meta-
de dos casos os níveis são inferiores a 0,1mUI/mL.

BIBLIOGRAFIA
1. Canaris GJ et al. The Colorado thyroid disease prevalence study. Arch Intern Med.
Feb;160:526-34, 2000.
2. Chu JW, Capro LM. Clinical perspective. The treatment of subclinical
hypothyroidism is seldom necessary. J Clin Endocrinol Metab. 86(10):4591-9, 2001.
3. Cooper DS. Subclinical hypothyroidism. N Engl J Med. Jul; 345(4):260-5, 2001.
4. Danese MD et al. Clinical review 115: Effect of thyroxine therapy on serum
lipoproteins in patients with mild thyroid failure: A quantitative review of the
literature. J Clin Endocrinol Metab. 85:2993-3001, 2000.

84 CAPÍTULO 2
Caso 13
RELATO DO CASO
F.V.S., 81 anos, negra, natural do Rio de Janeiro, viúva, com
queixa principal de “caroço na tireóide”.
Refere aumento do volume da região cervical anterior há cer-
ca de 20 anos tendo sido encaminhada para cirurgia por conta de
um nódulo tireoidiano. Não foi operada por descontrole da pres-
são arterial (sic).
Em 1997 iniciou acompanhamento no HUCFF por apresentar
enterorragia (investigada adequadamente e atribuída à presença
de doença diverticular do cólon). Encaminhada, a partir da proc-
tologia, para o ambulatório de Clínica Médica para investigar a
doença tireoidiana e controlar os níveis pressóricos.
Ao exame físico, PA: 260 × 100mmHg, FC: 88 bpm (duas ex-
trassístoles/min), FR: 16irpm.
Tireóide móvel, indolor à palpação, aumentada à custa do
lobo direito, cerca de 5×, consistência elástica, superfície lisa, com
imprecisão na delimitação do pólo inferior, com dois nódulos no
lobo esquerdo fibroelásticos com cerca de 1,5cm cada. Linfonodo-
megalias não-palpáveis. Ausência de frêmito. Turgência jugular
patológica.
Linfadenomegalia supraclavicular direita com cerca de 2cm,
móvel, elástica, sem flogose e indolor.

EXAMES COMPLEMENTARES (TABELA 2.5)

Tabela 2.5
Exames Laboratoriais dos Hormônios Tireoidianos (julho de 1998)

Exames Resultados V.R.


TSH 0,48 0,4 a 5mcUI/mL
T4L 1,3 0,9 a 1,9ng/dL
T4 9,0 4,5 a 12,5mcg/dL
T3 94 51-165ng/dL

• Radiografia de tórax: Opacidade na transição cervicotorácica direita,


com desvio da traquéia para esquerda (bócio mergulhante?). Aumento
da área cardíaca. Transparência pulmonar normal.

CAPÍTULO 2 85
• Ultra-sonografia de tireóide: Glândula assimétrica com lobo direito maior
que o esquerdo.
LD: 7,5 × 5,5 × 4,5cm destacando-se volumoso nódulo sólido ocupando
dois terços inferiores e medindo 5,6 × 5,3 × 4,0cm.
LE: 4,4 × 1,7 × 1,7cm com dois nódulos sólidos hipoecóicos nos dois
terços inferiores com 1,3 e 2,0cm nos seus respectivos diâmetros.
Sem adenomegalias.
• Cintilografia realizada em outro hospital (1989) demonstra que o nódulo
do lobo direito era hipocaptante.
Iniciado propranolol 80mg/dia e encaminhada à cirurgia geral, realizan-
do PAAF que apresentou material hipocelular hemorrágico, inadequado para
análise. Foi indicada a cirurgia, porém a paciente se recusou e não compa-
receu para realizar o risco cirúrgico. Foi realizada nova PAAF que teve o
laudo de material hipocelular representado por raras células foliculares com
núcleos pequenos, agrupados, e escasso colóide, impróprio para o diag-
nóstico. Foram solicitados novos exames laboratoriais (Tabela 2.6) e cinti-
lografia com captação tireoidiana (Fig. 2.1).

Tabela 2.6
Exames Laboratoriais (Janeiro de 2001)

Exames Resultados V.R.


TSH < 0,002 0,4 a 4,0mcUI/mL

T4L 1,5 0,8 a 1,9ng/dL


Anti-TPO < 10 < 15UI/mL
Antitireoglobulina < 20 < 20UI/mL

Sódio 144 135 a 148mEq/L


Potássio 3,8 3,5 a 5,3mEq/L
Glicose 110 70 a 110mg/dL

Uréia 18 20 a 40mg/dL
Creatinina 0,8 0,7 a 1,4mg/dL

• Cintilografia e captação da tireóide: Realizada 4h após administração


oral de 123I, mostrou captação de 4,73%. Volumosa área hipocaptante
ocupando todo o lobo direito e o istmo (Fig. 2.1).

86 CAPÍTULO 2
Fig. 2.1 – Cintilografia de tireóide, após administração
oral de 123I, mostra volumosa área hipocaptante ocu-
pando todo lobo direito e istmo. Observa-se captação
normal apenas em lobo superior do lobo esquerdo.

EVOLUÇÃO
A paciente recusou o tratamento cirúrgico. Não havia possibilidade de
dose terapêutica (iodoterapia), pois a captação tireoidiana estava baixa. Foi
optado por iniciar propiltiouracil na dose de 300mg/d, mas a paciente fez
uso irregular desta medicação e suspendeu por conta própria. Foram solici-
tadas nova ultra-sonografia, PAAF e densitometria óssea:
• Ultra-sonografia: Glândula tireoidiana bastante aumentada à custa
do lobo direito, de ecotextura difusamente heterogênea e contornos
lobulados.
LD: 7 × 3,7 × 5,4cm
LE: 4 × 1 × 1,2cm
Istmo de espessura pouco aumentada (6mm).
Vários nódulos hiperecóicos de limites imprecisos, ocupando todo o
lobo direito, por vezes calcificados de permeio. Observam-se pequenos
nódulos também hiperplásicos no lobo esquerdo.
Traquéia desviada para esquerda. Sem linfonodomegalia cervical.
• PAAF: Material inadequado para avaliação.
• Densitometria óssea: escore T de -2.7 (osteoporose).
Devido às características benignas do nódulo na ultra-sonografia, foi
decidido manter a paciente em tratamento clínico. Foi iniciada reposição
com carbonato de cálcio e vitamina D3. Manteve-se com hipertensão con-

CAPÍTULO 2 87
trolada, em uso de enalapril, propranolol e hidroclorotiazida. Não apresen-
tou sintomas compressivos cervicais. Em ultra-sonografias seriadas, não
apresentou aumento dos nódulos (em cinco anos de acompanhamento) e o
TSH manteve-se no limite inferior da normalidade sem necessitar do uso de
antitireoidianos (Tabela 2.7).

Tabela 2.7
Exames Laboratoriais dos Hormônios Tireoidianos

Exames Jan/ Abr/ Ago/ Out/ Mai/ Set/ Jun/ Set/


01 01 01 01 01 01 02 02 V.R.
TSH < 0,002 0,03 0,29 0,39 0,28 0,75 0,55 0,47 0,4 a
4,0mcUI/mL
T4L 1,5 1,2 1,5 1,1 1,2 1,3 1,3 1,2 0,8 a
1,9ng/dL

Meu diagnóstico

88 CAPÍTULO 2
RESUMO DO CASO
Paciente idosa apresentando bócio multinodular e mergulhante, com
volumoso nódulo dominante de 5,6cm no maior diâmetro. A paciente apre-
senta laboratorialmente hipertireoidismo subclínico, ou seja, a dosagem
de TSH suprimida com T4L dentro da faixa de normalidade.
Aqui cabe uma interessante discussão no manejo diagnóstico e terapêuti-
co do caso. O mais importante é a diferenciação destes nódulos serem benig-
nos ou malignos, pois apesar de o bócio ser multinodular, há um nódulo
dominante. A paciente apresenta há 20 anos um nódulo de tireóide, sem
nenhuma manifestação sistêmica nem crescimento grosseiro, o que diminui
a possibilidade deste nódulo ser maligno. No entanto, a ultra-sonografia mos-
trava um nódulo sólido, com relato de ser hipocaptante em cintigrafia prévia.
As punções por agulha fina não ajudaram nesta diferenciação.
Quanto à conduta terapêutica, um nódulo de 5cm em paciente eutireói-
dea já seria indicação de cirurgia, mas a paciente a recusa. A dose terapêu-
tica com iodo radioativo também não consegue ser realizada devido à baixa
captação tireoidiana. Vale lembrar que a baixa captação pode ter acontecido
por ingesta de alimentos contendo iodo ou exames contrastados realizados
previamente ao exame.
Uma opção alternativa seria a escleroterapia, com aplicação local de
álcool no nódulo, com resultados ainda controversos.

DISCUSSÃO
Hipertireoidismo Subclínico
Estudos avaliando as conseqüências do hipertireoidismo subclínico
no organismo abordam os pacientes em uso de doses supressivas de levo-
tiroxina (para carcinoma) ou reposição de forma inadvertidamente excessi-
va para BMNA ou hipotireoidismo, visto a raridade da tireotoxicose subclí-
nica espontânea (conseqüente da autonomia de um nódulo, ou de um bócio
multinodular, ou de uma doença de Graves leve/inicial, ou ainda de uma
tireoidite).
As conseqüências clínicas são:
1. Menor densidade óssea;
2. 28% dos pacientes com mais de 60 anos desenvolveram fibrilação atrial
num follow-up de 10 anos no Framingham Heart Study (TSH menor
ou igual a 0,1) e quando foram comparados com o grupo-controle,
observou-se um risco três vezes maior de desenvolvimento da arritmia.

CAPÍTULO 2 89
Dados de prevalência na população oscilam entre 1% e 14%, porém, em
estudos nos quais foram realizados ensaios de terceira geração e de onde foram
excluídos pacientes em uso de T4L, observou-se uma prevalência ≤ 1%.

Causas de Diminuição do TSH


• Doença de Graves
• Tireoidite
• Adenoma autônomo
• Bócio multinodular
• Doença não-tireoidiana (eutireoidiano doente)
• Gestação
• Doenças psiquiátricas agudas
• Excesso de T4L exógeno
• Medicações (dopamina, glicocorticóides, aspirina, fenclofenaco, fu-
rosemida)
• Idade avançada

Causas de Hipertireoidismo com Baixa Captação de Iodo Radioativo


• Captação falsamente diminuída pela não retirada de drogas ou alimen-
tos contendo iodo nos dias anteriores à realização do exame
• Tireoidite subaguda
• Factício ou iatrogênico
• Struma ovarii (5a e 6a décadas, em que só 5% a 10% cursam com
tireotoxicose)
• Pseudo-struma ovarii (cisto ovariano benigno)
• Metástases funcionais de câncer tireoidiano (geralmente carcinoma fo-
licular no osso)
• Hipertireoidismo induzido por iodo
O bócio multinodular tóxico geralmente ocorre em mulheres com bó-
cio multinodular atóxico (BMNA) de longa data. A captação do iodo pela
tireóide está normal ou levemente aumentada, predominando em um ou mais
nódulos. No seu diagnóstico diferencial deve-se atentar para o fato de que
a doença de Graves pode desenvolver-se em uma glândula multinodular.
Seu diagnóstico é feito com os seguintes dados:
• Paciente com hipertireoidismo
• Bócio multinodular
• As áreas funcionantes parecem-se com grandes adenomas com folícu-
los apresentando epitélio hiperplásico.

90 CAPÍTULO 2
• O indicador mais sensível de surgimento de autonomia é quando ocorre
diminuição do TSH entre 0,1 a 0,2.
A patogenia é semelhante à do BMNA, não havendo inflamação ou
neoplasia. Há várias teorias para seu surgimento:
1) Algum defeito na síntese hormonal?
Este defeito seria conhecido como deficiência de iodo ou por uso de
lítio, ou seria desconhecido? Seria congênito ou adquirido? Detectável por
meio, por exemplo, do teste do perclorato ou não?
Fato que poderia suportar tal hipótese seria a redução da glândula que
ocorre em alguns casos quando se submete o doente à terapia supressiva
com levotiroxina, porém tal teoria não explica os níveis normais de TSH na
maioria dos doentes. As possíveis explicações seriam:
a) Algum fator que leve à depleção de iodo intratireoidiano com conse-
qüente aumento do bócio independentemente do TSH?
b) A elevação do TSH seria tão pequena que não seria detectável labo-
ratorialmente?
c) Um estímulo bociogênico poderia ter ocorrido no passado, e os ní-
veis atuais normais de TSH somente serviriam para a manutenção do
tamanho do bócio?
2) Aumento de TGIs? (Igs – fatores de crescimento intratireoidiano)
Estimulariam o crescimento, porém não ativariam a adenilato ciclase.
As duas hipóteses citadas (aumento do TSH e aumento de TGIs) não
explicariam o motivo de formação de nódulos em bócios de longa data e o
desenvolvimento de autonomia heterogênea.
3) Estudos no curso precoce de bócios tóxicos e não-tóxicos demonstram
áreas de micro-heterogenicidade de estrutura e função misturadas
com áreas de autonomia funcional e pequenas áreas de hemorragia focal.
4) Policlonalidade e monoclonalidade:
Muito dos nódulos dominantes são monoclonais, principalmente os de
crescimento rápido, e pode haver coexistência de nódulos policlonais e mo-
noclonais na mesma glândula. Eventualmente a quantidade de tecido funcio-
nalmente autônoma num bócio multinodular pode ser o suficiente para supri-
mir o TSH (que pode ser detectável por uma resposta subnormal ao TRH,
além de ausência de supressão quando se administra LT3). A hiperfunção
autônoma geralmente é tamanho-dependente, e pode ser suficiente para pro-
duzir tireotoxicose ou esta pode acontecer quando se expõe o paciente a
certas quantidades de iodo, como é o caso do uso de contrastes.

CAPÍTULO 2 91
5) Hereditariedade:
Mecanismos propostos para o desenvolvimento de autonomia:
1. Mutações ativadoras do TSHr
2. Mutações ativadoras da PTN Gs
3. Mutações inibitórias contra o feedback negativo pelo iodo
4. Mecanismos não-genéticos, durante a embriogênese (provocada por
estimulação das células foliculares por citocinas?)
A doença de Plummer ou adenoma tóxico geralmente é causada por
um adenoma autônomo (apesar de poder ser até três adenomas autôno-
mos). Estes nódulos geralmente são maiores que 3cm, de crescimento
lento, com supressão do restante da glândula. São adenomas foliculares
verdadeiros, razão pela qual a PAAF não é o método diagnóstico de escolha
para nódulo hiperfuncionante. Alguns secretam predominantemente T3.
Pode ocorrer necrose e hemorragia, tornando-se frio na cintilografia.
Sua patogenia é explicada por:
1) Mutação somática pontual no gene TSHr, geralmente com comprome-
timento da terceira alça transmembrana. Tal mutação também está rela-
cionada com o hipertireoidismo não-auto-imune autossômico dominante.
2) Alguns adenomas são por mutação no gene da PtnGs, levando ao mes-
mo estado de ativação.

BIBLIOGRAFIA
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Thyrotropin Significantly Enhances Thyroid Radioiodide Uptake in Nontoxic Nodular
Goiter. J Clin Endocrinol Metab. 85:3592-6, 2000.
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is a potent stimulator of thyroid function in normal subejcts. J Clin Endocrinol
Metab. Sep; 82(9):2836-9, 1997.

92 CAPÍTULO 2
Caso 14
RELATO DO CASO
PRIMEIRA CONSULTA: 31/5/2000
N.S., 38 anos, masculino, negro, apresentou em 1996 cerca de
quatro episódios de paraparesia durante a noite, de instalação
aguda, com resolução do quadro em horas. Aproximadamente três
meses após o último episódio observou fraqueza em membros infe-
riores (MMII) de predomínio proximal que se instalava no final do
dia, observando melhora com repouso noturno. Concomitantemen-
te, apresentou emagrecimento progressivo (de 115kg para 75kg
entre 1996 e 1999), hiperdefecação, ansiedade e tremor fino de
extremidades. Procurou assistência médica nesta época, sendo fei-
ta investigação, com exames ditos normais (sic). Houve resolução
da fraqueza muscular em 30 dias.
Evoluiu assintomático até novembro de 1999, quando apre-
sentou novamente, ao final do dia, episódio súbito de paraparesia
seguida de tetraparesia durante três dias, com resolução espontâ-
nea. Em 2/3/2000, após esforço físico moderado e ingestão de grande
quantidade de carboidratos, apresentou tetraplegia por quatro
dias, também com resolução espontânea.
No dia 18/5/2000 houve novo episódio de paraparesia seguida
de tetraparesia, sendo admitido em outro hospital em 23/5/2000
ainda sintomático. Neste mesmo dia foi feita dosagem de potássio
(K: 2,4mEq/L) e solicitados hormônios tireoidianos (T3: 754ng/dL,
T4: 24µg/dL, TSH: 0,03µUI/mL). Houve melhora com reposição de
potássio, sendo aventada a hipótese de paralisia periódica hipoca-
lêmica secundária à tireotoxicose. Foi iniciado Tapazol® 30mg/d,
propranolol 80mg/d e espironolactona 100mg/d, com encaminha-
mento do paciente ao ambulatório de endocrinologia do HUCFF
para acompanhamento da doença tireoidiana.
O paciente é casado, natural do RJ, reside em São Cristóvão,
técnico em reabilitação (fisioterapia). Portador de hipertensão
arterial sistêmica diagnosticada em 1991, fazia uso de proprano-
lol 80mg/d e hidroclorotiazida 25mg/d irregularmente. Refere hi-
percolesterolemia leve. Safenectomia interna bilateral em 1994
por varizes de MMII. Cirurgia de cisto em menisco lateral esquer-
do em 1985. Nega fenômenos alérgicos, hemorrágicos, hemotran-
fusão e outras afecções. Mãe com diagnóstico de hipertireoidismo
de difícil controle, abriu quadro aos 38 anos (durante a gestação).
Tratada com tireoidectomia subtotal seis meses após o parto. Ta-
bagista de 10 maços/ano. Etilista social. Alimentação hipercalóri-
ca rica em lipídios.

CAPÍTULO 2 93
Ao exame físico:
Ansioso, com tremor fino de extremidades, pele quente, sedosa
e úmida, pulsos amplos (celere magnus), proptose discreta, sem
acometimento de musculatura ocular e sem edema periorbitário,
HAS leve (135 × 100mmHg), taquicardia (120bpm). Altura: 179cm
e peso: 89,2kg.
Tireóide aumentada difusamente (cerca de 40g), de superfície
lisa, consistência fibroelástica, sem nódulos e sem sopros.
RCR 2T, B1 hiperfonética, sem sopros.
Força diminuída em MMII, sobretudo em musculatura proximal
(grau III em IV).
Manobras de Mingazzini para MMII e Barré alteradas; manobra
de Pitres normal. Força em MMSS normal. Tônus e reflexos normais.

Meu diagnóstico

94 CAPÍTULO 2
RESUMO DO CASO
Paciente masculino de 38 anos, negro, abriu quadro de episódios de
paraparesia noturna, súbitos em 1996, associados a manifestações de hi-
permetabolismo. Houve resolução dos sintomas neurológicos dentro de 30
dias, que recidivaram cerca de três anos após, caracterizados por parapa-
resia, tetraparesia e culminando com tetraplegia após esforço físico e in-
gesta excessiva de carboidratos. Exames coletados na vigência de um des-
tes episódios agudos evidenciaram hipocalemia e hipertireoidismo primário,
tornando possível o diagnóstico de paralisia periódica hipocalêmica se-
cundária à tireotoxicose.

EVOLUÇÃO
O paciente foi encaminhado para realização de dose terapêutica com
iodo-131, recebendo 5,3mCi em agosto de 2000. Manteve-se com hiperti-
reoidismo e necessidade de doses crescentes do antitireoidiano, além de
vários episódios de paralisia. Foi indicada nova dose terapêutica, recebendo
16mCi em julho de 2001. Evolui com hipotireoidismo necessitando de re-
posição de levotiroxina na dose de 75mcg/dia, sem nenhum relato de para-
lisia e mantendo níveis séricos de potássio normais.

DISCUSSÃO
Paralisia Periódica Hipocalêmica
A paralisia periódica hipocalêmica (PPH) é uma afecção bastante pecu-
liar, complicando de 1,8% a 8,8% dos casos de tireotoxicose em pacientes
de descendência asiática, sendo incomum sua apresentação em populações
ocidentais. A forma mais comum de paralisia periódica é a PPH familiar,
cuja herança é autossômica dominante e os sintomas aparecem geralmente
logo após a puberdade. A PPH secundária à tireotoxicose difere da forma
familiar nestes dois aspectos, uma vez que os pacientes são amiúde mais
velhos quando da abertura do quadro (idade variando de 20 a 39 anos em
84% dos casos) e uma história de paralisia periódica familiar ocorre em
menos de 2% dos casos. Homens são mais afetados que mulheres em
ambas as formas, com incidência aproximada de 6:1. A PPH tireotóxica
tem sido relatada em associação com doença de Graves, bócio nodular
tóxico, tireoidite linfocítica e tireotoxicose, e resultante de administração
exógena de hormônios tireoidianos.

CAPÍTULO 2 95
A PPH familiar é uma doença ligada ao cromossomo 1q31-32, causa-
da por mutações no gene relacionado ao receptor di-hidropiridínico (subu-
nidade alfa-1 do canal de cálcio tipo -L do músculo esquelético) e de pene-
trância variável. A causa da paralisia periódica na tireotoxicose parece ser
uma despolarização do sarcolema produzindo inativação dos canais de só-
dio, que por sua vez leva à perda da excitabilidade da membrana; o meca-
nismo dessa despolarização ainda não está claro. A tireotoxicose aumenta o
número de bombas de sódio e potássio (Na-K) em 68%, o que pode expli-
car a hipocalemia associada com os ataques de fraqueza muscular, sobre-
tudo após administração de insulina. A captação de cálcio fica prejudicada
em espécimes de biópsia de músculo de pacientes com PPH tireotóxica, e
a liberação de cálcio também pode estar comprometida. Existem alguns
poucos casos relatados na literatura de paralisia periódica normocalêmica
tireotóxica, em que os fatores causando paralisia parecem estar diretamen-
te relacionados aos níveis de T3 e T4 circulantes.
Clinicamente a PPH caracteriza-se por ataques recorrentes de paresia
ou paralisia flácida dos músculos de membros inferiores, superiores e tron-
co, com acometimento predominante de musculatura proximal de MMII,
havendo resolução espontânea completa em poucas horas a dias. Na doen-
ça de longa duração pode ocorrer fraqueza permanente de intensidade leve
a moderada. Os episódios geralmente ocorrem à noite ou nas primeiras
horas da manhã. Os músculos da expressão facial, mastigação, deglutição
e movimentação ocular geralmente são envolvidos em menor grau, e os
músculos lisos não são afetados. Os reflexos estão diminuídos ou ausen-
tes; não há alterações sensoriais ou do nível de consciência. O grau de
paralisia varia de um ataque para o outro, e ataques graves e generalizados
correlacionam-se com grandes deslocamentos de potássio do meio extra-
celular para o intracelular. Nestes episódios graves, pode haver paralisia
completa de todos os músculos esqueléticos, incluindo aqueles que contro-
lam a função respiratória; entretanto, raramente ocorre envolvimento a ponto
de acarretar insuficiência respiratória.
Os ataques são geralmente precipitados pela ingestão de alimentos ri-
cos em carboidratos e descanso após exercício extenuante; nesta última
situação, o exercício leve pode abortar um ataque iminente. Outros fatores
desencadeantes incluem: aumento da ingesta de sódio, administração de
insulina e epinefrina, exposição ao frio (que pode exacerbar um ataque ou
causar fraqueza local).
As manifestações clássicas de hipertireoidismo como intolerância ao
calor, nervosismo, palpitações, entre outras, amiúde não são proeminentes,
sendo encobertas pelo quadro neurológico, o que pode dificultar a princí-
pio o diagnóstico. A PPH deve ser considerada no diagnóstico diferencial
de todos os episódios agudos de paralisia motora em pacientes jovens.

96 CAPÍTULO 2
Alterações laboratoriais incluem hipocalemia e hipofosfatemia nos
eventos agudos, apesar da reserva corporal total de potássio ser normal. A
creatinoquinase (CK) pode estar normal ou discretamente elevada entre os
ataques, podendo haver maior elevação após um ataque grave.
Os estudos de condução nervosa (ECN) e a eletromiografia (EMG)
geralmente são normais quando o paciente está assintomático. Durante os
sintomas, os ECN podem evidenciar diminuição ou ausência das amplitu-
des dos potenciais de ação musculares complexos (CMAP) e a EMG pode
adquirir um padrão miopático. Testes provocativos podem ser feitos para
desencadear os sintomas, e incluem: ECN prolongado com monitorização
de CMAP após exercícios; após sobrecarga de glicose seguida de insulina
por via subcutânea; após sobrecarga de carboidratos + exercícios na noite
anterior ao teste + insulina por via endovenosa (se necessário). Nestes
casos, o teste é positivo se o paciente apresenta fraqueza muscular com
CMAP reduzidas ou ausentes na vigência de calemia menor ou igual a
3,0mmol/L. Os testes provocativos não devem ser feitos em pacientes com
tireotoxicose, doença renal ou adrenal, ou com hipocalemia antes do início
do teste, mesmo se assintomáticos, pelo risco potencial para o paciente. O
teste negativo não exclui o diagnóstico, uma vez que alguns indivíduos
apresentam refratariedade ocasional.
A principal alteração estrutural encontrada na biópsia de músculo de
pacientes com PPH familiar e tireotóxica é uma miopatia vacuolar (dilata-
ção vacuolar do retículo sarcoplasmático) com agregados tubulares nas
fibras musculares tipo I. Esses achados já foram relatados durante e entre
os ataques. Bolhas subsarcolemais ricas em glicogênio e dilatação da cis-
terna terminal do retículo sarcoplasmático também já foram observadas
em fibras musculares obtidas durante um ataque.
A pedra angular do tratamento é o retorno ao eutireoidismo. Os casos
de melhora parcial são exemplos da coexistência de duas doenças separa-
das, uma PPH familiar latente que se manifestou após o desenvolvimento
de tireotoxicose. A reposição via oral de potássio pode melhorar os sinto-
mas e abortar uma crise em estágio inicial (neste caso, 2g de KCl devem
ser dados a cada 2 horas enquanto se monitoriza o potássio sérico). O
propranolol em doses de 60mg a cada 6 horas bloqueia a estimulação beta-
adrenérgica da Na+-K+ ATPase e melhora a fraqueza muscular na PPH ti-
reotóxica, mas não na PPH familiar, podendo inclusive prevenir ataques
recorrentes em alguns casos. A acetazolamida é útil na redução da freqüên-
cia de ataques na PPH familiar, devido ao seu efeito de causar acidose
metabólica e prevenir desta maneira o deslocamento intracelular de potás-
sio, mas o seu uso não está associado à melhora clínica da PPH tireotóxica.
O tratamento de um episódio agudo grave de paralisia consiste em reposi-

CAPÍTULO 2 97
ção de potássio, suporte ventilatório e proteção das vias aéreas. É impor-
tante evitar o uso intravenoso de potássio, que pode elevar o potássio cor-
poral total a níveis tóxicos, além de solução glicosada IV, que pode estimu-
lar a secreção de insulina e promover shift de K+ em direção ao compartimento
intracelular e exacerbar o problema. O tratamento com prednisona cursou
com melhora significativa da fraqueza muscular em um paciente com para-
lisia periódica normocalêmica tireotóxica, provavelmente devido aos seus
já conhecidos efeitos sobre o metabolismo dos hormônios tireoidianos.

BIBLIOGRAFIA
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Neuromuscular Diseases, Neurologic Clinics. Volume 15, Number 3, August 1997.
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4. González-Trevino O, Rosas-Guzmán J. Normokalemic Thyrotoxic Periodic Paralysis:
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5. Guyton A. Thyroid hormones. Guyton – Textbook of Medical Physiology, 8th ed.
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6. Gutmann L. Periodic Paralyses. Metabolic Myopathies, Neurologic Clinics. Volume
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7. Horak H, Pourmand R. Endocrine Myopathies. Metabolic Myopathies, Neurologic
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March 1998.
9. Piwinski S, Windrow Z. Periodic paralysis. Neurology. Volume Number 2. August 1996.
10. Satoyoshi E, Murakami K, Kowa H, Kinoshita M, Nishiyama Y. Periodic paralysis
in hyperthyroidism. Neurology. 13:746-52, 1963.

98 CAPÍTULO 2
Caso 15
RELATO DO CASO
Data: 11/6/2000.
Paciente M.S., feminina, 45 anos com queixa principal de “fal-
ta de ar”.
Há 45 dias refere cansaço aos médios esforços, evoluindo gra-
dativamente com piora do quadro, com aparecimento de dispnéia
aos grandes esforços, ascite e edema de membros inferiores. Procu-
rou atendimento médico de emergência, sendo notado bócio e exof-
talmia. Realizado exame ultra-sonográfico de tireóide e dosagens
hormonais que foram compatíveis com bócio difuso tóxico. Inicia-
do propiltiouracil (PTU, 100mg 1×/dia), propranolol (PPL, 40mg
3×/d) e Higroton® (clortalidona, 25mg 1×/d). Solicitada interna-
ção no HUCFF para compensação do caso.
A paciente refere perda de peso (não mensurada), tremor de
extremidades, diarréia aquosa de 5 a 6 vezes por dia, palpitação e
nervosismo.
A paciente é casada, doméstica, natural do Rio de Janeiro.
Nega cardiopatias, infarto agudo do miocárdio ou acidente vas-
cular cerebral prévios, alergias, hemotransfusões. Hepatite aos 20
anos de idade e cirurgia de ligadura de trompas sem complica-
ções. Possui irmã que sofreu tireoidectomia devido ao bócio difuso
tóxico, e mãe cardiopata. Nega tabagismo e etilismo.
Ao exame físico, apresentava dispnéia leve, hipocorada (++/4),
com exoftalmia, com proptose (olho direito maior que esquerdo) e
retração palpebral, sem lagoftalmia ou irritação conjuntival.
PA: 110 × 60mmHg, FC: 108bpm, FR: 30irpm.
Tireóide aumentada quatro vezes, lobo direito maior que lobo
esquerdo, elástica, superfície lisa, sem nódulos ou linfonodos cer-
vicais, sem sopros. Turgência jugular patológica a 45o.
Ritmo cardíaco regular, presença de B3, B1 hiperfonética, P2 > A2,
sopro sistólico ++/6 em foco aórtico.
Murmúrio vesicular diminuído em base direita, com presença
de estertores crepitantes em base direita.
Abdômen ascítico com fígado palpável a 6cm do rebordo cos-
tal direito, indolor à palpação, homogêneo. Ponta de baço palpá-
vel e traube maciço.
Membros inferiores com edema +++/4 cacifo positivo, até raiz
da coxa, sem flogose.
Reflexo aquileu exacerbado. Tremor fino de extremidades.

CAPÍTULO 2 99
EXAMES PRÉVIOS
• Ultra-sonografia de tireóide (relato) – aumento da glândula, sem nódulos
ou cistos, finamente heterogênea e regular, compatível com bócio difuso.

Tabela 2.8
Exames Laboratoriais Prévios – Hormônios Tireoidianos

Exames Valores
TSH 0,01mUI/mL
T4 18ng/dL
T3 224ng/dL

EXAMES DE INTERNAÇÃO (13/6/2000) (TABELAS 2.9 E 2.10)


• Eletrocardiograma – alteração de repolarização assimétrica (inespecífica).
• Radiografia de tórax – aumento da área cardíaca, congestão pulmo-
nar, derrame pleural direito.

Tabela 2.9
Exames Laboratoriais de Internação – Hemograma Completo e Bioquímica

Exames Valor V.R. Exames Valor V.R.


Hemoglobina 11,4 (11,5-16) Uréia 25 (20-40)
Hematócrito 33,3 (35-47) Creatinina 0,8 (0,7-1,4)
VCM 77,4 (82-101) Proteínas T 7,6 (6-8)
CHCM 34,2 (32-36) Albumina 3,3 (3,5-4,8)
Leucócitos 5.000 TGO 28 (5-40)
Diferencial 0/1/0/0/12/46/38/3 TGP 19 (8-40)
Plaquetas 175.000 (150-300) Bilirrubina T 2,4 (0-1,1)
Glicose 79 (70-110) BD/BI 1,2/1,2 (0-0,2)
Sódio 137 (135-148) F. alcalina 610 (40-240)
Potássio 3,0 (3,5-5,3) gGT 91 (7-32)

Tabela 2.10
Exames Laboratoriais de Internação – Hormônios Tireoidianos

Exames Valor V. R.
TSH 0,011 (0,4-4)
T4L 2,5 (0,8-1,9)
T3 198 (70-170)
Antitireoglobulina 262 < 20UI/mL
Anti-TPO >1.000 < 15UI/mL

100 CAPÍTULO 2
Inicialmente, foram tomadas as seguintes medidas:
• Aumentado PTU para 200mg 2×/d.
• Diminuído PPL para 60mg 2×/d. Iniciada furosemida venosa 20mg
3×/d.
• Solicitado ecocardiograma e ultra-sonografia abdominal.
• Solicitado parecer para endocrinologia com as seguintes perguntas:
– Insuficiência cardíaca congestiva é causada ou apenas descompen-
sada pelo hipertireoidismo?
– Devemos suspender o PTU devido à colestase?
Evoluiu com melhora progressiva do quadro (Tabela 2.11):
– Diminuição da freqüência cardíaca.
– Diminuição do edema de membros inferiores e ascite.
– Desaparecimento da dispnéia. Cansaço mantido.
Nesta ocasião foram tomadas as seguintes condutas:
• Aumentado PTU para 200mg 3×/d.
• Diminuída furosemida gradativamente até 40mg VO 1×/d.
• Aumentado propranolol para 80mg 2×/d.
• Ecocardiograma com Doppler – Ao: 2,7; AE: 4,1; VEd: 4,6; VEs: 3,5;
SIV: 0,8; PP: 0,8
– Valvas cardíacas normais.
– Aumento biatrial, mais pronunciado à direita. Ventrículos normais.
– Congestão venosa sistêmica (veia cava inferior dilatada com redução
do colapso inspiratório).
– Disfunção sistólica de VE leve.
– Doppler: regurgitação mitral leve e regurgitação tricúspide leve a
moderada.
– PSAP: 43mmHg (HAP moderada).
• Ultra-sonografia abdominal
– Fígado levemente aumentado e heterogêneo, sem lesão focal evidente.
– Vesícula de parede espessa com diversos pequenos cálculos no
interior.
– Vias biliares de calibre normal. Pâncreas e rins sem alteração.
– Esplenomegalia leve (13,5cm).
Recebeu alta hospitalar oito dias após internação, sendo encaminhada
para o ambulatório de clínica médica para continuar investigação de coles-
tase e de endocrinologia.

CAPÍTULO 2 101
Tabela 2.11
Exames Laboratoriais de Bioquímica após Tratamento

Exames 13/6 18/6 V. R.


Glicose 79 74 (70-110)
Sódio 137 138 (135-148)
Potássio 3,0 3,9 (3,5-5,3)
Uréia 25 17 (20-40)
Creatinina 0,8 0,9 (0,7-1,4)
Proteínas T 7,6 7,5 (6-8)
Albumina 3,3 3,0 (3,5-4,8)
TGO 28 35 (5-40)
TGP 19 15 (8-40)
Bilirrubina T 2,4 0,6 (0-1,1)
BD/BI 1,2/1,2 0,6/1,1 (0-0,2)
F. alcalina 610 497 (40-240)
γGT 91 100 (7-32)

Meu diagnóstico

102 CAPÍTULO 2
RESUMO DO CASO
Paciente de 45 anos que apresentou disfunção grave da função cardía-
ca como mostra o exame físico, rico em sinais de insuficiência cardíaca
direita e esquerda (ICC) – dispnéia aos esforços, anasarca, TJP a 45º –
como resultado da hiperestimulação adrenérgica ocasionada pelo quadro de
hipertireoidismo descompensado. A causa da ICC não parece ser o hiperti-
reoidismo, mas este apenas descompensou um quadro clínico subjacente,
uma vez que a paciente já possuía alterações ecocardiográficas. O quadro
hepático não parece ser ocasionado pelo PTU já que a colestase é um efeito
colateral mais raro que a hepatite. Outras causas possíveis são a congestão
hepática pela ICC e pelo próprio hipertireoidismo. A evolução favorável
deste quadro, com a diminuição da colestase, confirmou esta impressão. A
ultra-sonografia revelou também quadro de colelitíase.

DISCUSSÃO
Tireóide e Sistema Cardiovascular
Todo efeito no músculo cardíaco é causado pela triiodotironina (T3), já
que não há conversão da tiroxina (T4) em T3 nos miócitos em quantidade
mensurável. A T3 entra no núcleo, liga-se ao receptor nuclear, que por sua
vez se liga aos elementos responsivos ao hormônio tireoideano em genes-
alvos. A ocupação destes receptores combinados com um recrutamento de
co-ativadores leva à ativação de transcrição. Na ausência de T3, os recep-
tores suprimem genes que são regulados positivamente pela T3.
Assim, através de seus efeitos nucleares, aumenta a produção de pro-
teínas regulatórias e estruturais. Entre elas, a miosina de cadeia pesada
(α e β), responsável direta pelo aparato contrátil dos miócitos cardíacos.
Em animais, a transcrição da α-miosina é ativada pela T3, enquanto a
β-miosina é suprimida, mas estas alterações nas isoformas são provavel-
mente de magnitude insuficiente para serem as responsáveis pelas altera-
ções funcionais.
Alterações nos genes de transcrição pela T3 também regulam a produ-
ção de proteínas do retículo sarcoplamático, canais de cálcio ATPase e
fosfolambam. A liberação de cálcio e a sua recaptação no retículo sarco-
plasmático são fundamentais para a contração sistólica e dilatação diastóli-
ca. O transporte ativo de cálcio para o lúmen do retículo sarcoplasmático
pelos canais de cálcio ATPase é regulado pelo fosfolambam, cuja atividade
é modificada pelo seu nível de fosforilação. Assim, alterações na quantida-
de e no estado de fosforilação dos fosfolambans podem alterar a função

CAPÍTULO 2 103
diastólica na ICC e na doença tireoidiana. Em ratos sem fosfolambam, a
contratilidade cardíaca estava aumentada e o tratamento com hormônio
tireoidiano não possuía efeito inotrópico adicional.
A T3 também age em sítios extranucleares, alterando canais de sódio,
potássio, cálcio e assim aumentando o inotropismo e o cronotropismo.
Há três maneiras de o hipertireoidismo causar as alterações cardiovas-
culares, por efeitos:
• Cardíacos diretos
• Mediados pelo sistema nervoso simpático
• Secundários a alterações hemodinâmicas
Efeitos cardíacos diretos – o uso de betabloquador não reverte todos os
efeitos e mesmo quando há o bloqueio adrenérgico, o uso de T4 aumenta a
taxa de contração do músculo cardíaco.
Efeitos mediados pelo sistema nervoso simpático – não ocorre um
aumento sérico das catecolaminas, mas há alteração da afinidade das
catecolaminas nos seus receptores, alteração do número de receptores
ou modificação no mecanismo pós-receptor. Este último não está claro,
provavelmente pelo aumento da subunidade da proteína Gs, estimulando
a adenilciclase.
Efeitos secundários a alterações hemodinâmicas – ao aumentar o con-
sumo de oxigênio periférico, causa um aumento secundário da contratilida-
de cardíaca.
Ao dilatar as arteríolas da circulação periférica, tanto por efeito di-
reto nas células musculares lisas causando seu relaxamento como atra-
vés do aumento da termogênese, causa a diminuição da resistência vas-
cular periférica. Como conseqüência ocorre maior volume de ejeção
por diminuir a pós-carga, além do aumento do volume sangüíneo que
aumentaria a pré-carga. Associado ao aumento do cronotropismo, re-
sulta em aumento do débito cardíaco de 50% a 300% (Tabela 2.12). A
importância da resistência vascular periférica (RVP) é comprovada com
a administração de vasoconstritores, atropina e fenilefrina, que dimi-
nuem o débito cardíaco (DC) em 34% no hipertireoidismo, mas não
possui efeito em pessoas normais.
O quadro clínico apresenta-se com:
• Palpitação (85%)
• Dispnéia de esforço (80%)
• Pressão divergente
• Taquicardia (FC > 90bpm)

104 CAPÍTULO 2
Tabela 2.12
Medidas da Fisiologia Cardiovascular no Hiper e Hipotireoidismo

Medidas Hipertireoidismo Hipotireoidismo Normal


RVP 700-1.200 2.100-2.700 1.500-1.700 (dyn.s.cm–5)
FC 88-130 60-80 72-84 (bpm)
Fração ejeção > 60 ≤ 60 50-60 (%)
DC > 7,0 < 4,5 4,0-6,0 (litros/min)
Tempo de relaxamento 25-40 > 80 60-80 (ms.)
isovolumétrico
Volume sangüíneo 105,5 84,5 100 (% do valor normal)

A taquicardia ocorre principalmente no repouso e durante o sono (o


que diferencia de crise psicogênica). O aumento fisiológico no exercício é
exacerbado. É o sinal de hipertireoidismo mais comum, só menos freqüen-
te que o bócio. No idoso, predomina insuficiência cardíaca congestiva (ICC)
e fibrilação atrial (FA), sem sintomas de hipertireoidismo.
O exame físico apresenta-se com:
• Precórdio hiperativo.
• B1 hiperfonética, P2 acentuada (componente pulmonar de B2), presença
de B3.
• Atrito Mens-Lemman = atrito durante a expiração no segundo espaço
intercostal esquerdo provavelmente pelo sopro de fluxo pulmonar rela-
cionado ao aumento do DC.
• Sopro mesosistólico em borda esternal esquerda.
• Hipertensão sistólica (diastólica também pode ocorrer).
Durante muitos anos se acreditava que ICC e angina só ocorriam se
existisse doença cardiovascular subclínica. Contudo se demonstra que:
– ICC foi produzida em animais só com a administração de T4;
– Pode desenvolver em crianças com tireotoxicose sem doença cardíaca
subclínica;
– Angina ocorre com coronárias normais, provavelmente por vasoespas-
mo das artérias coronarianas;
– A função do ventrículo esquerdo (VE) anormal durante o exercício não é
revertida com β-bloqueador, mas com o tratamento do hipertireoidismo.
Assim, a tireotoxicose, quando grave e persistente, pode causar ICC e
angina, mas na maioria dos casos significa doença cardíaca ou coronariana
subclínica. Nos pacientes com ICC de alto débito, 50% não têm evidência

CAPÍTULO 2 105
de doença cardíaca subclínica e são revertidos apenas com tratamento do
hipertireoidismo.
Na radiografia, aparece ventrículo esquerdo, aorta e artéria pulmonar
proeminentes. Pode haver aumento da área cardíaca generalizada.
No eletrocardiograma, pode ocorrer:
• Taquicardia sinusal (> 100bpm) (40%) – está correlacionado com ati-
vidade da doença. Ocorre devido à diminuição do tempo de condução
átrio-ventricular e do período refratário funcional.
• Fibrilação atrial (10-15%) – persistente, refratária a digoxina.
• Prolongamento da onda P (15%).
• Prolongamento do intervalo PR (5%).
• BAV 2o e 3o graus, BRD (15%).
Obs.: Taquicardia supraventricular paroxística e flutter são raros.
Menos de 1% de novos casos de FA são causados por hipertireoidismo,
mas o TSH deve ser medido em todos os casos, já que é comum sua ocor-
rência sem outros sintomas de hipertireoidismo; 13% dos pacientes com FA
inexplicada possuem evidências bioquímicas de hipertireoidismo. O hiperti-
reoidismo subclínico está associado a três vezes mais chance de desenvolver
FA que uma pessoa normal, quando comparados com indivíduos maiores de
60 anos. Num estudo, a FA desenvolveu-se em 21% dos hipertireoidismos,
12% dos hipertireoidismos subclínicos e 8% dos indivíduos normais.
No ecocardiograma, o aumento da contratilidade do miocárdio pode
ser vista nos seguintes parâmetros:
– Período pré-ejeção mais curto = tempo de início do complexo QRS até
a abertura da valva aórtica.
– ↑ Tempo de ejeção do VE = fluxo através da valva mitral durante diástole.
Devido ao aumento de contratilidade, ocorrem alterações nos índices
de função de VE no exercício, mas geralmente estão normais no repouso.
Há associações com a cardiomiopatia familiar, na qual a freqüência de
hipertireoidismo está aumentada e associada com prolapso de valva mitral
em 1/3 dos casos.
O tratamento é feito com as seguintes drogas:
1. Digoxina – a ICC e a fibrilação atrial são resistentes ao tratamento com
digoxina (diminui sensibilidade), podendo ocorrer toxicidade com do-
ses com pequeno efeito terapêutico.
– Os níveis séricos da digoxina ficam diminuídos, não pelo aumento
do metabolismo mas porque o volume de distribuição é maior.

106 CAPÍTULO 2
– O hipertireoidismo diminui o efeito na força de contração e no pro-
longamento do período refratário no nodo AV.
2. β-bloqueador – geralmente usado com cautela na ICC, é benéfico quando
a ICC é causada por hipertireoidismo, já que parte dos efeitos são cau-
sados pela taquicardia. Pode ser usado no hipertireoidismo subclínico
para prevenir FA.
3. Anticoagulante – é controverso. A idade, mais que a própria FA, foi o
fator de maior risco para embolização num estudo retrospectivo com
610 pacientes. Assim, em jovens sem doença cardíaca preexistente,
hipertensão ou outro fator de risco para embolização, o risco do trata-
mento anticoagulante é maior que seu benefício. Já no idoso com sus-
peita de doença cardíaca ou com FA crônica, deve ser usado.
• O tratamento do hipertireoidismo reverte, se não elimina, os sinto-
mas relacionados com sistema cardiovascular.
• 50% dos casos de hipertireoidismo com angina de início concomitante
evoluem com completa remissão após tratamento do hipertireoidismo.
• 30-40% dos casos de FA com mais de uma semana de duração
revertem espontaneamente quando se instala o eutireoidismo. A taxa
de reversão é menor em idosos. Assim, só se deve tentar a reversão
elétrica ou química quando o paciente estiver eutireoidiano.
Obs.: o TSH deve ser medido em todo idoso com:
– Hipertensão sistólica
– Pressão divergente
– Angina de início recente
– FA
– Exacerbação de doença coronariana subclínica

BIBLIOGRAFIA
1. Lansen PR, Davies TF, Hay ID. Thyroid. In: Williams Textbook of Endocrinology,
9th edition. Wilson JD, Foster DW, Jronenberg HM, Larsen PR (editores). WB
Saunders Company, 389-516, 1998.
2. Klein I, Ojamaa K. Thyroid hormone and the cardiovascular system. N Engl J Med
Feb 15;344(7):501-9, 2001.
3. Williams GH, Lilly LS, Seely EW. The Heart in Endocrine and Nutritional Disorders.
In: Heart Disease. 1889-1895, 6th edition. Braunwald E, Zipes DP, Libby P (editores),
2001.

CAPÍTULO 2 107
Caso 16
RELATO DO CASO
C.R.C.A, feminina, 20 anos, parda, com queixa de “dor na
barriga”.
Paciente sabidamente hipertireóidea há cerca de dois anos,
em tratamento irregular com propiltiouracil (PTU) 600mg/d e
propranolol (PPL) 120mg/dia. Após diagnóstico de gravidez foi
orientada a elevar dose de propiltiouracil para 900mg/d, porém
interrompeu tratamento, evoluindo após quatro dias com agra-
vamento da palpitação, tremor, intolerância ao calor, hiperdefe-
cação, surgimento de dispnéia e posteriormente cólica em região
hipogástrica e sangramento transvaginal. Procurou assistência
médica no Hospital Maternidade Escola da UFRJ em 24 de outu-
bro, sendo admitida, com 16/17 semanas de gestação, com hiper-
tensão (160 × 100mmHg), taquicardia (140bpm) e dispnéia. Rea-
lizado perfil biofísico fetal mostrando boa vitalidade e
administrado PTU 400mg e PPL 80mg, evoluindo com piora da
taquicardia, edema agudo de pulmão e hipertermia, sendo feita
dose adicional de PTU, antitérmico, cedilanide (cardiotônico ve-
noso) e transferida para a emergência do HUCFF.
A paciente é natural do Rio de Janeiro, solteira, auxiliar de
escritório. Refere parto normal a termo, menarca aos 11 anos, ca-
tamênios regulares, gesta 1 para zero. Seus pais são vivos e saudá-
veis, sem história de hipertensão arterial sistêmica, diabete melito
ou tireoidopatia. Nega tabagismo ou etilismo. Gravidez desejada.
Ao exame físico a paciente apresentava-se taquidispnéica, hi-
pocorada + a ++/4, febril.
PA: 160 × 100mmHg, FC: 160bpm, FR: 28irpm.
Exoftalmia bilateral.
Tireóide palpável, aumentada de volume cerca de 3×, assimé-
trica, elástica, com frêmito e sopro.
Precórdio hipercinético, com ictus cordis visível e palpável no
quinto espaço intercostal esquerdo, na linha hemiclavicular, com
terceira bulha palpável, ritmo cardíaco regular com presença de
terceira bulha, com sopro sistólico +2/6 pancardíaco. Turgência
jugular patológica.
Murmúrio vesicular universalmente audível, com estertores de
finas e médias bolhas até ambos os ápices.
Abdômen flácido, com fundo de útero palpável na cicatriz
umbilical, sem outras visceromegalias; peristalse presente.
Edema perimaleolar +/4 bilateral em membros inferiores.
Feito o diagnóstico de crise tireotóxica + edema agudo de
pulmão e iniciado tratamento específico:

108 CAPÍTULO 2
– PTU 600mg VO → 400mg 6/6h
– Lugol 8 gotas VO → 8 gotas de 6/6h
– Hidrocortisona 300mg IV → 100mg 8/8h
– Furosemida 40mg IV → 20mg 8/8h
– Cedilanide 1/2 amp. → 1/2 amp. 12/12h
– Cateter nasal de O2

EXAMES INICIAIS
• Eletrocardiograma → taquicardia sinusal.
• Radiografia de tórax → área cardíaca no limite da normalidade, con-
gestão pulmonar.
• Ausência de alteração eletrolítica.
• Hemograma → anemia (hematócrito: 30,5 e hemoglobina: 10,4), sem
leucocitose.
• Ecocardiograma → cavidades cardíacas de tamanho normal, função
sistólica de ventrículo esquerdo global e segmentar normal, avaliação
de função diastólica prejudicada pela taquicardia.
Após melhora parcial do quadro de congestão pulmonar, foi iniciado
PPL 60mg 4/4h e depois elevado para 80mg 4/4h.
Em 27 de outubro a paciente foi transferida para enfermaria de endo-
crinologia, ainda com sangramento transvaginal de pequena monta, bastan-
te tóxica, porém sem critério de crise tireotóxica. Retirado digital, reduzido
progressivamente o corticóide, iniciado α-metildopa para melhor controle
pressórico, solicitada ultra-sonografia e avaliação obstétrica:
– Útero em ântero-verso-flexão
– Feto único, situação longitudinal, batimento cardiofetal e movimentos
fetais presentes
– Biometria fetal: diâmetro biparetal: 35,8mm, circunferência abdominal:
21mm
– Idade gestacional estimada = 16 a 17 semanas
– Placenta prévia marginal.
• Dosagem hormonal colhida em 28/10:
– T4 livre: 3,3ng/dL (0,8-1,9)
– TSH: 0,005mcU/mL (0,4-4,0)
Em 30 de outubro relata retorno de cólica abdominal e aumento da perda
de sangue, evoluindo com abortamento. Enviado material para o serviço de
anatomia patológica, solicitados tipagem sangüínea (B+), hemograma (hema-
tócrito: 27,4; hemoglobina: 9,4; leucócitos: 24.700 com 13 bastões e 50 seg-
mentados). Feita ultra-sonografia que evidenciou restos ovulares, sendo ne-

CAPÍTULO 2 109
cessária curetagem, realizada na Maternidade Escola no mesmo dia. Colhida
hemocultura (sem crescimento bacteriano) e iniciado antibiótico. Evolui afe-
bril, com involução uterina satisfatória, regressão da leucocitose e com pro-
gressivo melhor controle do hipertireoidismo.
Foi submetida à tireoidectomia quase total em 22 de outubro sem
intercorrências, evoluindo no pós-operatório sem sinais de hipocalcemia
(Ca = 8,0mg/dL) ou descompensação do hipertireoidismo; apresentou
apenas sangramento leve pela ferida operatória. Recebeu alta hospitalar
sem medicação.
Em 15 de dezembro foi reavaliada ambulatorialmente, encontrando-se
clinicamente eutireoidiana, sendo solicitadas dosagens hormonais e ainda
não iniciado levotiroxina.
Nova consulta ambulatorial em janeiro de 2000, sem queixas de hipoti-
reoidismo e dosagem hormonal: T4 livre: 0,7ng/dL e TSH: 6,66mcU/mL.
Prescrito levotiroxina 25µg/d, com programação de elevação progres-
siva até 100mg/dia.
• Resultados de exames histopatológicos:
– Feto masculino, sem malformações. Placenta compatível com se-
gundo trimestre de idade gestacional. Corioamnionite.
– Tecido tireoidiano com 30g, cortes histológicos com folículos de
tamanho variados, epitélio hiperplásico, com focos de metaplasia
oxifílica. Compatível com doença de Graves.

Meu diagnóstico

110 CAPÍTULO 2
RESUMO DO CASO
Paciente jovem com diagnóstico de hipertireoidismo por doença de
Graves, com uso irregular da medicação. Ficou grávida ainda sem controle
adequado e continuou com má adesão ao tratamento farmacológico. Evo-
luiu com crise tireotóxica com descompensação cardíaca sendo realizada
internação e tratamento adequado. Mesmo assim evoluiu com aborto.
Foi optado por tratamento definitivo através de tireoidectomia devido à
má adesão ao tratamento, tendo evoluído com hipotireoidismo.

DISCUSSÃO
Hipertireoidismo e Gestação
Causas de hipertireoidismo na gestação:
– Doença de Graves
– Tireotoxicose transitória gestacional
– Outros
A tireotoxicose transitória gestacional é a causa mais freqüente de
hipertireoidismo no 1o trimestre. Está relacionada à estimulação direta da
tireóide materna pelo hCG.

Condições Associadas
– Mola hidatiforme
– Hiperêmese gravídica
– Gestação múltipla
A doença de Graves possui como complicações:
• Maternas:
– Toxemia
– Abortamento/parto prematuro
– Descolamento prematuro de placenta
– Insuficiência cardíaca congestiva
– Crise tireotóxica
• Neonatais:
– Aumento da mortalidade perinatal
– Crescimento intra-uterino retardado
– Prematuridade
– Baixo peso
– Bócio e hipotireoidismo
– Hipertireoidismo mediado pelo TRAb de origem materna

CAPÍTULO 2 111
Estudo feito por Skuza e cols., com objetivo de avaliar se o nível de
TRAb em recém-natos (RN) de mães com doença de Graves correlacio-
na-se com o risco de desenvolvimento de hipertireoidismo, apresentou
como resultados:
14 RN → 7 RN com TRAb < 0,15 → eutireoidismo
→ 7 RN com TRAb > 0,25 → hipertireoidismo transitório
O tratamento do hipertireoidismo durante a gestação é feito com:
Drogas antitireoidianas (DAT): Propiltiouracil (PTU) × Metimazol
(MMI)?
O metimazol está relacionado com aplasia cutânea do recém-nas-
cido, efeito colateral que não ocorre com o PTU. Estudo feito por
Momotani e cols. acompanhou 77 gestantes com hipertireoidismo, 34
em uso de PTU e 43 em uso de MMI, mantidas com T4 livre dentro da
faixa de normalidade. A avaliação neonatal foi feita dosando T4 livre e
TSH em amostra de sangue do cordão. Não houve diferença estatística
entre os grupos:
• T4L baixo → 6% em uso de PTU × 7% em uso de MMI
• TSH elevado → 21% em uso de PTU × 14% MMI
– A dose indicada é a menor necessária para controlar hipertireoidismo
O acompanhamento materno é através da clínica e do laboratório,
devendo-se manter T4L no limite superior da normalidade. O TRAb possui
correlação grosseira entre nível materno e risco de tireotoxicose fetal.
O acompanhamento fetal:
• Monitorização da freqüência cardíaca
• Ultra-sonografia para acompanhamento de crescimento fetal
• Ultra-sonografia para avaliação de bócio no feto
Para tratamento de hipertireoidismo fetal são usadas doses ele-
vadas de DAT (MMI 60 a 120mg/d) e se necessário repor levotiroxina
para a mãe.
O propranolol possui segurança questionável. Há risco de crescimento
intra-uterino retardado, hipoglicemia neonatal ou depressão.
A cirurgia possui como indicações:
– Alergia às DAT
– Resistência às DAT (necessidade > 400mg/d de PTU)
– Baixa adesão ao tratamento
– Bócio muito volumoso

112 CAPÍTULO 2
As contra-indicações são:
– Primeiro trimestre devido ao risco de abortamento
– Terceiro trimestre devido ao risco de parto prematuro
O iodo radioativo é contra-indicado em qualquer período da gestação.

BIBLIOGRAFIA
1. Momotani N, Noh JY, Ishikawa N, Ito K. Effects of propilthiouracil and methimazol
on fetal thyroid status in mothers with Graves hiperthyroidism. J Clin Endocr
Metab. Nov; 82(11):3633-6, 1997.
2. Skuza KA, Sills IN, Stene M, Rapaport R. Prediction of neonatal hyperthyroidism
in infants born to mothers with Graves’ disease. J Pediatr. Feb; 128(2):264-8, 1996.

CAPÍTULO 2 113
Caso 17
RELATO DO CASO
A.D.S., feminina, parda, 29 anos, com queixa principal de “olho
saltado”.
Refere que há cerca de oito meses notou seu olho esquerdo
mais protruso. Inicialmente era assintomática evoluindo com ar-
dência, principalmente quando ventava, e sensação de corpo es-
tranho. Relatava ainda queda de cabelos. Procurou oftalmologis-
ta que suspeitou inicialmente de glaucoma agudo, mas descartou
essa hipótese após realizar campo visual e PIO e encaminhou ao
endocrinologista para investigação diagnóstica. Recebeu atendi-
mento inicial em outro hospital onde foram solicitados dosagens
de hormônios tireoidianos, anticorpos e ultra-sonografia de ti-
reóide. A ultra-sonografia de tireóide mostrava glândula com pa-
rênquima heterogêneo, discretamente aumentada com lobo direi-
to medindo 59 × 15mm e lobo esquerdo 35 × 15mm, porém não
realizou dosagens hormonais. Retornou ao oftalmologista há cer-
ca de dois meses, quando foi feita ultra-sonografia de órbita compa-
tível com oftalmopatia infiltrativa em fase inflamatória. Foi enca-
minhada ao HUCFF para acompanhamento.
A paciente é solteira, natural do Rio de Janeiro, costureira,
residente em Queimados. Refere miopia diagnosticada há três anos.
Nascida de parto normal a termo. Crescimento e desenvolvimento
normais. Menarca aos 12 anos e ciclos menstruais regulares. Ges-
ta 1 para 1. Mãe hipertensa, pai e irmãos saudáveis. Mora em casa
de alvenaria com água encanada e esgoto com o marido e filha de
dois anos. Nega tabagismo, etilismo social.
Ao exame físico, seus sinais vitais eram:
PA 130 × 80mmHg, FC 88bpm, peso 53,7kg.
Cabelos ressecados e quebradiços, pele úmida.
Olho esquerdo com discreta proptose. Ausência de lagoftal-
mia, sem alterações da motilidade ocular, pupilas isocóricas e fo-
torreagentes e reflexo de acomodação normal.
Tireóide discretamente aumentada de volume, consistência
elástica, superfície irregular sem nódulos, sem frêmito ou sopro.
RCR, sem bulhas acessórias, presença de B1 hiperfonética,
sopros sistólico 2+/6+ em focos de base.
Restante do exame físico sem alterações.
Foi então levantada a hipótese diagnóstica de doença de Gra-
ves e solicitados anticorpos e hormônios tireoidianos.

114 CAPÍTULO 2
Na segunda consulta, a paciente mantinha quadro ocular es-
tável com discreta proptose de olho esquerdo, sem irritação con-
juntival e sem alterações da musculatura extrínseca do olho.
Exames: T4 livre: 1,7ng/dL, TSH: 0,01mcU/mL. Anticorpo an-
titireoglobulina < 20U/mL, anticorpo antiperoxidase < 10U/mL.
Foi iniciado, então Tapazol® (metimazol) na dose de 10mg/dia.
Na terceira consulta, a paciente retorna ao ambulatório refe-
rindo melhora dos sintomas oculares. Não apresentava queixas de
disfunção tireoidiana e ao exame clínico apresentava-se eutireoi-
diana, porém não havia feito a nova dosagem hormonal.

Meu diagnóstico

CAPÍTULO 2 115
RESUMO DO CASO
O interessante neste caso foi a manifestação da oftalmopatia como o
primeiro sintoma da doença de Graves, estado conhecido como doença de
Graves eutireoidiana. O exame físico sugere hipertireoidismo devido à
pressão sistólica elevada, pele úmida, hipercinesia. Seus exames laborato-
riais apontaram para um quadro de hipertireoidismo subclínico. O trata-
mento do hipertireoidismo ajudou na melhora do quadro oftalmológico.

DISCUSSÃO
Oftalmopatia de Graves
É a doença que mais comumente afeta a órbita, acometendo 0,5% da
população dos EUA. Pode ser apontada como causa de 15% a 28% das
exoftalmias unilaterais e cerca de 80% das bilaterais e é evidente em 50%
dos pacientes com doença de Graves. Cerca de 15% a 20% dos casos de
oftalmopatia de Graves podem ocorrer na ausência de evidências clínico-
laboratoriais de disfunção tireoidiana, sendo essa condição conhecida como
doença de Graves eutireoidiana. Essa última forma da doença é com fre-
qüência encontrada inicialmente por oftalmologistas. As manifestações clí-
nicas da oftalmopatia podem preceder, coincidir ou surgir posteriormente
ao quadro de hipertireoidismo.

Patogenia
• Hipertrofia (edema) dos músculos extra-oculares → depósito de glico-
saminoglicanos secretados por fibroblastos. Pode-se observar aumento
de até oito vezes dos músculos, levando ao risco de compressão do
nervo óptico e alterando a estrutura dessa musculatura.
• Infiltração celular → células plasmáticas, linfócitos, macrófagos e mas-
tócitos iniciam um processo inflamatório que leva à degeneração das
fibras musculares, podendo evoluir para miopatia. Isso ocorre pela pre-
sença de um antígeno comum a glândula tireóide ou semelhante. O pro-
cesso é deflagrado provavelmente por uma reação antígeno-específica
da célula T, acreditando-se que o TRAb (anticorpo anti-receptor de
TSH) esteja envolvido na patogenia.
• Proliferação da gordura orbitária e do tecido conectivo.

Classificação NOSPECS (Associação Americana de Tireóide):


0. N (no) – ausência de sinais ou sintomas
1. O (only) – apenas sinais limitados à retração da pálpebra superior, lid
lag (assinergismo oculopalpebral) e proptose até 22mm

116 CAPÍTULO 2
2. S (soft) – envolvimento de partes moles (incluindo sinais e sintomas)
3. P (proptosis) – proptose > 22mm
4. E (extraocular) – envolvimento da musculatura extra-ocular
5. C (corneal) – envolvimento da córnea
6. S (sight) – perda da visão por envolvimento do nervo óptico
O quadro clínico é caracterizado por irritação nos olhos, sensação de
corpo estranho e lacrimejamento exacerbados com a exposição ao vento
ou corrente de ar. O fechamento incompleto das pálpebras leva à sensação
de pressão atrás dos olhos, edema periorbital, exoftalmia (geralmente bila-
teral e assimétrica), lagoftalmia, quemose, turvação visual, diplopia, paresia
ou plegia da musculatura extrínseca do olho (a mais comum é a perda da
mirada súpero-lateral), aumento da pressão intra-ocular e até mesmo redu-
ção da acuidade visual e amaurose.
O diagnóstico não levanta dúvidas quando as manifestações oculares
são bilaterais e vêm acompanhadas de tireotoxicose no presente ou passa-
do, porém as exoftalmias unilaterais, mesmo com quadro de tireotoxicose,
devem ser investigadas e afastadas outras causas: neoplasias da órbita,
trombose do seio cavernoso, fístula no seio cavernoso, doenças infiltrati-
vas (sarcoidose, amiloidose etc.), pesudotumor da órbita, síndrome da veia
cava superior e oftalmoplegia isolada do DM. Quando bilateral e associada
com eutireoidismo, devemos afastar origem familiar, cirrose hepática, ure-
mia, Cushing e DPOC.
Bartley e Gorman consideram que a oftalmopatia está presente quando
há retração palpebral associada a evidências de disfunção tireoidiana ou
regulação anormal (aumento de T3 ou T4 livre; diminuição de TSH; capta-
ção aumentada de radioiodo pela glândula ou a presença de TRAb) ou exof-
talmia (> 20mm) ou disfunção do nervo óptico ou envolvimento da muscu-
latura extra-ocular.
Se a retração palpebral estiver ausente eles consideram apenas para
diagnóstico a presença de exoftalmia ou envolvimento do nervo óptico ou
miopatia extra-ocular quando estão associadas a disfunção tireoidiana ou
regulação anormal e se não tiver outra causa possível de oftalmopatia.
Kazuo e Fujiikado estudaram 35 pacientes com oftalmopatia associada
a tireóide e os dividiram em dois grupos: o grupo A, composto de oftalmo-
patia e eutireoidismo definido pela presença de sinais de oftalmopatia (con-
siderados pelo autor como exoftalmia > 17mm, retração palpebral, disfun-
ção da musculatura extra-ocular e disfunção do nervo óptico) com dosagens
de T3 e T4 dentro da normalidade; e o grupo B, composto de pacientes
com hipertireoidismo diagnosticado com a elevação de T4 livre ou T3 livre
e diminuição do TSH.

CAPÍTULO 2 117
Nos resultados encontraram entre os eutireoidianos (grupo A) pequena
percentagem com TSH baixo, porém a maioria mostrava sua dosagem dentro
da normalidade. Em relação aos anticorpos foram encontrados TSAb (anticor-
po estimulador da tireóide) em 82,9% e TBII (imunoglobulina inibidora da
ligação do TSH) em 28,6% (no grupo B ambos estavam presentes em 100%).
Em contrapartida, o anticorpo antitireoglobulina foi positivo apenas em 8,6% e
o anti-TPO em 17% contra 37% e 74%, respectivamente, no grupo B.
Os autores concluem que pacientes eutireoidianos com oftalmopatia
parecem ter alterações imunológicas mais leves do que os pacientes com
hipertireoidismo e que nesses casos o TSAb seria mais sensível do que o
TBII e que os anticorpos antitireoglobulina e anti-TPO não seriam eficazes
no seu diagnóstico. Ele levanta ainda que o TSAb deve ser dosado várias
vezes nos pacientes eutireoidianos, pois resultados falso-negativos podem
refletir uma forma muito inicial da doença.
Khoo observou uma prevalência inesperadamente alta de anticorpos
anti-TPO e antitireoglobulina negativos em pacientes com formas graves
de oftalmopatia de Graves. Dosaram anti-TPO, antitireoglobulina, TSI (imu-
noglobulina estimuladora de tireóide) e TBII (imunoglobulina inibidora da
ligação de TSH) e concluem que a combinação de altos níveis de TSI e
anti-TPO negativo está associada ao risco aumentado de oftalmopatia clini-
camente evidente.
Kasagi revisou testes de função tireoidiana entre 1990 e 1992 na Univer-
sidade de Kyoto no Japão que mostravam T4 e T3 normais e TSH abaixo do
normal e analisaram a doença de base. O TSAb (anticorpo estimulador da
tireóide) foi dosado em pacientes com nódulo autônomo, em pacientes euti-
reoidianos com oftalmopatia e em pacientes com bócio difuso sem oftalmo-
patia aparente, e foi detectado em todos os pacientes dos dois últimos grupos
e concluíram que a dosagem de TSAb é útil no diagnóstico de Graves subclí-
nico em paciente eutireoidianos com TSH abaixo do normal.

BIBLIOGRAFIA
1. Bartley GB, Gorman CA. Diagnostic criteria for Graves’ ophthalmopathy. Am J of
Ophthalmol. Jun; 119(6):792-5, 1995.
2. Kasagi K, Takeuchi R, Misaki T et al. Subclinical Graves’ disease as a cause of subnormal
TSH levels in euthyroid subjects. J Endocrinol Invest. Apr; 20(4):183-8, 1997.
3. Kazuo K, Fujikado T, Ohmi G, Hosohata J, Tano Y. Value of thyroid stimulating
antibody in the diagnosis of thyroid associated ophthalmopathy of euthyroid patients.
Br J Ophthalmol. Dec; 81(12):1080-3, 1997.
4. Khoo DH, Ho SC, Seah LL et al. The combination of absent thyroid peroxidase
antibodies and high thyroid-stimulating immunoglobulin levels in Graves’ disease
identifies a group at markedly increased risk of ophthalmopathy. Thyroid. Dec;
9(12):1175-80, 1999.

118 CAPÍTULO 2
Caso 18
RELATO DE CASO
J.A.S.M., 49 anos, masculino, branco, com início do quadro há
dois meses com febre vespertina (temperatura máxima de 38ºC)
associada a calafrios e sudorese. Notou, nesta mesma época, nódu-
lo no pescoço doloroso a palpação, sem outros sinais flogísticos
locais. Devido aos sintomas, procurou auxílio médico sendo pres-
crito cefalexina e antiinflamatórios não-hormonais por sete dias,
com melhora parcial. Nega sintomas relacionados à disfunção ti-
reoidiana, odinofagia, disfagia ou dispnéia. Foi internado na clí-
nica médica para biópsia renal devido à hematúria microscópica
e elevação de escórias nitrogenadas.
O paciente é solteiro, ex-comerciante, natural do Rio de Janeiro.
Refere hipertensão arterial e faz uso de enalapril e hidroclorotiazida.
Ao exame físico, PA: 150 × 90mmHg, FC: 118bpm e temperatu-
ra axilar: 38,5ºC. O aspecto da pele era normal.
Tireóide aumentada de volume duas vezes, lobo direito maior
que lobo esquerdo, móvel. Nódulo de 3cm em lobo direito, de con-
sistência aumentada, doloroso à palpação. Nódulo em pólo infe-
rior esquerdo, menor que 1cm, indolor. O restante do exame físico
não apresentou alterações significativas.
Foi solicitada ultra-sonografia da tireóide com punção aspi-
rativa de agulha fina (PAAF) do nódulo guiada, além dos exames
laboratoriais (Tabela 2.13).

Tabela 2.13
Exames Laboratoriais – Hemograma, Bioquímica e Hormônios Tireoidianos

VHS 85 Glicose 89
Hematócrito 36,5% Sódio 144
Hemoglobina 11,8 Potássio 4,6
VCM 84,9 Uréia 72
Leucócitos 9.500 Creatinina 1,9
Diferencial 1/1/68/21/9 TSH 0,042 (0,4-4µUI/mL)
Plaquetas 262.000 T4L 2,1 (0,8-1,9ng/dL)

• Ultra-sonografia: tireóide tópica, móvel com deglutição, com


o volume aumentado à custa de lobo direito. Lobo direito
medindo 4,4 × 1,6 × 2,2cm difusamente heterogêneo com área
mal definida, predominantemente hipoecóica, ocupando todo

CAPÍTULO 2 119
o pólo inferior. Lobo esquerdo medindo 3,6 × 1,4 × 2,2cm,
apresentando três pequenos nódulos hipoecóicos e bem defi-
nidos, o maior medindo 1,1 × 0,9 × 1,6cm localizado no pólo
inferior. Realizado PAAF no pólo inferior do lobo direito e no
maior nódulo à esquerda.
• PAAF: o material foi insuficiente.
Paciente manteve febre diária durante as investigações. Ini-
ciado propranolol e ácido acetilsalicílico (AAS) 2g/dia. Foi soli-
citada cintilografia com captação de iodo de 24h, anticorpos an-
titireoidianos e tireoglobulina.
Após uma semana, captação de iodo < 3%, TSH: 0,04µUI/mL e
T4L: 4,3ng/dL. Houve elevação significativa das escórias sendo
necessária a suspensão transitória do AAS. Manteve a medicação
por mais dois meses, e, após um mês, o TSH apresentou-se ligeira-
mente elevado com T4L normal. Cinco meses após a internação,
seus hormônios tireoidianos voltaram ao normal.

Meu diagnóstico

120 CAPÍTULO 2
RESUMO DO CASO
Homem de 49 anos, internado eletivamente para investigação de glome-
rulopatia, apresentava-se com queixa de dor em topografia tireoidiana e
febre há algumas semanas. Palpados nódulos dolorosos em tireóide, sendo
iniciada a investigação (ultra-sonografia e PAAF). O exame físico sugesti-
vo e o laboratorial confirmaram hipertireoidismo. Melhora da febre após
início de antiinflamatório não-esteroidal. A baixa captação de iodo radioati-
vo de 24h confirmou a hipótese de tireoidite subaguda.

DISCUSSÃO
Tireoidite Subaguda
Doença inflamatória transitória da tireóide, também chamada de tireoi-
dite de De Quervain ou granulomatosa de células gigantes. É rara e as
mulheres são mais afetadas que os homens. A etiologia é viral, sendo
normalmente precedida de infecções do trato respiratório superior. Portan-
to, a tireoidite pode obedecer à sazonalidade e ocorrer em situações de
agregação geográfica. Os vírus mais comumente envolvidos são o da paro-
tidite, coxsackie, ecovírus, influenza, adenovírus. O pico de incidência é
em torno da quarta ou quinta década de vida.
São eventos primários na fisiopatologia a destruição do epitélio folicu-
lar e a perda da integridade folicular. Haverá liberação de tireoglobulina, T4
e T3, pré-formados, produzindo tireotoxicose e queda do TSH. A síntese
de hormônios encontra-se interrompida e, portanto, há baixa captação de
iodo pela glândula. Posteriormente, quando os estoques de T4 e T3 estão
depletados, desenvolve-se um estado de hipotireoidismo e início de regene-
ração do parênquima, restabelecendo o eutireoidismo.
Os folículos afetados são infiltrados predominantemente por células
mononucleares. Ocorre a ruptura do folículo com perda do colóide parcial
ou completa. O achado histológico característico consiste em lesão foli-
cular com core central de colóide circundado de células gigantes multinu-
cleadas. O colóide pode ser encontrado no interstício ou dentro de células
gigantes (coloidofagia). As alterações nos folículos progridem para forma-
ção de granulomas. Quando a doença regride, a histologia é restaurada.
O quadro clínico é representado por dor em topografia de tireóide que
pode piorar com movimentos da cabeça ou deglutição. Pode ocorrer irradia-
ção para orelha, mandíbula, occípito. À palpação, a glândula é dolorosa, de
consistência firme ou até endurecida, freqüentemente nodular. A pele subja-
cente pode estar hiperemiada ou quente. Sintomas gerais estão presentes na
maioria dos casos (astenia, mialgias, febre). Sinais e sintomas de tireotoxico-
se ocorrem em 10 a 30 dias seguidos de hipotireoidismo e eutireoidismo. A

CAPÍTULO 2 121
duração da doença pode ser de vários meses. Raros são os casos de exacer-
bações repetidas por alguns meses levando ao hipotireoidismo.
Os achados laboratoriais variam com a fase da doença. Na fase ativa:
– VHS e PTN C aumentados;
– Leucometria pode estar discretamente alterada;
– Tireoglobulina está elevada, correspondendo ao grau de lesão tireoidiana;
– TSH suprimido e T4L elevado caracterizando o hipertireoidismo transitório;
– Anti-TPO e antitireoglobulina não são detectáveis;
– Captação do iodo pela glândula usualmente está reduzida a próximo de
zero nas fases iniciais da tireoidite;
– USG (os achados não são uniformes em todas as fases da doença);
– Aumento do volume, contornos imprecisos, ecotextura não-homogênea.
Após um mês: TSH alto e T4l normal ou baixo.
No diagnóstico diferencial, a hemorragia de um nódulo prévio pode
cursar com a síndrome clínica de tireoidite subaguda, porém a função ti-
reoidiana é normal e o VHS é baixo. Tireoidite de Hashimoto, na fase agu-
da, tireoidite aguda piogênica e tireoidite silenciosa ou neoplasia infiltrante
de tireóide fazem parte do diagnóstico diferencial.
No tratamento da tireoidite subaguda, são utilizados antiinflamatórios
não-esteroidais (AINES) nos casos leves. Nos casos graves, é utilizado
corticosteróide. Em geral, ocorre alívio dos sintomas em 24 a 48h, porém
não há influência no processo de doença. A redução da dose é gradual. Em
média a duração do tratamento é de 5 a 6 semanas. Os sintomas podem
retornar com a interrupção precoce da medicação. As recidivas são mini-
mizadas quando se mantém a terapia até que a captação de iodo pela glân-
dula retorne ao normal. A tireoidectomia pode ser considerada em pequena
minoria que apresenta recidivas apesar do tratamento apropriado. A recu-
peração é a regra. Menos de 1% evolui com hipotireoidismo.

BIBLIOGRAFIA
1. Grenspan FS. The Thyroid Gland. In: Basic and Clinical Endocrinology, 6th ed.
Greenspan FS, Gadner DG (editores). MacGraw-Hill, 2001.
2. Larsen PR, Davies TF, Hay ID. The Thyroid Gland. In: Williams Textbook of
Endocrinology, 9th ed. Wilson JD, Foster DW, Kronenberg HM, Larsen PR (editores).
WB Saunders Company, 1998.
3. Vaisman M. Estados Infecciosos Inflamatórios Tireoidianos. In: Endocrinologia Clínica,
1a ed. Vaisman M (editor). Ed. Cultura Médica, 72-7, 1998.
4. Mizokami T, Okamura K, Hirata T, Yamasaki K, Sato K, Ikenoue H, Yoshinari M,
Inokuchi K, Fujishima M. Acute spontaneous hemorrhagic degeneration of the thyroid
nodule with subacute thyroiditis-like symptoms and laboratory findings. Endocr J.
Oct; 42(5):683-9, 1995.

122 CAPÍTULO 2
Caso 19
RELATO DO CASO
M.G.D., 26 anos, sexo feminino, branca, encaminhada para
avaliação de nódulo na tireóide.
Relata início do quadro há cerca de um ano com aumento de
volume na região cervical anterior direita, progressivo. Há quatro
meses notou abaulamento na região cervical anterior esquerda.
Nega febre, disfagia ou dispnéia. Relata insônia, astenia, diminui-
ção do tom da voz, constipação intestinal.
A paciente é vendedora, residente em Duque de Caxias, natu-
ral do RJ. Nega cirurgias, alergias, internações, hemotransfusões,
hipertensão arterial sistêmica, diabete melito. Relata uso de clor-
promazina ½ comprimido por dia. Parto eutócico. Menarca 15
anos. Ciclos regulares. Nega gestações.
Pai saudável. Mãe com HAS. Dois tios com doença psiquiá-
trica. Nega tabagismo e etilismo. Boas condições de moradia e
alimentação.
Ao exame físico, apresentava linfonodomegalia cervical ante-
rior direita, confluente, indolor, consistência endurecida; avalia-
ção da tireóide difícil.

EXAMES COMPLEMENTARES
• Punção aspirativa com agulha fina (PAAF) da linfonodomegalia cer-
vical direita (dezembro/93): ausência de células neoplásicas, compatí-
vel com lesão cística.
Formulada hipótese de cisto branquial e solicitada internação na enfer-
maria de cirurgia geral.
• Cintigrafia da tireóide com 131I (abril/94): glândula tópica, forma e ta-
manho normais com distribuição irregular do radiotraçador. O nódulo
assinalado em topografia do lobo direito é hipofuncionante e os das
regiões laterais do pescoço não-funcionantes (gânglios?).
• Ultra-sonografia da tireóide (abril/94): aumento do volume do lobo
direito que apresenta textura heterogênea e nódulo sólido de 09 × 14mm
em seu pólo superior. Lobo direito com 4,8 × 1,9 × 1,9cm e lobo
esquerdo com 3,6 × 0,9 × 1,1cm. Múltiplos linfonodos cervicais à
direita. Lesões expansivas císticas de paredes finas contendo vegeta-
ções internas em algumas. À direita, localizam-se em cadeia cervical
superior medindo a maior cerca de 2,8 × 2,1cm, paralela ao músculo

CAPÍTULO 2 123
esternocleidomastóideo. À esquerda observa-se lesão cística única de
4,2 × 2,8cm, de paredes finas e lisas na região cervical inferior.
Em 19/4/94, a paciente foi encaminhada ao centro cirúrgico onde foi
realizada congelação do nódulo em lobo direito e dos linfonodos: carcino-
ma papilífero com metástases ganglionares bilateralmente. Decidido por
tireoidectomia total e linfadenectomia bilateral. A histopatologia da peça
cirúrgica confirmou carcinoma papilífero com metástases gangliona-
res bilateralmente.
No segundo dia de pós-operatório evoluiu com quadro clínico e labora-
torial de hipocalcemia (6mg/dL), sendo introduzido gluconato de cálcio.
Posteriormente foi mantida com cálcio Sandoz® (1g VO 6/6h) (26/04/94 –
cálcio: 10,2mg/dL) e Rocaltrol® 0,25mg 2×/dia.
• Captação de 131I (maio/94): 0,5% (24h).
• Cintigrafia óssea (maio/94): normal.
• Pesquisa de corpo inteiro (PCI) com 5mCi (junho/94): resto de tecido
funcionante na topografia de tireóide e órgãos de excreção.
• Exames laboratoriais (maio/94): T4L < 0,1Ng/dL, TSH: 75µU/mL,
Ca: 9,0mg/dL, fósforo: 4,9mg/dL.
• Radiografia de tórax (maio/94): normal.
• Dose terapêutica (junho/94): 150mCi Na131I. Foi mantida com levotiro-
xina em dose supressiva após este procedimento.
Evoluiu com uso de medicamentos de forma irregular sem linfonodome-
galia cervical palpável até 2001 e com dosagens de tireoglobulina persisten-
temente elevadas, com PCIs negativas e radiografias de tórax normais.
• Níveis de tireoglobulinas: 46; 27,1; 18,1; 30,7; 63,4; 21,5; 121; 99,7;
39,3; 91,6; 17,7; 4,9ng/dL.
• Ac antitireoglobulina < 20.
• Ultra-sonografia cervical (abril/96): sem tecido tireoidiano.
Consulta no dia 31/1/00: tireóide impalpável. Presença de linfonodomegalia
cervical palpável à esquerda. Ausência de sinais de Trousseau e Chvostek.
• Ultra-sonografia cervical (novembro/00): à esquerda, pequena forma-
ção hiperecogênica podendo corresponder à cápsula tireoidiana, po-
dendo haver resquícios de tecido tireoidiano. Presença de linfonodos
em cadeia jugular anterior bilateralmente medindo à esquerda 1,3 × 0,6
e à direita 1,4 × 0,7cm.
• Tomografia computadorizada de tórax (outubro/00): normal.
• Tomografia computadorizada cervical (outubro/00): múltiplas adeno-
megalias em cadeias cervicais (Figs. 2.2 e 2.3).

124 CAPÍTULO 2
Figs. 2.2 e 2.3 – Tomografia computadorizada cervical com contraste, mostrando múltiplas
adenomegalias em cadeias cervicais, notadamente à esquerda.

Encaminhada ao serviço de cirurgia geral para biópsia de linfonodo


cervical.

Meu diagnóstico

CAPÍTULO 2 125
RESUMO DO CASO
Paciente de 34 anos com carcinoma papilífero, que foi submetida à
tireoidectomia total e linfadenectomia bilateral com posterior dose de Na131I
(150mCi) em 1994. Evoluiu com hipoparatireoidismo pós-cirúrgico.
Permaneceu em acompanhamento desde então com uso, por vezes irregu-
lar, de carbonato de cálcio, vitamina D3 e dose supressiva de levotiroxina.
Tireoglobulina sempre elevada com anticorpo antitireoglobulina negati-
vo. Ultra-sonografia cervical mostrou formação hiperecogênica que pode
corresponder a tecido tireoidiano e linfonodos em cadeia jugular anterior
bilateralmente e tomografia computadorizada cervical com múltiplas ade-
nomegalias em cadeias cervicais notadamente à esquerda e PCIs negati-
vas, radiografias e tomografia computadorizada de tórax (com contraste
em 30/10/00) normais, hemogramas normais, último cálcio e fósforo nor-
mais. Última consulta com linfonodomegalia palpável em cadeia cervical
posterior esquerda e sem sinais de hipocalcemia.

DISCUSSÃO
Carcinoma Papilífero com Tireoglobulina Elevada e PCI Negativo
Conduta no seguimento do carcinoma diferenciado da tireóide subme-
tido à tireoidectomia total ou quase total complementada por ablação actíni-
ca do remanescente tireoidiano:
1. Dose supressiva de levotiroxina (níveis de TSH < 0,01µU/mL em alto
risco e 0,05 a 0,1 em baixo risco; alguns preferem manter entre 0,3 e 0,4);
2. Nova PCI com 131I 6 a 9 meses após dose ablativa inicial:
– Se anormal, nova dose;
– Se normal: a cada 6 a 12 meses T4L, TSH e tireoglobulina séricos
(maior sensibilidade com TSH elevado; valores > 5ng/mL são sus-
peitos com ou sem TSH elevado) e radiografia de tórax anual;
3. Nova PCI com 131I se:
– Aumento de tireoglobulina;
– Evidência de metástases em exames de imagem ou com marcadores
alternativos;
– De Groot recomenda PCI com 131I 1, 3 e 6 anos após dose terapêu-
tica, mesmo com tireoglobulina normal;
– Pacientes de alto risco.
Observação: TSH recombinante permite dosar tireoglobulina ou fazer
PCI sem suspensão da levotiroxina.

126 CAPÍTULO 2
Causas de Tireoglobulina Elevada e PCI Negativa
• Metástases difusas muito pequenas para serem detectadas apesar de
captarem 131I;
• Síntese intacta de tireoglobulina com captação de 131I diminuída ou
prejudicada;
• Contaminação com iodo;
• Níveis de TSH suficientes para induzir síntese de tireoglobulina mas
não para estimularem captação de 131I;
• Presença de tecido tireoidiano remanescente;
• Efeito gancho (falsa elevação da tireoglobulina);
• Ac antitireoglobulina (presentes em 2 a 45% dos pacientes com carci-
noma diferenciado da tireóide): mais comum fonte de erros. O método
de dosagem por RIE superestima ou subestima; por IMA subestima.

Conduta em Pacientes com Tireoglobulina Elevada e PCI Negativa


• Realizar PCI com traçadores alternativos como 201Tl e 99mTc-sestamibi
(alta sensibilidade e especificidade associada à tireoglobulina, sem ne-
cessidade de suspender levotiroxina);
• Ultra-sonografia, tomografia computadorizada, ressonância magnética
ou cintigrafia óssea para pesquisa de metástases;
• Tratamento das metástases:
– Sempre que possível (lesões recorrentes palpáveis) tentar exérese
cirúrgica seguida de radioiodo (100 a 200mCi).
– Focos pequenos respondem melhor ao 131I.

BIBLIOGRAFIA
1. Vilar L et al. Endocrinologia Clínica. Editora Médica e Científica Ltda., 2a edição,
2001.
2. Wilson JD, Foster DW, Jronenberg HM, Larsen PR. Williams Textbook of
Endocrinology. WB Saunders Company, 9th edition, 1998.

CAPÍTULO 2 127
Caso 20
RESUMO DO CASO
S.R.B., feminina, branca, nascida em 29/11/29 (70 anos), com
queixa principal de “tumor de tireóide”.
Paciente atendida pela primeira vez no ambulatório de endo-
crinologia em fevereiro de 1985 com relato de tireoidectomia em
1980 e totalização em 1983, seguida de dose terapêutica de 131I.
Histopatológico evidenciou carcinoma papilífero. Pesquisa de
corpo inteiro (PCI) realizada em abril/84 e novembro/84 sem anor-
malidades. Evoluiu sem intercorrências neste período, procuran-
do atendimento médico no HUCFF para acompanhamento. Relata
rouquidão desde a segunda cirurgia. Nega surgimento de novos
nódulos ou sintomas compressivos.
A paciente é casada, do lar, natural da Paraíba, residente na
Ilha do Governador. Possui hipertensão arterial sistêmica há cer-
ca de 10 anos em uso de hidroclorotiazida e reserpina. Possui
também amiloidose cutânea. Refere menarca aos 11 anos, gesta 9
para 6, com três abortos, menopausa aos 51 anos. Nega tireoido-
patia na família. Nega tabagismo ou etilismo.
Ao exame físico, PA: 140 × 90mmHg e FC: 78bpm.
Tireóide impalpável, sem adenomegalia cervical.
RCR, com presença de B4, bulhas normofonéticas, sem sopros.
Restante do exame físico sem alterações.

EVOLUÇÃO
Permaneceu em uso de 200mg diários de levotiroxina. Após um ano e
seis meses (jan/87) retorna com massa palpável em topografia de pólo
inferior do lobo direito, endurecida, móvel à deglutição, de 2,5cm de diâ-
metro. Solicitada cintilografia de tireóide e ultra-sonografia cervical.
Em setembro de 1987 retorna com resultados:
• Cintilografia: prejudicada pela baixa captação.
• Ultra-sonografia evidenciou massa sólida de 2,8 × 2,5 × 2,1cm.
A paciente foi encaminhada à cirurgia, mas não quis operar.
Em abril de 1988 foi realizada biópsia de massa cervical.
• Anatomopatologia: dois diminutos fragmentos com raras fibras mus-
culares e tecido adiposo. Material inadequado para diagnóstico.
Em novembro foi submetida à terceira exploração cirúrgica cervical.
• Relato cirúrgico: nódulo tireoidiano em pólo inferior de lobo direito,
fixo à traquéia e ao músculo esternocleidomastóideo (MECM).

128 CAPÍTULO 2
• Resultado histopatológico: tecido de 3 × 2 × 1cm sem cápsula e aos
cortes lesão de 2,2 × 1,5cm. Neoplasia com arranjo papilífero revestido
por células anaplásicas; em algumas áreas folículos de tamanho variados
revestidos por epitélio neoplásico, contendo material colóide eosinofíli-
co. A neoplasia infiltra cápsula tireoidiana e músculo esquelético. Con-
clusão: carcinoma papilífero infiltrando tecido extra-tireoidiano.
Cinco meses após a cirurgia nota surgimento de nova massa próximo a
inserção do MECM de 2,5cm de diâmetro, endurecida, móvel à deglutição.
Solicitado cintigrafia e captação (captação: 0,6%, ausência de tecido cer-
vical iodocaptante). Interpretado pela cirurgia como possível fibrose e re-
encaminhada ao serviço de endocrinologia em novembro de 1990.
Em outubro de 1991, em uso de 250mg de levotiroxina, apresenta TSH
de 0,03 (0,4-4,0mcU/mL) e tireoglobulina de 44,5ng/mL. Solicitada ultra-
sonografia cervical.
Em setembro de 1995, a paciente retorna com massa de 3 a 4cm de
diâmetro, pétrea, aderida a planos profundos. Solicitado exames e avaliação
quanto a dose terapêutica: Captação de 1%, TSH: 38µUI/mL e tireoglobu-
lina de 80ng/mL.
Conduta: encaminhada à cirurgia.
Submetida à quarta exploração cervical em junho/96:
– Relato cirúrgico: tecido endurecido, com conteúdo cístico, fixo, aderido
à traquéia, músculo esternocleidomastóideo e à jugular interna. Feita res-
secção parcial da massa.
– Histopatológico: tecido de 5 × 4 × 2,5cm formado por neoplasia epitelial
maligna com arranjos papilíferos, revestida por células anaplásicas e te-
cido fibroso denso. Há pequenas calcificações psamomatosas. O carci-
noma papilífero infiltra tecido fibromuscular, vasos e nervos.
– No pós-operatório a paciente foi encaminhada ao serviço de radiotera-
pia (RT) externa pelo serviço de cirurgia geral (1996).
Permaneceu em tratamento clínico, em uso de 200mg de levotiroxina
com dosagem seriada de tireoglobulina. Devido ao crescimento lento, mas
progressivo, foi reencaminhada ao Serviço de Medicina Nuclear para rea-
valiar possibilidade de dose terapêutica.

EXAMES REALIZADOS
• Tomografia computadorizada cervical: lesão expansiva em loja ti-
reoidiana (Fig. 2.4).

CAPÍTULO 2 129
Fig. 2.4 – Tomografia computadorizada da região cervical, mostrando massa
cervical em topografia de tireóide, sem plano de clivagem com a traquéia,
medindo 4cm no seu maior diâmetro, estendendo-se até fúrcula esternal.
Presença de adenomegalia cervical.

• Tomografia computadorizada de tórax: pequenos nódulos pulmonares


em hemitórax esquerdo superior (2) e direito (1), não se podendo afas-
tar a possibilidade de implantes. Pequenos nódulos calcificados em he-
mitórax direito superior, aspecto residual. Estrias densas em hemitórax
direito superior e hemitórax esquerdo inferior. Hilos anatômicos e me-
diastino sem evidência de massa ou linfodo.
• Captação = 0,3%.
• PCI: captação somente em órgãos de excreção normal de radioiodo.
• TSH = 82, Tg = 382, Anti-Tg < 20.
Foi contra-indicada a dose terapêutica e encaminhada para radioterapia
externa (julho/00, 2.700cGy). A paciente mantém massa pétrea de 4cm
aderida a planos profundos, imóvel à deglutição (Tabela 2.14).

Tabela 2.14
Acompanhamento Laboratorial de Carcinoma Papilífero
de Tireóide com Dosagens de TSH e Tireoglobulina

Out/ Nov/ Mai/ Jan/ Set/ Abr/ Out/ Jan/ Abr/


Data 91 95 97 98 98 99 99 00 00
TSH (µUI/L) 0,03 38,1 0,85 7,7 0,03 0,077 0,008 0,03 82
Tg (ng/mL) 44,5 80 4,3 26,8 17,6 17,9 19,5 35,3 358
Anti-Tg (UI/mL) – – – – – – – – < 20

130 CAPÍTULO 2
Meu diagnóstico

RESUMO DO CASO
Paciente idosa apresentou carcinoma papilífero sendo realizada tireoi-
dectomia total e permanecendo com tratamento clínico com levotiroxina para
suprimir TSH e conseqüentemente o crescimento de tecido tireoidiano.
Apresentou recidiva da doença sendo encontrado tumor infiltrativo, no-
vamente ressecado. Cinco meses após apresenta nova recidiva, confirmada
com exame clínico (massa palpável) e tireoglobulina elevada. Como a capta-
ção se mostrou baixa, foi optado por nova cirurgia. O tumor novamente
estava infiltrativo e aderido, não sendo possível a ressecção completa.
A paciente continua com níveis elevados de tireoglobulina e a massa
palpável, já se manifestando com metástases. O tumor deve ter provavel-
mente sofrido desdiferenciação, tornando as células mais indiferenciadas

CAPÍTULO 2 131
a tal ponto que não conseguem mais captar o iodo e assim tornar impossí-
vel a realização da dose terapêutica com iodo-131.

DISCUSSÃO
Recorrência Local de Carcinoma Diferenciado de Tireóide
Ocorre em 5 a 20% dos casos.
Distribuição: 20% → leito tireoidiano
60 a 75% → linfonodo
< 10% → partes moles ou trato aéreo-digestivo
O tratamento da recorrência depende do momento em que é detectada:
– Pós-lobectomia → totalização da tireoidectomia + ressecção linfonodal
+ dose terapêutica;
– Pós-totalização → ressecção de linfonodo;
– Recorrência em trato aéreo-digestivo;
sem acometimento de lúmen → cirurgia + RT externa;
com acometimento do lúmen → cirurgia.
A radioterapia externa cervical geralmente é pouco eficaz. A princi-
pal indicação é em pacientes acima de 40 anos, com carcinoma papilífero
com extensão extratireoidiana sem resposta ao radioiodo.
As principais complicações são:
• esofagite;
• traqueíte;
• diminuição do fluxo salivar;
• alterações dentárias;
• fibrose cervical;
• necrose de laringe;
• indução de tumor (sarcoma de partes moles);
• neuropatia do plexo braquial;
• trombose arterial.
O ácido retinóico (AR) é usado pra induzir rediferenciação. Os reti-
nóides podem induzir fenótipo mais diferenciado em precursores celula-
res indiferenciados, assim como exercer efeito inibitório sobre o cresci-
mento. Desta forma os derivados de vitamina A podem ser úteis no
tratamento de neoplasias.
A ação do retinóide é mediada por receptor nuclear (RAR e RXR), que
age como fatores de transcrição ligante dependente.
No carcinoma diferenciado de tireóide, estudos demonstram que tireói-
de normal, adenoma e adenocarcinoma apresentam receptor para ácido
retinóide.
Evidências in vitro do efeito do AR:
• A deiodinase 5´ tipo I possui atividade diminuída no carcinoma dife-
renciado de tireóide. O AR aumenta em 10 a 100 vezes a atividade em
cultura de célula de carcinoma folicular.
• Há diminuição da expressão de NIS nos casos de desdiferenciação, que
são responsáveis pela não captação de iodo. Ocorre aumento da expres-
são do NIS após incubação de células tireoidianas neoplásicas com AR.
• A diminuição da expressão de caderina E está associada a tumor inva-
sivo e de pior prognóstico. O AR aumenta a expressão de caderina.
• A molécula de superfície celular relacionada com status de diferencia-
ção (FA) também tem sua expressão aumentada com o uso do AR.
• O crescimento celular é inibido pelo AR, que determina diminuição do nú-
mero de células neoplásicas em cultura (talvez por indução de apoptose).
Schmutzler comandou estudo clínico com 75 pacientes (40 papilífe-
ros, 23 foliculares e 12 CCH). Foram incluídos carcinomas avançados e
pobremente diferenciados, inoperabilidade devido à extensão local e/ou dis-
seminação metastática e ausência de captação de iodo. Foram excluídos os
carcinoma anaplásico e gestantes. Usaram o ácido retinóico na dose de 1,0
a 1,5mg/kg/dia por cinco semanas:
Complicações:
• Irritação de pele ou mucosa (45);
• Náuseas (5);
• Prurido (4);
• Sangramento nasal (4);
• Queda de cabelo (1);
• Artrite (1);
• Elevação de transaminases (1).
Resultados:
• A tireoglobulina diminuiu em 11 casos, permanecendo inalterada em 18
e elevou-se em 25.
• A captação com iodo aumentou em 21 casos, permanecendo inalterada
em 30 e diminuindo em 1.
• O tumor diminui sua extensão em quatro casos, permanecendo inalte-
rado em 11.

BIBLIOGRAFIA
1. Schmutzler e cols. Retinoic acid redifferentiation therapy for thyroid cancer. Thyroid.
10:393-406, 2000.
Caso 21
RESUMO DO CASO
S.S.S., masculino, 31 anos, branco, encaminhado ao HUCFF em
27/11/00 para investigação e acompanhamento de tireoidopatia.
Há cerca de onze meses refere aumento progressivo da região
cervical anterior, com dor local, sem outros sintomas flogísticos.
Relata emagrecimento de cinco quilos em seis meses, diarréia lí-
quida, tremor, palpitação, irritabilidade, artralgia. Procurou aten-
dimento médico, sendo solicitadas dosagens hormonais (TSH:
2,7mcU/mL, T4 total: 6,8ng/dL), ultra-sonografia de tireóide e ini-
ciado propranolol (PPL) 80mg/d e tapazol 40mg/d.
O paciente é casado, pedreiro, natural do Rio de Janeiro, resi-
dente em Nova Iguaçu. Nega outras doenças, alergia medicamentosa,
hemotransfusão ou cirurgias. Sua mãe tem diabete melito e é cardio-
pata. Pai com doença pulmonar obstrutiva crônica. Irmão em investi-
gação de adenomegalia cervical. Nega tabagismo ou etilismo.
Ao exame físico, apresentava-se emagrecido, mas com pele de
temperatura normal, ausência de tremor de extremidades e ausên-
cia de sinais oculares de oftalmopatia. PA: 110 × 80mmHg, FC:
80bpm, altura: 180cm, peso: 59kg, IMC: 18,20kg/m2.
Tireóide palpável, lobo direito aumentado de volume, com
nódulo doloroso de 2cm de diâmetro na junção com istmo e outro
nódulo de 3cm em 1/3 médio.
Restante do exame físico sem alterações relevantes.
Inicialmente foram solicitadas novas dosagens hormonais,
anticorpo anti-TPO, hemograma, VHS e cintigrafia de tireóide,
sendo mantido PPL e tapazol (Tabela 2.15 e Figs. 2.5 e 2.6).
Três semanas após mantinha queixa de emagrecimento, palpi-
tação, tremor e dor cervical. Ao exame: tireóide aumentada, pouco
móvel, bastante dolorosa, dificultando a palpação. Adenomegalia
cervical e massa supraclavicular ipsilateral. Restante do exame
físico sem alterações evolutivas.

EXAMES COMPLEMENTARES (TABELA 2.15)

Tabela 2.15
Exames Laboratoriais de Hormônios Tireoidianos

Exame Resultado V.R.


TSH 1,05 0,4 a 4,0mcU/mL
T4 livre 1,6 0,8 a 1,9ng/dL
Ac antitireoglobulina < 20 < 20U/mL
Ac anti-TPO 12,4 < 15U/mL

134 CAPÍTULO 2
• Ultra-sonografia de tireóide (dezembro/00): lobo direito de 3,4 × 1,5 ×
1,4cm, lobo esquerdo de 3,8 × 1,0 × 1,5cm e istmo de 4mm de espes-
sura. Nódulo hipoecóico, limites precisos, contorno regular, diâmetro
de 1,4cm, fluxo ao color doppler central e periférico. Restante com
ecotextura normal. Massas nodulares hipoecóicas, homogêneas ao longo
da cadeia jugular direita, estendendo-se até fúrcula esternal, sugerindo
conglomerado linfonodal. Pequenos linfonodos cervicais em cadeia
cervical esquerda. Traquéia desviada para esquerda.

Figs. 2.5 e 2.6 – Cintilografia de tireóide mostrando lobo direito aumentado de tamanho,
com várias áreas hipocaptantes. Massa supraclavicular acaptante.

Foi então solicitada punção aspirativa por agulha fina (PAAF) e inter-
nação para acelerar investigação.
Na primeira internação (21 a 30/12/00) o paciente foi submetido à biópsia
de linfonodo supraclavicular e punção de nódulo tireoidiano em 26/12:
• Aspecto na cirurgia: massa de linfonodos endurecidos e aderidos a pla-
no profundo;
• PAAF: Esfregaços e cell block exibindo células foliculares com leve a
moderada anisocariose e discariose, com freqüência apresentando nu-
cléolo evidente e cromatina granular, ocasionalmente marginação. O ci-
toplasma, por vezes, é amplo e finamente granular, sugerindo transfor-
mação oxifílica. As células são observadas soltas ou agrupadas em
folículos, sincícios e massas com sobreposição e despolarização nuclear.
Compatível com neoplasia folicular, porém os achados sugerem a pre-
sença de componente oxifílico, não podendo excluir carcinoma medular.
• Biópsia: neoplasia epitelial maligna com células esboçando arranjo glan-
dular. Infiltrado de tecido conjuntivo com intensa proliferação vascular
e discreta fibrose.

CAPÍTULO 2 135
O paciente foi internado novamente (2 a 25/1/01) para tratamento ci-
rúrgico de neoplasia tireoidiana, sendo submetido à tireoidectomia total e
esvaziamento ganglionar em 16/1/01:
• Relato cirúrgico: o acesso foi a incisão cervical anterior com prolonga-
mento até lobo da orelha direita, sendo encontrada tumoração pétrea em
lobo direito, fortemente aderida a traquéia, esôfago e músculo esterno-
hióide, envolvendo nervo laríngeo inferior. Metástase pétrea aderida à
parede anterior de traquéia, à fúrcula (com extensão para mediastino
anterior) e em cadeia jugular. Lobo esquerdo de aspecto normal.
Foi realizada tireoidectomia total, com ressecção do músculo esterno-
hióide e secção do músculo esternotireoidiano. Ressecção de metástases
pétreas aderidas à fúrcula, cadeia jugular. Paratireóides direitas e nervo
laríngeo recorrente não individualizados.
Evoluiu no pós-operatório com hipoparatireoidismo, sendo reposto com
carbonato de cálcio e vitamina D3.
Foi novamente internado (7 a 22/2/01), sendo realizada tomografia
computadorizada da região cervical e torácica e submetido em 13/02 a
esternotomia, quando foi encontrado:
• Massa tumoral endurecida de 6,0 × 4,0cm ocupando o mediastino su-
perior, firmemente aderida aos grandes vasos e pequenos gânglios es-
curos na gordura mediastinal.
• Histopatológico: carcinoma medular de tireóide metastático e gor-
dura livre de neoplasia.

Meu diagnóstico

136 CAPÍTULO 2
DISCUSSÃO
Carcinoma Medular de Tireóide
O carcinoma medular de tireóide é uma doença maligna infreqüente,
representando 5% a 10% de todas as neoplasias malignas da tireóide. Ori-
gina-se das células parafoliculares. Em 75% dos casos corresponde à for-
ma esporádica e 25%, à forma familiar. Geralmente acomete indivíduos
após 40 anos de idade, sendo um pouco mais freqüente em mulheres.
As três variantes familiares de carcinoma medular estão ligadas ao
mesmo locus no cromossomo 10q11-2, codificador do gene RET. O gene
RET é um membro da família do receptor tirosina-quinase, que codifica
uma proteína transmembrana. Apresenta cerca 60Kb e pelo menos 21 éxons.
O ligante deste receptor é o GDNF/GDNFR-α.
Importância do RET:
– Desenvolvimento do SNC e periférico, desenvolvimento renal (sistema
excretor renal).
– A identificação de mutação RET levando à perda de função em algumas
formas de doença de Hirschsprung demonstra o papel crítico da proteína
RET na diferenciação, proliferação e migração das células da crista neural.
– Esta proteína é mutada em tumores humanos derivados da crista
neural, como o neuroblastoma, carcinoma medular de tireóide e
feocromocitoma.
– É também expresso em carcinoma papilífero, resultante de rearranjo
cromossômico somático.
As variantes do carcinoma medular de tireóide são:
• Familiares
NEM 2A (neoplasia endócrina múltipla tipo 2A)
– Mutação do domínio extracelular, na região rica em cisteína.
– Em 95% dos casos detecta-se mutação pontual no éxon 10 (códons
609, 611, 618, 620) ou éxon 11 (códon 634).
– Oitenta e cinco por cento das famílias com carcinoma medular e feo-
cromocitoma têm mutação no códon 634. As mutações no éxon 10
têm baixa penetrância de feocromocitoma e hiperparatireoidismo.
NEM 2B (neoplasia endócrina múltipla tipo 2B)
– Mutação do domínio intracelular.
– Em 97% dos casos identifica-se mutação do éxon 16 (códon 918).
FMTC (carcinoma medular de tireóide familiar)
– Em 80% dos casos observa-se mutação no éxons 10 ou 11.
– Outras mutações descritas: éxons 13, 14 e 16.

CAPÍTULO 2 137
• Esporádicas
– Mutação somática.
– Mutação do gene RET é encontrada em 25% a 80% dos casos.
– A mutação RET mais freqüente é no éxon 16 (códon 918).
– Outras mutações: éxons 10, 11, 13, 14 e 15.
– A presença da mutação somática no códon 918 parece estar relacio-
nada a um pior prognóstico.
Os fatores de bom prognóstico são:
– Estágio I e II;
– Sexo feminino;
– < 45 anos;
– Tumor < 10mm;
– Negativação pós-operatória da calcitonina;
– Calcitonina pré-operatória;
– Fatores histopatológicos de mau prognóstico: necrose tumoral, padrão
escamoso, < 50% das células com imunorreatividade para calcitonina.
A avaliação do paciente com carcinoma medular:
Antes da disponibilidade da análise de DNA:
– História clínica;
– Teste secretagogo de calcitonina;
– Screening de feocromocitoma;
– Cálcio e PTH.
Desvantagens:
– Não exclui não-portadores;
– Diagnóstico por vezes tardio;
– Efeitos colaterais do teste de estímulo de calcitonina diminuem adesão
ao acompanhamento;
– Falso-positivo.
Hernandez e cols. realizaram o teste de calcitonina basal e pós-penta-
gastrina em 53 membros de três famílias com NEM-2a. A taxa de falso-
positivo em não-carreadores foi de 6,6% para dosagem basal e 15,4%
pós-estímulo.

Rastreio Genético para Proto-oncogene RET


Vantagem: o diagnóstico mais precoce permite tratamento num estágio
inicial de doença, melhorando o prognóstico.

138 CAPÍTULO 2
Learoyd e cols. publicaram que a tireoidectomia realizada por indicação
bioquímica revelou carcinoma medular em 98% dos pacientes (44/45) e
hiperplasia em 2% (1/45). A indicação cirúrgica baseada apenas em análise
genética evidenciou carcinoma em 43% (3/7) e hiperplasia em 57% (4/7).

BIBLIOGRAFIA
1. Hernandez G, Simo R, Oriola J, Mesa J. False positive results of basal and
pentagastrina-stimulated calcitonin in non-gene carriers of MEN-2A. Thyroid.
Feb; 7(1):51-4, 1997.
2. Learoyd DL, Marsh DJ, Richardson AL, Twigg SM, Delbridge L, Robinson BG.
Genetic testing for familial cancer. Consequences of RET proto-oncogene
mutation analysis in multiple endocrine neoplasia, type 2. Arch Surg. Sep;
132(9):1022-5, 1997.

CAPÍTULO 2 139

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