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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE


INSTITUTO DE HISTÓRIA
PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

O curso de mestrado em História da Universidade Federal Fluminense:


Estado, universidade e desenvolvimento historiográfico nos anos 1970

Wesley Rodrigues de Carvalho

Niterói, 2019
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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE


INSTITUTO DE HISTÓRIA
PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

O curso de mestrado em História da Universidade Federal Fluminense:


Estado, universidade e desenvolvimento historiográfico nos anos 1970

Wesley Rodrigues de Carvalho

Tese apresentada ao Programa de


Pós-Graduação em História da
Universidade Federal Fluminense
como requisito parcial para
obtenção do título de Doutor em História

Orientador: Prof. Dr. Marcelo Badaró Mattos

Niterói, 2019
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O curso de mestrado em História da Universidade Federal Fluminense:


Estado, universidade e desenvolvimento historiográfico nos anos 1970

Wesley Rodrigues de Carvalho

Tese apresentada ao Programa de


Pós-Graduação em História da
Universidade Federal Fluminense
como requisito parcial para
obtenção do título de Doutor em História.

Aprovada em 28 de março de 2019

BANCA EXAMINADORA:

______________________________
Prof. Dr. Marcelo Badaró Mattos (UFF)

_______________________________
Prof. Dr. Marco Marques Pestana (INES)

_________________________________
Prof. Dr. Felipe Abranches Demier (UERJ)

___________________________________
Prof. Dr. Rafael Barros Vieira (UFF)

___________________________________
Profª. Drª. Virgínia Maria Gomes de Mattos Fontes (UFF)
5

Resumo

Essa tese tem como principal objeto as dissertações produzidas pelas três

primeiras turmas do curso de mestrado em História da UFF. Observamos, quantitativa e

qualitativamente, a presença de temas, recortes, fontes, perspectivas teóricas,

metodológicas, e referências bibliográficas. Esse esforço é realizado principalmente nos

três capítulos que compõem a “Parte 2 – Novos historiadores em Niterói”, onde

apresentamos as dissertações e os perfis intelectuais dos principais docentes do curso.

Na primeira parte da tese – “Estado, universidade e desenvolvimento

historiográfico” - analisamos como foram determinantes para os rumos da produção

científica em História o quadro político e institucional engendrado pela ditadura e

disposições burocráticas internas do programa de mestrado.

A última parte - “História da historiografia” - pretende compreender os

trabalhos defendidos no mestrado da UFF no conjunto da produção historiográfica

nacional, estabelecendo suas contribuições, especificidades e principais tensões

intelectuais. Por fim, analisamos o sentido político das dissertações.

Palavras-chave: História da historiografia; intelectuais; universidade


6

Abstract

This research has as its object the theses produced by first three classes of the

History master's degree course of Universidade Federal Fluminense (Fluminense

Federal University - UFF). It is analyzed quantitatively and qualitatively the presence of

themes, choronological and geographical aproaches, sources, metodological and

theoretical perspectives and bibliographical references. That is the content of the

chapters of Part 2 – New historians in Niterói, where it is introduced the theses and the

intelectual profile of the main professors of the course.

In the first part of this thesis, “State, University and historiographical

development”, we analyse the political and institutional dictatorial context and how it

influenced the scientific production of History.

The last part, “History of historiography”, intends to understand the theses of the

UFF History marster's degree course as part of the national historiographical

production, observing the contributions, especificities and political and intelectual

tensions.

Key-words: History of historiography; intelectuals; university


7

Agradecimentos

Muitos me ajudaram com a leitura crítica do material, transcrição de entrevistas,

comentários em eventos acadêmicos, empréstimo de livros e conversas sobre as agruras

da pesquisa. Agradeço a Marco Pestana, Pollyana Labre, Luiz Guilherme Bulamarqui,

Eduardo Daflon, Rafael Vieira, Fábio Frizzo, Paulo Jorge Campos e Larissa Viana. Na

UFF, ministrei uma disciplina sobre História da historiografia e tive com os graduandos

inscritos discussões que me foram muito importantes. Em coisas acadêmicas e em

muitas outras, o Pedro Cassiano foi um companheiro valioso.

As pessoas que entrevistei, algumas dela abrindo as portas de suas casas para

mim, animaram muito essa pesquisa. Espero ter honrado sua história e suas memórias,

ainda que isso possa significar não estar de acordo com elas. Agradeço também os

gestos de Richard Graham, que teve o cuidado de me enviar pelo correio alguns

documentos impressos; e de Aydil de Carvalho Preis, que me disponibilizou alguns

papéis de seu arquivo pessoal.

O Badaró, meu orientador, me causou desespero com as críticas que fazia aos

meus textos, mas foi um estímulo constante com sua inteligência e seu exemplo de

profissional e pessoa. Agradeço também à contribuição dos membros das bancas de

qualificação e defesa: Sonia Mendonça, Rafael Vieira, Virgínia Fontes, Felipe Demier,

Marco Pestana e Demian Melo. Funcionários de arquivos, bibliotecas (em especial a

Central do Gragoatá) e da secretaria do programa cumpriram um trabalho dedicado.

Meu reconhecimento também a todos aqueles que se dedicam a disponibilizar

gratuitamente material acadêmico na internet.

Muito dessa tese veio da conversa e da biblioteca da Ludmila, e também por isso

está dedicada a ela. À minha família, agradeço por tudo e mais.


8

Aos amigos e amigas que militaram

no movimento estudantil da UFF.

À Ludmila, com disposição para

a alegria e para a felicidade


9

Essa tese contou com o auxílio financeiro da CAPES


10

Lista de quadros e tabelas

Quadro 1 Docentes que ofertaram disciplinas no curso até 1979...81


Quadro 2 Professores estrangeiros atuantes no curso até 1979...87
Quadro 3 Programas de Pós-Graduação em História e suas áreas de concentração em
1976...97
Quadro 4 Dissertações da primeira turma...131
Quadro 5 Dissertações da segunda turma...202
Quadro 6 Dissertações da terceira turma...277
Tabela 1 Quantitativo de disciplinas por docentes no período 1971-1979...88
Tabela 2 Quantitativo de orientações por orientador no período 1971-1979...89
Tabela 3 Quantitativo das disciplinas oferecidas pelos professores da primeira
turma...129
Tabela 4 Quantitativo das disciplinas oferecidas para a primeira turma...129
Tabela 5 Quantitativo dos orientados da primeira turma por orientador...130
Tabela 6 Quantitativo das dissertações da primeira turma por eixo temático...179
Tabela 7 Quantitativo de autores na bibliografia das dissertações da primeira
turma...184
Tabela 8 Quantitativo de disciplinas oferecidas no período 1974-1975...194
Tabela 9 Quantitativo de disciplinas oferecidas por docentes no período 1974-
1975...197
Tabela 10 Quantitativo de orientandos por orientador da segunda turma...198
Tabela 11 Quantitativo da divisão por eixo temático das dissertações de segunda
turma...251
Tabela 12 Quantitativo da presença de autores em bibliografias da segunda turma...258
Tabela 13 Quantitativo de disciplinas oferecidas no período 2/1975-1/1977...263
Tabela 14 Quantitativo de disciplinas oferecidas por docentes no período 2/1975-
1/1977...266
Tabela 15 Quantitativo de orientações por orientador da terceira turma...266
Tabela 16 Quantitativo das dissertações da terceira turma por eixo temático...337
Tabela 17 Quantitativo da presença de autores em bibliografias da terceira turma...346
Tabela 18 Quantitativo de trabalhos discentes defendidos até 1979 nas pós-graduações
de História depois da Reforma Universitária...362
Tabela 19 Ano de início das defesas de dissertações e teses em História das
universidades no pós-reforma universitária até 1979...362
Tabela 20 Presença de autores marxistas clássicos nas bibliografias das
dissertações...381
Tabela 21 Autores mais presentes nas bibliografias das dissertações...383
Tabela 22 Divisão das dissertações das três primeiras turmas em eixos temáticos...385
Tabela 23 Recortes cronológicos das dissertações...390
Tabela 24 Recortes geográficos das dissertações...391
Tabela 25 Fontes mais frequentes nas dissertações...392
Tabela 26 Principais conjuntos de temáticas e recortes das dissertações...394
11

Sumário

Introdução.....13

Parte 1 Estado, universidade e desenvolvimento historiográfico.....16

Capítulo 1 – Curso da História.....16


1.1 Estado e campo.....16
1.2 Controle.....33
1.3 Construção.....66
1.4 Conclusão.....101

Parte 2 Novos historiadores em Niterói.....104

Capítulo 2 A primeira turma (1971-1974/6).....110


2.1 Discentes.....110
2.2 Docentes, disciplinas e orientações.....113
2.3 Dissertações.....131
2.3.1 Desenvolvimento e crédito (1m e 2m).....132
2.3.2 Município (6m e 7m).....137
2.3.3 Produção e empresa (5m e 11m).....142
2.3.4 Militância feminista (3m).....151
2.3.5 Republicanismo (8m e 10m).....154
2.3.6 Constituinte (4m).....159
2.3.7 Católicos e tenentes (9m e 13m).....162
2.3.8 Diplomacia (14m).....168
2.3.9 Chile e Colômbia (15m e 16m).....170
2.3.10 Educação (12m).....174
2.4 Panorama e conclusões.....177

Capítulo 3 A segunda turma (1974-1977/9).....191


3.1 Discentes.....191
3.2 Docentes, disciplinas e orientações.....193
3.3 Dissertações.....202
3.3.1 Café (17m,18m e 31m).....203
3.3.2 Petróleo (19m).....214
3.3.3 Banco (24m).....217
3.3.4 Minério (44m).....219
3.3.5 Economia e operariado (25m).....220
3.3.6 Estadistas e maçons (20m, 23m e 29m).....224
3.3.7 Estado e disputa (21m, 22m e 28m).....231
3.3.8 Opressão e luta (26m e 30m).....235
3.3.9 Tribunal (45m).....239
3.3.10 Literatura (27m).....244
3.3.11 Nacionalismo (32m).....247
3.4 Panorama e conclusões.....251
12

Capítulo 4 A terceira turma 1975-1978/9.....262


4.1 Discentes.....262
4.2 Docentes, disciplinas e orientações.....263
4.3 Dissertações.....277
4.3.1 Café (33m e 42m).....278
4.3.2 Economia nacional (40m).....287
4.3.3 Propriedade fundiária (46m).....289
4.3.4.Comércio internacional (43m)....293
4.3.5 Açucareiros e industriais (54m e 55m)....295
4.3.6 Estadistas (39m, 47m, 48m, 50m).....303
4.3.7 Indígenas (49m).....303
4.3.8 Conflito social (38m).....310
4.3.9 Coronéis (51m).....317
4.3.10 Igreja (41m, 53m).....326
4.3.11 Educação (34m).....333
4.4 Panorama e conclusões.....337

Parte 3 História da historiografia.....350

Capítulo 5 Historiadores, intelectuais.....350


5.1 Esperando Marc Bloch.....350
5.2 Marxismo (ou “marxismo”).....371
5.3 Recortes, temas e fontes.....385
5.4 Política...396
5.5 Conclusão...412

Considerações finais...416

Bibliografia.....421
Dissertações.....438
Entrevistas.....447
Outras fontes.....447
13

Introdução

“Desde o começo, pesa uma


maldição sobre o espírito, a de
ser maculado pela matéria...”
(K. Marx & F. Engels, A Ideologia alemã)

Em várias passagens de sua obra, Pierre Bourdieu registra a dificuldade e a

resistência de intelectuais a se pensarem sociologicamente. Esse exercício

autorreflexivo confrontaria autorrepresentações calcadas em suposições de liberdade e

de desinteresse (isto é, o interesse exclusivo na verdade, na razão). O olhar sobre a

competição entre intelectuais, a desigualdade material entre eles, suas diferentes

posições nos espaços de poder institucionais, sua busca por prestígio, a relação do seu

campo com o campo político, etc., fere uma espécie de imagem oficial sobre o fazer

científico. Estes são, entretanto, elementos das “condições sociais do progresso da

razão”, terreno no qual a criação intelectual necessariamente se dá. Com essas

referências, a presente tese baliza a compreensão de nosso objeto – uma fração da

historiografia brasileira da década de 1970.

A discussão teórica dessa perspectiva - relacionando Estado, universidade e

produção científica - é realizada principalmente ao longo do nosso primeiro capítulo,

que remete ao concreto quadro vivido sob a ditadura empresarial-militar. Polemizamos

aqui com a compreensão teórica que entende ser a “cultura política” uma chave

interpretativa adequada sobre a academia naquele período. Trazemos o histórico dos

cursos de História1 do Rio de Janeiro, desde os anos 1930, salientando sua heteronomia,

o controle, e a violência que marcaram profissionais e estudantes da área – processo que

configura institucional e cientificamente o ambiente dos mestrandos que estudamos.

1
A polissêmica palavra “história” é grafada de duas formas diferentes nessa tese: quando referente à
disciplina ou produção científica, usamos a inicial maiúscula. Quando similar a passado, com minúscula.
14

Aqui também discutimos a noção, bastante difundida, de que o curso de mestrado em

História da UFF, e esta universidade de uma forma geral, foi um ambiente à parte, ou

relativamente à parte, da política discricionária e repressiva da época. A criação da pós-

graduação em 1971 e aspectos científicos e burocráticos de sua organização são

compreendidos com referências à estrutura de poder na universidade: abordamos o

processo de expansão e reforma universitárias, a dinâmica de contratações (com o

polêmico recurso a professores dos EUA) e a definição das áreas de concentração do

curso. São elementos atravessados por disputas à época, mas também hoje, com

memórias divergentes sobre eles – o que também se torna tema de nossa reflexão.

De um total de 56 dissertações defendidas entre 1974 e 1979, estudamos 51

delas. Esse número corresponde ao produzido pelas três primeiras turmas do curso (as

outras cinco pesquisas concluídas no período pertencem ao quarto grupo, fora de nosso

escopo). A nossa “parte 2” dedica cada um de seus capítulos a uma turma diferente e

seus trabalhos. Não se trata de uma divisão meramente formal, mas uma que ajuda a

evidenciar que nesses primeiros anos do curso, com uma alta rotatividade de docentes,

os mestrandos tiveram experiências distintas de formação e, consequentemente,

influências também distintas sobre sua produção historiográfica. Estes capítulos (que

também versam sobre os principais docentes daqueles anos, suas disciplinas e

orientações) procuram expressar quantitativamente aspectos historiográficos das

dissertações (temas, recortes, conceitos, referências bibliográficas, etc.). Esse

procedimento a partir de umas dezenas de trabalhos é importante para que afirmações

sobre a história da historiografia não se baseiem em impressionismo (por exemplo,

sobre a influência de certo autor ou certa corrente) - e a nossa pesquisa, como se verá,

detectou incorreções nesse sentido2. É importante também para que não se pense a
2
A falta de embasamento empírico de trabalhos sobre história da historiografia com consequentes erros
15

historiografia apenas através de alguns autores destacados.

Por fim, nosso quinto e último capítulo procura apresentar sinteticamente, a

partir dos dados levantados, que História foi contada pelos mestrandos da UFF, e pensar

essa produção relacionando-a ao conjunto da historiografia brasileira. Observamos

tensões historiográficas acadêmicas (que se apresentam, em suma, como renovação x

tradicionalismo) e avaliamos as formulações de inspiração marxista presentes nas

dissertações que estudamos. Em complementariedade com o que trabalhamos no

primeiro capítulo, estabelecemos comparações entre a produção da UFF e a de outros

programas de pós-graduação de História, onde notamos a importância de se pensar a

especificidade de cada lugar institucional para explicar a evolução historiográfica

brasileira. Por fim, são apreciadas posições políticas expressas nos escritos.

de análise já foi notada por MALERBA, Jurandir. “Em busca de um conceito de historiografia. Elementos
para uma discussão” IN: Varia Historia. n. 27, julho de 2002.
16

Parte 1 – Estado, universidade e desenvolvimento historiográfico


Capítulo 1 – Curso da História

“Dois peixinhos estão nadando e cruzam com um peixe mais velho que
vem nadando no sentido contrário, que os cumprimenta dizendo: “Bom dia, meninos.
Como está a água?” Os dois peixinhos continuam nadando por mais algum
tempo, até que um deles olha para o outro e pergunta: “Água? Que diabo é isso?”.
(David Foster Wallace, “Isto é água”3)

1.1 Estado e campo

A exemplo de Pierre Bourdieu, podemos dizer que esquematicamente há duas

formas de se compreender uma história das ideias, como são a história da ciência, da

literatura, ou, no nosso caso, da historiografia4.

Uma delas é “idealista” ou “internalista” e remete, limitante, às dinâmicas

internas das ideias considerando que surgem, se modificam, se somam, se opõem, se

aperfeiçoam, desaparecem. Um exemplo de autor que teorizou sobre a história da

ciência dessa forma é, segundo Bourdieu, Thomas Kuhn, para quem um paradigma se

ergueria quando outro se desgastasse5. Entre os “defensores desse fetichismo do texto

autonomizado”, também estariam os pós-modernistas que entenderiam que a letra do

texto seria “o alfa e o ômega” da leitura para fora da qual não há nada mais para ser

conhecido6. Para a historiografia, trazemos o exemplo de Frank Ankersmit. Em

“Historiografia e pós-modernismo”7 não se trata de explicar a mudança historiográfica,

uma vez que não seria proveitoso ou mesmo possível empreender reflexão que associe o

3
WALLACE, David Foster. Ficando longe do fato de já estar meio que longe de tudo. Rio de Janeiro:
Companhia das Letras, 2012.
4
BOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da ciência. Por uma sociologia clínica do campo científico. São
Paulo. Editora UNESP, 2004.
5
BOURDIEU, Pierre. “O campo científico” IN: ORTIZ, Renato (org.). Bourdieu – Sociologia. São Paulo:
Ática, 1983.
6
Sobre os pós-modernistas,“Esquematizo um pouco. Mas bem pouco.” BOURDIEU, Pierre. Os usos...p.
19.
7
ANKERSMIT, Frank. “Historiografia e pós-modernismo” IN: Topoi. Rio de Janeiro, março de 2011.
17

texto a aspectos da realidade, do passado: “..os pós-modernistas também estão pouco

interessados (…) sobre como se relacionam ciência e sociedade.” 8. Seu foco, pela

própria “natureza fundamentalmente pós-moderna” da historiografia9, é a “informação

científica em si”, pois “...a ciência e a informação são objetos de estudo independentes,

que obedecem às suas próprias leis”10. Dessa forma, o principal em uma análise sobre a

historiografia deve ser sua estética, seu estilo – e apenas assim o debate na História

poderia avançar significativamente.11

Uma leitura idealista não necessariamente se apresentará sob forma tão radical,

explícita e autoconscientemente negando na sua teoria, seja por que motivo, contextos

amplos sobre os desenvolvimentos artísticos e científicos, ou, no caso da historiografia,

a reduzindo a um caráter estético. Entendemos que a renitência da presença do

idealismo pode se dar como forma de escamoteamento dos jogos de dominação de que

participam os intelectuais no campo (acadêmico, científico, “historiográfico”), onde se

veicula uma visão irenista sobre a produção e o desenvolvimento das ideias – algo,

aliás, fundamental para o poder dos intelectuais dominantes12. Porém, se não quisermos

fazer denúncia, podemos também apontar que o idealismo se impõe quando tão

simplesmente não é o caso de autores se proporem a uma reflexão detida sobre

causalidades na evolução das ideias. Isto vemos em balanços historiográficos que

sugerem uma mudança linear pautada pelo simples aperfeiçoamento intelectual ou


8
Idem. Ibidem. p.118.
9
Idem. Ibidem. p. 121.
10
Idem. Ibidem. p. 118.
11
Idem. Ibidem. p. 122.
12
A exemplo, ver Bourdieu, Pierre. “Como liberar os intelectuais livres” IN: Questões de sociologia. Rio
de Janeiro: Marco Zero, 1983a. : “É notável que pessoas que todos os dias, todas as semanas, impõem
arbitrariamente os veredictos de um pequeno clube de admiração mútua, gritem contra a violência
quando os mecanismos desta violência são de repente revelados. E que estes profundos conformistas se
atribuam assim, por uma extraordinária reviravolta, ares de audácia intelectual e até mesmo de coragem
política (eles quase nos convencem que se arriscam ao "Gulag"). O que não se perdoa ao sociólogo é
que entregue ao primeiro que apareça os segredos reservados aos iniciados. A eficácia de uma ação de
violência simbólica é proporcional ao desconhecimento das condições e dos instrumentos de seu
exercício.”
18

expansão quantitativa de trabalhos e informações; ou ainda em “manuais” de teoria e

metodologia – alguns, em realidade, sendo menos isso que História da historiografia -

onde nos é mostrada a sucessão das características de diferentes “paradigmas” ou

“escolas”. Outro exemplo vem de ensaio de Eric Hobsbawn, insuspeito materialista,

que, ao discorrer sobre o progresso historiográfico que seria a passagem de uma

historiografia narrativa e descritiva para outra analítica e conceitual, se limita

explicativamente a elementos como interesse e capacidade intelectual de historiadores. 13

Como em uma narrativa em História da historiografia nem sempre se promove uma

reflexão sistemática, ou mesmo mínima, sobre a associação do desenvolvimento

intelectual com outros elementos da vida social, pode-se resultar por exemplo, que as

perspectivas dos Annales surgiram e tiveram sucesso através da inteligência e do poder

de convencimento de dois historiadores franceses, ou que o marxismo declinou como

referência dos historiadores simplesmente porque nos anos oitenta alguns foram

percebendo que “economia” não explicava todas as coisas.

A segunda forma do esquema apresentado por Bourdieu é a “contextualista”, e

procuraria compreender as transformações nas ideias a partir de referências ao meio

social que exerceria influências e determinações de forma variada. Assim, o impulso e o

refluxo da historiografia sobre o trabalho guardariam relação com os momentos de

maior ou menor atividade política de trabalhadores e sindicatos 14; a valorização da

economia por parte dos historiadores estaria ligada à crise de 1929 que evidenciou

claros limites às leituras que privilegiavam ações de homens de Estado para a

compreensão da história15; as elucubrações de E. P. Thompson sobre classes sociais e

13
HOBSBAWN, Eric. “A história progrediu?” IN: Sobre História. São Paulo: Companhia das Letras,
1998.
14
BATALHA, Claudio, “A historiografia da classe operária no Brasil: trajetórias e tendências”, in
FREITAS, Marcos Cezar (org.), Historiografia brasileira em perspectiva,. São Paulo: Contexto, 2001.
15
DOSSE, François. A História em migalhas. Dos Annales à Nova História. Bauru: EDUSC, 2003.
19

sua história estariam em sintonia com discussões políticas candentes e movimentos de

seu tempo16; a queda do muro de Berlim e o fim da URSS seriam eventos sintomáticos

ou geradores de um certo contexto político e cultural no qual a perspectiva marxista

perde expressão17.

Esta tese é uma História da historiografia que se propõe a questão de situar o

contexto de produção explicativo daquelas dissertações de Niterói da década de 1970.

Mas não se trata de supor uma dicotomia entre idealismo e contextualismo, que foi

mobilizada por Bourdieu para fins de apresentação. Consideraremos como relevantes

analiticamente a lógica interna da atividade textual e elementos como a criatividade e a

tradição intelectual. Entender que elementos do mundo social são determinantes das

características e transformações dessa historiografia não rejeita a ideia de que as ideias

tenham uma dinâmica de autonomia relativa18.

A primeira parte de nossa hipótese é que o fato de o curso de mestrado em

História da Federal Fluminense ter sido criado durante a ditadura empresarial-militar lhe

conferiu profundas marcas e foi determinante para as definições científicas das

dissertações produzidas no período. Não se trata de termos encontrado uma chave-

mestra com a qual se abre todas as portas explicativas sobre as 51 dissertações, ou supor

que a ditadura foi a grande fonte conferidora de sentido à historiografia niteroiense,

capaz de revelar seu real significado como um derivado produto histórico. Antes, a

nossa muito pedestre proposta, a ser desenvolvida principalmente neste capítulo, mas

também nos seguintes, é evidenciar que certas especificidades políticas e institucionais


16
MATTOS, Marcelo. E. P. Thompson e a tradição de crítica ativa do materialismo histórico. Rio de
Janeiro: Editora UFRJ, 2012.
17
FONTANA, Josep. História depois do fim da História. Bauru: Edusc, 1998.
18
Para uma noção de determinação, remeto a obra de Raymond Williams. Combatendo suposições
deterministas e teleológicas, Williams propõe um entendimento sobre determinação que implique
“limites” e “pressões”. WILLIAMS, Raymond. “Determination” IN: Marxism and Literature. Oxford
University Press, 1977. Do mesmo autor, “Base e superestrutura na teoria da cultura marxista” IN:
Cultura e materialismo. São Paulo: Editora Unesp, 2011.
20

em que os mestrandos trabalharam foram condicionantes de suas pesquisas e escritas,

sendo portanto capazes de iluminar várias características das dissertações produzidas.

Que especificidades contextuais seriam essas?

Compreenderemos o Estado (e, consequentemente, a ditadura empresarial-

militar) como o fazem Antonio Gramsci19 e Nicos Poulantzas20. A explicação deste

rejeita o que chama de Estado-Sujeito, que é aquele que teria sua vontade como

instância racionalizadora da sociedade. Além de não considerar as conexões sociais do

Estado, supondo-o instância que paira sobre o que abaixo seria a sociedade, uma

compreensão de Estado-Sujeito não abordaria com complexidade a universidade, pois

poderia ou completamente identificá-la com o Estado em um todo monolítico; ou

reduzi-la a um objeto passivo da esfera governamental, cujos interesses e lógicas de

atuação viriam de dentro do próprio Estado que manteria sempre uma relação de

exterioridade e superioridade com as demais esferas sociais. A outra modalidade a que

Poulantzas se opõe é o Estado-Coisa, visão instrumentalista, onde todo o aparelho é

reduzido a uma classe ou grupo (a considerar o nosso caso, seriam, como queiram,

burguesia, militares ou burocratas). Dessa forma, a universidade (e, consequentemente,

o programa de pós-graduação que estudamos) seria meramente parte de uma correia de

transmissão dos interesses de um grupo ou classe, o que redundaria em uma

compreensão engessada incapaz de admitir, mesmo para um regime marcado pela

violência, o caráter relativamente autônomo das instâncias estatais, os atos de

resistência e as brechas que existiriam.

A leitura gramsciana de Poulantzas, impedindo-nos de abordar o Estado apartado

da sociedade civil, faz entender que as diferentes reproduções históricas do Estado são

19
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. Volume 3. Civilização Brasileira. Rio de Janeiro, 2000.
20
POULANTZAS, Nicos. O Estado, o poder, o socialismo. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
21

permeadas de lutas políticas. Ou seja, esses embates não são posteriores ou externos ao

Estado, mas o permeiam e lhe são estruturantes. Entender teoricamente que o Estado

condensa relações sociais nos conduz a historicamente fundamentar suas diferentes

configurações e também a abrigar a ideia de que, material e ideologicamente, assim

como há domínio e hegemonia de uma classe (ou fração de classe), há também

contradição, fissuras e luta21. Nas palavras de Gramsci,

“O Estado é certamente concebido como organismo


próprio de um grupo, destinado a criar as condições favoráveis
à expansão máxima desse grupo, mas este desenvolvimento e
esta expansão são concebidos e apresentados como força motriz
de uma expansão universal, de um desenvolvimento de todas as
energias “nacionais”, isto é, o grupo dominante é coordenado
concretamente com os interesses gerais dos grupos
subordinados e a vida estatal é concebida como uma contínua
formação e superação de equilíbrios instáveis (no âmbito da
lei) entre os interesses do grupo fundamental e os interesses dos
grupos subordinados, equilíbrios em que os interesses do grupo
dominante prevalecem mas até determinado ponto.”22

Para avançar na caracterização histórica desse Estado, primeiramente recorremos

à leitura que ressalta o caráter burguês do golpe de 196423. Na esfera que nos interessa

mais de perto, a política universitária, também se mostra adequada a caracterização da

ditadura como empresarial-militar (e não apenas militar). Na realidade, segundo Luiz

Antônio Cunha, não seria nem mesmo adequado, com alguma exceção, chamar de

militares as políticas educacionais formuladas e implementadas durante o regime 24.

Destacamos nesse sentido o projeto privatista da ditadura na área da educação superior,


21
Idem. Ibidem. p. 131-5.
22
GRAMSCI, Antonio. Cadernos....p.42-3.
23
Considerando a historiografia produzida, o tema é discutido em MELO, Demian. “O golpe de 1964 e
meio século de controvérsias: o estado atual da questão” IN: MELO, Demian (org.). A miséria da
historiografia: uma crítica ao revisionismo contemporâneo. Rio de Janeiro: Consequência, 2014.
24
CUNHA, Luiz Antonio. “O legado da ditadura para a educação brasileira” IN: Revista Educação e
Sociedade, v. 35, n. 127, abr-jun 2014. Ao encontro desta concepção, mas sem enfatizar o caráter burguês
da política universitária, temos também a conclusão de Motta: “Os militares não tinham projeto próprio
para o ensino superior. Na verdade, foram civis os formuladores dos planos, enquanto a liderança militar
contribuiu com a decisão política e o comando.” MOTTA, Rodrigo. As universidades e o regime militar.
Cultura política brasileira e modernização autoritária. Rio de Janeiro: Zahar, 2014. p. 351.
22

que marcou um aumento dos recursos destinados a entidades privadas em detrimento

das estatais e que fez, de 1964 a 1984, as matrículas do ensino superior público caírem

de 75% para 25% do total nacional 25. A ditadura também continuamente propôs o

pagamento de mensalidades, que chegou a ser concretizado em algumas unidades onde,

segundo Cunha, o movimento estudantil era mais frágil. Mas o ponto que mais nos

interessa - pela sua repercussão científica dentro da universidade pública e por melhor

evidenciar o caráter burguês – é o das concepções que marcaram os planos e a reforma

universitária que se concretizou em 1969, procurando submeter o desenvolvimento

universitário à demanda de um específico desenvolvimento capitalista dependente26: o

significado estreitamente economicista que se tinha da educação, em que seria inclusive

necessário abandonar o critério da demanda social que teria presidido a expansão do

ensino superior por um outro que levasse em conta a demanda dos três setores da

produção; um essencial entrosamento de cursos com empresas; a intenção da reforma de

1969 de colocar a universidade a serviço da produção de uma nova força de trabalho

demandada pelo capital no que “...toda ênfase foi dada aos cursos de ciências (exatas?)

e de tecnologia, bem como de ciências econômicas, nas quais se ensinava uma das

línguas oficias do poder.”27 Mencione-se a influência, para a política para o ensino

superior, de projeto elaborado pelo Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES),

órgão empresarial de grande atuação no golpe e nos governos militares 28. E também a

enorme participação dos EUA na formulação da reforma, o que nos remete à relação

25
CUNHA, Luiz Antônio & GÓES, Moacyr. O golpe na educação. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.
p.49.
26
LEHER, Roberto. “Ditadura de 1964: uma universidade para o capitalismo dependente.” IN: IASI,
Mauro & COUTINHO, Eduardo Granja. (orgs.) Ecos do golpe. A persistência da ditadura 50 anos
depois. Rio de Janeiro: Mórula, 2014.
27
CUNHA, Luiz Antônio. A universidade reformanda. O golpe de 1964 e a modernização do ensino
superior. São Paulo: Editora Unesp, 2007 p. 67-8; 90; 287.
28
SOUZA, Maria Inez Salgado. Os empresários e a educação. O Ipes e a política educacional após
1964. Editora Vozes, 1981.
23

política e econômica subordinada que o Brasil tinha com aquele país.

Outra fundamental faceta dessa reforma universitária a ser destacada é a

“segurança”. Para concretizar seus planos, não apenas para a universidade, mas também

para o país, precisaram lançar mão de uma violenta repressão e da criação de uma

estrutura centralizada e autoritária que implicava forte controle sobre reitorias, cargos de

direção, e todo o conjunto das atividades docentes e estudantis29. Por último,

destaquemos que a ditadura acentuou a heteronomia “...deslocando todo o suporte para

a pesquisa [para] fora da universidade e condicionando as pesquisas aos programas e

projetos prioritários...”, com os órgãos de ciência e tecnologia “...crescentemente

controlados por representantes das corporações ou por sujeitos a elas vinculados

(membros de conselhos diretores de empresas públicas e privadas, dirigentes de

entidades empresariais, indicações partidárias associadas a grupos econômicos)”.30

Sem evocar o histórico de resistência, as nuances e outros significados que

podem ser apreciados quando se analisa, por exemplo, o fim do regime de cátedras

vitalícias ou a necessidade de absorção de um contingente populacional crescente,

damos conta apenas, com as referências trazidas até aqui, de sentidos gerais da

modernização universitária levada a cabo pela ditadura: a reforma, mudança

quantitativa e qualitativa de grande magnitude, ocorreu principalmente atendendo a

demandas burguesas e através de centralismo e repressão. Esta síntese, conforme nos

orientam Gramsci e Poulantzas, não deixa de acomodar a ideia de que a universidade

construída na ditadura foi disputada por outras forças sociais com demandas e

posicionamentos bem diversos: o corporativismo de funcionários, o idealismo

revolucionário de militantes, a mera necessidade de se ter um curso funcionando

29
PEREIRA, Ludmila. Nenhuma ilha da liberdade: vigilância, controle e repressão na Universidade
Federal Fluminense (1964-1987). Tese de Doutorado. UFF, 2016.
30
LEHER, Roberto. “Ditadura de 1964: uma universidade...” p. 137 e 138.
24

normalmente através de profissionais qualificados, interesses pessoais de clientelismo,

entre outros. Essa situação gera resultados como a contratação e a atuação de marxistas

nos mesmos ambientes em que o marxismo foi perseguido, a recontratação de

professores que pouco tempo atrás haviam sido expulsos por motivos políticos ou mais

estritamente “pessoais”, ou o crescimento material das ciências sociais que não

cumpririam nenhum papel direto nas estratégicas atividades produtivas da economia

nacional e que em alguma medida poderiam até contribuir para a crítica do regime. São

situações em que uma lógica – arbitrária, conservadora, burguesa - se aplica de forma

preponderante, ao passo que ainda há espaço, mesmo que em nível menor e

subordinado, para a existência de perspectivas de tendência anti-hegemônica, ou outras

que passem ao largo dos principais interesses do grupo no poder. Nas palavras de

Poulantzas,

“A política do Estado se estabelece assim por um


processo efetivo de contradições interestatais, e é precisamente
por isso que, num primeiro nível e a curto prazo, em suma do
ponto de vista da fisiologia micropolítica, ela aparece
prodigiosamente incoerente e caótica.”31

Entretanto, na historiografia há outra interpretação para fatos “incoerentes” e

“caóticos”. Em um extenso estudo, Rodrigo Motta enfrenta essa questão, que procura

resolver através da “inovadora chave interpretativa”32 que seria o conceito de “cultura

política”: “conjunto de valores, práticas e representações políticas partilhado por

determinado grupo humano, expressando uma identidade coletiva à base de leituras

comuns do passado e inspirando projetos políticos direcionados para o futuro.”33. No

31
POULANTZAS, Nico. O Estado... p. 137.
32
MOTTA, Rodrigo. As universidades... p. 13.
33
Idem. Ibidem. p. 12.
25

regime militar, essa cultura política teria se expressado como tendência à conciliação e à

acomodação, sendo assim estratégia utilizada para evitar conflitos agudos, além de ser

marcada também pelo personalismo entendido como prática de privilegiar laços e

fidelidades pessoais34. Sem este conceito, diz Motta, iam nos parecer caóticos e

irracionais35 eventos da história da universidade no regime militar como: demitir

professores e depois recontratá-los; apreender livros e depois permitir que fossem

publicados e circulassem; contratar professores marxistas quando uma das bases

ideológicas do regime era o anticomunismo. Para o autor, se houve repressão e arbítrio

– aliás, bastante documentados em seu estudo - a história não teria deixado de se

desenrolar com disposição ao compromisso, à negociação, ao arranjo, e com a recusa de

definições rígidas e a repulsa aos conflitos.36 “Cultura política” seria a grande síntese

explicativa não só da universidade sob o regime militar mas, aparentemente, de toda a

história brasileira, da independência a Lula37.

A explanação das nossas referências teóricas já nos parece suficiente para a

rejeição da “cultura política” como eixo explicativo. Isto não porque cultura deva

significar menos que “materialidade” – como se interesses políticos pudessem ser

mobilizados fora de um quadro cultural – mas porque o entendimento de “cultura” por

parte de Motta é apriorístico e essencialista em relação a toda dinâmica social em que

ela está inserida e pretende explicar, conforme já observado por Ludmila Pereira em sua

apreciação do autor38.

Há, contudo, outros questionamentos relevantes: ainda que aceitássemos a

centralidade explicativa de uma mentalidade específica, por que, em um país de

34
Idem. Ibidem. p. 13.
35
Idem. Ibidem. p. 15.
36
Idem. Ibidem. p. 291-2.
37
Idem. Ibidem. p. 14.
38
PEREIRA, Ludmila. Nenhuma ilha...p. 18.
26

escravização longeva, de ampla concentração e controle de terras e propriedades, com

história republicana cheia de ditaduras, golpes, torturas, assassinatos e atuação de

Polícia Militar, a cultura política acionada seria definida como “tendência à

conciliação” e não simplesmente pela tendência mais direta à agressividade e à

brutalidade? Um regime que se impôs pelas armas, que prendeu e torturou desde o dia

um - tendo inclusive a universidade como um de seus principais alvos - deveria ser

compreendido teórica e historicamente com ênfase em sua “flexibilidade”?

Motta não nega factualmente a violência e seu trabalho é uma grande referência

para conhecê-la, mas teoricamente ele a entende como algo que aconteceu em paralelo

aos “jogos de acomodação”, o que nos conduz a uma leitura contempladora de uma

suposta complexidade dos expedientes do poder: ora permissivo, ora repressivo. O erro

aqui nos parece ser desvalorizar a violência enquanto marca constituidora da relação

política dentro da instituição: ou seja, não deve ser o caso pensar que a repressão

ocorreu quando não houve a “conciliação” e a “flexibilidade” (ou vice-versa), mas que

ela, a violência, dá o tom geral de toda a relação social dentro da universidade. Em

vários momentos de seu texto, Motta se antecipa a críticas que poderiam lhe chegar

colocando que não pretende defender a ditadura nem “atenuar as violências” 39. Muito

embora entendamos que, de fato, a leitura de Motta concorra para difundir um

sentimento de “atenuação da violência”, no nosso argumento não se trata de algo como

apontar uma maior quantidade de repressão, mas de ajustar a compreensão teórica sobre

a coerção na estrutura das relações.

Como também já apontado por Pereira, a análise factual de Motta depõe contra o

seu postulado teórico: com elementos do seu próprio livro podemos perceber que

“cultura política” é um conceito, antes de errado, dispensável. Assim, vê-se que a


39
MOTTA, Rodrigo. As universidades... p. 17.
27

contratação de opositores do regime pode se explicar não pela “cultura política” de

recusa aos conflitos, mas porque simplesmente se precisava deles para que a

universidade funcionasse em um momento de carência de profissionais qualificados –

além do bônus de que a recepção a esses intelectuais reduzia a oposição à ditadura no

meio acadêmico40. Esse é caso de muitos intelectuais e principalmente da “Operação

Retorno”, tentativa da ditadura de reintegrar ao país os cérebros que havia expulsado.

Igualmente, quando comenta a presença de comunistas nos quadros universitários, nos

aponta ser essa tolerância de poderosos traço tradicional já há muito inscrito na cultura

política nacional. Porém, ato contínuo, Motta nos traz as evidências não culturalistas

para tal comportamento: a competência profissional de comunistas; a dificuldade de, em

certo momento, se encontrar profissionais que não tivessem um registro político de

esquerda; e, algo que não é nada tolerante ou conciliatório, a suspensão da relação se o

comunista deixasse a discrição, manifestasse suas ideias e questionasse seu superior41.

Da mesma forma, a opção dos poderosos em não aplicar as penalidades mais

duras previstas no decreto 477 - substituindo-as por absolvição ou outras formas de

punição e processo – deve mesmo ser entendida principalmente como expressão de

cultura política “arraigada” na alma brasileira de políticos, militares e burocratas? Ou,

conforme nos explica o mesmo Motta, devemos interpretar esse expediente mais terrena

40
“Pela ótica do Estado, como se mostrou, a explicação era sobretudo o interesse em aproveitar pessoas
competentes, e em segundo plano a estratégia fomentada por alguns líderes do governo de reduzir a
oposição dos intelectuais”. Idem. Ibidem, p. 322.
41
“Pode-se dizer que essa prática [manter intelectuais de esquerda nos empregos] já possuía tradição no
país e estava inscrita em certos traços de sua cultura política. A tolerância pode ser atribuída a puro
pragmatismo, ou seja, era vantajoso manter nos cargos essas pessoas por sua competência profissional.
Mais ainda: em certas áreas acadêmicas, nos anos 1970, sobretudo nas ciências sociais e humanas, era
difícil encontrar profissionais sem algum tipo de registro politicamente comprometedor, fosse militância
efetiva em grupos de esquerda, fosse participação em protestos e passeatas. E isso parecia mais
verdadeiro no estrato de intelectuais mais talentosos e competentes. Por outro lado, essas decisões eram
tomadas com base em arranjos que colocavam o compromisso pessoal acima das ideias e dos valores
políticos (tema a ser retomado no próximo capítulo). Naturalmente, o compromisso tácito só funcionava
enquanto o “comunista” em questão mantivesse atuação discreta, sem chamar atenção para suas ideias
e em especial sem questionar o chefe, sob pena de perder a proteção.” Idem. Ibidem. p. 269.
28

e simplesmente como forma de evitar os problemas políticos de maiores reações e

protestos por parte de integrantes da vida acadêmica, em especial os estudantes?42 Isto

porque mesmo atuando com a coerção, a ditadura necessitava de certo nível de

legitimidade e dosar a ação repressiva era não uma forma de suspender o domínio, mas

algo essencial para efetivá-lo: não seria sustentável ao poder ditatorial a multiplicação

de casos como os da UNB em que 80% do seu corpo docente (223 professores) pediram

demissão em protesto43, ou o ocorrido no curso de Economia na UFF em que, por conta

da solidariedade manifesta ao professor Ayrton Queiroz que fora preso e torturado, 23

docentes do curso foram expulsos, com outros dois tendo pedido demissão 44. Por parte

dos próprios agentes da coerção havia a leitura de que muita repressão seria

“contraproducente”45. Conforme bem interpreta Motta,

“As estratégias moderadas sugeridas por esses agentes de


repressão eram parecidas com as defendidas por autoridades do
MEC, e os objetivos eram os mesmos: não oferecer estímulo
para protestos radicais, tentar desmobilizar os espíritos, evitar
a má publicidade decorrente de atos repressivos. […] Além
disso, esses agentes “moderados” não eram contra o uso da
repressão, queriam apenas graduar a força e reservar a
“munição pesada” para os líderes efetivamente “subversivos”.
Alguns desses agentes “moderados” poderiam estar sob a
influência de valores liberais, como o que defendeu a
importância do debate eleitoral para formar jovens democratas,
porém, tratava-se antes, de pragmatismo. O uso adequado da
repressão iria gerar maior eficiência, enquanto a aplicação
indiscriminada da força implicava risco de instigar o
radicalismo da oposição”46

Em vários momentos de seu texto, a “cultura política” é o recurso conceitual a

42
“Em meio a esse quadro [de rebelião estudantil, por conta de uma certa situação na USP], a reitoria
encaminhou abertura de inquérito para aplicação do Decreto 477 contra três estudantes. Entretanto,
como houvesse possibilidade da eclosão de protestos estudantis ainda mais intensos em defesa dos três
líderes, o reitor decidiu utilizar dispositivos do regimento interno como forma de punição.” Idem.
Ibidem. p. 163.
43
Idem. Ibidem. p. 38-43.
44
PEREIRA, Ludmila. Nenhuma ilha....
45
Idem. Ibidem. p. 299.
46
Idem. Ibidem. p.299.
29

que se recorre quando não se observa a repressão: “autoridades optaram por atos

moderadores e conciliatórios quando tinham à disposição o recurso a métodos

repressivos. E isso demanda uma explicação [qual seja, cultura política].”47 No

parágrafo supracitado, entretanto, Motta deixa claro que suspender algum ato de

violência não poderia significar, e é notável que isto apareça em um nível consciente

dos agentes históricos, evitar e o escamotear de conflitos, como deveria ser o sentido do

comportamento dos supostamente guiados pela tal cultura política brasileira 48.

Explicita-se que marcam a lógica da atuação o domínio e o controle - e não a

conciliação, a tolerância, a flexibilidade e a moderação. Pelo mesmo motivo, no caso da

UFF estudado por Pereira e em muitos outros, a repressão não se assumia formalmente

como tal, muito embora tivesse todo o aparato legal para fazê-lo. Antes, justificava suas

ações como sendo de ordem meramente profissional ou trabalhista 49. A necessidade

política de se aplacar as críticas foi também expressa pelo General Golbery do Couto e

Silva que entendia que cumpririam um papel nesse sentido as melhorias na

universidade, como, por exemplo a instituição do regime integral para os professores 50.

Há momentos do estudo de Motta em que se contempla a relevância explicativa desse

complexo de lutas políticas – indo ao encontro do que seria uma concepção

gramsciana51 - mas eles não tomam lugar quando o autor se dedica a discorrer

47
Idem. Ibidem. p. 293.
48
Idem. Ibidem. p. 292.
49
PEREIRA, Ludmila. Nenhuma ilha....p. 239-41.
50
MOTTA, Rodrigo. As universidades....p. 102.
51
Por exemplo, “A Lei n.5.540 [da reforma universitária de 1968], portanto, foi o resultado das ações e
dos projetos de forças díspares, que se aliaram e/ou se enfrentaram ao longo dos anos 1960, com
destaque para estudantes, professores, cientistas, militares e técnicos da área econômica [e burgueses,
acrescentaríamos nós]. O poder militar fez apropriação seletiva de demandas e propostas apresentadas
em anos anteriores, às vezes provenientes do ideário de seus inimigos políticos. Combinando em graus
diversos negociação, cooptação e imposição à força, o comando militar apostou em medidas
modernizadoras necessárias a seu projeto econômico e úteis para reduzir a oposição nos meios
universitários. Os estudantes foram o grupo com menor acesso às instâncias decisórias, e sua proposta
de universidade popular e critica certamente foi derrotada. Não obstante, de maneira paradoxal, o
movimento estudantil teve influência apreciável no processo, exercendo uma espécie de “poder de veto”
implícito. Assim, por temor dos protestos, parte dos acordos com a Usaid foi bloqueada, assim como
30

teoricamente ou quando coloca - por exemplo, no subtítulo de seu trabalho - qual seria o

sentido explicativo geral da história da universidade. Ao fim e ao cabo, “cultura

política”, na obra de Motta, é menos categoria de análise que uma etiqueta a que se

recorre quando simplesmente se observa que o arbítrio e a violência não foram tudo o

que houve (e como poderiam ter sido?), pois sempre haveria o quinhão da relação social

reservado à “moderação”, à “flexibilidade” e à “conciliação” constitutivas da tradição

nacional52.

A caracterização que traçamos até aqui é tão fundamental quanto insuficiente.

Bourdieu nos informa sobre um certo “universo intermediário” a ser considerado para

nosso objeto:

“Digo que para compreender uma produção cultural


(literatura, ciência, etc.) não basta referir-se ao conteúdo
textual dessa produção, tampouco referir-se ao contexto social
contentando-se em estabelecer uma relação direta entre o texto
e o contexto. [...] Minha hipótese consiste em supor que, entre
esses dois polos, muito distanciados, entre os quais se supõe,
um pouco imprudentemente, que a ligação possa se fazer, existe
um universo intermediário que chamo o campo literário,
artístico, jurídico ou científico, isto é, o universo no qual estão
inseridos os agentes e as instituições que produzem, reproduzem
ou difundem a arte, a literatura ou a ciência. Esse universo é
um mundo social como os outros, mas que obedece a leis
sociais mais ou menos específicas”53

cobrança de mensalidades. Sobretudo, a pressão estudantil serviu de estímulo político para que a
arrastada discussão sobre reformas no ensino superior saísse dos planos e se tornasse realidade.” Idem.
Ibidem. p. 108.
52
Há um outro elemento negativo na interpretação de Motta, tratado aqui em nota de rodapé porque não
concerne diretamente ao nosso objeto: trata-se da suposição, fartamente trabalhada pelo autor, de que há
um paradoxo entre a modernização e a repressão. Ou seja, expandir os campi, criar programas de pós-
graduação, aumentar vagas, instituir departamentos seriam, para Motta, de alguma forma contraditórios
com as ações arbitrárias e coercitivas. Rafael Vieira critica esta compreensão de Motta, argumentando
longamente que modernização e violência, longe de serem fatores de naturezas distintas que porventura se
tocariam, fazem parte de um mesmo processo orgânico, de relação estrutural. Não caberia, assim, alegar
dicotomia entre esses diferentes elementos. VIERA, Rafael. “Monumento de cultura – monumento de
barbárie: Uma crítica da leitura de Rodrigo Motta sobre as políticas para a universidade no Brasil durante
a ditadura empresarial-militar (1964-1985)” IN: Anais do Colóquio Internacional Marx e o Marxismo
2017 De O capital à Revolução de Outubro (1867 – 1917). http://www.niepmarx.blog.br.
53
BOURDIEU, Pierra. Os usos....
31

O campo é “espaço”, mais ou menos institucionalizado, onde agentes tem

interesses, estão em luta e são marcados por uma distribuição desigual de poder

(capital). Para o conhecimento do campo científico ou acadêmico, nos é importante a

ideia de que há duas espécies fundamentais de “capital”, com lógicas de acumulação e

dinâmicas diferentes:

“...de um lado, um poder que se pode chamar temporal


(ou político), poder institucional e institucionalizado que está
ligado à ocupação de posições importantes nas instituições
científicas, direção de laboratórios ou de departamentos,
pertencimento a comissões, comitês de avaliação, etc., e ao
poder sobre os meios de produção (contratos, créditos, postos
etc.) e de reprodução (poder de nomear e de fazer carreiras)
que ela assegura. De outro, um poder específico, “prestígio”
pessoal que é mais ou menos independente do precedente,
segundo os campos e as instituições, e que repousa quase
exclusivamente sobre o reconhecimento, pouco ou mal
objetivado e institucionalizado, do conjunto de pares ou da
fração mais consagrada dentre eles...”54

Com isto, novamente se reforça que não poderemos entender o desenvolvimento

da historiografia se estivermos atentos a questões estritamente textuais, ou científicas,

sob o risco de uma visão acrítica ou até ingênua. Antes, na história das ideias científicas

concorrerão tendências que remetem ao exercício de poder dos agentes em suas facetas

“temporal” e “específica”. Dessa forma, toda ação intelectual é uma ação de poder

dentro do campo e todo conflito intelectual é um conflito de poder interno 55. Entretanto,

não se trata de colocar que a historiografia tenha se desenvolvido unicamente em função

da disputa entre intelectuais por prestígio e pelo controle de recursos materiais:

Bourdieu argumentou longamente contra aqueles que supunham a lógica assim


54
Idem. Ibidem. p. 35.
55
“Assim, pelo fato [...] de que eles são o lugar de dois princípios de dominação, temporal e específico,
todos esses universos são caracterizados por uma ambiguidade estrutural: os conflitos intelectuais são
também, sempre, de algum aspecto, conflitos de poder. Toda estratégia de um erudito comporta, ao
mesmo tempo, uma dimensão política (específica) e uma dimensão científica, e a explicação deve sempre
levar em conta, simultaneamente, esses dois aspectos.” Idem. Ibidem. p. 19.
32

reducionista do campo56. O “político” e o “científico” dos agentes não tem caráter

isolado de forma que “...é inútil distinguir entre as determinações propriamente

científicas e as determinações propriamente sociais das práticas essencialmente

sobredeterminadas”57

Não será a nossa intenção formular uma história do Programa de Mestrado como

campo científico ou acadêmico. Muito embora não pretendamos mergulhar nas lógicas

internas do campo e dos agentes, a conceituação que trazemos nos serve para balizar o

contexto em que produziram os intelectuais que investigamos. Também por uma

questão de recorte - ou de capacidade - nosso objeto não será o homo academicus, mas a

produção intelectual. É por isso que dispensamos a conceituação de “habitus”, que diz

respeito tanto à interiorização de normas quanto às capacidades de agência por parte dos

intelectuais. Essencial à nossa análise, entretanto, há uma outra dimensão que trata do

campo face às “pressões externas” ou às “leis sociais externas”.

Muito longe de supor que esse “universo intermediário” é algo como o mais

determinante das atividades intelectuais, Bourdieu nos encaminha a uma análise que o

integre em relação ao exterior que lhe pesa, com intensidades variadas, tanto com

demandas intelectuais em relação à sua produção, como através de intervenções sobre a

distribuição interna de capital. Essa invariável relação do campo com poderes externos

não significa que a produção científica será meramente a encomenda para interesses

gestados alhures, ou que os seus meios de produção sejam exclusivamente operados por

gente de fora:

56
Bourdieu, Pierre. Para uma sociologia da ciência. Lisboa: Edições 70, 2004a. Ver principalmente
capítulo 1, em que Bourdieu analisa propostas de sociologia da ciência “encantadas” e “ingenuamente
maquiavélicas”.
57
BOURDIEU, Pierre. “O campo científico”...
33

“Uma das manifestações mais visíveis da autonomia do


campo é sua capacidade de refratar, retraduzindo sob uma
forma específica as pressões ou as demandas externas [...]
Dizemos que quanto mais autônomo for um campo, maior será
o seu poder de refração e mais as imposições externas serão
transfiguradas, a ponto, frequentemente, de se tornarem
perfeitamente irreconhecíveis. O grau de autonomia de um
campo tem por indicador principal seu poder de refração, de
retradução.”58

Ou seja, as pressões externas se exercem, necessariamente, por intermédio do

campo, sendo mediatizadas pela sua lógica interna (o que como resultado pode dar,

novamente, o “caótico”, o “incoerente” e o “irracional”). Um campo pode ser muito

heterônomo, mas os poderes internos não atuarão necessariamente como meros

retransmissores dos poderes externos.

É com base nessas noções que encaminhamos as questões deste capítulo, atentos

sobre as demandas que a ditadura teria sobre a historiografia produzida na pós-

graduação e sobre o conhecimento histórico de forma geral; às formas com que os

poderes externos ou internos intervieram em questões de repercussão científica; e às

possibilidades de autonomia no interior do campo.

1.2 Controle

“Se você deseja triunfar sobre um matemático,


é preciso fazê-lo matematicamente pela demonstração
ou refutação. Evidentemente, há sempre a possibilidade
de que o soldado romano corte a cabeça do matemático...”59

A interferência de poderes externos sobre as instituições científicas marcou

amplamente o desenvolvimento historiográfico, tendo como um de seus efeitos (e

intenções) principais o constrangimento à atuação de pensamentos combativos ao status

58
BOURDIEU, Pierre. Os usos.... p. 22.
59
Idem. p. 32
34

quo. Essa atuação estatal com uma lógica estranha ao funcionamento específico do

campo científico foi marcada por expulsões, prisões, vetos para contratação e ocupação

de cargos, aposentadorias compulsórias, censura a temas, entre outros. Note-se que se

trata de atuação de poder político diferente daquele das hierarquias temporais (cátedras,

bancas de seleção, cargos de direção, coordenação, etc.), ou seja, no dizer de Bourdieu,

“armas não específicas”.

Compreender o curso de Mestrado em História da UFF surgido em 1971 requer

levar em conta o histórico das atividades de vigilância, controle e repressão sobre a

comunidade acadêmica e científica. E aqui é necessário observar não apenas a

instituição niteroiense, mas também as de outras regiões, já que havia fluxo dos

intelectuais entre elas. E também a ação sobre outras áreas do conhecimento, seja

porque a História tem relação intelectual próxima com algumas delas, como também

porque os ataques sobre qualquer ponto da universidade (ou de outras instituições)

repercutem amplamente em medo e autocensura. Nosso objetivo principal nesta seção é

pontuar que o arbítrio e a violência foram fundamentais no desenvolvimento da

historiografia da qual foram herdeiros os novos historiadores de Niterói da década de

1970; e que uma estrutura de controle e vigilância pesava sobre eles e afetava seu

desenvolvimento científico.

Recuando à década de 1930, temos que a história do curso de História da

Universidade do Distrito Federal (UDF)60 é capaz não apenas de ilustrar a relação entre

poder estatal e historiografia, mas também de contribuir na explicação, como parte de

um processo longo, do desenvolvimento historiográfico no Rio de Janeiro. A UDF foi

criada em abril de 1935 por iniciativa do então prefeito do Rio de Janeiro, Pedro

60
Para a UDF, salvo quando indicado diferentemente, nossa fonte é FERREIRA, Marieta. A História
como ofício. A Constituição de um campo disciplinar. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2013.
35

Ernesto, e estava sob o comando do secretário municipal de educação Anísio Teixeira-

duas personagens que sofriam cargas por parte dos setores mais reacionários de então. A

UDF tinha propostas estatutárias bastante originais, inclinada para a produção do saber

e não apenas para a difusão e conservação de conhecimentos. Em relação ao curso de

História, apesar da grande importância dos cursos da área pedagógica, as disciplinas

ministradas revelavam que não deixava de haver uma preocupação com a formação de

pesquisadores, o que também é evidenciado pelo esforço do curso em localizar,

organizar e disponibilizar documentos. A valorização das disciplinas de História Antiga

e História Moderna possivelmente tinha relação com o fato de serem as áreas de dois

professores de vulto na constituição do curso, Eugène Albertini (latinista de reputação

na França e na Argélia e crítico da hegemonia da história política) e Henri Hauser (autor

de um trabalho inovador e participante desde os anos 1920 das articulações para o

lançamento da Annales d'Histoire Economique et Sociale). A pouca relevância dada ao

estudo de História do Brasil guarda relação com o contexto internacional: por conta do

trauma da Primeira Guerra Mundial, a Comissão Internacional de Ciências Históricas,

criada na Europa em 1930, procurou estruturar críticas aos nacionalismos belicistas e

difundir uma política pacifista de convivência entre as nações. Segundo Ferreira, “essa

diretriz se desdobrava numa concepção de História que defendia a supressão das

histórias nacionais, marcadas pela excessiva valorização do político e pelo culto dos

grandes heróis, em favor de uma história das civilizações voltada para o estudo das

sociedades.”61. Essa orientação já havia encontrado forte eco no Brasil em 1931 quando

no ensino secundário “História do Brasil' foi substituída por “História das Civilizações”,

e tornou-se ideia fundamental da grade curricular do curso da UDF, combatendo assim

os modelos de História que privilegiavam os grandes eventos políticos e personagens.


61
Idem. Ibidem. p. 29.
36

Pelo conhecimento das ideias universitárias e científicas de nomes como Delgado de

Carvalho e Luiz Camillo, e lembrando também que Gilberto Freyre foi professor da

UDF e que Sérgio Buarque atuou ali como assistente de Henri Hauser, pode-se notar

que essa universidade guardava interessantes possibilidades de desenvolvimento

historiográfico, apesar de ser difícil, como sublinha Ferreira, verificar até que ponto

foram implementadas essas propostas do curso ou seu impacto sobre a única turma de

estudantes que teve.

Essas possibilidades foram abortadas devido à vitória reacionária concretizada

no Brasil a partir de 1935. Desde sua fundação, a UDF, e o governo de Pedro Ernesto de

forma geral, vinham sofrendo pressões. Entre elas, a de grupos católicos que acusavam

a direção “socialista” da universidade. O Estado Novo acabou fechando a UDF e

transferindo seus estabelecimentos de ensino para a Universidade do Brasil (UB)

(posteriormente, UFRJ), criada em janeiro de 1939. Alceu Amoroso Lima, um dos

ferrenhos adversários de Anísio Teixeira, e grupos católicos passaram a exercer papel

relevante na definição dos cursos e na contratação de professores e, nesse contexto, o

curso de História assumiria novas feições e concepções.

Temos assim que a ditadura do Estado Novo interditou a intelectualidade que se

gestava dentro da UDF na década de 1930 e promoveu na Faculdade Nacional de

Filosofia (FNFi) da UB, com longeva consequência, uma outra que lhe era afinada

política e ideologicamente. A história do curso de História da FNFi da UB- que mais

tarde seria o Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) da UFRJ - nos interessa

por conta da sua grande relevância política e intelectual nos anos 1960 62 e porque foi

grande o número de estudantes e professores que teve em comum com a UFF. Entre os

mestrandos que estudamos, a UB/UFRJ foi a segunda instituição que mais forneceu
62
Idem. Ibidem. p. 73.
37

discentes: 10 (cerca de 20%), sendo 25 (cerca de 50%) os formados em Niterói.

Também evidenciando o intercâmbio, várias pessoas atuaram, como discentes ou

docentes, nos dois lados da Baía63. Assim, para compor a História do mestrado que

estudamos, não nos parece que a trajetória do curso de graduação na FNFi seja menos

relevante que aquela da graduação em Niterói da Faculdade Fluminense de Filosofia

(FFF), que abrigava o curso de História que viria ser o da UFF.

Criada em 1939, a FNFi era parte explícita de um projeto do Estado Novo para a

educação superior, com o objetivo de formar professores de ensino secundário que

fizessem parte do processo de legitimação ideológica do Estado. A contratação dos

primeiros docentes teve direta ingerência do governo (os primeiros concursos são de

1945), marcando uma política clientelista.64 Na FNFi, o curso de História foi agregado

ao de Geografia (ao contrário daquilo que era a proposta da UDF). Seus conteúdos

agora buscavam o fortalecimento da identidade nacional, além de não mais estimular a

pesquisa. Houve uma diferença visível no quadro de professores. Os franceses que

vieram para a FNFi diferiam dos que haviam se dirigido para UDF, tendo forte

vinculação com a Igreja Católica e com uma concepção de História “événemmentiele” e

ligada aos grandes heróis65. As cadeiras de “História da Civilização” da UDF que

expressavam a crítica à História Política tradicional, tiveram seus nomes alterados e a

carga horária de História do Brasil aumentou. Uma das expressões mais fortes do

“espírito” do curso da FNFi era o catedrático de História do Brasil Hélio Vianna, um


63
Considerando dos anos 1960 até o início dos anos 1980, Maria Yedda Leite Linhares, Francisco Falcon,
Eulália Lobo, Ciro Cardoso, Maria Bárbara Levy, Hugo Weiss, Ilmar Mattos, José Luiz Werneck da Silva,
Arthur Cézar Ferreira Reis, José Honório Rodrigues, Lysia Maria Cavalcanti Bernardes, Luiz Cezar
Bittencourt Silva, Maximiano de Carvalho e Silva e Pedro Freire Ribeiro. Fonte de parte dessa lista é
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE. Memória dos Cursos de Pós-Graduação. Perfil do
Mestrado em História e sinopse das dissertações apresentadas para a obtenção do grau de Mestre em
História. Niterói. Eduff, 1986.
64
PEREIRA, Ludmila. O historiador e o agente da história: os embates políticos travados no curso de
história da Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil (1959-1969). Dissertação de
Mestrado. Universidade Federal Fluminense, Departamento de História, 2010. p. 19-21.
65
FERREIRA, Marieta. A História.... p. 38.
38

monarquista66 de passado integralista que tinha uma concepção de História bastante

conservadora, com enfoque na História Política detalhada de datas e nomes, sem

oferecer estímulo à pesquisa dos estudantes ou maiores reflexões interpretativas em

sala: “...em classe, se um aluno levantasse um dedo, ele mandava baixar. A aula era

dele, e ele não queria saber de conversa”67. Politicamente, mantinha a preocupação

com a formação da nacionalidade brasileira e de um poder central 68. Não nos parece

também irrelevante sublinhar que, segundo muitas referências de ex-estudantes, as aulas

de Vianna eram marcadamente tediosas69. Apontando para a relação da afinidade entre

profissionais da FNFi e o Estado Novo, temos ainda que Vianna, nome escolhido para a

cátedra de História do Brasil em 1939, fora funcionário do DIP 70, e que Sílvio Júlio,

catedrático de História da América a partir de 1941, também trabalhara no setor de

censura do Ministério da Educação71.

Depois da ditadura do Estado Novo, há a lei de autonomia universitária que, para

autores como Fernandes e Fávero72, não significou uma real autonomia intelectual frente

ao Estado. Uma das chaves para compreendê-lo é observar o regime de cátedras

vitalícias, que instituía uma forte hierarquia na organização política interna da

universidade. A atuação dos catedráticos é comumente marcada pelo “despotismo” e por

um “exercício feudal” que bloqueava a circulação de ideias na universidade a respeito

de questões de ensino, pesquisa, finanças, entre outras, evidente também pelo controle

que exerciam sobre a política de concursos e sobre os professores assistentes que

66
Se houver espaço para indiscrição em uma tese, corria boato na FNFi de que Vianna inclusive
participava de cerimônias de beija-mão em Petrópolis (Entrevista de Falcon em FERREIRA, Marieta. A
História.... p. 278).
67
Entrevista de Linhares a Ferreira em FERREIRA, Marieta. A História.... p.229-0.
68
Idem. Ibidem. p. 43-4.
69
Entrevistas de Falcon, Falci e Lobo. Idem. Ibidem. pp. 246; 277; 319.
70
Idem. Ibidem. p. 140.
71
Idem. Ibidem p. 140-1; 149.
72
Apud. PEREIRA, Ludmila. O historiador.....
39

selecionavam. Nas palavras de Ciro Cardoso, estudante de História na FNFi a partir de

1962, “Os catedráticos decidiam sobre carreiras de outras pessoas porque se eles não

convidassem a pessoa para trabalhar não tinha como entrar nessas cátedras. Havia a

ideia de que o catedrático era o dono daquele setor do conhecimento.” 73 Uma

lembrança de Maria Yedda Linhares, que fora catedrática de Moderna e Contemporânea,

evidencia esse exercício de “propriedade” sobre o conhecimento por parte de

catedráticos como Vianna: “Quando foi extinta a cátedra, em 1967, montei meu

programa de pesquisa. Hélio Vianna foi contra, e eu disse: “Dr. Hélio Vianna, acabou

a cátedra. O senhor não manda mais na História do Brasil.”" 74 Sobre o papel negativo

no curso de História da FNFi, há vários relatos sobre o desestímulo e a inibição que os

catedráticos Silvio Julio (de América) e Hélio Vianna (de Brasil) exerciam sobre os

Professores Assistentes75 – resultando em um empecilho para a renovação de ideias

historiográficas, em especial aquelas contestatórias ao status quo. O sistema de cátedras,

dessa forma, promove no curso de História a continuação do que foi construído

intelectual e politicamente na ditadura do Estado Novo. Essa estrutura, entretanto,

sofreria abalos a partir de finais da década de 1950, no bojo de uma alta politização do

seu alunado e a FNFi se tornaria um importante espaço de gestação do pensamento

73
Idem. Ibidem. p. 51. Entrevista de Ciro Cardoso a Pereira.
74
Entrevista de Linhares em FERREIRA, Marieta. A História....p. 237. No ano de 1967 a que se refere
Linhares houve mudança legislativa que reduziu bastante as prerrogativas da cátedra. No entanto, foi
apenas em 1968 que a cátedra foi de fato extinta. Ver FÁVERO, Maria Lourdes de Albuquerque. “Da
cátedra universitária ao departamento: subsídios para discussão.” Disponível em
http://23reuniao.anped.org.br/textos/1118t.PDF Acessado em janeiro de 2018.
75
“Quanto aos assistentes, tínhamos uma dificuldade enorme de produzir, porque os catedráticos, muitas
vezes, não estimulavam (…) Fui assistente do Sílvio Júlio. Ele tentou me inibir, mas não conseguiu”
(Depoimento de Eulália Lobo IN FÁVERO (coord.). Faculdade Nacional de Filosofia: Depoimentos. Rio
de Janeiro, Editora UFRJ, 1989, p. 214. Apud. PEREIRA, Ludmila. O historiador....p. 28-9.) “[Hélio
Vianna] Admitiu, sim [Manoel Maurício de Albuquerque como Professor Assistente], mas o obrigava a
assistir sentado às suas aulas, sem abrir a boca. E dizia, alto e bom som, que era para ele aprender.”
(Entrevista de Falci em FERREIRA, Marieta. A História.... p. 320) “[Professor] Assistente do Hélio
Vianna tinha que estar lá, sentadinho. Fazia a chamada e ficava assistindo à aula.” (Entrevista de Falcon
em FERREIRA, Marieta. A História.... p. 278).
40

crítico76.

Para conhecer o impacto negativo da ditadura implementada em 1964 sobre a

historiografia acadêmica, um primeiro olhar deve ser sobre o Instituto Superior de

Estudos Brasileiros (ISEB)77, onde se passou um dos eventos mais dramáticos da

história da historiografia no Brasil quando do lançamento de um material didático de

História naquele ano. Criado em 1956 como órgão do Ministério da Educação e Cultura,

o ISEB, discutindo questões nacionais, viveu ao longo dos anos forte tensão política.

Como parte de seus profissionais era engajada, promovendo atividades junto a

sindicatos e no movimento estudantil, o ISEB sofria forte carga de setores reacionários

na imprensa, dentro do governo e mesmo da CIA e do departamento de Estado norte-

americano, que infiltrou informantes entre estudantes e pressionava o governo brasileiro

a lhe cortar verbas78. No ano de 1961, chegou a ser retirado do orçamento do Ministério,

o que forçou seus profissionais a redobrar seus esforços para manter a instituição

funcionando.

Em março de 1964, o ISEB lançou as 5 primeiras monografias de História Nova

do Brasil, o material didático formulado por um grupo de jovens historiadores cariocas

principalmente formados pela FNFi79, sob a liderança do veterano Nelson Werneck

Sodré. Houve grande repercussão na imprensa: só o Estado de São Paulo lhe dedicou

cinco editoriais de ataque. O “História Nova” também foi motivo de comentário na TV,

onde foi apresentado como material subversivo. No dia 1° de abril de 1964, primeiro dia
76
Ver PEREIRA, Ludmila. O historiador....
77
Nossa referência para as informações sobre o ISEB é, salvo quando indicado diferentemente, SODRÉ,
Nelson Werneck. História da História Nova. Petrópolis: Vozes, 1986.
78
MOTTA, Rodrigo. As universidades.... p. 115.
79
PEREIRA, Ludmila. O historiador...p.66. Segundo um dos autores, Joel Rufino dos Santos, a “História
Nova” foi escrita no ISEB, mas “o espírito que nos possuía era o da FNFi”. (SILVA, José Luiz Werneck
da. A deformação da História ou Para não esquecer. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Editor, 1985. p. 62). A
frase de Santos refere-se ao grande engajamento contestatório que havia naquela faculdade desde finais
dos anos 1950. Sublinhando a FNFi como um dos espaços – ainda que informalmente - de formulação da
obra, ver LOURENÇO, Eliane. “História Nova do Brasil: revisitando uma obra polêmica” IN: Revista
Brasileira de História. São Paulo, v. 28, nº 56, p. 385-406 – 2008.
41

da ditadura empresarial-militar, o ISEB foi invadido e depredado em uma ação

orquestrada pelos órgãos policiais da Guanabara. Naquele momento, se encontravam

nas dependências 3 funcionários (um copeiro, um zelador e um faxineiro): eles ficaram

presos por 2 meses no DOPS. Sob a interinidade de Ranieri Mazzilli, presidente da

Câmara, a extinção do ISEB foi o primeiro ato oficial do pós golpe. Entre os autores do

livro, afora os exilados, Maurício Martins de Mello, Pedro de Alcantara Figueira e Joel

Rufino dos Santos foram sequestrados e torturados. Parte das semanas em que estiveram

presos passou-se sem que suas famílias soubessem de seus paradeiros. Nelson Werneck

Sodré ficou 60 dias preso. Também o foram Caio Prado Júnior e seu filho, diretores da

editora Brasiliense que viria a publicar já sob ditadura outros números da coleção

História Nova. Ênio da Silveira, que não era editor do História Nova, foi detido como

tal.

Há uma discussão sobre o conteúdo do livro que passa, por exemplo, se era ou

não de inspiração marxista (segundo Sodré, não – apesar de todos os seus autores serem

do PCB80). Não nos interessa aqui uma caracterização exata sobre a obra (aliás, ignorada

por repressores até no nível factual: pensando que se tratava de Ligas Camponesas,

CGT e temas então atuais, não sabiam que seu recorte ia até o século XIX). O que nos

interessa é pontuar que um conteúdo oposto às forças reacionárias, engendrado por

profissionais ligados a sindicatos e movimentos estudantis, foi atacado com grande

brutalidade nos momentos que precederam e sucederam o golpe de 64.

Voltando-nos agora às universidades, temos que o regime de 1964 logo fez delas,

depois dos sindicatos e das organizações de trabalhadores rurais, alvos prioritários das

ações repressivas. As universidades tinham relevo na polarizada discussão e atuação

políticas nacionais, apesar de professores universitários de esquerda serem minoria


80
Sobre o História Nova e o PCB, ver LOURENÇO, Eliane. “História Nova....”.
42

antes do golpe81. Não se sabe quantos universitários e professores foram detidos no

momento do golpe, mas há uma estimativa de que o número total de vítimas (ou seja,

considerando outras áreas) seja de 20 a 30 mil. O Relatório da Comissão Nacional da

Verdade estima entre 800 e 1000 o número de acadêmicos perseguidos entre 1964 e

198582, mas estes números parecem pequenos diante das evidências trazidas por estudos

que citaremos abaixo.

Ao longo do ano de 1964, foram 100 os professores demitidos ou aposentados e

neste número só estão incluídos os afetados direta e formalmente (uma estratégia para

se conseguir o expurgo por meio indireto era o processo administrativo por abandono de

cargo, utilizado contra professores presos ou escondidos). A repressão a livros também

logo se mostrou intensa83. Dezenas de estudantes foram expulsos das universidades e

outros tantos abandonaram seus estudos por conta do clima de repressão. Os ministros

do MEC deixavam clara sua intenção de fazer uma “limpeza” no meio acadêmico

brasileiro e ela repercutia com uma onda de denúncias internas entre os que trabalhavam

nas instituições. O afastamento de reitores (6 naquele ano) ou sua renúncia também

tiveram grande peso para gerar um clima de medo e instabilidade geral (há ainda um

caso de reitor preso, o da URRJ, futura UFRRJ). Foi notável nesse sentido que 80% do

corpo docente da UNB (223 professores) tenham pedido demissão em 1965 84. A

ditadura também logo instituiu nas universidades os Inquéritos Policial-Militares

(IPMs), que muito embora não tivessem o poder de condenar ou demitir, instalaram

ansiedade e angústia entre os profissionais, além de criar condições para que sofressem
81
MOTTA, Rodrigo. As universidades. p. 23-5.
82
“Violações de direitos humanos nas universidades” IN: Comissão Nacional da Verdade. Relatório.
Volume II. Eixos Temáticos. Abril de 2014: http://www.cnv.gov.br/images/pdf/relatorio/Volume
%202%20-%20Texto%206.pdf (Acessado em fevereiro de 2017). O portal Ciência na Ditadura reúne
grande material sobre perseguição contra cientistas na ditadura:
http://www.mast.br/ciencia_na_ditadura/index.html (acessado em fevereiro de 2017).
83
MOTTA, Rodrigo. As universidades....p. 26-7; 57.
84
Idem. Ibidem. p. 38-43.
43

assédios morais. A ditadura chamou de “Operação Limpeza” suas primeiras investidas

contra a universidade. Como consequência, houve nos anos seguintes uma “evasão de

cérebros” para outros países e uma tentativa por parte do governo para que estes

profissionais qualificados retornassem (a “Operação Retorno”).85

A partir do AI-5, uma nova onda repressiva se abateu sobre os campi. Em 1969,

120 professores, 1% do total das universidades federais e estaduais, foram formalmente

afastados. Sublinhe-se novamente que não se trata do total de docentes vítimas de

perseguição, mas apenas os que foram formalmente atingidos. Não constam deste total,

por exemplo, as cassações veladas (que são, por exemplo, a não-renovação de

contratos). Como forma de efetuar sua “limpeza” ideológica, o governo baixou um ato

que impedia atingidos de voltar a trabalhar em outros lugares86.

Por conta da grande agitação e do seu alunado, que fazia da FNFi um dos

espaços mais politizados da universidade brasileira87, havia ali atuação da polícia

política mesmo antes do golpe, com vigilância, além do movimento estudantil, sobre

professores como Maria Yedda Leite Linhares88, que tinha notável engajamento na

discussão sobre reforma universitária e ensino universitário e secundário de História e

presença pública como diretora da rádio MEC. Consumado o golpe, os ataques contra

discentes e docentes se intensificaram. Em 1964, foram 19 estudantes expulsos por

atividades políticas realizadas no pré-golpe89. Eremildo Viana, catedrático de História

Antiga e Medieval e então diretor da Faculdade, acompanhado de dez alunos armados,

invadiu a Radio MEC para destituir a então presidente Maria Yedda Linhares e tomar-

lhe o cargo – tendo logrado sucesso posteriormente 90. Logo após o golpe, alguns
85
Idem. Ibidem. p. 83-5.
86
Idem. Ibidem. p. 173.
87
FERREIRA, Marieta. A História....p. 73.
88
PEREIRA, Ludmila. O historiador.... p. 94.
89
MOTTA, Rodrigo. As universidades.... p. 31.
90
PEREIRA, Ludmila. O historiador.... p. 100.
44

professores não voltaram à universidade, e outros voltaram mesmo com o receio de

serem presos91. Uma comissão para investigar a subversão na faculdade denunciou

professores e estudantes, inclusive alguns recém-formados. Entre os professores

atingidos formalmente em 1969 estavam Maria Yedda Leite Linhares (catedrática de

História Moderna e Contemporânea, que veio a ser presa 3 vezes ao longo de 1969 e

liberada sob a condição de ir para o exterior 92), Eulália Lobo (catedrática da cadeira de

História da América desde o ano anterior, e que viria também a ser presa); Guy de

Holanda (não se sabe o motivo da expulsão desse professor, já que ele não era de

esquerda93), Hugo Weiss (assistente da cadeira de História Moderna e Contemporânea),

Manoel Maurício de Albuquerque (assistente da cadeira de História do Brasil, que viria

depois a ser preso e torturado). Outros professores que continuaram atuando sofreram

pressões e perseguições como Francisco Falcon e José Werneck da Silva. Há registros

de documentos de órgãos de repressão, como o DOPS, que mostram que vários desses

professores foram investigados e vigiados até a década de 1980, evidenciando mais uma

vez o alto grau de monitoramento das atividades intelectuais e políticas94.

O IFCS, onde passou a funcionar o curso de História da agora chamada UFRJ,

vivia um forte clima de tensão com ameaças de grupos como o Comando de Caça aos

Comunistas. Em 1968, uma forte bomba estourou no interior do instituto95. As cassações

deixaram a instituição carente de professores96. Na década de 1970 teve grande poder no


91
PEREIRA, Ludmila. O historiador.... , p. 91.
92
Depoimento de Maria Yedda Linhares em SILVA, José. A deformação...p 92.
93
Entrevista de Arno Wehling a FERREIRA, Marieta. A História...p. 431.
94
PEREIRA, Ludmila. O historiador.... p. 93-8; p. 118-24.
95
PEREIRA, Ludmila. O historiador.... . “Nós já estávamos na suspeita de que haveria uma invasão, e
como os alunos eram os mais visados, considerados altamente subversivos, tiramos as fichas da
associação deles, com endereços, telefones e tudo, que iam servir direitinho para a polícia prender
aquela gente toda. Arrombamos os armários deles e tiramos todo material que mesmo que não fosse,
pudesse ser considerado subversivo. […] Depois houve aquela bomba no Instituto, que dizem que foi do
Parasar, mas não posso afirmar. Mas não foi uma bomba caseira, ficou uma cratera no jardim, as
janelas e portas explodiram.” Lobo, Eulália. Entrevista concedida à revista Estudos Históricos. Rio de
Janeiro, vol. 5, n.9, 1992, p. 9. Apud PEREIRA, Ludmila. O historiador.... p.118.
96
Entrevista de Nara Salleto a FERREIRA, Marieta. A História....p. 444.
45

interior do curso e no instituto Eremildo Viana, que veio a ser largamente reconhecido

como personagem infame da repressão no interior da universidade, e que no auge de seu

poder escolhia pessoalmente os docentes de História97. Como efeito da política ditatorial

na universidade, até o momento da anistia deixou-se de produzir pesquisa e mesmo o

material bibliográfico foi destratado: interrompeu-se a aquisição de revistas científicas,

e as que haviam estavam dispersas ou trancadas em cômodos 98. Passaram a fazer parte

do cotidiano espiões em sala de aula e corredores, além de pessoas armadas nas portas

do prédio. A vigilância afetava também a relação de professores com discentes, já que

era malvisto ter boas relações com o alunado99.

No departamento de História da Universidade Gama Filho, praticamente todos

os professores pediram demissão no início de 1969 devido ao clima de repressão

perpetrado por sua reitoria100. Sobre cursos abertos de História promovidos no Rio de

Janeiro por historiadores havia também ameaças de bombas101.

Na USP, em relação aos que pesquisavam História, ainda que não

necessariamente historiadores de formação, tivemos antes do fim da década de 1960 a

aposentadoria compulsória de Florestan Fernandes, Octávio Ianni, Fernando Henrique

Cardoso, Paula Beiguelman, Paul Singer, Emília Viotti da Costa (esta do curso de

História), além de outros da área de humanas e filosofia que se punham intelectualmente

contra o regime vigente. É importante olhar para a USP e para seu departamento de

História porque este era o que tinha a maior tradição em pesquisa histórica no país com

cursos de pós-graduação mesmo antes da reforma universitária de 1968, tendo formado


97
Sobre alguns desmandos de Eremildo Viana, ver entrevista das professoras Nara Salleto e Eulália Lobo
a FERREIRA, Marieta. A História....
98
Segundo Eulália Lobo, durante a década de 1970 apenas 3 pesquisas “mínimas” foram feitas no IFCS.
Entrevista a FERREIRA, Marieta. A História..., p. 257.
99
Depoimento de Eulália Lobo em SILVA, José. A deformação...p. 88-9. Entrevista de Nara Salleto a
FERREIRA, Marieta. A História... p.448.
100
Depoimento de Eulália Lobo em SILVA, José. A deformação... p.89.
101
SILVA, José. A deformação...p. 13-5.
46

alguns dos docentes que atuaram no mestrado da UFF na década de 1970 102 Como efeito

da repressão, Fernando Novais, professor de História durante o período ditatorial, diz

que o curso “se enfraqueceu não só em razão das saídas das pessoas, mas o

fundamental é o clima pesado que foi criado”, onde havia colegas denunciando

colegas103. Laura de Mello Souza, que se tornou aluna do curso em 1972, também

recorda que o ambiente era marcado pelo medo do debate, pelo histórico de

perseguições a cadeiras (o que teria produzido um curso fraco), pelas “muitas prisões” e

pelas delações entre estudantes104.

A partir de 1968, também recrudesceu o ataque aos estudantes, que teve como

uma de suas expressões o decreto 477, que previa exclusão de alunos, intervenções em

DCEs, DAs, etc.. Este impacto na vida estudantil também repercute e determina o

desenvolvimento científico, uma vez que estudantes da década de 1960 constituíam uma

importante força para a renovação intelectual da universidade. Em certas faculdades,

durante o grande momento de rebeldia de 1967 e 1968, os estudantes passaram a dar o

tom dos debates, influindo na definição dos programas curriculares e sabotando as aulas

dos professores conservadores. Na Faculdade de Filosofia da USP, às vezes era

necessário que os professores negociassem com estudantes o conteúdo dos cursos105 -

algo também lembrado por Paulo Arantes que destaca a importância naquele curso da

102
Entre os doutores pela USP que atuaram na UFF até 1979 estão Nícea Luz, Aydil de Carvalho Preis
(coordenadora), Ismênia de Lima Martins e Victor Vincent Valla.. Depois de 1970, tivemos Afonso
Marques dos Santos, Berenice Cavalcanti, Dylva Moliterno, Luiz Werneck Vianna e Sônia Bayão Vianna.
UFF. Memória... p 16-18.
103
MORAES, José Geraldo Vinci de & REGO, José Márcio. Conversas com historiadores brasileiros.
São Paulo: Ed. 34, 2002., p. 122.
104
Idem. p. 367: “ingressei em 1972, um momento muito difícil, o curso era fraco – mas ainda com
alguns grandes professores -, sobretudo por ter sofrido muito com as perseguições. Hoje em dia, quando
vejo alunos se queixando do curso atual, fico recordando o curso que fiz e a diferença positiva que há.
Havia umas cadeiras muito fracas, impossíveis de cursar, havia as que tinham sido atingidas, e,
sobretudo, o medo incrível de se debater certos assuntos, pois ocorreram casos de delação entre alunos –
para não falar no caso extremo, o de Emilia Viotti, ocorrido entre os professores – e muitas prisões.”
105
MOTTA, Rodrigo. As universidades.... p. 98.
47

exigência estudantil por leituras de Lenin, Rosa Luxemburgo, Mao Tse Tung, etc.. 106 É

interessante a colocação de Motta de que, enquanto autoridades eram obcecadas pela

ideia de que docentes faziam a cabeça dos estudantes, várias fontes mostram que muitas

vezes acontecia o contrário107.

No caso dos historiadores, devemos citar como evidência da força intelectual

estudantil a criação do Centro de Estudos de História em 1958, que passou a publicar o

Boletim de História na FNFi, que, apesar de alguma diversidade em suas publicações,

fazia uma crítica ao ensino universitário de História marcado profundamente pela

memorização factualista, apontava para a necessidade de renovação de livros didáticos e

do ensino secundário. O Boletim também falava da importância de historiadores

trazerem questões do presente, intervirem na realidade e contestava a ideia de

imparcialidade, além de seus artigos serem críticos à estrutura da universidade 108. Essa

entrada em cena dos estudantes acirrou as disputas intelectuais e políticas entre docentes

do campo: em 1958, ainda antes dos momentos mais turbulentos da Faculdade, o

Boletim publicou que Yedda Linhares (catedrática de Moderna e Contemporânea) era

exceção entre professores porque estudava: “Quando vi aquilo, soube imediatamente

que estava liquidada. Como de fato ocorreu: fui acusada de usar os alunos, de ser

usada por eles, etc.”109. Cabe lembrar que com Bourdieu entendemos que a luta por

prestígio intelectual (“capital específico”) é uma das dinâmicas fundamentais do campo

acadêmico e científico.

Nos primeiros anos da ditadura de 1964, vê-se também a importância do alunado

106
ARANTES, Paulo. Um departamento francês de Ultramar. Estudos sobre a formação da cultura
filosófica uspiana. (Uma experiência nos anos 60). Rio de Janeiro. Paz e Terra, 1994. p. 55-6.
107
MOTTA, Rodrigo. As universidades.... p. 62.
108
Sobre o Boletim, PEREIRA, Daniel Mesquita. Boletim de História: uma experiência de vanguarda na
Faculdade Nacional de Filosofia - 1958-1963. Dissertação (Mestrado) - Departamento de História,
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 1998.
109
Entrevista em FERREIRA, Marieta. A História... p. 228.
48

nos rumos científicos com, por exemplo, a pressão que faziam para que os professores

de História Moderna e Contemporânea da FNFi promovessem leituras marxistas 110, o

que de fato acabou influenciando a cadeira. 111 Ainda considerando a FNFi, Neyde

Thelm, professora de História no curso desde 1967, também conta da demanda do

alunado em torno do marxismo, mas adicionando seu ponto de vista de que tinham

atitude politicamente sectária112. Por conta da pressão estudantil, foi afastada a

professora Alaíde Costa Pereira, Assistente da Cadeira de História da América do

catedrático Silvio Júlio113.

Em outros cursos do IFCS, deixamos o registro aqui do afastamento de Vanda

Torok, conservadora e liderança da Campanha da Mulher pela Democracia, mas

também julgada como professora incompetente, contra quem estudantes se mobilizaram

porque estava em jogo a disputa por uma cátedra com o professor Evaristo de Moraes

Filho, que viria a ser aposentado pelo AI-5. Em 1968, Torok saiu da sala de aula para

atuar como assistente da reitoria. Há também o caso do professor de filosofia e padre

Weimar Penna que pediu exoneração do cargo em setembro de 1968 alegando não haver

condições de lecionar no IFCS por conta das pressões estudantis. Ambos os casos foram

acompanhados pelo aparato repressivo114. Estudando o caso da Faculdade de Filosofia,

Ciências e Letras de Franca, o historiador Cleber Santos Vieira observou mobilização de

estudantes impedindo renovação de contrato de professor (que conseguiu se manter no

cargo apenas depois de recorrer a instância externa à universidade). O autor também

colocou que manifestações de solidariedade procuravam contrabalancear a força da

triagem ideológica nas contratações115 .


110
PEREIRA, Ludmila. O historiador... p. 66-7.
111
FERREIRA, Marieta. A História... p. 290;306-7.
112
Idem. p.362.
113
Idem. p. 302.
114
Cujos registros foram fontes para o relato de MOTTA, Rodrigo. As universidades... p. 99-100.
115
VIEIRA, Cleber Santos. Ensino Superior e Regime Militar no Brasil: a trajetória da Faculdade de
49

É importante reparar que após o AI-5 (finais de 1968), a “limpeza” afeta

proporcionalmente mais estudantes que professores, em sentido oposto ao que ocorrera

em 1964116. Houve mesmo casos de professores e dirigentes punidos por incentivar ou

não coibir a rebeldia estudantil. Essa foi justificativa de pedido de aposentadoria contra

Marina de Vasconcelos, diretora do IFCS117. Inicia-se um período em que a mobilização

estudantil perde vitalidade e com ela as possibilidades de desenvolvimento científico

que apontem críticas ao regime em particular e ao status quo de forma geral.

A partir do início da década de 1970, ou seja, mesmo depois de duas ondas

repressivas terem se abatido sobre os campi no Brasil (1964 e 1968/9), a ditadura monta

uma estrutura mais organizada de vigilância e controle 118. Ela contava com órgãos

atuando em todo o MEC, incluindo o CNPQ e a CAPES, e no interior das

universidades. Um desses órgãos eram as Assessorias de Segurança e Informação

(ASIs). Com essa estrutura, se pode ter maior controle sobre a contratação de

professores, de quem eram exigidos “nada constas” expedidos por órgãos policiais. Para

a renovação do contrato, um novo atestado ideológico se fazia necessário – e nisso

vários professores foram afastados da atividade universitária. Os órgãos de informação

das diferentes universidades brasileiras se comunicavam para saber os antecedentes

políticos dos docentes e discentes. Os vetos a professores não se resumiam à

contratação, mas também à concessão de bolsas119, viagens, candidaturas a cargos de


Filosofia, Ciências e Letras de Franca (1963-1976). Dissertação de Mestrado em História. UNESP, 2001.
116
MOTTA, Rodrigo. As universidades... p. 160.
117
Idem, p. 180-1.
118
Para o conhecimento da atuação dessa estrutura sobre as universidades, e em especial sobre a UFF,
nossa referência principal é Pereira, 2016. Ver também, resumidamente, PEREIRA, Ludmila.
“Perseguição e Vigilância na UFF (1964-1987)”. IN: Marx e o Marxismo - Revista do NIEP-Marx, [S.l.],
v. 4, n. 6, p. 182-186, aug. 2016. ISSN 2318-9657. Disponível em:
<http://www.niepmarx.com.br/revistadoniep/index.php/MM/article/view/165>. Acesso em: 26 de abril de
2017.
119
Os vetos ideológicos nas concessões de bolsas CAPES são analisados em BARBOSA, Caio. Ciência
em transe: a Capes nos anos 1970. Dissertação de Mestrado em História. UFB, 2013. Nos final dos anos
1970, o antropólogo Roberto Cardoso de Oliveira, da UnB, recusou-se a assumir a direção da CAPES
porque não foi aceita sua condição de eliminação do veto ideológico na concessão de bolsas. Esse fato é
50

direção e órgãos colegiados. Essa organizada e ampla estrutura de controle e vigilância

atuou também para vigiar e censurar congressos acadêmicos, atividades culturais e

circulação de livros e apostilas. Ela organizava ainda a atuação de espiões dentro da

vida acadêmica, destruía documentos que evidenciavam o arbítrio na universidade e

cooperava com as forças policiais120.

Para nos referirmos agora mais diretamente à Universidade Federal Fluminense,

um dos primeiros passos é destacar que existe a ideia de que seus cursos não sofreram

as agruras repressivas do poder empresarial-militar. Em um estudo da década de 1980

chega-se a dizer que a UFF foi uma “ilha da liberdade” 121. Tal visão é provavelmente

fomentada pelo fato de a UFRJ (antes, Universidade do Brasil) ter sido mais ferozmente

atacada. Mas dois estudos publicados em 2016122 reduzem à esfera da ilusão a noção de

que a UFF fora em algum nível poupada, demonstrando a ampla presença em Niterói de

todos os expedientes ditatoriais da política universitária. Houve caça às bruxas desde os

primeiros momentos do golpe, em que mesmo perseguições motivadas por disputas

internas de poder eram justificadas com referência à fidelidade política à “Revolução de

contado por Claudio de Moura e Castro, que assumiu em seu lugar (p.102). Os vetos ideológicos não
eram assumidos, configurando o que se chama “cassação branca” (p.103). Um dos procedimentos é
relatado por uma assessora da CAPES: “Apesar de seu ar tranqüilo, seu governo [Médici] foi o pior de
todos, inclusive com sacrifício de vidas. Quando voltei a CAPES, como Assessora de Programas, o
agente do SNI não era mais aquele professor do período inicial, mas um militar (...). Para mostrar
eficiência [o agente do SNI em 1970], fez um questionário: tínhamos que preencher o nome do bolsista,
sua proveniência, seus compromissos com a CAPES. Depois, para serem respondidas pelo bolsista,
vinham umas perguntinhas, entre as quais uma totalmente risível: ‘Gosta de música? Quais são seus
autores preferidos?' Obviamente, se fosse comunista de verdade, só responderia Mozart Beethoven,
porque era escolado, mas se não fosse e escrevesse Geraldo Vandré, estaria perdido. Como baixou o
nível, que coisa incrível!” (p.103).
120
Veja-se, por exemplo, o caso de Fernando Santa Cruz que fora aluno da UFF. Sobre ele, três dias antes
de seu sequestro e desaparecimento em fevereiro de 1974, houve pedido de informações à universidade
por parte de órgão de informação. Em 3 de junho, o chefe da ASI/UFF envia ao DSI/MEC fotografia e
endereço de Fernando. (Ver PEREIRA, Ludmila. Nenhuma ilha...) Santa Cruz segue até hoje como
desaparecido e dá nome ao DCE da UFF.
121
Tal caracterização está em BARBOSA, Angela Coelho; OLIVEIRA Jr, Antonio Ribeiro & KOCHER.
A UFF nos anos de chumbo. Memórias de resistência na vida acadêmica do ICHF (1968-1978).Relatório
de pesquisa preliminar do Laboratório de História Oral e Iconografia (LABHOI) do Departamento de
História da UFF. Niterói, desembro de 1990. Apud PEREIRA, Ludmila. Nenhuma ilha...
122
PEREIRA, Ludmila. Nenhuma ilha... E ADUFF-SSind. Ditadura e resistências. A rebeldia dos
professores da UFF. Do golpe de Estado à formação da ADUFF-SSind. Niterói, 2016.
51

1964”; vigilância, perseguição e censura ao movimento estudantil; censura à circulação

de livros; atuação sobre a promoção de congressos, simpósios e permissões para saída

do país; atuação para prisão de docentes e discentes; vetos para contratos e cargos de

direção nas universidades; colaboração com órgãos externos de repressão, etc.. Na lista

elaborada por ADUFF, a Seção Sindical do Sindicato Nacional de Docentes do Ensino

Superior (ANDES) foram localizados 37 professores cassados, que pediram demissão

ou foram impedidos de assumir após prestarem concurso, por razões político-

ideológicas – número que provavelmente foi maior, mas não pode ser precisado dado o

extravio e a planejada destruição dos arquivos123.

O curso de graduação em História da UFF não recebeu por parte de historiadores

a mesma atenção que o da UB/UFRJ, que tinha um movimento estudantil de relevância

política na cidade e mesmo a nível nacional na primeira metade dos anos 1960, como já

apontamos. É possível afirmar que o nível de tensão em Niterói foi menor, desde que

isso não signifique supor um espaço resguardado em relação à repressão. Conforme

coloca Falcon, que foi professor e estudante universitário em Niterói,

“Muitas e muitas vezes nos perguntamos, ou fomos


indagados, sobre como vivemos, ou sobrevivemos ao longo
desses anos 1970. Diante do clima de terror que se criou no
IFCS/UFRJ, sobretudo no departamento de história, e ao qual
já fizemos referência em trabalho sobre a história da pós-
graduação em história no Largo de São Francisco (FALCON;
CARVALHO; FERREIRA 2012c), criou-se o mito de que “em
Niterói teríamos desfrutado de uma tranquilidade quase total
[…]”. Bem, nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Os ambientes
eram diferentes, assim como as condições de trabalho e a
liberdade de lecionar e pensar. Mas tivemos também nossos
fantasmas. Por sorte, porém, tivemos pessoas cujo caráter se
tornou uma barreira às tentativas de incursões dos agentes da
intolerância. Várias pessoas, na verdade, mas, em primeiro
lugar, aquele que foi uma espécie de nosso patrono: o professor
Luiz Cezar Bittencourt Silva, titular de história antiga e
medieval. Houve espionagem de algumas aulas, boatos
123
Idem. p. 58-62
52

atemorizadores, perseguição contra alguns professores,


inclusive o funcionamento de um esdrúxulo critério de “ficha
política limpa” para o professor poder vir a ser contratado.
Tivemos também alunos perseguidos e alguns até
desaparecidos. Eram tempos difíceis, mas, apesar de tudo isso,
seguimos em frente!124

Na graduação de História – e é necessário entender que se trata de espaço muito

distinto da pós – parece ter sido possível um crescimento da presença de perspectivas

marxistas. O tema exige maiores pesquisas, mas, de acordo com o que trouxeram nossos

entrevistados, a graduação passou por uma transformação muito rápida. Em meados da

década de 1960, o curso era marcado pelo factualismo tradicional: para Almir Chaiban

El-Kareh, estudante da graduação em História da UFF nos anos 1960 e professor ainda

nessa década, “Ninguém falava em conceitos. No curso de História, história são fatos,

não se falava em conceitos. Não havia teoria era só fatos.”125. Para Ismênia Martins,

que também foi aluna na década de 1960, a “erudição” era uma forte marca do curso

sendo, por parte de alguns docentes, demandada a estudantes através da memorização e

recitação de livros126. Entretanto, já na primeira metade da década de 1970 se poderia

falar de uma preponderância do marxismo: de acordo com Sonia Mendonça, discente no

início dos anos 1970: “Como eu sempre brinco, toda minha geração foi alfabetizada no

marxismo. No curso de história da graduação (não tanto na pós, muito pelo contrário –

[...]), todo mundo era marxista. Tirando algumas exceções […]” 127. Para El-Kareh, se

trataria de “perfumes de marxismo”128. Mesmo que esse marxismo da graduação possa

ter sido majoritariamente como aquele ministrado por El-Kareh, distante de polêmicas

124
FALCON, Francisco. “História e memória: origens e desenvolvimento do programa de pós-graduação
em História da Universidade Federal Fluminense” História da historiografia. n. 11. Ouro Preto, 2013
p.27.
125
Entrevista Almir El-Kareh ao autor. 26/02/2015
126
Entrevista de Ismênia Martins ao autor 13 e 22/07 de 2015
127
Entrevista de Sonia Mendonça ao autor. 28/04/2013 e 3/10/2013.
128
Entrevista de Almir El-Kareh ao autor.
53

partidárias ou de questões políticas candentes 129; ou um que, influenciado por Althusser,

estivesse confinado em abstrações e ignorando agências humanas 130; ou ainda marcado

pela timidez131, não deixa de ser significativo que um pensamento associado à subversão

tenha progredido. Por outro lado, é significativo também que o engajamento militante

não tenha tido a mesma intensidade daquele que ocorria na FNFi dos anos 1960. O

ministro Jarbas Passarinho colocaria em entrevista de 1969 que seria aceitável um

professor ser comunista, desde que não fizesse propaganda132. A frase é cínica, já que a

perseguição política estava a pleno vapor, mas ela retrata que havia alguma concessão

ao mesmo tempo em que uma imposição de limites. Já nos referimos aos aportes

teóricos capazes de nos fazer entender esse tipo de situação nos seios das instituições

sob batuta ditatorial. Nesse sentido, nos auxilia ponto trazido por Ismênia Martins de

que mudanças na área de História estão muito relacionadas ao caráter “provinciano” ou

“secundário” de Niterói, colocação que remeteria à ausência de repercussão e

importância do que se passasse na cidade 133. Assim, tão importante quanto evidenciar a

existência do pensamento científico de tendência contestadora ao regime é trazer à baila

os limites, circunstâncias e as forças que concorreram para constrangê-lo e eliminá-lo.

Segundo Sonia Mendonça, aluna de graduação na primeira metade da década de

1970 e mestranda e docente logo após, “Cansamos de sair com corredor polonês de

129
“Mas eu fazia questão de sempre em sala dizer que eu não era de nenhum partido (e não era mesmo –
eu sempre procurei ser independente). E discutíamos marxistas franceses que criticavam os marxistas
stalinistas russos. Ficava muito claro no meu curso que eu não fazia apologia da URSS nem do Partido
Comunista. Por uma questão de opção intelectual e para deixar claro que eu não estava envolvido com
nenhum partido.” Entrevista de Almir El-Kareh ao autor.
130
Alguns de nossos entrevistados apontam que Althusser, no início dos anos 70, era a principal referência
teórica do marxismo em Niterói. Entrevista de Pedro Demo [docente do mestrado nos primeiros anos do
curso] ao autor 5/5/2014 . Entrevista de Sonia Mendonça ao autor. Entrevista de Rachel Sohiet ao autor.
4/7/2 2013.
131
Para Falcon, docente na graduação na década de 70, seus cursos tinham orientação marxista, embora
discretamente “como mandava o tempo”. Em relação ao curso, “É, de fato se pode dizer que tinha uma
forte tendência marxista, mas não de bandeira asteada. Eu diria subliminar.” Entrevista de Francisco
Falcon ao autor em agosto 2013.
132
MOTTA, Rodrigo. As universidades...p. 244.
133
Entrevista ao autor.
54

guarda, de soldado. E a gente com mão na cabeça, inclusive eu já professora.”134,

havendo também a presença de estudantes infiltrados135. Almir Chaiban El-Kareh,

professor da graduação desde os anos 60, cita que foi ameaçado com a abertura de um

inquérito caso proferisse palestra sobre modo-de-produção asiático. A advertência

formal veio minutos antes da palestra, que acabou não acontecendo 136. Como parte do

clima em que vivia a universidade, El-Kareh foi uma vez comunicado de que haveria

um processo contra ele por parte de órgãos de segurança, e que colegas o consideravam

um “porra-louca” por ministrar leituras marxistas abertamente. Relata também rumores

de que teria entrado no radar na vigilância 137. Falcon, docente talvez desde a década de

1950, chegou a ter desconfiança de colegas: “E a gente não sabe ao certo quantos

daqueles nossos colegas, deviam ser pouquíssimos, eram agentes duplos. Tinha lá uns

dois que eu desconfiava que eles levavam mensagens, até onde eu não sei.”138

O acervo da Assessoria de Segurança e Informação da UFF, ASI/UFF, nos pode

dar alguma dimensão da atuação controladora sobre a academia, apesar da política

deliberada de destruição de arquivos e seus extravios 139. Abaixo, elencamos algumas

ações da vigilância e repressão da universidade. Não se trata de um exame exaustivo de

fontes e menos ainda de uma narrativa bem ordenada: colhemos os dados a partir do

publicado por Pereira (2016) e ADUFF (2016), ou do levantado por nós nas pastas

134
Entrevista ao autor.
135
Entrevista de Sonia Mendonça ao autor.
136
Entrevista ao autor.
137
“Mais tarde, essa Ana Maria de quem eu falei pra vocês (não me lembro o sobrenome), essa Ana
Maria que havia sido namorada do Ivan [Mota Dias, aluno do curso de História e desaparecido. Ver
PEREIRA, Ludmila. “Nenhuma ilha....” p. 275], ela me telefona e diz: “Professor, tome cuidado”. O
irmão dela era amigo de um dos rapazes que havia sequestrado o embaixador dos EUA. E na casa dele,
haviam pego documentos e algum documento falava de mim, mas falava como professor – eu não tinha
envolvimento com a guerrilha. “O sr. Toma cuidado porque eu já fui chamada e o seu nome faz parte da
lista.” Mas eu não fui chamado. Eu recebi também um telefonema da irmã do Ciro dizendo que no
Cenimar tem um processo muito grosso sobre você. Eu pensei: então são todas as minhas apostilas, que
eles pegaram e levaram para lá. Só podia ser isso.” Entrevista ao autor.
138
Entrevista ao autor.
139
Sobre o destino desses arquivos, ver MOTTA, Rodrigo. As univerisdades...
55

digitalizadas por Pereira cujos títulos remetiam a informações sobre professores. É um

pequeno esforço diante do conjunto de documentos digitalizados, mais de dez mil. E

também porque não buscamos por estudantes, nem conhecemos o nome de todos os

docentes de História, o que não tornou possível identificá-los na documentação caso a

referência ao curso não estivesse colocada. O levantamento, contudo, ilustra a

capacidade de observação e intervenção daqueles que queriam neutralizar os opositores

políticos e intelectuais do regime dentro da UFF. Eles se referem a profissionais

principalmente da graduação, mas também da pós, aos quais sinalizaremos quando for o

caso.

Em 1969, houve a aposentadoria compulsória do professor Hugo Weiss 140, de

História da América. No mesmo ano, vigilância sobre Acyr de Paula Lobo que havia

sido auxiliar de História da América 141. Considerando também anos posteriores, Acyr

entrou no radar por manter relação com o DA de Direito, caracterizado como de

esquerda, por defender estudantes enquadrados na Lei de Segurança Nacional e por

movimentação para criação de associação de docentes142. Ainda em 1969, como parte

das investigações sobre Vera Wrobel e Liszt Benjamim Vieira, estudantes e militantes, o

Exército pede para que a universidade “convide” para depor Acyr de Paula Lobo e Luiz

Cézar Bittencourt, também da História – além de Silva Neuma Aguiar Walker, e

Antônio Carlos Quaresma (Vieira viria a ser preso e torturado)143.

Em 1971, a Assessoria Regional de Segurança e Informação do MEC

(ARSI/MEC) questionou a contratação do professor Jorge Miguel Mayer por não

possuir o nada consta do DOPS. A ARSI/MEC responsabilizou Ronaldo Livramento

140
Aduff, Ditadura e... p. 60.
141
Seção de Arquivo Permanente da Universidade Federal Fluminense. Acervo ASI-UFF. Caixa 9.
142
PEREIRA, Ludmila. Nenhuma ilha.. p. 272.
143
Idem. p. 99.
56

Coutinho, vice-diretor do Instituto, pela contratação “irregular” e passou a também

investigá-lo – evidenciando que a necessidade de controle estava para além dos

diretamente suspeitos de “subversão”. Em resposta à ARSI/MEC, a ASI/UFF anexou o

programa de curso do professor Jorge Miguel e prometeu sua demissão, o que foi

efetivado através da não renovação do seu contrato e mesmo depois de ter ela própria

pronunciado que o professor não gerara nenhum problema administrativo ou suspeição

ideológica144. Haveria também investigação sobre que leituras Jorge Miguel indicava

aos estudantes145.

Em 1972, houve pedido de informações por parte da Assessoria Regional de

Segurança e Informação do MEC (ARSI/MEC) e respondido pela ASI/UFF, sobre

Ângela Maria de Castro Gomes146, que havia concluído sua graduação em História em

1969 e que mais tarde seria docente da pós-graduação. Esse é um dos casos em que não

conhecemos a motivação do pedido. No mesmo ano, vem um pedido de informações

confidencial sobre Maria Bárbara Levy por parte da ARSI/MEC. A UFF responde

dizendo que a professora tinha contrato até o final de 1971, mas rescendido porque ela

se ausentou do país em outubro e deixou de ter ligação com a universidade 147. Em 1973,

ARSI/GB entra em contato para saber sobre Marcos Waldemar 148. O mesmo a respeito

de Ilmar Mattos. A UFF, além de passar dados como filiação e endereço, responde

dizendo que observa este professor com cuidado por conta de sua possível ligação com

Francisco Falcon149. De acordo com ofício do ano de 1973, a universidade não renovou

o contrato do professor Gerson Moura, muito provavelmente por conta de ausência de

144
Idem. p. 227-9.
145
Idem. p. 234.
146
Seção de Arquivo Permanente da Universidade Federal Fluminense. Acervo ASI-UFF. Caixa 5.
147
Seção de Arquivo Permanente da Universidade Federal Fluminense. Acervo ASI-UFF. Caixa 8.
148
Seção de Arquivo Permanente da Universidade Federal Fluminense. Acervo ASI-UFF. Caixa 5;
149
Seção de Arquivo Permanente da Universidade Federal Fluminense. Acervo ASI-UFF. Caixa 5.
57

atestado ideológico do DOPS150. No ano seguinte, haveria comunicação confidencial e

interna da UFF sobre este professor151.

Sobre o professor Luiz César Bittencourt, professor de Antiga e Medieval e

originalmente vinculado à Faculdade de Direito152, também houve, em 1976, pedido de

informações pesando questionamento sobre sua conduta moral e suas ligações com

“agitadores” na universidade. Em resposta, a ASI/UFF provê vários dados sobre o

professor (inclusive recente falecimento de esposa), dizendo que ele não manifesta

opinião sobre assunto políticos, que discorda de agitadores na universidade, que não há

restrição à sua conduta moral, e que é estimado por parte colegas 153. No mesmo ano,

1976, registrava-se sobre Antônio Edmilson Martins Rodrigues, docente Auxiliar da

História que teria sido autor de um documento que denunciava a repressão no IACS e

que teria difundido verbalmente a situação na PUC154

Como praxe, há um encaminhamento de ficha por ocasião do pedido de viagem

para curso de doutorado no Texas em 1976, por parte da professora Vânia Fróes, de

Medieval, que fora mestre da primeira geração 155. Ainda nos arquivos da ASI/UFF,

localizamos, de 1977, um nada consta de Gizlene Neder quando cogitada para ocupar o

cargo de professora156. Em 1978, a PUC-RJ envia um documento confidencial à UFF se

dizendo preocupada com conflito de horários de Ilmar Mattos, Francisco Falcon e José

Nilo Tavares, que trabalhavam em ambas instituições. A UFF informa o horário de

trabalho dos professores, alguns coincidentes com os da PUC, segundo informado.

150
Aduff, Ditadura e... p. 59-60.
151
Seção de Arquivo Permanente da Universidade Federal Fluminense. Acervo ASI-UFF. Caixa 6.
152
Conta Ismênia Martins que quando foi criado o curso de História, não sabemos se na FFF ou já sob
federalização, Bittencourt, que era um juiz, iria se inscrever como aluno por conta de seu gosto pela área.
Antes disso, recebeu convite para se tornar docente de Antiga e Medieval. “Ele contava isso rindo”
Entrevista de Ismênia ao autor,.
153
Seção de Arquivo Permanente da Universidade Federal Fluminense. Acervo ASI-UFF. Caixa 19.
154
Seção de Arquivo Permanente da Universidade Federal Fluminense. Acervo ASI-UFF. Caixa 19.
155
Seção de Arquivo Permanente da Universidade Federal Fluminense. Acervo ASI-UFF. Caixa 10.
156
Seção de Arquivo Permanente da Universidade Federal Fluminense. Acervo ASI-UFF. Caixa 15.
58

A Assessoria tem documentos sobre evento da ANPUH que precisou se justificar

para ser realizado nas dependências da UFF em de 1979 157. Depois, os órgãos de

informação guardaram relatório (“moção”) feito por Francisco Falcon sobre o evento.

Ali se conta sobre manifestações da plateia em favor da volta de professores cassados,

denúncias contra demissões de vários professores de ensino superior do Rio de Janeiro,

atrito não especificado entre Aydil e um repórter do Jornal do Brasil, etc..158

Em documento de 1983, evidenciando mais uma vez a longevidade da

espionagem, a UFF recebe pedido confidencial sobre Francisco Carlos Teixeira da

Silva, que fora mestrando do programa, por parte da ASI da DEMEC-RJ em que se

pergunta sobre a “possibilidade de obter dados que permitam caracterizar o nominado

quanto aos seguintes aspectos: -probidade administrativa; - eficiência funcional ou

profissional e; - conduta civil”159

Sobre os profissionais que almejavam cargos de direção e coordenação nas

faculdades, os serviços de informação atuavam para garantir que fossem escolhidos

apenas aqueles com adequado perfil ideológico e político. Há fichas confidenciais de

Aydil de Carvalho Preis160, coordenadora do Mestrado em História durante toda a

década de 1970, de quando postulava o cargo de vice-reitora na década de 1980; e de

Marcos Waldemar de Freitas Reis161, no momento em que postulava o cargo de diretor

do Instituto de Ciências Humanas e Filosofia (ICHF) na década de 1980. Passaram pelo

crivo dos órgãos de informação Hildiberto Ramos Cavalcante Albuquerque Júnior (que

157
Seção de Arquivo Permanente da Universidade Federal Fluminense. Acervo ASI-UFF. Caixa 7.
158
Seção de Arquivo Permanente da Universidade Federal Fluminense. Acervo ASI-UFF. Caixa 5.
159
Seção de Arquivo Permanente da Universidade Federal Fluminense. Acervo ASI-UFF. Caixa 3.
160
Seção de Arquivo Permanente da Universidade Federal Fluminense. Acervo ASI-UFF. Caixa 13. Aydil
de Carvalho Preis foi formada pela Faculdade Fluminense de Filosofia (FFF) – que posteriormente seria
parte da UFF- e professora da graduação desde 1957.
161
Seção de Arquivo Permanente da Universidade Federal Fluminense. Acervo ASI-UFF. Caixa 13.
Marcos Waldemar foi formado pela FFF em 57, professor assistente de 58 a 80, e se tornou professor
adjunto em 81.
59

foi estudante da primeira turma de mestrandos em História e professor na graduação (e

na pós, depois)); assim como Marcos Waldemar e Francisco Falcon, quando concorriam

a diretor e vice-diretor do ICHF, possivelmente em 1974162; Marcos Waldemar e Célio

Pereira da Silva (mestrando da primeira geração e docente desde a década de 60 163)

foram analisados em função do cargo para Chefia e Sub-Chefia do Departamento de

História, não havendo registro de veto. Célio Pereira da Silva 164, Marcos Waldemar e

Hildiberto Ramos Cavalcante Albuquerque Júnior constam em lista sêxtupla de 1978

para o cargo de vice-diretor do ICHF. Nela, Hildiberto é identificado ideologicamente

como democrata (ou seja, não sendo um comunista ou esquerdista ou um “sem posição

definida”), um integrado à revolução de 64 (as outras opções na ficha eram “adesista”,

“contrário”, “contra-revolucionário” e “sem posição definida”) e alguém sem registro de

atividade subversiva. Marcos Waldemar, por sua vez, foi registrado como “democrata”,

sobre o qual não havia conclusão sobre posição em relação à “revolução” de 1964 ou

seu histórico de ações subversivas165. A ocupação desses cargos universitários nos é

relevante porque obviamente influenciavam em grande medida a produção científica no

interior da universidade. Sobre o significado político desses que tiveram o “capital

temporal” do campo, apesar de nos faltar base empírica para pensar o que se passou na

UFF, temos colocações de Motta de que muito embora houvesse certa margem para a

atuação, a permanência no cargo exigia o atendimento das diretrizes autoritárias:

“E quanto aos dirigentes das universidades públicas,


teriam alguns deles também resistido? A pergunta está longe de
ser ingênua, em vista das atuais implicações políticas. O
assunto é complexo, porque se tratava de pessoas que
ocupavam funções públicas por indicação do próprio regime.
Embora reitores e diretores fossem escolhidos a partir de listas

162
Seção de Arquivo Permanente da Universidade Federal Fluminense. Acervo ASI-UFF. Caixa 25.
163
Segundo nos informado por Ismênia. Entrevista ao autor.
164
Formado pela FFF em 64. Assistente desde 65 até 78 pelo menos.
165
Seção de Arquivo Permanente da Universidade Federal Fluminense. Acervo ASI-UFF. Caixa 20.
60

sêxtuplas, cabia ao governo escolher um nome para a função.


No exercício dos cargos, evidentemente, eles estavam sujeitos
ao cumprimento das leis e normas, sob o risco de punições e
afastamento da função. Formalmente, os gestores das
universidades públicas eram parte da máquina estatal – nesse
sentido seria absurdo imaginá-los resistentes. Se o governo
determinava que órgãos estudantis não podiam realizar eventos
políticos, os reitores precisavam obedecer, o mesmo ocorrendo
em outras situações, como a triagem ideológica dos professores.
Não obstante, entre o plano das determinações oficiais e o das
práticas concretas há todo um universo de possibilidades, e aí
se encontram episódios em que dirigentes universitários
resistiram a certas pressões ou usaram artifícios burocráticos
para proteger pessoas visadas.
[…]
Entretanto, deve-se ter cautela antes de classificar todos
esses episódios de atos de resistência. Como já foi mencionado,
por vezes tratava-se apenas do interesse em contar com
profissionais competentes, sem relação com suas ideias
políticas. Por outro lado, em certos momentos a motivação dos
dirigentes era preservar-se de problemas com a comunidade
universitária, que costumava protestar e submetê-los a pressão.
Deve-se ter em mente também que os dirigentes que evitaram
ações repressivas, em outras ocasiões, censuraram e puniram.
Teria sido impossível para um diretor de instituição estatal
assumir postura de resistência ou recusa total às demandas
repressivas, pois ele seria visto como opositor ao governo, e
rapidamente excluído ou pressionado a se afastar do
cargo...”166

Sem referência a datas, temos registro de vigilância sobre Geraldo Beauclair,

docente da graduação que foi da primeira turma do mestrado: uma das acusações contra

um estudante perseguido de Ciências Sociais seria sua proximidade com este

professor167. Também sem podermos precisar o momento, há lista de vários professores

de História que teriam apoiado o Manifesto de Paulistas, que não sabemos do que trata.

Mencionando apenas os que passaram pela pós, alguns depois do período que

estudamos, temos: José Honório Rodrigues, Francisco Falcon, Nilson Lage, José Nilo

Tavares, Berenice Brandão, Célio Pereira da Silva, Luiz César Bittencourt Silva, José
166
MOTTA, Rodrigo. As universidades...p. 308-9.
167
PEREIRA, Ludmila. Nenhuma ilha.., p. 278. Sem data.
61

Luiz Werneck da Silva, Luiz Carlos Soares, Maria Teresa Toubio (na grafia correta,

Toribio), Maria Yedda Linhares, Vânia Fróes, Victor Valla, Ana Maria Bastos, Sonia

Mendonça, Francis Morton, Gizlene Neder, Gérson Moura, Maria Bárbara Levy e

Carlos Augusto Addor168.

Sobre os professores do curso de Mestrado, nos arquivos do ASI temos de

Carlos Daniel Valcarcel Esparza e Victor Valla169 uma ficha. Do professor Stanley

Hilton, em documento confidencial de 29 de novembro de 1972, houve por parte do

DSI do MEC pedido de informações sobre sua atividade profissional e sobre que

conceito lhe teria a reitoria da UFF. Em função desse pedido, a ASI/UFF informa ao

reitor, anexando cópia do relatório de trabalho do Hilton, que ele atende ao que lhe foi

solicitado. Não sabemos o que teria motivado o pedido de informações 170. Em 1974, a

ARSI, em documento confidencial, pede informações detalhadas e linha político-

ideológica do professor Maximiano de Carvalho e Silva, que atuava nas disciplinas de

Estudos de Problemas Brasileiros (EPB). Houve também observação sobre professores

Leslie Bethell e Francisco de Solano cogitados para trabalhar com História da América

em 1976171, o que acabou não se efetivando. Encontramos também ficha sobre a

professora Ismênia Martins em que é categorizada como “agitadora”172. Sobre Aydil de

Carvalho Preis, coordenadora do mestrado, temos ficha confidencial com informações

genéricas sobre ela173. Preis – além de outros professores174 - é largamente reconhecida

como alguém que amortecia as investidas arbitrárias175. Mas é importante perceber que
168
Seção de Arquivo Permanente da Universidade Federal Fluminense. Acervo ASI-UFF. Caixa 26.
169
Seção de Arquivo Permanente da Universidade Federal Fluminense. Acervo ASI-UFF. Caixa 9.
170
Seção de Arquivo Permanente da Universidade Federal Fluminense. Acervo ASI-UFF. Caixa 8.
171
O documento pede informações sobre professores estrangeiros em 1975. Seção de Arquivo Permanente
da Universidade Federal Fluminense. Acervo ASI-UFF. Caixa10
172
Seção de Arquivo Permanente da Universidade Federal Fluminense. Acervo ASI-UFF. Caixa 21
173
Seção de Arquivo Permanente da Universidade Federal Fluminense. Acervo ASI-UFF. Caixa 21
174
Nesse sentido, há referências a Arthur Cézar Ferreiras Reis, um dos principais docentes do mestrado
na década de 1970, e Luiz César Bittencourt, professor da graduação. Ver FALCON, Francisco. História
e... p.27.
175
“Ela sempre se comportou de maneira muito coerente. Nunca denunciou ninguém. Sempre protegeu as
62

ela também colaborou com o controle político das atividades universitárias: participou

da apreensão de 96 cópias de apostila escrita por José Nilo Tavares intitulada

“Radicalização política na década de 30”, e de seu envio ao órgão de controle

ideológico176; informou a seus superiores a presença de escritos na universidade

contrários à ditadura177; e se opôs, em junho de 1984, à mobilização estudantil que

ocupava, de forma “totalmente inaceitável”, os jardins da reitoria, estabelecendo um

prazo de 48 horas para sua retirada178.

Outro elemento nos mostra a relação entre o desenvolvimento historiográfico no

mestrado, as lutas políticas e as mudanças na configuração estatal. Por volta do ano que

iria marcar o processo de anistia, 1979, no bojo de um arrefecimento ditatorial, são

incorporados ao programa diversos professores que ou haviam se retirado do país dadas

as condições políticas e acadêmicas ou outros cujas práticas políticas e profissionais os

haviam feito alvo anteriormente. Que a volta dos “exilados”, como às vezes são

referidos, imprime uma certa melhoria na pós-graduação é um consenso mesmo entre

aqueles que advogam diferentes interpretações sobre o que foi o curso nos seus

primeiros dez anos. O impacto da vinda desses professores aparece na memória de

agentes tendo como pando de fundo o debate, iniciado ainda na década de 70, sobre a

qualidade do curso e das dissertações nos primeiros anos. A coordenadora Aydil de

Carvalho Preis assim se pronuncia:

“Disseram que o curso de História só tinha começado a


se desenvolver a partir da presença dos exilados - isso você vai
encontrar em tudo quanto é coisa. Essa não é uma versão que
me agrade, não por mim, mas porque eu acho que não é
pessoas.” Entrevista de Ismênia Martins ao autor. 13 e 22/7/2017. Entrevista de Rachel Sohiet ao autor.
Entrevista se Sonia Mendonça ao autor. Ver também “Homenagem à Prof ª Aydil” - LABHOI UFF e
PPGH- UFF. Disponível em labhoi.uff.br. Acessado em janeiro de 2019.
176
PEREIRA, Ludmila. Nenhuma ilha.. p. 235.
177
PEREIRA, Ludmila. Nenhuma ilha.. p. 214.
178
Seção de Arquivo Permanente da Universidade Federal Fluminense. Acervo ASI-UFF. Caixa 21.
63

verdadeira. Nós começamos em 1971, em 1974 já tínhamos um


número razoável de dissertações. Todas elas feitas com fontes
primárias. E em todas as nossas bancas examinadoras, foram
escolhidos os especialistas brasileiros que tinham mais
prestígio, produzindo realmente História. Você pode ver pelas
bancas escolhidas que eram historiadores notórios. Não
tivemos nenhuma tese reprovada. Ao contrário, nós tivemos até
indicações de publicação. Então, dizer aquilo não é verdadeiro.
Agora, você pode dizer uma coisa que é verdadeira: o
curso tinha fragilidades? Tinha. [...]
E o que aconteceu depois disso? Chegam os professores
que vão assumir definitivamente. Há uma mudança? Há. Há
uma melhoria? Há. Isso é inegável. Agora, você só não pode
desqualificar o que houve antes. Você pode falar das
fragilidades da situação anterior mas você não pode dizer que a
qualidade fosse inferior.”179

Nas palavras de Falcon, desde o início – como veremos - um crítico da

organização do curso,

“a mudança [...] é 79. A mudança é a anistia, é a


ida do Ciro [Cardoso] para lá. O Ciro começou a cair de pau
nesse negócio [refere-se às perspectivas teórico-metodológicas
das dissertações], e aí realmente não houve mais campo para se
fazer esse tipo de dissertação. Depois, vieram Eulália [Lobo],
Bárbara [Levy], [Maria] Yedda [Linhares] e não havia mais
clima. O mundo até 1979 lá é um, depois é outro. Falava-se
muito mal de alguma dessas dissertações. Não me lembro mais
detalhe das bancas, era uma coisa muito complicada. É claro
que com o que eu estou te dizendo aqui, outros vão ficar
furiosos. Mas a ideia que a gente tinha era que realmente
aquilo tinha que mudar. E felizmente mudou com a entrada de
novos professores. Acabou o Zé Honório saindo, um outro lá de
Antropologia. Enfim, foi uma grande mudança que se deu 79 e
80.”
[…]
“Antes de 79, as reuniões do colegiado eram mais
burocráticas do que acadêmicas. Eram para despachar
processos, eram para organizar bancas, organizar processos de
seleção. Não tinha nenhuma discussão. Não se discutia, e uma
das razões que criaram a cisão após 79 é que justamente muitos
de nós preocupados com a baixa qualidade de algumas
dissertações (e sem querer defender A, B ou C), nós aprovamos
uma proposta [...] para evitar que dissertações ruins (estava
acontecendo isso, ruins mesmo) fossem para exame de banca
179
Entrevista de Aydil Preis ao autor, 7/11/2013
64

inclusive com professores de fora.”180

A adequada avaliação do que colocam esses entrevistados deveria ser sustentada

pelo exame empírico e volumoso das dissertações e do trabalho docente do curso no

pós-1979, tarefa de que não nos ocuparemos. De qualquer forma, muito embora não

possamos avançar na definição do que teria sido o impacto desses professores que

regressaram, nossa pesquisa não encontrou elementos que apontem um questionamento

ao estabelecimento de 1979 como um marco intelectual e político para o mestrado.

O que empreendemos nesta seção é apenas um estudo preliminar. Só uma

pesquisa mais extensa e cuidadosa poderia refletir melhor sobre os impactos das

estruturas de vigilância, controle e repressão sobre as atividades intelectuais 181. A

respeito do que se abateu sobre a UFF, é importante destacar que ela atua em um cenário

180
Entrevista ao autor.
181
Estes expedientes não são exclusivos de ditaduras, mas também fazem parte das chamadas
democracias. Na Inglaterra, por exemplo, Eric Hobsbawn, Rodney Hilton, Cristopher Hill e E. P.
Thompson tiveram correspondências e ligações telefônicas violadas, microfones instalados em seus locais
de reunião, além da espionagem atingir também familiares e amigos, havendo assim não apenas interesse
em atividades públicas, mas também em questões íntimas. A atuação do MI5 foi também determinante
para que Hobsbawn não conseguisse uma posição em Cambridge. Thompson também teve sua carreira
afetada desligando-se de Warwick em 1971 depois de denunciar espionagem sobre o professor David
Montgomery, descoberta por estudantes nos arquivos da universidade que estavam ocupando. Ver
FORTES, Alexandre, NEGRO, Antonio & FONTES, Paulo. “Peculiaridades de E.P. Thompson” IN:
THOMPSON, E. P. As peculiaridades dos ingleses e outros artigos. Campinas: Editora Unicamp, 2001. p.
29; NORTON-TAYLOR, Richard. “MI5 spied on leading British historians for decades, secret files
reveal” IN: The Guardian. 24 de outubro de 2014. https://www.theguardian.com/world/2014/oct/24/mi5-
spied-historians-eric-hobsbawm-christopher-hill-secret-files. Acessado em janeiro de 2019; COBAIN,
Ian. “Historian EP Thompson denounced Communist party chiefs, files show” IN: The Guardian. 26 de
setembro de 2016. https://www.theguardian.com/uk-news/2016/sep/28/historian-ep-thompson-
denounced-communist-party-chiefs-files-show. Acessado em janeiro de 2019. A manchete desta matéria
pode conduzir a erro. O fato a que ela se refere é que Thompson fazia críticas internas ao caráter ditatorial
da liderança do Partido Comunista Inglês.
Assim como a CIA observava o trabalho de intelectuais (entre eles historiadores) no Brasil, ela
também o fez em outros países. Em documento da agência produzido na segunda metade dos anos 1980 e
liberado recentemente, agentes fazem um balanço do cenário intelectual francês, que àquele momento
estava sendo julgado como relativamente positivo pois estaria havendo uma “deserção” de intelectuais de
esquerda em relação ao marxismo, ao socialismo e ao governo de François Miterrand.
https://www.cia.gov/library/readingroom/docs/CIA-RDP86S00588R000300380001-5.PDF Acessado em
junho de 2017. Nos EUA, os expurgos do macartismo dos anos 1950 chegaram próximos de eliminar o
marxismo e os marxistas da universidade, ao mesmo tempo que se acentuava sua ligação com o complexo
militar-industrial e as políticas de governo. HELLER, Henry. The capitalist university. The
transformations of higher education in the United States, 1945-2016. Londres: Pluto Press, 2016. p. ix
65

já devastado: a principal carga já se havia dado nos anos 60, quando foram agredidos e

derrotados estudantes de História e historiadores do Rio de Janeiro que ocupavam,

inclusive, posições de repercussão nacional. Quando as pós-graduações encontram seu

momento de expansão no final da década – o mestrado em História da UFF iniciaria em

1971 - elas já não contariam com uma parte da intelectualidade, expulsa ou acuada –

estudantes inclusive. E se desenvolveriam em uma estrutura universitária que estava nas

mãos de pessoas que atendiam aos ditames ditatoriais em níveis variados: de capatazes

entusiastas àqueles que, mesmo com pudores, tendo introjetado as normas excluíam

“naturalmente” do seu horizonte aquilo que poderia contrariar o status quo. No caso da

História no Rio de Janeiro, todo esse processo havia se iniciado na UB/UFRJ, uma das

antessalas do Mestrado da UFF e palco onde se desenrola sua pré-história. Apontando

no sentido de continuidade e ruptura entre o acontecido nos dois lados da Baía, nos

parece correta a comentário de Ferreira de que uma pós fluminense de História tenha se

concretizado em Niterói porque ali, diferente da UB/UFRJ, não havia um “passado”182.

É considerando esses elementos que se deve analisar a caracterização de que o mestrado

de História (ou, para alguns, a UFF de uma forma geral) esteve à parte de turbulências e

ingerências mais diretas: para Rachel Soihet (mestre em 1974), na graduação foram

“vivenciados excessos” mas na pós-graduação “não tivemos maiores problemas”183.

Nesse mesmo sentido, Sonia Mendonça coloca que nunca percebeu censura no período

em que cursou o mestrado (1974-1977) (apesar de sublinhar que havia diferenças entre

as experiências na graduação e na pós)184. Ismênia Martins confirma haver receios em

relação à censura na graduação, mas na pós “isso era mais distendido. Porque como as

182
FERREIRA, Marieta. A História... p. 436
183
Entrevista ao autor.
184
Entrevista ao autor.
66

turmas eram pequenas não tinha muita militância na pós-graduação.” 185 Para Ubiratan

Rocha (mestre em 1979), a repressão “afetava o contexto” mas “não era uma coisa

localizada”186. Entretanto, se, além de considerarmos o muitas vezes silencioso aparato

de controle da Fluminense, também diminuirmos o zoom para maior abrangência

temporal e geográfica, então se poderá de fato começar a contemplar, para além de

impressões de contemporâneos, o efeito das ações estatais negativas sobre o conjunto

dos profissionais de História e seus trabalhos. Se a graduação, mesmo mais reprimida,

pode viver progressos no seu conhecimento histórico (maior atenção a questões teóricas

e conceituais, abertura para maior senso crítico), a pós – e isso se verá quando

analisarmos as dissertações - teve que esperar mais tempo. Sendo pequeno

institucionalmente, menos relevante então para o desenvolvimento de carreiras, e com

uma produção que não encontrou repercussão social, o mestrado em História era menos

suscetível a pressões políticas e intelectuais vindas de baixo e manteve-se na década de

70 com uma estrutura centralizada de tomada de decisões resumida à coordenação. A

“paz” do curso foi cheia de circunstâncias.

1.3 Construção

“Eles podem correr mais ou menos,


melhor ou pior, ganhar ou perder prêmios,
mas nunca de motu próprio: o seu élan
é uma coisa, outra, a vontade que dirige e
determina o aproveitamento de suas forças.”
(Florestan Fernandes, “Os dilemas
da reforma universitária consentida”, 1968)

Tendo se encarregado de um grande projeto econômico-social

(desenvolvimentismo, concentração de renda e capital, controle político) e realizando

185
Entrevista ao autor.
186
Entrevista ao autor, 9 de julho de 2013.
67

um maciço investimento universitário, o que a ditadura empresarial-militar esperaria das

ciências sociais? Para Bourdieu,

“...enquanto a classe dominante concede às ciências da


natureza uma autonomia que se mede pelo seu grau de interesse
nas aplicações das técnicas científicas na economia, ela nada
tem a esperar das ciências sociais, a não ser, no melhor dos
casos, uma contribuição particularmente preciosa para a
legitimação da ordem estabelecida e um reforço do arsenal dos
instrumentos simbólicos de dominação.”187

Esse tipo de demanda implicaria um “desenvolvimento tardio e sempre

ameaçado das ciências sociais”188, evidenciando assim seu papel relativamente

secundário para os dominantes. Reservando a outro momento a observação do

investimento ideológico da ditadura sobre o conhecimento produzido em nossa área,

notemos por ora que, na reforma universitária, as ciências sociais, apesar de sua grande

expansão, cresceram por terem algo como pego uma carona. Para Ismênia Martins,

professora na época, “O governo não queria criar cursos de história. As ciências

humanas, sobretudo a história, souberam “com engenho e arte”, como diziam os

cronistas do século XVI, aproveitar-se da conjuntura e fazer levar adiante seu

projeto”189. Nas palavras de Motta, o desenvolvimento institucional das ciências sociais

aconteceu bafejado pelos ventos da expansão de verbas - e apesar da má vontade de

alguns setores do regime militar190. Sua expansão cumpria também uma função de

“...aplacar o descontentamento dos meios acadêmicos oferecendo-lhes um lado “bom”

do regime autoritário.”191 Se em 1961 no Brasil havia 6 cursos de pós-graduação, em

187
BOURDIEU, Pierre. O campo...
188
Idem.
189
Entrevista de Martins a Côrrea em CORRÊA, Maria Amelia Ayd. De que lugares fala essa história?
As matrizes teórico-metodológicas da produção discente do programa de Pós-Graduação Stricto Sensu
em História da UFF (1989-1996). Dissertação de Mestrado em História Social. Rio de Janeiro. UFRJ,
2001.
190
MOTTA, Rodrigo. As universidades..., p. 272
191
Idem. p. 282
68

1974 o número passou para 403192 e a porcentagem de cursos dedicados às ciências

sociais é, em 1978, 10,5%193 - o que não significa a mesma proporção de recursos já que

se trata de uma formação muito mais barata que a de outras áreas. Analisando dados da

CAPES no início da década de 1970, Barbosa considera Humanas e Sociais o “patinho

feio” da política de bolsas194. Não apenas as ciências sociais, mas também as ciências

“puras” foram preteridas porque sua produção não teria utilização econômica imediata.

Porém, apesar de o grosso dos financiamentos irem para as áreas estratégicas e centros

de pesquisa tecnológica, os recursos eram de tal ordem que houve disponibilidade aos

demais setores universitários195.

Mas há outros elementos a considerar na explicação sobre a criação de pós-

graduações de História. A reforma universitária de 1968, visando todo o espectro

universitário, havia postulado a indissociabilidade entre ensino e pesquisa. Ela anula lei

anterior que contemplava a existência de cargos de pesquisadores universitários em

paralelo ao de professores196, e os substitui pelas classes de Professor Titular, Professor

Adjunto e Professor Assistente, agora necessariamente pesquisadores. Dessa forma, ela

impõe a ideia de que

“...todo professor deve investigar e todo pesquisador deve


ensinar. E pouco importa que alguns sejam mais professores e
outros mais pesquisadores: o que não se deseja é colocar em
compartimentos estanques a docência e a pesquisa.”197.
192
Idem p. 257
193
Idem. p. 260
194
BARBOSA, Caio. Ciência em transe...p. 47
195
MOTTA, Rodrigo. As universidades....p. 263
196
Os cargos de pesquisadores eram Pesquisador-Chefe, Pesquisador-Associado e Pesquisador-Auxiliar.
Os cargos de professores eram Professor Catedrático, Professor Adjunto e Professor Assistente.
JUREMA, Aderbal. ”O pesquisador e o professor pesquisador no magistério superior” IN: Revista de
Informações Legislativas. Ano21, Número 81, Janeiro/Março de 1984.
http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/181502/000406297.pdf?sequence=3
197
Jurema, 1984. Discutindo o problema no calor do momento, Florestan Fernandes coloca que, muito
embora fosse ideal que os profissionais combinassem os papéis de professores e pesquisadores, o
requisito “...não deve ser transferido, sem mais nem menos, para o plano da organização e do
crescimento da universidade. Ele deve estruturar-se e desenvolver-se de tal modo que as funções do
ensino e as funções da pesquisa não interfiram entre si, debilitando-se e esclerosando-se. Por causa
69

Seguindo esse princípio, a legislação passou a demandar mestrado aos aspirantes

a uma carreira docente universitária (o mesmo não valia para os que já se encontrassem

nos cargos): a partir de 1968, haveria um prazo máximo de 6 anos para que se cobrasse

o título de mestre dos candidatos a Professor Assistente 198. E mesmo para os Professores

Auxiliares, que eram temporários contratados por dois anos renováveis, passou a haver

exigência: no prazo máximo de quatro anos (não sabemos se de serviço ou a partir da

data da lei, por conta da falta de clareza do texto), o Auxiliar de Ensino deveria obter

certificado de aprovação em curso de pós-graduação, sem o que seu contrato não

poderia ser mais renovado199.

Essa situação pesou para vários jovens professores da graduação da UFF que

atuavam ali desde a década de 1960 e necessitavam ou da continuação de seus contratos

como Auxiliares ou do ingresso na carreira docente estável como Assistentes. Pesava

também para a própria continuação do curso, em vista da permanência de sua força de

trabalho. Na ausência de uma pós de História no Grande Rio e na justificativa de

atender a esses problemas, Aydil de Carvalho Preis, docente de História e então diretora

do Instituto e Ciências Humanas e Filosofia (1970-1974), passou a se movimentar para

a implementação de um curso de mestrado200. Dessa forma, o objetivo, que seria

expresso também em no primeiro plano para pós-graduação de 1975, é o de “formar

professorado de alto nível que possa atender à expansão quantitativa do curso

mesmo da interdependência dessas duas ordens de funções, e das diferenças de seus significados e
importância práticos para a coletividade, deverá existir – tanto no corpo de ensino, quanto no da
pesquisa – especialistas de níveis intermediários exclusivamente voltados para um mister básico, de
ensino ou de pesquisa.” FERNANDES, Florestan. Universidade brasileira: reforma ou revolução? São
Paulo: Alfa e Ômega, 1975. p. 239
198
Decreto-Lei n. 465, de 11 de fevereiro de 1969. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-
Lei/Del0465.htm#art10art3
199
Lei número 5.539 de 27 de novembro de 1968 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1950-
1969/L5539.htm.
200
Entrevista de Aydil Preis a Côrrea, 2001, p. 172.
70

superior...”201

Formar docentes para atuação no ensino superior é intento diferente daquele

cultivado por docentes e estudantes da FNFi na década de 1960 que tinham ampla

mobilização intelectual e política para renovar a História e a estrutura universitária.

Seus olhares estavam para o livro didático e o ensino secundário. Veja-se por exemplo o

impactante “História Nova do Brasil” que, como mencionado, apesar de ser feito no

ISEB sob liderança de Sodré, tinha o “espírito da FNFi” dos seus demais autores, nas

palavras de Joel Rufino dos Santos202. Ou ainda o Boletim de História, “experiência de

vanguarda” e iniciativa estudantil da FNFi, em que se criticava o livro didático usado

nas escolas e propunha um ensino atento às questões do presente 203. Para Maria Yedda

Leite Linhares, catedrática engajada nesse movimento, foi justamente essa dedicação ao

ensino que teria levado a FNFi a ser “erradicada de forma tão brutal e definitiva”204. Se

pensar a educação básica era algo já traçado no perfil institucional da FNFi, também

encontrava sua razão de ser na alta politização vivida na faculdade – e no país – que via

maior significado político e repercussão intelectual na área da educação básica de

História205. Não se trata de argumentar que planejada e deliberadamente o governo

desviou a pós-graduação de um trabalho voltado ao ensino básico. Em realidade, trata-

201
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE. Regulamento do curso de pós-graduação em História
do Departamento de História. Sem data. Do arquivo pessoal de Aydil Preis.
202
SILVA, Luiz. A deformação... 1985; LOURENÇO, Eliane. História nova....
203
PEREIRA, Daniel. Boletim de História...
204
SILVA, José. A deformação... p. 91
205
Inclusive, diria Linhares em comparação com a USP que “A grande diferença entre os colegas
paulistas e nós do Rio residia na maneira de encarar o papel que cabia à Universidade no tocante à
História. Aqui, pensávamos que tínhamos algo a fazer quanto à formação do professor de História para
o Ensino Médio.” LINHARES, Maria Yedda Leite. “40 anos da ANPUH – Balanço de uma professora.”
IN: SILVA, Francisco Carlos Teixeira da; MATTOS, Hebe Maria; FRAGOSO, João (org.). Escritos sobre
história e educação – Homenagem à Maria Yedda Leite Linhares. Rio de Janeiro: Mauad; FAPERJ, 2001.
Com efeito, Maria Janotti, professora de História da USP, referindo-se à graduação paulista, menciona
que sua concepção é a de “...formador de professores especialistas e pesquisadores de alto nível.”
(intento que, entretanto, estaria sendo frustrado na década de 1970 por conta de uma queda de qualidade.)
JANOTTI, Maria. “Alguns problemas do curso de pós-graduação em História na Universidade de São
Paulo.” IN: Revista de História da USP, N. 110, Segundo semestre de 1977. p. 422.
71

se de levar em consideração que uma pós-graduação construída de forma não

centralizada e respeitosa das autonomias poderia encontrar em profissionais e estudantes

dos vários cursos ambições distintas de desenvolvimento. Ou, antes disso, caberia

perguntar se haveria mesmo um volume de investimento tão grande para uma pós-

graduação se esta não fosse necessidade colocada por instância externa às faculdades:

não seriam também os recursos aplicados no que chamamos hoje projetos de extensão

que tornassem profissionais e estudantes de História próximos a trabalhadores,

movimentos sociais, centros de alfabetização, tal como feito no ISEB 206? Também não é

o caso fazer exercícios de contrafactualidade, mas da necessidade de se apontar que

todo um processo de debate e propostas sobre História foi interrompido com o golpe de

1964207, com o governo passando a conduzir sua política educacional de forma

centralizada.

Assim, e estendendo a digressão, é fundamental não naturalizar a existência da

pós-graduação que temos hoje, criação na ditadura, menos ainda como uma evolução

lógica do fazer científico de História. O formato de pós isolada do ensino básico,

tornado dominante no país, não teria sido o único possível, e aqui podemos lembrar,

como exercício de alteridade, que para os historiadores da escola metódica da academia

francesa o saber escolar era central, sendo indissolúveis os processos de

profissionalização e “professoralização”, com questões pedagógicas (consoantes ao

poder de Estado) sendo a justificação última do trabalho do historiador 208, processo

206
Sobre essa característica do ISEB, ver LOURENÇO, Eliane. História nova.... p. 390-1
207
FALCON, Francisco. História e... . FERREIRA, Marieta. “O ensino da história, a formação de
professores e a Pós-Graduação” IN: Anos 90, Porto Alegre, v. 23, n. 44, p. 21-49, dez. 2016. p. 27.
208
“Na concepção dos historiadores metódicos, o ensino primário e secundário não é só um lugar de
difusão dos saberes amadurecidos da Sorbonne, mas uma preocupação constante e fundamental.
Abundam as menções a esse vínculo íntimo entre a universidade e o sistema escolar. Os dois apêndices
da Introduction aux études historiques são consagrados um ao ensino secundário (Seignobos) e o outro
ao ensino superior (Langlois). A maioria dos historiadores reconhecidos participa da Revue
Internationale de l'Eiseignement […]. Em 1907, conta Monod que ele mesmo escreveu 37 artigos
referentes ao ensino nas colunas de Revue Historique. Um sinal desse investimento é o comprometimento
72

diametralmente oposto ao verificado na História brasileira. Caracterizando a graduação

em História, Marieta Ferreira aponta que a partir da década de 70 a pesquisa – na

realidade, uma certa forma de pesquisa - passou a ter papel dominante em detrimento da

formação para a docência, o que remete à preponderância da pós-graduação na estrutura

universitária e o desprestígio das atividades de ensino básico na formação. Só muito

recentemente se desenvolveu em larga escala na pós-graduação algo voltado para a

docência no nível básico, o “Mestrado Profissional”209.

Há um outro sentido em que o direcionamento para a formação – ou melhor

dizendo, titulação – de professores universitários promoveu um isolamento da pós em

relação aos profissionais do ensino básico, e podemos observá-lo na USP. Sua clientela

de volume muito superior aos dos outros programas 210 era, na década de 1970, composta

principalmente de professores do ensino secundário211. Entretanto, como seus estudos

não engendravam progresso profissional e sem apoio material, era muito grande o

número de desistências. Os professores das universidades públicas, ao contrário, tinham


dos universitários com a redação de manuais escolares (tanto da escola primária quanto do ensino
secundário), até então a cargo dos professores dos grandes liceus de Paris. Aliás, são convergentes os
efeitos esperados das reformas e da codificação do trabalho do historiador: trata-se de produzir novos
professores. O processo de “profissionalização e professoralização” (Gérard, 1938:81) forma um
casamento indissolúvel. Debruçar-se sobre as questões pedagógicas não é, para esses historiadores,
sinal de fracasso. Muito pelo contrário, é a justificação última do trabalho do historiador, pois, segundo
Seignobos (1907b:273), essa disciplina tem “primordialmente um valor pedagógico”. Ela é
essencialmente útil enquanto método muito higiênico para a mente, que ela cura da credulidade”
(Langlois e Seignobos, 1992: 256) e porque permite compreender o presente. Traduzida em termos
escolares, ela “é um instrumento de educação política”. Aggiornamento científico e reivindicação de um
magistério cívico são inseparáveis e se exprimem, em particular, na produção e na difusão de uma
história nacional.” DELACROIX, Christian; DOSSE, François; GARCIA, Patrick. “O momento
metódico” IN: Correntes históricas na França. Séculos XIX e XX. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2012. p.
106
209
Um relato da emergência do Mestrado Profissional pode ser encontrado em FERREIRA, Marieta. “O
ensino da história....”. Ferreira é, de 2013 até a presente data (2018), coordenadora nacional do Mestrado
Profissional em Ensino de História. Sua narrativa para esse empreendimento recente tem características
contra as quais Francisco Falcon alertou quando problematizou a escrita da história das pós-graduações: é
“asséptica” e “triunfalística” (FALCON, Francisco. “A Pós-Graduação como objeto histórico” Revista
Maracanan, ano 1, n.1, UERJ, 1999/2000), onde não se localizam, por exemplo, aqueles elementos que
Bourdieu entende como fundamentais na história do campo.
210
Enquanto a USP tinha 597 matriculados, a PUC/SP tinha 105 e a UFF, 56. WESTPHALEN, Cecilia
“Situação da Pós-Graduação em História” IN: Revista de História da USP, N. 110, Segundo semestre de
1977.
211
JANOTTI, Maria. “Alguns problemas...”
73

maior sucesso na execução de tarefas e na conclusão dos trabalhos da pós-graduação

amparados por suas instituições de origem e pela CAPES, cuja modalidade principal de

bolsas em certo momento da década de 1970 foi as do Programa Institucional de

Capacitação dos Docentes (PICD)212. Janotti observa assim que a pós da USP absorvia

melhor os professores de graduação de outros estados que seus próprios recém-egressos

discentes213. Havia então uma estrutura de mestrado e doutorado que, majoritariamente

– apesar de não exclusivamente - referendava nas posições acadêmicas aqueles que já se

encontravam nelas e não buscava contato com aqueles que não almejassem a carreira

universitária. No caso da UFF, mais da metade dos formados que estudamos eram

professores universitários quando de seu ingresso214. Essa proporção é bem maior na

primeira turma composta principalmente por professores da casa 215 buscando se adequar

às novas exigências da carreira.

O projeto preliminar da pós de História da UFF previa que os inscritos fizessem

uma prova de seleção216, mas quando isto foi a debate no departamento de História 217,

decidiu-se que os professores da graduação teriam garantido seu ingresso no mestrado

independente de provas e número de vagas. Em texto de 2013 que citamos acima,

Falcon coloca que esta foi uma decisão “lógica”. Em outro momento, entretanto, foi

mais crítico:

212
BARBOSA, Caio. Ciência em transe... p. 76.
213
Para Janotti, a desigualdade de condições materiais para o curso teria como consequência que,
dificilmente, a pós graduação seria “obtida exclusivamente pelos mais habilitados intelectualmente”
JANOTTI, Maria. “Alguns problemas...” p. 425. Para a reversão desse quadro, propõe maior política de
bolsas e valorização por parte das secretarias estaduais dos titulados que atuam no ensino secundário.
214
Fichas cadastrais, na Secretaria da Pós-graduação em História da UFF. Dos 51 mestres que analisamos,
29 trabalhavam em instituições de ensino superior.
215
O perfil dos discentes será abordado melhor no próximo capítulo.
216
Universidade Federal Fluminense. Comissão de Pós-Graduação. Curso de Mestrado – Projeto
Preliminar. Sem data. Do arquivo pessoal de Aydil Preis.
217
Universidade Federal Fluminense. Ata da reunião do Departamento de História de 25 de agosto de
1971. Do arquivo pessoal de Aydil Preis.
74

“Alguns tinham pressa, queriam começar o quanto antes,


do jeito que desse. Discutiu-se, então, como seria o ingresso, e
este foi o primeiro momento no qual eu balancei quanto à
minha permanência ou não no curso. No texto da Comissão eu
tinha proposto prova de seleção, mas quando o assunto foi ao
departamento os maiores interessados no mestrado, que eram
os professores do próprio curso, aprovaram uma medida
isentando-os de fazer provas, ou seja, dando a eles mesmos o
direito de se matricular diretamente. A posição da Comissão foi
rejeitada e não pudemos fazer nada; nós éramos apenas uma
comissão departamental.”218

Os ingressantes tinham pouca ou nenhuma experiência com pesquisa, que não

era o foco dos que se graduavam então219. O curso de mestrado, que lhes apareceu

imposto de cima pelo governo, significava uma prática profissional quase inteiramente

nova. Várias referências apontam para uma inexperiência dos estudantes nos domínios

de pesquisa. Segundo Richard Graham, um dos primeiros docentes do curso:

“Creio que o primeiro curso que dei na UFF foi sobre


método de pesquisa histórica, em aulas semanais de três horas.
Os alunos eram todos formados, e--em muitos casos--
professores de história na graduação. Na primeira reunião falei
um pouco sobre fontes primárias e secundárias, notando que a
distinção é arbitrária; por exemplo, se o assunto é o trajeto
intelectual de um Sérgio Buarque, as suas obras são fontes
primárias, mas se o assunto é a organização urbana nos tempos
coloniais, a mesma obra é uma fonte secundária. Então pedi
aos alunos que indicassem algumas fontes primárias sobre o
século XIX no Brasil, enquanto eu iria anotá-los no quadro-
negro. Eles logo listaram as coleções de leis do império, e os
debates no congresso e no senado. Aí pararam. Ninguém podia
pensar em outra fonte primária. Finalmente, alguém pensou nos
jornais. (Note-se que essas seriam todas fontes impressas e
quase todas sobre a história política). Eu realmente fiquei
surpreso, e imediatamente mudei o que ia pedir que fizessem no
intervalo entre este dia e a reunião da semana vindoura. Dei
para eles uma lista de tipos de fontes primárias (umas cinco ou
sete) e pedi que cada um fosse procurar um exemplo de cada

218
Entrevista de Falcon a Côrrea, De que lugares... p. 166
219
Entrevista de Aydil Preis a Côrrea, p. 172. Entrevista de Richard Graham à Revista de História da
Biblioteca Nacional. http://www.revistadehistoria.com.br/secao/entrevista/richard-graham Acessado em
fevereiro de 2015.
75

tipo e viesse dizer o que que tinham descoberto.”220

No mesmo sentido vai a fala de Almir Chaiban El-Kareh, discente da primeira

geração e docente na graduação desde os anos 1960, que nos revela, além do caráter

impositivo da exigência federal, o desconhecimento bastante comum à época sobre

pesquisa:

“...a gente tinha que fazer os relatórios e nos relatórios


vinha assim: “metodologia”, e a gente não sabia o que era
metodologia. Eu tive que aprender. A gente recebia que a gente
tinha que fazer um relatório de nossas pesquisas – nós éramos
obrigados a fazer pesquisa sem saber fazer pesquisa. E vinha
uma obrigação: você tinha que dar suas horas todas no
departamento. E a gente dizia, “Como é que a gente vai fazer
pesquisa histórica dentro do departamento? A gente tem que
sair porque as fontes estão nos arquivos.” Nós batalhamos.
“Ah, então, vocês podem ficar tantas horas fora, mas tem que
trazer um recibo da instituição de que vocês estiveram lá”. A
coisa era assim. E vinham esses relatórios: “metodologia”,
“técnicas”, “objetivo”, “objeto”. O que era objetivo? O que
era objeto? A gente não sabia. Ninguém sabia nada disso. (…)
Enfim, isso eles nos pediam sem nós nunca termos recebido
isso. Era uma loucura você ficar diante de um papel que te
pedia coisas de que você não sabia o significado. (…)
Mas nós professores, antes do mestrado, nós não
tínhamos nenhuma formação teórica, nenhuma. Estou dizendo
que não tínhamos noção alguma do que fosse conceito. Nós
éramos totalmente diferentes do que vocês são. Quando vejo
meus alunos que saíam dos anos 70 formados, eles tinham uma
formação teórica muito melhor que eu.”221

Se o que explica mais fundamentalmente a existência do curso é a exigência

federal por titulação enformada pela ideia de indissociabilidade de ensino e pesquisa, há

outras circunstâncias que tornaram possível a criação em Niterói, como o apoio

institucional por parte da reitoria da UFF. Segundo Aydil de Carvalho Preis, um

220
Entrevista ao autor, 25/02/2014. Sobre sua primeira turma de mestrandos, ver também entrevista de
Richard Graham à Revista de História da Biblioteca Nacional.
http://www.revistadehistoria.com.br/secao/entrevista/richard-graham Acessado em fevereiro de 2015.
221
Entrevista de El-Kareh ao autor.
76

acontecimento determinante para este apoio foi uma capa da revista Veja que, em tom

de denúncia, dizia que a História do Brasil estava sendo escrita por historiadores

americanos e que fontes documentais importantes estavam sendo levadas para os EUA:

“Um fato muito importante ocorreu em 1971, quando saiu


publicada na Revista Veja uma matéria de capa intitulada “A
História do Brasil está sendo escrita nos Estados Unidos”
Falava-se das facilidades oferecidas aos pesquisadores
estrangeiros em nossos arquivos, inclusive com a compra de
valiosos acervos de documentos da nossa história e sua
transferência para o exterior. Tratava-se, portanto, da
desnacionalização de nossos arquivos e da historiografia
brasileira. Foi graças a essa publicação que consegui apoio
institucional e político para a criação do curso. Esta matéria
produziu o efeito de uma bomba no Conselho Universitário da
UFF. (…) O então reitor da UFF se tocou muito com aquela
revelação. Fui logo autorizada a tomar as primeiras
providências para a implementação do referido curso”222

Barbosa faz um destaque importante para se pensar esse momento quando

coloca que as instituições universitárias buscavam criação de cursos de pós-graduação

por uma questão de prestígio223, e também porque “Oferecer cursos de pós-graduação

passou a ser uma condição importante à obtenção de maiores recursos financeiros.” e

os “...órgãos de financiamento passaram a ver os departamentos das universidades

com programas de pós-graduação como aqueles mais capacitados a

receber[recursos].”224

Segundo o relato, o apoio institucional da reitoria para a criação do curso veio

em fins de 1971. Porém, desde setembro de 1970, a diretoria do ICHF se movimentava

para a implementação de uma pós-graduação 225. Em dezembro de 1970, decidiu-se que


222
Entrevista de Aydil a Côrrea, p. 173.
223
BARBOSA, Caio. Ciência em transe...p. 92
224
Idem, p. 97. Existe também a argumentação de que a expansão da pós graduação obedeceu à ideia de
abrigar graduados que não eram absorvidos pelo mercado de trabalho (p. 99). Com efeito, como mostra
Barbosa, a CAPES na década de 1970 entendia que em grande medida seu trabalho deveria ter sentido
“social”, e não “puramente” científico.
225
Um relato sobre a criação do curso, com ênfase nos trâmites burocráticos, pode ser encontrado em
CÔRREA, Maria. De que lugares... p. 26-31.
77

o ICHF deveria priorizar a criação de um curso de mestrado em História, já que outras

áreas de ciências humanas possuíam, no Rio de Janeiro, cursos de pós-graduação em

funcionamento ou em processo de instalação (Antropologia no Museu Nacional e

Ciência Política no IUPERJ)226. Destacou-se uma comissão com o objetivo de planejar e

orientar a implantação do curso e o projeto desenvolvido foi aprovado pela Comissão de

Pesquisa e Pós-graduação (COMPEG) em 21 de setembro de 1971227. Em novembro, as

atividades do curso se iniciaram com a docência de Nícia Vilela Luz, que veio da USP.

Entre 1971 e 1974, além da UFF, seriam feitos mestrados em História na USP,

PUC-SP, UFPR, UFGO, PUC-RS, FFCLSCJ/Bauru (logo desativado) e UFPE. Até

1979, apareceriam cursos de mestrado também na UFSC, UnB, UNICAMP e UFRJ 228.

Esses cursos fazem parte da reforma universitária aplicada a partir de 1968 e não devem

ser confundidos com os que existiam antes: “O chamado “antigo regime” da Pós

Graduação não estava enquadrado em formalidades administrativas (matrículas,

disciplinas, créditos, prazos), pautando-se pela orientação individual e direta da

pesquisa, sob responsabilidade direta dos catedráticos”. No “antigo regime”, a única

instituição universitária que promovia pesquisa em volume considerável era a USP, com

83 teses defendidas entre 1951 e 1973229.

Eram evidentes naquele momento as várias carências materiais para a

constituição de um programa voltado para o desenvolvimento da pesquisa. Situação,


226
Universidade Federal Fluminense. Comissão de Pós-Graduação. Curso de Mestrado – Projeto
Preliminar. Sem data. Do arquivo pessoal de Aydil Preis. Universidade Federal Fluminense. Ofício 15/71
de 15 de janeiro de 1971, do Arquivo pessoal da Professora Aydil Preis.
227
UFF. Memória.... p. 11-2. Esse texto foi escrito por Falcon, que em princípios da década de 1970 era
professor na UFF e um dos organizadores do curso do mestrado. À época da publicação deste documento,
era coordenador da pós-graduação.
228
FICO, Carlos & POLITO, Ronald. A História no Brasil (1980-1989). Elementos para uma avaliação
historiográfica. Ouro Preto, Editora UFOP, 1992. p.33
229
Mesmo defendidas após o momento de criação da pós-graduação “moderna” em 1971, algumas teses
são de pesquisas iniciadas ainda sob os marcos do regime antigo. CAPELATO, Maria Helena Rolim;
GLEZER, Raquel; FERLINI, Vera Lucia Amaral. “A escola uspiana de História.” IN: Produção histórica
no Brasil 1985-1994. Catálogo de dissertações e teses dos programas de cursos de pós-graduação em
História. São Paulo: Xamã, 1995. p. 19.
78

aliás, comum ao cenário nacional de criação de pós-graduação como um todo230: no

final da década que assistiu à expansão das pós-graduações, o diretor da CAPES

entenderia que vários programas eram “sucata”, criticando a lei de exigência de

titulação que motivou suas criações231. Além de bibliotecas e outras instalações básicas,

sentia-se também falta de profissionais titulados para se tornarem docentes no mestrado,

mesmo considerando aqueles formados em pós-graduações anteriores à reforma

universitária de 1968. O requisito para se lecionar no mestrado em História da UFF era

o doutorado232 ou “a livre docência com teses defendidas nos moldes da legislação

vigente ou com notório saber, como era o caso dos antigos catedráticos” 233. A maior

parte dos doutores brasileiros que poderiam se tornar docentes na pós-graduação foram

formados pela USP, mas era difícil atraí-los para Niterói, tanto pela dificuldade de

constante translado quanto por questões salariais 234: discutindo o problema ainda

persistente em 1976, José Honório Rodrigues sublinha que o salário pago pela USP,

então a única universidade do Brasil que tinha tradição em formar pesquisadores, era

muito maior que o oferecido pelas federais - segundo estimativa, três ou quatro vezes

mais.235 Note-se a dificuldade em encontrar professores com a titulação mínima também

pelo fato de que, apesar de a USP ter formado 83 doutores no “antigo regime”, o seu

curso de doutorado em História pós reforma universitária iniciado em 1971 formou

230
FERNANDES, Florestan. Universidade brasileira...p. 227.
231
BARBOSA, Caio. Ciência em transe.... p. 92. No pós-79, o grande debate na CAPES era sobre
massificação da pós-graduação, que teria acontecido em detrimento da qualidade. Nesse momento, a
política da agência será mais restritiva (p.90-6).
232
Entrevista de Aydil Preis ao autor, 7/11/2013. Universidade Federal Fluminense. Regulamento do
curso de pós-graduação em História do Departamento de História. Sem data. Do arquivo pessoal de
Aydil Preis.
233
Entrevista de Ismênia Martins a CÔRREA, Maria. De que lugares... p. 177. Enquando na UFF o
requisito era o doutorado, temos registros de alguns mestres atuando em pós-graduações em História
brasileiras (8 em um total de 95, em 1976) ver WESTPHALEN, Cecília. “Situação da pós...”p. 416.
234
Entrevista de Preis a CÔRREA, Maria. De que lugares... p. 174. Entrevista de Falcon a CÔRREA,
Maria. De que lugares... p. 165
235
RODRIGUES, José Honório. “Os estudos brasileiros e os brazilianists” IN: (Separata da) Revista de
História, n 107. São Paulo, 1976. p. 192..
79

apenas 6 profissionais até 1976236. Apesar da distância geográfica, na Federal de Goiás o

mestrado em História, cuja criação em 1972 foi justificada com a necessidade de

titulação dos professores universitários no estado237, realizou um convênio com a USP

que enviava seus professores até o Centro-Oeste. Curiosamente, no início, os custos de

passagens, hospedagem e remuneração dos visitantes foi custeado pelos próprios

professores goianos, sendo apenas posteriormente assumidos pela UFG 238. As

dificuldades materiais levaram à cogitação de fechar o curso239.

Em Niterói, os planejamentos para a organização do curso já levavam em conta

o baixo número de profissionais disponíveis e indeterminações quanto aos contratados.

Em documento de janeiro de 1971, planejava-se o início das atividades para o segundo

semestre do mesmo ano com professores convidados (um para ministrar curso, outros

quatro para seminários mensais) e contava-se com uma estabilização apenas no segundo

semestre de 1972, quando se estaria “a esta altura com 3 ou quatro professores [do

departamento da UFF] com o título de Mestre e um ou dois com o título do Doutor” 240

236
WESTPHALEN, Cecília. “Situação da pós...”
237
Há outras justificativas. Uma das criadoras do curso, Lena Freitas, coloca que tinha como intenção
fazer com que jovens não se envolvessem com política: “E também porque eu sentia como alguém que
tinha sido convocada para um determinado papel. E esse papel era o seguinte: fazer com que aqueles
moços que estavam ali dentro tivessem um ensino de boa qualidade, estivessem motivados para o
trabalho intelectual e o menos possível eles se envolvessem na política, porque eu entendi que aquele
momento desafiar a política resultava perdas para o sujeito mais fraco. Então, nós temos um certo
sentido histórico, o meu fio histórico me dizia que naquele momento histórico era o de “baixar a bola” e
esperar a hora de reivindicar mudanças.” Como lembra Borges, autora de estudo sobre cursos de
História em Goiás, desviar jovens da política para outras atividades foi também intenção do governo
ditatorial, cujo principal empreendimento nesse sentido foi o “Projeto Rondon”. BORGES, Simone. Os
cursos de História da Universidade Católica de Goiás e da Universidade Federal de Goiás: um olhar
histórico Dissertação. Faculdade de Educação. Universidade Federal de Goiás, 2006. p 206. Sobre o
Projeto Rondon, ver MOTTA, Rodrigo. As universidades...
238
BORGES, Simone. Os cursos de História...p. 207.
239
Idem. p. 211. O que, para uma das criadoras do mestrado goiano, teria outras intencionalidades que
demonstram as tensões políticas na universidade: “Na verdade, falta de recursos e alegadas
preocupações didático–pedagógicas camuflavam a intenção de determinados setores da Universidade,
no sentido de apagar realizações que pudessem ser atribuídas a indivíduos ou grupos que não
privilegiavam a política partidária no meio acadêmico.” SALLES, Gilka V. F. de ; FREITAS, Lena C. B.
de. “O Mestrado em História das Sociedades Agrárias: uma abordagem histórica (1972–1995)”. IN:
História Revista – Revista do Departamento de História da UFG, Goiânia, vol. 1, 1-18. 1996.p. 9–10.
240
Universidade Federal Fluminense. Ofício 15/71 de 15 de janeiro de 1971, do Arquivo pessoal da
Professora Aydil Preis.
80

Planejamento mais modesto foi posto pelo Projeto Preliminar escrito pela Comissão de

Pós Graduação: o curso começaria com um professor contratado no segundo semestre

de 1971; passaria a um contratado e um do ICHF no primeiro semestre de 1972; a dois

contratados e um do ICHF, ou o inverso, no período seguinte; e se estabeleceria apenas

em 1973, quando se faria o processo pedindo o credenciamento, com número não

especificado de professores próprios e contratados. Essa condição de carência (e, justo

acrescentar, improviso) já era inclusive considerada pela Comissão de Pesquisa e Pós-

Graduação (COMPEG) que no item 10 de sua Estratégia Executiva de Pesquisa e Pós-

Graduação dizia:

“A fim de atender às necessidades mais prementes


considerando, inclusive, o problema de futura recontratação de
professores já com pós-graduação, a COMPEG poderá apoiar,
em caráter temporário ou transitório, a realização de atividades
de pós-graduação que atendam apenas a um ou outro crédito,
quando o setor respectivo não puder ainda realizar um trabalho
mais amplo e sistemático para os efeitos de credenciamento”.241

Com efeito, o quadro docente dos primeiros anos acabou sendo marcado por

uma alta rotatividade dos profissionais:

241
Citado por Aydil Preis em entrevista a CÔRREA, Maria. De que lugares... p. 173-4
81

Quadro 1: Docentes que ofertaram disciplinas no curso


de mestrado em História da UFF até 1979242.
1971 1972 1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979
Nicia Luz x x
Stanley Hilton x x x
Richard Graham x x x
Pedro Ribeiro x x x x x
Pedro Demo x x x
Bailey Diffie x
Michael Morris x
Richard Morse x
Lysia Bernardes x x
Ismenia Martins x x x x x x
Arthur Reis x x x x x
Carlos Esparza x x
José Rodrigues x x x x x
Luiz Faria x x
Victor Valla x x x x x
Francis Morton x x x
Ronny Seckinger x x x
Roy Glasgow x x x
Salma Muchail x x x
Adeline Daumard x
Ruy Bergsthom x x x
Francisco Falcon x x x
Nilo Bernardes x x x
Ariosto Fernandes x
Carlos Neto x
Cayo Garcia x
Deoclecio x
Machado
Peter Flynn x
Rudolph Bauss x
Margarida Neves x x
José Calasans x
Regis Duprat x
Robert Slenes x
Steven Topik x
Ciro Cardoso x
242
Nossas fontes são UFF. Memória.... e a lista de disciplinas armazenada no sistema eletrônico da
secretaria do programa. Estão excluídos dessa tabela Rita Drummond, que deu um curso sobre redação, e
também os professores responsáveis por Estudos de Problemas Brasileiros, já que não há uma lista
completa dos que ministraram essa disciplina. No registro eletrônico, consta que uma professora chamada
Adalgisa Campos ofertou uma disciplina chamada História da América Independente na qual estava
inscrito apenas um aluno. No histórico impresso desse mesmo aluno, entretanto, aparece que outro
professor, Carlos Esparza, a ministrou. Como o nome de Adalgisa não consta em nenhuma outra parte
(por exemplo, na lista de UFF. Memória...), resolvemos excluí-la.
82

Em 1971, feitos convites a professores de São Paulo, conseguiu-se apenas a

adesão da professora Nicea Villela Luz243, que já era aposentada pela USP. Em

novembro, Luz ministra uma disciplina que concluirá em fevereiro de 1972. Essa

disciplina inicia-se apenas algumas semanas após a aprovação do projeto de curso pela

COMPEG, e ela provavelmente já havia sido iniciada quando a reitoria da UFF passa a

apoiar a criação do mestrado em História por estar, segundo Preis, sensibilizada com a

capa da Revista Veja, que é de 24 de novembro. A coordenação do curso ficou a cargo

da diretora do ICHF, a mesma Aydil Preis, que estaria à frente do mestrado em História

até 1983.

No primeiro semestre de 1972, juntou-se ao curso um segundo docente, Pedro

Freire Ribeiro, especialista em História da América e catedrático da Universidade do

Estado da Guanabara244 e doutor245 pelo antigo regime da pós-graduação titulado pela

UB246. No segundo semestre desembarcam dois norte-americanos, Richard Graham e

Stanley Hilton. A chegada e atuação desses professores estão envoltas em algumas

polêmicas que também foram expressas em registros posteriores sobre o curso e são

fortes na memória de alguns atores. A primeira delas é sobre o recurso feito a

profissionais estrangeiros para preencher as vagas, uma questão que perpassa Graham e

Hilton e se estende a toda a década de 1970 haja vista o grande número de profissionais

de fora do país que atuaram em Niterói. Eles serão uma das principais marcas – ou a

principal – pela qual o curso será conhecido. Abra-se um parêntese para sublinhar que a

maior parte das referências sobre o tema, ao se referir ao conjunto de estrangeiros, usa o

243
Entrevista de Preis a CÔRREA, Maria. De que lugares... p. 173-4
244
Ver Resolução número 130/62 da Universidade do Estado da Guanabara que classifica o pessoal da
instituição. http://www.boluerj.uerj.br/pdf/re_01301962_31051962.pdf
245
Entrevista de Aydil Preis ao autor.
246
UFF. Memória... p. 17.
83

termo “brasilianistas”, sem perceber que nem todos os professores estrangeiros que

vieram a Niterói eram especialistas em História do Brasil, ou que ministraram aulas

sobre outros países da América Latina: esse é o caso de Richard Morse, Michael Morris,

Francis Morton, Roy Glasgow e Carlos Esparza. Ignora-se também que cerca de 1/3 não

era norte-americano. De qualquer forma, a série de reflexões e incômodos dessa

presença estava associada à muito mal vista atuação geral dos historiadores

estadunidenses sobre assuntos brasileiros desde a década de 1960.

São impressionantes os dados que mostram o tamanho da empreitada norte-

americana para a escrita da História do Brasil nas décadas de 1960 e 1970. Isso incluía

melhor acesso aos arquivos brasileiros, translado para os EUA de bibliotecas e fontes,

número de profissionais dedicados, publicações, etc.. Segundo Rodrigues, seriam 600 os

“brazilianists” formados de 1960 a 1970.247 Como se sabe, o apoio material do governo

dos EUA e de outras organizações deveu-se a interesses imperialistas, que sentiram

maior necessidade de conhecimento sobre os países da América Latina após a

Revolução Cubana. Segundo Massi, veículos midiáticos brasileiros de vários tipos

tinham uma leitura muito negativa sobre os brasilianistas, abordando sua presença na

historiografia brasileira como um escândalo e denunciando seus significados políticos.

Mesmo em grandes jornais, “brasilianista” teria se tornado um rótulo pejorativo. Essa

visão só teria arrefecido na década de 1980. 248 Cabe salientar que a crítica à presença de

brasilianistas não partia apenas da esquerda que os associava ao imperialismo: José

Honório Rodrigues, em texto já citado, lamenta o tamanho da produção historiográfica

estrangeira e sua presença em universidades brasileiras motivado por pureza

nacionalista: em 1976, momento inclusive em que era professor do mestrado da UFF,

247
RODRIGUES, José Honório. “Os estudos brasileiros
248
MASSI, Fernanda Peixoto. “Brasilianismos, “brazilianists”, e discursos brasileiros” IN: Revista
Estudos Históricos. v.3, n. 5, 1990.
84

sugeria limitar o número de brasilianistas em cada departamento, já que um sério perigo

“multinacionalizador” estaria ameaçando a mocidade249.

Segundo a coordenadora Aydil de Carvalho Preis, Graham e Hilton, assim como

os outros que vieram ao longo da década de 1970, não foram uma escolha da

coordenação do curso, mas sim uma oferta da CAPES, que lhes pagava o salário. Se por

um lado Preis nos informa de que esteve à parte na seleção dos profissionais, por outro,

ciosa de afirmar a autonomia do curso em relação ao oferecimento da CAPES, coloca

também que nenhum nome lhe foi imposto, e que o currículo dos professores era

analisado pela coordenação do curso antes de efetivada a contratação. Segue agora um

trecho da entrevista que a Professora Aydil Preis concedeu a Côrrea:

E: Como a senhora avalia a opção pela


contratação de tantos brasilianistas? Por que vocês solicitaram
a participação deles?

AP: Não, nós não solicitamos. A CAPES, em


decorrência da rápida expansão de cursos de pós-graduação
em nível de mestrado e doutorado no início da década de 70,
começou a desenvolver um programa para fortalecer estes
cursos, porque havia interesse em formar uma massa crítica de
pesquisadores. Foi a CAPES que nos propôs esta alternativa de
financiar a vinda de professores estrangeiros. Não fomos nós
que solicitamos, foi a CAPES que ofereceu. Nós aceitamos a
vinda deles, mas não aceitamos nenhuma imposição.
Queríamos o currículo do professor e um resumo de uma tese
dele para serem examinados e ele era aprovado ou não pela
Comissão de Pós-Graduação. Todos os brasilianistas foram
avaliados para serem aceitos no programa e era indispensável
que tivesse produção recente.250

Em entrevista concedida para este trabalho, Preis repete os termos de suas

resposta sobre a relação entre a CAPES e a coordenação, e acrescenta:

“A Capes aceitava nossa avaliação. A indicação era deles


mas a avaliação era nossa. Eu não escolhia um professor aqui e
249
RODRIGUES, José Honório. “Os estudos brasileiros ….”p. 195
250
Entevista de Aydil Carvalho a CÔRREA, Maria. De que lugares....p. 175-6.
85

pedia a Capes para financiar, isso não ocorreu: vinha deles a


indicação e a avaliação era feita por nós livremente. Quem
disser que isso não é verdade, aí eu discuto.”251

Faltam-nos documentos que nos permitam conhecer com mais propriedade a

dinâmica de contratação dos professores, e o papel desempenhado pela CAPES. Mas,

com certeza, havia margem para escolha de docentes por parte da coordenadora, e não

unicamente de uma instância externa. Em cartas trocadas entre Aydil Carvalho e

Richard Graham, vemos a coordenadora pedindo que seja encaminhado um convite a

um professor em quem há interesse para vinda imediata 252. Em outra oportunidade, a

coordenadora explica que tem contato com o diretor da CAPES para a (segunda) vinda

de Graham253. De acordo com Ismênia Martins, Francis Morton, que atuou em tal

momento, se juntou ao curso não por conta da ação de algum convênio internacional,

mas por estar disponível no Brasil, onde atuava como diretor de uma empresa

multinacional254. Quando perguntamos ao sociólogo Pedro Demo como lhe surgiu a

oportunidade de trabalhar no curso, ele cita seu “bom relacionamento com a Aydil”255

Ou seja, não se confirma a imagem de uma agência externa ditando os nomes dos

profissionais (estrangeiros - ou brasileiros) a serem contratados e de uma coordenação

limitada a acatá-los ou não.

Por outro lado, também fica evidente o poder de definição da CAPES na escolha

dos nomes, o que aponta para o caráter heterônomo do processo de contratação. O ponto

tem especial relevo quando lembramos que a grande presença de professores norte-

251
Entrevista de Aydil Carvalho ao autor.
252
Carta de Aydil de Carvalho Preis a Richard Graham de 22 de agosto de 1974. Do arquivo pessoal de
Richard Graham.
253
Carta de Aydil de Carvalho Preis a Richard Graham de 1 de novembro de 1976. Do arquivo pessoal de
Richard Graham.
254
Entrevista de Ismênia Martins ao autor.
255
“Porque era professor no departamento de sociologia e tinha bom relacionamento com a Aydil, além
de ter doutorado (era condição rara ainda)” Entrevista de Pedro Demo ao autor. 5 de março de 2014.
86

americanos nas diversas áreas das universidades brasileiras tem ligação direta com a

grande cooperação existente entre a ditadura e os EUA para a construção da política

universitária nacional, articulada dentro do projeto político-ideológico de ambos os

países256. Motta observou em uma série de documentos as intenções estratégicas dos

EUA junto ao Brasil, que não mudaram significativamente durante o período da

ditadura e tinham a ver com ações militares, cooperação em política internacional,

proteção e expansão de investimentos privados e da posição comercial norte-americana

no país. Especificamente sobre educação, pretendia-se encorajar a formação de

educadores e estudantes orientados para os “objetivos norte-americanos”257 No campo

das ciências sociais, o governo norte-americano acompanhava a tendência ideológica

nas academias brasileiras e tinha interesse em influenciá-la. Sua principal iniciativa de

combate às ideias de esquerda no meio intelectual brasileiro foi “...financiar centenas

de bolsistas em seu país, na esperança de que adotassem seus valores e abandonassem

as ideias radicais.”, algo também feito através de entidades privadas, principalmente a

Fundação Ford que atuava em atenção à política de Estado258. A vinda de professores

norte-americanos não deixava de contemplar os amplos objetivos dos governos

brasileiro e estadunidense entrosados.

Entretanto, seria um grosseiro equívoco, como já alertou Motta 259, partir desses

dados para tachar politicamente os docentes trazidos de fora, em especial dos EUA.

Ademais, é fundamental perceber que a vinda desses professores também está ligada à

carência de pesquisadores experientes e com titulação no Brasil, algo que é inclusive

reconhecido por Falcon, forte crítico dos brasilianistas (por uma questão mais

256
Ver o capítulo “A Usaid e a influência norte-americana” em MOTTA, Rodrigo. As universidades...
257
Idem, p. 113-4.
258
Idem, p. 274-5.
259
Idem, p. 275.
87

intelectual do que propriamente política)260. Temos assim que a vinda dos estrangeiros

não obedece a uma única circunstância. E, se era uma a intenção que governava os

esforços institucionais centrais, seus efeitos só podem ser deduzidos a partir do exame

empírico do perfil e atuação desses docentes.

Nesse sentido, cabe primeiramente verificar o volume da presença desses

estrangeiros. Temos que eles são 17 dos 35 que atuaram no curso até 1979, ou seja,

cerca de metade:

Quadro 2: Professores estrangeiros atuantes no curso de mestrado até 1979261


Nome Ano inicial Origem Universidade de
titulação
Stanley Hilton 1972 EUA U. do Texas
Richard Graham 1972 EUA U. do Texas
Bailey Diffie 1974 EUA U. de Madrid
Michael Morris 1974 EUA U. John Hopkins
Richard Morse 1974 EUA U. de Columbia
Carlos Esparza 1975 Peru U. de Madri
Victor Valla 1975 EUA U. de São Paulo
Francis Morton 1976 Canadá U. de Oxford
Ronny Seckinger 1976 EUA U. da Flórida
Roy Glasgow 1976 EUA U. Americana
Adeline Daumard 1977 França U. de Paris
Ariosto Fernandes 1978 Uruguai U. do Uruguai
Cayo Garcia 1978 Argentina U. de Córdoba
Peter Flynn 1978 Inglaterra U. de Oxford
Rudolph Bauss 1978 EUA U. de Nova Orleãs
Robert Slenes 1979 EUA U. da Califórnia
Steven Topik 1979 EUA U. do Texas

Mas a melhor forma de avaliar numericamente suas atuações, uma vez que

260
FALCON, Francisco. História e memória....
261
UFF. Memória.... p. 16-18; e CÔRREA, Maria. De que lugares.... p. 127-133
88

permanecem por períodos muito distintos, é contabilizar suas orientações e

disciplinas262.

Tabela 1 Quantitativo de disciplinas


ofertadas por docentes no período 1971-
1979.263
1° Pedro Demo 10
José Honório Rodrigues
Victor Vincent Valla
2° Pedro Freire Ribeiro 9
Ismênia de Lima Martins
3° Francis Morton 8
4° Arthur Cézar Ferreira 7
Reis
5° Francisco Falcon 6
Nilo Bernardes
6° Stanley Hilton 5
Salma Muchail
7° Richard Graham 4
Luiz de Castro Faria
Roy Arthur Glasgow
Ronny Leroy Seckinger
Ruy de Carvalho
Bergsthom
8° Carlos de Araújo 3
Steven Topik
Ciro Cardoso
9° Nicia Villela Luz 2
Lysia Maria
Carlos Daniel
Cayo Garcia
Margarida de Souza
Neves
Regis Duprat
Robert Slenes
José Calasans Brandão
da Silva
10° Outros 1

262
Para a contagem, nossa fonte foi UFF. Memória...
263
Fonte: UFF. Memória....
89

Tabela 2 Quantitativo de orientações


por orientador no período 1971-1979264
1° Arthur Cézar Ferreira 16
Reis
2° Pedro Freire Ribeiro 11
3° Ismênia de Lima 7
Martins
4° Victor Vincent Valla 5
Richard Graham
5° Stanley Hilton 3
Francis Morton
6° José Honório 2
Rodrigues
Ronny Leroy
Seckinger
7° Francisco Falcon 1
Roy Arthur Glasgow
Total 56

Os professores estrangeiros orientaram 34% (19) das 56 dissertações defendidas

até 1979, ano que, segundo vimos, marca uma mudança importante no curso. Chegamos

a um resultado semelhante quando contabilizamos as disciplinas oferecidas por esses

docentes. De um total de 138 ministradas até 1979, 36% (50) estiveram sob sua

responsabilidade. Esses números ratificam a noção de uma presença significativa de

professores “de fora”. Ao mesmo tempo, eles servem para relativizar a leitura de

Francisco Falcon que, a nosso ver, superdimensiona a importância dos estrangeiros ao

longo da década de 1970. Escrevendo em 1985265, Falcon periodiza o curso nos anos

1970 nomeando o período 1972-1976 como “Os “brazilianistas””, principalmente por

conta da influência de Richard Graham e de Stanley Hilton nos primórdios do curso; o

seguinte, 1976-1978/9, como “A estabilização”, quando o quadro de professores se

264
Fonte: UFF. Memória....
265
O texto de UFF. Memória.... é de sua autoria.
90

mantém estável e é contínua a tendência à contratação de estrangeiros; e, por fim,

1978/9-1983 como “A época das transformações” quando diminui a porcentagem de

estrangeiros e se alteram as áreas de concentração (ou, como diz em outro momento,

“...este foi o período em que acabou o domínio dos brasilianistas”266). Seu texto sugere

os “brasilianistas” (estrangeiros) como elemento central para definição do curso, visão

que é comprometida pelos dados expostos. Não apenas quantitativa, mas também

qualitativamente a visão de Falcon conferirá protagonismo a essas personagens – o que

também é questionável, como veremos abaixo.

Uma segunda polêmica envolvendo os brasilianistas (e esta restringe-se a

Graham e Hilton) diz respeito à definição das áreas de concentração (a.cs.) do curso e

foi levantada por Falcon que participou das primeiras formulações sobre a criação do

programa. As a.cs. haviam sido inicialmente propostas como História Econômica,

História Política e História Social pelo “Projeto do Curso de Pós-Graduação em

História”, documento resultado dos trabalhos de uma comissão e de debate

departamental no segundo semestre de 1971. Posteriormente, em 1972, as a.cs. foram

definidas como História Econômica e Social e História Política e Social 267. Mas com a

chegada de Graham e Hilton, em 1972, elas passariam a ser História do Brasil e História

da América, o que para Falcon se deveu certamente à influência desses brasilianistas 268.

A criação da área de concentração em História do Brasil teria significado, para Falcon,

um ajustamento do curso às características profissionais e preferências temáticas desses

recém-chegados269 (e aqui cabe notar suas palavras de que Hilton vinha ao Brasil

“dando as cartas”270) . A outra área de concentração, História da América, ainda

266
Entrevista de Falcon a CÔRREA, Maria. De que lugares.... p. 167-8.
267
UFF, 1986. p. 11-2.
268
Entrevista de Falcon a CÔRREA, Maria. De que lugares...., p. 164
269
FALCON, Francisco. História e memória...p. 26
270
Entrevista de Falcon a CÔRREA, Maria. De que lugares...., p. 165.
91

segundo Falcon, “vai entrar a reboque, em função principalmente da disponibilidade

de Pedro Freire Ribeiro...Então, simplificadamente, foi História da América por causa

do Pedro Ribeiro e História do Brasil por causa dos brasilianistas.”271

Para Falcon, a redefinição das linhas e a presença dos “brasilianistas” foram um

retrocesso272, marcaram o curso com termos “paroquiais”, pouco modernos273, com

pouco estímulo, rejeição e desconfiança às discussões teóricas e metodológicas 274, e isso

teria acabado por influir na baixa qualidade das dissertações:

“Mas eu acabei sendo derrotado e estabeleceram História


do Brasil e História da América. História do Brasil acabou
sendo aquela coisa dos brasilianistas. Você deve ter a relação
das dissertações, que no meu entender duas ou três se
salvam.”275.

Segundo ainda coloca, foi inclusive este quadro que, não lhe parecendo

promissor, o fez se afastar do programa de 1973 a 1976 e se dedicar à pesquisa 276.

Outros personagens da década de 70 também entendem o caráter do trabalho dos

“brasilianistas” como mais empirista, e a opção pelas linhas de História do Brasil e

América como mais tradicional frente à primeira alternativa tida como renovadora, de

vanguarda e mais prestigiada277.

Entretanto, com adjetivação diferente da empregada por Falcon, essa

característica dos brasilianistas aparece em algumas falas como um contraponto positivo

a tendências bastante em voga:

271
Entrevista de Falcon a CÔRREA, Maria. De que lugares.... p. 165
272
Idem. Ibidem.
273
FALCON, Francisco. História e memória..., p. 26.
274
Idem. p.28. Entrevista de Falcon a CÔRREA, Maria. De que lugares.... O professor pontua que uma
possível exceção entre os brasilianistas seria Robert Slenes, que veio anos mais tarde (entrevista a
CÔRREA, Maria. De que lugares.... p. 166). Em entrevista ao autor, coloca também que não se
considerava à época o americano Victor Valla como parte dos brasilianistas.
275
Entrevista ao autor.
276
FALCON, Francisco. História e memória... p. 26
277
Entrevista de Vânia Fróes (mestre em 74) a Correa, p. 152. Entevista de Aydil ao autor. Entrevista de
Ismênia Martins a CÔRREA, Maria. De que lugares...., p. 177.
92

“Acho que eles tiveram uma responsabilidade grande na


nossa formação, porque até então nós fazíamos uma história
muito teórica, a la Caio Prado, Celso Furtado, que é
maravilhosa, mas que era muito preocupada com as grandes
sínteses”278.

Também entendendo a existência de uma diferença entre as duas propostas

historiográficas, mas procurando equilibrar seus valores, Richard Graham assim aprecia

a questão:

Autor: O sr. se lembra de algum debate, com outros


professores ou com a coordenação, sobre a organização do
curso (o caráter das disciplinas, das orientações, etc.)?

Richard Graham: É claro que os professores brasileiros


foram os que tiveram a principal responsabilidade em organizar
o curso. O professor Falcon foi especialmente criativo e
enérgico neste sentido. Ele trazia consigo o modelo da USP e
indiretamente o da França. Desde que nem eu nem o Hilton
conhecíamos bem esta tradição, foi para mim muito
esclarecedor observar o contraste. Lembro-me de uma reunião
em que se debateu precisamente a organização do curso. Nos
EUA era e ainda é costumeiro nos departamentos de história
pensar a organização dos estudos em termos de lugar e época.
Isto é, por exemplo, Itália antiga, Alemanha nos tempos
medievais, ou Estados Unidos no século XIX. Claro, que dentro
destas categorias a gente escolhe o assunto de pesquisa e
estudo, podendo-se concentrar na história política, econômica,
ou artística, etc. Mas o lugar e a época são básicos. Em
contraste, o sistema brasileiro começa através de um outro
critério, ou seja, a história econômica, social, política,
intelectual, etc. Só depois é que se decide no lugar e a época.
Creio que a diferença é reveladora de uma coisa que vai muito
além da organização de um curso, pois toca n’um problema
universal, isto é, a tensão entre o particular e o geral. Como é
que abordamos qualquer problema intelectual? De baixo para
cima ou de cima para baixo?279

Há ainda um dado que parece relativizar a oposição entre as duas propostas de

áreas de concentração. Segundo Vânia Fróes,

278
Entrevista de Fróes a CÔRREA, Maria. De que lugares.... p. 153 ; Entrevista de Sohiet ao autor.
279
Entrevista ao autor.
93

“Na prática, História da América e História do Brasil


não substituíram as outras como área de concentração. O
cotidiano mostrou que os formadores que ministravam mais a
História Política estavam mais ligados à História da América e
os de História Econômica e Social mais ligados à História do
Brasil”280.

Esta consideração é compartilhada por Aydil Preis281. O notável é que na fala de

todos reconhece-se que há duas perspectivas historiográficas em jogo, que podemos

definir apenas de forma genérica: uma promovida pelos estrangeiros e voltada

sobretudo para o trabalho empírico; e outra que buscaria formulações teóricas e

conceituais advogada por Falcon.

Para os propósitos de nosso trabalho, não nos parece útil abordar os

brasilianistas em conjunto, enquanto grupo historiográfico de certas características

Primeiro porque, se os brasilianistas não são “modernos”, tampouco o eram dois dos

historiadores brasileiros numericamente mais influentes no programa282, Pedro Freire

Ribeiro e Arthur Cézar Ferreira Reis283 – os quais podemos identificar como

historiadores “tradicionais” nos moldes dos que foram criticados, com incorreta

generalização284, pelos Annales. Mas principalmente porque, como poucos se

destacaram numericamente em suas atividades, são mais apropriadas abordagens

individualizadas que tentem, a partir dali, avaliar em linhas gerais o perfil

historiográfico dos docentes, estrangeiros ou não – esforço que empreenderemos no

próximo capítulo.

Além desse confronto historiográfico que expressariam as propostas, levantamos

um outro ponto sobre as a.cs: há uma contradição factual entre o relato de Francisco

280
Entrevista a CÔRREA, Maria. De que lugares.... p. 152
281
Entrevista ao autor.
282
Ver os dados sobre orientações e disciplinas oferecidas.
283
Discutiremos a obra desses autores no próximo capítulo da tese.
284
DELACROIX, Christian; DOSSE, François; GARCIA, Patrick. “O momento metódico”...
94

Falcon e o de Aydil de Carvalho Preis, para quem a escolha por História do Brasil e

História da América havia sido feita antes da chegada dos brasilianistas 285 e obedecendo

a outros fatores que não uma adequação ao perfil dos americanos:

“Se você fizer uma avaliação, vai ver que naquela época
as Áreas de Concentração no Brasil eram mais voltadas para o
econômico-social e o político-social. Mas as áreas geográficas
nos pareceram importantes na ocasião. Eu fui uma das pessoas
que pensou assim, Pedro Ribeiro pensou assim. Nós achamos
que deveria ter História do Brasil. Mas há divergências nas
opiniões. Por exemplo, a tendência era realmente você
denominar as Áreas de Concentração como o padrão que
seguia as outras universidades, como Campinas que era
Econômico-Social. Principalmente, a área econômica era
bastante privilegiada e prestigiada. O Pedro Ribeiro era
professor titular de História da América. Ele foi o primeiro
professor dentro do Departamento de História que tinha
titulação, os outros não tinham. Porque precisava ser professor
titular doutor para poder ministrar aulas de pós-graduação.
Então, se ele era o orientador ele iria levar os alunos dele para
fazer pesquisa dentro da área que ele conhecia melhor. Em
compensação, Dona Nicea Villela Luz era professora de
História Econômica do Brasil. Então, foi feita uma
combinação: quem fez História do Brasil estudava mais história
econômica, e quem fez História da América estudava mais
história política,que era a área de pesquisa e estudo do
professor Pedro Ribeiro. Não foi diferente disso, a ideia foi
essa.
Depois, quando saiu aquela revista [reportagem da Veja
de 1971 denunciando a atuação dos brasilianistas na
historiografia brasileira], nós achamos que realmente
precisávamos falar de História do Brasil. Depois, outra coisa
importante: nós não conhecíamos o continente latino-
americano. Não se conhecia bem a literatura e a história latino-
americanas. Então, a gente começou a considerar isso como
uma necessidade. Mas isso não foi uma coisa discutida com
uma comissão, foi uma coisa mais contingencial.”286

Aydil Preis segue a resposta se contrapondo à leitura assumida por Côrrea,

historiadora que primeiro se debruçou sobre a questão, que defende a mesma

285
Entrevista de Aydil Preis a CÔRREA, Maria. De que lugares.... p. 175
286
Entrevista de Aydil Preis ao autor.
95

interpretação de Falcon, isto é, a de que a definição das a.cs. foi uma decisão de Graham

e Hilton ajustada às suas características intelectuais:

“Na interpretação dessa historiadora [Côrrea], que teve


outras informações, nem tudo que ela disse eu concordei. Mas
ela teve informações que deram a ela base para isso. Porque da
mesma forma que se pergunta a mim se pergunta a outros.”287

Veja-se que essa questão nos suscita reflexões importantes à medida em que

versa tanto sobre a dinâmica de poder no interior do curso quanto sobre a memória dos

atores, para quem ela ecoa ainda hoje com muito significado desde aquele início dos

anos 1970: Falcon entende ter sido sua proposta historiográfica rejeitada pelas figuras

dos primeiros norte-americanos (batalha que, de acordo com sua narrativa, embora

perdida em 1972, seria vitoriosa a partir de 1979 com o retorno dos “exilados”). Aydil

Preis, por sua vez, advoga a correção do proceder que levou à definição das a.cs e a

qualidade do que foi produzido naquela década em que tantos estrangeiros atuaram em

Niterói. Essa querela nos é, por um lado, insolúvel, dada a carência de documentação

que permita cotejamento e alguma independência frente aos relatos orais mais recentes

(as primeiras atas dispostas na secretaria do programa são de 1977); e por outro lado, ela

nos é de importância reduzida pois as definições que o curso de mestrado tomará, bem

como os significados das áreas de concentração junto aos discentes, não dependerão de

alguma decisão localizada, mas de condições mais amplas e em um intervalo de tempo

que ultrapassa a presença dos professores Graham e Hilton (que atuaram apenas até

1974, com Graham retornando em 1977). Por isso, discordamos do peso que Falcon

atribui à decisão pelas áreas de concentração para a definição do – a seu ver, ruim -

desenvolvimento historiográfico do curso. Pensando a mesma questão, Côrrea chega à

seguinte conclusão:
287
Entrevista ao autor.
96

“Diante da divergência das memórias construídas e dos


dados coletados e avaliando-os decidiu-se considerar que
História Econômico-social e História Político-social deram as
primeiras diretrizes para o curso de mestrado. Isto pôde ser
percebido nos primeiros cursos para graduados e em quase
todos os documentos produzidos inicialmente para a criação do
curso. Estas, e não América e Brasil, devem ser consideradas
como as Acs implementadas em 1971, ainda que o primeiro
credenciamento, encaminhado em 1977 e aprovado em 1978
definisse História do Brasil e História da América como Acs
desde 1971. Considera-se que História da América e História
do Brasil foram implementadas a partir do segundo semestre de
1972. Embora todas as dissertações defendidas em 1974 fossem
sobre a história do Brasil, a primeira dissertação defendida em
uma AC em História do Brasil data de 1975 e em História da
América de 1976.”288

Consideramos que a preocupação de Côrrea sobre qual das opções de a.cs.

(ec.soc – pol.soc. ou Brasil – América) estaria de fato valendo nos diferentes momentos

do mestrado seja uma redução formal e burocrática do problema. Para o conhecimento

efetivo dos rumos historiográficos vividos em Niterói são necessários uma ampliação

dos dados e análises mais detidas sobre, por exemplo, o perfil dos professores e das

disciplinas. Por esse mesmo motivo, não se pode fazer uma comparação entre os cursos

de pós-graduação do Brasil apenas levando-se em conta os títulos de suas áreas de

concentração. Saber quais elas eram em 1976, entretanto, não nos fará nenhum mal:

288
CÔRREA, Maria. De que lugares.... p. 36
97

Quadro 3: Programas de Pós-Graduação e suas


áreas de concentração em 1976289
Instit Programas Áreas de Concentração
uição
USP História História Econômica
História Social
UFPR História do Brasil História Econômica
História Demográfica
História Social
UFF História História do Brasil
História da América
UFG História do
Brasil290
UFPE História História Econômica e Social do Brasil
História da Cultura
PUC/ História História do Brasil
SP História da América
PUC/ História História da Cultura Brasileira
RS História da Cultura Portuguesa
História da Cultura Hispânica
UNIC História do Brasil Brasil Império
AMP Brasil República
UNB História do Brasil História Política
História Diplomática
UFSC História do Brasil História Social
História Oral

Tendo as mesmas áreas de concentração que o mestrado da UFF, a PUC/SP, que

passou a dar frutos em 1977, não produziu, pelo menos até 1984, nenhuma dissertação

em História da América291. O “Curso de Pós-Graduação em América Latina” na UNESP

de Assis, criado em 1980292, só terá, passados dez anos, uma única dissertação que cuida
289
WESTPHALEN, Cecília. “Situação da pós...”...p. 411.
290
Cecilia Westphalen (“Situação da pós...”), não contabiliza o programa de mestrado da UFG por não
considerá-lo autônomo ao da USP. Salles e Freitas, que participaram dos esforços de criação do curso, nos
falam que ele se tornou autônomo em 1974. Segundo essas autoras, o curso definia-se como História do
Brasil, sem que tivesse área de concentração. SALLES, Gilka. & FREITAS, Lena. “O Mestrado...”... p.
10.
291
CÔRREA, Carlos Humberto org.. Catálogo das dissertações e teses dos Cursos de Pós-graduação em
História. 1973-1958. Florianópolis. Editora da UFSC, 1987.
292
CORRÊA, Anna Maria Martinez. “Curso de Pós-Graduação de História da América Latina” IN:
98

da América Latina não brasileira293. Será bem diferente o quadro em Niterói: das 56

dissertações produzidas até 1979, 21 (37,5%) são com esse recorte. 294 A nosso ver, essa é

a principal especificidade do curso em seus primeiros anos, o que se revela também pelo

fato de que, em período posterior, de 1980 a 1996, em um universo de 240 trabalhos

(entre dissertações e teses), apenas 8 (3,3%) são dedicados ao continente.295 Em um

momento em que a História brasileira, principalmente em termos de trabalho empírico

original, era largamente inexplorada296, dedicou-se copiosamente aos países vizinhos.

Tanto interesse nesse recorte geográfico não veio espontaneamente dos discentes nem é

tributário de sua formação prévia: o ritmo numérico das dissertações que trabalham com

História da América está determinantemente ligado aos docentes que trabalharam no

período: Pedro Freire Ribeiro, especialista em História da América foi um dos poucos

professores que atuaram por toda a década de 1970, se não ministrando disciplinas,

como orientador; além disso, a disponibilidade de professores estrangeiros, nem todos

brasilianistas, fez também com que América fosse altamente valorizada em disciplinas e

orientações. É esse tipo de condição que vigorou pela década que nos permite explicar o

desenvolvimento intelectual no curso, e não uma única decisão tomada, a depender de

quem está falando, em 1971 ou 1972 sobre quais seriam as a.cs.. Ou seja, conforme

demonstraremos no próximo capítulo, foram principalmente os docentes, com suas

aulas e orientações, que promoveram várias das características dos trabalhos discentes,

mais notadamente o recorte geográfico idiossincrático. A ideia de que os professores

Revista brasileira de História. São Paulo, março de 1983.


293
CAPELATO, Maria Helena Rolim; GLEZER, Raquel; FERLINI, Vera Lucia Amaral. IN: Capelato,
Maria Helena Rolim. Produção histórica no Brasil 1985-1994. Catálogo de dissertações e teses dos
programas de cursos de pós-graduação em História. Volume 2. São Paulo: Xamã, 1995.
294
Não contabilizamos outras três dissertações que são sobre América e Brasil. A nossa fonte de
informações sobre as dissertações da década de 1970 é UFF, 1986.
295
Os números sobre as dissertações dedicados a “América” estão em CÔRREA, Maria. De que
lugares....p. 38-9. Contabilizamos as 240 dissertações com base no gráfico da página 184.
296
Ver, por exemplo, IGLÉSIAS, Francisco. “A pesquisa histórica no Brasil” IN: Revista de História n.
88. USP, 1971. p. 374
99

influenciam o trabalho dos discentes, conquanto banal, se mostra central para a

compreensão do direcionamento científico das dissertações, isto é, da história da

historiografia. Ela aponta para o fato de que a dinâmica de contratação dos profissionais

(para cujo conhecimento, infelizmente, esse tese muito pouco poderá contribuir) foi, aí

vai outra trivialidade, ponto nevrálgico na constituição do campo.

Para influenciar ideologicamente a universidade com valores de patriotismo,

anticomunismo e religiosidade, a ditadura instituiu a disciplina de Estudos de Problemas

Brasileiros (EPB) tanto na graduação quanto na pós. Ela seria a versão para o ensino

superior da Educação Moral e Cívica. Havia a iniciativa de fundar centros de formação

de professores de EPB e pressão sobre os centros universitários para que a disciplina

acontecesse como o planejado. Na USP, por exemplo, órgão de informação observou

que os conteúdos da disciplina estavam sendo subvertidos e entendeu que o expurgo ali

não havia sido suficiente.297 Em Niterói, em 1971, chegava uma circular do MEC

preocupada com a infiltração comunista na disciplina pedindo que a UFF resolvesse

plano para que EPB fosse ministrada de acordo com as intenções pré-determinadas. Em

1977, o MEC envia novo documento à universidade pedindo informações sobre os

programas das disciplinas de EPB, a relação dos professores que as ministravam e o

número de horas-aula. Em resposta, a UFF avisa que em suas pós-graduações, EPB

funcionava em um semestre de trinta horas-aula298.

Nós não temos uma lista completa dos professores de EPB que atuaram no

mestrado em História. Maximiano Carvalho e Silva, filólogo lotado no Departamento de

Letras, foi coordenador da matéria na década que estudamos. Em 1974, como vimos, o

serviço de vigilância da universidade pediu informações detalhadas e linha político-

297
MOTTA, Rodrigo. As universidades... p. 191
298
Seção de Arquivo Permanente da Universidade Federal Fluminense. Acervo ASI-UFF.
100

ideológica do professor. Em 1975, Maximiano fez curso na Escola Superior de Guerra,

talvez como parte da formação para a tarefa que assumiu 299. Outros dois professores que

atuaram na pós de História com EPB foram Nilo Bernardes, geógrafo de significativa

produção300 (e que também ministrou Geografia para os mestrandos na História), e Luiz

Cézar Bittencourt, a quem já nos referimos, professor na graduação em História e

lembrado como alguém que, mesmo não sendo de esquerda, lutava contra o arbítrio na

universidade301.

Apesar dos esforços e da pressão de órgãos, em alguns locais a EPB teve pouco

impacto302. Esse foi o caso no mestrado em História da UFF. No histórico dos discentes

consta suas participações nos cursos, mas, ao que tudo indica, não se tratou de uma

experiência significativa:

Era um curso dado aos sábados, em auditório. Eu sei que


os professores burlavam a lei, digamos assim. Então, o
conteúdo que era dado não era o conteúdo que a ditadura
queria. Isso eu me lembro. Eu me lembro que queriam que
fizesse uma apologia do Estado, os professores não faziam isso.
[…] Eram professores de sociologia, acho que de História
também, mas não me lembro. Não funcionou. Foi uma das
falhas da ditadura303.

Os valores que a ditadura quis veicular com EPB não tiveram grandes

repercussões na produção científica dos mestrandos, e nem foram maiores seus esforços

para dirigir ideologicamente os conteúdos das pesquisas. Isso não significa, para voltar à

colocação de Bourdieu com que iniciamos essa seção, desprezo dos dominantes sobre o

conhecimento na área de História. Na realidade, sua atenção esteve na educação básica


299
Curriculum Vitae de Maximiano de Carvalho e Silva. Disponível em
http://www.filologia.com.br/arquivos/curriculos/Maximiano%20de%20Carvalho%20e%20Silva.pdf.
Acessado em janeiro de 2018.
300
ALVES, Flamarion Dutra. “História da Geografia Agrária brasileira: Nilo Bernardes” IN: R. Ra'eGa.
Curitiba. Vol. 36. Abril de 2016.
301
FALCON, Francisco. História e memória... Entrevista de Ismênia Martins ao autor.
302
MOTTA, Rodrigo. As universidades... p. 186-92.
303
Entrevista de El-Kareh ao autor.
101

nacional, onde realizou um projeto de grande magnitude: Fonseca nos fala de uma

“destruição das humanidades dentro dos currículos” a fim de minar a crítica e a

resistência ao regime autoritário304.

1.4 Conclusão
“Deus lhe pague”
(Chico Buarque)

Neste capítulo, procuramos levantar elementos do contexto em que professores

de História passariam na UFF a se dedicar a novas práticas acadêmicas, de pesquisa e

escrita, em um também novo espaço institucional, a pós-graduação. O estudo da história

dos cursos de História não é muito volumoso305, apesar de crescente. Com o apoio de

poucas fontes secundárias para o nosso objeto, temos de lidar com assuntos pouco

explorados empiricamente. Nosso recurso às entrevistas, conquanto ilumine pontos,

passa pela série de dificuldades metodológicas típicas da História Oral. Por exemplo,

nossa busca por contato com as personagens não deixou de ser marcada por recusas, e

resistências também restringiram a profundidade com que temas poderiam ser

explorados, bem como a gravação de certas colocações importantes para a nossa

pesquisa. Ademais, nossos entrevistados não são representativos do espectro numeroso

de docentes e discentes que passaram pelo mestrado. Assim, ao longo do texto, tivemos

o cuidado de que hipóteses importantes não tivessem como sustentáculo apenas uma ou

outra declaração. Não obstante, maiores confrontos com o que disseram se fazem

necessários, e nós detectamos vários erros factuais em suas falas. Procuramos também

continuamente apontar os limites das nossas inferências, muito embora isto fosse

304
FONSECA, Selva Guimarães. “Revisitando a história da disciplina” IN: Didática e prática de ensino
de História. Experiências, reflexões e aprendizados.Campinas: Papirus, 2012.
305
FERREIRA, Marieta. A História...p. 12-3.
102

dispensável ao leitor de olhar crítico. Obviamente, a documentação escrita também não

deve escapar da análise crítica, e em relação a ela também é necessária uma ampliação

das referências.

Se o conhecimento histórico do curso ainda é marcado por lacunas, por outro

lado há características salientes das quais procuramos dar conta nesse capítulo.

Exploramos a ideia de que os acontecimentos do curso de História da FNFi, na cidade

do Rio Janeiro na década de 1960, são fundamentais para a compreensão do típico

desenvolvimento do mestrado na UFF. A repressão impactou o espaço institucional da

História. Se outrora ele fora parte do clima “irreconhecivelmente inteligente” do país na

fórmula consagrada de Schwarz306, ou seja, de efervescência cultural e engajamento

político principalmente no pré-golpe, na década de 1970 ele se desenvolveria sem as

mesmas vibrações da luta social brasileira. Mesmo em um terreno já pacificado e na

relativa calma provinciana deste lado da Baía de Guanabara, um anafado aparato de

vigilância estaria atuante. A monumental expansão institucional da pós-graduação, e do

ensino superior como um todo, chegou de cima para baixo cega para as especificidades

(regionais, científicas) e ciosa de controle burocrático. No centralismo federal foram

definidos seus objetivos, formatos e recursos, e os aspirantes a uma carreira

universitária foram precipitados em uma formação educacional nova cujos contornos

científicos foram se desenhando no improviso e na dependência material de agências

externas hipertrofiadas307. Escrevendo em 1968, Florestan Fernandes, que esteve atento

e engajado em relação ao que se passava na educação superior brasileira, sublinhava que

306
SCHWARZ, Roberto. “Cultura e política, 1964-1969.” IN: Cultura e política. São Paulo: Paz e Terra,
2009.
307
Ver FERNANDES, Florestan. Universidade brasileira.... E BARBOSA, Caio. Ciência em transe....
Por exemplo, “A responsabilidade no processo avaliativo dos cursos de pós-graduação vai tornar a
Capes não só uma agência de fomento, mas uma espécie de agência reguladora. O contexto elaboração
do I PNPG, possibilitou pela primeira vez que houvesse uma unificação, ou melhor, um reconhecimento
de um método avaliativo que deveria ficar sobre a responsabilidade da Capes.” (p.70).
103

uma reforma universitária de qualidade só poderia acontecer em contexto

democrático308. Com sua análise no calor dos acontecimentos que concretizavam a

reforma, colocou que a nossa universidade ia se propondo a incorporar a pesquisa

científica como uma “dimensão burocrática de sua existência”, ou como um

“ornamento”309. Nesse quadro, que tipo de conhecimento histórico produziriam os

novos historiadores em Niterói?

308
FERNANDES, Florestan. Universidade brasileira... p. 229.
309
Idem. p. 257.
104

Parte 2 – Novos historiadores em Niterói

“Estão menos livres mas levam jornais...”


(Carlos Drummond de Andrade)

O objetivo principal dos três capítulos seguintes é a apresentação das

dissertações daqueles que identificamos como as três primeiras turmas do mestrado em

História da UFF. Vamos expor cada trabalho discente, identificando principalmente seus

objetivos principais, seus rumos metodológicos, suas escolhas argumentativas,

temáticas, suas discussões teóricas e conceituais, suas principais hipóteses, suas

discussões historiográficas, as fontes trabalhadas e as referências bibliográficas. Neste

momento do nosso estudo, a intenção não é realizar uma crítica das dissertações, mas

fazer um levantamento de suas características. A nossa atenção está voltada para os

termos com os quais os próprios discentes apresentaram seus trabalhos. Então, se toda

historiografia tem uma teoria, uma metodologia e hipóteses, nós nos ocuparemos

somente daquelas que explicitamente foram discutidas.

Mas conhecer e apresentar os diferentes elementos das dissertações nem sempre

significa lidar com dados de fácil localização e exposição. O nosso objeto não pode

configurar no nosso estudo, por mais ideal que isto fosse, independentemente da nossa

própria atuação como construtores do conhecimento. Mesmo a definição do corte

geográfico de uma dissertação, questão de aparência bastante objetiva, em alguns casos

deve envolver uma leitura mais detida e uma escolha de nossa parte para uma

classificação de fins quantitativos. Os exemplos que aqui temos em mente são uma

dissertação sobre diplomacia brasileira no México e outra sobre o Banco Mauá no

Uruguai.

Dificuldade maior temos quando lidamos com a classificação das dissertações

em eixos temáticos - política, economia e cultura - termos cuja a história de definições e


105

discussões é astronômica. Esse objetivo de classificação deve nos fazer considerar não

apenas as características do nosso objeto (a historiografia), mas também os diversos

pressupostos orientadores da nossa leitura de historiógrafos. Se, conforme apontam

várias tradições intelectuais, a cultura tem significados de poder no meio social, ou se,

como defendem culturalistas, a base do comportamento político é cultural, como cultura

poderia ser algo diferente de política ou como poderia haver um estudo do político que

não fosse um estudo da cultura? De pontos de vista marxiano e gramsciano, que

ressaltam as relações de produção e a imbricação entre sociedade civil e sociedade

política, o “político” seria “econômico” e vice-versa, sendo a diferenciação entre

“política” e “economia”, inclusive, fruto de uma visão liberal de mundo reificadora do

capitalismo310. Uma vez que, em paralelo ao “político”, ao “econômico” e ao “cultural”,

historiadores de diversos matizes também classificam temática e historiograficamente

trabalhos como “social”, podemos notar o quanto a mera mobilização dos termos nos

remete a muitas referências com as quais dialogar. Com prejuízo de reflexões mais

profundas, mas com consciência dos limites que isso acarreta, vamos lidar com sentidos

usualmente reconhecidos de “política” (administração Estado, disputas de poder no

interior do Estado, revoltas contra situações opressivas, etc.), “economia”

(administração de empresas, produções agrícolas, atividades monetárias, etc.) e

“cultura” (jornais, literatura, educação). Nesse momento do estudo, trata-se de uma

abordagem suficiente para o reconhecimento dos escritos dos mestrandos, que serão

aprofundados, e com eles a nossa própria leitura, em momento posterior desta tese. As

dificuldades que nos restam são de menor expressão: os estudos que apresentam de

forma mais equilibrada elementos de diferentes eixos, como se vê na dissertação que

310
WOOD, Ellen. “A separação entre o “político” e o “econômico” no capitalismo” IN: Democracia
contra capitalismo. A renovação do materialismo histórico. São Paulo. Boitempo: 2003.
106

trata de empreendimentos petrolíferos (economia) e ditadura (política) na Venezuela; ou

no estudo que tem duas metades bem definidas e desconectadas, uma sobre

características econômicas e outra sobre movimento de trabalhadores na Argentina.

Estes exigem apenas uma ponderação maior e não comprometem a apresentação do

quadro estatístico da divisão de eixos temáticos.

Tivemos que enfrentar outras dificuldades referentes à lógica de organização do

nosso texto. Os objetivos e as hipóteses principais das dissertações nem sempre estão

expostos com clareza nas primeiras páginas. Há casos extremos de redação muito

confusa, com vários assuntos trazidos seguidamente sem que muitas vezes se consiga

observar algum nexo ordenador do fluxo do texto e do processo histórico analisado. Em

uma dissertação, vimos até mesmo o tema de certa seção não condizer com seu

subtítulo. Não raro precisamos, mesmo para o simples intuito de apresentar a

dissertação, discordar da própria descrição que os autores fazem sobre seus trabalhos:

há um autor que entende “fugir à polêmica” sobre um ditador uruguaio e diz nos

apresentar uma leitura “equilibrada”, quando, na verdade o que temos é um esforço

contínuo de justificação dos atos ditatoriais através de colocações como a de que o

estadista não agia por interesses particulares, mas visando o bem da nação.

Uma dificuldade maior que a de apresentar os objetivos e as hipóteses das

dissertações é a relacionada a explicações teóricas e metodológicas. Como teoria,

entendemos, como colocou Cardoso, um sistema de ideias organizado como hipóteses

que se referem a determinado tema que sistematizam partindo de um axioma do qual se

deduzem consequências lógicas. Como método, o conjunto de recursos de que dispõe a

ciência para propor-se problemas verificáveis e para submeter à prova os resultados ou

soluções que venham a ser sugeridas por tais problemas 311. Como apontamos, uma
311
CARDOSO, Ciro. Uma Introdução à História. São Paulo. Brasiliense, 1981. p. 13, 23, 57.
107

teoria e uma metodologia invariavelmente acompanham um historiador, mas neste

momento vamos tratar apenas daqueles que explicitamente desenvolveram suas

reflexões. Tratam-se de poucos: era um momento em que havia, pelo menos entre os

historiadores em Niterói, baixa tradição de discussão e exposição desses pressupostos,

sendo mais forte o trabalho factual.

Apesar da nossa intenção de nos atermos às formulações próprias dos autores,

nossa leitura e consequente exposição de uma dissertação podem conter uma avaliação

crítica e teórica da nossa parte. Por exemplo, ao nos referirmos a dois trabalhos que se

debruçam sobre dinâmicas econômicas dos municípios tendo como objeto principal o

espaço, sublinhamos que não são trazidos a primeiro plano, em especificidade, os

agentes sociais (muito embora não estejam de todo ausentes) – o que aponta para um

limite analítico dessas dissertações. Isso evidencia a impropriedade de supor uma

dicotomia entre uma parte da abordagem que seria “objetiva” (a de apresentação dos

trabalhos) e outra “subjetiva” (de interpretação sobre eles), apesar do nosso esforço em

aprofundar a leitura das dissertações em momento posterior, deixando para este uma

caracterização mais fria.

Por isso também neste capítulo discorreremos sobre cada uma das dissertações,

inclusive, na maior parte dos casos, considerando o trabalhado em cada capítulo delas.

Apesar de isso ter resultado em um texto longo e cansativo, a intenção é permitir ao

leitor maiores dimensões dos trabalhos e construir ele próprio entendimentos outros,

diferentes dos trazidos por nós – o que seria mais difícil com exposições demasiado

sucintas ou com uma que apenas evocasse o texto analisado em função do argumento

que se estivesse desenvolvendo. A extensão do texto dedicado a cada uma das

dissertações varia bastante e guarda relação com o quanto elas discutiram os elementos
108

que são pertinentes à discussão que propomos. O leitor menos ocioso poderá ignorar as

apresentações das dissertações e ter uma visão sucinta na seção “panorama e

conclusões”.

A exposição das dissertações foi ordenada considerando-se primeiramente as

turmas de alunos (que definiremos melhor abaixo). Depois, consideramos para a ordem

de apresentação as de história econômica, seguidas das de política e de cultura. Por

vezes, em uma subseção do capítulo juntamos mais de uma dissertação que tem alguma

característica qualquer em comum (geográfica, temporal, etc.).

Ao final, tomaremos as dissertações em conjunto para termos um panorama

numérico desses elementos. Esses dados – como, por exemplo, os sobre referências

bibliográficas - devem sempre vir acompanhados de uma análise qualitativa, sob o risco

de serem enganadores, como se verá.

A leitura dessas 51 dissertações pode conter deslizes, principalmente no sentido

de não termos identificado dos trabalhos as características que buscávamos neles. Essas

eventuais falhas, entretanto, não comprometerão a nossa análise, pois ela não se fia em

singularidades, mas naquilo que toma maior expressão numérica.

Faz parte também deste capítulo o conhecimento sobre os docentes,

principalmente para os pensarmos como influência intelectual sobre as dissertações. O

ideal seria recuperar o cotidiano de suas aulas e orientações, que são suas interações

com os discentes, mas essas são experiências intelectuais que não deixam registro

escrito. Elas ficam nas memórias dos atores, mas, além das inúmeras dificuldades

básicas que tem aqueles que recorrem a qualquer relato oral sobre o passado, tem-se

também que uma análise equilibrada a partir de entrevistas deveria lidar com uma

quantidade enorme delas, impossíveis de ser obtidas e trabalhadas com qualidade no


109

tempo de pesquisa de que dispomos. Ter como base principal as poucas entrevistas que

fizemos para o trabalho poderia significar render-se ao impressionismo causado por

várias falas e às grandes contradições entre elas. Dessa forma, para compor um perfil

historiográfico dos docentes e nos aproximarmos a que influência intelectual tiveram

sobre os alunos, recorremos à sua produção bibliográfica publicada próxima ao

momento em que lecionaram e que tratava dos temas explorados em seus cursos e

orientações. Abordamos apenas aqueles professores mais expressivos em número de

orientações e disciplinas, verificando principalmente que temas, recortes e perspectivas

historiográficas o corpo docente mais promovia.

A divisão do capítulo em 3 turmas é orientada pela hipótese de que esses grupos

de alunos sofreram influências distintas dos diferentes docentes (então em grande

rotatividade) que os ministraram disciplinas, o que acabou por repercutir nas

dissertações.
110

Capítulo 2 - A primeira turma (1971/2-1974/7)

2.1 Discentes

São da primeira turma os 16 discentes que cursaram disciplinas de 1971/2 até o

primeiro semestre de 1974. Tal é o que define o comum de experiências que tiveram 312.

Eles, entretanto, defenderam as dissertações em momentos distintos: 8 em 1974, 1 em

1975, 6 em 1976 e 1 em 1977313. Nos catálogos314 em que nos referenciamos, se tratam

das dissertações de números 1-16.

A “ficha cadastral” dos alunos, localizada atualmente na Secretaria de Pós-

Graduação, contém, além de dados pessoais como idade e endereço, espaço para as

seguintes informações: “Formação universitária”, “Títulos superiores obtidos”,

“Trabalhos publicados” e “Magistério Superior”. Infelizmente, em muitas fichas alguns

desses espaços não foram preenchidos e principalmente algumas referências a datas não

estão claras. Entretanto, com aquilo que temos e buscando referências complementares

no currículo Lattes de alguns, podemos compor um perfil desses estudantes.

Considerando a tradicional divisão binária de gêneros, há um predomínio de

mulheres: os homens são apenas um pouco mais de ¼. No começo do curso, a idade dos

alunos, que vai de 23 a 41, tem uma média de 31 anos. Apenas 4 não são naturais do

Rio de Janeiro, mas todos têm residência no Estado. Quanto à residência, apenas 4 não

eram de Niterói: três do Rio de Janeiro e um de São Gonçalo. Dos que moravam no lado

mais tranquilo da Baía de Guanabara, todos eram de bairros próximos à universidade,

312
Há a exceção de 3 discentes que chegaram a cursar algumas disciplinas no segundo semestre de 1974 e
em 1975.
313
As datas em que as dissertações foram finalizadas, e que constam em suas capas, não necessariamente
coincidem com o ano de suas defesas.
314
Universidade Federal Fluminense. Memória dos Cursos de Pós-Graduação. Perfil do Mestrado em
História e sinopse das dissertações apresentadas para a obtenção do grau de Mestre em História.
Niterói. Eduff, 1986. Universidade Federal Fluminense. Programa de Pós-Graduação em História.
Catálogo de Teses e Dissertações, 1974-1995/ Vânia Leite Fróes, coordenação geral. Niterói: UFF;
Brasília: CNPQ, 1996.
111

sendo a maioria de Icaraí.

Sobre o local e o momento da graduação, não há informações completas de

todos os alunos. Aparentemente, apenas um não tinha graduação em História, mas em

Filosofia. Há informação de duas alunas graduadas em História pela Universidade do

Estado da Guanabara (não por mera coincidência, ambas residentes na cidade do Rio de

Janeiro). Como a maioria tem residência em Niterói, podemos supor, para aqueles de

quem não dispomos os dados completos, que se formaram na UFF 315 (há alguns casos

em que se diz apenas “Licenciatura em História” talvez estando subentendido “na

UFF”.). Há ainda o incomum da formação de Almir Chaiban El-Kareh, com doutorado

em História pela Universidade do Chile em 1968 além de especialização, na mesma

universidade, em Ciências Sociais; e da especialização em História do Brasil em 1968-9

na FNFi por parte de Rachel Sohiet.

Tinham experiência no Magistério Superior na UFF como professores

assistentes: Sônia Viana (História da América), Vânia Fróes (História Medieval), Almir

El-Kareh (Introdução aos Estudos Históricos), Célio Silva (História do Brasil), Geraldo

Beauclair (História Econômica), Hildiberto Albuquerque (História do Brasil) e Marize

Arcuri (Moderna e Contemporânea). Na UFF, também são professores (esses não

assistentes): Berenice Brandão, Ana Maria dos Santos e Dylva Moliterno. Fora da UFF,

são professores em ensino superior: Maria Azevedo (Professora Assistente de Estética e

História da Arte da Faculdade de Arquitetura em de Barra do Piraí da Fundação

Rosemar Pimentel e Professora de Arte na Escola de Belas Artes da UFRJ); Hildiberto

Albuquerque (Professor Titular em História do Brasil da FACEN e do CETRERJ).

Temos então o registro de 11 professores com alguma experiência em ensino superior, o

que é praticamente ¾ do total.


315
Ou na instituição a partir da qual ela foi formada, a Faculdade Fluminense de Filosofia (FFF).
112

Na parte da Ficha Cadastral sobre publicações constam apenas um artigo de El-

Kareh em livro não especificado e, de autoria de Rachel Sohiet, uma contribuição sobre

Estudos Sociais para o livro “Fundamentos da Educação Moral e Cívica”.

Em suma, o que temos como perfil médio dessa mestranda da primeira geração,

não obstante alguma precariedade nas informações, é o seguinte: mulher, de 31 anos,

residente em Niterói316, formada em História pela UFF nos anos 1960, com experiência

de magistério superior na própria universidade e sem bagagem de produção acadêmica.

Infelizmente, não temos dados sobre origem socioeconômica e cor da pele.

Não se pode recuperar com precisão quais eram as principais referências teóricas

e bibliográficas desses discentes em suas formações e em seu trabalho cotidiano. Muitas

falas apontam para que o marxismo e influências “francesas” tinham grande prestígio

entre eles317. Conforme mencionamos no primeiro capítulo, o curso de graduação em

História parecia estar passando por uma transição entre uma ênfase no factualismo para

uma maior reflexão conceitual. Técnicas de pesquisa, entretanto, eram ainda bastante

ignoradas e, segundo Pedro Demo, sociólogo que se juntou ao corpo docente logo em

1972, os alunos chegavam “destituídos” de conhecimentos de epistemologia e

metodologia já que a graduação “não cuidava disso”318

A nova experiência da pesquisa a que seriam introduzidos e o volume de

disciplinas que cursariam significariam para esses discentes uma nova formação, a ser

conduzida pelo corpo docente do mestrado.

316
E possivelmente tendo essa mesma cidade como origem, quando somamos o dado, confirmado em
alguns, de terem concluído a graduação na UFF.
317
Entrevista de Demo ao autor (05/03/2014). Entrevista de Aydil a Correa. Entrevista de Fróes a
CÔRREA, Maria. De que lugares....
318
Entrevista ao autor (05/03/2014)
113

2.2 Docentes, disciplinas e orientações

Nícea Villela Luz foi a primeira professora a lecionar no curso, de novembro de

1971 a fevereiro de 1972. Aposentada pela USP quando veio à Niterói, era especialista

em temas de urbanização e industrialização. No primeiro semestre de 1972, a professora

ministraria uma outra disciplina. Os cursos da professora Luz foram importantes para

que alguns alunos iniciassem e definissem suas pesquisas sobre áreas do Recôncavo da

Guanabara319.

No primeiro semestre de 1972, soma-se ao curso o professor Pedro Freire

Ribeiro, especialista em História da América, e que se tornaria, em números de

orientações e disciplinas, um dos principais nomes entre os docentes na década de 1970.

Foi nesse período o segundo em número de orientações (11) e está entre os quatro

professores que mais ofertaram cursos (9). Lecionou de 1972 até 1975, retornando em

1979 para dar uma disciplina. Teve atividades de orientação nos anos de 1976, 1977 e

1978, ou seja, sua presença estende-se por toda a década. Os cursos oferecidos foram

todos sobre América Latina do período de independência até o início do século XX. Não

há registro da bibliografia utilizada em nenhum deles, apenas as ementas 320 com

descrições genéricas.

Da biografia de Pedro Freire Ribeiro, temos bem pouco. Foi catedrático da

Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade do Estado da Guanabara,

estando, pelo menos desde 1962, entre aqueles professores de maior classificação na

instituição321. Publicou em 1945 “A reforma de Clistenes e a democracia ateniense”.

Em 1957, “Base da política imperial dos Aquemenidas”. Em 1965, “A Missão Pimenta


319
Entrevista de Almir Chaiban El-Kareh ao autor. (26/02/2015) Entrevista de Fróes a CÔRREA, Maria.
De que lugares....p. 152.
320
As ementas dos cursos foram obtidas através do arquivo eletrônico da secretaria do Programa de Pós-
Graduação em História da UFF.
321
Ver Resolução número 130/62 da Universidade do Estado da Guanabara que classifica o pessoal da
instituição. http://www.boluerj.uerj.br/pdf/re_01301962_31051962.pdf
114

Bueno (1843-1847)”, que se trata de uma compilação de documentos diplomáticos

expedidos pela Secretaria de Estado. A publicação é fruto da Comissão de Estudos de

textos de História do Brasil do Ministério das Relações Exteriores. À época de sua

entrada no curso era doutor322 pela Universidade do Brasil323.

Seu livro fruto de maior pesquisa e que guarda relação com o conteúdo das aulas

ministradas no curso de mestrado é “Raízes do pensamento político na América

Latina”, lançado pela editora da UFF em 1995 (não encontramos, na Revista de

História da USP, trabalhos de sua autoria na década de 1970, o que seria melhor

indicativo do seu perfil historiográfico para os alunos). O texto, cuja metade é a

publicação de documentos, não apresenta discussões conceituais ou teóricas, mas se

ocupa, através de algumas referências a fontes secundárias, com estabelecimentos

causais no processo de independência da América espanhola. Assim, as atitudes e

pensamentos políticos “revolucionários” teriam sido influenciados por fatores

geográficos, demográficos, econômicos, educacionais, religiosos, e o processo de

independência não deve ser explicado apenas por fatores isolados324. Uma de suas

preocupações é oferecer uma visão de conjunto sem perder as peculiaridades

nacionais325, o que significa uma exposição de como, em cada país, o processo que

levou à independência e à criação de novos Estados teve velocidades e tonalidades

distintas.

Sua explicação coloca primeiramente os problemas dos colonos com a Coroa,

principalmente por conta de imposição de preços e controle comercial. Em sua

narrativa, então, as colônias vão gradativamente adquirindo, em ritmos diferentes, a

322
Entrevista de Aydil Preis ao autor
323
UFF. Memórias...p. 17
324
RIBEIRO, Pedro Freire. Raízes do pensamento político na América Espanhola (1780-1826). EdUFF.
Niterói, 1995.p. XI e 1.
325
Idem. P XVIII
115

consciência desses problemas (que seria a base do nacionalismo) e apresentando a sua

solução, que ao fim seria a independência (ou “revolução”). Boa parte do estudo de

Ribeiro é dedicada mostrar como essa “consciência” vai surgindo e evoluindo em vários

personagens da América espanhola, tendo como fontes discursos e escritos de líderes.

A questão de fundo de seu estudo é a dificuldade e o êxito para a independência

e para a formação de uma nação, onde os atores privilegiados e os carregadores do

sentido do processo histórico são os crioulos líderes 326. Assumindo como problema

histórico o projeto de nação (ou como diríamos nós, “de poder”) dos líderes crioulos,

em alguns momentos os juízos políticos do autor são visualizados quando,

contemplando conflitos sociais classistas e querelas internas, entende que estes devem

ser superados tendo como horizonte a compactação nacional. O caráter antidemocrático

da perspectiva, bem como a evidência de sua centralidade, nota-se a partir da epígrafe

escolhida pelo autor: uma frase de Bolívar queixando-se de que os “sistemas

inteiramente populares” poderiam trazer ruína, já que certas qualidades não existiam

entre seus compatriotas. Nesse mesmo sentido, Ribeiro entende as tendências

federalistas na Venezuela como uma “...falta de amadurecimento político dos cidadãos,

não habituados a reconhecer seus deveres mínimos diante do Estado.” e assume a

necessidade centralista do Bolívar para que se contornasse o “caos”327. Da mesma

forma, assim comenta um discurso de San Martín que se inicia com a frase “O gênio do

mal vos há inspirado o delírio da federação”:

“Esta é a linguagem sincera de um compatriota que


deseja uma situação centralista não por ambições pessoais, mas
por temer que os conflitos existentes pudessem levar o país à
anarquia. À frente de um poderoso exército, recusava-se à
326
Idem. p. 45
327
Idem. p. 129
116

participação em uma luta fratricida, apelando para o bom


senso e patriotismo de seus conterrâneos. Buscava um consenso
e não o esmagamento de um partido.”328

Pedro Freire Ribeiro se encaixa bem naquelas características clássicas com que

se classifica a historiografia que os Analles combateram. Sua perspectiva estatal e

nacional com o protagonismo dos grandes homens toma mesmo feições psicologizantes

(como pode ser visto pela citação acima), além de acríticas e positivadas. Começa assim

uma citação de Bartolomé Mitre sobre Francisco Miranda, que para Ribeiro é a melhor

síntese de suas atividades americanistas:

“Por esta época, havia algum tempo que percorria o


mundo um excelente apóstolo da liberdade humana, precursor
da emancipação sul-americana. Era um sonhador com ideias
confusas e conhecimentos variados e inconexos, um guerreiro
animado de uma paixão generosa e sobretudo um grande
caráter. (…) teve a primeira visão dos destinos da América
republicana e foi o primeiro que arvorou a bandeira redentora
por ele inventada nas mesmas praias descobertas pelo gênio de
Colombo.”329

Em 1972, chegam para trabalhar em Niterói os brasilianistas Richard Graham e

Stanley Hilton. Richard Graham é ainda hoje um estudioso do século XIX brasileiro,

debruçando-se naquele tempo principalmente sobre temas como modernização e

urbanização, enquanto Hilton se dedicava sobretudo a análises políticas sobre a Era

Vargas. Ambos estiveram no programa entre 1972 e 1974 (Graham retornaria em 1977).

Para a primeira geração de alunos, Graham ministrou 3 disciplinas e foi orientador de 5

dissertações, enquanto os números de Hilton são de 5 cursos oferecidos e 3 trabalhos

orientados.

328
Idem. p. 137-8
329
Idem. p. 48
117

Richard Graham publicou um livro no mesmo ano que chegou a Niterói,

“Britain and the onset of modernization in Brazil 1850-1914” 330. O tema do livro foi

retomado em uma de suas disciplinas ofertadas, “O contexto histórico do imperialismo

inglês no Brasil”. Neste estudo, uma das primeiras questões de Graham é tentar definir

o momento em que o país possa ser considerado moderno. Desconsiderando que a

modernização tenha acontecido em 1930, 1914 ou 1889, o autor prefere situar o seu

início em 1850, ainda que a data, como reconhece, seja discutível. A sua definição de

modernização está centrada em um conjunto de certas características como tecnologia,

volume comercial, produtividade industrial, mentalidade empresarial (como ousadia

para investir), desenvolvimento de imprensa e circulação de ideias, declínio de visões de

mundo pré-científicas (mágica, religiosidade), urbanização, e disposição social não

estratificada capaz de oferecer mobilidade. O seu avanço e o seu recuo no Brasil

dependeriam de fatores políticos, ideológicos e econômicos como a força do movimento

abolicionista, a emergência dos cafeicultores paulistas (que seriam de tendência

modernizadora), e a estabilidade do regime imperial.

Outro texto que utilizamos para conhecer o perfil desse historiador foi o livro

lançado em 1979 pela editora Perspectiva, que consta de uma série de ensaios que

haviam sido escritos para periódicos americanos (à exceção de um para a Revista de

História). “Escravidão, reforma e imperialismo”331 mostra que seu interesse principal

no século XIX tinha três questões predominantes: a estrutura de classe de uma

economia baseada na escravidão; as transformações que acabaram com a escravidão

sem destruir esta estrutura; e a dependência do Brasil dentro da realidade econômica

330
GRAHAM, Richard. Britain and the onset of modernization in Brazil 1850-1914. Cambridge
University Press, 1972.
331
GRAHAM, Richard. Escravidão, reforma e imperialismo. São Paulo. Editora Perspectiva, 1979.
118

internacional332

No primeiro capítulo, um levantamento historiográfico sobre a escravidão

escrito em 1967 e publicado originariamente em 1970, observa principalmente as

análises de autores paulistas como Florestan Fernades, Fernando Henrique Cardoso,

Emília Viotti da Costa e Paula Biguelmann, expondo seus principais argumentos. Para

Graham, esses autores representam um progresso do ponto de vista metodológico frente

à tradição deste país em que “as obras históricas não foram cuidadosamente

elaboradas a partir de fontes “primárias””. Aqui refere-se principalmente a Caio Prado

Jr., cuja trabalho poderia apoiar asserções dogmáticas sobre a escravidão 333. Graham não

faz uma oposição de maiores significados entre seus fundamentos teórico-

metodológicos e aquele dos brasileiros, investindo em questionamentos mais pontuais

do tipo: “Nenhum desses autores deu-se conta da dificuldade desta interpretação

quando é invertida: se a escravatura era o resultado de um economia colonial, como se

explica que a economia colonial persista até hoje, ao passo que a escravidão acabou

no século XIX?”334 Graham também lança críticas que ele próprio circunscreve a uma

questão de estilo. Nesse sentido, Cardoso é afoito, imaginoso e mais teórico; enquanto

Fernandes seria o mais opaco de todos, “e somente com persistência e paciência é

possível, finalmente, chegar à [sua] compreensão e apreciação”335

É bastante interessante que Graham situe os estudos sobre escravidão brasileira

nas tensões sociais e políticas então contemporâneas, como o debate sobre reforma

agrária dos anos 1950 e 1960, observando como a abolição foi insuficiente para a

melhoria da condição dos negros336. Mostrando-se um historiador de sensibilidade

332
Idem, p. 9
333
Idem, p. 19
334
Idem, p. 23
335
Idem, p. 19
336
Idem, p. 15
119

política, em outro artigo aponta que a implementação do sistema republicano teria posto

fim ao sonho de reforma agrária, “como outros golpes puseram fim a outros sonhos”337.

O estudo de escravidão seria importante também para “esmagar a visão oficial da

realidade brasileira” que insiste em ideias de harmonia como forma de ocultar a

opressão338. Boa parte do artigo de Graham caminha justamente nesse sentido de

evidenciar a iniquidade e a dureza na escravidão brasileira, o que inclui a crítica ao

paternalismo.

Em “Causas da abolição da escravatura no Brasil”, publicado originalmente

em 1966, Graham desenvolve seu argumento primeiramente contra “a impressão geral

de que o Parlamento brasileiro sancionou a lei libertando os escravos em resposta a

sentimentos humanitários e à pressão da opinião pública incitada por uma campanha

de propaganda...”339. Fundamentado principalmente em fontes secundárias, o autor

entende que as mudanças fundamentais na vida econômica e social que levam ao

entendimento das forças que levaram à abolição são: a ascensão das exportações de café

e a expansão das novas regiões cafeeiras; e o crescimento das cidades 340. Sobre a

primeira, diz o autor que a região cafeeira de São Paulo ergueu-se com empresários

rurais de espírito inovador que, por exigências mais modernas, precisavam de uma mão-

de-obra mais abundante e flexível que aquela que a escravatura poderia oferecer341.

Sobre a última, defende que o mundo urbano propiciou uma mentalidade contrária à

escravidão, seja da parte de profissionais liberais, seja da parte de industriais. Mas

Graham soma outros fatores como a pressão inglesa fomentada não por interesses

capitalistas, mas pelos valores da classe média britânica que tendiam a dominar a

337
Idem, p. 11
338
Idem, p. 15
339
Idem, p.60
340
Idem, p.62
341
Idem, p.63
120

nação342; e a resistência escrava e a mobilização abolicionista.

Podemos concluir que sua compreensão não é marcada pela “falta de relações

causais”, como uma vez Sodré classificou os trabalhos dos brasilianistas 343, e como

estes são reconhecidos de forma geral. Por outro lado, realmente não há nenhuma

intenção nomotética e pouco investimento em debates conceituais e teóricos de maiores

proporções. Graham, entretanto, não circulou como um estranho pelas referências

brasileiras, e mesmo não compartilhando de suas metodologias e ênfases, se aproximou

delas com seus temas e perspectivas mais específicas. Trata-se também de um autor que

guardou sensibilidades políticas em relação à opressão e à desigualdade em seus efeitos

contemporâneos.

Sobre a experiência de Graham no curso, é bastante recorrente a referência de

que ele, como outros brasilianistas, foram fundamentais para o aprendizado do trabalho

com fontes primárias, de que os professores do Rio de Janeiro e Niterói careciam muito.

Aqui não falamos, do que já foi referido, da veiculação de uma visão “empirista” que

fez contraponto ao “teoricismo” que estaria em voga entre os estudantes; mas do próprio

trabalho empírico que faz parte da atividade básica do historiador. Como mencionado

no capítulo anterior com as próprias palavras de Richard Graham, o trabalho com fontes

era uma coisa pouco explorada na formação dos professores de então.

Stanley Hilton, que chegou com Richard Graham, teve uma importante presença

entre os alunos da primeira geração do curso entre 1972 e 1974. Foi orientador de 3

dissertações e lecionou 5 disciplinas: “Teoria e prática da pesquisa histórica: Brasil

século XX (época Vargas)” (Primeira Parte e Segunda Parte), “História diplomática dos

EE. UU. na época de Franklin Roosevelt (1933-1945)”, “A economia política da época

342
Idem, p. 71
343
SODRÉ, Nelson Werneck. História e materialismo histórico no Brasil. São Paulo. Global, 1987. p. 27
121

de Vargas (1930-1945)” e “Historiografia” (curso cuja ementa não ficou registrada).

De acordo com as ementas, vários desses cursos procuravam estimular o trabalho com

fontes primárias.

Stanley Hilton fez estudos em História do Brasil na Universidade do Texas, onde

inclusive foi aluno de José Honório Rodrigues em 1963. Desde o mestrado, concluído

em 1964, estudou questões relativas à política internacional e economia no primeiro

governo de Vargas. Entre 1966 e 1971, empreendeu pesquisa de fôlego que geraria “O

Brasil e as Grandes Potências. Os aspectos políticos da rivalidade comercial. 1930-

1939”344. Este livro foi lançado primeiramente em inglês em 1975, ganhando uma

edição nacional dois anos depois pela Civilização Brasileira com tradução de Carlos

Nelson Coutinho e do próprio Hilton.

Seu objeto de estudo foi, como define, a forma de defesa que tomaram os

brasileiros para resguardar os interesses da Nação 345. Ele se inscreve em uma

preocupação geopolítica de entendimento da política de países de Terceiro Mundo frente

aos interesses das potências mundiais. Trata-se de um tipo de conhecimento de relações

internacionais importante em uma época de Guerra Fria e não parece por acaso que

tenha recebido financiamento também do National Defense Foreign Language

Fellowship Program346. Como coloca, “Em certo sentido, este livro é um estudo sobre o

fracasso da diplomacia da Boa-Vizinhança numa área de relações externas cara aos

estrategistas do New Deal”347 Segundo José Honório Rodrigues, que prefaciou o livro,

Hilton não reconhece o caráter imperialista das relações que estuda348.

O trabalho com fontes foi vastíssimo e, segundo o próprio Hilton, ele pode
344
HILTON, Stanley. O Brasil e as Grandes Potências. Os aspectos políticos da rivalidade comercial.
1930-1939. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira, 1977.
345
Idem. p. 11
346
Idem. Ibidem.
347
Idem. p. 27.
348
Idem. p. 14.
122

superar uma limitação comum do pesquisador americano que trabalha quase

exclusivamente com documentos diplomáticos dos Estados Unidos, o que acaba

prejudicando interpretações349. Além de documentos de Estado europeus, Hilton teve

acesso a muitos arquivos privados, sendo mais um expoente da reconhecida capacidade

“brasilianista” de amplo trabalho com fontes. Seu trabalho de pesquisador lhe fez ter

contatos próximos com pessoas de poder como Alzira Vargas, General Pantaleão Pessoa

(a quem dedicaria seu livro seguinte, o considerando como “patriota e amante da

verdade histórica”), entre outros350. Epistemologicamente, o autor várias vezes coloca

que é isento de julgamentos de valor e pela objetividade histórica, muito embora

expresse simpatia pelos brasileiros responsáveis pela defesa dos interesses nacionais 351.

Também, Hilton coloca que, ao invés de trabalhar com categorias genéricas, procurou

identificar personalidades e examinar suas atitudes e motivações, buscando assim, na

expressão do autor, “humanizar” a formulação política352. Uma “base cultural” dos

agentes também é considerada pelo autor, que entende o “personalismo” como um traço

dominante nas relações públicas e políticas no Brasil353.

Para a abordagem da década de 1930, o autor tem como uma das hipóteses

centrais que: “Se o realismo e o interesse próprio guiavam o comportamento

internacional num mundo que se dirigia para a catástrofe, a essência desse realismo, o

349
Idem. p. 21. Pelas listas de agradecimento e prefácios, a relação de Hilton com muitos atores históricos
ou seus familiares foi próxima. Em artigo de 2009, Tiago Losso teve essa questão como objeto
observando como categorias elaboradas por ideólogos do Estado Novo adentraram na historiografia,
levando em conta a relação, também pessoal, de descendentes de personagens históricos e de
historiadores biógrafos. Uns dos pontos de atenção do autor é atuação de Alzira Vargas e o livro de
Stanely Hilton lançado em 1994, “Oswaldo Aranha – uma biografia”, que para Losso tem continuidade
com o discurso oficial sobre o período. LOSSO, Tiago. “Um olhar estrangeiro na História do Brasil: a
influência das pesquisas norte-americanas na historiografia sobre o Brasil” IN: ANPUH – XXV
SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – Fortaleza, 2009. http://anpuh.org/anais/wp-
content/uploads/mp/pdf/ANPUH.S25.1501.pdf
350
HILTON, Stanley. O Brasil e as.... p. 17-20.
351
Idem. p. 11-2
352
Idem. p. 27
353
Idem. p. 75
123

Zeitgeist, parecia ser de natureza econômica”354. Seria a economia, portanto, o centro

das questões diplomáticas. Em capítulos como os que se intitulam “Influência militar

na política econômica (1934-1937)” e “Comércio, armamentos e política internacional

(1937-1939)”, Hilton procura analisar como eram percebidas as questões internacionais

(proximidade de conflito bélico, acordos comerciais) pelos agentes e que propostas

eram então gestadas como respostas à situação (estímulos à industrialização,

protecionismo, compra de armas, etc.).

Vale por último mencionar a perspectiva de Hilton sobre a “economia política”

na era Vargas. Além de ter sido tema de uma de suas disciplinas, também o foi de duas

dissertações orientadas, conforme veremos. Em uma coleção de artigos lançada em

1975 (edição nacional de 1977)355, temos uma abordagem do autor para o período de

1930-1945. Hilton trabalha com muitos dados econômicos, extraídos de fontes

primárias e secundárias, que são usadas para construir um quadro geral da dinâmica da

economia brasileira. Seu grande ponto, entretanto, é analisar, como em outros temas de

que trata, a forma como os agentes (principalmente os de Estado) percebem as situações

e quais são suas propostas. Procura então principalmente demonstrar (e nisso entra em

polêmica historiográfica) que Vargas e outros homens de poder tinham a

industrialização como um objetivo central mesmo antes do Estado Novo. O autor vai

construindo o seu texto mostrando, então, como essas ideias eram formuladas, seus

graus de irradiação e suas possibilidades de concretização. Em suma, a “história

econômica” de Hilton, se assim quisermos chamá-la, tem como horizonte ser uma

história da decisão política dos homens de poder.

354
Idem. p. 38
355
HILTON, Stanley. “Vargas e o desenvolvimento econômico brasileiro, 1930-1945: uma reavaliaçãode
sua posição sobre industrialização e planejamento.” IN: O Brasil e a crise internacional (1930-1945). Rio
de Janeiro. Civilização Brasileira, 1977.
124

Assim como Graham, a Hilton é também reconhecido como importante para o

aprendizado do trabalho com fontes356, dando sequência ao que foi iniciado com a

professora Luz.

Atuando de 1973 a 1975, Pedro Demo foi um dos três professores que mais

lecionou disciplinas na pós de História até 1979, um total de 10. As principais matérias

ministradas foram Metodologia I e Metodologia II (8), em que, de acordo com as

ementas, buscava fornecer uma visão geral de metodologia em ciências sociais e dar

uma matéria instrumental, “a saber, serve [que sirva] à pesquisa, juntamente com as

técnicas de coleta de dados e sua mensuração quantitativa”. A bibliografia desses

cursos variava. Tivemos Engels (“Do socialismo utópico ao socialismo científico”),

Piaget (“A epistemologia genética”) Viet, Reicheanbach, Bachelard, Nagel, Althusser,

Bastide, Popper, Dahrendorf, além de textos próprios. As outras duas disciplinas, que

fogem à ênfase em metodologia e epistemologia das anteriores, são “Sociologia do

desenvolvimento” e “Sociologia e estratificação social”. Suas referências para a

primeira são Sunkel, Marsal, Gasparian, Rostow e Duque, discutindo principalmente

capitalismo e América Latina. Para a segunda, Giddens, Dahrendorf, Lukacs, além dos

livros “Teorias da estratificação social” (organizado por Octávio Ianni) e “Hierarquias

em classe” (organizado por A. Aguiar).

Pedro Demo começou sua formação superior no curso de Filosofia da Faculdade

dos Franciscanos em Curitiba (1961-1963), estudando nos anos seguintes teologia e

música. Doutorou-se em sociologia na Alemanha pela Universidade de Saarland,

Saarbrucken (1967-1971), com uma tese premiada e publicada em alemão em 1973 que

versava sobre Marcuse. Retornou ao Brasil em 1971 e trabalhou no Centro João XXIII

356
Entrevista de Vânia Fróes a CÔRREA, Maria. De que lugares... p. 153. Entrevista de Rachel Sohiet ao
autor.
125

assessorando a CNBB, elaborando e publicando textos sobre a realidade

socioeconômica brasileira para, em suas palavras, mostrar aos Bispos as condições de

vida do povo brasileiro357. No começo da década de 70, era professor de pós-graduação

do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ), professor de

Metodologia das Ciências Socias na PUC-Rio e professor e pesquisador do IBRADES-

Rio, tendo posteriormente uma longa vida acadêmica e atuação em cargos

governamentais.

Nos cursos oferecidos, o marxismo estava presente entre as referências do

professor, mas sem que este se considerasse, segundo suas palavras em entrevista que

nos concedeu, um “filiado”:

Pedro Demo: [O marxismo] Era moda [entre os alunos].


Como havia feito tese de doutorado com vínculo com a Teoria
Crítica (Escola de Frankfurt - tema foi sobre Marcuse),
esperava-se algum alinhamento marxista, que nunca foi meu
caso, porque aprendi na Teoria Crítica que "filiação" é pobreza.
Sempre admirei os autores da Escola de Frankfurt que nunca se
alinharam a nenhum cânone. Sempre usei o marxismo como
ferramenta essencial da sociologia, mas não única, nem
necessariamente "superior". A formação do espírito crítico
supõe, como queria a Escola de Frankfurt, "autocrítica"
(maiêutica) e liberdade de expressão, com base na autoridade
do argumento, não do argumento de autoridade. Era forte do
curso (se bem me lembro) a crítica ao positivismo,
naturalmente”

Pergunta: Na bibliografia dos seus cursos temos textos


de Engels e Althusser. É possível dizer em linhas gerais de que
forma o marxismo era abordado em suas aulas?

Pedro Demo: Era, para mim, "marxismo autocrítico",


mesmo sendo Althusser vaca sagrada. Bem olhando, o que
Althusser estava fazendo, era explodir marxismos prévios
superficiais, apressados, sem base interpretativa adequada. Sua
tese era exagerada, retomando o "positivismo" de Marx
(maduro) que adotou certa rigidez metodológica linear
(infraestrutura econômica como determinante em última

357
http://pedrodemo.blogspot.com.br/p/curriculum-vitae.html
126

instância). Mas servia como exercício de teoria crítica.”358

Em texto de 1973, “Conflito social: perspectivas teóricas e metodológicas” 359,

vê-se que Demo explora outras referências além do marxismo. Baseando-se

principalmente em Dahrendorf, procurar referenciar o conflito para além de uma

questão de classe, rejeita a tentativa “utopista” de acabar com as raízes do conflito e

dado o seu caráter inerente à dinâmica social, discute as suas formas de “regulação”.

Sua obra de maior relevância para nós, pois trata do tema de aulas que ministrou

no mestrado, é “Metodologia científica em Ciências Sociais”360, cuja primeira edição é

de 1980. Trata-se de um livro de introdução, mas também com largas discussões e

bastante rigor conceitual. Algo bastante constante ao longo do texto é a insistência

contra dogmas e ao caráter aberto da ciência: “só pode ser respeitado como científico

aquilo que se mantiver discutível”361 e “Somente a violência é realmente

“convincente””362 A primeira parte de seu estudo, afastando-se logo de referenciais

positivistas, refere-se ao “Débito social da ciência”, isto é,

“A ciência está cercada de ideologia e senso comum, não


apenas como circunstâncias externas, mas como algo que já
está dentro do próprio processo científico, que é incapaz de
produzir conhecimento puro, historicamente não
363
contextualizado” .

Não há, então, dicotomia entre ciência e ideologia:

“Nas ciências sociais, o fenômeno ideológico é intrínseco,


pois está no sujeito e no objeto. A própria realidade social é
358
Entrevista ao autor (05/03/2014)
359
DEMO, Pedro. Conflito social: perspectivas teóricas e metodológicas. Petrópolis. Editora Vozes, 1973.
360
DEMO, Pedro. Metodologia científica em Ciências Sociais. São Paulo. Atlas, 1992.
361
Idem p. 14
362
Idem, p. 40
363
Idem, p. 18
127

ideológica, porque é produto histórico no contexto da unidade


de contrários, em parte feita por atores políticos, que não
poderiam – mesmo que o quisessem – ser neutros. Não existe
história neutra como não existe ator social neutro. É possível
controlar a ideologia, mas não suprimi-la.”364

Assim, o conhecimento estaria marcado por uma qualidade formal e por uma

qualidade política. Pela primeira, entende-se a propriedade lógica, tecnicamente

instrumentada que compreende domínio de técnicas de coleta, manuseio de dados,

versatilidade na discussão teórica, etc.365. A segunda qualidade, a política, coloca a

questão dos fins, dos conteúdos e da prática histórica. Ela aponta para a dimensão do

cientista social como cidadão, como ator político, que inevitavelmente influencia e é

influenciado. “A qualidade política não substitui nem é maior que a qualidade

formal.”366 e “...não surge dos escombros da qualidade formal, e vice-versa”367

O autor então adota a “posição histórico-estrutural” que

“Significa um equilíbrio crítico e autocrítico entre


condições objetivas e subjetivas. A realidade social em parte é
dada, em parte é feita. Não há sujeito objetivo, mas é
fundamental controlar a ideologia, não pelo distanciamento
farsante, mas pelo enfrentamento aberto, no espaço da
estratégia da discutibilidade.
Qualidade formal e política estão no mesmo patamar de
relevância, bem como teoria e prática.”368

No capítulo “Dialética – Processualidade de Estruturas Históricas”, o autor

considera a dialética “a metodologia mais conveniente para a realidade social...”.

Como há varias formas de dialética, o autor argumenta em favor da dialética histórico-

estrutural, “...que nos parece a mais consentânea com a realidade histórica, porque
364
Idem, p. 19
365
Idem, p. 21
366
Idem, p. 25
367
Idem, p. 84
368
Idem, p. 84
128

equilibra a contento o jogo das condições objetivas e subjetivas”369. Ou seja, sua visão

entende tanto os aspectos de condicionamento social quanto a possibilidade de agir

humano. Demo valoriza a historicidade como o locus próprio da dialética e como a

principal marca dessa historicidade o conflito370. Retomando esses pontos, temos:

“À diferença do estruturalismo francês, que destaca


estruturas que esfriam a história e a tornam meramente
repetitiva, a dialética histórico-estrutural tenta colocar
estruturas da dinâmica, precisamente porque dinâmica, não é
contingência, mas algo da essência histórica, algo estrutural.
Por outra, não significa que estrutura seja “superior”,
“mais importante”, mais “essencial” que a história, porquanto
os conteúdos históricos é que fazem a vida concreta. A vida
social não se dá sem formas, mas acontece no concreto
histórico. Assim, conflito social é estrutura, porque está na
própria constituição da realidade social, mas pela estrutura de
seu acontecer, de sua dinâmica.”371

O primeiro semestre de 1974, quando termina o período em que a maior parte

dos alunos da primeira geração concluiu suas disciplinas, ainda teve um curso sobre

Brasil Colonial do professor Bailley Diffie, o único que este ministrou no programa.

Contaria também com o primeiro curso da professora Ismênia Martins, a quem nos

referiremos com mais detalhe no próximo capítulo.

369
Idem, p. 88
370
Idem, p. 89
371
Idem, p. 95
129

O quadro dos professores que deram as disciplinas da primeira geração é o

seguinte:

Tabela 3: Quantitativo das disciplinas oferecidas


pelos professores da primeira geração
Pedro Freire Ribeiro 5
Pedro Demo 5
Stanley Hilton 5
Richard Graham 3
Nicia Villela Luz 2
Baliley Diffie 1
Ismênia Martins 1
TOTAL 22

Dividimos em 4 os temas das disciplinas:

Tabela 4: Quantitativo das disciplinas


oferecidas para a primeira geração
História do Brasil 12
História da América 5
Metodologia 4
Sociologia 1
TOTAL 22

Estamos excluindo das contagens a disciplina Estudos de Problemas Brasileiros

(EPB), que por vezes nem constava no histórico dos alunos.

Todas as disciplinas de História da América ficaram a cargo de Pedro Freire

Ribeiro.

Algumas disciplinas de História do Brasil são voltadas para técnicas de pesquisa.

Em relação ao recorte cronológico das disciplinas, temos predominância dos

séculos XIX e XX (trabalhados em 5 disciplinas cada um e sendo abordados juntos em

outras 3). Outras duas disciplinas referem-se ao “período colonial”, mas em suas

ementas não há maiores precisões quanto ao recorte.

Em relação ao “eixo temático”, existe um equilíbrio entre o “econômico” e o

“político”, com muitas disciplinas abordando ambas as esferas. Não podemos ter maior
130

precisão na contagem, entretanto, por nos faltarem as ementas da maioria.

Em relação ao número de orientando de cada orientador da primeira geração,

temos os seguintes números:

Tabela 5: Quantitativo dos orientados da primeira


geração por orientador
Richard Graham 5
Arthur Cezar Ferreira Reis 5
Stanley Hilton 3
Pedro Freire Ribeiro 3
Total 16

Graham e Hilton ficaram responsáveis por orientar as dissertações daqueles que

defenderam seus trabalhos até agosto de 1974, isto é, que concluíram seus mestrados em

pouco mais de 2,5 anos372. Com o fim de seus contratos, os dois norte-americanos

deixaram o curso e alguns alunos que haviam iniciado trabalhos sob suas orientações

passaram a ter outros orientadores373 e defenderam suas dissertações nos anos

subsequentes.

Pedro Freire Ribeiro assumiu a orientação das 3 dissertações que abordavam

países latino-americanos. As outras 5 ficaram a cargo de Arthur Cézar Ferreira Reis,

professor que não ministrou disciplinas para a primeira geração mas que se tornaria

numericamente374 um dos mais importantes do curso na década de 1970. Sobre ele,

discutiremos posteriormente.
372
O encurtamento do tempo de curso de mestrado, que à época tinha 4 anos como padrão, pode ter se
dado por conta da urgente necessidade de título para aqueles que pretendiam prestar concurso a professor
assistente na graduação (Entrevista de El-Kareh ao autor – 26/02/2015). De qualquer forma, os já citados
planejamentos do curso previam que ele poderia ser concluído entre 2 e 4 anos
373
Universidade Federal Fluminense. Memória dos Cursos de Pós-Graduação. Perfil do Mestrado em
História e sinopse das dissertações apresentadas para a obtenção do grau de Mestre em História.
Niterói. Eduff, 1986., p. 12
374
A importância de salientar a palavra “numericamente” está no fato de que o volume das atividades de
lecionar, orientar ou publicar de um profissional pode não corresponder ao seus prestígio e influência
intelectuais.
131

2.3 Dissertações

Quadro 4. Dissertações da primeira turma.


1M MAGALHÃES, Marize Arcuri. O desenvolvimento econômico na época Vargas.
Dissertação de Mestrado em História. UFF, 1974. Orientada por Stanley Hilton.
2M OLIVEIRA, Geraldo de Beauclair Mendes de. A evolução do sistema financeiro
na época Vargas. Dissertação de Mestrado em História. UFF, 1974. Orientada
por Stanley Hilton.
3M SOHIET, Rachel. Bertha Lutz e a ascensão social da mulher, 1919-1937.
Dissertação de Mestrado em História. UFF, 1974. Orientada por Stanley Hilton.
4M MOLITERNO, Dylva Araújo. A Constituinte de 1823: uma interpretação.
Dissertação de Mestrado em História. UFF, 1974. Orientada por Richard
Graham.
5M VIANA, Sônia Bayão Rodrigues. A Fazenda de Santa Cruz e as transformações
da política real e imperial em relação ao desenvolvimento brasileiro 1790-1850.
Dissertação de Mestrado em História. UFF, 1974. Orientada por Richard
Graham
6M BRAGANÇA, Vânia Fróes. Município de Estrela – 1846- 1892. Dissertação de
Mestrado em História. Universidade Federal Fluminense, 1974.Orientada por
Richard Graham.
7M SANTOS, Ana Maria dos. Vida econômica de Itaboraí no século XIX.
Dissertação de Mestrado em História. UFF, 1974. Orientada por Richard
Graham.
8M ALBUQUERQUE Júnior, Hildiberto Ramos Cavalcanti. O republicanismo
fluminense: 1887 -1891. Dissertação de Mestrado em História. UFF, 1974.
9M BRANDÃO, Berenice Cavalcante. O movimento católico leigo no Brasil (as
relações entre Igreja e Estado – 1930/1937). Dissertação de Mestrado em
História. UFF, 1975. Orientada por Arhtur Reis.
10M AZEVEDO, Maria Nazareth Capiberibe. Imprensa republicana antes de 15 de
novembro. Dissertação de Mestrado em História. UFF, 1976. Orientada por
Arthur Reis.
11M El-Kareh, Almir Chaiban. Atividades capitalistas em sociedade escravista.
Estudo de um caso: A Companhia da Estrada de Ferro de D. Pedro II de 1855 a
1865. Dissertação de Mestrado. UFF, 1976. Orientada por Arthur Reis.
12M SILVA, Marinete dos Santos. A educação brasileira no Estado Novo
(1937/1945). Dissertação de Mestrado em História. UFF, 1976. Orientada por
Arthur Reis.
13M CARVALHO, Maria Celia Freire de. O Clube 3 de Outubro. Dissertação de
Mestrado em História. UFF, 1975. Orientada por Arthur Reis.
14M TEIXEIRA, Francisco Vinhosa. A diplomacia brasileira e a revolução mexicana
1913-1915. Dissertação de Mestrado em História. UFF, 1976. Orientada por
Pedro Freire Ribeiro.
132

15M KORTCHMAR, Nair Klinger. A evolução política no Chile: seu significado


(1879-1925). Dissertação de Mestrado. UFF, 1976. Orientada por Pedro Freire
Ribeiro.
16M SILVA, Célio Pereira da. A experiência liberal na Colômbia 1848-1886.
Dissertação de Mestrado em História. UFF, 1977. Orientada por Pedro Freire
Ribeiro.

2.3.1 Desenvolvimento e crédito (1m e 2m)

O objetivo do trabalho de Oliveira (2m) 375 é mostrar a evolução do sistema de

crédito entre 1930 e 1944 e sua importância para a transferência de recursos para o setor

industrial, isto é, o desenvolvimento de mecanismos bancários para atender à demanda

crescente de crédito por parte do setor da produção voltado para o mercado interno. A

importância desse crédito bancário se deu pela pouca possibilidade dos industriais de

obterem recursos tanto através de venda de ações como através de recepção de capitais

estrangeiros.

Um ponto de inovação historiográfica a que se pretende Oliveira é fundamentar

que, ao contrário do que alguns colocam, a evolução do sistema bancário fez parte da

prática política de Vargas, assim como seu estímulo para a industrialização. Além disso,

a historiografia não teria ainda dado a devida atenção ao estudo do crédito.

No primeiro capítulo, o autor expõe os traços gerais da atuação dos diferentes

ministros da Fazenda, desde 1930, procurando construir a problemática econômica

brasileira e suas escolhas referentes à política cambial, a déficits orçamentários, etc..

Oliveira demonstra que desde o Governo Provisório havia a consciência por parte de

Vargas e seus gestores de que o desenvolvimento da indústria nacional só poderia

assentar-se se fosse estabelecido um eficiente sistema de crédito376. Gradativamente, o

375
OLIVEIRA, Geraldo de Beauclair Mendes de. A evolução do sistema financeiro na época Vargas.
Dissertação de Mestrado em História. UFF, 1974. 67p. Orientado por Stanley Hilton.
376
p. 17
133

governo vai adotando medidas: em 1932 é autorizado, pela Carteira de Redescontos do

Banco do Brasil criada em 1930, o redesconto de títulos destinados ao financiamento

dos setores da produção industrial. Outra medida seria a Caixa de Mobilização Bancária

que assegurava aos bancos maior capacidade de mobilizar seus ativos para fazer face a

necessidades gerais da economia. Pode-se concluir portanto contra a tese advogada por

Boris Fausto, em “A Revolução de 1930”, de que o Governo Provisório tinha uma linha

contrária aos interesses industriais, opinião que se possibilita apenas pela limitação da

análise à política cambial377. Neste primeiro capítulo, a Celso Furtado o autor também

coloca suas críticas, essas mais pontuais, sobre a dinâmica das importações e o

desenvolvimento da indústria têxtil378.

No segundo capítulo, Oliveira põe a questão “fundamental”, da qual já sabemos

a resposta, de qual seria a fonte do aquecimento da produção voltada para o mercado

interno. É contestada a tese de Furtado que põe ênfase “quase exclusiva” nos capitais

advindos da exportação e que explica a industrialização por meio da transferência dos

recursos do setor do café para as atividades urbano-industriais. Também, para esta

dissertação, tampouco Peláez, que se opõe a Furtado, consegue explicar a alimentação

do investimento industrial com a sua colocação de que mais provavelmente os recursos

do setor do café se dirigiram para a produção de algodão. O autor segue então para

demonstrar a formação e a evolução de um sistema financeiro mais capaz de dar conta

das necessidades da indústria, por parte do governo e principalmente através do Banco

do Brasil. Importante ressaltar nesse processo a Criação da Carteira de Crédito Agrícola

Industrial, em 1936, que fazia uso de recursos de contribuições previdenciárias379.

Para uma suma, agora nas palavras do autor na conclusão, temos:

377
p. 20 e 34.
378
p. 35-6.
379
Idem. p. 4
134

“Os recursos carreados para o setor industrial entre 1930


e 1940 não se originaram do setor do café, como assevera
Celso Furtado. O que podemos admitir, no máximo, é que
fundos formados anteriormente poderiam eventualmente e em
pequena escala contribuir para aquela destinação.
Conquanto Carlos Manoel Peláez desenvolva a tese de
que os fatores aplicados na produção do café foram naquele
período deslocados para o algodão – e que os recursos
financeiros, se existissem, seriam ínfimos para a transferência –
ele não nos apresenta, em última instância, quais seriam os
recursos estimuladores do setor voltado para o mercado
interno.
A nossa ponderação é que o sistema bancário, carreando
capilarmente de toda economia recursos em dinheiro,
desempenhou um papel apreciável, como faz certo o
comportamento do sistema financeiro nacional na época
Vargas.
Principalmente aos bancos comerciais brasileiros e ao
Banco do Brasil coube a tarefa de atender à intensa demanda
de crédito de parte da produção voltada para o mercado
interno.”380

“A evolução do sistema financeiro na época Vargas” tem como principais fontes

documentos oficiais como relatórios e decretos e faz pouco recurso a fontes secundárias,

parte das quais são alvo de críticas do autor. Assim, a dissertação apresenta-se como

bastante original na escolha da problemática, no levantamento de dados a partir de

fontes primárias e na interpretação advogada.

Por sua vez, a dissertação de Marize Arcuri Magalhães, “O desenvolvimento

econômico na época Vargas, 1930-1939”381 (1m) coloca que seu “objetivo é, com base

em vasto material empírico, mostrar que Vargas, de plena consciência, exerceu uma

política econômica desenvolvimentista.”382. O texto de Magalhães não se ocupará

unicamente com as expressões do estadista, mas a cada capítulo vai explorar alguma

faceta da política econômica. No primeiro e no quarto, trará um quadro geral,

380
Idem. p. 60
381
MAGALHÃES, Marize Arcuri. O desenvolvimento econômico na época Vargas. Dissertação de
Mestrado em História. UFF, 1974. 67p. Orientado por Stanley Hinton
382
Idem. p. 4
135

respectivamente, da atuação de Vargas face a problemas econômicos e do crescimento

industrial nos anos 30 considerando diferentes setores (borracha, combustíveis, etc.). No

segundo capítulo, de maior mergulho empírico, “descemos às minúncias do Inquérito

Industrial de 1936, até então só citado, de leve, por Humberto Bastos e colocado em

sua devida importância por Stanley Hilton” 383. No terceiro, trata das discussões da

década de 30 sobre o problema siderúrgico nacional.

Magalhães reforça o coro contra as hipóteses, como a de Warren Dean, que

defendem que “...até o fim da década dos trinta, inexistia no país uma ideologia

desenvolvimentista e “qualquer estímulo oficial compreensivo e consciente” à

industrialização”384. Também mira em Otávio Ianni (“Estado e planejamento

econômico no Brasil”) que, “embora reconhecendo uma fase nova nas relações entre o

Estado e o sistema político-econômico, nega que isso tenha sido resultado de um plano

pré-estabelecido.”385 Magalhães vai demonstrando como a indústria foi o setor onde se

processaram as modificações mais substanciais, em um processo em que a ação estatal

“assumiu proporções jamais representadas, realizando crescente intervenção na ordem

econômica e social”, o que iria ao encontro “da vontade da classe industrial”386. No

primeiro capítulo, cita alguns desses estímulos referentes a transportes, tarifas

alfandegárias, etc.. (sem contudo discutir o aspecto trazido pelo seu colega Oliveira, da

importância do crédito bancário). As principais fontes aqui são relatórios do Ministério

da Fazenda e avaliações de comissões estatais e personagens contemporâneos como,

além do próprio Vargas, Roberto Simonsen.

No capítulo seguinte fala do Inquérito Industrial, um esforço de Vargas para

383
Idem. p. 4
384
Idem, p. 6
385
Idem, p. 53
386
Idem, p. 18
136

melhor diagnosticar a situação industrial no Brasil e suas possibilidades de expansão.

Participariam do inquérito órgãos estatais e privados nos diferentes estados e havia uma

campanha para que houvesse uma sensibilidade da sua importância e exatidão. O

inquérito se debruçaria em temas como valor das instalações e capacidade máxima da

produção, tipos e qualidades da produção, preços dos produtos, impostos e cargos, etc..

Magalhães registra que houve problemas tanto pelo atraso da entrega dos relatórios

quanto pela qualidade de suas informações. As respostas apontavam a carência de

transportes, de financiamento, a necessidade de estabelecer uma preferência pelo

consumo de produtos nacionais, etc.. De São Paulo, veio o relatório mais completo,

capitaneado pela FIESP que, entre outras coisas, ressentia-se dos encargos trabalhistas.

A conclusão da autora é que “boa parte das reivindicações contidas no inquérito sobre

as possibilidades de expansão da indústria brasileira tendiam a coincidir com políticas

governamentais já em desenvolvimento, servindo para reforçar suas convicções nas

metas projetadas.”387. No capítulo posterior sobre o plano siderúrgico, a autora fala de

recorrente intenção de Vargas para com seu desenvolvimento, as dificuldades percebidas

para sua execução e as discussões sobre diferentes propostas (como por exemplo a

trazida pela empresa Itabira Iron Ore Company).

Sua conclusão, concentrada em um único parágrafo, diz o seguinte:

“O Brasil, sob o governo revolucionário de Vargas,


procedeu à sua primeira transformação estrutural. As
circunstâncias históricas limitadoras do desenvolvimento
econômico foram atacadas de frente e, dentro das
possibilidades do momento, iniciou-se a marcha em busca de
sua superação. A industrialização passou a ser uma
preocupação básica da política econômica governamental e o
Estado procurou coordenar os esforços em prol de sua

387
Idem, p. 32
137

realização efetiva.”388

2.3.2 Município (6m e 7m)

O trabalho de Vânia Fóes Bragança, “Município de Estrela – 1846-1892”389

(6m), pela eleição de um espaço como objeto, poderia ter sido defendido também em

um programa de Geografia, inclusive envolvendo bastante imersão nos aspectos físicos

da localidade. Aqui o incluímos como “história econômica” dada a atenção por aspectos

do desenvolvimento na região estudada.

Comentando sobre a historiografia produzida então sobre o tema, a historiadora

ressalta seu caráter bastante restrito:

“Os estudos específicos de história urbana no Brasil são


raros e na maioria das vezes limitam-se ao período colonial. A
industrialização e a consequente intensificação do processo de
urbanização tem despertado o interesse de alguns sociólogos e
historiadores brasileiros. Mas, o século XIX, tão marcante na
evolução do Brasil, permanece praticamente sem um estudo de
caráter geral que pudesse servir de referência às abordagens de
casos específicos. Uma síntese da evolução urbana nesse
período dar-nos-ia uma perspectiva nova de análise.”390

Outra dificuldade levantada pela autora é a da ausência de uma história regional

para o local estudado391. Assim, o trabalho foi feito com bastante recurso a fontes

primárias, como fontes cartoriais e coleção de documentos da Secretaria de Obras

Públicas da Província do Rio de Janeiro, além de descrições de relatos de viajantes do

século XIX. Isso permitiu à autora a construção de mapas e tabelas estatísticas sobre

Estrela e original contribuição informativa.


388
Idem. p. 52
389
BRAGANÇA, Vânia Fróes. Município de Estrela – 1846- 1892. Dissertação de Mestrado em História.
Universidade Federal Fluminense, 1974. 118p. Orientada por Richard Graham.
390
Idem, p.9
391
Idem p. 10
138

A autora procura sempre situar a história de Estrela dentro do quadro de

transformações gerais do século XIX. Esse exercício de contextualização é realizado

principalmente no capítulo 3, “As transformações econômicas do século XIX no Brasil

e sua importância para Estrela”. Aqui é explicitada a principal função do município, a

de entreposto comercial e suas articulações com o sistema de exportação. No capítulo

seguinte, que nos parece o principal do trabalho, “Estrela, uma comunidade urbana em

entroncamento de rotas”, a autora observa o desenvolvimento material de Estrela e sua

inserção em certa dinâmica econômica e de infra-estrutura. São destrinchadas questões

relativas à evolução da produção cafeeira, das estradas, dos portos da região, da

construção da Estrada de Ferro D. Pedro II, etc.. Não é trazido a primeiro plano, em

especificidade, os agentes sociais, muito embora não estejam de todo ausentes 392. O

objeto é o próprio espaço e como ele sofre e repercute ações econômicas e materiais,

tendo como pano de fundo a evolução do momento de sua maior importância para o

sistema produtivo até o momento de seu declínio nesse mesmo sentido.

No capítulo VII, “Considerações acerca da crise”, a autora discute

empiricamente as explicações dadas para a crise que culminou na extinção do município

de Estrela (que compreendia áreas hoje pertencentes a Caxias, Nova Iguaçu, Petrópolis

e Magé):

1. o desequilíbrio causado no município pela Estrada de Ferro Mauá;


2. as febres que resultaram na obstrução dos rios e pântanos abandonados
sem saneamento;
3. a D. Pedro II
4. a abolição da escravatura”393

Contrariando hipóteses, a autora prefere situar a explicação no contexto mais

amplo de declínio do café fluminense, muito embora entenda que a explicação depende
392
Ver, por exemplo, p. 39.
393
Idem p. 83.
139

do próprio conceito de cidade que se adote.394

Ao longo do texto, a dissertação tem uma preocupação conceitual recorrente: a

definição de “cidade” ou “espaço urbano”. A autora vai debater principalmente as

propostas de definição de Henri Pirenne e Max Weber. O primeiro deles, o medievalista

belga, “compreende a cidade basicamente dentro do quadro do desenvolvimento do

comércio e portanto faz da cidade uma verdadeira comunidade de mercadores.” 395 Já

Weber, segundo Fróes, “caracteriza o aparecimento da cidade quando existe uma

comunidade urbana e relaciona o conceito de economia urbana ao de mercado. No

entanto, não vincula a ideia de mercado apenas à existência do grande comércio como

Pirenne o faz.”396 Weber também envolveria mais elementos para caracterizar uma

cidade como: fortaleza, autonomia política, existência de um direito urbano, etc., e a

partir disso estabelece subtipos de acordo com o traço dominante em cada cidade 397.

Depois de expor as diferenças entre as propostas desses autores, a dissertação coloca:

“Dentro do raciocínio acima exposto teríamos que


colocar algumas questões fundamentais em relação à Estrela:
1. o que nos autorizaria a chamá-la ou incluí-la dentro da
categoria de comunidade urbana que Weber nos traça?
2. caso a incluíssemos em tal categoria a que tipo
corresponderia dentre aqueles descritos por Weber?
3. A comunidade urbana conservou-se em todo o período
mais expressivo de sua história, dentro de uma mesma tipologia
ou trnasformou-se no decorrer desse período?”398

A partir dos dados levantados, conclui que, tomando décadas diferentes, Estrela

corresponderia a uma tipologia mista, englobando três tipos distintos: a cidade de

consumidores, de produtores e a cidade agrária399. Vê-se então que o objetivo do


394
Idem, p.89
395
Idem p. 7
396
Idem p. 68
397
Idem. p. 69
398
Idem. p. 69
399
Idem. p.72
140

capítulo, e da discussão conceitual na dissertação, é fundamentalmente classificativa.

Em sua conclusão, é feita uma colocação epistemológica com base em Léon-E

Halkin: a de que o trabalho do historiador, muito embora envolva um nível subjetivo

concernente à opção metodológica, não exclui a possibilidade de um caráter científico.

Conclui também dizendo que a explicação dos fenômenos históricos depende das

premissas, que no caso são os conceitos de urbanização, sem indicar predileção por

algum dos trabalhados400.

Passando agora ao trabalho de Ana Maria dos Santos, “Vida econômica da

Itaboraí no século XIX” (7m)401, temos grande semelhança metodológica com a

anterior: a eleição de um espaço como objeto e a descrição de suas características

econômicas. Aqui também não toma relevância os agentes humanos e suas atuações

políticas e econômicas, mas a abordagem de um município como um todo que evolui ou

involui em produtividade, em infra-estrutura, etc..

Historiograficamente, a preocupação da autora se coloca em trazer a primeiro

plano a especificidade da dinâmica interna do município para que esta não esteja

confundida com as linhas das explicações generalizantes sobre o Recôncavo da

Guanabara e em especial sobre a temática de seu declínio no século XIX. A autora

demonstrará que havia certa diversificação na economia de Itaboraí, inclusive com certo

mercado interno, e, por não ser tão estruturada a partir de produção monocultora para

mercado externo (café), ela pode ser mais resistente aos fatores conjunturais que

levavam à decadência algumas regiões do Recôncavo da Guanabara 402. Segundo a

autora, Itaboraí não confirma as proposições gerais para o declínio econômico do

400
Idem p. 93-5.
401
SANTOS, Ana Maria dos. Vida econômica de Itaboraí no século XIX. Dissertação de Mestrado. UFF,
1974. 124p. Orientada por Richard Graham.
402
Idem. p. IX
141

Recôncavo, mostrando uma situação menos problemática e algumas vezes até

crescimento403. Santos mobilizou uma quantidade grande de fontes, boa parte delas

estatísticas, para a descrição da dinâmica econômica do município. Fez uso de relatórios

de presidentes de províncias, anais de assembleia legislativa, almanaques, inventários de

cartórios, etc.. Seu valor historiográfico foi, além de procurar fornecer uma

diferenciação entre Itaborái e o resto do Recôncavo, o de fazer descrições bastante

informadas sobre as atividades produtivas. À exceção da introdução onde comenta

algumas das leituras generalistas sobre o Recôncavo, seu trabalho é quase que

exclusivamente derivado de fontes primárias.

No capítulo III, “O café”, estuda as flutuações dessa produção em Itaboraí

contabilizando o número de lavradores e o volume de sua exportação, bem como

descrevendo algumas características de sua cultura, como métodos de cultivo, as

instalações da fazenda, etc.. Termina concluindo que “O café em Itaboraí, apesar de um

período de superioridade em relação à cana, não chegou a marcar demasiadamente o

município com seus efeitos de sua decadência, posto que a dependência exclusiva da

monocultura cafeeira não existia em Itaboraí.”404

O capítulo seguinte, “A cana-de-açúcar”, é semelhante ao anterior: a autora

expõe o volume de sua produção, da variação de seu preço, as principais localidades em

que se dava, as instalações da fazenda, os instrumentos utilizados, a presença de olarias,

etc.. Santos coloca que a importância da cana para o município é que ela o permitiu

maior estabilidade de rendas e, ao lado do café, significou uma diversificação que lhe

tornava menos sujeita às flutuações do mercado internacional405. No capítulo seguinte, a

dissertação abordará a problemática da mão-de-obra no município. Mas isto não dará ao

403
Idem. p. 4
404
Idem. p. 38
405
Idem. p. 60
142

seu trabalho um caráter mais “social”: a escravidão e o trabalho livre aparecem como

elementos econômicos, figurando neste capítulo ao lado das descrições da produção de

gêneros e das atividades industriais, podendo assim chegar ao conhecimento do seu

objeto principal, o município de Itaboraí. Dessa forma, arremata ao final:

“A crise observada no fornecimento de mão-de-obra


escrava estava afetando a vida econômica do município nos
setores direta ou inidiretamente ligados à exportação. Mas a
própria crise e a não renovação dos braços permitiam
orientações no sentido de superá-las, através do trabalho livre e
da produção para o mercado interno. Se esta reorientação não
concedia ao município a prosperidade do início do século,
quando a produção para exportação se incrementava, pelo
menos se refletia em menor dependência e, portanto, maior
capacidade de resistir aos impactos externos e a perda de
funções econômicas. Contribuía, enfim, para dar certa
estabilidade às rendas municipais em um período de crise para
a maioria dos municípios do fundo da baía. A situação
condicionante da economia provincial – a dependência da
produçaõ para exportação – teria seus efeitos atenuados em
Itaboraí graças a uma produção mais diversificada e a essa
possibilidade de produzir para consumo interno.”406.

Quase inteiramente baseada em fontes primárias, a dissertação de Santos se

dedicará ainda aos capítulos “Transportes e comunicações” e “O comércio”.

Esses dois trabalhos, “Município de Estrela...” e “Vida econômica de

Itaboraí...” , comungam, assim, de uma mesma identidade metodológica, com a

diferença que a primeira busca conceituações sobre o urbano. Que tipo de significado e

limitação tem essas dissertações nas quais os municípios, e não os homens, plantam,

transportam, rendem, resistem e declinam?

2.3.3 Produção e empresa (5m e 11m)

406
Idem.p. 76
143

A dissertação 5m, “A Fazenda de Santa Cruz e as transformações da política

real e imperial em relação ao desenvolvimento brasileiro 1790-1850”407, de Sônia

Bayão Rodrigues Viana, elege como objeto principal uma unidade produtiva. Seus

capítulos são “Histórico”, “Tentativas de inserção no sistema de exportação”, “O

suprimento das necessidades urbanas” e “Aspectos gerais da Fazenda de Santa Cruz”.

O contexto a que alude diz respeito fundamentalmente à “crise que atravessava

o sistema colonial com a emergência do capitalismo industrial” 408 Isso significa que a

administração da Fazenda de Santa Cruz, que antes fora jesuíta e que depois passou a

ser propriedade real, seria um exemplo de iniciativa da Coroa Portuguesa para superar

seu atraso em relação às nações europeias que se industrializavam409.

A primeira iniciativa nesse sentido seria a tentativa de inserção da fazenda no

sistema exportador com a produção de engenhos de açúcar, além do desenvolvimento de

outras culturas cujos sucessos e reveses nos são apresentados no capítulo II. A autora

observa as avaliações de diferentes agentes sobre a fazenda, as motivações para certos

investimentos, as discussões sobre se seria melhor ou não a venda de Santa Cruz para

algum particular, etc., trazendo assim uma história das questões administrativas da

unidade. Como exemplo, sobre a questão de sua possível venda no começo do XIX, a

dissertação traz os argumentos principais dos que se mostravam favoráveis à negociação

de Santa Cruz: a possibilidade de abatimento da dívida real na capitania do Rio de

Janeiro e a má administração vigente naquela propriedade devido à incapacidade do

corpo administrativo. Os argumentos contrários à venda de Santa Cruz mostrados pela

autora são, por exemplo, a consideração de que sua alienação tornaria mais fácil uma

407
VIANA, Sônia Bayão Rodrigues. A Fazenda de Santa Cruz e as transformações da política real e
imperial em relação ao desenvolvimento brasileiro 1790-1850”. Dissertação de Mestrado. UFF, 1974.
104 p. Orientada por Richard Graham.
408
Idem, p.1
409
Idem. Ibidem
144

invasão estrangeira410.

Prevalecendo como propriedade da Coroa e depois dos insucessos em se tornar

uma unidade exportadora (além de tantos outros como a não instalação de uma

manufatura de lã na fazenda411), a importância de Santa Cruz veio se concretizar como

supridora para as crescentes necessidades de gêneros alimentícios para a população

urbana do Rio de Janeiro, em especial de carne verde: “Desta forma, embora por meios

indiretos, Santa Cruz relacionava-se com a economia internacional uma vez que a

cidade do Rio de Janeiro crescia em função de sua relação com aquela economia”412 O

capítulo 3, então, é sobre o crescimento urbano do Rio, a pecuária na história econômica

do Brasil e na fazenda de Santa Cruz. Nesta última parte, nos são relatados então suas

características geográficas, seu histórico de servir de pasto para boiadas vindas de fora,

o fato de que a produção pecuária exigia menos investimento de capital que a produção

agrícola, as expressões de interesse dos administradores para com essa produção, a

importância como receita do arrendamento de pastos, etc.. Ainda neste capítulo, a autora

explora características de outras produções da fazenda como a mandioca e sua

importância para a alimentação dos escravos, o algodão, etc..

“Aspectos gerais da Fazenda de Santa Cruz”, o capítulo 4, começa abordando a

questão de posseiros que se instalaram no interior da fazenda e as medidas da

administração em relação a eles. “Ocupações ilegais, concessão de título de posse sem

cumprimento da exigência da demarcação e mediação dos terrenos concedidos foram

problemas que a Coroa procurou resolver não só em relação ao país em geral como

também relativamente às suas propriedades em particular. Daí, o surgimento de vários

410
Idem. p. 29
411
Idem. p. 63-4
412
Idem. p.37
145

decretos...”413 Apesar de choques com intrusos, a fazenda poderia incentivar sua

permanência mediante a legalização da ocupação e compensação financeira. Um

exemplo de disputa se deu na primeira metade do século XIX quando, depois da

independência, a Fazenda de Santa Cruz passou a fazer parte dos bens pessoais de D.

Pedro I. O imperador fez uma nova delimitação das terras, concluída em 1827, que

gerou muitos protestos de particulares que viram partes de suas propriedades incluídas

nos terrenos daquele patrimônio real. Em 1839, D. Pedro I recuaria com uma resolução

declarando que a Fazenda de Santa Cruz somente compreendia os terrenos em cuja

legítima e efetiva posse ele, D. Pedro I, se achava no dia 25 de março de 1824. As

discussões sobre a delimitação das terras, entretanto, adentrariam o século XX.

Passando ao tema da mão-de-obra, este último capítulo a aborda principalmente

sob o prisma administrativo e produtivo, como com a consideração de que após 1790

havia uma preocupação para que houvesse uma utilização mais racional dos escravos,

como: uma divisão de tarefas, melhor escolha dos lugares de construção das senzalas

para que se evitasse cansaço em deslocamentos, treinamento em vários ofícios, etc.414.

Ainda considerando o que o escravo significava produtiva e administrativamente para a

fazenda, Viana traz que o regime concedia uma margem a uma parcela de cativos para

que tivessem uma produção própria, visando assim minimizar os custos de manutenção

por parte dos proprietários. Essa prática, entretanto, não era vantajosa pois deixava o

escravo subalimentado e em 1869, o superintendente João Saldanha da Gama recebeu

ordem de Pedro II para que fosse eliminada 415. O item seguinte é “Comunicações e

Transportes” e “Administração”, mostrando mais uma vez o sentido fundamental desta

dissertação que é explicitar o funcionamento de uma unidade produtiva no século XIX.

413
Idem. p. 74
414
Idem. p. 78
415
Idem. p.81
146

Trata-se novamente de uma dissertação com grande mergulho empírico. Explora

fontes estatísticas, de legislação e boletins administrativos. Fundamentalmente, além de

mostrar aspectos da produção na Fazenda de Santa Cruz, a dissertação de Viana aborda

os dilemas administrativos – tanto os internos da Fazendo quanto os da Coroa e do

estado imperial frente à economia internacional. Apesar de fazer referências a alguns

conceitos como “antigo sistema colonial”, “capitalismo comercial”, “capitalismo

industrial”, etc., eles não são objeto específico de reflexão da autora. O mesmo pode-se

dizer das fontes secundárias, com as quais não se trava discussão historiográfica, antes

sendo utilizadas como fontes de informação principalmente para a construção do

contexto histórico. Assim como outras dissertações, como as acima sobre municípios,

Viana justifica seu objeto específico como parte de um processo mais amplo: “Pois o

estudo da história da Fazenda de Santa Cruz só se revela importante para nós na

medida em que pode ser relacionado com a análise da estrutura brasileira em geral da

qual ela é apenas uma pequena parte.” 416. Trata-se mais propriamente de um exercício

de contextualização que de um estudo holístico que integre diferentes níveis de análise,

prevalecendo o mergulho empírico sobre as dinâmicas do objeto principal, a fazenda.

A dissertação 11m é “Atividades capitalistas em sociedade escravista. Estudo de

um caso: A Companhia da Estrada de Ferro de D. Pedro II de 1855 a 1865.” 417, de

Almir Chaiban El-Kareh. O grosso dessa dissertação é, semelhante a de Viana que

analisamos acima, uma narrativa de questões administrativas, financeiras e políticas de

uma empresa nos seus dez primeiros anos (enquanto foi privada pois logo passaria a ser

propriedade estatal). Com amplo registro de fontes, temos a exposição de dificuldades

416
Idem. p. II
417
EL-KAREH, Almir Chaiban. “Atividades capitalistas em sociedade escravista. Estudo de um caso: A
Companhia da Estrada de Ferro de D. Pedro II de 1855 a 1865.”. Dissertação de Mestrado. UFF, 1976.
191p. Orientado por Arthur Cézar Ferreira Reis.
147

técnicas das obras de construção, questões salariais com os trabalhadores, questões

contratuais com bancos e o Estado, organizações e intrigas na cúpula diretora,

fiscalizações, prestações de conta, dinâmicas acionárias, etc.. Esses são assuntos de que

se ocupam principalmente o capítulo II, “A Companhia da Estrada de Ferro de D.

Pedro II de 1855 a 1865.”, que é mais de dois terços das páginas de texto da

dissertação. Trata-se assim de um profundo mergulho na dinâmica interna de uma

empresa no século XIX, explorando com densidade de informação os variados aspectos

econômicos, técnicos e políticos da entidade. Mas El-Kareh vai além, diferenciando-se

do trabalho de Viana à medida em que aprofunda reflexões sobre a “formação

econômica e social brasileira”.

Uma das problemáticas principais, que consta no título, é o funcionamento de

empresas capitalistas em uma sociedade escravista. O autor entende que só é possível

entender a formação econômica e social escravista em sua relação com o modo de

produção capitalista. Essa relação tem duas facetas: por um lado, ela estava subordinada

ao capitalismo mundial; e por outro, e por consequência, e este é o assunto principal de

Kareh, ela desenvolvia o capitalismo brasileiro o subordinando. Ou seja, existia uma

“subordinação formal” da produção escravista ao capital industrial que resulta no

surgimento de empresas capitalistas no interior da “formação social e econômica” do

escravismo418:

“A “plantation” se acomodava ao mercado mundial,


preservando seu conteúdo escravista, mas adotando uma nova
forma pela modernização daqueles setores que a articulavam
com o mundo capitalista: basicamente os setores de serviço
ferroviário e bancário. Deste ponto de vista, o papel destas
atividades capitalistas era fundamentalmente diverso aqui do
que num país à dominante capitalista: na sociedade escravista
418
Idem, p. 38
148

as empresas capitalistas atuavam em função dos interesses


dela.”419

O interessante então é que, subordinado ao capitalismo mundial, o escravismo

deve, até por uma questão de sobrevivência como senhor de escravos 420, reagir

progressivamente modernizando sua infra-estrutura e assim promovendo um

capitalismo brasileiro subordinado seu421. E cabe aqui mencionar a magnitude do

empreendimento que foi a Companhia, só comparável em tamanho ao Banco do

Brasil422. Concluirá o autor que no interior do Brasil, “fora não só possível a união

entre os modos de produção escravista e capitalista, como também a subordinação

deste àquele”, não havendo entre eles incompatibilidade profunda423.

El-Kareh também envolverá em sua análise o Estado brasileiro, o agente

principal da organização da Companhia da Estrada de Ferro e que se tornaria seu

proprietário em 1865 (quando se encerra o recorte do autor).

“Desta forma, o modo de produção escravista, incapaz


por suas próprias limitações estruturais de realizar o
aparelhamento ferroviário do país, e mais especialmente de sua
produção, transferia para o Estado o ônus de tal
empreendimento424.

O Estado se envolve com o empreendimento tanto para não perder o controle

sobre o conjunto das atividades econômicas quanto para viabilizá-lo diante da

debilidade orçamentária425. Sendo fundamentalmente uma expressão da classe

escravocrata, “aos poucos, o Estado escravista se transformava em empresário


419
Idem. p.148
420
Idem. p.53
421
Idem. p.22
422
Idem. p.55
423
Idem. p. 149
424
Idem. p. 146
425
Idem. p. 25
149

capitalista.”426 “A Companhia da Estrada de Ferro D. Pedro II foi, por isso mesmo, por

mim chamada “filha branca de mãe preta.”427. É uma “empresa capitalista de um

Estado escravista. Estado escravista empresário capitalista.” 428 Em sua detalhada

narrativa mostra como o Estado imperial vai aprendendo os negócios e se agigantando

enquanto administrador capitalista, e ao final absorvendo a Companhia e se tornando o

principal empresário, ao mesmo tempo em que marcado por ser um instrumento dos

senhores escravistas do café.

Se quisermos sintetizar, talvez um pouco rudemente, as ideias trabalhadas pelo

autor, poderíamos dizer que ela compreende uma cadeia: os escravistas dominam o

Estado que domina a Companhia, de onde conclui-se que a empresa capitalista está

subordinada ao escravismo. Mas El-Kareh vislumbra também as contradições:

“Construída a estrada e inaugurado o tráfego, as


relações entre a Companhia e o governo se tornaram mais
complicadas. Era difícil conciliar os interesses dela com o do
público, pois o aumento dos de seus lucros se chocava com a
redução dos fretes.(...) Não faltava quem gritasse: “baixai a
tarifa: para que vos serve a garantia de juros, senão para
beneficiar a lavoura e o comércio? As estradas de ferro não são
especulações mercantis, mas estabelecimentos nacionais.” Era
o grito dos fazendeiros que expressava em parte sua frustração.
O Estado ficava dividido entre seus interesses próprios, de
garantidor dos lucros da Companhia até 7%, querendo se ver
livre deste fardo o mais rapidamente possível, e os interesses da
agricultura, que ele mesmo representava.”429

Vê-se que a dissertação de El-Kareh tem substantivo investimento teórico,

visando sempre uma síntese econômica e política sobre o Brasil do século XIX. E o faz

sem se descuidar do trabalho com fontes, sem dúvida o principal estofo da dissertação,

onde dá relevo tanto a agentes quanto a estatísticas. Aborda uma miríade de questões

426
Idem. p. 36
427
Idem p. 26
428
Idem p. 137-8
429
Idem. p. 146
150

pormenorizadas como a inexperiência da gestão empresarial no Brasil430; a relação dos

empreiteiros com a direção da companhia, por exemplo, mostrando como aqueles

iludiam a fiscalização431; querelas com as desapropriações necessárias para a construção

do caminho da ferrovia432; as diferentes estratégias do governo que primeiramente

pensou na alternativa de entregar a empresa ao capital estrangeiro e, em seguida,

abandonou essa ideia ao vislumbrar a possibilidade de se conciliar uma direção nacional

com o aliciamento de capitais estrangeiros; a dificuldade de mão-de-obra especializada

para o trabalho no tráfego; impressões de funcionários da diretoria e da imprensa;

questões tecnológicas, lucros e movimentos acionários, etc..

Os principais conceitos trabalhados por El-Kareh são os de “subordinação

formal do trabalho ao capital”, de Karl Marx; “modo de produção colonial escravista”

(formulado por Ciro Cardoso) e “formação econômica e social” (empregado por Roger

Bartra). Para fins laterais, falará também de mais-valia absoluta e relativa433.

Sobre como se percebe inserido na historiografia, El-Kareh diz:

“muito pouco se produziu sobre a estrututra econômico-


social do 2º Reinado. Os estudos existentes – alguns muito bons
– se referem mais que nada à estrutura escravista de produção.
Era natural que as demais formas de produção – todas
secundárias – tivessem sido relegadas.”
(...)
“A ausência quase completa de trabalhos monográficos
sobre empresas no período estudado aliada à inexistência em
nossa historiografia desta preocupação, que é a minha, me
levou à execução de uma obra sem diálogos. Faltou-me críticas,
não tivem em quem me apoiar. Restou-me a pequena, mas muito
útil, orientação bibliográfica de meu amigo Ciro Flamarion
Santana Cardoso, que permitiu que este trabalho tivesse um
alcance teórico-metodológico maior que meu ensaio anterior,

430
Idem. p. 57
431
Idem. p. 64
432
Idem p. 85
433
Idem p. 2 e p. 18-20.
151

sobre o mesmo assunto.”434

2.3.4 Militância feminista (3m)


A dissertação de número 3 foi escrita por Rachel Sohiet e é intitulada “Bertha

Lutz e a ascensão social da mulher (1919-1937)”435. Ela está dividida em três capítulos.

O primeiro, “Introdução”, nos traz aspectos da condição da mulher desde a antiguidade.

O segundo, “Os primeiros anos do feminismo no Brasil” observa os primeiros passos

da militância de Bertha Lutz. O terceiro capítulo, “O feminismo e a Revolução de

1930”, aborda esta década considerada um marco para a efetivação de muitos direitos

da mulher. Trata-se de um trabalho de história política com enfoque nas concepções

feministas e nas ações militantes de Bertha Lutz.

A dissertação considera Bertha Lutz como “o principal agente da modificação

da condição feminina em nosso país.”436 e em alguns momentos pontua as

características pessoais de Lutz: “Espírito idealista, batalhador...”437. No capítulo 2,

Sohiet nos fala das principais ideias de Bertha Lutz sobre temas como sua concepção de

luta feminista, o trabalho feminino, direitos políticos (voto e direito de ocupação de

cargos públicos) e educação. Temos também nesse capítulo 2, alguns passos

organizativos da militância feminista de Lutz, bem como elementos do contexto sobre

algumas questões que ela discutiu.

Para Lutz, em uma de suas primeiras “manifestações feministas”, “Cabia,

portanto, à própria mulher empreender todos os esforços e sacrifícios para que sua

434
Idem p 1-2.
435
SOHIET, Rachel. Bertha Lutz e a ascensão social da mulher, 1919-1937. Dissertação de Mestrado.
UFF, 1974. 88p. Orientada por Stanley Hilton.
436
Idem. p.7
437
Idem. p. 8
152

capacidade fosse reconhecida.”438 Lutz era a favor da criação de associações que

pudessem fazer pressão para romper tabus e preconceitos relativos à libertação da

mulher439. Lutz também rejeitava a violência nas manifestações, preferindo atuar de

“forma moderada e serena” Acreditava também que “a ascensão social da mulher

resultaria em benefícios, não só pessoais dando-lhe oportunidade de realização, como

também contribuiria para o progresso do país.”, para a elevação cultural do contexto

familiar e social, além das vantagens decorrentes da participação esclarecida da mulher

na vida pública. Bertha Lutz participava de atividades de associações feministas

internacionais e funda, em 1922, a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino

(FBPF) e mais tarde a Aliança Brasileira pelo Sufrágio Feminino. Em sua atuação em

prol do trabalho feminino, Lutz pleiteou representação proporcional feminina entre os

membros do Conselho Nacional de Trabalho, instituído por Arthur Bernardes; e a

inclusão de uma representante da FBPF no Conselho de Assistência à Infância, obtendo

êxito dessa vez440. Para as várias dessas questões nas quais Lutz se envolveu (educação,

trabalho, direitos políticos), a dissertação nos oferece informações sobre a situação

feminina.

No terceiro e último capítulo, a autora entende que a Revolução de 1930 deu

margem para que fosse institucionalizada a grande maioria das reivindicações

femininas. Sohiet mostra a participação de Bertha Lutz em discussões legislativas e

constitucionais como, por exemplo, sobre a criação do Departamento Nacional da

Mulher e o direito de voto.

“Ao final da luta, as feministas tiveram suas

438
Idem. p. 9
439
Idem. p. 9-10.
440
Idem. p. 24
153

reivindicações concretizadas na Constituição de 1934,


comemorando o trunfo com a “Festa da Vitória”. Resultaram
das sugestões formuladas por Bertha os artigos que
estabeleciam o assessoramento dos ministérios por
especialistas, que formariam os Conselhos Técnicos; a
igualdade de direitos, sem distinção de sexo à nacionalidade, ao
voto, à elegibilidade e ao exercício de cargos públicos. Também,
aqueles que estipulavam garantias individuais, a organização
da vida econômica, visando possibilitar a todos uma existência
digna e a proibição da usura. No que tange à organização do
trabalho decorriam de suas proposições a proibição de
diferença salarial para um mesmo trabalho por motivo de
idade, sexo, nacionalidade ou estado civil; a garantia de um
mínimo de conforto e bem estar para o trabalhador; a
instituição do lazer, a preferência por mulheres habilitadas para
serviços referentes à maternidade, infância, lar e trabalho
feminino. Ainda, foram inspirados por Bertha os artigos que
instituíam o amparo à maternidade, a proteção da juventude, a
isenção feminina do serviço militar, a licença remunerada às
funcionárias públicas gestantes.”441

A autora aborda ainda outras inciativas de Bertha Lutz na Câmara Federal,

algumas das quais não envolviam o feminismo. A dissertação termina nos dizendo que a

dissolução do Congresso em 1937 impediu que o Estatuto da Mulher entrasse em vigor,

atrasando em décadas algumas conquistas femininas442.

Na conclusão, Sohiet faz alguns juízos políticos. Sobre o feminismo

internacional, fala de suas “limitações”: “Ainda que pretendesse a libertação da

mulher, o feminismo em foco não incluiu um aspecto fundamental de uma sociedade

capitalista. Não questionou a estrutura econômica, verificando o mercado de trabalho,

com vistas a um aproveitamento equitativo de ambos os sexos.” 443. Sobre o movimento

liderado por Bertha, a autora aponta criticamente o apelo feito para o “cavalheirismo

inato dos brasileiros” E ainda: “Importa assinalar que evidenciando a presença de

tabus oriundos do patriarcalismo, não observa-se das feministas em pauta, sequer

441
p. 49
442
Idem. p. 54
443
Idem. p. 56
154

menção à sexualidade feminina”. Conclui também que, mesmo com essas limitações, e,

“em que pese alguns laivos de liberalismo romântico”, foram importantes as ideias

reformistas de Bertha.

Esta dissertação trabalhou muito com fontes primárias. São bem poucos os

títulos da bibliografia que versam sobre a mulher e o feminismo, e nenhum deles aborda

diretamente Bertha Lutz (a julgar pelos títulos). A autora fez uso de arquivos, inclusive

o arquivo privado de Bertha Lutz com quem pode se encontrar 444 (sem entretanto, citar

essa entrevista no corpo do texto). Foram ainda utilizados os arquivos da Federação

Brasileira pelo Progresso Feminino (particular), da União Universitária Feminina,

documentos oficiais legislativos, e documentos de imprensa. A dissertação não faz

discussão historiográfica ou teórica. Temos algo próximo de um discussão conceitual

apenas na penúltima nota de rodapé, que fala sobre a conceituação de Juliet Mitchell,

para quem, “com base no conceitual de Superdeterminação de Luiz Althusser,

condiciona a libertação da mulher à transformação das quatro estruturas em que ela

está integrada: produção, reprodução, socialização, sexualidade.”445. Sohiet,

entretanto, faz uso de algumas colocações de Engels e Simone de Beauvoir

principalmente na introdução.

2.3.5 Republicanismo (8m e 10m)

Duas dissertações se debruçam sobre o tema do republicanismo no século XIX.

A escrita por Hildiberto Albuquerque Júnior chama-se “O Republicanismo Fluminense:

1887-1891”446(8m). O autor entende que o republicanismo na província do Rio de

444
Idem. p. IV
445
Idem. p. 75
446
ALBUQUERQUE JÚNIOR, Hildiberto Ramos Cavalcanti. O republicanismo fluminense: 1887-1891.
Dissertação de Mestrado. UFF, 1974. 114p. Orientada por Richard Graham.
155

Janeiro é um assunto pouco estudado e que as poucas referências sobre o tema limitam-

se a afirmar que o movimento foi fraco e mal orientado na região. O autor, então,

procura demonstrar que, na verdade, a província fluminense não teria sido refratária às

novas ideias. Suas fontes primárias principais são os jornais partidários e os anais da

Assembleia Fluminense447. Trata-se de uma história política com ênfase nas ideias,

centrada em fontes primárias e sem a presença de discussão conceitual ou teórica.

No seu capítulo 2, “Histórico geral do movimento na província”, o autor avalia

a força da propaganda republicana, buscando contrapontos à hipótese de que o

movimento foi fraco no Rio de Janeiro. Fala de signatários de forte projeção,

surgimento de organizações republicanas nos municípios, representação dos ideais

republicanos em Assembleia, e atuação destacada de personagens como Silva Jardim.

Conclui então que o movimento republicano foi “regular” antes da Abolição, tendo

prosperado depois deste evento448.

O capítulo 3, “Republicanos fluminenses e a escravidão”, é dividido em duas

partes: “republicanos perante a escravidão” e “republicanos e a indenização”. O autor

expõe as posições dos personagens, mostrando que

“Após a abolição, os republicanos procuraram agravar


as consequências do fato, explorando politicamente o
descontentamento dos grandes proprietários. Em posição
coerente com o próprio partido em todo o país, continuou[aram]
defendendo a indenização como um direito legítimo do ex-
proprietário, embora não houvesse unidade entre os deputados
republicanos da província.”449

Analisando documentos do Partido, discursos de políticos e jornais, a dissertação

vai demostrando elementos como “De um modo geral, até a promulgação da lei da

447
Idem. p. III e IV
448
Idem. p. 21-22
449
Idem. p. 25
156

abolição, o Partido Republicano se opôs oficialmente à ideia de emancipação

imediata.”450; e “Em regra geral, não se concebia nessa Província, antes de 1888, a

existência de um republicano que não fosse também abolicionista.” A situação é

diferente em São Paulo, onde “nunca se julgará essencial a condição para ser

republicano”451. Fala ainda da situação na Assembleia Provincial Fluminense, onde os

republicanos eram abolicionistas moderados, com exceção de Francisco Portella; e de

estratégias do Partido Republicano no pós abolição. Em relação à indenização, o autor

mostra como os republicanos a procuraram explorar politicamente, procurando assim

congregar fazendeiros contra a Monarquia. Ao concluir, o autor classifica os

republicanos como “ardorosos defensores da compensação”, com a exceção de

Francisco Portella que omitiu-se sobre o assunto452.

No capítulo seguinte, “Republicanos e a Monarquia”, o autor mostra as

discussões sobre o federalismo, as discussões empreendidas contra o Poder Moderador e

contra o “poder pessoal” de D. Pedro II que “anulava o caráter nacional, viciando e

perturbando o sistema representativo, erguendo-se como única realidade diante das

intituições..”453, ao mesmo tempo em que se combatia o Partido Liberal como

alternativa454 Em “O movimento republicano nos municípios”, o capítulo seguinte, o

autor avalia a força desses políticos através de menções à existência de clubes, jornais e

personalidades proeminentes, concluindo que a Província desenvolveu “intensa

propaganda republicana” em que não faltaram teóricos e lideranças. O capítulo final,

“Republicanos no poder” tem uma diferença em relação aos demais pois privilegia a

abordagem das alianças e estratégias políticas, das eleições e de outros tipos de disputas

450
Idem. p. 27
451
Idem. p. 31
452
Idem. p. 59
453
Idem. p. 76
454
Idem. p. 81
157

partidárias, com a especial atenção do autor voltada para Francisco Portella. Entende

por fim que após o golpe houve uma marginalização do Partido Republicano455.

A outra dissertação que trata do republicanismo foi escrita por Maria de Nazareh

Capiberibe Azevedo, “Imprensa republicana antes do 15 de novembro (introdução ao

estudo de suas formas e conteúdo ideológico)” 456 (10m). Em grande parte, esta

dissertação é semelhante a anterior: dedica-se a expor aspectos do pensamento dos

republicanos. Azevedo observa, no capítulo “A ideologia”, as opiniões do grupo,

expressas em vários periódicos, sobre federação, trabalho escravo e abolição, Estado e

Igreja, e estratégias para o fim da monarquia. Sobre a federação, mostra que ela era o

núcleo central da pregação republicana457 e as propostas expressas no jornal sobre como

efetivá-la, etc.; sobre o trabalho escravo (ou “trabalho servil”) entende que as

divergências sobre o tema no interior do republicanismo refletem as diferenças de

classes sociais que se expressavam nos periódicos. Concluirá que “os setores ligados à

classe rural avivam a sua resistência em vista da espoliação de que se declaram ou

consideram vítimas; a classe média urbana ao contrário, faz da campanha pela

abolição um elemento de erosão do poder da monarquia.” 458; no terceiro tópico,

apresenta os ataques à Igreja por ser um sustentáculo do regime e a defesa por um

Estado laico; no último, demonstra como a maior parte do movimento republicano

queria atingir seus objetivos de forma pacífica “pela educação, pela evolução, pela

transição”, mas que alguns pregavam a ação direta, como Silva Jardim e a maioria do

Partido Republicano do Rio de Janeiro459.

455
Idem. p. 137
456
AZEVEDO, Maria Nazareth Capiberibe. Imprensa republicana antes de 15 de novembro (Introdução
ao estudo de suas formas e conteúdo ideológico). Dissertação de mestrado. UFF, 1976. 127p. Orientado
por Arthur Cézar Ferreira Reis.
457
Idem, p. 70
458
Idem. p. 117
459
Idem. p. 112
158

Mas esta dissertação conserva outras pretensões analíticas. Quer “mostrar as

condições econômicas e políticas que geraram a ideia republicana e influíram para que

ela ganhasse força.”460 Isto é realizado no subcapítulo “Uma sociedade em mudança”,

onde Azevedo entende que todos os aspectos da “modernização” são incompatíveis

com a Monarquia, tais como o aparecimento da burguesia e da classe média, novas

exigências de mao-de-obra e de ensino, industrialização e urbanização:

“Com os núcleos urbano-industriais, formados à base do


trabalho assalariado e livre, com formas de produção mais
modernas, convivem instituições anacrônicas, retrógradas, que
não permitem a expansão das forças produtivas. Instituições
como a vitaliciedade do Senado, a centralização do Governo,
com seu imobilismo, são incompatíveis com o processo de
evolução do Império. A monarquia, sustentáculo das soluções e
dos mecanismos anacrônicos, está em crise irreversível.”461

A autora observa essas questões através principalmente da imprensa republicana

e assume com pouca distância a perspectiva ali expressa de que a “derrubada da

monarquia é essencial para o progresso”462.

Azevedo procura também “levantar como se comportaram as diferentes classes

e setores sociais diante da campanha e como esta posição se refletia no apoio aos

órgãos que difundiam suas proposições e suas ideias.”463 A autora sublinha que

participavam das atividades republicanas principalmente a classe média urbana formada

pela “elite universitária, por elementos militares, funcionários públicos e profissionais

liberais”464, conforme registro nos jornais e em outros documentos do movimento.

Apesar da presença da burguesia e de setores da “classe rural” sensibilizados pela

necessidade de reformas, a imprensa republicana seria principalmente uma expressão da

460
Idem. p. 1
461
Idem. p. 24-5
462
Idem. p. 25
463
Idem. p. 1
464
Idem. p. 29
159

classe média urbana465.

Outros assuntos que abordados são a manutenção financeira dos periódicos,

observando que a receita vinha de assinantes, vendas avulsas e publicidade e os

considerando pobres de recursos466; a composição tipográfica nos diferentes jornais,

concluindo que eles não tinham “audácias de concepção gráfica”467; os ocasionais

ataques sofridos em oficinas que impossibilitavam sua circulação e produção 468; e o

conteúdo e o papel financeiro dos classificados nas edições dos jornais469.

O estudo de Azevedo também é prioritariamente fundamentado em fontes

primárias, os jornais (que além de fonte, figuram também como objeto). A bibliografia

secundária aparece como apoio e também não há registro de discussão teórica ou

conceitual mais ampla. A dissertação de Azevedo, contudo, procura ancorar seu objeto

em um contexto histórico e com isso tem mais pretensão explicativa sobre o

republicanismo que o trabalho anterior de Albuquerque Júnior.

2.3.6 Constituintes (4m)

A dissertação 4m foi escrita por Dylva Araújo Moliterno: “A constituinte de

1823: uma interpretação”470. Em seu prefácio, a autora faz uma consideração teórica:

coloca que, muito embora os fatores econômicos tenham uma posição marcante e até

determinante nos acontecimentos, há necessidade de se dar ênfase aos estudos políticos

“porque eles são capazes de esclarecer pontos essenciais que não ficariam totalmente

desvendados com uma análise [econômica] unilateral”471. Sua análise é centrada na


465
Idem. p. 115
466
Idem. p. 35-43; p. 116
467
Idem. p. 48-53; p. 116
468
Idem. p. 45-7
469
Idem. p. 55-64.
470
MOLITERNO, Dylva Araújo. A Constituinte de 1823: uma interpretação. Dissertação de Mestrado.
UFF, 1974. 121p. Orientada por Richard Graham.
471
Idem. p. III e IV
160

atuação de periódicos e políticos de Estado (imperador, presidentes de província,

deputados) fazendo apenas uma breve referência ao contexto econômico da ruptura com

Portugal (envolvendo crise do sistema colonial e desenvolvimento do capitalismo

internacional)472 que não toma maiores significados no restante da análise.

O primeiro assunto de que se ocupa é o processo de descolonização, retendo sua

atenção em quatro tópicos: a tensão criada pelo debate sobre a união ou separação em

relação a Portugal; as forças centralizadoras dentro do Brasil e seu choque com as forças

centrífugas; o crescente partidarismo e desconfiança entre conservadores, liberais e

republicanos; e a luta entre “liberdade” (que poderia degenerar em anarquia) e a ordem

(que poderia levar ao autoritarismo e ao absolutismo). Ela observa a repercussão desses

temas em periódicos473, nas expressões e posturas de D. Pedro e nas disposições das

províncias em relação ao poder central, dando um clima das agitações nos diferentes

personagens e lugares. Uma de suas conclusões é a de que não havia unanimidade de

opinião quanto à independência em relação a Portugal quando esta ocorreu, mas uma

grande preocupação quanto a uma possível divisão interna no Brasil. A fórmula

encontrada para se atingir a “coesão” foi a reunião de representantes no Rio.

No capítulo seguinte, sobre a Constituinte propriamente, a autora tem como

objetivo dar uma visão geral da Assembleia, concluir sobre a existência ou não de

partidarismo na Assembleia; e se posicionar sobre as razões envolvendo sua

dissolução474. A autora entende, assim como o próprio D. Pedro, que a convocação da

Assembleia foi uma tentativa de impedir a ruptura em relação a Portugal e a dispersão

das províncias. Contrapõe-se assim à tese de que a convocação da Constituinte já

472
Idem. p. 14-6
473
Idem. p. 28
474
Idem. p. 44
161

significava uma declaração de direito de independência475.

Em relação à questão da existência de partidarismo na Assembleia, a autora

começa afirmando que sobre o tema existe um grande desencontro de opiniões entre os

historiadores e a imprensa contemporânea. Alguns entendem que não havia alianças

significativas de deputados e outros apontam para a existência de facções e grupos

políticos no interior da Constituinte (divididos diferentemente, de acordo com cada

leitura, mas pela maioria sendo classificados como conservadores, moderados,

democratas e exaltados). Para se posicionar nesse ponto, a autora entende que o

principal é enxergar a posição dos deputados em torno de alguns projetos principais.

Demonstra e conclui que não havia consistência partidária entre os integrantes da

Assembleia porque “tanto os deputados tidos como liberais quanto os admitidos como

conservadores e mesmo aqueles que eram considerados como moderados, não

manifestavam persistência de posição ou mesmo firmeza ideológica quando de suas

participações.”476

A autora também trabalha a hipótese de que os deputados não prioritariamente

defendiam os interesses das regiões que representavam, mas que predominavam os

interesses e as posições puramente individuais. Em relação à “propriedade” e “educação

e profissão” dos deputados, a autora discute que a partir desses elementos não existe

uma identificação com as posições ideológicas demonstradas na Assembleia. Por fim,

discutindo sobre a dissolução da Assembleia, a dissertação observa as interpretações de

historiadores que argumentam que a origem da dissolução está nas rixas entre

portugueses e brasileiros mas também tendo sua parcela de contribuição a imprensa e a

personalidade de D. Pedro, com o que a autora concorda477. Ao final de sua dissertação,

475
Idem. p. 45-6
476
Idem. p. 62
477
Idem. p. 106
162

coloca que a Assembleia foi “uma voz livre conclamando contra o autoritarismo”,

muito embora este assunto não tenha dado o tom ao longo da tese478.

O trabalho de Dylva Moliterno tem como uma de suas características algo que

não é comum entre as dissertações vistas até aqui, uma contínua apreciação de

diferentes posições de historiadores sobre temas específicos da história Constituinte.

Alguns dos principais citados são: Tobias Monteiro, Américo Jacobina Lacombe,

Austricliano de Carvalho, Oliveira Lima e Aurelino Leal. Ao longo do trabalho,

Moliterno mapeia leituras, toma posições e procura sustentá-las empíricamente. Seu

trabalho de história política é focado em agentes do Estado, em especial os deputados e

D. Pedro, e em fontes primárias oficiais e de imprensa.

2.3.7 Católicos e tenentes (9m e 13m)

A nona dissertação a ser defendida no programa foi “O movimento católico

leigo no Brasil (as relações entre Igreja e Estado – 1930/1937)” (9m), de Berenice

Cavalcante Brandão479. As “bases” sobre as quais se desenvolveu o trabalho foram a de

que a Igreja é uma instituição integrante da sociedade, não sendo possível desvinculá-la

do processo socio-político, sobre o qual, ao mesmo tempo em que age, recebe influxos.

Assim, a dissertação analisa como os integrantes do movimento se comportaram em

relação às diferentes classes sociais480. A autora procura definir como os teóricos

católicos interpretaram aquela época e que tipo de influência tiveram. Também estuda a

atuação da Igreja sobre operários, através do movimento leigo e suas organizações.

Entre suas fontes, estão artigos de revistas católicas e depoimentos pessoais colhidos

478
Idem.
479
BRANDÃO, Berenice Cavalcante. “O movimento católico leigo no Brasil (as relações entre Igreja e
Estado – 1930/1937)” Dissertação de Mestrado. UFF, 1975. 157p. Orientado por Arthur Cézar Ferreira
Reis.
480
Idem. p. 4
163

pela própria autora. Ela lamenta não ter tido acesso a certa documentação referente a

questões internas do Centro D. Vital e da Conferência Nacional dos Trabalhadores

Católicos481.

No início do estudo, a autora mostra as posições políticas da Igreja no plano

internacional de crise do liberalismo e avanço das perspectivas revolucionárias de

esquerda. Conclui que a Santa Sé estaria sobretudo interessada na manutenção do status

quo, fazendo apenas algumas críticas pontuais ao capitalismo mas o defendendo ao

final482, como o demonstra sua relação com o fascismo europeu. Referindo-se ao plano

nacional, a autora aponta que a década de 20 é um momento de inflexão do catolicismo

em relação à política, quando haverá maior vinculação entre religião e participação da

vida pública483. Ela observará essas questões principalmente através de duas lideranças,

Jackson de Figueiredo e de D. Sebastião Leme484. No contexto de crise política,

criticava-se o regime democrático e o liberalismo. O movimento tenentista também foi

alvo do movimento católico, que combatia aquilo que fazia oposição às oligarquias

dominantes com a qual a cúpula eclesiática estava ligada485.

Sobre o contexto histórico de seu objeto, a “revolução” de 1930 é entendida,

com base na tese de Bóris Fausto e de Edgar Carone, como um momento de mudanças,

mas apenas no âmbito da “super-estrutura”. Houve um colapso político do café e a

abertura de uma espécie de “”vazio de poder””, permitindo “uma participação mais

ampla das classes sociais no processo político”486. Diante da “Segunda República”, a

Igreja “algumas vezes, numa atitude que refletia ambiguidade, assumia uma posição

conciliatória para com o novo regime. Contudo predominou, durante o ano de 1931, a
481
Idem. p. 5,6.
482
Idem. p. 24
483
Idem. p. 26
484
Idem. p. 27
485
Idem. p. 35
486
Idem. p. 16; p. 46-51
164

insegurança e a intranquilidade. Os líderes católicos preocuparam-se então em definir

teorias sobre as formas de poder.”487 Duas de suas questões básicas foram o problema

do laicicismo (que não deixava de estar ligado ao da “questão social” pois incutia nos

homens uma mentalidade material e não espiritual 488) e a da falta de autoridade489. A

atuação católica nesse momento era pensada para se dar na imprensa e nos debates no

Congresso.

A iniciativa da mobilização de leigos iniciada na década de 20 se ampliará a

partir da década de 30490, e pode ser definida como uma oposição sistemática às ideias

comunistas491. Algumas das organizações através das quais a Igreja procurou gerar

engajamentos foram: o Centro D. Vital, Ação universitária, Confederação Nacional de

Operários Católicos, Liga Eleitoral Católica, Instituto de Estudos Superiores,

Confederação de Imprensa e Associação das Bibliotecas Católicas. A análise será mais

detida sobre a Confederação Nacional dos Operários Católicos (à qual dedicará um

capítulo inteiro) e a Liga Eleitoral Católica. Esta última construiu uma expressiva

bancada na Assembleia Constituinte e sentiu-se vitoriosa com a aprovação de artigos

que reconheciam a indissolubilidade do casamento e o ensino religioso, além da

invocação do nome de Deus no preâmbulo da Constituição e a consagração do direito de

colaboração recíproca entre Estado e Igreja. Brandão coloca que neste momento,

findaram-se os temores da Igreja face às tendências laicistas do novo Estado brasileiro,

em quem ela pode inclusive reconhecer um parceiro na luta anti-comunista. A inclusão

do programa católico na Constituinte também inaugurou uma nova etapa da

participação da Igreja na evolução brasileira. Completa Brandão que “Sua vitória

487
Idem. p. 51
488
Idem. p. 53-4
489
Idem. p. 52
490
Idem. p. 66
491
Idem. p. 75
165

mostrou o grau de mobilização a que chegaram os católicos e deu uma medida de suas

possibilidades.”.492 Esta dissertação também mostra que, opondo-se a socialistas no

tocante à “Questão Social”, a Igreja aumentará sua ligação política com o Estado:

“Concluimos, pois que, por essa identificação de princípios e pelas posições

assumidas, a Igreja integrou-se, após 1934, no Estado de Compromisso.”493

No seu último capítulo, a autora estuda os “Círculos Operários”, perguntando-se

como se conciliou a ideologia católica, de caráter burguês e conservador, aos interesses

dos trabalhadores; qual a atitude para com a política trabalhista no período Vargas e

quais os resultados obtidos494. A autora dá um panorama da situação trabalhista

entendendo, como Carone, que a política de Vargas para com os operários tinha duas

posturas básicas: uma tendência conciliatória e outra repressora 495. A forma com que o

governo conduziu sua política com os trabalhadores foi, nos primeiros momentos da

década de 1930, inquietante para a Igreja496 pois ela não o teria compreendido bem ao

interpretar a ““legislação trabalhista, emanada do Ministério do Trabalho e o

movimento sindicalista por ela despertado”” como fatores responsáveis pela “ruína” e

“anarquia” que se instalara no país. “Não foram capazes de perceber, na ocasião, o real

sentido daquelas medidas e, consequentemente, temeram-na por acreditarem ser ela um

passo adiante na socialização do regime.”497

A atuação católica entre os operários aconteceu, conforme os próprios líderes

reconhecem, em função da difusão das ideologias de tendência socializante. A autora

investiga os “Círculos Operários” mostrando alguns aspectos de sua estrutura como os

tipos de sócios, as contribuições, as eleições internas (que eram “ilusórias” pois a


492
Idem. p. 89
493
Idem. p. 94
494
Idem. p. 99
495
Idem. p. 103
496
Idem. p. 105
497
Idem. p. 106
166

organização básica era controlada pela cúpula). A Igreja atuava junto aos operários

organizando serviços de saúde, habitação (em que tentavam conseguir doações de

terrenos) e lazer. A autora observa que os operários dos “círculos” não compactuaram

com a onda grevista durante o Governo Provisório: para as reivindicações, o grupo

católico optou pelas nomeações de comissões que negociavam com patrões. Não parece

também que o circulismo tenha marcado intensamente o meio social, sendo restrito ao

ambiente confessional (outro estudo poderia averiguar melhor as relações do circulismo

e do sindicalismo498).

Conclui a autora que o “circulismo” acabou por atender aos interesses da

burguesia e de Vargas. “Dessa forma, as relações entre o poder temporal e o espiritual,

relativamente tensas durante o Governo Provisório, tenderam a se afirmar em torno

deste identidade de posições.”, inclusive com cumplicidade de pessoas do governo para

com a atuação católica. Na conclusão do trabalho, há uma sistematização da

periodização da autora apontando, entre outros marcos, que o ano de 1934 foi um

divisor de águas, havendo modificações no comportamento da hierarquia católica para

com o governo499, com o qual permaneceria coesa também a partir de 1937.

Nesse trabalho de história política, Brandão dá conta tanto dos aspectos

ideológicos quanto das estratégias e atuações institucionais do movimento leigo da

Igreja Católica. Consegue atender plenamente sua intenção de situar seu objeto política

e socialmente, observando as transformações na sociedade e nos agentes que estuda,

ressaltando sempre o caráter conservador e controlador do governo e da Igreja sobre os

trabalhadores. Apesar do trabalho rico, a autora aponta constantemente para os limites

interpretativos e empíricos do seu trabalho impostos principalmente por

498
Idem. p. 131
499
Idem. p. 136-7
167

impossibilidades de acessos a certas fontes.

A outra dissertação que aborda política na era Vargas é “O Clube 3 de Outubro”,

de Maria Célia Freire de Carvalho500 (13m). Dentro de cada tópico em que a dissertação

é dividida, a autora analisa estratégias, alianças, objetivos e visões de grupos políticos

com os quais o tenentismo travava relações. Em sua conclusão, o Clube 3 de outubro é

colocado como um grupo de “nítidas influências fascistas”501, muito embora também

tenha influência de um “socialismo mal interpretado”502; e como oriundo do setor

médio urbano que tentava o afastamento das oligarquias do poder (ou os “políticos” que

há muito dominavam a máquina partidária e estatal) 503. Dois dos pontos básicos da

atuação do outubrismo seriam a manutenção do estado de ditadura e o adiamento da

promulgação de qualquer constituição. É entendido que o Clube tinha uma “atitude

ingênua de isolamento” pois queriam para si “a pureza imaculada que os políticos

corruptos e sempre prontos a conchavos não possuíam.”504 A autora mostrará que “O

Clube 3 de Outubro nada realiza de concreto para deter a normalização do país”, pois

lhe faltaria penetração na opinião pública. Seria derrotado em um momento que passam

a tomar corpo radicalismos “envolvendo realmente a massa”, o Integralismo e as teses

comunistas505.

No primeiro capítulo, “O ambiente revolucionário”, a autora observa coisas

como “os tenentes foram usados pelo políticos como único grupo preparado para,

através da Revolução [de 1930], como grupo treinado nas lutas, realizar as mudanças

necessárias na ordem estabelecida.”506 e que após a “Revolução”, os tenentes se


500
CARVALHO, Maria Celia Freire de. O Clube 3 de Outubro. Dissertação de Mestrado. UFF, 1975. 75
p. Orientado por Arthur Cézar Ferreira Reis.
501
Idem. p. 66
502
Idem. p. 37
503
Idem. p. 66-7
504
Idem. p. 68
505
Idem. p. 68
506
Idem. p. 10
168

dividirão em dois grupos: os que a apoiarão inclusive participando do governo e os que

a negarão se aproximando do pensamento de Prestes507.

O segundo capítulo é propriamente sobre o Clube 3 de Outubro. Sua razão de ser

“era defender a Revolução”, o que “consistia no isolamento dos políticos, cheios dos

vícios do regime deposto” e dessa forma atraindo os interesses da classe média, onde

buscava apoio508. No tópico em que se dedica ao “Relacionamento com Getúlio Vargas”,

Carvalho diz que “o ponto mais evidente da ligação Getúlio/Tenentes foi, sem dúvida, a

entrega das Interventorais”509. Em seguida, seu assunto é “A posição dos oficiais

superiores” sobre o Clube, onde mostra a reação dos oficiais contra o outubrismo por

conta de indisciplina militar e que poucos oficiais eram favoráveis ao movimento e dá

uma atenção especial às ligações de Goés Monteiro com o Clube, para quem era uma

referência. No último e mais extenso ponto, “Ação política do outubrismo”, Carvalho

analisa a atuação política do grupo que visa principalmente a defesa da ditadura e a

campanha contra uma nova Constituição: perpassa discussões na imprensa em torno do

tenentismo, a posição de alguns interventores sobre questões pontuais, as relações com

Vargas, a atuação na Constituinte de representantes do Clube, etc..

O trabalho é bastante amparado em fontes primárias, como periódicos, e

registros políticos dos agentes (tirados de arquivos da FGV) e algumas memórias, e é

rico empiricamente. Dentro de cada tópico em que é dividido, a dissertação prioriza a

narrativa de ordem cronológica e não faz recursos conceituais ou teóricos.

2.3.8 Diplomacia (14m)

Francisco Vinhosa Teixeira escreveu o trabalho “A diplomacia brasileira e a

507
Idem. p. 11
508
Idem. p. 19
509
Idem. p. 25
169

revolução mexicana 1913-1915”510 (14m). Seu estudo, depois de iniciar-se com um

panorama da Revolução Mexicana através de alguns eventos marcantes e seus

antecedentes, concentra-se na atuação de dois diplomatas em particular, Cardoso de

Oliveira e Domício da Gama. Para construir sua narrativa cronologicamente estruturada,

Teixeira vale-se principalmente de telegramas e ofícios diplomáticos. Uma das

primeiras questões que atravessaram a atuação do diplomata Cardoso de Oliveira,

descritas no capítulo 2, foi o reconhecimento do Governo de Huerta, ao qual era

favorável pois lhe significava uma possibilidade de pacificação do país 511. Essa também

era a leitura do embaixador norte-americano no México. Entretanto, o presidente

Woodrow Wilson pensava diferente pois Huerta teria chegado ao poder de forma

violenta512, e essa posição era seguida pelo próprio Itamarati. Teixeira vai mostrando o

impasse, que chegou a um enfrentamento bélico entre EUA e México513, através da

documentação que mostra a comunicação entre os diferentes agentes, concluindo este

segundo capítulo com uma mudança de atuação do diplomata Cardoso de Oliveira,

agora orientado para ser um representante dos interesses norte-americanos no México514.

No terceiro capítulo, tem destaque a atuação do diplomata para garantir a

liberdade de cidadãos americanos presos; e suas posições entre diferentes grupos

políticos como os constitucionalistas liderados por Carrnaza; os convencionalistas

liderados por Villa; e os zapatistas515. Destaca-se no relato de Teixeira que Cardoso de

Oliveira intermediou com muito sucesso junto aos zapatistas uma entrada pacífica e

ordeira na Cidade do México516. A dissertação também relata outros feitos do diplomata


510
TEIXEIRA, Francisco Vinhosa. A diplomacia brasileira e a revolução mexicana 1913-1915.
Dissertação de Mestrado. UFF, 1976. 124p. Orientada por Pedro Freire Ribeiro.
511
Idem. p. 34
512
Idem. p. 35
513
Idem. p. 51
514
Idem. p. 53
515
Idem. p. 69
516
Idem. p. 75
170

como sua a conquista de uma indenização por parte do governo mexicano a uma viúva

que teve seu marido estado-unidense assassinado por uma “orda” zapatista517. Este

terceiro capítulo termina com a retirada de Cardoso de Oliveira para os EUA em 1915

porque seu trabalho havia atraído para si “toda fúria anti-americanista de Carranza e

seus partidários”518.

O último capítulo aborda a atuação de Domício da Gama que era contrário a

qualquer ideia de intervenção dos Estados Unidos no México. O Itamarati, conforme

mostra o trabalho, procurou dar ênfase ao panamericanismo, buscando uma ação

conjunta com os Estados Unidos, a Argentina e o Chile antes de tomar qualquer atitude

sobre a situação mexicana. Essa postura de cooperação panamericana, que vinha se

construindo havia alguns anos, materializou-se com o reconhecimento de Carranza

como presidente do México através de uma ação conjunta de várias nações do

continente519. A dissertação de Vinhosa é um estudo de história política tradicional,

voltado para narração de fatos e sem preocupação teórica ou conceitual.

2.3.9 Chile e Colômbia (15m e 16m)

“A evolução política no Chile: seu significado (1879-1925)” 520 (15m) de Nair

Klinger Kortchmar. O texto aborda muitas décadas da política e da sociedade chilena

mas tem enfoque no governo de Alessandri nos anos 1920. A análise política de

Kortchmar observa as dinâmicas estatais e institucionais e as associa com classes sociais

e transformações econômico-sociais e culturais passadas no país ao longo dos anos.

Seu primeiro capítulo traz um retrospecto do predomínio da oligarquia

517
Idem. p. 79
518
Idem. p. 81
519
Idem. p. 110
520
KORTCHMAR, Nair Klinger.. “A evolução política no Chile: seu significado (1879-1925)”.
Dissertação de Mestrado. UFF, 1976. Orientada por Pedro Freire Ribeiro.
171

conservadora, sua união com a burguesia e da política desenvolvimentista do século

XIX, perpassando assuntos como influência da Igreja, sistema eleitoral, constituições e

ideias econômicas. O segundo capítulo, “O Liberalismo no Chile”, mostra a penetração

do ideário liberal no país e suas repercussões, estando atento também às transformações

econômicas referentes à indústria do salitre e do crescimento da classe média e obreira.

Verifica-se que o liberalismo expressou-se através do comprometimento com o livre-

cambismo521, e que essa filosofia econômica tem relação com influência do capitalismo

inglês sobre o país522. Houve uma reação nacionalista através do governo de Balmaceda,

no final do XIX, mas este foi derrotado523. No plano político, Kortchmar aborda ainda a

atuação dos partidos Radical e Democrata, o primeiro de cárater liberal e o segundo

associados a reivindicações dos pobres524. Outros aspectos são abordados como

população, industrialização e ferrovias, influência da Igreja, sistemas eleitorais.

O terceiro e mais extenso capítulo é sobre o governo de Alessandri, momento

que marca a “incorporação da classe média ao governo”, o atendimento de

reivindicações da classe trabalhadora e a diminuição do predomínio oligárquico. A

autora aborda as disputas que culminaram na implementação do parlamentarismo e

apresenta perfis de diferentes partidos e suas ligações com setores de classe sociais: por

exemplo, enquanto o Partido Conservador era formado por antigos proprietários de terra

e pela Igreja, o Partido Liberal não representava nehnhuma posição ideológica

particular, mas na prática eram os protetores dos interesses dos proprietários de uvas, do

nitrato e da indústria525. Kortchmar também parte para a caracterização de “problemas

sociais” chilenos como o desemprego, os baixos salários, a exploração patronal, o

521
Idem. p. 14-8
522
Idem. p. 23
523
Idem. p. 40-3
524
Idem. p. 55-9
525
Idem. p. 69-72
172

abastecimento de água, a inflação526 e anota a existência de greves e reivindicações e do

surgimento de uma legislação social527. Este capítulo também enfatiza a influência da

Primeira Guerra Mundial sobre a economia chilena e a evolução das organizações

políticas dos trabalhadores. Mais propriamente sobre o governo de Alessandri, a

dissertação mostra os temas de sua campanha para a presidência (que atraía as pautas

dos trabalhadores)528, e a incorporação da classe média, expressa na presença de pessoas

oriundas dessa classe nos cargos do governo. Por fim, a dissertação se dedica ao exame

da constituição de 1925 notando que o poder da oligarquia foi diminuído pelo

estabelecimento do sufrágio universal e da eleição direta para presidente; que ali tinham

disposições que procuravam melhorar as condições de vida da classe assalariada 529; a

separação entre Igreja e Estado, entre outros530. A autora sublinha na conclusão que o

governo de Alessandri (e a classe média que o compunha) não contestou os mecanismos

fundamentais de poder da oligarquia e do imperialismo nem procurou produzir

modificações infra-estruturais531 e apenas posteriormente a classe trabalhadora teria

condições de maior poder político através de suas organizações532.

As referências de Nair Kortchmar para compor o texto equilibram-se

numericamente entre fontes primárias e secundárias. Na bibliografia, estão presentes

ainda trabalhos de cunho teórico e ensaios como os de Maurice Dobb, Fernando

Henrique Cardoso e Enzo Falleto, Gunder Frank e Florestan Fernandes, mas a

dissertação não se engaja em uma discussão ou exposição desses autores, limitando-se a

alguma inserção de suas interpretações no texto. Também não há incursões teóricas ou

526
Idem. p. 77-87
527
Idem. p. 87-91
528
Idem. p. 110
529
Idem. p. 128
530
Idem. p. 132
531
Idem. p. 137
532
Idem. p. 138-9
173

conceituais, apesar desses referenciais. O trabalho é fundamentalmente de história

política, mas analisa bastante questões sócio-econômicas (urbanização, industrialização)

e ideológicas (o liberalismo).

A última dissertação defendida nesta geração foi “A experiência liberal na


533
Colômbia 1848-1886” (16m), de Célio Pereira da Silva. A observação mais

fundamental a se fazer sobre este trabalho é que sua redação é muito confusa e mesmo

incompreensível, principalmente pelo pomposo estilo de escrita do autor. São trazidos,

seguidamente, vários assuntos e referências sem que muitas vezes se consiga observar

algum nexo ordenador do fluxo do texto e, mais importante, do processo histórico

analisado. O leitor se sente aquém da “visão pioneira” e do “tema audacioso”534 de

Silva, sendo difícil até mesmo a assimilação de fatos básicos da história colombiana,

para quem não a conhece de antemão.

Esse estudo de história política tem como foco disputas no interior do Estado. O

conflito mais importante que perpassa a dissertação é aquele entre centralismo e

federalismo. São vistos disputas partidárias, havendo inclusive alguma discussão

conceitual sobre partido, sobretudo na conclusão, enfatizando algo como sua

constituição fluida. O autor traz ainda para a análise demonstrações sobre influências

culturais, educação, relações econômicas internacionais, geografia, urbanização,

sufrágio, entre outros. Entretanto, o entendimento da articulação entre tantos elementos,

como já pontuamos, é bastante comprometido.

As fontes principais do trabalho referem-se às agências dos homens de Estado e

há bastante uso também de fontes secundárias. Entra as questões de fundo conceitual e

teórico, destacamos, além da discussão sobre partido já aludida, uma consideração sobre

533
SILVA, Célio Pereira da. A experiência liberal na Colômbia 1848-1886. Dissertação de mestrado. UFF,
1977. p. 137. Orientado por Pedro Freire Ribeiro.
534
Os termos são do autor. p. 1
174

determinação geográfica no início de uma capítulo; e, mais importante, a noção de que

ideias ou problemas externos não são adequados para se pensar a história colombiana,

que seria melhor compreendida a partir de suas próprias dinâmicas535.

2.3.10 Educação (12m)

A dissertação de Marinete dos Santos Silva, “A educação brasileira no Estado

Novo (1937/1945)”536 (12m) é a única que trata de um tema que podemos classificar

como “cultura”. A educação é aqui abordada como ideologia.

Silva coloca que, muito embora a época de Getúlio Vargas tenha recebido muitos

estudos, a quase totalidade deles está relacionado com questões econômicas ou

políticas. A autora entende que nenhum trabalho historiográfico “profundo” tenha se

debruçado sobre o tema da educação537.

Seu objetivo é investigar até que ponto a emergência de um regime autoritário

trouxe modificações para o campo da educação e quais seria suas “diretrizes

ideológicas”. Por fim, pretende verificar se as “elites educadoras” compartilhavam dos

ideais educativos da ditadura ou se possuíam alguma visão crítica. “Elites educadoras” é

um conceito utilizado pela autora para se referir a “algumas figuras que se

notabilizaram pela sua produção intelectual em assuntos educacionais e, também, pelo

fato de ocuparem cargos na administração pública ligados à educação”. A autora toma

como expoentes dessa elite Lourenço Filho, Anísio Teixeira e Fernando de Azevedo538.

A autora entende, baseada em Althusser, que a educação é um aparelho

ideológico de estado. Isso significa levar em conta diferentes “níveis de realidade”: a

535
Idem.P . 118
536
SILVA, Marinete dos Santos. A educação brasileira no Estado Novo (1937/1945). Dissertação de
Mestrado. UFF, 1976. 73p. Orientado por Arthur Cézar Ferreira Reis.
537
Idem. p.1
538
Idem. p. 1-2
175

estrutura econômica, sócio-política e ideológica de uma formação social historicamente

determinada. Significa também considerar que a escola tem um papel na reprodução das

relações de produção, preparando os indivíduos para ocupar determinada função na

divisão social do trabalho e incutindo neles a sujeição à ideologia dominante: “Na

sociedade de classes não existe, portanto, educação neutra ou isenta. Os valores por

ela transmitidos às gerações mais novas são sempre valores da classe dominante. Sua

orientação está, em última análise, em consonância com as necessidades da classe que

ocupa o poder e que se faz representar pelo Estado.”539

As fontes primárias utilizadas foram os Anais do Ministério da Educação e

Saúde, artigos de periódicos sobre educação e sobre o regime e jornais. A autora entende

que seu trabalho ressinta de muitos dados, principalmente pelo impossibilidade de

acesso ao arquivo Capanema.540

Para a autora, no pós-30, a educação recebeu atenção especial por parte do

Estado, principalmente por conta do avanço da industrialização. Isso é expresso, por

exemplo, em capítulo da Constituição de 1934 que se dedica ao tema. Com a

implantação da ditadura do Estado Novo, a política de educação tomará contornos mais

precisos. Sua ideologia educacional valorizará o ensino cívico e os trabalhos manuais

com valorização do ensino profissional, a exaltação da nacionalidade, as críticas ao

liberalismo e ao comunismo. Procurou também incutir um culto aos heróis nacionais,

mas segundo a autora esse objetivo não logrou êxito. A ideologia educacional do Estado

Novo terá franca inspiração fascista, como o demonstra, além de outros elementos, a

criação pelo governo da Juventude Brasileira541.

Foi com a Reforma Capanema, de 1942, que o Estado Novo pode concretizar

539
Idem.p.2
540
Idem. p.2-3
541
Idem. p. 18-21
176

sua ideologia educacional, tentando colocar em ação mecanismos que garantissem a

divulgação e a solidificação dos valores do Estado autoritário no seio das classes

populares542. A autora apresenta, como parte desta Reforma, a Lei Orgânica do Ensino

Secundário, a Lei Orgânica do Ensino Industrial, e o Serviço Nacional de Aprendizagem

dos Industriários (SENAI) (que tinha também contribuição de indústrias). Para a autora,

essa ênfase no ensino industrial beneficiava a burguesia, e não a classe trabalhadora, já

que esse tipo de ensino a perpetuava em uma posição subordinada543. A Reforma tem

uma relação profunda com o momento econômico e político do país: “A Reforma

Capanema foi no âmbito da educação o reflexo das transformações econômicas e

políticas que se operaram no Brasil a partir de 1930. O aceleramento do processo de

industrialização e a instalação do estado autoritário tiveram na mesma sua expressão

máxima”544

A autora em seguir analisa a posição dos educadores no Estado Novo.

Primeiramente, fala dos educadores em geral: “O fato de que a maior parte dos

educadores brasileiros desconhecia os limites do poder da educação formal e, ao

mesmo tempo, a sua implicação e subordinação à estrutura sócio-econômica e política,

levou a que inconscientemente servisse a propósitos totalmente descabidos”545. Depois,

analisa 3 educadores específicos que fazem parte da “elite educadora”. Sobre o

Lourenço Filho, depois de mostrar a concordância que este tinha em relação ao regime,

pontua que a razão para sua adesão foi a incapacidade de refletir sobre os problemas

inerentes à formação social brasileira e de enxergar soluções fora do âmbito da

educação546. Sobre o Fernando de Azevedo, mostra que este também foi um apoiador do

542
Idem. p. 27
543
Idem. p. 32
544
Idem. p. 37
545
Idem. p. 39
546
Idem. p. 42
177

regime mas que parece haver um paradoxo em seu pensamento pois ao mesmo tempo

em que condenava a escola e a pedagogia tradicionais, louvava as modificações

educacionais do Estado Novo inspiradas no fascismo547. Por fim, a autora entende que

Anísio Teixeira não esteve em concordância porque não foi encontrado nenhum escrito

de sua autoria durante a vigência do Estado Novo, mas uma definição mais exata de sua

posição dependeria de que novos documentos pudessem ser vistos548.

Outro ponto importante do trabalho é mostrar, com a utilização de vários dados,

que é falsa a ideia de que a educação cresceu muito durante o Estado Novo (coisa que é

propagada pelo discurso oficial)549; e que “Das quatro modalidades de ensino [primário,

secundário, superior e industrial], foi o industrial o único que talvez tenha conseguido

um desenvolvimento relevante, sobretudo após 1942 com a criação do Serviço Nacional

de Aprendizagem Industrial”550.

Na conclusão, Silva anota que a ideologia oficial não teve êxito ideológico

porque a expansão do ensino não foi superior ao crescimento populacional; e que a

Segunda Guerra Mundial, em que o Brasil se juntou aos aliados, funcionou como um

freio para as veleidades ideológicas fascistas do Estado Novo no campo da educação551.

2.4 Panorama e conclusões.

Em relação ao corte cronológico, os trabalhos resumiram-se aos séculos XIX e

XX com bastante equilíbrio: o primeiro lhe teve dedicadas 8/16 dissertações; o segundo,

7/16; e ambos os períodos foram perpassados por uma outra dissertação. Entre os

trabalhos que se dedicaram ao século XX, o primeiro governo Vargas é predominante.

547
Idem. p. 44
548
Idem. p. 45-6
549
Idem. p. 51
550
Idem. p. 55
551
Idem. p. 66
178

Em relação ao corte geográfico, ressalta-se que foram feitos 6 estudos baseados

na “província fluminense”, o que já ali valeu ao programa a marca de construtor de uma

história regional552. Registre-se também que houve um estudo sobre o Chile, outro sobre

a Colômbia e um terceiro que envolve Brasil, México e EUA.

Quanto ao eixo temático, a maior parte dos trabalhos é dedicada à história

política (9/16). Dois deles abordam o Estado e limitam-se ao estudo de seus agentes,

buscando pouco referências externas ao universo de suas ações: “A Constituinte...” (4m)

(sobre os políticos desta assembleia) e principalmente “A diplomacia...” (14m). Outras

três dissertações são mais restritas em suas análises ao “político”: “O republicanismo...”

(8m) (centrada nas ideias republicanas expressas em jornais), “Clube 3 de Outubro”

(13m) (que tem uma narrativa linear sobre esse grupo), e “Bertha Lutz...” (3m) (que

exibe as concepções e a atuação militante feminista de Bertha Lutz e seu grupo).

As demais dissertações que classificamos como “História política” envolvem

mais elementos em suas explicações: “Imprensa republicana...” (10m) que tem como

objeto a imprensa republicana, reflete sobre sua relação com o contexto sócio-

econômico, além de abordar a sustentação material dos jornais; “O movimento

católico...” (9m), com maior nível de complexidade, analisa a ideologia e as associações

políticas católicas ambientando-as nas disputas políticas da década 1930 e em seu

sentido de dominação; “A evolução da política...” (15m), sobre política no Chile, não

tem verticalidade empírica por conta do recorte amplo, mas traz para a análise muitos

aspectos da realidade social, compondo um quadro articulado da dinâmica política

daquele país; “A experiência liberal...” (16m), por fim, também traz muitos elementos,

552
Como expressão dessa “identidade” que já na primeira geração se formava, temos a publicação de
ensaios dos discentes em livro feito através de parceria entre a UFF e o Arquivo Nacional: GRAHAM,
Hilton (org.) Ensaios sobre a política e a economia fluminense no século XIX. Rio de Janeiro. Arquivo
Nacional, 1974.
179

como o de relações econômicas.

Os trabalhos de história econômica são 6/16 e podem ser divididos, como já o

fizemos, em 3 pares: “O desenvolvimento...” (1m) e “A evolução do sistema...” (2m)

pensam a atuação estatal na economia (em particular, uma certa intenção estatal), com a

diferença de que 2m dedica-se mais ao entendimento de esquemas propriamente

econômicos (o sistema de crédito); “Município de Estrela...” (6m) e “Vida econômica”

(7m) abordam a dinâmica econômica de cidades, atentas a aspectos geográficos, de

urbanização, infra-estrutura e produção, sem dar relevo a atores históricos concretos; “A

fazenda de Santa Cruz...” (5m) e “Atividades capitalistas...” (11m) enfocam “unidades

produtivas” do século XIX (a primeira, uma fazenda e a segunda, uma empresa) com

bastante exploração empírica sobre questões administrativas internas. Ambas pensam a

inserção de seus objetos no contexto econômico geral, com "Atividades capitalistas..."

(11m) lançando-se com mais volume também à reflexão sobre modos-de-produção.

A única dissertação sobre cultura é "A educação brasileira..." (12m), que estuda

educação encarando-a como ideologia e relacionando-a ao regime autoritário do Estado

Novo, trazendo, dessa forma, forte sentido político para o estudo.

Tabela 6: Quantitativo das dissertações


da primeira geração por eixo temático
História política 9
História econômica 6
História cultural 1
Total 16

Todas as 16 dissertações envolveram bastante trabalho empírico. De forma geral,

o trabalho com as fontes primárias é muito maior que o realizado com as fontes

secundárias. Como vimos, a quase totalidade das dissertações se justifica justamente


180

pela contribuição empírica original, desbravando pontos não explorados pela

historiografia.

Sobre as fontes secundárias, estas são mais utilizadas como fontes de

informações do que como objeto de reflexão. Isto é, existe pouca discussão

historiográfica e pouca justificação no sentido de diálogo ou confronto com leituras

estabelecidas em outros trabalhos. As exceções mais visíveis são "A evolução do

sistema..." (2m), que contraria vários autores ao demonstrar, entre outros pontos, a

intencionalidade de Vargas, desde seus primeiros anos no poder, pela industrialização e

pelo desenvolvimentismo; "A Constituinte de 1823..." (4m), que procede através de uma

contínua apreciação da posição de vários historiadores sobre temas específicos da

Constituinte de 1823; e “Município e Estrela...” (6m), que discorda de alguns autores no

tocante às razões da crise que viveu o município de Estrela553.

Porém, se existe pouco diálogo com autores, há alguma referência ao estado da

historiografia e à relevância do trabalho apresentado. Como vimos, vários mestrandos

apresentam quais seriam suas contribuições face a outros trabalhos produzidos. Segue

abaixo os que comentam essa questão diretamente. "O desenvolvimento econômico..."

(1m) e "A evolução do sistema..." (2m), como dito, veem a necessidade de revelar a

preocupação básica da política de governo de Vargas com a industrialização, e esta

última também entende que o tema do crédito como pouco explorado; “Município de

Estrela...” (6m) coloca que há poucos trabalhos sobre urbanização no século XIX, a

maioria dedicados ao período colonial, e nenhum sobre a cidade de Estrela em particular

– o que faz de seu estudo “sob todos os aspectos novo”554; “Vida econômica de

Itaboraí...” (7m) diz que é importante trazer a especificidade interna do município de

553
"Município de Estrela..." (6m), p. 81-3.
554
"Município de Estrela..." (6m), p III
181

Itaboraí para que esta não seja confundida com as linhas de explicação generalizantes

sobre o Recôncavo da Guanabara, em especial sobre seu declínio; "O republicanismo..."

(8m) queixa-se que o republicanismo na cidade do Rio de Janeiro foi pouco estudado,

com trabalhos que limitam-se a colocar que ele foi fraco e mal orientado na província

(leitura que o autor questionará); para "O desenvolvimento econômico..." (1m), pouco

se produziu sobre a estrutura econômico-social no segundo reinado, com uma ausência

quase completa de trabalhos sobre empresas; "A educação brasileira..." (12m) aponta

que a grande maioria dos trabalhos sobre a era Vargas aborda questões políticas e

econômicas, deixando a educação sem uma devida análise historiográfica. Note-se que a

maioria dos trabalhos, ao comentar a historiografia, fala de lacunas empíricas (que eles

estariam em algum nível preenchendo).

A discussão conceitual e teórica pouco ocupou os mestrandos, estando na maior

parte das dissertações quase ou completamente ausente. Os dois trabalhos que tem o

maior volume de reflexão teórica e conceitual são: "Município de Estrela..." (6m), que

procura uma definição de cidade, e que também faz um comentário de fundo

epistemológico sobre subjetividade e cientificidade que, mesmo breve, destaca-se no

conjunto das dissertações produzidas; e, principalmente, "Atividades capitalistas..."

(11m), que tem como um dos problemas centrais o “modo-de-produção”, também

lançando mão de conceitos como “subordinação formal do trabalho ao capital” (Karl

Marx), “modo de produção colonial escravista” (Ciro Cardoso) e “formação econômico-

social” (Roger Bartra). Vale citar ainda "A educação brasileira..." (12m), que invoca

Althusser e seu “aparelho ideológico” para falar do papel da educação na reprodução

das relações de produção e dominação classistas, usando também como conceito “elites

educadoras”.
182

Uma colocação de sentido teórico mais comum é a de que o objeto específico

deve ser compreendido em um contexto mais amplo. Isso está presente em "A

Constituinte de 1823..." (4m), com a Constituinte sendo associada ao processo mais

geral de descolonização; “A fazenda de Santa Cruz...” (5m), que situa a Fazenda de

Santa Cruz em situações da economia e da política colonial; "Município de Estrela..."

(6m) e "Vida econômica de Itaboraí...", que abordam suas cidades como parte de um

sistema comercial abrangente555, como menção, por esta última, a uma divisão

internacional do trabalho; "O movimento católico..." (9m), que compreende a atuação

da Igreja no contexto político de dominação classista que se expressa material e

ideologicamente; e "Imprensa republicana..." (10m), para quem o contexto econômico e

político influencia a dinâmica das ideias. Vale, por fim, o registro de uma colocação de

"A Constituinte de 1823..." (4m): a análise econômica “unilateral” não é suficiente,

sendo necessário também o estudo do político.

Também são pouquíssimas as elucubrações sobre metodologia e sobre as

próprias fontes. As expressões mais comuns são uma descrição breve, que aparece

sobretudo nas introduções, das fontes utilizadas, dos arquivos em que se encontram,

suas condições de acesso, sua incompletude e os limites informativos que tal acarreta.

Isso está presente em 7/16 dissertações. Temos, assim, que mais da metade das

dissertações (9/16) não expõe as problematizações do fazer historiográfico. Isso não

significa, necessariamente, baixo rigor metodológico nem muito menos uma “falta de

metodologia”, mas tão somente uma ausência de discussão explícita nesse campo.

Destaca-se aqui colocação epistemológica de “Município de Estrela...” (6m) que, em

sua conclusão diz que, com base em Léon-E Halkin, que o trabalho do historiador,

muito embora envolva um nível subjetivo concernente à opção metodológica, não


555
"Município de Estrela..." (6m): p. 93; "Vida econômica de Itaboraí...": p. II.
183

exclui a possibilidade de um caráter científico. Pontua também que a explicação dos

fenômenos históricos depende das premissas, que no caso são os conceitos de

urbanização, sem indicar predileção por algum dos trabalhados.

As fontes mais importantes para os trabalhos são aquelas referentes ao governo

de Estado como: relatórios de presidentes de províncias, anais de assembleias, relatórios

e anais de ministérios e secretarias, legislações, diários de governos, discursos oficiais,

documentos administrativos de empresas estatais e documentos diplomáticos. Eles são

os documentos principais em 12/16 dissertações e deixam de figurar em apenas 2 ("O

movimento católico..." (9m) e "Imprensa republicana..." (10m)). O segundo tipo de

fonte mais presente são os jornais, que são as fontes mais importantes de 2 dissertações

("O republicanismo..." (8m) e "Imprensa republicana..." (10m)), mas figuram em outras

7.

Documentos diversos de arquivos pessoais, institucionais e de movimentos,

foram centrais para "Bertha Lutz..." (3m) (arquivo pessoal de Bertha Lutz e de

organizações feministas), "O movimento católico..." (9m) (referentes a Igreja Católica e

a militância ligada a ela) e 13m (sobre o Clube 3 de Outubro). Vale ainda menção às

fontes cartoriais e o Almanaque Laemmert (com dados mercantis e industriais),

aparecendo em 4 trabalhos ("A fazenda de Santa Cruz..." (5m), "Município de Estrela..."

(6m), "Vida econômica de Itaboraí..." e "Atividades capitalistas..." (11m)); as memórias

impressas e relatos de viagem, figurando com alguma importância em 3 trabalhos ("A

fazenda de Santa Cruz..." (5m), "Município de Estrela..." (6m) e "Clube 3 de Outubro"

(13m)); e o recurso a entrevistas originais, em dois trabalhos ("Bertha Lutz..." (3m) e "O

movimento católico..." (9m)).

O autor mais presente nas bibliografias foi Celso Furtado: 8/16. Em segundo
184

lugar, Caio Prado Jr., 7/16. Livros de Edgar Carone, Hélio Silva, Nelson Werneck Sodré

e Boris Fausto aparecem em 6/16 dissertações. Fernando Henrique Cardoso, Stanley

Stein e Raymundo Faoro estão em 5 dissertações.

Tabela 7: Quantitativo de autores na bibliografia


das dissertações da primeira geração
1º Celso Furtado 8
2º Caio Prado Jr. 7
3º Hélio Silva 6
Nelson Werneck Sodré 6
Edgar Carone 6
Boris Fausto 6
4º Fernando Henrique Cardoso 5
Stanley Stein 5
Raymundo Faoro 5

Apesar de ser o autor que mais aparece nas bibliografias, a importância de Celso

Furtado não pode ser superestimada. Ele simplesmente não consta em nenhuma nota de

rodapé de 6 das 8556 dissertações que o listam na bibliografia – isto é, sem nenhuma

importância direta para o texto. Seu estudo aparece citado em "Município de Estrela..."

(6m), que usa uma consideração sobre a economia de exportação brasileira no início do

XIX557. E encontra maior presença apenas em "A evolução do sistema..." (2m), onde há

um confronto de ideias de maior relevo que expusemos acima.

Caio Prado Jr., por sua vez, não consta em nenhuma nota de rodapé de 5

dissertações558 que o incorporam na bibliografia, figurando em outras duas apenas como

uma breve referência sobre técnica de agricultura559 e sobre mercado de escravos560. De


556
"O desenvolvimento econômico..." (1m), "A evolução do sistema..." (2m), "Bertha Lutz..." (3m), "A
fazenda de Santa Cruz..." (5m), "Município de Estrela..." (6m), "Vida econômica de Itaboraí...",
"Atividades capitalistas..." (11m) e "A evolução política no Chile..." (15m).
557
Bragança, p. 16-7.
558
"A evolução do sistema..." (2m), "Bertha Lutz..." (3m), "Município de Estrela..." (6m), "Vida
econômica de Itaboraí..." e "Atividades capitalistas..." (11m).
559
"A fazenda de Santa Cruz..." (5m), p. 60-1.
560
"Imprensa republicana..." (10m), p. 13
185

forma semelhante estão Hélio Silva e Nelson Werneck Sodré, cujas contribuições

diretas nos textos das dissertações são pontuais: o primeiro é fonte de informação ou

breve consideração sobre Vargas, a Liga Eleitoral Católica e a hierarquia católica na

República Velha561; o segundo contribui sobre imprensa, militares e política externa562. O

historiador paulista Edgar Carone é trabalhado diretamente em 3 dissertações 563.

Aparece uma vez como referência sobre política econômica564 e sobre crise política na

“República Velha”565, e seu trabalho de organizador e divulgador de fontes foi central

para "Clube 3 de Outubro" (13m) que estuda o tenentismo. Para "O movimento

católico..." (9m), Carone terá uma importância de outra dimensão: suas teses foram

utilizadas para a definição das posições e da ideologia das classes sociais brasileiras na

década de 1930 (a burguesia, o proletariado, as oligarquias e as classes médias) 566; para

a caracterização da política de Vargas para com os operários (que teria uma face

conciliatória e outra repressora)567; e sobre o caráter das reivindicações dos

trabalhadores568.

Boris Fausto é criticado por "A evolução do sistema..." (2m) por considerar que

o desenvolvimento industrial não era um objetivo de Vargas 569; serviu como base para

"O movimento católico..." (9m) sobre a “Revolução de 30”570; e para "A educação

561
Cf. "A evolução do sistema..." (2m), p. 10; "O movimento católico..." (9m), p. 15, 42, 88, 93. Em "O
desenvolvimento econômico..." (1m), "Bertha Lutz..." (3m) e "A Constituinte de 1823..." (4m), Hélio
Silva não aparece em nenhuma nota de rodapé. Em "A educação brasileira..." (12m), apenas é dito que o
autor fez um estudo recente sobre Vargas. (p. 12)
562
Cf. "Imprensa republicana..." (10m), p. 4-5, 30,33 e 43; e "A educação brasileira..." (12m), p. 47. Sodré
não consta no rodapé de "O desenvolvimento econômico..." (1m),"A evolução do sistema..." (2m),"Bertha
Lutz..." (3m) e "Município de Estrela..." (6m).
563
As outras dissertações que tem Carone na bibliografia mas que não o citam são: "Bertha Lutz..." (3m),
"O republicanismo..." (8m) e "Imprensa republicana..." (10m)
564
"O desenvolvimento econômico..." (1m), p. 14 e 24
565
"Clube 3 de Outubro" (13m), p. 3 e 4
566
"O movimento católico..." (9m), p. 46-51
567
"O movimento católico..." (9m), p. 103-105
568
"O movimento católico..." (9m), p. 14 e 121.
569
"A evolução do sistema..." (2m), p. 34
570
"O movimento católico..." (9m), p. 16
186

brasileira..." (12m) sobre desenvolvimento de indústria e classe operária571 e sobre

ideologia do Estado Novo572. Em outros três trabalhos, o autor não consta diretamente

no texto573.

Fernando Henrique Cardoso aparece em "Atividades capitalistas..." (11m) como

referência sobre política e economia na época regencial e sobre a pressão inglesa para a

extinção do tráfico; em "A experiência liberal na Colômbia..." (16m), é fonte de

comentário sobre a falta de uma nítida divisão social na composição partidária 574; em "A

evolução política no Chile..." (15m), sobre produção e mercado externo 575 e sobre classe

e economia no pós Primeira Guerra 576; consta ainda uma nota de Cardoso em "Vida

econômica de Itaboraí...", mas que não foi localizada no corpo do texto 577. O americano

Stanley Stein foi fonte sobre indústria têxtil ("O desenvolvimento econômico..." (1m)),

entrada de escravos, Vale do Paraíba, impacto econômico da abolição ("Município de

Estrela..." (6m)) e casas comissionárias ("Vida econômica de Itaboraí...") 578. Raimundo

Faoro foi base para a ideia de que movimentos políticos de países atrasados tem

evoluções diferentes se comparados com os países avançados ("Bertha Lutz..." (3m))579;

e para se pensar a formação de partidos na Constituinte ("A Constituinte de 1823..."

(4m))580.

A presença desses autores no texto se dá, sobretudo, como já colocamos, como

fontes de informações ou considerações localizadas e breves. Apenas em alguns casos

571
"A educação brasileira..." (12m), p. 6
572
"A educação brasileira..." (12m), p. 16
573
"O desenvolvimento econômico..." (1m), "Bertha Lutz..." (3m) e "Clube 3 de Outubro" (13m)
574
"A experiência liberal na Colômbia..." (16m), p.116
575
"A evolução política no Chile..." (15m), p. 26
576
"A evolução política no Chile..." (15m), p. 97
577
A outra dissertação que contém Cardoso na bibliografia é "Município de Estrela..." (6m).
578
Buscar as páginas. Stein consta ainda em "O republicanismo..." (8m) e "Atividades capitalistas..."
(11m).
579
"Bertha Lutz..." (3m), p. 58
580
"A Constituinte de 1823..." (4m), p. 53. Faoro consta ainda em "O desenvolvimento econômico..."
(1m), "O republicanismo..." (8m) e "Clube 3 de Outubro" (13m).
187

eles são referência para algum quadro interpretativo e de contextualização maior (como

é o caso de Carone para "O movimento católico..." (9m)) ou objeto de reflexão (como é

o caso de vários autores para "A evolução do sistema..." (2m)581). Se pudermos dizer

dessa forma, eles são mais “usados” do que debatidos. Reafirma-se então a

característica já apontada por nós de que as dissertações se dedicam sobretudo às fontes

primárias intentando a construção do conhecimento empírico, secundarizando ou

ignorando o debate historiográfico no tocante às diferenças interpretativas, conceituais

ou teóricas do espectro de autores.

Por fim, merece menção que teóricos centrais do marxismo aparecem, cada um,

em apenas uma dissertação: Karl Marx e Rosa Luxemburgo em "Atividades

capitalistas..." (11m), Antonio Gramsci e Louis Althusser em "A educação brasileira..."

(12m), e Frederich Engels em "Bertha Lutz..." (3m). Max Weber também está presente

apenas em uma, "Bertha Lutz..." (3m). Outros nomes das ciências humanas brasileiras

que merecem registro são: Sérgio Buarque de Holanda e Florestan Fernandes em 3

dissertações, e Gilberto Freyre em apenas 1.

A média do número de páginas das dissertações da primeira geração é de 118,

com 5 delas tendo menos de 90. A comparação é comprometida, entretanto, já que a

formatação dos textos varia muito em cada dissertação.

Como conclusões dessa etapa temos:

1) De forma geral, os temas e recortes desenvolvidos nas dissertações remetem

àqueles trabalhados pelos professores em suas pesquisas e aulas. Isto é, os discentes

viriam a trabalhar (repetindo, de forma geral) com aquilo que seus professores

promoviam. Nesse sentido, é fundamental notar a correspondência na proporção dos

581
Há o curioso de que certa parte da discussão historiográfica de "A evolução do sistema..." (2m) é feita
em notas de rodapé, o que indica, mesmo para esse caso, seu menor significado se comparada à
exploração empírica.
188

cortes cronológico e temático entre as disciplinas ofertadas e as dissertações: ênfase e

divisão equilibrada entre os séculos XIX e XX; ênfase e divisão equilibrada entre o

“econômico” e “político”. Quanto ao corte geográfico, a correspondência é menor, mas

digna de nota: entre as disciplinas, 12 foram de História do Brasil e 5 de História da

América; entre as dissertações, respectivamente, os números são 13 e 3582.

Mas se de forma geral o que era ofertado pelo Programa refletia-se nas

dissertações, por outro lado, havia alguma diversidade em seus conteúdos e de forma

alguma se pode supor que os professores foram sempre decisivos nas escolhas dos

objetos específicos. Mais notavelmente, temos o estudo de 3m sobre a militância de

Bertha Lutz, motivado pelas preocupações feministas da autora Rachel Sohiet 583. Outros

temas como o papel político da Igreja Católica ("O movimento católico..." (9m)),

educação ("A educação brasileira..." (12m)) e diplomacia ("A diplomacia brasileira..."

(14m)), parecem também indicá-lo. Sublinhe-se também que algumas dissertações

buscaram referências bibliográficas distintas daquelas mais trabalhadas pelos

professores historiadores em suas pesquisas, como é o caso de "Município de Estrela..."

(6m), "O movimento católico..." (9m), "Atividades capitalistas..." (11m), "A educação

brasileira..." (12m), e "A evolução política no Chile..." (15m).

2) Na primeira geração, o professor que mais se preocupou em dar conta de

desenvolver questões teóricas e epistemológicas foi Pedro Demo, sintomaticamente o

único que não era historiador no corpo docente. Como vimos acima, essas reflexões,

que já não faziam parte da formação acadêmica prévia dos discentes de forma

substancial, não tiveram, apesar do número expressivo de disciplinas a cargo de Demo,

582
Estamos aqui contando "A diplomacia brasileira..." (14m) como História da América, posto que o
espaço em que se movem os agentes estudados é o México, mas este estudo também envolve política
brasileira.
583
Segundo Sohiet, o tema foi bem recebido à época, mas não faltaram aqueles que consideraram a
temática secundária. Ver entrevista ao autor (04/07/2013).
189

relevância no texto das dissertações, com brevíssima exceção.

3) Através da atuação dos professores Graham, Hilton e Ribeiro, o curso de

mestrado promove majoritariamente para seus alunos um perfil historiográfico distinto

daquele da maioria dos discentes, cujas referências maiores seriam “marxista” ou

“europeia”. De acordo com algumas falas, a valorização empírica trazida principalmente

pelos americanos teria sido importante, então, como contrabalanço de uma formação

historiográfica que se concentrava, por exemplo, em “grandes sínteses” 584. Entretanto, o

cotidiano do curso não parece ter sido marcado por algo como disputa entre paradigmas

e, mais importante para nós, também não há nenhum reflexo dessa questão nas

dissertações.

4) Identificamos apenas um diálogo entre dissertações e a pesquisa de um

professor. Trata-se de "O desenvolvimento econômico..." (1m) e "A evolução do

sistema..." (2m), dissertações orientadas por Stanley Hilton e que vão ao encontro de

uma preocupação historiográfica deste brasilianista, condensada em texto lançado

originalmente em 1975, que é a de demonstrar que mesmo antes do Estado Novo o

governo de Vargas tinha fortes intenções industrialistas585. Além de comungarem desta

preocupação factual de que Vargas e seu governo tinham planos e atuações pró-indústria

desde o começo, "O desenvolvimento econômico..." (1m), "A evolução do sistema..."

(2m) e Hilton também consideram que dizê-lo é uma necessária revisão historiográfica,

para superar aquilo que o brasilianista inclusive chama de mitos da história econômica

brasileira586. Como representantes desse erro, Hilton aponta para Warren Dean e John D.

Wirth, a que os autores brasileiros somam Boris Fausto e Otávio Ianni. Os trabalhos de
584
Entrevista de Richard Graham ao autor (25/02/2014). Entrevista de Rachel Sohiet ao autor
(04/07/2013). Entrevista de Vânia a Correa, p. 153.
585
HILTON, Stanley. “Vargas e o desenvolvimento econômico brasileiro, 1930-1945: uma reavaliação de
sua posição sobre industrialização e planejamento.” IN: O Brasil e a crise internacional (1930-1945). Rio
de Janeiro. Civilização Brasileira, 1977. Neste artigo, Hilton cita o estudo de Oliveira.
586
Idem. p. 94
190

"O desenvolvimento econômico..." (1m), "A evolução do sistema..." (2m) e Hilton

também tem em comum o enfoque (homens de estado e agências estatais) e as fontes

utilizadas (oficiais ou pertencentes a esses agentes). Porém, uma diferença fundamental

é que as dissertações se circunscrevem mais ao tema do econômico: Magalhães quer

observar a “marcha” que superou as circunstâncias históricas que entravavam a

“transformação estrutural” para por fim demonstrar, no seu último capítulo, os triunfos

da indústria; e Oliveira mergulha com mais detalhe nos mecanismos capitalistas para

entender as formas que puderam concretizar essa modernização. Ao passo que, para

Hilton, como já colocamos, o horizonte é a história política. É importante ressaltar que o

conjunto de reflexões sobre o período que empreende o norte-americano tem

fundamentalmente preocupações geopolíticas, de forma que o estudo e a conclusão

sobre a opção pela industrialização teriam sua relevância pois ela era considerada, para

Vargas e seus conselheiros, “uma condição sine qua non para a realização de seus

objetivos de política externa no continente sul-americano – um aspecto crucial, mas até

agora não reconhecido, do pensamento e política brasileiros durante o período.”587

5) Em suma, podemos dizer que, para a primeira geração, o sentido maior de

desenvolvimento historiográfico no curso, considerando aqui tanto o grosso das

dissertações quanto do trabalho dos professores, foi a valorização e o desbravamento

empíricos, no que se deve considerar também negligências com discussões conceituais e

historiográficas.

587
HILTON, Stanley. “Vargas e o desenvolvimento....” p. 94.
191

Capítulo 3 - A segunda turma (1974-1977/9)

3.1 Discentes

Como não houve entrada de novos estudantes em 1973, provavelmente por conta

da fragilidade material do curso, a segunda geração é aquela que iniciou em 1974 e que

cursou disciplinas neste ano e no seguinte, salvo algumas exceções588. A maior parte

desses alunos defendeu suas dissertações em 1978, mas alguns deles o fizeram um ano

antes ou um ano depois. Nos catálogos589 em que nos referenciamos, se tratam das

dissertações de número 17-32 e 44-5590. Esta segunda geração tem um total de 18

historiadores, número do qual se exclui os que entraram em 1974 mas que ou não

concluíram o curso ou defenderam depois de 1980.

O perfil desta geração é bem distinto da anterior em vários pontos. Se as

mulheres eram cerca de 75%, agora há praticamente equilíbrio numérico: dez mulheres

e oito homens.

Outra diferença é que a idade média desses alunos na época do início do curso é

bem maior: 39 anos (contra 31 da anterior), com o mais velho tendo 47 anos no

momento de ingresso no curso, e a mais nova, 22.

Na primeira geração os residentes em Niterói eram grande maioria, mas na

segunda são uma minoria (quatro) junto com um morador de Nilópolis: todos os demais

(treze) vem da cidade do Rio de Janeiro.

588
Alguns cursaram uma parte das disciplinas em 1976 ou 1977. Novamente, essas informações são
baseadas na “Ficha Cadastral” e no histórico dos alunos.
589
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE. Memória dos Cursos de Pós-Graduação. Perfil do
Mestrado em História e sinopse das dissertações apresentadas para a obtenção do grau de Mestre em
História. Niterói. Eduff, 1986. UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE. Programa de Pós-
Graduação em História. Catálogo de Teses e Dissertações, 1974-1995/ Vânia Leite Fróes, coordenação
geral. Niterói: UFF; Brasília: CNPQ, 1996.
590
Há descontinuidade nos números porque alguns alunos da terceira e mesmo da quarta turma puderam
defender suas dissertações antes de alguns da segunda.
192

Sobre a graduação, um é formado pela Gama Filho, dois pela Universidade do

do Estado da Guanabara (UEG)591, cinco pela FNFi/IFCS da UB/UFRJ; e seis pela UFF.

Dois são formados em Ciências Sociais pela UEG, e para outros dois não temos

informação. Repare-se que UEG, UB/UFRJ e UFF aparecem com números pouco

discrepantes. Em comparação com a primeira turma, temos que o número de formados

pela UFF cai bastante, ressalvando-se que para essa segunda turma temos menos dados

nas fichas.

A informação sobre experiência docente no magistério superior não

necessariamente era registrada no momento do cadastro no curso, podendo ser

acrescentada posteriormente. Dos dezoito mestrandos, dez tinham essa atuação –

proporção menor que a apresentada na primeira turma. São eles: Marieta Ferreira

(Assistente de História do Brasil na Faculdade Santa Doroteia, em Friburgo); Sonia

Mendonça (Auxiliar de Ensino em História Antiga e Medieval na UFF); Abner Júnior

(Adjunto de História Moderna e Contemporânea na Faculdade Simonsen); Almir

Oliveira (Assistente na Faculdade de Formação de Professores CETRERJ lecionando

Fundamentos das Ciências Sociais e Geografia Humana); Cleia Weyrauch (Auxiliar de

Ensino de Metodologia na UERJ); Orlando de Barros (Auxiliar de Ensino na UEG e na

UFF, e Titular na Faculdade Santa Isabel, na Fundação Souza Marques e na Faculdade

Humanidades Pedro II, lecionando nessas instituições Sociologia e História

Econômica); Stela Damiani (Assistente na Fundação Souza Marques, lecionando

História Econômica Geral); Waldir Ribeiro (Adjunto de Antiga e Medieval e História do

Pensamento Econômico, Político e Social na Faculdade Simonsen, e Titular de Estudos

de Problemas Brasileiros na Faculdade Nuno Lisboa); Martha Chiarizia (Assistente de

591
A UEG passará a se chamar Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) em 1975, por conta da
fusão entre os Estados da Guanabara e Rio de Janeiro. http://www.uerj.br/institucional/decada_1970.php
(acessado em maio de 2017).
193

História Antiga e Medieval na Faculdade de Formação de Professores (FACEN); e

Reynaldo Pompeu (Assistente de Estudos de Problemas Brasileiros na Estácio de Sá).

Salta aos olhos que se na primeira geração quase todos os professores universitários

atuavam na UFF, agora estes são uma minoria (dois), com faculdades particulares

diversas marcando a maior presença nos currículos.

Na “Ficha Cadastral” desses alunos, consta que apenas um deles tinha produção

acadêmica: Orlando de Barros publicara em 3 revistas diferentes. Na primeira geração,

dois alunos apresentavam publicação – o que evidencia que esse tipo de atividade

continuava bem pequena.

Não nos é possível conhecer intelectualmente esses discentes no momento em

que iniciaram o curso de Mestrado. Primeiramente, por conta do praticamente

inexistente histórico de publicações. Segundo, porque carecemos de uma mais sólida

história dos cursos de graduação em que se formaram, muito embora haja um número

razoável de estudos sobre a FNFi/IFCS da UB/UFRJ. Também, em alguns casos não

sabemos em que momento o discente se graduou, o que seria um dado relevante uma

vez que em intervalo relativamente curto houve mudanças significativas pelo menos na

UFF e na UB/UFRJ, conforme discutimos no primeiro capítulo. Entretanto, é seguro

afirmar que também essa geração não era íntima do trabalho de pesquisa. Pelo textos de

suas dissertações, parecem ter tido em seus bacharelados influências intelectuais

diversas, que se repetiram também nos docentes do curso de Mestrado.

3.2 Docentes, disciplinas e orientações

Cada aluno desta segunda geração fez entre 8 e 10 cursos592. No período, foram

592
Lembramos novamente que está excluída dessa contagem Estudos de Problemas Brasileiros (EPB).
194

um total de 29 disciplinas oferecidas593, que assim dividimos:

Tabela 8: Quantitativo de disciplinas


oferecidas no período 1974-1975
História do Brasil 8
História da América 7
Metodologia 5
Sociologia 4
Historiografia 3
Geografia 2
Total 29

As disciplinas de História do Brasil ficaram a cargo de Richard Graham, Bailey

Diffie, Ismênia Martins, Victor Vincent Valla e Arthur Cézar Ferreira Reis. Todos

ministraram 1 disciplina, à exceção de Ismêmia Martins que aplicou 4. Os cursos dessa

professora versaram um sobre escravidão e tráfico e os outros três sobre teoria e prática

de pesquisa nas épocas colonial, imperial e republicana. Graham aplicou um curso já

citado sobre imperialismo inglês no Brasil 594. Diffie, sobre o Brasil colonial (não há

registros de maiores especificações). Valla, sobre teoria e técnica de pesquisa em Brasil

colonial. Ferreira Reis, sobre diplomacia brasileira

As matérias de História da América foram da responsabilidade de Pedro Freire

Ribeiro (4), Michael Morris (1), Richard Morse (1) e Carlos Esparza (1). Morse ensinou

sobre urbanização na América Latina. Morris, sobre direito internacional com ênfase

em assuntos marítimos e, a julgar pela bibliografia, abordando principalmente a relação

dos EUA com a América Latina. O curso de Carlos Esparza foi sobre a história do Peru,

da época “bourbônica” à emancipação. Os cursos de Pedro Ribeiro sobre a América

Latina, a que já fizemos referência no outro capítulo, vão desde a situação colonial,

593
A relação das disciplinas foi obtida através de arquivo eletrônico do PPGH-UFF.
594
Estamos considerando uma interseção entre o momento da primeira e da segunda gerações. Ou seja,
alunos da primeira e da segunda turma fizeram cursos no primeiro semestre de 1974.
195

passando pelos processos de independência e chegando até as primeiras décadas do

século XX.

Todas as disciplinas de metodologia foram ofertadas por Pedro Demo, professor

que abordamos anteriormente.

As disciplinas de sociologia foram ministradas por Pedro Demo e Luiz de Castro

Faria595. Demo abordou os temas do “desenvolvimento” (em que trata principalmente da

América Latina) e da “estratificação social”. Os cursos de Castro Faria, apesar de se

chamarem “pensamento social brasileiro”, traziam em sua bibliografia Bourdieu,

Foucault e Manheim.

O mestrado instituiu disciplinas intituladas “Historiografia”. Uma delas foi

promovida por Hilton, mas não há registro de ementa e de bibliografia. Outras duas

ficaram a cargo de José Honório Rodrigues. A bibliografia do primeiro curso de

Rodrigues era sobre questões regionais do Brasil. A do segundo curso era propriamente

sobre historiografia, incluindo a italiana e a inglesa.

Por fim, foram oferecidos dois cursos sobre geografia, ambos de Lysia

Cavalcanti Bernardes. Eles abordam uma série de problemas, como bases naturais,

urbanização, desequilíbrios regionais, geopolítica, utilização do solo, etc.. Um dos

cursos dedica-se também à América Latina.

Temos duas importantes diferenças entre estas disciplinas e aquelas disponíveis à

primeira geração: há um aumento absoluto e relativo muito grande das ofertas em

História da América, que praticamente iguala História do Brasil em número; e passam a

ser significativas as ofertas em “sociologia”, “geografia” e “historiografia”.

Sobre o recorte cronológico das disciplinas, há alguma dificuldade na contagem

já que mesmo em alguns casos em que dispomos da ementa ou bibliografia, não


595
As disciplinas de Castro Faria foram oficialmente classificadas como “Antropologia Social”.
196

podemos ser precisos em relação ao período que abarcam. Podemos, entretanto, com

segurança, inferir que o século XIX foi o mais trabalhado, estando presente em pelo

menos sete matérias. O período que sem maiores precisões é chamado em nossas fontes

“colonial” (cobrindo do século XVI ao XIX) passa a figurar em pelo menos 5

disciplinas. Também o século XX é matéria de mais ou menos essa quantidade. Em

comparação com o recorte cronológico das disciplinas cursadas pela primeira turma, há

um enfoque um pouco maior no período “colonial” e um pouco menor no século XX.

Sobre o “eixo temático” das disciplinas, as lacunas de informação nas ementas e

bibliografias de disciplinas nos levam novamente a uma contagem vacilante.

Considerando as disciplinas de História, há, provavelmente mais trabalho em “política”

(7) que em “economia” (4), havendo também interseção entre elas. Não há registro de

trabalho sobre “cultura”.

Abaixo temos a lista dos docentes que lecionaram para a segunda geração

acompanhada do número de disciplinas que ofertaram.


197

Tabela 9: Quantitativo de disciplinas oferecidas


por docentes no período 1974/1975
Pedro Demo 7
Ismênia Martins 4
Pedro Freire Ribeiro 4
Luiz de Castro Faria 2
José Honório Rodrigues 2
Lysia Cavalcanti 2
Richard Graham 1
Stanley Hilton 1
Bailey Diffie 1
Victor Vincent Valla 1
Arthur Cézar Ferreira Reis 1
Richard Morse 1
Michael Morris 1
Carlos Esparza 1
Total 29

É importante perceber a discrepância entre os números de Pedro Demo, Pedro

Freire Ribeiro e Ismênia Martins frente a todos os outros docentes, que ofertaram

apenas duas ou uma disciplina.

Os números de Pedro Demo, contudo, não podem ser superdimensionados, já

que se explicam pela repetição de um mesmo curso, Metodologia I, oferecido 4 vezes.

A professora Ismênia Martins é, numericamente, a principal referência docente

em História do Brasil. Já em relação à História da América, Pedro Freire Ribeiro.

Destaca-se a novidade da presença de Luiz de Castro Faria, José Honório

Rodrigues e Lysia Cavalcanti, responsáveis por desenvolver no curso reflexões sobre

sociologia, historiografia e geografia.

Em relação ao quadro da primeira geração, as principais continuidades são as


198

fortes presenças de Pedro Demo (metodologia) e Pedro Ribeiro (América).

Entre as principais diferenças, temos que Ismênia Martins substitui Graham e

Hilton como principal referência numérica em ofertas de cursos em História do Brasil.

Há também o dobro do número de professores que havia anteriormente (7 x 14), mas

sem um aumento proporcional no número de disciplinas oferecidas (22 x 29).596

Os estrangeiros Bailley Diffie, Richard Morse, Michael Morris e Carlos Esparza

foram contratados apenas para oferecer um curso em Niterói. Outros iniciantes nesse

período 74/75, Ismênia Martins, José Honório Rodrigues, Victor Valla e Arthur Cézar

Ferreira Reis, fizeram parte do quadro estável de professores que perdurou até pelo

menos 1979. Graham e Hilton, que contabilizam apenas 1 disciplina no período (74-75)

estavam ao final de seus contratos que haviam sido iniciados em 1972. Ribeiro e Demo

foram importantes de 1972 a 1975, mas saíram depois disso.

Abaixo segue o quadro dos docentes que orientaram os trabalhos da segunda

geração:

Tabela 10: Quantitativo de orientandos


por orientador da segunda geração
Pedro Freire Ribeiro 8
Ismênia Martins 5
Arthur Cézar Ferreira 2
Reis
José Honório Rodrigues 2
Francis Morton 1
Total 18

Além de uma forte referência na oferta de disciplinas, Pedro Freire Ribeiro é

também o principal orientador no curso de Mestrado até aqui, acumulando onze

trabalhos. Nesta segunda turma, sem exceção orienta dissertações de História da


596
Lembrando que o primeiro semestre de 1974 é uma interseção entre a primeira e a segunda gerações.
199

América, que perpassam por temas, países e orientações políticas variadas. Arthur Cézar

Ferreira Reis orientou dois trabalhos sobre o “civilismo” no Peru. Sua atividade de

orientação, muito embora agora menor, acumula um total de oito. Seus números já

justificariam que fizéssemos uma análise desse historiador nesta seção, mas o

deixaremos para a seguinte quando sua contribuição numérica como orientador se torna

ainda maior.

Ismênia Martins, que não atuou no curso antes de 1974, agora se mostra uma

profissional importante no número de disciplinas ofertadas e orientações. As

dissertações que orientou se dedicam principalmente a aspectos econômicos e políticos

da agricultura fluminense. Temas de ideologia e conflito social aparecem também nos

trabalhos que auxiliou. Como outros professores relevantes numericamente já foram

analisados na seção anterior, nos cabe agora apenas um olhar mais detido sobre esta que

foi a principal referência de História do Brasil para a segunda geração.

Martins, depois de estudar na PUC-RJ, concluiu sua graduação no curso de

História da UFF. Logo depois, antes mesmo de se tornar professora de ensino superior,

iniciou seu doutoramento pela USP, ainda nos marcos do “antigo regime” da pós-

graduação. Além de destacadas produção bibliográfica e atividade docente em uma

trajetória longeva597, Martins teve atuação política na universidade – tinha articulação

com o PCB, atuou na ADUFF, integrou posteriormente os quadros do MDB, concorreu

ao cargo de reitora, etc.- e se envolveu também em atividades de extensão na UFF. Para

conhecermos seu perfil historiográfico, analisaremos sua tese de doutoramento

orientada por José Sebastião Witter e defendida em 1972 na USP, “Problemas da

extinção do tráfico africano na província do Rio de Janeiro. Uma tentativa de análise

597
No presente momento, 2018, a professora continua suas atividades na pós-graduação em História.
200

das dificuldades de reposição de mão de obra na grande lavoura fluminense”598.

Martins se dedica ao estudo da lavoura fluminense que, segundo a mesma, não é tratada

em trabalhos importantes como os de Viotti e Stein. Em realidade, sua tese é uma

abordagem da escravidão como um problema econômico dos escravistas. Em seu

primeiro capítulo, sobre a “realidade econômica do tráfico”, suas principais referências

são Caio Prado Jr. e Celso Furtado. No capítulo seguinte, onde se desenvolve seu

trabalho empírico, demonstra, através de escritos de várias personagens do século XIX,

que a abolição do tráfico era vista como um terrível desastre por todos os que se

achavam ligados aos interesses da grande lavoura: mesmo aqueles que sugerem

transformações na economia do país, justificam a sua permanência. Por ser o tráfico

vital para a lavoura, os argumentos em defesa do tráfico serão fortes para mantê-lo

mesmo depois de legalmente extinto e mesmo com a pressão inglesa599

No terceiro capítulo, sobre o contrabando de 1831 a 1850, nos diz que a luta para

exterminar o tráfico foi renhida, e que ela tem sido bastante omitida nas análises. Sobre

o tema, parte das seguintes hipóteses: que as atividades jurídicas, legislativas e

diplomáticas obedecem às condições econômicas do Império; que o movimento

partidário e do governo encontram limites e justificativas no jogo das forças

econômicas; que cada tratado feito, cada lei anti escravista promulgada trazem a partir

de sua elaboração um conjunto intenso de mecanismos que permitem a imediata

anulação de seus termos jurídicos sob o aspecto da atuação na validade prática, ficando

confinados a uma utopia só identificável na teoria; que há descuido e ignorância

proposital em relação ao contrabando; e que a cada medida tomada pela Inglaterra,

598
MARTINS, Ismênia. “Problemas da extinção do tráfico africano na província do Rio de Janeiro. Uma
tentativa de análise das dificuldades de reposição de mão de obra na grande lavoura fluminense” Tese
de doutorado. USP, 1972.
599
p. 47-8
201

aperfeiçoava-se o contrabando. Neste capítulo, sustentado por fontes primárias e

secundárias, discute diversas ações e posicionamentos de traficantes, de ingleses, do

executivo, legislativo e judiciário, dos abolicionistas e dos latifundiários.

Por fim, no último capítulo, faz uma análise da reposição de mão de obra nas

três décadas posteriores à abolição do tráfico. Aqui perpassa temas como as dificuldades

para a contratação de braços livres, crescimento vegetativo da população escrava, o

contrabando (que teria sido grande, mas sem configurar uma solução para o problema);

o aumento do preço do escravo; o peso do tráfico interprovincial, o endividamento dos

senhores, etc.. Na conclusão, nos coloca que a lavoura fluminense, ao invés de se

preparar para transformações estruturais, das quais a mais importante seria a introdução

do trabalho livre, apenas procurou se ajustar à nova situação que o término do tráfico

provocou, tornando irregular o abastecimento de escravos. Dessa forma, o que fez foi

protelar a crise por 4 décadas. A prosperidade existiu por algum tempo mas os esforços

feitos para mantê-la com o trabalho escravo levaram a grande lavoura fluminense a um

estado de crise generalizado do qual não iria se recuperar.

Martins trabalhou com um amplo número de fontes: ofícios e relatórios de

Estado, imprensa e inclusive memórias. No início e ao final da tese, a autora faz

comentários sobre as fontes e sua metodologia: lamenta a escassez de informações e

critica bibliotecas e arquivos; critica a forma como as autoridades da época lidavam

com os dados e a falta de rigor dos levantamentos e estimativas por parte de autores;

aponta conflitos de dados, falta de continuidade e diferença nas apresentações de

informações nas fontes; e entende que algumas fontes querem justificar ou glorificar

alguma posição ou medida política. Defende, entretanto, que em alguns casos se pode

trabalhar com grande margem de certeza. Ao final da tese, apresenta um grande número
202

de gráficos e tabelas. Adverte que os números não podem ser tomados com exatidão,

valendo seu caráter relativo e não absoluto.

Em sua tese de doutoramento na USP, Martins se mostra uma profissional

consciente de problemáticas do trabalho com fontes primárias, da relação do estudo com

a historiografia estabelecida e valorizadora do trabalho empírico original. Na entrevista

que nos concedeu, lembra que em suas aulas valorizava o marxismo e o trabalho

empírico600. Mas muitos outros profissionais lecionaram e orientaram no período, com

seus perfis intelectuais, temas e abordagens diversos.

3.3. Dissertações

Quadro 5. Dissertações da segunda turma


17M MENDONÇA, Sonia Regina de. A primeira política de valorização do café e
sua vinculação com a economia agrícola do Estado do Rio de Janeiro.
Dissertação de Mestrado em História. UFF, 1977. Orientada por Ismênia
Martins.
18M FERREIRA, Marieta de Moraes. A crise dos comissários de café do Rio de
Janeiro. Dissertação de Mestrado em História. UFF, 1977. Orientada por
Ismênia Martins.
19M SARAIVA, Luiza Maria Magalhães. O petróleo venezuelano na época de Juan
Vicente Gómez (1908-1935). Dissertação de Mestrado em História. UFF, 1977
Orientada por Pedro Freire Ribeiro.
20M TELLES, Marcus Vinícius. A influência da maçonaria na independência do
Prata: as relações da maçonaria platina com a brasileira. Dissertação de
Mestrado em História. UFF, 1978. Orientada por Pedro Freire Ribeiro.
21M WEYRAUCH, Cleia Schiavo. O processo de consolidação do Estado uruguaio
(1830-1890). Dissertação de Mestrado em História. UFF, 1977. Orientada por
Pedro Freire Ribeiro.
22M BAPTISTA Júnior, Abner Simões. O guano e o salitre (o surgimento do
civilismo no Peru). Dissertação de Mestrado em História. UFF, 1978. Orientada
por Arthur Reis.
23M OLIVEIRA, Almir da Silva. O civilismo equatoriano no período de 1860-1875:
o garcianismo. Dissertação de Mestrado em História. UFF, 1978. Orientada por
Arhtur Reis.

600
Entrevista ao autor. Julho de 2017.
203

24M RIBEIRO, Waldir de Vita. O Banco Mauá no Uruguai. Dissertação de Mestrado


em. UFF, 1978. Orientada por Pedro Freire Ribeiro.
25M MONTEIRO, Adilson Pinto. Argentina: economia e sociedade (1890/1922).
Dissertação de Mestrado em História. UFF, 1978. Orientada por Francis Morton.
26M BARBOSA, Marilena Ramos. O problema indigenista peruano na primeira
metade do século XX. Dissertação de Mestrado em História. UFF, 1978.
Orientada por Pedro Freire Ribeiro.
27M DAMIANI, Stela Maria. O índio na literatura peruana: José Maria Arguedas.
Dissertação de Mestrado em História. UFF, 1978. Orientada por Pedro Freire
Ribeiro.
28M BARROS, Orlando de. Paraguai: a transição política e suas bases. Dissertação
de Mestrado em História. UFF, 1978. Orientada por Pedro Freire Ribeiro.
29M PINTO FILHO, João Delduck. O sentido do governo Balmaceda (1881-1891).
Dissertação de Mestrado em História. UFF, 1978. Orientada por Pedro Freire
Ribeiro.
30M LIMA, Lana Lage da Gama. A rebeldia negra em Campos na última década da
escravidão. Dissertação de Mestrado em História. UFF, 1978. Orientada or
Ismênia Martins.
31M FERNANDES, Sylvia Padilha. Da monocultura à diversificação econômica.
Um estudo de caso: Vassouras, 1880-1930. Dissertação de Mestrado. UFF,
1978. Orientada por Ismênia Martins.
32M MENANDRO, Heloisa Fesch. A ideia de nação e o pensamento nacionalista na
imprensa da Corte 1840-1860. Dissertação de Mestrado em História. UFF,
1978. Orientada por Ismênia Martins.
44M CHIARIZIA, Martha. Itabira Iron Ore Company. Dissertação de Mestrado.
UFF, 1979. Orientada por José Honório Rodrigues.
45M CAMPOS, Reynaldo Pompeu. O Tribunal de Segurança Nacional: 1936-1945.
Dissertação de Mestrado em História. UFF, 1979. Orientada por José Honório
Rodrigues.

3.3.1 Café (17m, 18m, 31m)

O trabalho de Sonia Regina de Mendonça, “A primeira política de valorização

do café e sua vinculação com a economia agrícola do Estado do Rio de Janeiro” 601

(17m), tem como recorte o período de 1890 a 1914, compreende a “área cafeeira

decadente”, e trabalha com quantificação. A autora entende que a Política de

601
MENDONÇA, Sonia Regina de. A primeira política de valorização do café e sua vinculação com a
economia agrícola do Estado do Rio de Janeiro. Dissertação de Mestrado em História. UFF, 1977.
Orientada por Ismênia Martins.
204

Valorização do Café, apesar de ser um tema bem discutido, não foi esclarecido

cabalmente. Mendonça se abstém de fazer um estudo crítico ou comparativo de cada

autor sobre o tema, mas observa que, em trabalhos de estudiosos como Celso Furtado,

Villela e Susigan, Delfim Neto, Carlos Manuel Peláez e Antônio Barros de Castro, há

restrição de dados a São Paulo. A dissertação tem então como valor historiográfico

abordar uma região não privilegiada pela historiografia pois “as conclusões

generalizantes tradicionalmente elaboradas quanto ao tema em questão dizem respeito

ao núcleo cafeeiro dinâmico – em especial o Oeste paulista”. Valoriza então como

objeto o Estado do Rio que “- superada a fase de grandeza e apogeu de sua

cafeicultura, tão explorada pelos que trataram do período imperial – deixou de motivar

estudos de história econômica, em especial na fase imediatamente subsequente à

Abolição, golpe mortal no comprometimento de sua economia e dele mesmo enquanto

objeto de estudo, segundo parece”602 A crítica à generalização das conclusões para todo

o setor cafeeiro nacional a autora deve a Antônio Barros de Castro.603

A dissertação trabalha com duas hipóteses importantes:

“1º- que a 1ª Valorização não atuou no sentido de


minimizar a crise da cafeicultura (e portanto da economia)
fluminense; 2º – que esta crise econômica – apesar de insolúvel
no período estudado – contará com a atuação de outros
elementos no sentido de atenuá-la: nos referimos à acentuação
da tendência à diversificação da agricultura fluminense, em
detrimento do setor cafeeiro, no período posterior ao Convênio
de Taubaté. Na medida em que os efeitos da 1ª operação
valorizadora podem ser apreciados até por volta de 1913/14,
delimitamos aí também nossa análise.”604.

Na introdução, a autora ainda faz importantes considerações sobre as fontes

pesquisadas: a absoluta inexistência de estatísticas primárias sobre as variáveis de

602
p. 1
603
p. 3
604
p. 5
205

produção e renda; a falta de homogeneidade quanto ao tipo de informação oferecida a

cada ano pelas fontes oficiais, “implicando num trabalho redobrado, quase que de

montagem para se compor uma série mesmo pequena.” 605; a restrição de dados sobre

exportação ao café, açúcar, aguardente e madeiras para os anos anteriores a 1903; entre

outras. “Nossas conclusões serão, face a esse problema, indicativos do que deve ter

ocorrido, respaldadas por informações qualitativas, mais precisas e abundantes.”606

No primeiro capítulo, Mendonça aborda a conjuntura econômico-financeira no

período de 1890 a 1905, onde observa o comportamento do setor cafeeiro e as

orientações econômico-financeiras dos primeiros governos republicanos607, levando em

conta a afirmação econômica e política da burguesia paulista do café608. Trata-se de um

panorama da dinâmica econômica bastante fundamentada na literatura especializada,

revelando a conjuntura da crise da cafeicultura naquele período.

O capítulo 2 foca o Convênio de Taubaté e resulta em um panorama do

pensamento econômico de então. Não deixando de mobilizar dados econômicos

numéricos, a autora também discute as leituras (prognósticos, soluções) que diferentes

agentes faziam da conjuntura e do Convênio. Por exemplo,

“Fica patente pelas observações feitas pelos defensores


do Convênio, que estes também se achavam imbuídos da
premissa da solução da crise do café a partir da atuação a nível
da circulação, quando na verdade o âmago da questão se
encontrava na esfera da produção em si mesma. Sabemos que a
raiz última desses problemas se instala no próprio tipo de
crescimento extensivo do setor agro-exportador e suas
contradições (especialmente ligadas à desconexão entre o
mercado de fatores produtivos e o mercado cafeeiro), mas tal
perspectiva crítica dificilmente caberia no “pensamento
econômico” da época, posto que implicaria na contestação da
própria estrutura da economia nacional...”609
605
p. 6
606
p.6
607
p. 12
608
p. 20
609
p. 69-70
206

O terceiro capítulo passa a abordar o Rio de Janeiro, compreendido pela autora

como área cafeeira decadente. Aqui, dedica-se a compreender localmente a crise do

café, trazendo à análise fatores como mão-de-obra, regime de trabalho e produtividade,

considerando aí o fim do trabalho escravo, o regime de parceria e o colonato e seus

significados para a lucratividade do setor e também para as receitas estatais. O quadro

que demonstra a leva a concluir que o Rio de Janeiro é uma zona mais especialmente

afetada pela crise, onde tendências críticas se fizeram mais graves610. Em seguida,

observa que, como reação à crise do café, houve uma tendência à diversificação agrícola

no Estado. Mendonça observa a atuação do governo nesse sentido e faz uma análise

quantitativa dessa diversificação, ao considerar dados sobre exportação e receitas do

Estado.

O cerne de sua análise é o último capítulo, “A Economia Agrícola do Estado do

Rio de Janeiro e a Primeira Valorização do Café (1906-1914)”, que faz um balanço

geral dos resultados da diversificação da economia, checando esta tendência com o

próprio funcionamento da primeira operação valorizadora do café. Aqui novamente

ganha relevo um das preocupações principais do trabalho que é salientar o caráter

específico do Rio de Janeiro. Mendonça demonstra assim, por exemplo, as diferentes

posições dos cafeicultores de São Paulo e do Rio de Janeiro frente à política de

valorização do café, que lhes eram de significados distintos, e as oposições surgidas em

torno (por exemplo, sobre taxas). Naturalmente, analisa-se também as diferenças de

resultados da política de valorização:

“Logo, os efeitos positivos que a 1º operação


Valorizadora teve para regiões cafeeiras consolidadas ou
novas, não só não se reproduziram nas retaguardas da
610
p. 111
207

cafeicultura nacional, como também não foram suficientes


sequer para sustar o seu operante declínio, declínio este que se
refletia tanto na renda do produtor, como nas receitas
públicas.”611

Em sua dissertação, Mendonça fez uma análise extensa, mobilizando muitas

fontes primárias, e baseando-se também nas análises de vários autores para construir sua

leitura da crise e das políticas para o café. Construiu sua argumentação principalmente

em bases estatísticas, que resultaram na construção de várias tabelas, mas também

trabalhou bastante com discursos de políticos, colhendo suas fontes em registros oficiais

de Estado, de entidades privadas e em periódicos.

Também estudando as dinâmicas econômicas do café, temos o trabalho de

Marieta de Moraes Ferreira, “A crise dos comissários de café do Rio de Janeiro” 612

(18m). Os comissários, cujas funções mudavam com o tempo, eram responsáveis por

empréstimos aos produtores e atuavam também organizando vendas e intermediando a

relação com exportadores estrangeiros613, chegando inclusive a exercer tutela econômica

sobre os fazendeiros614. Sua relevância como tema estaria em que inexiste na

bibliografia brasileira sobre café no século XIX estudos sobre os mecanismos de crédito

e financiamento, o que se explicaria pela ausência de fontes documentais das firmas

responsáveis pela venda de café. Sua análise restringe-se aos comissários fluminenses,

ao que a autora sublinha sua especificidade. O recorte cronológico, as décadas de 1880 e

1890, é justificado por ser um período de grandes transformações para a lavoura

fluminense e também a nível estrutural615.

Com base em Caio Prado Júnior, a autora considera que “a quantificação


611
p. 162
612
FERREIRA, Marieta de Moraes. A crise dos comissários de café do Rio de Janeiro. Dissertação de
Mestrado em História. UFF, 1977. Orientada por Ismênia Martins.
613
p. 1
614
p. 53
615
p. 2-5
208

funciona apenas em caráter de complementariedade à análise qualitativa

preliminar.”616 Curiosamente, a maior parte da discussão metodológica da autora será

feita em um longo texto apresentado como apêndice após a conclusão da dissertação.

Ali, expõe a dinâmica dos registros dos contratos das firmas comissárias, justificando

sua utilização como fontes apesar de deficiências; problematiza os critérios de seleção

das firmas que foram estudadas; reflete sobre a representatividade das informações

coletadas; e mostra os cálculos que fez para lidar com a variação do preço da moeda e a

deflação617.

A primeira parte do trabalho, compreendida pelos capítulos 1 e 2, é dedicada ao

estudo da gênese do comissário do café e sua participação quanto ao crédito agrícola.

Considerando também o período anterior ao que estuda, Ferreira explica que papéis

desempenhavam os comissários, (por exemplo, na recepção e na venda do café) e sua

crescente importância como emprestadores. Ao longo dos anos, os comissários

passaram de agentes de compras para financiadores da produção, processo que se

firmou na década de 1850. Mostra também que, se no começo os empréstimos eram

feitos tendo por base relações pessoais, mais à frente eles foram ficando mais formais e

complexos, passando também a envolver instituições bancárias, a quem os comissários

passaram a recorrer.

O capítulo 2 nos conta uma história do crédito agrícola no século XIX,

analisando legislação, a atuação dos bancos (com atenção à política de bancos ingleses),

dos cafeicultores e dos comissários. Tal como faz a autora, é importante sublinhar que o

alto comércio comissário estava nas mãos dos grandes fazendeiros: “Na realidade, o

que acontecia é que os grandes cafeicultores acumulavam concomitantemente funções

616
p. 4
617
p. 112-7
209

agrícolas e comerciais, o que lhes permitia exercer uma exploração sobre seus

companheiros menos poderosos, donos de capitais médios.”618

O capítulo 3 nos fala da crise da economia escravista cafeeira (que, em suma,

significa “a incapacidade do escravismo de adequar-se à racionalidade da empresa

capitalista de produção...”619), para, em seguida, refletir sobre suas consequências junto

aos comissários, concluindo que a prática dos comissários do Rio de Janeiro promovia

uma descapitalização da lavoura cafeeira, pois esta lhe era subordinada

economicamente. Neste sentido, mostra-se que, como os lucros dos comissários

fluminenses diminuíam, também escasseavam seus reinvestimentos na lavoura, questão

que é exposta pela autora com detalhe de dados. A crise dos comissários se intensificou

com a extinção do trabalho escravo, já que os escravos eram a principal garantia para a

concessão de créditos para a lavoura do Vale do Paraíba620

O capítulo 4 dedica-se a mostrar como os comissários procuraram combater a

crise: através de associações políticas e de mudanças em sua organização interna e

conduta econômica. A autora analisa duas associações políticas dos comissários. A

primeira é o Club da Lavoura e do Comércio, que fazia propaganda antiabolicionisa e

tinha intenção de reprimir “rebeldias” dos escravos 621. O outro órgão, estudado no

capítulo, foi o Centro da Lavoura e do Comércio do Café, que intencionava participar e

influenciar a vida econômica do país, discutindo uma série de questões como tarifas de

estradas de ferro, tratados de comércio com outros países, etc., detalhadamente expostas

por Ferreira. Em relação às mudanças nas condutas econômicas dos comissários por

conta da crise, a autora analisa a abertura de agências no interior, a não especialização

618
p. 45
619
p. 50
620
p.55-63
621
p. 65
210

absoluta no comércio de café (ou seja, uma diversificação nos negócios), e

investimentos em aluguéis de imóveis.

O capítulo 5 analisa o aprofundamento da crise dos comissários, com a

penetração de firmas exportadoras estrangeiras, que foram deslocando os comissários de

suas funções e lidando mais diretamente com os produtores de café. Isso foi possível

graças ao desenvolvimento de ferrovias, o avanço das telecomunicações, as maiores

facilidades para obtenção de crédito por conta do Encilhamento622.

Ao longo de todo o texto, Ferreira tem uma preocupação constante com a

relação de seu objeto com o quadro geral da economia, trazendo leituras sobre o estado

do capitalismo. Isso inclui discussão sobre modo-de-produção, sobre capitalismo

monopolista e sobre relação entre países capitalistas avançados e atrasados. A ligação

entre os comissários e os fazendeiros também é vista conceitualmente através da relação

entre “capital comercial” e esfera produtiva, que para a autora tem a ver com a

“subordinação do trabalho ao capital”623. Há ainda uma reflexão sobre princípios liberais

e desenvolvimento burguês624. Entre as referências da autora para esses temas estão

Maurice Dobb, Ciro Cardoso, João Manoel Cardoso de Mello, Karl Marx, Paul Sweezy

e Francisco Falcon.

O trabalho com fontes de detsa dissertação foi extenso, com grande dedicação a

vários aspectos específicos da prática comissária (para citar mais um, o regime de

trabalho dentro das firmas). Sua principal fonte foram os livros de registros de contratos

de firmas da Junta Comercial do Rio de Janeiro, mas muitas outras foram trabalhadas,

como aquelas sobre as associações políticas dos comissários. Há também grande apoio

em fontes secundárias, tanto para uma compreensão das estruturas sociais quanto para

622
p. 99
623
p. 55
624
p. 81-2
211

as especificidades do objeto.

“Da monocultura à diversificação econômica. Um estudo de caso: Vassouras,

1880-1930”625 (31m), de Sylvia Padilha Fernandes, aborda o café e a diversificação da

produção em um município específico. Para a autora, a diversificação para o mercado

interno foi uma alternativa para a crise da cafeicultura fluminense e fruto de uma

política dos governos fluminenses. Segundo Padilha, para a definição de seu tema duas

leituras foram fundamentais: “Grandeza e Decadência do Café no Vale do Paraíba”, de

Stanley Stein, e “O café: auge, sobrevida e superação”, de Antônio de Barros de Castro.

Atenta ao confronto entre suposições generalizantes sobre a crise da cafeicultura

no estado e a “realidade concreta e historicamente determinada” 626 , a autora justifica a

importância em centrar os estudos na região de Vassouras. Outra importância

historiográfica do estudo é que não se encontram com facilidades trabalhos sobres os

setores da economia voltados para o mercado interno.

Sobre a historiografia específica à Vassouras, a autora, indo além do já colocado

por outros autores, diz que mais do que a criação do gado, outras lavouras

desenvolveram-se no município, gerando um quadro econômico que não se trata de uma

simples fase de decadência no município. Trata-se de estudo importante também porque

a região deixou de interessar os estudiosos a partir do momento em que decai sua

importância para o mercado exterior.

Em relação às fontes, a autora nos fala da dificuldade de trabalhar com dados

quantitativos, dada a carência das informações que não permitiam armar sequências

estatísticas. Algumas tabelas numéricas, entretanto, são trabalhadas ao longo da

dissertação. Os principais documentos utilizados são os relatórios de presidentes de

625
FERNANDES, Sylvia Padilha. “Da monocultura à diversificação econômica. Um estudo de caso:
Vassouras, 1880-1930”. Dissertação de Mestrado. UFF, 1978. Orientada por Ismênia de Lima Martins.
626
Ver o sumário.
212

província e depois do Estado do Rio de Janeiro, de seus auxiliares e de mensagens

desses presidentes à Assembleia Legislativa do Estado; dados demográficos de censo;

fontes cartoriais das principais famílias locais; atas da assembleia municipal de

Vassoura; e entrevistas com “representantes dos vários grupos da sociedade

vassourense” (essas com bem pouca importância para o texto)627

No capítulo 1, depois de caracterizar a crise do café fluminense, estudando a

atuação do governo do estado (ou província), 31m verificou que não havia “medidas

acidentais” visando a diversificação, mas uma política bastante orientada nesse sentido,

o que aconteceu mesmo em momentos em que o café estava em alta 628. Observa-se as

concepções dos presidentes, que vão na direção de uma crescente consciência de que a

especialização em uma única cultura é um risco econômico629. E também as diversas

ações de diferentes governos, como a distribuição gratuita de sementes de milho,

algodão, feijão, cebola, etc.; estímulos ao transporte de produtos e utensílios agrícolas;

assistência veterinária; estímulos à contratação de estrangeiros; educação agrícola,

etc..630 Um dado trazido são as receitas do Estado, onde se compara aquelas trazidas

pelo café com as de outras culturas, notando-se a crescente importância destas.

Segundo Padilha, para entender como áreas dedicadas ao café se transformaram

em produtoras de gênero para consumo interno, é necessário entender a dinâmica

econômica da cidade do Rio de Janeiro. Por isso, o segundo capítulo é “O Distrito

Federal: um mercado em expansão”. Ali, se demonstra como principalmente o

desenvolvimento industrial da cidade e o aumento populacional a fizeram um local de

grande demanda por produtos (cuja importação em certos momentos ficava prejudicada,

627
p. 1-6
628
p. 18
629
Ver, por exemplo, p. 23
630
p. 12, 22.
213

abrindo margem para a produção interna). Nesse capítulo, Padilha faz um histórico da

evolução da indústria na cidade, observa sua qualidade de entreposto, e faz uma análise

demográfica mostrado como o DF se constituiu um mercado consumidor que estimulou

a produção interna das regiões vizinhas.

A concretização da política de diversificação econômica a nível local só foi

possível graças à existência de uma anterior rede de transportes entre o DF e outras

localidades, incluída, obviamente, Vassouras. Assim, o terceiro capítulo dedica-se ao

estudo do aproveitamento da rede ferroviária existente desde os tempos da grande

produção de café, à ampliação que esta foi sofrendo, e até os anos trinta quando

rodovias se tornam o caminho mais importante631. Com base em fontes secundárias e

primárias, Padilha faz uma história dos empreendimentos ferroviários e rodoviários e de

sua importância econômica para Vassouras, destacando a rede pela facilidade de

escoamento e para o bom desenvolvimento de várias produções no município.

O último capítulo é “A economia vassourense e a sua vinculação ao mercado

interno”. Primeiramente, Padilha expõe em linhas gerais a crise da produção cafeeira na

cidade (e que era comum a outras do Rio do Janeiro), cujos principais componentes

seriam o esgotamento do solo, as pragas, e o problema de mão-de-obra com a crise do

trabalho escravo. Padilha pontua sobre alguns fatores que permitiram ao município

diversificar sua economia, como melhoramentos técnicos e a mão-de-obra abundante

resultante do número populacional da própria cidade. Ressaltando o sucesso da

diversificação, a autora aborda a evolução de diferentes culturas do município, o que foi

bem sucedido já que, em 1920, de 670 estabelecimentos recenseados, apenas 237 se

dedicavam ao café, sendo o milho e o feijão culturas mais importantes. O município de

631
p. 40.
214

Vassouras evidenciaria seu sucesso também pela sua notável capacidade de receita 632.

Sobre os diversos elementos abordados no capítulo, a argumentação é criada pinçando

informações de várias fontes diferentes.

Na conclusão, ressalta-se a importância da conjuntura internacional para as

definições das estruturas econômicas no Brasil. Essa conjuntura é sublinhada porque o

país tinha “sua produção condicionada pelas necessidades dos países capitalistas”.633

Mas o que marca mesmo a análise é a evidenciação de que Vassouras conseguiu

encontrar sua solução na diversificação das atividades produtivas, e que tal não ocorreu

ao acaso ou sendo apenas fruto de eventuais circunstâncias locais, mas foi possível a

partir de medidas de uma política econômica governamental634.

3.3.2. Petróleo (19m)

“O petróleo venezuelano na época de Juan Vicente Goméz 1908/1935”635 (19m)

é o trabalho de Luiza Maria Magalhães Saraiva. Seu recorte justifica-se pelo período do

governo ditatorial de Gomes e parte da compreensão de que o petróleo é fundamental

para entender as dimensões política e econômica da Venezuela. Em seu trabalho, a

história econômica está profundamente ligada à história política do país. Há a exposição

de uma grande variedade de fontes: comunicação diplomática, estatísticas demográficas,

legislação, contrato entre empresas e Estado, etc.. Isso resulta em um trabalho muito

recheado de informação. Cabe salientar que essas fontes, largamente expostas no texto,

são mormente extraídas de outros estudos. Na parte de fontes primárias de sua

bibliografia, estão apenas alguns números datados de 1974 e 1975 do boletim de um

632
p. 66- 71
633
p. 77
634
p. 81
635
SARAIVA, Luiza Maria Magalhães. O petróleo venezuelano na época de Juan Vicente Gómez (1908-
1935). Dissertação de Mestrado em História. UFF, 1977. Orientada por Pedro Freire Ribeiro.
215

arquivo venezuelano. Ainda em relação às fontes, a autora comenta que, por conta de

estudar um período ditatorial, elas estão muito marcadas por silenciamentos ou elogios a

Goméz636. A compreensão de Saraiva sobre seus objetos também está muito baseadas

em referências bibliográficas, inclusive fazendo muito uso de citações.

É perceptível que a autora faz vários juízos políticos sobre a situação histórica

que aborda e, em especial, sobre Goméz. Critica a censura, a repressão, a ausência de

eleições, a subserviência do congresso, a espionagem e se sai com frases como “Se o

povo estivesse satisfeito não teria havido movimentos armados, visando derrubá-lo do

poder”637 e “Daí muitos terem preferido emigrar ou morrer, a terem o “privilégio” de

poderem gozar de tal paz”.638 Por várias vezes, a autora faz referências a analistas

(geralmente não citados) que são defensores de Goméz, e os procura rebater com

argumentos: aos que colocam que Goméz criou paz na Venezuela, a autora relembra

episódios de repressão; aos que apontam que seu governo criou muitas rodovias, a

dissertação ressalta que foram caras e só beneficiaram poucas áreas do país639; etc..

Criticará ainda a submissão do petróleo venezuelano às forças imperialistas, a

dependência da economia a um único produto, o fato de povo e o congresso estarem

completamente afastados de tudo que se relacionasse diretamente com o petróleo,

etc..640

Outra preocupação constante de "O petróleo venezuelano..." (19m) é ressaltar a

importância do petróleo: foi ele que deu sustentação à “sólida posição” de Gómez, que o

permitiu derrotar politicamente o caudilhismo (e não seu carisma, como acreditariam

outros autores), que o permitiu montar um exército forte para construir sua ditadura, e

636
637
p. 138
638
Idem
639
p. 139-0.
640
Ver p.59, 64-5
216

que explica as transformações políticas e econômicas da Venezuela.

Em seu primeiro capítulo, dedica-se à geografia e à geologia do petróleo

venezuelano. No segundo, faz um histórico da indústria petrolífera, nos informando

sobre descobertas ao longo do tempo, as concessões, a instalação de refinarias, vias

férreas, dados sobre o volume da produção, etc.. No terceiro capítulo, veicula

principalmente a ideia de que Goméz, e não seu antecessor, foi quem criou as melhores

condições para os investidores externos do petróleo, sendo-lhes mais submissos: rebaixa

impostos, diminui o valor dos royalties, concede isenção de taxas sobre importação de

máquinas, etc.. Aqui analisa contratos firmados com diferentes empresas. O capítulo

analisa ainda a legislação sobre a exploração do petróleo, observando elementos como

duração de contratos, valor de royalties, mudanças na legislação e as opiniões dos

diferentes agentes sobre ela. Ao final, sentencia que “em nenhum outro lugar foram as

condições tão favoráveis aos inversionistas estrangeiros...”641

O quarto capítulo observa a relação do petróleo com a agricultura. Aqui, se

ressalta que as indústrias petrolíferas vão se apossando de terras antes dedicadas à

pecuária e à agricultura, que o petróleo favorece a concentração agrária, e que outras

atividades econômicas perdem na concorrência econômica porque não conseguem pagar

salários mais altos como os ligados ao petróleo. Conclui que Goméz favoreceu com

terras seus aliados e empresas petrolíferas, ao mesmo tempo em que prejudicou antigos

senhores de terra642. O capítulo 5 afirma que a indústria petrolífera fez surgir uma nova

classe social, o proletariado. Expõe dados sobre demografia, migração (ressaltando que

camponeses foram para a indústria do petróleo), origem regional desses trabalhadores,

surgimento de greves e sindicatos, condições de vida. A “legislação para o trabalhador

641
p. 51
642
p. 79
217

venezuelano”, que figura no título deste capítulo 5, pouco figura no seu texto. O último

capítulo observa os investimentos estrangeiros, os entendendo como penetração

imperialista. Faz associação entre imperialismo, capitalismo monopolista e exploração

de matérias-primas em países subdesenvolvidos. Usa algumas fontes diplomáticas e de

contratos com empresas para defender a tese de que Gomez atendia aos interesses de

empresas dos EUA e da Inglaterra, se equilibrando entre os “dois imperialismos”643.

3.3.3 Banco (24m)

“O Banco Mauá no Uruguai”644 (24m), de Waldir de Vita Ribeiro, estuda a

criação, o desenvolvimento e o encerramento das atividades da Organização Bancária

Mauá & Cia em território uruguaio, período que vai de 1857 a 1878. O objetivo é

compreender as causas da existência desse estabelecimento bancário, os fatores

condicionantes dessa escolha e as possibilidades do seu desenvolvimento 645. O autor

considera na análise elementos como impasses da economia uruguaia (por exemplo,

dívida e sua capacidade de pagamento, efeitos do crack da bolsa de Londres, etc.),

disputas internas de poder, etc., mas tudo de forma pouco sistemática, em que o texto

não apresenta e sustenta as ideias e hipóteses de forma clara concatenando as diversas

informações e avaliações feitas.

A dissertação é marcada por leituras elogiosas a Mauá como a de que sua

atuação no país “...foi sempre norteada no sentido de demonstrar seus esforços pela

paz e progresso, bem como seus financiamentos, tudo voltado para a causa

uruguaia.”646, de que sua preocupação básica era o saneamento econômico uruguaio,

643
p. 120-1.
644
RIBEIRO, Waldir de Vita. O Banco Mauá no Uruguai. Dissertação de Mestrado. UFF, 1978. Orientada
por Pedro Freire Ribeiro.
645
p. 1-2
646
p. 2
218

que não havia empresa útil em que seu gênio não se envolvia647, que na história política

e na prosperidade econômica do Uruguai nunca se apagará o nome de Mauá 648, que sua

glória consolidou o prestígio político do Brasil na região649, etc.. .

Apesar de suas proclamadas altas intenções, o empreendimento de Mauá teria

sofrido por certas causas expostas no parágrafo abaixo que apresenta a principal

conclusão do trabalho:

“Concluímos que foi o Banco Mauá, a despeito de tudo,


das naturais hostilidades dos concorrentes, de preconceitos
nativistas, de esporádicas perseguições políticas, o principal
Banco do Uruguai, durante o largo período que vai de 1857 a
1869, declinando por força de leis absurdas, leis pessoais, que a
Diplomacia brasileira qualificara de ataques à propriedade.
Proclamamos que o Empreendedor serviu aos Governos
Uruguaios e à Política Internacional do Brasil com recursos de
tal ordem que ninguém teria condições de oferecer iguais, na
época. Por outro lado, reconhecemos que na análise das
iniciativas de Mauá, como de suas dificuldades e de suas lutas e
a evocação do ambiente em que viveu, alheio, senão hostil às
suas ideias, fazem ressaltar o espírito empreendedor, a audácia
refletida e a tenacidade desse homem”650

Na argumentação, o autor trabalha dados sobre a legislação bancária do Uruguai,

apresenta a situação econômica geral do país, dados sobre bancos, capitais ingleses,

governos e sua relação com a política bancária e outros. Como fontes, usa

correspondência de Mauá com parceiros uruguaios, escritos deste em jornais,

documentos de Estado (executivo e legislativo). Sua principal referência secundária é o

historiador uruguaio Eduardo Acevedo.

647
p. 5
648
p. 12-3
649
p. 120
650
p. 118
219

3.3.4 Minério (44m)

Em “Itabira Iron Ore Compoany Limited”651 (44m), o objeto de Martha

Chiarizia é “reconstituir os principais fatos que dinamizaram as questões em torno da

Itabira Iron, desde sua fundação até a suspensão definitiva do seu contrato, período de

três décadas no qual a empresa liderada por Percival Farquhar tentou, por todos os

meios, dominar a exportação dos minérios de ferro da região de Itabira, em Minas

Gerais, tida como das mais ricas reservas mundiais”652 Os acontecimentos que aborda

são referentes às atividades da empresa, a atuação do seu diretor, seu contrato

monopolístico, suas ligações com os grupos de investidores e siderúrgicos no exterior,

as reações ao empreendimento na década de 1920, os grupos políticos que se

envolveram, a situação da empresa após a revolução de 1930 e o cancelamento de seu

contrato. A análise procura considerar o Brasil no contexto quadro político e econômico

internacional. A nota metodológica da autora é de que faz uma “observação rigorosa

das fontes primárias e outras necessárias a concretização da reconstituição dos fatos”.

A autora avisa que não vai “apresentar um trabalho de nível teórico”, o que para ela

deixa em aberto certas questões. A dissertação se justifica pelo fato de que não há na

bibliografia brasileira trabalho sobre Itabira, à exceção de dois que não são elucidativos:

“o enorme e excelente acervo sobre Itabira estava à espera de um pesquisador

brasileiro” na Biblioteca Nacional e no Arquivo Nacional653

Em um texto essencialmente factualista, "Itabira Iron Ore..." tem como principal

mote a disputa entre interesses monopolísticos de capitais estrangeiros consubstanciados

na Itabira Company e a reação nacionalista que se lhe opôs. Elementos relevantes nessa

651
CHIARIZIA, Martha. Itabira Iron Ore Company. Dissertação de Mestrado. UFF, 1979. Orientada por
José Honório Rodrigues.
652
p. 1
653
p.1-3
220

narrativa são, entre outros, a concepção de capitais estrangeiros de que deveriam

controlar, além das jazidas, o transporte pelo Vale do Rio Doce; o temor por parte de

imprensa e parlamento brasileiros de que, de forma geral estrangeiros controlassem o

subsolo do país, e, particularmente de que Percival Farquhar concentrasse muitos

recursos na siderurgia brasileira; a associação entre capitais ingleses e norte-americanos

como forma de o Brasil evitar maior concentração de poder; o favorecimento inicial à

Itabira Company por parte do governo brasileiro que executou o contrato estabelecido

mesmo com a reprovação por parte do Tribunal de Contas; a ampliação do

favorecimento do governo brasileiro à Itabira por compreender no pós-Guerra a

necessidade de fomentar indústria de bens de produção; as resistências diversas a essa

postura, entre elas as de setores da indústria nacional e competidores estrangeiros; as

dificuldades de Farquhar para investir à época da crise de 1929 e ao longo da década de

1930 por conta de instabilidades políticas no Brasil; por último, destacamos a profunda

alteração na relação do governo brasileiro com a empresa a partir de 1930 com uma

tendência à nacionalização das atividades ligadas à siderurgia e ao monopólio por parte

da União do comércio de exportação dos minérios de ferro brasileiros.

"Itabira Iron Ore..." (44m) recorre a muitas fontes secundárias e primárias. Entre

estas, estão boletins e relatórios de empresarias e estatais; documentos do legislativo e

de conselhos e departamentos ligados a minérios nacionais; além de muitos periódicos,

alguns deles especializados em siderurgia.

3.3.5 Economia e operariado (25m)

Em seu prefácio, “Argentina: economia e sociedade (1890/1922)”654 (25m), de

654
MONTEIRO, Adilson Pinto. Argentina: economia e sociedade (1890/1922). Dissertação de Mestrado.
UFF, 1978. Orientada por Francis Morton.
221

Adilson Pinto Monteiro, entende-se como “história do trabalho”, tendência

historiográfica que só recentemente estaria sendo estudada na universidade (apesar da

pequena produção na América Latina e no Brasil). Na realidade, apenas a segunda

metade do seu trabalho poderia assim ser atendida, já que a primeira se dedica à

economia. Muito embora classificado aqui por nós como “história econômica”, o estudo

tem claramente duas faces independentes e bem delineadas, uma política e outra

econômica. São dois os assuntos de que trata: a economia argentina em termos gerais

(onde principal mensagem é de que ela se desenvolveu bem apesar da dependência do

comércio externo655) e a mobilização operária (onde se ressalta sobretudo sua alta

politização). A opção temática pela Argentina é justificada pelo caráter forte de seu

movimento trabalhista-sindical.

É já na primeira página do primeiro capítulo sobre a formação econômica

argentina que o autor começa a discussão sobre conceitos. O primeiro deles é o “modelo

teórico do produto básico”, reflexões de origem canadense que se difundiram na

América, e que tem como seu principal nome Robert Baldwin. O modelo serve para

observar o encadeamento da relação crescimento exportador, diversidades e crescimento

econômico: “...um produto básico como setor exportador é a célula nuclear das

cadeias formadoras de uma estrutura de produção em desenvolvimento” 656. Uma

conclusão desses autores é que “seria melhor nunca estas áreas terem exportado

produtos básicos, simplesmente pelo fraco encadeamento aí encontrado”657 Ou seja, o

setor exportador não se integra ao setor de subsistência e isto não promove melhoria nas

condições reais dos trabalhadores. O outro modelo teórico é o “Furtado-Cepal”, que

segundo o autor deriva do anterior. A partir da leitura desse modelo, o relevante para a

655
p. 81
656
p. 2
657
p. 4
222

análise desta dissertação “é a grande desigualdade social como fator inibidor do

encadeamento do setor exportador e o setor doméstico através da expressão da oferta

ilimitada do trabalho como obstrução da demanda final, vinculada aos fatores internos.

Com as crises do setor exportador teremos o processo de substituição da importação,

mas não resulta na mudança das condições gerais desta estrutura da produção.”658

Ao abordar no primeiro capítulo a economia argentina no período 1890-1930, o

autor se utiliza de fontes secundárias e faz um contínuo paralelo com a brasileira. Traz

muitos dados numéricos, recolhidos da bibliografia, sobre exportação e importação,

urbanização, demografia, indústria, distribuição da força-de-trabalho, fontes de energia,

etc.. Sua conclusão mais importante é a de que há um grau menor na desigualdade no

interior e maiores chances de ascensão social659. Em relação à propriedade da terra,

coloca que a concentração não sufoca “as novas oportunidades de produtores

independentes que se renovam, diversificam e esboçam um mercado doméstico” 660 -

situação esta que se diferencia de outras regiões da América Latina. Em relação ao

trabalho, destaca os altos salários no setor rural e urbano – o que também diferencia o

país de outros latinos. Para contemplar a diversificação da economia argentina, nos

apresenta dados e a história sobre a indústria da farinha, do açúcar, das oleaginosas,

ervateiras e tabaqueiras. Sua análise da dinâmica econômica da Argentina envolve

implicações políticas com observações sobre classes sociais, como por exemplo, a

afirmação de que com a introdução de relações de produção capitalistas tem-se a

formação do proletariado e das burguesias nacional e estrangeira articuladas com suas

soberanias jurídico-política e ideológica661. Este capítulo ocupa cerca de metade do texto

658
p. 8-9
659
p. 29
660
p. 31
661
p. 41
223

da dissertação.

O segundo capítulo abre a metade dedicada à política e se chama “Formação

social”. Também é baseado em fontes secundárias, fazendo um constante uso de longas

citações de autores. A primeira parte, “grêmios e artesãos” nos traz afirmações como a

de que no século XIX o trabalhador era tratado como propriedade do patrão, que no

momento pré-capitalista havia a dependência e a servidão, etc., e intercala essas

informações com observações sobre estrutura econômica. Na parte sobre a elite, temos

dados demográficos, de indústria, de investimento estrangeiro, e também de estrutura

sócio-econômica. Na parte sobre operariado, informações sobre índios, imigrantes,

salários, desemprego, moradia, etc.. A análise nos soa inconsistente, faltando um nexo

forte entre as diversas informações trazidas ao longo do texto, algo que é comum a

outras partes do trabalho.

O terceiro e bem curto (5 páginas) capítulo é “Idéias políticas no movimento

operário”, que traz informações sobre influência do anarco-sindicalismo e do

socialismo, o papel das associações mutuais, algumas posições dos sindicatos ao longo

do tempo, etc.. O autor pretende enfatizar que havia forte politização entre o operariado

argentino e conclui o capítulo lamentando alguns confrontos entre anarquistas e

socialistas que prejudicaram a unificação. O capítulo seguinte, “As organizações

sindicais”, cuja escrita é quase inteiramente baseada em um único livro, fala do

aparecimento de grêmios, ligas, federações, influências de ideias socialistas, congressos

e partidos, observando algumas reivindicações das entidades, estatutos, opiniões em

jornais, a emergência de greves em certos períodos e alguns fatos relevantes da luta

operária.

As fontes primárias trabalhadas ao longo de “Argentina: economia e


224

sociedade...” são praticamente todas extraídas de bibliografia secundária, como é o caso

do livro “Historia del movimiento sindical” de Rubens Iscaro, carecendo a dissertação

de qualquer nova contribuição empírica. A análise dos dados também não nos levou a

perceber qualquer originalidade relevante deste trabalho. Destaca-se, entretanto, o

empenho de discussão conceitual (modelo teórico do produto básico e modelo Furtado-

Cepal) pouco comum nas dissertações observadas até aqui. Aparecem ao longo do texto

termos comuns ao marxismo como capital constante e variável, aparelho ideológico de

estado, acumulação primitiva de capital, mas sem que representassem maiores

significados na análise.

3.3.6 Estadistas e maçons (20m, 23m e 29m)

Em “A influência da maçonaria na independência do Prata: as relações da

maçonaria platina com a brasileira”662 (20m), Marcus Vinicius Telles justifica seu tema

pelo fato de que teria sido clara a participação da maçonaria nos movimentos

emancipadores da América Latina.663 Supõe também o autor que “O único veículo de

eficiência para que a ideia política da emancipação prosperasse e fizesse desencadear

o movimento de independência eram as Lojas Maçônicas.” 664 e que seria possível “...

demonstrar que os movimentos emancipacionistas das colônias espanholas da América

tiveram o mesmo foco de irradiação, que foi a maçonaria estabelecida na Inglaterra” 665

Esta dissertação é um estudo de história política que sobrevaloriza a maçonaria, com

reflexões fomentadas pelo fascínio do autor pela entidade. Sua análise se dá

principalmente em observar as relações pessoais e políticas de atores maçons,


662
TELLES, Marcus Vinícius. “A influência da maçonaria na independência do Prata: as relações da
maçonaria platina com a brasileira”. Dissertação de Mestrado em História. UFF, 1978. Orientada por
Pedro Freire Ribeiro.
663
p. 2
664
p. 2
665
p. 5
225

demonstrando que se conheciam, que trocavam certas ideias, etc..

Em seu primeiro capítulo, traça um histórico da maçonaria começando pelo

século V. Aborda, principalmente para os séculos XVII e XVIII, as relações pessoais e

políticas que haviam entre maçons. Aponta, entre outras coisas, que os criollos e

brasileiros que iam para a Europa se irmanavam pela maçonaria; que a maçonaria

propiciou a implantação das ideias liberais no continente americano; e que foi

instrumento de política externa da Inglaterra.

No segundo capítulo, sobre a maçonaria no Prata, parte para questões do tipo

“Qual seria a primeira loja maçônica das Américas?”, evidenciando que as

especificidades internas das entidades que estuda tem mais relevo que o contexto em

que elas estão inseridas, muito embora haja no texto uma caracterização econômica,

política e administrativa do Prata. Interessa-se pela ligação de alguns personagens com a

maçonaria (como Tupac Amaru). Sobre as sociedades secretas, pergunta-se sobre quem

fundou e quando foram fundadas, debate a própria existência de algumas, quem fazia

parte delas, quantos membros havia, quais eram seus codinomes, etc.. Sobre San Martin,

que tem relevo no capítulo, defende que era, sim, da maçonaria, e que não era

monarquista, posto que era maçom e a maçonaria defendia ideais republicanos 666. Sobre

a Loja Lautaro, depois de discutir se era realmente maçônica, aponta que “..foi o motor

que movimentou o povo portenho na hora da indecisão em que se encontrava para a

Emancipação. Teve homens à altura dessa responsabilidade...”667 e que “foi o fator de

consolidação da Libertação e a mola mestra para tornar o Prata emancipado.” 668 Põe

assim novamente a centralidade maçônica para explicar os rumos políticos no

continente, pois seriam nesses espaços que os homens se articulariam, se organizariam e

666
p. 75-6
667
p. 87
668
p. 3
226

a partir dali difundiriam suas ideias.669

No capítulo sobre o clero na maçonaria, defende que a maçonaria não pode ser

acusada de anti religiosa porque muitos clérigos participaram dela 670. O capítulo

seguinte, sobre as relações da maçonaria platina com a brasileira, é dividido em duas

partes: maçons platinos no Brasil e maçons brasileiros no Prata. A questão que o

impulsiona nessa parte é se houve contato entre os maçons dessas diferentes regiões.

Consegue confirmar que sim, e isso é apresentado como um triunfo da pesquisa. Aqui,

observa aspectos da permanência dessas pessoas na região, que trocavam cartas, que

compartilhavam perspectivas, etc..

"A influência da maçonaria..." (20m) avalia o argumento, muitas vezes

conflitante, de vários historiadores e se posiciona sobre as questões que são, como

vimos, quase sempre sobre as minúcias da maçonaria. Algo próximo de um comentário

metodológico há quando o autor considera que a maçonaria é algo secreto, sendo suas

questões, portanto, de aproximação difícil671.

O estudo de Almir da Silva Oliveira, “O civilismo equatoriano no período de

1860-1875: o garcianismo”672 (23m) é centrado na figura do homem Garcia Moreno,

estadista equatoriano. O autor acredita na “análise imparcial das fontes históricas” para

um melhor conhecimento sobre a personagem, e acredita chegar em um conhecimento

equilibrado, sem “denegri-lo” como fazem os “ferozes detratores do Civilismo

Equatoriano que, levados pela cegueira oposicionista, aniquilam os mínimos aspectos

positivos do garcianismo”, e sem acreditar na exaltação feita pelos partidários do

garcianismo que suprimem seus defeitos, ocultam seus erros e atribuem-lhe qualidades

669
p. 3-4
670
p. 72-3
671
p. 4
672
OLIVEIRA, Almir da Silva. O civilismo equatoriano no período de 1860-1875: o garcianismo.
Dissertação de Mestrado em História. UFF, 1978. Orientada por Arthur Cézar Ferreira Reis.
227

quase sobre-humanas”673. O intento de neutralidade não impediu o autor de colocar que

Garcia Moreno foi “homem de qualidades indiscutíveis, de impulsos extraordinários e

de uma visão e atuação preclaras. Sua obra revela como traço característico essencial:

a vontade férrea, que o fazia seguir o caminho traçado, sem recuo nem desânimo.” 674.

Sempre levando em conta o indivíduo, afirma, por exemplo, que a conquista do apoio

do clero não foi fruto de uma beatice dissimulada de Garcia Moreno para conquistar o

poder, mas foi apenas quando este já estava no poder que teria criado um clero vigoroso.

Seu catolicismo, pelo contrário, o teria privado de receber adesões fáceis e lhe impôs

um trabalho hercúleo de organização nacional675.

Para o autor, o problema máximo vivido pelo Equador naqueles tempos era o da

“harmonização da ordem com a liberdade, do dever com o direito” 676.. Diante dessa

circunstância, com o Equador vivendo um dilema entre autoritarismo e anarquismo, e

com a Nação ameaçada de invasão, de regionalismo e do prosseguimento de um

“regime da intriga, do afrouxamento dos valores cívicos e da irresponsabilidade do

cidadão”, Garcia Moreno teria encaminhado uma solução que era um regime

autoritário, entendido pelo autor, entretanto, como um “mal menor, uma necessidade

ineludível”677. A ação de Garcia Moreno “obedecia a um plano realista de necessidades

genuínas do meio e atendia a etapas completas de desenvolvimento: pacificação e

unificação nacional, progresso material, reconstrução moral e consolidação.” 678.

Garcia realizou seu programa com – e diante da necessidade histórica nacional não há

tanto pudor do autor em dizê-lo - “energia implacável e por meios cruéis, passando por

673
Ver “resumo”
674
p. 159
675
159-160
676
p. 160
677
p. 161
678
p. 161
228

cima da lei”679.

Ressalta-se a fundação de instituições de ensino, a realização de obras públicas

prioritárias, a promoção do fomento da riqueza industrial e da agricultura. Foi um

administrador inteligente e de “inigualável honestidade”, e isso é reconhecido mesmo

pelos seus adversários680.

Quanto aos erros de Garcia Moreno, o primeiro que o autor destaca é que o

estadista não criou “estruturas sólidas para a perduração do regime” (autoritário e

cruel, lembramos). Outro erro de Garcia Moreno foi ter dependido muito de si mesmo,

“sem ter plena confiança em ninguém” e não ter educado civicamente o povo

equatoriano de forma suficiente para que este não voltasse a cair em erro depois que

saísse do cenário nacional681. É claro que “cair em erro” significa eleger pessoa de

característica diferente de Garcia Moreno, problema que existia também porque “morto

Garcia Moreno, faltou aos seus partidários o homem bem dotado, capaz de continuar o

programa.”682

Outra questão relevante para o autor é que, mesmo Garcia Moreno tendo sido

um rigoroso católico não teria entrado em luta contra as luzes do século, nem impedido

a ilustração acadêmica. Se restringiu a divulgação de certas ideias, justifica-se porque

estas eram dissociadoras683.

A dissertação termina com a citação de um historiador peruano que afirma que

Garcia Moreno não foi um tirano sem doutrina, sendo estoico, justo, organizador e

criador. Este estudo é uma história política factual com forte ênfase em um indivíduo,

Garcia Moreno, a quem são dedicados 2 capítulos, inclusive fazendo incursões sobre

679
p. 162
680
p.162-3
681
p. 164
682
p. 165
683
p. 165
229

sua vida privada. No plano da política equatoriana, observa a disputa entre militares e

civis pelo controle do Estado, levando em conta também a atuação política da Igreja e

do exército. A dissertação trata ainda do período antecedente a Garcia Moreno e faz

exposições sobre características diversas do Equador (geografia, demografia, etc.).

Trabalha basicamente com fontes secundárias, mas também faz referências a primárias

como cartas e discursos publicados de Garcia Moreno.

O trabalho de João Delduck Pinto Filho, O sentido do governo Balmaceda

(1881-1891)684 (29m), tem como um de seus principais objetivos a avaliação de sua

personagem central através de questões como:

“Por que esse período [o de Balmaceda no poder] de


básicas realizações culminou com triste desfecho: um infrutuosa
revolução armada e o suicídio de Balmaceda? Não foi
Balmaceda um patriota? Omitiu-se Balmaceda na hora de
atender aos anseios populares? Teria sido Balmaceda um
traidor da causa liberal? Não procurou Balmaceda conviver
com os conservadores e fazer voltar a paz com a Igreja?”685

O autor menciona que há duas correntes historiográficas chilenas que procuram

a primeira explicar o período através da disputa entre clericalistas e anticlericalistas e

entre conservadores e liberais, e a segunda ressaltar o peso capitalismo inglês686. O autor

diz reconhecer a validade de ambas, mas que o mais importante seria localizar a figura

de Balmaceda, descrito laudativamente ao longo da dissertação como patriota,

trabalhador, convicto, qualificado, etc..

Na introdução, o autor coloca que se esquivará de debater o caráter ditatorial do

governo de Balmaceda, preferindo “fugir à polêmica”687. Entretanto, a ditadura de

Balmaceda aparece reconhecida e justificada em outros trechos, como na página 78 em


684
PINTO FILHO, João Delduck. O sentido do governo Balmaceda (1881-1891). Dissertação de
Mestrado em História. UFF, 1978. Orientada por Pedro Freire Ribeiro.
685
p. 3
686
p. 3-4
687
p. 4
230

que, depois de afirmar que o estadista, por transgredir a constituição, havia se tornado

um ditador, o reabilita por este seguir não interesses particulares, mas os elevados

interesses da nação, ao contrário de seus opositores que “se apoiavam senão numa

legalidade aparente.”688 Em suma, o autor da dissertação condena os atos ditatoriais de

Balmaceda, mas justifica o homem através de colocações como a de que não tinha a real

intenção de se perpetuar no poder, etc.. O autor também coloca que consegue chegar a

uma leitura equilibrada sobre Balmaceda por não ser movido por paixão na análise689.

Sobre os 10 anos que Balmaceda esteve ao poder, o autor destaca, com dados,

seu “pulso firme” na defesa dos interesses nacionais e seu sucesso em reduzir a dívida

pública; suas obras públicas, em que “a paz e o conforto da sociedade foram buscados

de todas as formas”690, a pacificação da relação entre Estado e Igreja, etc.. Destaca

ainda que Balmaceda não conseguia contentar a todos da elite liberal, gerando muita

rotatividade nos ministérios. Descreve no capítulo dedicado ao governo de Balmaceda,

algumas ações da reação e do conflito armado que viriam a retirar a personagem

principal do poder, pontuando no último parágrafo que “A imaturidade do povo chileno

não chegou a alcançar os intentos patrióticos de seu chefe...”691.

A dissertação tem ainda um capítulo sobre o governo anterior a Balmaceda, um

outro dedicado à guerra civil de 1891 e algumas consequências dela para o país (“as

mais funestas possíveis”). 29m é um curto trabalho baseado em fontes secundárias

(muito embora o autor tenha recorrido a algumas fontes primárias) e referente a ações

estatais e homens de Estado.

688
p. 78
689
Ver 79-80
690
p. 31
691
p. 48-9;
231

3.3.7 Estado e disputa (21m, 22m e 28m)

O principal objetivo da dissertação de Cleia Weyrauch, “O processo de

consolidação do Estado uruguaio (1830-1890)”692 (21m) é mostrar que o regime

militarista foi responsável pelo fortalecimento do poder central e pelo surgimento do

Estado Nacional de fato. É um trabalho de história política que leva em conta não

apenas elementos referentes ao Estado, mas também a dinâmica econômica uruguaia e a

atuação classista de diferentes agentes ligados a certas atividades econômicas. É um

estudo que, apesar de suas poucas páginas (85), mobiliza vários fatores como

demografia, atividade empresarial, capital estrangeiro, legislação, discursos políticos,

atuação partidária, etc..

Segundo a autora, “Não pretendemos provar nada de novo face à literatura

existente sobre o assunto, mas apresentar algumas deduções sobre determinadas

configurações históricas...”693 As fontes primárias trabalhadas no texto provém de

fontes secundárias ou de compilações publicadas no Uruguai. Não há debate de autores,

conceitual ou metodológico nas páginas de 21m e sua bibliografia trata quase

exclusivamente da história uruguaia.

Após um histórico do passado colonial da região, sua análise se inicia com a

descrição da debilidade estatal no país entre 1830 e 1872, devida às lutas entre

comerciantes e caudilhos (produtores bovinos) e às intervenções da Argentina e do

Brasil. Em capítulo seguinte, debruça-se sobre as causas da instalação do novo regime,

onde trabalha a ideia de que, em meio a problemas político financeiros, instituições

novas como Associação Rural e Bolsa de Comércio, estas com maior integração ao

sistema capitalista, iniciaram mobilização por uma nova ordem no país.

692
WEYRAUCH, Cleia Schiavo. O processo de consolidação do Estado uruguaio (1830-1890).
Dissertação de Mestrado. UFF, 1977. Orientada por Pero Freire Ribeiro.
693
p. 7
232

A última parte do seu estudo é dedicada ao desenvolvimento do exército,

observado como um canal através do qual novas classes fortes economicamente

afirmaram seus projetos baseados no direito de propriedade privada e em uma política

financeira favorável aos interesses do alto comércio e aliados ingleses: “Na realidade, o

exército nada mais foi do que um instrumento das classes favorecidas economicamente,

na medida em que, fortalecendo o poder central, superou a debilidade constante do

Estado que arriscava seus interesses.”694 Um dos resultados foi o desenvolvimento do

capitalismo na região, principalmente no meio rural.

“O guano e o salitre (o surgimento do civilismo no Perú)” 695 (22m) é a

dissertação escrita por Abner Simões Baptista Júnior. O principal de sua análise é a

disputa entre dois grupos, o de militares e o de civis. O primeiro controlava o Estado

fazendo uso das rendas geradas pela venda do guano (substituído mais tarde e com

menos sucesso pelo salitre). Em um primeiro momento, os militares se associaram com

civis no Estado e dividiam com eles, ainda que de forma desigual, a renda gerada pelo

guano. Mais tarde, porém, a oligarquia civil reagiu contra a apropriação do poder

político e das rendas do guano por parte dos militares e se organizou em um movimento

chamado civilismo cujo principal órgão era o Partido Civil. A disputa entre a oligarquia

civil e os militares fez a Inglaterra ficar mais forte e por isso 22m “pretende ser um

alerta contra as radicalizações de movimentos políticos que em última instância só

servem ao dominador alienígena (qualquer que seja sua nacionalidade)...”696

Esta dissertação é rica em dados sobre muitos atores da política peruana,

mormente os que ocupam posições estatais. Apesar de considerar muitas ações

694
p. 74-5
695
BAPTISTA Júnior, Abner Simões. O guano e o salitre (o surgimento do civilismo no Perú).
Dissertação de Mestrado em História. UFF, 1978. Orientada por Arthur Cézar Ferreira Reis.
696
p. 1
233

individuais, não deixa de fazer referência a classes sociais. Na dissertação, também há

muita informação sobre a administração estatal sobre o guano, além de páginas sobre

geografia, comércio do guano, uma síntese da economia colonial peruana baseada no

historiador Emilio Romero e uma avaliação sobre a influência da Guerra do Pacífico

sobre o país.

“O guano e o salitre...” trabalha com muitas fontes secundárias e primárias,

estas publicadas no Peru e referentes principalmente ao Estado peruano. Trata-se de um

estudo sobre disputas político-partidárias quem põe em relevo as bases econômicas do

país (o guano e o salitre).

A intenção do estudo de Orlando de Barros, “Paraguai: a transição política e

suas bases (1869-1880)”697 (28m) é ”procurar as origens da elite política que

participou da história nacional nos dez anos posteriores à guerra, mostrar suas ações e

contradições, tentar esclarecer as circunstâncias que condicionaram interna e

externamente o exercício das atividades políticas, comparar as novas estruturas com as

bases que sustentaram as ditaduras...”698 Seu foco principal é o período posterior à

guerra, com o país bastante debilitado em vários sentidos (demográfico, econômico,

etc.). Entretanto, estuda também o período anterior, em que o Paraguai esteve marcado

por regimes autoritários (ao passo que o resto do continente estaria sendo influenciado

pelo liberalismo). Seu primeiro capítulo é dedicado à estrutura política das ditaduras

(1814-1870), O primeiro momento de sua análise é sobre o ditador Francia, onde

observa o controle político sobre militares, a relação com o congresso, com a Igreja, a

vitória sobre adversários, o isolacionismo de sua economia, os atos repressivos

697
BARROS, Orlando de. Paraguai: a transição política e suas bases. Dissertação de Mestrado em
História. UFF, 1978. Orientada por Pedro Freire Ribeiro.
698
p. 7
234

(julgamentos sumários, execuções, terror699) etc.. Barros discute seu caráter autoritário

trazendo autores que afirmam que as ações de Francia ocorriam em função do perigo da

anarquia e da ameaça externa, e outros que negam que sua atitude tenha a ver com

necessidades nacionais700. No geral, o autor centra muito a explicação na figura de

Francia, mas não o faz de forma absoluta. Com os ditadores que assumiram

posteriormente, os López, não houve mudança substancial do regime 701, seguindo a

corrupção e a repressão contra adversários. O autor repara, entretanto, níveis diferentes

de violência perpetrados pelo Estado702.

O seu segundo capítulo trata das “Origens do governo constitucional”. Estuda

longamente emigrados que se articularam politicamente, inclusive incentivando ações

da Argentina e do Brasil junto ao Paraguai, além de conspirações para assassinatos.

Uma das questões que atravessa essas páginas é se os emigrados estariam sendo

manipulados ou resistiam à manipulação por parte dos governos estrangeiros703

O capítulo 3, chamado “As questões internacionais” se concentra sobre as

relações com os aliados, considerando o Prata uma região sensível, por exemplo, em

relação a limites de navegação. O autor conclui o capítulo considerando que o Paraguai,

apesar de mutilado no seu território, conseguiu ter vitórias diplomáticas e salvar sua

“expressão nacional”. O período seria positivo quando comparado ao momento em que

vigoravam as ditaduras, que teriam conduzido questões diplomáticas em bases

personalistas; e teria marcado para o Paraguai uma elite mais madura. Para o período de

1870 a 1880, tema do último capítulo, o autor entende que houve uma luta permanente

entre tendências liberais e autoritárias. Entende, porém, que a circulação do poder, a

699
p. 27
700
p. 20
701
p. 28
702
p. 44-6
703
p. 72-3
235

vida partidária e os elementos fundamentais da vida democrática foram mantidos,

apesar da “tentação autoritária” constante. Neste seu último capítulo, centra a análise na

definição da nova constituição, e na política econômica do país (onde também observa

problemas socais advindos do problema da propriedade da terra).

O estudo de Orlando Barros é extenso e rico factualmente. Concentra-se nas

“elites políticas”, na organização e no poder de Estado, e nas relações internacionais e

diplomáticas que tiveram grande peso naquele momento da história paraguaia. Utilizou

fontes diplomáticas brasileiras, da Coleção Visconde do Rio Branco e do Arquivo do

Ministério das Relações Exteriores, além de outras duas coleções de documentos

paraguaios.

3.3.8 Opressão e luta (26m e 30m)

A dissertação de Marilena Ramos Barbosa, “O problema indigenista peruano na

primeira metade do século XX”704 (26m), nos apresenta uma história geral do Peru com

ênfase na opressão contra os indígenas e em sua resistência, que vai do período incaico

até o século XX. É uma dissertação muito extensa abordando temas como relações de

produção, estrutura socioeconômica e organização classista. Identifica que o valor do

trabalho é “contribuir para divulgar, com mais profundidade, o conhecimento de

importantíssimos problemas sociais latino-americanos...”705. Seu primeiro capítulo se

dedica à descrição do estado inca, à conquista espanhola e à dominação colonial, não

deixando de registrar reações indígenas, onde pontua que teriam limites de organização

e liderança. No segundo capítulo, em que aborda a situação indígena no século XIX,

entende que ela piora quando comparada a do período colonial (por exemplo, em função

704
BARBOSA, Marilena Ramos. O problema indigenista peruano na primeira metade do século XX.
Dissertação de Mestrado em História. UFF, 1978. Orientada por Arthur Cézar Ferreira Reis.
705
p. 11
236

da diminuição de terras indígenas e do desrespeito a certas leis que os poupavam de

impostos, etc.) e que só começa a se alterar na década de 20 do século XX 706. Destaca

entretanto o que chamou de “primeiras atitudes pró-indígenas” que são trabalhos de

diversos intelectuais que denunciam a situação daquele povo. No capítulo 3, a autora faz

uma apresentação muito extensa de transformações socioeconômicas no país destacando

temas como aumento do capital estrangeiro, propriedade fundiária e contratos de

trabalho com indígenas, etc.. Aqui também traz as reações dos oprimidos à situação que

viviam, em especial as sublevações, e a violência reacionária que se abatia sobre eles

com massacres. Para a autora, a situação conflituosa levou à legislação que trazia alguns

benefícios. As violações às leis, entretanto, foram frequentes e a violência prosseguiu 707.

O capítulo também traz informações sobre os primeiros “movimentos obreiros”, onde

apresenta organizações de trabalhadores e suas reivindicações.

Nos dois capítulos seguintes, temos uma análise sobre a legislação sobre

comunidades indígenas, que diz respeito à posse da terra e conflitos sobre isso; e uma

apresentação de obras “indigenistas”, isto é, de intelectuais peruanos que se dedicaram a

estudar e analisar a situação do povo. A produção intelectual, que havia aparecido em

capítulo anterior, teria lugar ainda em outro momento da dissertação quando discute o

“indigenismo literário”. O último capítulo se dedica às décadas de 1930 a 1950,

observando os mesmos tipos de questões que apareceram previamente, como situação

jurídica da terra, legislação sobre trabalho, demografia, etc.. A conclusão de Barbosa é,

na realidade, um resumo em que apresenta em 24 tópicos os fatos e leituras mais

importantes trabalhados ao longo da dissertação.

Entre as fontes primárias trabalhadas por Barbosa estão publicações do

706
p. 23-5
707
p. 83
237

legislativo e alguns documentos de ministérios do governo. Mas a base do seu trabalho

são as fontes secundárias, entre elas José Mariátegui, que abordam desde o século XVI

até a primeira metade do século XX.

Em “A rebeldia negra em Campos na última década da escravidão”708 (30m),

Lana Lage de Gama Lima se afasta do que considera duas tendências historiográficas

sobre o negro: uma que o vê o negro como dócil e positiva sua escravização; e outra que

romantiza a sua rebeldia lhe imputando heroísmo. O melhor seria abordar a rebeldia

negra considerando as relações de produção, as condições conjunturais de

manifestações rebeldes e a conscientização do negro sobre sua condição. Sua análise

empírica se dedica à cidade de Campos, e principalmente ao seu movimento

abolicionista, a que criticará apontando que este tem como intenção manter o negro

como mão-de-obra barata no pós-abolição.

Em seu primeiro capítulo, Lima se dedica longamente a mostrar (através de

legislação, castigos, formas de resistências,etc.) que a escravidão é uma relação de

produção permeada pela violência, e que, com toda essa degradação sobre o escravo,

este assume sua condição humana apenas ao rebelar-se (através da fuga, formação de

quilombos, etc.)709. No seu segundo capítulo, aponta o que considera os limites da

rebeldia escrava, que não toma uma forma revolucionária. Isso se daria pela dificuldade

material do escravo para se rebelar (se organizar, se armar, etc.); e por dificuldades

subjetivas, já que o escravo não atinge uma conscientização profunda do sistema em que

está inserido, ora se entendendo como coisa do senhor, ora sofrendo dissimulação pelas

íntimas relações patriarcais. Assim, por conta da incidência da ideologia branca

dominante, existe um limite para a autoconscientização do negro e para o conhecimento

708
LIMA, Lana Lage da Gama. A rebeldia negra em Campos na última década da escravidão.
Dissertação de Mestrado. UFF, 1978. Orientada por Ismênia Martins.
709
p. 58
238

do sistema em que está inserido710. Esses limites de consciência e rebeldia guardam

relação com a estrutura de produção brasileira: uma vez que o escravismo estava

subordinado ao capitalismo, a relação senhor e escravo não era a contradição

fundamental do regime de produção, ou seja, se liberto, o negro seria explorado pelo

dono da capital (“É preciso não esquecer que trabalhador livre significa

fundamentalmente trabalhador despojado dos meios de produção”711) A revolta do

escravo, portanto, é “parcial e imediatista”.

Haveria, entretanto, dois fatores que permitiriam ao negro ultrapassar limites da

rebeldia. A primeira é a preservação da cultura africana, com a qual ele consegue se

conceber como pessoa, adquirindo uma identidade que o permite se pensar fora do

sistema escravista. Aqui, os malês e sua revolta são o exemplo. O segundo fator é que o

negro consegue se aproveitar de conturbações sistêmicas que ocorrem no país: isso

significa que em episódios como a independência, a revolta dos cabanos, a guerra do

Paraguai, a guerra farroupilha, etc., a luta negra conseguiu maior amplitude política 712.

O movimento abolicionista seria um desses momentos que “vai abrir para o negro

rebelde um futuro diferente da simples marginalidade”713, estabelecendo um novo

horizonte.

É no terceiro capítulo que a autora traz sua contribuição empírica original,

estudando a interação entre rebeldia negra e abolicionismo na cidade de Campos, no

norte fluminense. Relata episódios de luta, resistência e opressão (fugas, castigos,

assassinatos, linchamentos etc.) e observa a relação entre escravocratas, a polícia e a

justiça. Mas o principal de sua análise é o movimento abolicionista, através da figura de

710
p. 66-8
711
p. 64
712
p. 74
713
p. 155
239

Carlos de Lacerda e do jornal Vinte e Cinco de Março. O estudo culmina com o

argumento de que o abolicionismo impõe sérios limites à rebeldia negra porque, apesar

de lutar contra a escravidão, não procurará modificar “o lugar ocupado pelo negro no

processo produtivo”714. Na verdade, através do exemplo dos abolicionistas de Campos,

mostra que se esperará que o negro se discipline enquanto mão de obra livre. O jornal

Vinte e Cinco de Março que fora abolicionista passa a investir discursivamente contra

os negros que não se adequam ao trabalho.

O trabalho de Lima é muito informado e organizado, indo de uma leitura geral

da escravidão no Brasil até os acontecimentos da cidade de Campos com base em fontes

secundárias e primárias. As leituras sobre relações de produção escravistas e capitalistas

são informadas por Karl Marx, a principal referência teórica da autora (sublinhe-se que

essa referência, não se estende à questão da agência rebelde do escravo ou do

abolicionista). Suas fontes primárias, das quais lamenta-se a autora por não lhe

permitirem a colocar em contato mais direto com o escravo, são diversas: relatório e

correspondência de presidentes de províncias, ministros de justiça e chefes de polícia;

inquérito e processos criminais, jornais, anais do Senado, pronunciamento de

abolicionistas.

3.3.9 Tribunal (45m)

“O Tribunal de Segurança Nacional: 1936-1945” (45m), de Reynaldo Pompeu

Campos715 se justifica pelas referências “sempre passageiras” que a instituição tem em

estudos, com a exceção do livro de um estrangeiro que, ciceroneado pelo governo

Vargas, de dedicou a negar semelhanças com tribunais do nazi-fascismo. O objetivo

714
p. 155
715
CAMPOS, Reynaldo Pompeu. O Tribunal de Segurança Nacional: 1936-1945. Dissertação de
Mestrado em História. UFF, 1979. Orientada por José Honório Rodrigues.
240

neste estudo é narrar de forma cronológica a história do Tribunal, ressaltando por que

foi criado, modo de agir e transformações, evidenciando que era instrumento do grupo

que mantinha o poder. A narrativa é organizada pelos ciclos de alvos que teve o Tribunal

(TSN): primeiro, comunistas, e depois, integralistas, seguidos de crimes contra a

economia popular e casos de espionagem no contexto da Grande Guerra. A dissertação é

recheada de denúncias e críticas contra a atuação do órgão judiciário: “Dela tresandam

intolerância, preconceito, ausência de serenidade, espírito de casta e a triste evidência

de que o uso da toga nem sempre transmite em quem a usa equilíbrio e ponderação” 716

O TSN não teria sido criado para ministrar justiça, mas para distribuir condenações,

sendo assim um “temível precedente” na história. Ao longo do trabalho, procura

mostrar o caráter de perseguição política do Tribunal ao, por exemplo, trazer que juízes

agiam contra a evidência dos autos. Suas fontes principais são os processos judiciais

localizados no Arquivo Nacional, mas trabalha também com outras referências extraídas

de vários arquivos, incluindo imprensa, cartas pessoais, legislação, depoimentos (em

especial um colhido pelo próprio autor, o de Sobral Pinto “que foi e continua sendo o

grande advogado dos perseguidos políticos”717 e “é a autoridade maior sobre os

eventos do tribunal”718). Faz também bastante uso de fontes secundárias para

contextualizar o período que aborda. Diz que os instrumentos metodológicos foram a

análise crítica da documentação, a preocupação com o rigor históricos e a observância

da cronologia.

O primeiro capítulo é dedicado a cenário político da década de 1920 e 1930 com

seus diversos movimentos políticos contestatórios. Ao enfocar o contexto de repressão

de Vargas em que o Tribunal é criado, o caracteriza como “guerra santa”, “terror”,

716
p. 93
717
p.3
718
p.79
241

“intolerância” e “ridículo”719. Seu segundo capítulo se refere às movimentações para a

criação do Tribunal, onde observa as opiniões de vários atores (deputados, generais,

etc.) sobre punição. Ao olhar para as discussões que aconteciam no parlamento, o autor,

que apresenta seus juízos políticos ao longo da tese, elogia os parlamentares que lutaram

contra o projeto (“dignificaram os mandatos que receberam”720). Apresentando a lei

que acabou criando o Tribunal, destaca seu caráter autoritário e o cerceamento das

capacidades de defesa dos réus.

O terceiro capítulo é sobre a fase vermelha, isto é, aquela dedicada a combater

comunistas. A própria criação do Tribunal havia sido justificada contra esses alvos 721. A

dissertação nos apresenta diversos julgados, suas condenações, movimentação da

defesa, etc.. Destaca que juízes fazem ali uso de “livre convicção”, o que significa que

na prática o juiz pode desprezar as provas dos autos. Apresenta aqui também sua ideia

de que o tribunal iria se prestar ao jogo de interesses políticos, como é o caso da

condenação do prefeito Pedro Ernesto e do governador Lima Cavalcanti. Nesse

capítulo, o autor também enfoca a situação das torturas nas prisões e a mobilização para

a libertação dos presos políticos. Aqui, critica a interpretação de Skidmore sobre as

motivações da libertação de prisioneiros, porque confundiria cronologia e também

aponta erro factual em trabalho de Hélio Silva, que erroneamente indicou que Berger e

Prestes foram condenados a 16 anos de prisão. Segundo Campos, na “fase vermelha”, o

Tribunal estava marcado por “histerismo anticomunista” e “anticomunismo ressentido,

obtuso e vulgar”722.

Boa parte deste capítulo e sua conclusão se dedicam a algo que não tem a ver

719
p. 19
720
p.36
721
p. 54
722
p. 121
242

diretamente com o Tribunal, a história de que os revoltosos militares de 1935

assassinaram companheiros de farda que estavam dormindo. Preocupa o autor que um

antigo vice-diretor da CIA justificasse o golpe de 1964 mencionando o caso de 1935. A

dissertação se dedica a evidenciar que o episódio não é verídico, principalmente com o

argumento de que não há registro nas condenações do Tribunal sobre isso, sendo o

único condenado por crime de morte do levante do Rio ter sido contra alguém

desarmado, mas acordado (o que coloca salientando que não pretende justificar a ação

dos revoltosos)723.

O capítulo 4 analisa a atuação do Tribunal no Estado Novo, onde primeiramente

mostra as mudanças no cenário político e nos procedimentos da entidade. O Tribunal

nesse momento começa a “fase verde”, ou seja, o julgamento de integralistas. À

semelhança da discussão que empreendera sobre a veracidade de assassinato praticado

por comunistas de 1935, discute a intenção dos verdes em matar Vargas. Nega

novamente a veracidade dessa informação, argumentando novamente que esta não

encontra amparo na sentença do TSN. Sobre os julgamentos, apresenta os argumentos

de defesa dos integralistas e expõe suas sentenças. Como houve penas relativamente

pequenas e algumas absolvições, discute a ideia de que teria havido suborno. Apesar de

não ser conclusivo nesse ponto, faz pesar as palavras de Sobral Pinto, também advogado

de integralistas, que nega ter havido pagamento de dinheiro a juízes724. Ainda neste

capítulo aborda o assassinato da jovem conhecida como “menina” por parte de membros

do Partido Comunista, que a consideravam uma espiã da polícia; e nota casos de

pessoas que entende como “sem nenhuma coloração política”725 (isto é, nem

comunistas, nem integralistas) atingidas pelo tribunal, como foi o caso de Gilberto

723
p. 56-66
724
p. 78-86
725
p. 98
243

Freyre, sustentando novamente ideia de que o Tribunal era instrumento para atacar

vários adversários políticos. Segundo o autor, já em fins de 1938, o Tribunal ia ficando

sem réus por conta do medo que a ditadura foi gerando. Nesse momento, passa a

investir em crimes contra a economia popular, tema do capítulo seguinte.

Campos coloca que, ao contrário do divulgado pela imprensa controlada pelo

DIP (de que iria investir contra tubarões que lesam o povo brasileiro), o Tribunal

processou quitandeiros, feirantes e pequenos comerciantes que venderam ovos pobres,

pão sem peso, manteiga rançosa, etc., sendo os processos contra grandes empresas em

sua maioria arquivados ou tendo sentenças absolutórias726. Um outro momento do

Tribunal se inicia a partir do momento em que o país declarou guerra ao Eixo, e também

por pressão de Washington, passou a combater os espiões alemães e germanófilos que

atuavam no território. O Tribunal atuou com arbítrio e pesadas condenações – nesses

processos, 2 ex-integralistas pegaram 30 anos de prisão. Sobre esse ponto, Campos faz

uma crítica historiográfica a Stanley Hilton porque este infere que os 2 ex-integralistas

continuaram a trabalhar para a Alemanha mesmo após a declaração de guerra do Brasil

contra o Eixo. Campos acusa Hilton de omitir dados sobre o julgamento de forma a

justificar a atuação do Tribunal (“Hilton não cita as alegações da defesa uma úncia vez,

o que transforma essa parte do seu livro numa simples versão policial dos

acontecimentos”727), que na realidade teria condenado os 2 por atividades realizadas

antes da adesão brasileira aos Aliados. Nesse capítulo, outros casos nos são

apresentados como os dos lavradores japoneses que tentavam impedir, com ameaças e

depredações, que compatriotas plantassem amoreiras para que não houvesse a produção

de seda para paraquedas de aliados – aqui, 20 camponeses pegaram de 6 a 10 anos de

726
p. 109
727
p. 112
244

prisão por isso.

Na conclusão de seu estudo se pergunta se o tribunal teve inspiração nazi-

fascista. Diz que não pode comparar as legislações por falta de conhecimento jurídico,

mas que há semelhanças na forma e nos objetivos, sendo um tribunal como este típico

de um país “totalitário”728.

3.3.10 Literatura (27m)

“O índio na literatura peruana: José Maria Arguedas” 729 (27m), de Stela Maria

Damiani, aborda vários literatos peruanos para demonstrar como a “realidade peruana”,

em especial sobre os índios, foi por eles retratada. Parte do princípio de que os

intelectuais são o espelho de uma época e instrumento de conscientização de problemas,

de onde se vê que História e Cultura estão intimamente ligadas. A cultura refletiria o

estágio de adiantamento ou atraso de um povo, e não haveria ninguém melhor que o

intelectual para mostrar os problemas sociais e para trazer a consciência desses

problemas a um povo. Daí viria a importância do intelectual para o historiador. 730 “A

razão dessa dissertação é examinar o valor histórico das obras de José Maria

Arguedas e de que maneira a denúncia feita por ele foi importante para promover

mudanças no setor social.”731 Não apenas de Arguedas se ocupará a dissertação, mas

também de outros escritores, apresentando suas obras e dados biográficos.

Depois de um primeiro capítulo dedicado à “situação do índio”, sua análise

começa com autores do século XIX, onde haveria maiores denúncias da realidade dos

indígenas que antes. Essa produção literária, entretanto, teria torcido a figura do índio 732
728
p. 121-2
729
DAMIANI, Stela Maria. O índio na literatura peruana: José Maria Arguedas. Dissertação de
Mestrado em História. UFF, 1978. Orientada por Pedro Freire Ribeiro.
730
p. 1-2
731
p. 5
732
p. 24
245

Esse é o caso do escritor Rosada, que via a situação do índio de forma amena, tranquila,

se esquecendo dos problemas sociais. Por sua vez, Manuel Gonzalez Prada já

inauguraria uma literatura de denúncia da situação do índio e questionaria o racismo.

O estudo de Damiani dá grande destaque a José Carlos Mariategui, escritor da

geração dos anos 20 do século passado. Aqui, apresenta principalmente os argumentos

do peruano expostos no livro “Sete ensaios sobre a realidade peruana”, que tem a

ênfase de que a raiz do problema indígena era econômico (a terra) 733 e contribui para se

ver a figura do índio “de forma mais real”. 734 Outros autores trabalhados são Cesar

Vallejo e Ciro Alegria, literatos que também trataram o tema indígena. Esses dois, por

terem estado em contato com os índios, puderam “não falsear a verdade”735

Por fim, a dissertação chega a José Manuel Arguedas que escreve em um

momento em que a vida cultural peruana estaria muito influenciada pelo marxismo. Era

vista como centro do problema também era a terra e sua a posse 736. Em sua obra,

também o autor apostaria na organização coletiva indígena, apontando que um problema

para tal era a falta de conscientização dos problemas. Para Damiani, Arguedas seria um

desses autores que não idealiza o índio, mas o descreve como “realmente é”737

Nos livros de Arguedas trabalha-se ideias como a de que “aquele que se revolta

contra a opressão do branco não consegue sobreviver”738; a perda de terras de

comunidades indígenas; o sentimento de forasteiro dos índios que perderam suas

terras739; a repressão a festas indígenas e suas articulações em associações culturais;

revoltas, inclusive salientando protagonismo feminino.740


733
p. 36
734
p. 41
735
p. 42
736
p. 56
737
p. 85
738
p. 67
739
p. 68
740
p. 72-3
246

Damiani mostra a leitura que Arguedas tem do comunismo apresentada na

novela “El sexto” que narra a vida numa prisão onde há presos políticos. Para Arguedas,

os comunistas seriam mais firmes, serenos e determinados em sua oposição ao governo

do que outros grupos741 No que a autora considera o principal romance de Arguedas por

retratar melhor a realidade social peruana, “Todas las sangres”, vê-se opressão indígena

sofrida no campo e na cidade. Nesse romance, Arguedas dá relevo à atuação do capital

estrangeiro no Peru e como este causa impacto na vida do índio, ressaltando também a

questão da posse da terra, da corrupção de funcionários, da competição entre grandes

consórcios e fazendeiros pequenos, etc.. Nesse romance, como em outros escritos de

Arguedas, há a temática de índios que, em contato com ideias de esquerda, ganham

consciência de seus problemas e tentam se articular coletivamente742.

A autora por fim destaca em um tópico o que Arguedas considera como solução

dos problemas indígenas em sua literatura, onde um dos principais seria os índios

agindo como um todo. Destaca também que Arguedas, no final de sua vida renega o

“comunismo internacional” (não estando claro o que isso significa) e o “capitalismo

estrangeiro”, apostando que “os conflitos poderiam ser resolvidos através de um

modelo de socialismo inteiramente voltado para as potencialidades nacionais”743 Esse

socialismo não seria o mesmo que haveria tido na sociedade incaica, mas um adaptado à

economia moderna.

Como está claro, o principal objeto da dissertação são as ficções de diversos

escritores peruanos. Essas ficções, além de objetos, são também fontes porque a autora

também tem interesse em contar a história social peruana através da literatura.

741
p. 60
742
p. 77
743
p. 80.
247

3.3.11 Nacionalismo (32m)

A segunda dissertação a se concentrar em um aspecto da cultura é a de Heloísa

Fesch Menandro, “A ideia de nação e o pensamento nacionalista na imprensa da Corte

1840-1860”744 (32m). O objetivo central do trabalho é, uma vez havendo muitas

referências à “nação” em publicações de políticos e jornalistas, ver até que ponto houve

uma tomada de consciência nacional. Trata-se em sua própria concepção de uma

história das ideias. A autora não investiga apenas a “elite”, mas também os jornais de

maior circulação. Com isso, pretende preencher uma lacuna historiográfica, já que os

poucos estudos historiográficos existentes sobre nacionalismo abordam o século XX e

não trabalham com periódicos.745

A autora tem o cuidado de, em várias páginas, explicar a documentação com que

trabalha fornecendo dados sobre a imprensa do período. Justifica a escolha do

periodismo na corte apontando que esta teria diversas camadas sociais se expressando

no jornalismo, ou seja, não apenas os proprietários de terras, mas também comerciantes,

burocratas, liberais, etc.. Considera a imprensa livre, talvez o único lugar em que o

liberalismo fosse aplicado na prática, e a divide fundamentalmente em conservadora e

liberal746.

Sobre o trato com as fontes, além de registrar o cuidado de não se incorrer em

anacronismo atribuindo aos contemporâneos visões que hoje se tem daquele passado,

também diz: “O procedimento escolhido para essa análise será o de interrogar as

fontes primárias, no sentido de tentar extrair delas o seu conteúdo ideológico, muitas

vezes encoberto pelas causas ou pelos objetivos mais próximos que geram as

744
MENANDRO, Heloisa Fesch. A ideia de nação e o pensamento nacionalista na imprensa da Corte
1840-1860. Dissertação de Mestrado. UFF, 1978. Orientada por Ismênia Martins.
745
p. 1-5
746
p. 7-9
248

manifestações.”747 Como os periódicos estão comprometidos com objetivos políticos de

partidos, “torna-se necessária preocupação de extrair dessas manifestações o que

muitas vezes está implícito, filtrando os interesses imediatistas e subjetivos que as

fazem emergir.”748 Dessa forma, poderia realizar a sua análise que consiste em associar

o discurso aos “setores sociais de onde provinham, a conjuntura política ou econômica

que os motivava...”: a autora procura em vários jornais as expressões de nacionalismo

no século XIX, entendendo que essas expressões tem conexões classistas: “As

estruturas econômico-sociais dão a essência dos conteúdos ideológicos”.

A classe dominante fundiária expressa seu nacionalismo, por exemplo, com a

xenofobia anti-inglesa já que este país combatia o tráfico de escravos e assim afetava

seu poder político e econômico. Seu nacionalismo era cioso de resguardar sua posição

política adquirida no processo de independência. Um outro nacionalismo, de “camadas

não privilegiadas”, ou de classe média, era orientado para maior igualdade social, e

procurava garantir a representação e a participação dos integrantes da nação. Podia se

manifestar também de forma xenófoba (ou “defensiva”, como prefere a autora) quando,

por exemplo, trabalhadores discriminavam estrangeiros pobres recém-chegados que lhes

eram concorrentes.

Em momento em que sistematiza suas premissas sobre o que é a nação, assim

coloca: “Assim como nos contextos capitalistas, as nações [de economia periférica] são

formadas por várias classes sociais lideradas pela burguesia (…) A unidade nacional é

justamente essa coalizão de classes, que embora artificial, vê sua unidade na ideia de

nação.” E trata-se de uma coalizão de classes “sob a égide de um Estado instituído por

uma delas – que lhe dá o conteúdo”749. Note-se que ao sistematizar seu conceito de

747
p. 11
748
p. 11
749
p. 52-3
249

nação neste trecho, a autora não inclui propriamente o que expomos no parágrafo acima

(que classes diferentes tem expressões de nacionalismo diferentes) – não ficando claro

como a ideia de nação de classes não dominantes se relaciona com a efetiva constituição

histórica da nação. De qualquer forma, o principal é que a autora tem uma percepção de

que “nação” e “nacionalismo” tem significados classistas.

O seu primeiro capítulo é todo dedicado à historiografia e aos conceitos de nação

e nacionalismo. Apresenta vários autores fazendo alguns apontamentos, por exemplo, de

que a maior parte da historiografia é europeia, sendo portanto eurocêntrica e

colonizadora. A porção brasileira da historiografia no Brasil (Nelson Werneck Sodré,

Helio Jaguaribe, Emília Viotti da Costa e Nicia Vilela Luz) seria imprecisa

conceitualmente. Muitos autores são apresentados sem que haja apreciações críticas da

autora. Esse é o caso por exemplo de Marx, Engels, Lenin e Stálin, cujas ideias foram

conhecidas através do livro de Julio Busquets. Menandro também se dedica às ideias do

marxista Emmanuel Terray (através do artigo “O conceito de nação e as

transformações do capitalismo”), não ficando evidente se é seu conceito de nação que

autora entende estar adotando ou que juízo faz dele. Mas vê-se que é próximo daquele

com que trabalha. Terray se afasta de uma concepção essencialista de nação,

considerando-a historicamente como um conglomerado de classes750. A sua apreciação

de diversas referências bibliográficas, ressalta um lado reacionário e outro

revolucionário no nacionalismo. Ao final do capítulo, quando expõe quais seriam as

premissas fundamentais do trabalho, afirma que a unidade nacional é marcada por uma

coalizão de classes que, se bem entendemos, tem a liderança da burguesia751.

Os outros três capítulos que compõem sua dissertação são todos muito marcados

750
p. 28-32
751
p. 52-3
250

por extenso uso de fontes e pelo esforço anunciado de associar as ideias às situações

econômico-sociais. Coloca que o sentimento nacional nos primeiros momentos do

Império vai se dar por conta da ameaça externa de recolonização portuguesa. Por isso, a

xenofobia será um elemento comum no pensamento das classes dominantes752.

Posteriormente, a xenofobia anti-inglesa acontecerá por parte dos setores ligados à

atividade fundiária, incomodados com a pressão inglesa pelo fim do tráfico de

escravos753. O nacionalismo também encontrará diferentes formulações em face às

diferentes propostas sobre desenvolvimento manufatureiro, protecionismo no comércio

(e suas reivindicações contra concorrência estrangeira), etc.. 754 Como parte do mergulho

intenso nas fontes jornalísticas, a autora explora a discussão sobre o tráfico, como eram

vistas as posições do Executivo em relação à Inglaterra; as características do

pensamento liberal no Brasil sobre desenvolvimento manufatureiro, legislação e

tratados de comércio; as manifestações das diferenças partidárias, etc..

É parte central do argumento nesta dissertação que a ideia de nação apregoada

pelas camadas dominantes é diferente daquela de outras camadas. Se uma é elitista e

europeizada, a outra fundamentava-se entre o nacional e o popular buscando encontrar

igualdade, além de combater influência estrangeira. Dessa forma, desenvolvem

nacionalismo os trabalhadores que viam como concorrentes portugueses despossuídos

que aqui chegavam755. As camadas sociais mais baixas vão ter também diferentes

considerações sobre a Câmara, o Senado e o Imperador, marcadas pelas ideias de

Nação que tinham, onde aparecem críticas ao Estado imperial, que, mensagem

importante da dissertação, não tinha o patrimônio exclusivo do nacionalismo756.

752
p.75
753
p. 118
754
Ver capítulo 4.
755
p. 113-5
756
p. 216
251

3.4. Panorama e conclusões

Em relação ao recorte cronológico, há mais atenção sobre o século XIX, 10/18.

O século XX foi abordado em 5/18, e outros três abordavam ambos os períodos.

Em relação ao recorte geográfico, outros países da América Latina receberam

mais atenção (9/18) que o Brasil (7/18). Outras duas dissertações abordaram

conjuntamente o Brasil e países da América Latina. Sobre os trabalhos de História do

Brasil, observa-se que novamente a região fluminense é privilegiada como tema: o

Estado do Rio de Janeiro foi o espaço considerado em dois trabalhos e as cidades do Rio

de Janeiro, Vassouras e Campos foram temas, cada uma, de uma pesquisa.

Sobre os eixos temáticos, apesar de algumas dissertações abarcarem mais de um

domínio, assim as classificamos

Tabela 11: Quantitativo da divisão por eixo temático das


dissertações de segunda geração
História Política 9
História Econômica 7
História Cultural 2
Total 18

Alguns desses trabalhos de História Política tem foco bastante restrito em ações

e pensamentos individuais de alguns personagens, por vezes destacando questões

morais e subjetivas, fazendo disso o objeto da análise: este é o caso de "O sentido do

governo Balmaceda..." (29m), sobre o chileno Balmaceda; "A influência da

maçonaria..." (20m), sobre maçons na América Latina; e "O civilismo equatoriano..."

(23m), sobre o equatoriano Garcia Moreno.

Sem o enfoque individualista destas três e com maior atenção à definição de um


252

contexto político, "Paraguai: a transição..." (28m) vai abordar a elite paraguaia trazendo

perfis de ditadores, articulações de grupos políticos e atuações diplomáticas. Por sua

vez, "O processo de consolidação uruguaio..." (21m) e "O guano e o salitre..." (22m)

analisam disputas em torno dos Estados uruguaio e peruano (respectivamente) levando

em conta também ações classistas e dinâmicas econômicas de grupos da elite desses

países.

"O problema indigenista..." (26m) e "A rebeldia negra..." (30m) abordam a

situação e a luta política de grupos oprimidos na sociedade peruana (indígenas) e

brasileira (escravos (mas também abolicionistas brancos)), trabalhando com uma

concepção de luta classista.

"O Tribunal de Segurança..." (45m) estuda a atuação de um tribunal que

perseguia diversos adversários da ditadura instalada.

Em relação às 7/18 dissertações que se dedicaram à economia, temos:

"A primeira política de valorização..." (17m) e "Da monocultura à

diversificação..." (31m) que caracterizam a dinâmica cafeeira e analisam a agência

estatal face à sua crise;

"O Banco Mauá no Uruguai" (24m) e "Itabira Iron Ore..." (44m) abordam

empreendimentos capitalistas: a primeira quer entender sucessos e reveses de um

empreendimento bancário pinçando alguns elementos da política e da economia

uruguaias, e do gênio e das intenções do banqueiro; a segunda, mobilizando

informações com mais qualidade e quantidade, analisa uma empresa de capital

internacional observando suas conexões políticas no Brasil e a reação nacionalista

contra ela;

"A crise dos comissários..." (18m) aborda um grupo econômico específico, os


253

comissários, discutindo a questão do financiamento e crédito da produção do café e

também caracterizando o capitalismo.

"O petróleo venezuelano..." (19m) nos informa sobre a economia petroleira na

Venezuela articulando-a em sua caracterização política do país marcado pela ditadura,

pela submissão a interesses externos e disputas com oligarquia rural.

"Argentina: economia e sociedade..." (25m), apesar do engajamento em um

discussão conceitual rebuscada, oferece basicamente informações gerais sobre a

economia argentina, que pouco articula na segunda metade do trabalho em que se

dedica ao operariado.

Entre as 2/18 que se dedicaram a temas de cultura, "O índio na literatura

peruana..." (27m) aborda vários literatos peruanos para demonstrar como a “realidade

peruana”, em especial sobre os índios, foi por eles retratada, procedendo dessa forma a

uma história social do país através da literatura; e "A ideia de nação..." (32m) que estuda

expressões de nacionalismo na imprensa procurando entendê-lo a partir de posições

socioeconômicas e políticas.

Em relação ao trabalho com fontes primárias, há uma diferença sensível em

relação à primeira geração: se antes o ineditismo empírico (isto é, a mobilização de

fontes primárias que não haviam sido trabalhadas anteriormente) era uma marca de

praticamente todas as dissertações, agora vemos que essa característica é forte em

apenas em 7/18757. Se os trabalhos da segunda geração perdem muito o sentido de

desbravamento empírico que era perceptível nos textos da primeira turma, de forma

alguma isso significa que as fontes primárias não estejam sendo mobilizadas. O que

acontece agora é que elas majoritariamente são extraídas de outros estudos ou a partir de

757
"A primeira política de valorização..." (17m),"A crise dos comissários..." (18m),"A rebeldia negra..."
(30m), "Da monocultura à diversificação..." (31m),"A ideia de nação..." (32m), "Itabira Iron Ore..." (44m)
e "O Tribunal de Segurança..." (45m)
254

publicações de documentos.

De qualquer forma, o trabalho com fontes secundárias cresce bastante em

importância para as dissertações da segunda geração e são predominantes em pelo

menos 3/18758 trabalhos. Em muitas outras, divide com as primárias a referência das

informações com que os mestrandos produziram.

Mantém-se a característica de serem estudos sobretudo voltados ao conteúdo

empírico, tendo pouco peso a discussão historiográfica, metodológica, teórica,

epistemológica ou conceitual de forma geral.

Sobre o debate com autores e avaliação historiográfica nas dissertações, o

principal destaque é "A ideia de nação..." (32m) que dedica um capítulo inteiro à

historiografia que trabalha os conceitos de nação e nacionalismo, procedimento com

escala até então inédita nas dissertações do curso. Temos ainda: "A primeira política de

valorização..." (17m) e "Da monocultura à diversificação..." (31m) se queixam de

conclusões generalizantes presentes em autores que ignoram aspectos das regiões que as

dissertações estudam; "O sentido do governo Balmaceda..." (29m) entende que há duas

correntes historiográficas sobre seu tema, uma procurando explicar o período através de

certas disputas políticas, e outra ressaltando o capitalismo inglês. O autor vê validade

em ambas, mas afirma que o mais importante seria enfatizar a figura de Balmaceda;

também ressaltando a existência de duas tendências historiográficas, "A rebeldia

negra..." (30m) afirma que há aquela que entende o negro como dócil e positiva sua

escravização, e outra que romantiza a sua rebeldia lhe imputando heroísmo, sendo o

adequado abordar a rebeldia negra considerando as relações de produção, entre outros

elementos; "A crise dos comissários..." (18m), "Argentina: economia e sociedade..."

758
"O civilismo equatoriano..." (23m), "O problema indigenista..." (26m) e "O sentido do governo
Balmaceda..." (29m).
255

(25m), "Da monocultura à diversificação..." (31m), "Itabira Iron Ore..." (44m) e "O

Tribunal de Segurança..." (45m) afirmam que abordam elementos pouco ou

inexplorados pela historiografia, o financiamento e crédito do café, a “história do

trabalho”, o mercado interno fluminense, a Itabira Company e o TSN, respectivamente.

Discussões historiográficas laterais são as realizadas por "O petróleo

venezuelano..." (19m), que procura contrariar os argumentos dos defensores do ditador

Gómez; "O civilismo equatoriano..." (23m) que pretende (sem lográ-lo) ter um postura

equilibrada entre os defensores e detratores de Garcia Moreno; "A influência da

maçonaria..." (20m), sobre minúcias da maçonaria; "Paraguai: a transição..." (28m),

trazendo alguma discussão sobre certas ações do Francia; e "O Tribunal de

Segurança..." (45m) que critica Thomas Skidmore sobre motivação de Vargas em certo

episódio, Stanley Hilton por omitir dados e justificar ação do TSN em certo caso, e

Hélio Silva por erro factual.

Discussões conceituais e teóricas são feitas com volume considerável em apenas

4/18 dissertações: "A crise dos comissários..." (18m), que se ocupa em momentos do

estudo com a caracterização de “modo-de-produção”; "Argentina: economia e

sociedade..." (25m), explicando o que são o “modelo teórico de produto básico”, de

Robert Baldwin, e o “modelo Furtado-Cepal”; "A rebeldia negra..." (30m), que entende

que a consciência política e atos rebeldes de escravos tem profundos limites pois a

principal relação de produção no momento abordado não seria mais a que envolve

senhor e escravo; e "A ideia de nação..." (32m), que tem um longo esforço de mostrar os

conceitos de nação e nacionalismo em vários autores, e advogando que eles tem

significados classistas pois as ideologias recebem seus conteúdos a partir de estruturas

econômico-sociais. Ainda que feita com muita brevidade, registramos também a


256

colocação de "O índio na literatura peruana..." (27m) de que os intelectuais são o

espelho de uma época e instrumento de conscientização de problemas, sendo a cultura e

a história dessa forma muito relacionadas. Vale lembrar também "Itabira Iron Ore..."

(44m) que colocou que não realizaria trabalho teórico, e entendeu que isto traria limite à

sua análise.

Discussões metodológicas encontraram maior dedicação em "A crise dos

comissários..." (18m) e "A ideia de nação..." (32m). A primeira, além de pontuar com

base em Caio Prado Jr. que a quantificação deve ter caráter de complementariedade em

relação à análise qualitativa, tem um longo texto onde justifica uso de fontes,

problematiza os critérios de seleção, reflete sobre a representatividade das informações

coletadas; e exibe os procedimentos para lidar com a variação monetária. A segunda

explica a documentação com que trabalha fornecendo dados sobre a imprensa do

período, justifica sua escolha face ao objetivo do estudo e diz que o conteúdo ideológico

que se procura nelas pode estar encoberto por interesses imediatistas e subjetivos.

Também comenta suas fontes "A primeira política de valorização..." (17m), para quem

há restrição e falta de homogeneidade nos dados numéricos, precisando a análise ser

respaldada em registros qualitativos mais precisos e abundantes. Mais sucintamente,

apontam dificuldades nas informações "Da monocultura à diversificação..." (31m)

(ausências de dados quantitativos), "O petróleo venezuelano..." (19m) (por as fontes, de

um período ditatorial, estarem marcadas por silêncios e elogios ao ditador), "A

influência da maçonaria..." (20m) (por seu objeto de estudo, a maçonaria, ser algo

secreto) e "A rebeldia negra..." (30m) (por as fontes não a colocarem em contato direto

com o escravo). Sobre seu procedimento metodológico, "Itabira Iron Ore..." (44m) se

limita a colocar que fará “observação rigorosa”. E "O Tribunal de Segurança..." (45m)
257

diz ter como “instrumentos metodológicos” a análise crítica da documentação, a

preocupação com o rigor histórico e a observância da cronologia. Note-se que metade

das dissertações não faz nem um mínimo de referência, problematizadora ou não, sobre

suas fontes e métodos.

Há sumaríssimas considerações epistemológicas em 3 dissertações: "O civilismo

equatoriano..." (23m) e "O sentido do governo Balmaceda..." (29m) que dizem fazer

análise imparcial e não movida a paixões; e "A ideia de nação..." (32m), que afirma ter o

cuidado de não incorrer em anacronismo atribuindo a atores históricos a concepção que

a historiadora tem do passado.

Sobre os documentos utilizados, os mais comuns continuam a ser os produzidos

pelo Estado: relatórios, leis, atas, comunicações diplomáticas, etc.. Eles estão presentes

em 13 trabalhos759. Apesar da variabilidade de sua importância em cada trabalho, com

segurança pode-se dizer que são os principais documentos dos historiadores. Somando

no esforço de se entender as atividades estatais e dos estadistas, vemos também uso de

discursos e correspondências em 9 outras dissertações760.

Periódicos foram fontes para 7761dissertações, com graus de importância também

bem diferentes. Documentos de entidades privadas, empresas e sobre propriedades estão

em 6 trabalhos762.

759
"A primeira política de valorização..." (17m), "A crise dos comissários..." (18m),, "O petróleo
venezuelano..." (19m), "O processo de consolidação uruguaio..." (21m), "O guano e o salitre..." (22m),
24m, "O problema indigenista..." (26m), "Paraguai: a transição..." (28m), "A rebeldia negra..." (30m), "Da
monocultura à diversificação..." (31m) "A ideia de nação..." (32m), "Itabira Iron Ore..." (44m) e "O
Tribunal de Segurança..." (45m).
760
"A primeira política de valorização..." (17m), "A influência da maçonaria..." (20m), "O processo de
consolidação uruguaio..." (21m), "O civilismo equatoriano..." (23m), 24m, "O sentido do governo
Balmaceda..." (29m), "A rebeldia negra..." (30m), "A ideia de nação..." (32m), "O Tribunal de
Segurança..." (45m)
761
"A primeira política de valorização..." (17m), "A crise dos comissários..." (18m), 24m, "A rebeldia
negra..." (30m), "A ideia de nação..." (32m), "Itabira Iron Ore..." (44m), "O Tribunal de Segurança..."
(45m)
762
"A primeira política de valorização..." (17m), "A crise dos comissários..." (18m), "O petróleo
venezuelano..." (19m), "O processo de consolidação uruguaio..." (21m) (bem diminuto aqui), "Da
monocultura à diversificação..." (31m), "Itabira Iron Ore..." (44m).
258

Tabela 12: Quantitativo da presença de autores em


bibliografias da segunda geração
1º Celso Furtado 7
2º Caio Prado Jr. 6

José Belmonte 6

Nícia Vilela Luz 6

3º Emília Viotti da Costa 5

Ricardo Levene 5

Fernando Henrique 5
Cardoso
Edgar Carone 5

Paula Beiguelman 5
Wilson Suzigan 5

Na lista acima a característica que mais chama a atenção, e também a principal

diferença em relação à lista da primeira turma, é a presença do espanhol José Belmonte

(1922-2015) e do argentino Ricardo Levene (1885-1959), ambos historiadores com

formação jurídica que foram fontes para os que estudaram História da América 763.

Podemos dizer que não há outros nomes recorrentemente citados da historiografia sobre

a América “espanhola” porque os mestrandos se dedicaram a vários países diferentes,

havendo dessa forma dispersão numérica.

Em relação às continuidades em relação à lista da primeira turma, temos a

“liderança” de Celso Furtado e Caio Prado Jr., além das presenças de Cardoso e Carone.

Apesar do restante desta lista ser diferente daquela da primeira, tratam-se de nomes bem

comuns nos estudos dos mestrandos que passaram pelas duas turmas.
763
Sobre José Belmonte, notícia sobre seu falecimento: RODRIGUEZ, F. J.. “Fallece en Vizcaya el
historiador abulense José Belmonte Díaz” IN http://www.diariodeavila.es/noticia/Z008E578A-D085-
05B7-95486B68B739210C/20150825/fallece/vizcaya/historiador/abulense/jose/belmonte/diaz . 25 de
agosto de 2015 (acessado em maio de 2017). Sobre Ricardo Levene, uma pequena biografia
http://www.unlp.edu.ar/articulo/2012/9/6/vidas_y_retratos_ricardo_levene. (acessado em maio de 2017).
259

Quase exclusivamente esses autores de maior presença nas bibliografias constam

nas dissertações como fontes de informações pontuais ou, de forma menos comum, para

a caracterização geral de algum período ou tendência histórica. Em boa parte, nem

mesmo estão em nenhuma nota de rodapé das dissertações que os tem como referência.

Aqui, novamente notamos a pouquíssima frequente prática de se debater as concepções

de um autor tomando-o como objeto de reflexão do estudo, inserindo-o historiográfica e

teoricamente ou polemizando. Em relação aos acima listados, há duas exceções bem

pouco significantes em notas de rodapé: uma ("Da monocultura à diversificação..."

(31m)) apontando que Suzigan é um dos que se opõe à tese de Prado Jr. e Luz de que a

primeira guerra tivesse favorecido a industrialização no Brasil; a outra ("A rebeldia

negra..." (30m)) lembrando que Cardoso faz parte de uma tendência de estudos que

“destruiu” mitos da democracia racial.

Referências consideradas hoje importantes da historiografia brasileira,

Raymundo Faoro foi leitura para duas dissertações e Sérgio Buarque de Hollanda e

Gilberto Freyre, para apenas uma. Max Weber foi totalmente ignorado nos trabalhos.

Entre os marxistas, Karl Marx constou como referência para apenas dois autores, "A

crise dos comissários..." (18m) e "A rebeldia negra..." (30m), mas com relevância

teórica, e José Carlos Mariatégui foi importante como fonte e objeto para 3 dissertações

que se dedicaram à História do Peru.

A média de páginas é 155, mas é importante novamente lembrar que não havia

padrão para a formatação dos textos, sendo grande a variedade com que eram

apresentados.

Como principais conclusões sobre a segunda geração temos:

1) Dados apontam novamente para a ideia de que recortes e temas do corpo


260

docente se repetiram nas dissertações - influência que, obviamente, não se deu de forma

total, nem com perfeita correspondência numérica. O mais notável é o aumento das

dissertações dedicadas à História da América que remetem ao aumento de disciplinas

com este recorte geográfico. Considerando que não podemos supor que interesse tão

grande por história americana – que na segunda geração supera inclusive o por história

brasileira- tenha se gestado espontânea ou anteriormente ao ingresso dos discentes no

mestrado, fica óbvio que é o curso que promove, e com grande força, essa temática.

Além do recorte geográfico, também podemos notar a influência em relação ao

cronológico: a predominância do século XIX seguido de século XX é comum tanto às

disciplinas quanto às dissertações. Ainda que com menor correspondência, o mesmo

pode-se dizer dos “eixos temáticos”: maior atenção ao “político” que ao “econômico” e

baixa atenção ao “cultural”.

2) O marxismo764 ganha algum estímulo entre o corpo docente através da

professora Ismênia Martins que, entretanto, não deve ter tido um grande impacto na

formação dos mestrandos: os números em orientações e disciplinas de Martins são

expressivos relativamente, mas não são grandes comparados ao total. 765 De qualquer

forma, entre as dissertações reparamos que há algum aumento das que valorizam a

questão da opressão ou da resistência: antes, tínhamos apenas 9m (sobre a atuação

católica entre operários), e, em escala bem menor, "A evolução política no Chile..."

(15m) (que conta a história do Chile). Na segunda geração, temos principalmente "A

rebeldia negra..." (30m), "O problema indigenista..." (26m), "O Tribunal de

764
As complicações com a definição de marxismo e sua presença nas dissertações serão estudados com
mais detalhe posteriormente nesta tese. Uma leitura do marxismo em quase todas as dissertações escritas
pela primeira e pela segunda gerações pode ser encontrado em CARVALHO, Wesley Rodrigues de. “O
marxismo (ou o “marxismo”) no curso de mestrado em história da Universidade Federal Fluminense
(1974-1978)” IN: Anais do Colóquio Internacional Marx e marxismo 2017. De O Capital à Revolução de
Outubro 1867-1967). http://www.niepmarx.blog.br/MM2017/anais2017.htm
765
Ver os quadros na seção 2.2
261

Segurança..." (45m), mas também "O índio na literatura peruana..." (27m) e "Argentina:

economia e sociedade..." (25m)766.

3) A grande dedicação à História da América é responsável por uma mudança

importante nas dissertações da segunda turma se comparada à primeira: a menor

exploração empírica original em arquivos, com o aumento de referências em fontes

secundárias ou publicações de documentos. Mas sublinhe-se que isso não significará

menor atenção ao conteúdo empírico da História, que continua sendo a tônica principal

dos trabalhos produzidos em Niterói.

766
Além da temática da opressão e da resistência, há outras duas que poderiam ser consideradas como
marxistas: a que associa ideias a classes sociais ("Imprensa republicana..." (10m), "A educação
brasileira..." (12m) e "A ideia de nação..." (32m)) e a que discute modo de produção ("Atividades
capitalistas..." (11m) e "A crise dos comissários..." (18m). Aqui, entretanto, não há grande variação entre
uma geração e outra. Ver Carvalho, 2017, op. cit..
262

Capítulo 4 A terceira turma (1975-1978/9)

4.1 Discentes

São 17 os mestres desta terceira turma. Todos iniciaram suas aulas no segundo

semestre de 1975, e a maior parte concluiu suas disciplinas no primeiro semestre de

1977. Esse é o período de aulas que consideraremos, apesar de outros terem chegado

inclusive a cursar no segundo semestre de 1978. Três defenderam suas dissertações em

1978 e os demais, em 1979 (lembrando, não consideramos em nossa tese os que

defenderam dissertações depois de 1980). Nos catálogos em que nos referenciamos, são

as dissertações de número 33-34, 38-43, 46-51, e 53-55.

Novidade em relação às turmas anteriores é que o número de homens, 10,

ultrapassa o de mulheres, 7. A média de idade no momento da entrada no curso é de 30

anos. A pessoa mais velha tinha 43 anos quando ingressou no curso. A mais nova, 23.

Pela primeira vez, o curso será concluído por pessoas formadas fora do estado

do Rio: duas foram graduadas pela UFG, uma pela UFPA, uma pela UFSE. A UFRJ (ou

UB)767 e a UFF são as que mais geraram alunos, 5 cada. UEG, PUC/RJ e Faculdade de

Filosofia de Campo Grande deram um aluno cada para o mestrado. O local principal de

residência dos mestrandos é a cidade do Rio de Janeiro, em bairros de diversos pontos.

Cinco se inscreveram como residentes em Niterói, uma em Barra do Piraí (RJ) e outra

em Sergipe.

Dos 17, 8 são professores do ensino superior, proporção semelhante à da turma

anterior: Geraldo Coelho na UFPA, Ledonias Franco na UFG, Lenalda Santos na UFSE,

Célia Muniz na Faculdade de Filosofia de Barra do Piraí, Eduardo da Silva na

Faculdade de Filosofia Santa Dorotéia de Nova Friburgo, Maria Toribio na Associação


767
ANPUH. “Nota biográfica – José Luiz Werneck da Silva - 1932-1995”
www.rj.anpuh.org/download/download?ID_DOWNLOAD=580. Sem autoria. Acessado em janeiro de
2017
263

Universitária Santa Úrsula, Daniel Sadler na Sociedade Universitária Augusto Motta, na

Sociedade Universitária Madeira de Lei e na Organização Brasileira de Cultura e

Educação. Não temos certeza onde José Luiz Werneck da Silva atuava quando ingressou

no mestrado, mas o professor teve passagem pela UFRJ e pela PUC/RJ.

Há poucos registros de publicações dos mestrandos na “Ficha Cadastral”:

Ledonias aparece como o autor do “Caderno número 15 do MEC”, de 1973. Não

sabemos do que se trata. Toribio foi autora do verbete “Oceania” na Enciclopédia

Mirador, de 1974, e também de “População negra do Gurui”. Sadler escreveu um artigo

na Revista Pesquisa chamado “Ghandi, o Mahtma”; e um fascículo da Editora Bloch

chamado “ A transmigração da família real para o Brasil”. Na ficha de Zenaide Leite

está que produziu “artigo publicado no Jornal da Light.”

4.2. Docentes, disciplinas e orientações

Foram 39 as disciplinas oferecidas entre o segundo semestre de 1975 e o

primeiro de 1977. Treze se dedicam à História do Brasil, 10 se dedicam à História da

América e outras 3 combinam os dois recortes geográficos. As disciplinas de

Historiografia, que tem formalmente esse nome, foram 4. Outras agrupamos como

Teoria e Metodologia e são 8. Por fim, há uma de Geografia.

Tabela 13: Quantitativo de disciplinas oferecidas


no período 2/1975-1/1977
História do Brasil 13
História da América 10
Teoria e Metodologia 8
Historiografia 4
História da América e do Brasil 3
Geografia 1
Total 39
264

Novamente, por falta de informações completas, é difícil indicar com precisão os

recortes temáticos (“política”, “economia” e “cultura”) e cronológicos promovidos nas

disciplinas que tem a história como foco. Entretanto, seguramente, “política” é o eixo

mais trabalhado em 9 disciplinas, considerando aquelas em que foi possível definir.

“Economia” não vem muito atrás (7). Assim como para as turmas anteriores, não temos

registro de docentes trabalhando temas de cultura na história. Para o recorte

cronológico, o século XIX (14) tem o dobro de referências do século XX (7), sendo em

alguns casos ambos os períodos abordados no mesmo curso. Em menor número, temos

atenção ao século XVIII e ao período chamado “colonial”.

Em História do Brasil, o principal professor foi Victor Valla (5 disciplinas). A

julgar pela ementa e bibliografia, em dois cursos o conteúdo também era de questões de

teoria e método. Arthur Cézar Ferreira Reis (4) se dedicou à Amazônia e a questões

diplomáticas. Ismênia Martins trabalhou 2 cursos de economia da Primeira República,

um deles focado em “esforços industrializantes”. Ronny Seckinger também deu 2

disciplinas, uma como foco no primeiro, a outra no segundo reinado. Note-se com isso

que as principais referências numericamente em História do Brasil mudam muito de

turma para turma ao longo da década: primeiro, Graham e Hilton; depois, Ismênia

Martins; agora, Valla e Reis.

Em História da América, o canadense Francis Morton trabalhou com 4

disciplinas que perpassavam os temas da independência, do liberalismo e da

industrialização. O peruano Carlos Daniel Valcarcel Esparza trabalhou, em 3, com o

período bourbônico e independência, enfatizando a história do Perú. Roy Glasgow falou

sobre o período colonial e sobre o século XIX em duas oportunidades. Pedro Freire

Ribeiro deu um curso do período que compreende como o de “regimes oligárquicos” até
265

o da “ascensão das classes médias”. Na turma anterior, este professor era o que mais

tinha ensinado América. Na primeira turma, havia sido superado por Reis e nesta

terceira, por Morton. Assim como para História do Brasil, as três turmas têm

experiências distintas de formação em América, uma vez que se alternam as principais

referências docentes ao longo dos anos.

Richard Graham voltou ao curso para comparar os EUA e o Brasil exportadores

e escravocratas no século XIX. Outras duas disciplinas que trabalharam o Brasil junto

com outros países da América foram as que Francis Morton ministrou sobre

industrialização.

Como “teoria e metodologia”, reunimos algumas disciplinas. O antropólogo

Luiz de Castro Faria reservou um período para trabalhar Pierre Bourdieu. Em outro

semestre, além do sociólogo francês, figuraram também Michel Foucault e Karl

Manheim. Salma Muchail em “Metodologia” propôs reflexões entre Filosofia e

História. Em outro curso, o centro era o “método arqueológico” e em sua bibliografia

constavam Foucault, Ricouer e Merleau-Ponty. Pedro Demo investiu em Filosofia da

Ciência. Victor Valla, entre disciplinas mais propriamente instrumentais e outras em que

este conteúdo era repartido com o de Brasil, trouxe Louis Althusser, Lucien Goldman,

Fernand Braudel, Patrick Gardiner (com um livro sobre teorias da história), Max Weber,

Edward Carr, entre outros. Assumindo as disciplinas de “Historiografia”, novamente

José Honório Rodrigues aparece com bibliografia sobre historiografia italiana, inglesa e

brasileira, principalmente regional.


266

Tabela 14 Quantitativo de disciplinas


oferecidas por docentes no período 2/1975-
1/1977
Victor Valla 6
Francis Morton 6
José Honório Rodrigues 4
Arthur Cézar Ferreira Reis 4
Luiz Castro Faria 3
Carlos Daniel Esparza 3
Salma Muchail 3
Ismênia de Lima Martins 2
Roy Glasgow 2
Ronny Seckinger 2
Pedro Freire Ribeiro 1
Pedro Demo 1
Richard Graham 1
Nilo Bernardes 1
Total 39

Para os orientadores desse grupo, temos o seguinte quadro

Tabela 15 Quantitativo de orientações por


orientador da terceira turma
Arthur Cézar Ferreira Reis 9
Victor Valla 5
Francis Morton 2
Francisco Falcon 1
Total 17

Destacaremos 4 professores aqui: Arthur Cézar Ferreira Reis, José Honório

Rodrigues, Victor Valla e Francis Morton.

Como se vê pelas tabelas acima, Arthur Cézar Ferreira Reis novamente é um dos

docentes mais expressivos do curso. Até 1979, ele orientou 16 dissertações, sendo o

principal profissional nessa função, apesar de o número de disciplinas ministradas não


267

ser tão destacado. Nascido no Amazonas em 1906, Artur Cézar atuou como jornalista no

Jornal do Comércio amazonense, que era propriedade de sua família, e foi professor de

História em Manaus. Parte de sua formação se deu no Rio de Janeiro, onde inclusive

teve Capistrano de Abreu como preceptor. Quando dos eventos de 1930, participou da

junta governativa revolucionária no seu estado. Em 1935, se tornou sócio do Instituto

Histórico-Geográfico Brasileiro. Nos anos 1940 e 1950, teve vários cargos estatais: no

governo de Eurico Dutra, assumiu a chefia da Divisão de Expansão Econômica do

Departamento Nacional de Indústria e Comércio do Ministério do Trabalho. Em 1948,

foi diretor-geral do Departamento Estadual do Trabalho de São Paulo no governo de

Ademar de Barros e desse ano a 1949 integrou a Comissão de Mão-de-obra da

Comissão Mista Brasileiro-Americana de Estudos Econômicos. Secretariou ainda a

comissão técnica que, por determinação do presidente Getúlio Vargas, estudou em 1951

os programas de trabalho a serem executados na Amazônia. Em 1953, assumiu a

presidência da Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia

(SPVEA). Em 1956, tornou-se diretor do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia,

cargo que desempenhou até junho de 1958. Em 1961 dirigiu o Departamento de História

e Divulgação do estado da Guanabara, no governo de Carlos Lacerda (1960-1965). Foi

diretor-geral do Departamento Nacional da Indústria em 1963 e delegado do Brasil à

Conferência de Comércio e Desenvolvimento da ONU, realizada em Genebra, na Suíça,

em 1964. Nesse mesmo ano, foi indicado pelo ditador Humberto Castelo Branco - e

referendado pela Assembleia Legislativa - ao governo do Amazonas, cargo que ocupou

até janeiro de 1967. De acordo com nossas referências, sua gestão foi marcada por

críticas a empreendimentos estrangeiros na região. Presidiu a Câmara de Ciências

Humanas do Conselho Federal de Cultura entre 1967 e 1968. Além de lecionar no


268

mestrado em História da UFF, trabalhou também na PUC e na Fundação Getúlio Vargas,

ambas no Rio de Janeiro. Faleceu em 1993768.

A produção bibliográfica de Reis foi enorme e privilegia questões políticas da

região amazônica: História do Amazonas (1931), A explosão cívica de 1832 (1932),

Manaus e outras vilas (1934), O ensino da história do Amazonas na escola primária

(1934), A questão do Acre (1937), A política de Portugal no vale amazônico (1939),

Lobo D’Almada, um estadista colonial (1940), Paulistas na Amazônia e outros ensaios

(1941), Síntese da história do Pará (1942), A conquista espiritual da Amazônia (1942),

O processo histórico da economia amazonense (1942), História de Óbidos (1945),

Limites e demarcações na Amazônia brasileira (1947), Estadistas portugueses na

Amazônia (1948), História da imigração e colonização do continente americano (1948),

Território do Amapá, perfil histórico (1948), Monte Alegre, aspectos de sua formação

(1950), O seringal e o seringueiro, tentativa de interpretação (1953), A Amazônia que os

portugueses revelaram (1957), Guia histórico dos municípios do Pará (1958), A

expansão portuguesa na Amazônia nos séculos XVII e XVIII (1959), A Amazônia e a

cobiça internacional (1960), Súmula de história do Amazonas (1965), Rotina e dinâmica

na vida brasileira (1965), A autonomia do Amazonas (1965), Tempo e vida na Amazônia

(1965), A Amazônia e a independência do Brasil (1966), Épocas e visões regionais do

Brasil (1966), A Amazônia e a integridade do Brasil (1966), Aspectos da experiência

portuguesa na Amazônia (1966), Como governei o Amazonas (1967), Amazônia e o

mundo atual (1967), O impacto amazônico na civilização brasileira (1972) e O ensino

da história do Brasil769. É interessante que Reis tenha sido o segundo autor que mais
768
LOBATO, Sidnei. “Estado, nação e região na obra de Arthur Cézar Ferreira Reis”. IN: Diálogos,
DHI/PPH/UEM, v. 13, n. 3, p. 625-642, 2009. “Reis, Artur César Ferreira.” IN: ABREU, Alzira de Alves
(coord.). Dicionário Histórico-Biográfico Brasil. http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-
biografico/reis-artur-cesar-ferreira (acessado em fevereiro de 2018). A considerar todas as referências, o
Dicionário citado grafou errado os primeiros nomes de Ferreira Reis.
769
Sidnei Lobato. “Estado, nação...”.
269

contribuiu com a História Geral da Civilização Brasileira, importante empreendimento

historiográfico brasileiro, nos volumes dedicados ao momento colonial e imperial,

produzidos entre 1960 e 1972. Apenas Sérgio Buarque de Holanda, organizador da

coleção, escreveu mais artigos770.

Segundo o pesquisador Sidnei da Silva Lobato, a obra de Reis tem uma primeira

fase que valorizou muito a pesquisa documental, principalmente realizada no Arquivo

do Pará, e uma segunda fase em que não se registra conhecimento empírico novo. Ainda

segundo Lobato, o trabalho de Reis chama a atenção para a importância de uma ação

estatal desenvolvimentista para a região amazônica, está em consonância com o

pensamento nacionalista autoritário e percebe a nação brasileira como um ente carente

da ação civilizadora do Estado. Sua obra é marcada pelo elogio da colonização

portuguesa na Amazônia onde, além dos êxitos do empreendimento estatal, houve

também uma “política de convivência harmônica” e “um equilíbrio magnífico de

grupos étnicos”, argumentos esses aplaudidos por Gilberto Freyre 771. De acordo com a

análise de Alexandre Pacheco, Arthur Reis considerou portugueses e luso-brasileiros

“...como verdadeiros heróis. Neste sentido, os fatos


relacionados a essas ações seriam apreendidos a partir da
observação deles como dados para uma investigação histórica
objetiva, que verificados e comprovados revelariam
ensinamentos patrióticos para a Nação brasileira, sobretudo em
relação à manutenção de nossa soberania sobre a Amazônia em
meio aos anos de 1960.” 772.

Sua obra estaria marcada também pela compreensão de que raça e meio
770
VENÂNCIO, Giselle; FURTADO, André Carlos. “Brasiliana & História Geral da Civilização
Brasileira: escrita da História, disputas editoriais e processos de especialização acadêmica (1956-1972)”
IN: Revista Tempo e Argumento, Florianópolis, v. 5, n.9, jan./jun. 2013. p. 05 - 23.
771
Lobato, 2009.
772
PACHECO, Alexandre. “A narrativa heroico-nacionalista de Arthur Reis na representação da defesa da
Amazônia pelos portugueses e luso-brasileiros em A Amazônia e a cobiça internacional - anos de 1960”
IN: História da historiografia. Ouro Preto, número 10, dezembro de 2012.
270

geográfico são elementos determinantes do desenvolvimento histórico.

Conforme mencionamos no primeiro capítulo, Falcon lembra Reis como alguém

que, tendo trânsito entre militares, atuava no sentido de proteger alguns perseguidos 773.

Como orientador, há relatos positivos774, mas há também aqueles que apontam que o

professor não cumpria um papel relevante no processo775.

José Honório Rodrigues foi um dos professores de maior atuação dentro do

curso na década de 1970. Apesar de ter orientado apenas duas dissertações até 1979,

ofertou dez disciplinas, sendo um dos três docentes que assim mais trabalharam. No

período que consideramos para a terceira turma (e para a segunda), sua presença não é

tão volumosa, mas justifica o olhar mais detido sobre esse historiador.

A bibliografia de Rodrigues é farta. Destaca-se sua preocupação de intensidade

pioneira ao tema da historiografia, além de teoria e metodologia. Formou-se em Direito,

e entre 1939 e 1944 trabalhou com Sérgio Buarque de Holanda no Instituto Nacional do

Livro e por essa época já publicava textos de História. Com bolsas da Fundação

Rockfeller ou do Conselho Britânico, aprendeu sobre o trabalho historiográfico,

arquivos e outras instituições dedicadas à História de diversas partes da Europa e dos

EUA. Atuando como Diretor de Obras Raras da Biblioteca Nacional entre 1946 e 1958,

acentuou seus estudos no acervo da instituição. De 1946 a 1956, foi professor do

Instituto Rio Branco, dando aulas de formação para o pessoal do Itamarati. Também
773
“Mas também gosto de citar o falecido professor Arthur Cézar Ferreira Reis, que sempre apostou em
mim embora soubesse que nossas idéias não se conjugavam. Mas foi um professor que sempre esteve a
disposição para intervir junto aos militares em favor de algumas pessoas, pois era muito respeitado. Eu e
o José Luís Werneck costumávamos dizer “Olha se nós escapamos foi sem dúvida graças ao Ferreira
Reis”. E foi ele também que me auxiliou em minha primeira viagem para Lisboa.. Eu me lembro que o
Ferreira Reis às vezes dava carona para mim e outras pessoas lá da PUC para o Centro, e no início de
dezembro de 68, uns dez dias antes do AI-5, ele disse “Olha, vocês tomem cuidado, vocês estão
cutucando a onça com vara curta, não sabem o que vem por aí, vocês se protejam porque eu não vou
poder salvar todo mundo não”. Uns dez dias depois não deu outra coisa: era o AI-5. Quando fizeram as
cassações de 69 o Ferreira Reis estava presente, e provavelmente, graças a ele os nomes de algumas
pessoas foram retirados.”
774
Entrevista de Ubiratan Rocha ao autor.
775
Entrevista de Almir El-Kareh ao autor. Entrevista de Francisco Falcon ao autor.
271

trabalhou no arquivo do Ministério das Relações Exteriores. Entre 1958 e 1964, foi

diretor do Arquivo Nacional, impulsionando o conhecimento sobre arquivística no

Brasil. Como docente, esteve na Escola Superior de Guerra, na UFRJ, na UnB, na

Faculdade de Ciências Econômicas do Estado da Guanabara, na Universidade do Texas

e na Universidade de Columbia. Foi membro de várias instituições científicas brasileiras

e estrangeiras. Faleceu em 1987.

Desde cedo, Rodrigues tinha a intenção de renovar a historiografia brasileira,

que para ele era regida fortemente pelo amadorismo, pelo autodidatismo e por um

“tradicionalismo nostálgico e estéril”, o que não contribuiria para o bom

desenvolvimento do país. As cátedras dos cursos de História estariam marcadas por esse

tipo de atraso. Um avanço do fazer historiográfico seria a pesquisa documental bem

fundamentada metodologicamente, marcada pela crítica rigorosa às fontes, e a principal

referência de Rodrigues é a “escola alemã” do século XIX. A discussão sobre teorias,

métodos, filosofias da história e “história da história” eram para esse historiador, desde

os anos 1940, domínios fundamentais a serem desenvolvidos na área, assim como a

descoberta de fatos e fontes inéditos776.

Para citar uma de suas obras do período em que atuou em Niterói, temos

“Independência: revolução e contra-revolução.” Foi editado em 1976 em 5 volumes

perfazendo quase 1500 páginas em que, com um trabalho empírico extenso e abordando

diferentes assuntos, se critica o caráter conservador do processo brasileiro, quando se

teria perdido a oportunidade de fundar o país sob bases populares e liberais. Segundo o

historiador Francisco Iglésias, de forma geral, a obra de José Honório Rodrigues

apontaria, na história brasileira, para a crítica ao conservadorismo, à conciliação entre

776
FREIXO, André de Lemos. “Um ‘arquiteto’ da historiografia brasileira: história e historiadores em
José Honório Rodrigues” IN: Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 31, nº 62, p. 143-172 - 2011
272

elites que exclui o povo, à falta de representatividade e ao caráter “cruento”. De teor

nacionalista e atento aos interesses estrangeiros no país, Rodrigues também tinha a ideia

de uma “história combatente” - título de um de seus trabalhos. Criticava o factualismo,

muito embora seu trabalho empírico de arquivo fosse volumoso777.

O terceiro professor que destacamos é Victor Vincent Valla, que começou a

trabalhar no curso de mestrado em História da UFF em 1975 e logo assumiu uma

posição importante: foi um dos professores que mais lecionou na década de 1970, e

também compareceu com um importante número de orientações. Norte-americano

nascido em 1937 em uma família fortemente religiosa, chegou ao Brasil em 1964 para

trabalho missionário e logo esteve próximo do movimento clandestino católico de

resistência à ditadura. Fez seu mestrado em História na USP, concluído em 1969, com a

dissertação “Os Estados Unidos e a influência estrangeira na economia brasileira: um

período de transição, 1904-1928”. Também em São Paulo, fez seu doutorado com a

tese “A penetração norte-americana na economia brasileira, 1898-1928”, defendida

em 1972 sob a orientação de Nícea Villela Luz. Depois de uma temporada na Bahia

fazendo trabalho político de base junto à igreja, passou a ser professor na UFF e

também em favelas do Rio. Nesse momento, esteve articulado com a Ação Popular,

organização da esquerda católica. Na década de 1980, além de seu trabalho na História

da UFF, foi docente no Departamento de Ciências Sociais da Escola Nacional de Saúde

Pública (ENSP) e, mais tarde, seria um dos criadores do Centro de Estudos da

População da Leopoldina (CEPEL), que atuava no bairro carioca da Penha para

assessorar a população na luta por direitos. Valla teve uma grande contribuição teórica e

prática no campo da educação popular e da saúde pública, área na qual é mais

777
IGLÉSIAS, Francisco. “José Honório Rodrigues e a historiografia brasileira” IN: Estudos Históricos.
Rio de Janeiro, n. I, 1988 p. 55-78.
273

reconhecido778. Essa trajetória de Valla, distinta da maioria dos intelectuais estrangeiros

que chegaram aqui nos anos 1960 e 1970, fez com que alguns não o considerassem um

“brasilianista” como os outros779.

Na década de 1970, Valla teve uma produção variada de artigos publicados em

espaços acadêmicos da História e da Educação: “Desenvolvimento, tecnologia e

História”; “ Os Estados Unidos e a influência estrangeira na economia brasileira: um

período de transição (1904-1928)”; “Fatores relacionados com a distribuição fundiária

na região cacaueira da Bahia”; “Subsídios para uma melhor compreensão da entrada do

Brasil na Primeira Guerra Mundial”; “Educação extra-escolar no Brasil: revisão de

conceitos básicos”; “Educação não-formal: novidade do século XX? O fenômeno visto

de uma abordagem histórica”; “A evolução da política e do planejamento científico e

tecnológico brasileiro”. “Questionando a sociedade brasileira através da ciência e da

tecnologia”; “Reconstrução história da educação popular no Brasil”. Para um maior

conhecimento intelectual de Valla, nos valemos da publicação de sua tese de doutorado,

“A penetração norte-americana na economia brasileira, 1898-1928. Sempre de acordo

ou nobre emulação?”780, que saiu em 1978 em coleção editorial coordenada por José

Luiz Werneck da Silva, naquele momento orientando de Valla no curso de mestrado da

UFF.

Para Werneck da Silva, que prefaciou o livro, trata-se de um divisor de águas na

historiografia das relações internacionais entre Brasil e EUA, em que predominavam

dois tipos de abordagem: uma tendo como base a diplomacia e envolvendo contatos e

negociações para a defesa de interesses nacionais e uma outra em que as ideais de


778
GARCIA, Regina Leite (org.). Victor Vincent Valla: companheiro de lutas, de ideias, de vida. Recife:
Gráfica J. Luiz Vasconcelos Editora, 2009.
779
Entrevista de Francisco Falcon ao autor. SILVA, José Luiz Werneck. “Prefácio” In: VALLA, Victor
Vincent. A penetração norte-americana na economia brasileira 1898-1928. Sempre de acordo ou nobre
emulação?. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1978.
780
Valla, op. cit..
274

cooperação e amizade eram centrais. Uma preocupação básica do texto de Valla seriam

os mecanismos de subordinação das áreas de economias periféricas às áreas de

economias “cêntricas”. Ainda segundo Silva, Valla mobiliza dados e fontes sem ser

“neo-positivista”.

Valla compreende com base em Edward Carr e José Honório Rodrigues que o

passado só é inteligível a partir do presente, havendo relação entre os dois momentos na

construção do conhecimento histórico. Consoante com a ideia de que o que deve mover

o cientista social são problemas de sua sociedade, a escolha do tópico de estudo se daria

pela influência preponderante dos EUA na vida brasileira no momento então atual. Seu

livro leva em conta principalmente as atividades comerciais, movidas inicialmente em

torno do café e da borracha. Para o autor, ainda que nos últimos anos do século XIX a

balança comercial entre os dois países favorecesse o Brasil, a maior força e as vantagens

a longo prazo estariam com os EUA que, na condição de principal mercado para o café

brasileiro, estabeleceram acordos para a venda de seus produtos manufaturados e,

posteriormente, de capitais. Na análise de Valla, a Primeira Guerra deu aos EUA uma

oportunidade de conquistar mais mercados sul-americanos e aumentar sua “penetração”

na região. Nesse quadro, o autor observa o Brasil como uma nação em situação de

dependência, com pouca margem de atuação política e econômica no cenário

internacional e impossibilitada de desenvolver suas indústrias. Comparada com a

posição de outros países do continente sul-americano, o Brasil estaria muito mais

integrado aos EUA a ponto de se formar, como diz o título de um de seus capítulos,

“Enfim, uma aliança com benefícios quase unilaterais” - acentuada quando os EUA

passaram a disponibilizar créditos a longo prazo como também forma de estreitamento

de sua influência. Sua pesquisa é de pouco investimento conceitual e operou com


275

diversidade de fontes e assuntos: dados comerciais – que vão desde movimentação de

navios a investimentos financeiros -, políticas de taxações, declarações de políticos de

diversas esferas, ações e incidentes diplomáticos, análises de periódicos, entre outros. A

publicação recheada de tabelas e charges da época, demonstra um grande

aprofundamento do trabalho empírico, com referências dos dois hemisférios.

Por fim, tratemos do professor Francis Morton, que na década de setenta foi

orientador de três dissertações no programa, além de, como vimos, ter sido o maior

responsável por disciplinas sobre História da América nessa terceira turma. Morton

serviu na embaixada canadense no Rio de Janeiro de 1965 a 1968. No período seguinte,

doutorou-se em Oxford com uma tese chamada “The conservative revolution of

independence: economy, society and politics in Bahia, 1790-1840”. Ensinou na

Universidade de Calgary (Canadá) e retornou ao Brasil para atuar como executivo de

uma grande corporação canadense, a Brascan Limited. Possivelmente, foi em paralelo a

essa atividade que Morton se dedicou ao programa de pós-graduação que estudamos.

Em sua biografia, também destacamos que foi presidente da Câmara de Comércio

Brasil-Canadá e professor de História do Brasil na Universidade de Toronto 781. Em

artigo publicado em 1975 no Journal of Latin American Studies, “The military and

society in Bahia, 1800-1821”782, temos uma parte daquilo que foi seu objeto no

doutorado. Morton faz um levantamento de informações que demonstram diferença

entre a “tropa paga” que trabalhava integralmente e as “ordenanças” que trabalhavam

meio período; o contingente; o salário; as origens econômicas, regionais e étnicas dos

781
Há informações biográficas em MORTON, Francis William Orde. “Brazil's emergence on the world
stage” IN: International Journal.Vol. 37, No. 1, Latin America (Winter, 1981/1982). E também no site da
loja Amazon, em página de divulgação de livro sobre o Rio de Janeiro lançado em 2015:
https://www.amazon.com/Orde-Morton/e/B00VRXC2QY/ref=sr_ntt_srch_lnk_2?
qid=1537140210&sr=1-2
782
MORTON, Francis William Orde. “The military and society in Bahia, 1800-1821” IN: Jorunal of
Latin American Studies. Vol. 7, N.2 (Nov. 1975)
276

militares; suas chances de promoção; a lógica de petição à Coroa para promoções; as

condições de trabalho; e as numerosas deserções. Morton destaca que no escalão mais

baixo, ao contrário do que acontecia na camada superior da instituição, os militares

eram predominantemente pobres, negros e baianos. Enquanto o recrutamento forçado

poupava ricos e brancos na parte inferior da hierarquia, os oficiais eram nascidos em

Portugal, motivo de sua lealdade à Coroa. O estudo, de amplo mergulho empírico sobre

a forma da instituição militar, faz menção a levantes de militares de baixa patente e à

influência dos proprietários de terra sobre a corporação, o que teria sido decisivo no

momento da ruptura política acontecida a partir de 1822. A divisão de poder na

instituição militar entre a Coroa portuguesa e as elites locais é algo sublinhado pelo

autor, que também se interessa pelo fato de o formato do exército constituído na colônia

ser de tipo europeu.

Pouco depois de ter atuado no curso de História da UFF, Morton publicou um

artigo de análise sobre a política externa brasileira, contendo alusões à história do

país783. Para o autor, houve uma emergência do Brasil no cenário internacional na

década de 1970, depois de ter tido no pós-guerra o mais rápido crescimento entre os

países em desenvolvimento. Morton traça um panorama de relações comerciais

internacionais do país, afirmando que há uma diversificação dos parceiros: muito

embora o alinhamento principal seja com os EUA (o que teria sido reforçado no pós-

1964), os contatos com o exterior (Canadá, países da África, do Oriente Médio, etc.)

estariam se expandindo. O artigo também se dedica à relação que o Brasil tem com os

EUA em diversas matérias (questões nucleares, direitos humanos, etc.). Com algumas

caracterizações sobre o regime militar (explica sua doutrina de segurança nacional, a

contestação que a classe média tem à falta de democracia, a dependência que a


783
MORTON, F. “Brazil's emergence...”
277

economia tem de petróleo importado, etc.), o artigo é uma espécie de introdução para

atores de relações internacionais. Mencionemos por fim artigo de Morton com co-

autoria de Ron Seckinger (que também foi docente do mestrado da UFF) sobre

bibliotecas no Grande Rio. Depois de um texto em que destacam a falta e má formação

de pessoal e recursos materiais, os autores se dedicam a breves descrições sobre uma

série de bibliotecas, públicas e privadas. Sobre a biblioteca do Instituto de Ciências

Humanas e Filosofia da UFF, informa que possui 17 mil volumes, e que seria uma

coleção fraca apesar de a instituição estar comprando livros num ritmo rápido784.

4.3 Dissertações

Quadro 6. Dissertações da terceira turma


33M TORIBIO, Maria Teresa. O café no contexto econômico da Colômbia e a
atuação da Federação Nacional dos Cafeicultores (1927-1962). Dissertação de
mestrado em História. UFF, 1978. Orientada por Francis Morton.
34M GARCIA, Ledonias. Sociedade e educação na Bolívia Liberal (1899-1920).
Dissertação de Mestrado em História. UFF, 1978. Orientada por Francis Morton.
38M COELHO, Geraldo Martins. Ação e reação na província do Pará: o conflito
político-social de 1823. Dissertação de Mestrado em História. UFF, 1978.
Orientada por Arthur Cézar Ferreira Reis.
39M MACIEL, Dulce. Congresso do Panamá de 1826. Dissertação de Mestrado em
História. UFF, 1979. Orientada por Arthur Cézar Ferreira Reis
40M CARDOSO, Zenaide. Política econômica de Juan M. De Rosas. Dissertação de
mestrado em História. UFF, 1979. Orientada por Arthur Cézar Ferreira Reis.
41M CALIXTO, Valdir de Oliveira. O clero secular em Minas Gerais (1745-1792).
Sua participação na Conjuração de 1789. Dissertação de Mestrado em História.
UFF, 1979. Orientada por Arthur Cézar Ferreira Reis.
42M SILVA, Eduardo da. O cancro roedor do Império do Brasil. Barões do café e
crise da estrutura escravista no Rio de Janeiro. Um estudo de caso: o ramo
Peixoto de Lacerda Werneck, 1850-1900. Dissertação de Mestrado. UFF, 1979.
Orientada por Victor Valla.
43M ROCHA, Ubiratan. A ALALC e a integração econômica da América Latina.
Dissertação de mestrado em História. UFF, 1979. Orientada por Arthur Cézar

784
MORTON, Francis William Orde & SECKINGER, Ron. “Social Science Libraries in Greater Rio de
Janeiro. IN: Latin American Research Review. Vol. 14, N. 3 (1979).
278

Ferreira Reis.
46M MUNIZ, Celia. Os donos da terra: um estudo sobre a estrutura fundiária no
Vale do Paraíba fluminense (século XIX). Dissertação de mestrado em História.
UFF, 1979. Orientada por Victor Vincent Valla.
47M El-JAICK, Sérgio. O pensamento político de Simón Bolívar. Dissertação de
mestrado em História. UFF, 1979. Orientada por Arthur Cézar Ferreira Reis.
48M PEÇANHA, Jorge. A abertura do Paraguai: raiz de uma guerra. Dissertação
de Mestrado em História. UFF, 1979. Orientada por Arthur Cézar Ferreira Reis.
49M PEDROSA, Ulianov. O problema indígena na Argentina na segunda metade do
século XIX. Dissertação de Mestrado em História. UFF, 1979. Orientada por
Arthur Cézar Ferreira Reis.
50M SADLER, Daniel Vieira. O pensamento de Sarmiento. Dissertação de Mestrado
em História. UFF, 1979. Orientada por Arthur Cézar Ferreira Reis.
51M SEREJO, Tereza Cirstina Leal de. Coronéis sem patente: a modernização
conservadora no sertão pernambucano. Dissertação de Mestrado em História.
UFF, 1979. Orientada por Francisco Falcon.
53M GOMES, Francisco José da Silva. O sistema de cristandade colonial. O reino
de Deus rebaixado a Colônia. Dissertação de mestrado em História. UFF, 1979.
Orientada por Victor Vincent Valla.
54M SANTOS, Lenalda Andrade. A oligarquia açucareira e a crise: Sergipe 1855-
1890. Dissertação de mestrado em História. UFF, 1979. Orientada por Victor
Vincent Valla.
55M SILVA, José Luiz Werneck da. Isto é o que me parece. A Sociedade Auxiliadora
da Indústria Nacional (1827-1904) na formação social brasileira: a conjuntura
de 1871 a 1877. Dissertação de mestrado em História. UFF, 1979. Orientada por
Victor Vincent Valla.785

4.3.1 Café (33m, 42m)

“O café no contexto econômico da Colômbia e a atuação da Federação

Nacional dos Cafeicultores (1927-1962)”786 (33m) é de autoria de Maria Teresa Toribio.

Entre as fontes primárias da autora estão boletins e periódicos da Federação Nacional

dos Cafeicultores da Colômbia; documentos do arquivo do Ministério das Relações

Exteriores do Brasil, sediado no Rio de Janeiro, que continha relatórios e recortes de

785
A primeira frase do título da dissertação não consta nos catálogos da UFF em que nos referenciamos.
786
TORIBIO, Maria Teresa. O café no contexto econômico da Colômbia e a atuação da Federação
Nacional dos Cafeicultores (1927-1962). Dissertação de mestrado em História. UFF, 1978. Orientada por
Francis Morton
279

jornal sobre a Colômbia; jornais e periódicos colombianos; e pesquisas da CEPAL e da

FAO. A autora contou com a colaboração de um ex-representante da Federação

Nacional dos Cafeicultores da Colômbia no Brasil que lhe disponibilizou documentos.

Há dois parágrafos dedicados à metodologia que nos informam as fontes utilizadas e

que “o método consistiu na análise e crítica da documentação consultada, obedecendo

o rigor histórico, a cronologia e a citação dos dados com precisão e exatidão...”787

O primeiro capítulo do seu estudo, baseado em fontes secundárias, é sobre

aspectos naturais e geográficos da Colômbia, como relevo, clima e hidrografia. Ressalta

aqui as áreas de altitude e o fato de o café colombiano ter duas colheitas anuais. O

segundo capítulo nos dá um panorama da história da Colômbia da época colonial até a

década de 1960. Aqui se ressalta que só o café conseguiu assegurar à Colômbia “o seu

lugar no contexto econômico mundial”, já que foram sem êxito as tentativas de ampliar

a exportação de tabaco, anil e quina. A autora expõe generalidades sobre a situação

colonial, o avanço do liberalismo no pós-independência, e sobre a política econômica

entre os anos 1920 e 1950. Escreve sobre a evolução das culturas de tabaco, anil e quina

que não deram à Colômbia peso no comércio internacional. E faz um panorama da

política econômica do país para o mesmo período com base principalmente em fonte

secundária, abordando temas como comércio externo e industrialização.

O terceiro capítulo tem dados sobre cultivo do café, as características naturais do

grão, a evolução das plantações nas diferentes regiões da Colômbia, a questão da

altitude para o plantio, a importância do sombreamento para a conservação dos solos, o

tratamento do grão pós-colheita etc.. Expõe também dados sobre comércio exterior para

atestar a importância do grão, fala de seus destinos, problemas que havia com o

transporte, diferenças nos preços ao longo do tempo. O capítulo ressalta que na


787
p. 8
280

Colômbia as propriedades agrícolas eram principalmente pequenas e médias, o que se

explica pelo fato de que sua principal atividade colonial fora a mineração. Nota-se

também que essas propriedades tinham uma tendência a se fragmentar ainda mais

principalmente por causa do aumento populacional (imigração), e que o Estado lutava

contra essa tendência porque ela atrapalhava a produtividade.

É o último capítulo que trata da Federação Nacional de Cafeicultores. Nele

menciona as mais diversas ações da entidade: a propaganda no exterior sobre o café

colombiano, textos em jornais que orientavam os produtores do país, iniciativas para

programas de financiamento para cafeicultores, criação de um banco cafeeiro, demanda

por leis sobre taxação, acordos internacionais sobre preços, importação de máquinas,

censos e pesquisas para melhorar a cultura. Trata-se de organização poderosa que era

alimentada pelo governo com os impostos colhidos pelo próprio Estado. A Federação

comprava o café colombiano e o revendia no exterior; classificava os tipos de café e

estipulava quais deveriam ser exportados, impedindo assim a venda de certos grãos. O

capítulo ainda expõe dados sobre sua organização interna (eleições, congressos,

comitês, etc.).

A autora entende a produção de café na Colômbia através da leitura de

dependência de Cardoso e Falleto. Essa problemática, entretanto, não é trabalhada

significativamente ao longo da dissertação, nem aquela, exposta no resumo, que

menciona uma aliança entre a burguesia agro-exportadora e as oligarquias locais. O

estudo de Toribio é basicamente a exposição de aspectos da produção de café e da

atuação da Federação.

Em uma perspectiva bem diferente, temos o trabalho de Eduardo da Silva, “O

cancro roedor do Império do Brasil. Barões do café e crise da estrutura escravista no


281

Rio de Janeiro. Um estudo de caso: o ramo Peixoto de Lacerda Werneck, 1850-1900” 788

(42m). Trata de barões em meio à crise da cafeicultura, da estrutura escravista e à

transição para novas formas de trabalho. É um estudo de caso sobre uma família,

Werneck, que para o autor é ilustrativa da influência de fazendeiros nas formulações

políticas, econômicas e sociais no Brasil do século XIX. A família Werneck foi uma das

principais proprietárias brasileiras, e sobre ela se dispõe de um dos maiores conjuntos de

documentos familiares no Arquivo Nacional. Abarcando três gerações, entre 1850 e

1900, Silva espera contribuir para que se faça generalizações a partir de casos concretos.

Como aponta, a preocupação principal que norteia sua pesquisa é a crise do escravismo

colonial e a transição para o capitalismo dependente em uma área de cafeicultura antiga.

O seu primeiro capítulo é teórico-metodológico: caracteriza a estrutura

escravista no Brasil e a problemática das classes sociais. Afirma a importância de pensar

teoricamente, uma vez que dados em si nada significam se não postos em contexto

teórico. Sobre escravismo colonial, apresente 2 vertentes. Uma é eurocêntrica e tem

alguns autores apontando o caráter feudal do passado brasileiro, enquanto outros

advogam que o momento colonial já é capitalista. Silva então critica esta segunda

tendência ao defender um conceito de capitalismo que não foque na circulação. Também

como um ramo dessa visão eurocêntrica estaria o etapismo de Sodré, que o faria

associar o escravismo brasileiro ao escravismo antigo, o que seria uma anomalia. Silva

ainda critica autores que entendem a escravidão como algo não central, “circunstancial”,

para a caracterização socioeconômica do Brasil. Aos que a entendem como mista

(feudal, escravista e capitalista) diz se tratar de “uma posição empiricista mal

788
SILVA, Eduardo da. “O cancro roedor do Império do Brasil. Barões do café e crise da estrutura
escravista no Rio de Janeiro. Um estudo de caso: o ramo Peixoto de Lacerda Werneck, 1850-1900”.
Dissertação de Mestrado. UFF, 1979. Orientada por Victor Valla.
282

assumida”789 Silva defende então uma perspectiva não eurocêntrica, ou seja, o

escravismo colonial como formação específica, tendo como base para sua reflexão

escritos de Ciro Cardoso. Ressalta se tratar de uma economia dependente, escravista,

inserida no mercado internacional capitalista. Perpassando suas características, aponta o

escravo ter sido reduzido à “coisa”, a independência não ter alterado a estrutura de

dominação; a divisão internacional do trabalho e a penetração inglesa.

Engajando-se na definição de classe social diz:

“categoria histórica, isto é, define-se no interior de


estruturas econômico-sociais concretas. O critério fundamental
para a constituição de uma classe social não é exatamente a
ocupação, rendimentos ou estilo de vida de um indivíduo em
particular, mas as diferentes posições de grandes grupos
humanos frente à propriedade dos meios de produção dentro de
um sistema historicamente definido.”790

Estruturalmente, as principais classes são senhores e escravos. Apenas os

senhores são “classe para si”. Os escravos, embrutecidos pela sua condição, “não

conseguem formular um plano próprio de transformação desta sociedade em termos

globais. Por isso, as “revoluções” se dão unicamente no âmbito da classe

dominante.”791 Discutindo o conceito de sociedade estamental, que enfatizaria tradição,

religião, raça, honra, etc., afirma que elementos socioculturais seriam importantes, mas

o fundamental seria perceber a propriedade dos meios de produção. Nesse capítulo, se

baseia principalmente em Ciro Cardoso, Fernando Henrique Cardoso, Celso Furtado e

Oswaldo Sunkel.

No segundo capítulo, traz dados biográficos da família para períodos bem

anteriores ao século XIX. Informa sobre a ocupação do Vale do Paraíba por pioneiros

789
p. 30
790
p. 59
791
p. 61
283

(sesmeiros e posseiro), a situação demográfica e tamanho de propriedades em

Vassouras, a endogenia dos casamentos da família e o processo de concentração de

terras. Além de fontes secundárias, Silva faz uso de memórias familiares e outros

documentos dispostos no conjunto da família no Arquivo Nacional. O capítulo três é

focado nas três personagens principais da família no período estudado. Em um texto

bastante fluido e embasado em fontes, com muitas citações, é construído o retrato dessa

poderosa família cafeicultora, em aspectos privados e públicos. Há a exposição de

manifestações políticas como o apoio e a crítica à monarquia; a fundação de

empreendimentos como a Sociedade Promotora da Civilização e Indústria da Vila de

Vassouras, que se dedicava, por exemplo, à construção de estradas; a atuação de um

deles como diretor da Companhia Estrada de Ferro Pedro II e cônsul. Temos o trabalho

desses membros da família como deputados, em que discutem na Câmara o fim da

escravidão e a necessidade de o Império se preparar para uma transição na mão-de-obra;

formulam planos sobre imigração, criação de núcleo colonial, reforma fiscal que incluía

diminuição de imposto sobre o café, etc.. Em artigos publicados em jornais, se verifica

que políticos eram apoiados pela família, e o que pensavam da situação econômica e

política de distintas regiões do país. Silva repara que a família vai assumindo “valores

capitalistas” (por exemplo, a valorização do comércio).

Vários outros elementos de suas vidas são explorados: empréstimos tomados a

comissários; lista de bens da família; formação educacional; doações realizadas;

apadrinhamento de pessoas (através, por exemplo, do financiamento de estudos, do

empréstimo de dinheiro, da intercessão para que credor desista de execução de dívida).

Sobre bens e diversos gastos ostentatórios da família (títulos de nobreza, palácios,

igrejas), comenta que não seriam “improdutivos” como dizem alguns autores, mas,
284

tendo a ver com “representação”, essenciais para a manutenção da classe social. As

fontes primárias, largamente exploradas nesse capítulo, são correspondências, escritos

de jornais e anais do legislativo.

Em capítulo dedicado a “manifestações da crise” da lavoura, o autor explora a

produção intelectual da família Werneck, além de sua correspondência. Somos

informados das características das diferentes fazendas desses barões, suas colheitas e

bens possuídos. Como elementos da crise, temos as considerações dos barões sobre o

esgotamento do solo, dada a utilização de técnicas primitivas; o alto preço de escravos

que representavam a parte mais importante dos investimentos totais da cafeicultura; a

questão das fugas, doenças e mortes (sobre isso, por exemplo, Silva expõe

correspondência entre o cafeicultor e comissário, onde aquele anseia para que logo

chegue encomenda de cobertores para aplacar o frio que os escravos sentiam, o que

poderia comprometer sua saúde, logo, sua capacidade de trabalho). O capítulo mostra

contatos dos escravocratas para trazer cativos que haviam fugido e que se encontravam

presos; ordens para castigá-los; expressões de temor da violência reativa dos escravos;

estratégia de usar a religião (ouvir missa, confessar-se) para disciplina, fazendo-o ter

amor ao trabalho e à obediência; reflexões sobre permissão ao escravo de ter uma

margem de economia própria e esquema de premiação. Entre as opiniões da família

Werneck, está também a de que nem sempre o escravo é inimigo do senhor, que não se

deve tratá-lo nem com muita frouxidão, nem com severidade excessiva. A carestia nas

fazendas também ocupou muitos escritos dos barões, entre a expectativa de se ter tudo

na propriedade para uma alimentação “esplêndida” e a realidade de não consegui-lo (a

que um deles atribui a mudanças meteorológicas, e contra a qual recorre a comissários

para compras). Pragas e dívidas são outros dois assuntos que ocuparam bastante os
285

barões da família em seus escritos. Neste capitulo, chama a atenção que Silva formula

novamente a ideia de que escravo é “coisa”, embrutecido pela violência que sofre, pelo

tratamento que dispensa a animais na produção, e pela violência com que reage.

No capítulo 5, em procedimento idêntico ao realizado no anterior, Silva analisa a

posição da classe dominante frente à escravatura, considerando as diferentes

conjunturas do recorte. Aproveitando novamente os largos registros escritos de três

gerações da família Werneck, o autor os combina com dados extraídos de outras fontes,

primárias e secundárias, de forma a compreender o processo econômico-social

brasileiro e, principalmente, o pensamento e a agência de cafeicultores escravocratas da

província do Rio de Janeiro. São explorados no capítulo a flutuação de preços; o

processo de endividamento da oligarquia rural; a relação com os comissários a quem

escravos eram dados como garantias; justificativas da existência da escravidão; a

dificuldade de atração de imigrantes (cuja melhor forma, de acordo com o pensamento

da oligarquia cafeicultora, seria a maior possibilidade de acesso à pequena propriedade,

o que, por outro lado, entrava em contradição com a finalidade de submetê-los ao

trabalho na grande lavoura). Entre a produção intelectual da família Werneck, está uma

discussão demográfica, onde se pretende “aumentar a raça escrava” através de mais

higiene e melhor nutrição. Observando ser a carestia de alimentos um problema para o

aumento demográfico, o cafeicultor Luiz Werneck aponta como causas, além de outras,

o monopólio da terra e a hipertrofia do setor exportador da economia. Uma vez que isso

significaria ataque ao direito de propriedade, a colonização seria solução. Nesse

momento, ressalta Silva, os cafeicultores brasileiros não pensam a colonização como

substituta da escravidão, mas como uma garantidora: ela produziria alimentos que

barateariam a reprodução escrava e estimulariam o aumento de sua população. Para


286

Silva, esse é um momento em que

“A classe dominante no Brasil, senhores de escravos,


começa a enfrentar, pela primeira vez, o problema de uma mão-
de-obra que, exatamente por ser livre de “ir e vir” só atenderia
às exigências do latifúndio, em algumas regiões, quando
igualmente “livre” de qualquer propriedade”792

Outro ponto importante, diz Silva, é que, à medida em que se aprofunda a crise

da cafeicultura escravista, a oligarquia abandona a justificativa de que o sistema era um

bem para o africano e passa a considerá-lo um mal inegável, mas que deve ser mantido

evitando-se interferência no direito de propriedade e evitando riscos de catástrofes

sociais. As discussões sobre mão de obra nesse contexto de crise do escravismo passam

ainda sobre que povo deveria vir ao Brasil. André Werneck se põe contra a imigração

chinesa, por preconceitos em relação a esse povo e clama a necessidade de propaganda

na Europa para atrair germânicos. Vivendo no final do século XIX, André Werneck

associa manumissões à desorganização agrícola e critica o abolicionismo como gritaria

demagógica. Também,

“...André, nos artigos que escreve sobre a questão,


condenava tanto os abolicionistas quanto os fazendeiros
escravocratas mais empedernidos, manifestando, entretanto,
uma indisfarçada simpatia pelos últimos.”793

No pós-abolição, continuará pensando questões da mão de obra. Ao se queixar

da insubordinação na lavoura, defende a importância da educação para formação do

proletariado brasileiro. É enfático ao considerar que essa educação não deveria tratar de

leitura e escrita, mas dizer ao indivíduo quais seriam seus deveres.

Silva retoma questões de teoria e historiografia na sua conclusão. Haveria pouco

debate historiográfico, com posições pouco explicitadas. Ao caracterizar seu trabalho


792
p. 308
793
p. 324.
287

como um que se esforça por discussões conceituais e trabalho com fontes, afirma que

teoria sem empiria é ensaísmo, que pode ser brilhante, mas não está embasado na

realidade concreta. Por outro lado, a empiria sem teoria acumula fatos sem lhes revelar

o sentido profundo. Por fim, são mencionados mitos da historiografia (sem, entretanto,

que os autores responsáveis por eles sejam identificados): que a cafeicultura fluminense

estava em plena prosperidade até 1888, entrando em decadência apenas em função da

abolição; que a abolição foi uma outorga imperial ou de fazendeiros; que o fazendeiro

foi um ser isolado em seu latifúndio. A dissertação de Eduardo Silva explora um

conjunto grande de fontes: vários livros publicados por membros da família, artigos de

jornais e outros periódicos, relato de viagem, anais do legislativo e correspondências.

4.3.2 Economia nacional (40m)

Zenaide Leite Cardoso concluiu sua dissertação Política econômica de Juan M.

De Rosas em 1979, sob a orientação de Arthur Cézar Ferreira Reis. 794 Declara que seu

objetivo é expor uma visão da economia com comércio, indústria, agricultura e

pecuária. “Dissemos uma “visão porque vinte anos de governo é um período extenso e

para uma análise de maior profundidade precisaria de mais tempo para pesquisa.” 795

Podemos acrescentar que elementos da política de Rosas (por exemplo, a questão da

relação do governo central com as províncias) também tomam relevo nesse curto

trabalho. A autora se valeu de uma compilação de documentos argentinos encontrada na

Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Mas suas fontes principais são secundárias.

Avaliando essa bibliografia diz que “Difícil foi realizar tal tarefa, porque a maior parte

dos historiadores argentinos ou louvam, como Ernesto Quesada, ou detestam, como

794
CARDOSO, Zenaide. Política econômica de Juan M. De Rosas. Dissertação de mestrado em História.
UFF, 1979. Orientada por Arthur Cézar Ferreira Reis.
795
p. 1
288

Vicente Fidel lopes, a figura de Rosas. Daí a dificuldade para se separar o fato, a

verdade história, da paixão do historiador.”796

Nesse seu trabalho descritivo, Cardoso caracteriza a Argentina do primeiro

governo Rosas (1829-1832) como marcada por caudilhos, “verdadeiros senhores

feudais”. Rosas teria atuado dominando e reduzindo a caudilhagem local, reprimindo

partidos e condensando-os em Unitário e Federal. Em seu governo, Rosas adotava

medidas desses dois partidos: “Foi livre cambista até certo ponto, monopolista em

defesa da primazia portenha, fechou rios e interveio nas Províncias. Era a realização

de uma política unitária por um federalista.”797 Aqui também o presidente assumiu

poderes ditatoriais, governando como um tirano.

Sobre o segundo governo de Rosas (1835-1852), Cardoso dedica uma seção a

cada ramo da economia (comércio externo e contrabando, comércio interno, indústria e

artesanato, pecuária, agricultura e finanças). Para a autora, o centro da atenção de Rosas

era “quase exclusivamente” os criadores de gado com a indústria do pastoreio,

deixando em segundo plano o chacareiro e o industrial. Dessa forma, não se produz

significativa mudança na economia argentina, que conserva a criação de gado com

destaque, exporta carne, couros e chifres e depende de manufaturados. Com Rosas,

Buenos Aires se mantém intermediária entra o comércio externo e as províncias do

interior e do litoral. Seu governo, entretanto, é marcado por forte tensão entre a

presidência e a elite portenha798. O trabalho de Cardoso também procura enumerar os

fatores que contribuíram para a queda de Rosas, como a oposição de caudilhos e

campanhas de imprensa799.

796
p.1
797
p. 13
798
p. 73
799
p. 65-70.
289

4.3.3 Propriedade fundiária (46m)

O trabalho de Celia Maria Loureiro Muniz, “Os donos da terra: um estudo sobre

a estrutura fundiária no Vale do Paraíba fluminense (século XIX)”, entende que a

historiografia não considera com devida atenção a pequena propriedade, ignorando-a ou

limitando-se a citá-la800. Por ter identificado nas fontes cartoriais um grande número de

inventários e escrituras de compra e venda referentes à pequena propriedade, Muniz se

colocará em contraponto a essa tendência historiográfica uma vez que estudar apenas o

grande cafeeiro e o escravo seria “simplificar a realidade”. Esta dissertação segue o

exemplo de outros trabalhos que, dedicados ao Vale do Paraíba Paulista, valorizaram a

existência da pequena propriedade. Para a autora, uma das origens do erro é que

historiadores consideram em geral fazendas de café como grandes, sem a devida

atenção à real medida das terras. Em Vassouras, por exemplo, poucas fazendas teriam

grande extensão.

Questão que aparece ao longo do trabalho é também a crítica a autores que

enxergam no Brasil do século XIX um modo de produção feudal ou escravista e feudal.

Para Muniz, pensar assim significa “transpor uma realidade europeia”. Seria

necessário considerar as especificidades do modo-de-produção. Dessa forma, “As

demandas entre fazendeiros e posseiros serão estudadas não como luta de classes mas

como questões surgidas entre dois proprietários de terras que, como tal, possuíam

interesses comuns.”801.A autora reivindica o conceito de “modo de produção escravista

colonial”, tendo como base principalmente Ciro Cardoso. Entre os elementos que o

definem estão a escravidão e caráter dependente da economia. Também faz uso do

800
MUNIZ, Celia. “Os donos da terra: um estudo sobre a estrutura fundiária no Vale do Paraíba
fluminense (século XIX). Dissertação de mestrado em História. UFF, 1979. Orientada por victor vincent
Valla. p.1
801
p.7
290

conceito de “formação econômico-social”, para indicar que pode haver mais de um

modo de produção na sociedade. Destaca a importância de se pensar não apenas os

aspectos infraestruturais, mas também os superestruturais. Suas fontes primárias,

largamente exploradas ao longo do estudo, são registros cartoriais sobre propriedades de

Valença. Documentos legislativos também são analisados por Muniz. Seu recorte, 1801-

1860, se justifica por abarcar o intervalo entre a a formação da aldeia de Valença e o

momento de “apogeu” da região.

No seu primeiro capítulo, “Aspectos legais da ocupação do solo”, sublinha que

as leis brasileiras possuíam aspectos feudais por ter sua origem na metrópole. A autora

explora com minúcia as medidas usadas legalmente e as problemáticas medições, a

classificação legal dos bens e a contagem de árvores. Explora ainda a legislação sobre

doação de sesmarias desde a época colonial, mencionando casos de irregularidades

(sesmarias vendidas sem que se começasse a fazer plantações; fraudes em que pessoas

recebem mais de uma doação, etc,). A doação de sesmarias (formalmente extintas em

1822) foi uma das origens das propriedades no Brasil junto com a “posse “mansa e

pacífica””. A posse, como define Muniz, é o uso da terra sem um direito anterior que a

fundamente802. A autora se dedica a traçar um histórico das ocupações de posseiros e das

formas de legalização de posse - que, no início do XIX, é a principal forma de

ocupação do solo. Atenta nesse capítulo aos aspectos legais da questão, nos informa que

entre 1822 (ano em que se proíbem as sesmarias) e a Lei de Terras de 1850, a situação

jurídica é muito confusa. Dedicando-se a esta lei que é um marco na questão, aponta

que surgiu pela necessidade de se legitimar as posses e resolver o problema do

abastecimento. Muniz traz as discussões na Câmara sobre o projeto de Lei de Terras,

nos informando sobre as diferentes posições e os artigos. Entende que esta lei de 1850
802
p. 31
291

beneficiou o posseiro que tem bens para medi-las e registrá-las. Para Muniz, conquanto

a Lei de Terras tivesse dificuldade de aplicação no Brasil, no Vale do Paraíba ela se

validou na prática. “E poderíamos dizer que esta lei correspondeu às necessidades da

região do café (Minas, São Paulo e Rio de Janeiro), onde todas as terras já se achavam

ocupadas”803. Este capítulo se baseia de forma equilibrada entre referências primárias e

secundárias. O segundo capítulo do trabalho, chamado “Roça de mantimentos”, traça

um histórico do povoamento da região com abertura de estradas e instalação de roças.

Suas fontes aqui são principalmente relatos de viajantes, de onde extrai informações

sobre produção e comércio, principalmente, mas também a expulsão que grandes

proprietários promoviam contra pequenos posseiros.

O terceiro capítulo se dedica ao início das fazendas de café da região, que tem

origem com sesmarias. Muniz explora a questão da expulsão do índio, principalmente

através de fontes cartoriais sobre processos onde há discussão sobre sesmarias

pertencerem a índios e os reclamos por elas. Também observa nas fontes cartoriais de

Valença processos em que sesmeiros pediam a expulsão de posseiros. Muniz analisa

mais de perto três deles, em que posseiros contrataram advogados para se defender. Em

um desses processos, cujo desfecho não é conhecido, alegando má-fé dos posseiros em

se instalar na terra, o sesmeiro pretendia se apoderar de todos os seus bens (uma das

divergências do litígio era sobre quais bens tinham os posseiros) sem dar indenização.

Em um outro caso, os posseiros conseguem provar seus direitos e são transformados em

foreiros (o domínio continua com o sesmeiro, mas a posse é dos sitiantes), porque eles

provaram estar no local antes de iniciada medição ou cultura ali. Para a autora, quando

em 1850 foi promulgada a Lei de Terras todas as terras estavam ocupadas na região. Foi

então definida a propriedade de terra e aqueles que possuíam meios a registraram e


803
p.43
292

garantiram suas propriedades. “Inicia-se então uma época de coexistência entre a

grande e a pequena propriedade, onde a dominação do grande fazendeiro sobre o

pequeno proprietário é exercida de formas menos violentas.”804

O capítulo quatro é sobre a pequena propriedade observada nos registros

cartoriais. Analisa processos de compra que reuniram propriedades menores; a origem

de uma pequena propriedade como sesmaria; as formas de classificação dessa pequena

propriedade: situação, sítio ou sorte de terras; como eram habitações nos sítios, seus

móveis, ferramentas, plantações e animais; as possíveis formas de se beneficiar o café

nessa pequena propriedade; a dinâmica de comercialização dos produtos desses sítios

em cidades vizinhas. Dedica-se também a pensar a relação da pequena propriedade com

o grande fazendeiro, salientando que em 1850 estavam findos os litígios pelo domínio

de terra no Vale do Paraíba, com o posseiro tendo garantida sua pequena propriedade. A

relação entre fazendeiro e sitiante a partir de então seria “cordial”, marcada (essa

suposição é baseada no estudo de Maria Sylvia de Carvalho Franco para a região

paulista) por compadrio, no pedido de favores, de emprego e dinheiro. Muniz sublinha

casos de perda de propriedade por conta de dívida e, pondo de forma diferente do que

havia posto páginas atrás, observa assim que era grande o domínio que o grande

fazendeiro exercia sobre o sitiante805. Também com base em Maria Sylvia de Carvalho

Franco aponta que o grande proprietário, por conta do voto, “dependia” do pequeno.

No capítulo 5, “A fazenda de café” o objetivo é entender como a grande

propriedade de Valença se formou e se organizou para produzir. Aqui dá informações

sobre a doação de sesmarias na região e o problema da definição das propriedades, onde

se observa conflitos (Muniz aponta que entre dois grandes fazendeiros a situação era

804
p. 87
805
p. 119-22
293

resolvida de forma mais cordial que entre fazendeiro e posseiro). Explorando as fontes

cartoriais, a dissertação nos mostra processos de compra de sítios menores; cita vários

nomes de proprietários e características de suas terras (por exemplo, o número de pés

que havia ali ou as casas). Para Muniz, essas fazendas não poderiam ser muito grandes

porque seria difícil nesse caso controlar os escravos. Esse capítulo também estuda a

questão do crédito, onde nos informa sobre uma família, Teixeira Leite, que emprestava

em troca de hipoteca. Comenta a legislação sobre o tema que, antes de 1850, protegia o

devedor contra a perda de propriedade – dessa forma ela tinha fundo patrimonialista e

dificultava haver mais hipotecas. Demonstrando as discussões legislativas sobre o tema,

aponta que a partir de 1850 com a Lei de Terras e de 1864 com a Lei Hipotecária a

situação mudou promovendo maior articulação entre o modo de produção escravista

colonial com o modo de produção capitalista. Por fim, nos mostra que fazendeiros

tinham necessidade muito grande de crédito, ao mesmo tempo que seus bens se

desvalorizavam. A última temática trabalhada, sempre tendo como fonte principal o que

encontrou nos cartórios de Valença, é a da herança. Muniz informa que até 1835 a Lei

dos Morgados, de origem feudal, prescrevia que toda herança seria do primogênito. Em

1835, a Lei de Partilhas apontava a divisão entre vários herdeiros. Muniz, então, depois,

de perceber essa divisão da propriedade pela herança, com base em Lucilla Hermann,

aponta que isso fragiliza a situação dos pequenos e aumenta a pressão dos grandes obre

eles. Mostra também que alguns cafeicultores formaram companhias para administrar o

patrimônio herdado e mantê-lo indiviso.

4.3.4. Comércio internacional (43m)

Ubiratan Rocha escreveu “A ALALC e a integração econômica da América


294

Latina”(43m)806. Seu primeiro empreendimento é caracterizar a dinâmica capitalista do

pós-guerra, onde se observa uma queda da participação de países da América Latina nas

trocas internacionais, que ao mesmo tempo passam a ser maiores recebedores de

empréstimos. Essa questão é trabalhada no primeiro capítulo onde, através de fontes

secundárias, Rocha dá atenção principalmente a organismos internacionais como a

ONU, o FMI, a OEA e a CEPAL. Ela também é tema do capítulo 3 que, também

fundamentado em fontes secundárias, nos traz dados sobre o comércio exterior latino-

americano. A Associação Latino-Americana de Livre-Comércio estudada pelo autor

responde ao quadro do período recortado, tendo como culminância o Tratado de

Montevidéu, que prevê a formação de uma zona de livre comércio que pudesse formar

um contraponto à situação então experimentada de forma a estimular a industrialização

através do processo de substituição de importações. As propostas e leituras que

acompanharam a ALALC e o Tratado de Montevidéu são exploradas nos dois capítulos

subsequentes. Seu último capítulo estuda as consequências desse Tratado para a

economia latino-americana, observando sua influência para a reversão das tendências do

comércio exterior da América Latina então observadas.

No geral, seu estudo é muito rico em informações, várias delas expostas em

tabelas estatísticas. Como fontes primárias, Rocha se valeu de documentos da ALALC,

do Ministério das Relações Exteriores, da CEPAL, da Confederação Nacional da

Indústria, da OEA e da ONU Fez parte da reflexão do autor considerações políticas

concernentes a recursos de capitais estrangeiros, influência dos EUA na região, o que

diz respeito à também a situação interna dos países americanos. Situa o surgimento de

ditaduras latino-americanas nesse contexto, marcado pelo antisocialismo e pela

806
ROCHA, Ubiratan. A ALALC e a integração econômica da América Latina. Dissertação de mestrado
em História. UFF, 1979. Orientada por Arthur Cézar Ferreira Reis.
295

afinidade entre política norte-americana e interesses de minorias dominantes na América

subdesenvolvida. Rocha salienta que a ALALC não chegou a por em questão a

hegemonia norte-americana na região, pelo contrário, ela poderia inclusive fortalecê-la.

Como avaliação política sobre seu objeto temos que

“A ALALC […] poderia significar uma alternativa para o


processo de industrialização da América latina sem a
necessidade de se realizar reformas internas profundas, em que
se viesse a redistribuir a renda em favor das camadas menos
favorecidas, preservando-se, desse modo, os tradicionais
privilégios das elites dominantes e as tendências favoráveis à
manutenção de modelos de desenvolvimento associados aos
polos dominantes do sistema.”807

4.3.5 Açucareiros e industriais (54m e 55m)

Em “A oligarquia açucareira e a crise: Sergipe 1855-1890” 808 (54m), Lenalda

Andrade Santos quis estudar os antecedentes no século XIX do conflito de classes que

marcava o momento em que a dissertação foi escrita (1979). Consultando fontes (“em

mau estado de conservação”) no Arquivo Público do Estado e na Biblioteca Pública do

Sergipe, o trabalho baseia-se principalmente em discursos oficiais e tem o objetivo bem

definido de observar como a elite entendeu e reagiu à crise da conjuntura a fim de se

manter no poder. Os elementos dessa crise seriam a decadência do trabalho escravo, a

disputa de jurisdição com a Bahia e a perda de espaço da agro-indústria açucareira

nordestina em relação aos centros europeus. Manifestando-se teoricamente, a autora

entende não existir clara delimitação entre oligarquia latifundiária, Estado e igreja.

Haveria sobredeterminação de funções econômicas, ideológicas e políticas e grande

coesão entre esses – algo necessário para se fortalecer ante o antagonismo de classes.

Em suma,

807
p.97-8
808
SANTOS, Lenalda Andrade. A oligarquia açucareira e a crise: Sergipe 1855-1890. Dissertação de
mestrado em História. UFF, 1979. Orientada por Victor Vincent Valla.
296

“Assim, o que tentaremos ver aqui é como a crise


econômica, originada da contradição entre a grande lavoura
local, e a conjuntura econômica internacional, foi manobrada
pela oligarquia latifundiária, para assegurar a continuidade ao
seu poder de grupo dominante. E o papel exercido pelo Estado
e pela Igreja, como forças básicas na defesa dos interesses
daquele grupo, e na repressão do conflito de classes.”809

Seu primeiro capítulo traça um histórico do Sergipe. Faz uso de algumas

referências bibliográficas sobre o Estado, mas sua principal base são fontes primárias,

com muita contribuição original, gerando um estudo denso e cheio de dados. Para sua

compreensão do quadro colonial, se apoia em Celso Furtado e Fernando Novais.

Perpassa temas como as relações de trabalho dentro dos engenhos, mas sua atenção

especial é sobre a dependência de Sergipe em relação à Bahia. Para Santos, mesmo

depois de conquistada a autonomia política, Sergipe se mantinha em situação de

dependência porque havia influência baiana sobre seus preços, por de lá vir capitais, por

ser intermediária com os centros capitalistas e pelo transporte ser monopolizado por

companhia baiana. A autora traz também que através da acusação de que era na

dependência de Sergipe ao comércio da Bahia que residia a causa fundamental das suas

dificuldades econômico-financeiras, a elite dominante encontrou uma maneira de

explicar os problemas da província – cujas piores consequências eram sentidas pelo

povo - impedindo assim que fossem vistos de forma mais complexa, contemplando a

falta de saída para a atividade econômica básica aí estabelecida.

O segundo capítulo trata da crise do Nordeste açucareiro devido à concorrência

de outros centros produtores e problemas com a força de trabalho (evasão, propaganda

abolicionista, rebeliões). A documentação oficial do período está marcada pela ideia de

que a província estava em crise – e sua superação é condicionada pelo fortalecimento da

809
p.3
297

lavoura como única forma de salvar a Província. Através de relatórios de presidentes de

província, discursos de políticos e artigos de jornal, entende que a elite operava para se

beneficiar nessa situação de crise, apontando que suas soluções passavam por beneficiar

a lavoura no tocante à mão-de-obra, capitais e “modernização”. Esses três elementos são

explorados pela autora com detalhe.

Analisando a política da elite em relação à mão-de-obra, Lenalda Santos, depois

de expor dados demográficos sobre escravos, apresenta algumas iniciativas. Diante da

enorme venda de escravos para o sul do país, e na intenção de reter essa força de

trabalho no Sergipe, foi aumentado o valor do imposto de transação. A ação não deu

certo por conta da ampliação do contrabando e consequente queda na receita. A

campanha antiabolicionista de jornais era uma outra forma de atuação sobre a questão.

Essa elite também respondeu ao problema de mão de obra encontrando formas de

incentivar o trabalho livre. Dessa forma, os discursos apontam para criação de leis

contra a preguiça, a vadiagem e a ociosidade, e a Igreja também participa com

intervenções nesse sentido. Sobre a questão dos capitais, a segunda destacada pela

autora, a elite reage com reclamo contra as formas de empréstimo à lavoura, discute leis

hipotecárias e expressa que a culpa pela decadência do açúcar estaria nas casas

exportadoras. Muito embora as fontes principais de Santos sejam os discursos dessa

elite, seu trabalho traz um volume grande de dados sobre os assuntos que aborda.

A terceira questão abordada pela elite sobre a crise é “modernização”, que a

autora optou por abordar no último capítulo, o quarto. Para Santos, “Impossibilitada de

alterar as condições de mercado para seus produtos, a elite dominante procurava

modificar as da fase de produção. E para isso, uma intensa campanha é desenvolvida,

em torno da criação de Associações de Estabelecimentos de Crédito, Escolas


298

Agrícolas, Colonização, Vias de Comunicação e Maquinários, elementos com os quais

se contava conseguiriam retirar a grande lavoura da crise em que se encontrava.” A

autora então perpassa as colocações da elite sobre cada um desses temas. Sobre o

primeiro ponto da modernização, as associações de crédito, estuda dois órgãos criados

no Sergipe – destacando seus estatutos e algumas de suas ações e posições sobre

assuntos variados. Em relação às escolas agrícolas demonstra que essa oligarquia

desejava que houvesse uma mudança de mentalidade no campo, para que fossem

promovidas inovações animadas de caráter científico e novas práticas agrícolas. Os

planejamentos para vinda de imigrantes (aliás, fracassados) são assuntos da seção

chamada “colonização”, onde se observa projetos de criação de colônias e de contratos e

iniciativas de divulgação para atraí-los. Por fim, e seguindo o mesmo procedimento de

verificação das formulações da oligarquia sobre cada tema, Santos observa a temática

da infra-estrutura de máquinas e transporte. Suas fontes aqui são novamente relatórios

de presidentes de província, discursos, algumas cartas particulares e registros de

imprensa.

Falta mencionarmos o seu trabalho do terceiro capítulo intitulado “povo”.

Aborda várias questões da vida escrava como alimentação, condições de trabalho e

formação de quilombos. Tendo estudado fontes policiais (por exemplo, relatórios de

delegados), a autora aborda a ação repressiva sobre quilombolas ou sobre manifestações

culturais (proibição de batuques) Novamente observando quais seriam as colocações da

elite sobre os temas, aponta que “Tudo o que de ruim acontecia na província –

assassinatos, roubos, ataques às propriedades – era atribuído aos escravos

fugitivos.”810 A autora também analisa a ação dessa oligarquia em relação ao “fundo de

emancipação” que a partir de suas fontes de receita acumulava para comprar alforrias.
810
p.74
299

Santos coloca que os senhores se beneficiavam desse fundo porque, desrespeitando os

critérios que eram usados para determinar que escravo teria prioridade no direito à

liberdade, acabavam vendendo escravos seus já inutilizados para o trabalho. Com o

valor das indenizações estabelecidas pelos próprios senhores estes geravam altos lucros.

Ainda neste terceiro capítulo, mostra que a oligarquia pretendia criar lei que obrigasse

todo cidadão a trabalhar em algo útil, como forma de melhorar o abastecimento de

gêneros alimentícios. Aqui também menciona a elevação de preços e consequente piora

de vida do funcionalismo público, as condições de trabalho de produtores rurais, e as

posições e opiniões de homens de governo e higienistas sobre epidemias.

Como conclusão, a autora destaca que, uma vez que no final do período

estudado houve maior concentração de terras, “...a aristocracia da cana-de-açúcar de

Sergipe pode superar a fase mais difícil de regressão da economia açucareira do

Nordeste”811.

“Isto é o que me parece. A Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional (1827-

1904) na formação social brasileira: a conjuntura de 1871 a 1877”(55m)812 é o extenso

(489 páginas) estudo de José Luiz Werneck da Silva. O primeiro esforço do autor, na

introdução, é explicar seu interesse sobre o tema. Silva coloca que era parte de uma

geração que pensava o subdesenvolvimento, e entendia ser a industrialização o eixo das

transformações sociais. Essa pesquisa se iniciou como doutoramento (interrompido) na

USP, onde o autor se guiava pela Escola dos Annales. Logo, mudou sua posição lendo

Marx (o que o fez “abandonar” Althusser). Aqui não há clareza sobre o que essas

mudanças intelectuais realmente significaram.


811
p. 176
812
SILVA, José Luiz Werneck da. “Isto é o que me parece. A Sociedade Auxiliadora da Indústria
Nacional (1827-1904) na formação social brasileira: a conjuntura de 1871 a 1877” Dissertação de
mestrado em História. UFF, 1979. Orientada por Victor Vincent Valla.
A primeira frase do título da dissertação não consta nos catálogos da UFF em que nos
referenciamos.
300

O primeiro capítulo discute a cientificidade da História. Mesmo tendo uma

redação difícil de acompanhar, se pode reter afirmações e definições importantes para

Silva. Para o autor, não faz sentido opor fato à estrutura – pode-se chegar à essência do

real sem se ater à aparência. A estrutura não seria estática, e para essa compreensão o

Estruturalismo Genético de Lucien Goldmann o auxilia. Menciona a importância de se

estudar as contradições entre relações de produção e forças produtivas, e assim define o

materialismo histórico que defende: “tudo na realidade se relaciona, relacionando-se

tudo se move, movendo-se tudo se opõe, opondo-se tudo se transforma quantitativa e

depois qualitativamente, a matéria precedendo a consciência.”813 Silva destaca o papel

ativo que tem o historiador na construção da história, bem como a importância de situar

a si próprio como um intelectual no capitalismo periférico. Reivindica o conceito de

formação social, trazendo colocações como a de que “Nenhuma formação social

desaparece plenamente antes que se desenvolvam por completo todas as forças

produtivas nela contidas.” Voltando a se referir à situação do intelectual, informa que

este sofre tentativa de cooptação por parte da burguesia. Ela pode agir sobre o

intelectual na sociedade civil através de consenso ou na sociedade política através de

coerção, e o historiador corre o risco de veicular as ideias da classe dominante. Os

intelectuais, que formam um grupo pequeno-burguês, muitas vezes têm dificuldade de

entender a estrutura social polarizada pelas duas classes fundamentais, burguesia e

proletariado. Nesse seu primeiro capítulo, as principais referências que aparecem nas

notas são Lucien Goldmann, Marx e Engels e Leo Kofler. Mas há muitos outros autores

em que as várias colocações de Silva se baseiam: Bourdieu, Levi-Strauss, Caio Prado

Júnior, Karl Manheim, Carlos Nelson Coutinho, entre outros. Apesar de não constar nas

notas desse capítulo, se nota que Silva usa bastante o léxico gramsciano.
813
p.31
301

É no seu segundo capítulo que conhecemos de que trata a Sociedade Auxiliadora

da Indústria Nacional, que será explorada através de seus estatutos e de seu principal

veículo midiático, o “Auxiliador”. Antes de trabalhar esses elementos empíricos, Silva

nos avisa que atuará no “nível da aparência”, ou seja, deixará, nas suas palavras, o

objeto produzir seu próprio discurso, para só depois problematizar em torno dele. Ao

final do capítulo, dirá que esse capítulo não reforça um positivismo sacralizador dos

fatos, posto que há consciência de que foi o próprio autor que os selecionou 814. O

volume de informações trazidas pela dissertação é enorme, o que se nota também pelo

grande número de citações diretas das fontes. Nesse capítulo são contadas as iniciativas

da Sociedade, que priorizava a indústria agrária, para a aquisição de máquinas para a

agricultura; a organização de exposições de produtos industriais e agrícolas que

organizava; pareceres que emitia por conta de consultas governamentais; a fundação,

por sua iniciativa, do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro; a criação de escolas.

Suas ideias também são exploradas: a importância das máquinas na agricultura, a

tradução de textos pertinentes às atividades produtivas; a necessidade de se seguir o

exemplo da Inglaterra; sua opinião sobre protecionismo e fim do tráfico negreiro.

Passamos a conhecer também a biografia de membros da Sociedade, as menções do

Imperador a ela, as solenidades de posse, seus vários estatutos e organização interna. O

final do século XIX traz mudanças para a Sociedade que vai perdendo presença junto ao

Império. Em 1892, subsídios do governo lhe são cortados e industriais que faziam parte

da Sociedade se retiram e fundam o Centro Industrial do Brasil.

Seu terceiro capítulo pretende verificar como a Sociedade foi abordada na

historiografia brasileira, atento também a questão de ela ter sido “intelectual

simplesmente” ou “ligada ao campo econômico”. Silva perpassa vários estudos


814
p.233
302

demonstrando o quanto a historiografia foi omissa em relação à Sociedade, não a

considerando para responder suas questões sobre a história brasileira (estudos com

atenção especial ao órgão só surgiriam em 1977 e 1978, da autoria de Edgar Carone).

Isso significaria também uma subutilização do Auxiliador, periódico da entidade, como

fonte primária: para Silva este seria até mesmo mais importante que a revista do IHGB

para se contar a história econômica e social do Brasil. Ao demonstrar em várias obras a

referência diminuta à Sociedade e a seu periódico, Silva tece comentários que lamentam

não haver maiores aprofundamentos. Por exemplo, o estudo sobre o abolicionismo

deveria consultar os registros da Sociedade porque uma série de políticos que debateram

o tema eram sócios da entidade. O capítulo é principalmente formado por digressões e

colocações laterais. Por exemplo, quando trava uma reflexão sobre o Visconde de Rio

Branco a partir de formulações de Plekhanov sobre o indivíduo na história; ou quando

elogia Nicea Vilela Luz por levar em consideração o pensamento econômico brasileiro

quando faz a história da industrialização no país. Explora a biografia de alguns sócios

da entidade (citando, por exemplo, ligação com negócios norte-americanos); e as

discussões da entidade sobre patentes e invenções, protecionismo alfandegário,

pensamento fisiocrata, entre outros. A discussão tarifária era uma que, para Silva,

dividia a Sociedade e a própria classe dominante brasileira entre os que eram

protecionistas e os que eram liberais-comercialistas – o que seria expressão de uma

contradição no desenvolvimento do capitalismo brasileiro. Em sua conclusão, Silva

aponta que a modernização proposta pela Sociedade Auxiliadora não era revolucionária,

já que projetava um Brasil predominantemente agrícola e não descolado do capitalismo

estrangeiro. Critica também o nacionalismo como uma ideologia que favoreceria apenas

o grupo dominante.
303

O estudo de Silva contém referências do léxico gramsciano, como “bloco de

poder” e “intelectual orgânico” e “intelectual tradicional”. Silva caracteriza o Estado

imperial como instrumento de coerção das frações hegemônicas que constituíam o bloco

de poder. Essas frações são os proprietários de terras, de escravos e implementos

agrícolas, assim como comissários, exportadores e “capitalistas”. À Sociedade

Auxiliadora teria cabido racionalizar o processo produtivo, sob cooptação do Estado,

enquanto sua ação atendeu às frações hegemônicas da classe dominante. Sua principal

fonte primária foi o periódico Auxiliador da Indústria Nacional. Utilizou-se também de

Relatórios de Ministros e Secretários; Almanaques Laemmert-Sauert; Anais da Câmara

e do Senado.

4.3.6 Estadistas (39m, 47m, 48m, 50m)

Passamos a analisar “Congresso do Panamá de 1826”, dissertação de Dulce

Maciel (39m)815. Esse estudo se utilizou de atas que estão no arquivo do ministério das

relações exteriores brasileiro, além de coleções de documentos publicadas em outros

países americanos. A pretensão do trabalho é descritiva sobre os passos para a realização

do evento, o desenvolvimento das suas assembleias, seus tratados e convênios

resultantes. A dissertação está bem dividida em duas partes: uma primeira que apresenta

um histórico para contextualização, e a segunda que se dedica propriamente ao

Congresso do Panamá de 1826.

O primeiro capítulo, intitulado “Término da dominação espanhola na América”,

versa sobre guerras de independência e à política internacional junto aos novos Estados

da América com ênfase na política europeia (que não fez ação efetiva para recolonizar a

815
MACIEL, Dulce. Congresso do Panamá de 1826. Dissertação de Mestrado em História. UFF, 1979.
Orientada por Arthur Cézar Ferreira Reis
304

América), dos Estados Unidos (que teve uma política dúbia que refletia divergências de

planos internos) e do império brasileiro (que enquanto monarquia tinha com as

repúblicas latinas uma relação de distância e desconfiança). Trata-se de uma narrativa

factualista com ênfase em ações diplomáticas, considerando também interesses e

desenvolvimentos econômicos. Apesar do uso de algumas fontes primárias, prevalecem

como referências principais estudos publicados tendo destaque Pierre Chaunu, Celso

Furtado e Arthur Preston Whitaker.

O capítulo 2, o principal, mantém as características do anterior. A autora traz um

estudo factualista de muito detalhe, indo às minúcias dos assuntos que levanta, como se

nenhuma informação de que dispunha nas fontes primárias pudesse ficar de fora. Os

subtemas dos capítulos são “A iniciativa: gestão de Bolívar”, onde traça um histórico

das ideias de criação de uma confederação de estados americanos; “Reação dos Estados

à convocação” relata as respostas e movimentações diplomáticas sobre a iniciativa do

Congresso; “Instalação e funcionamento” visita discussões e resoluções de conferências

e assembleias; “A mediação inglesa”, onde se verifica atuação diplomática da Grã-

Bretanha que, segundo a autora, se posicionou para que fossem garantidos a autonomia

e o respeito internacional, ganhando a confiança dos estados. A Inglaterra defendia a

não intervenção na América como forma de estabelecer relações que favorecessem

expansão de seus mercados.; em “A situação de Cuba e Porto Rico”, se destaca passos

diplomáticos dos Estados Unidos e da Inglaterra para manter os dois países como

possessões espanholas; “A transferência para Tacubaya” traz em poucas páginas que os

esforços iniciados no Congresso do Panamá não tiveram boa continuidade, já que “...os

ideais de solidariedade e fraternidade continental [sic] haviam cedido lugar à

desconfiança mútua entre os Estados...”816


816
p. 120
305

Dulce Maciel salienta que lutas e rivalidades entre países, marcados pelo estreito

regionalismo e pelo caudilhismo, impossibilitaram maior união e a concretização de um

plano que unificasse as novas nações. O próprio Bolívar, que animava a ideia, vai

desistindo dela. Nenhuma das decisões do Congresso foram colocadas em vigor.

Discussões conceituais, historiográficas e metodológicas não foram empreendidas. Há,

entretanto, um comentário epistemológico que deixamos registrado:

“Sabemos que a percepção é seletiva. O historiador não


levanta fatos puros, mas constrói um objeto a partir de uma
postura teórica fundamental. Assim sendo, preocupa-nos a
explicação concreta do jogo de interesses e as reais motivações
dos vários países em relação aos acontecimentos americanos no
período e, mais especificamente, ao Congresso do Panamá. Isto
significa que a análise dos documentos necessitou de um
esclarecimento do contexto econômico-político para, desta
forma, entender o que realmente motivou tanto a participação
dos diferentes países e, por fim, a explicação de seu
fracasso.”817

“O pensamento político de Simón Bolívar” (47m) é o trabalho de Sérgio El-

Jaick orientado por Arthur Cézar Ferreira Reis818. Justifica seu tema por ser a

personagem pouco conhecida dos brasileiros. Centrado nas ações individuais, tem como

objetivo, de fato realizado, de “abranger o homem, o momento histórico-político e a

ideologia.”819 El-Jaick tem algumas notas metodológicas e teóricas: “A metodologia

utilizada foi a de crítica histórica interna dos documentos. Sempre que possível

deixamos o próprio Libertador falar através dos seus escritos, numa tentativa de

impedir um entendimento impreciso...”820 O texto é sustentado em fontes secundárias e

também explora fontes primárias que são três compilações de textos de Bolívar. Em

meio aos vários escritos originais do “Libertador”, justifica sua atenção maior a alguns
817
p. 8-9.
818
El-JAICK, Sérgio. O pensamento político de Simón Bolívar. Dissertação de mestrado em História.
UFF, 1979. Orientada por Arthur Cézar Ferreira Reis.
819
Ver “Resumo”
820
Idem. p. 5
306

dizendo que há os documentos essenciais para o conhecimento político de Bolívar, e

outros “...que parecem contradizer ideias anteriormente defendidas por ele, podem[ndo]

ser atribuídos a circunstâncias especiais e transitórias, não devendo portanto serem

utilizados em nível teórico da mesma expressão que os documentos maiores já citados,

apesar de constituírem objeto de estudo e reflexão.”821

Em seu capítulo principal, o último, nos apresenta as ideias contidas nesses

documentos essenciais, que são principalmente “Manifesto de Cartagena”, “Carta da

Jamaica” e “Discurso de Angostura”. Faz um sumário do pensamento de Bolívar sobre

temas como escravidão, monarquia, república, unidade territorial e política, as propostas

para educação, política indígena, entre outros. El-Jaick tece avaliações que ressaltam a

hesitação da personagem em criar instituições democráticas 822 e que seu governo

redundou em uma ditadura823. A crítica do autor aparece também quando em sua

conclusão afirma que Bolívar deixou intactas as estruturas econômicas que produziam

desigualdades. A última frase, apesar de faltar nela clareza e desenvolvimento, aponta

criticamente um limite no pensamento de Bolívar “...precedeu no tempo ao

equacionamento sistemático das questões relativas aos antagonismos econômicos e de

classe, que culminaram no surgimento do socialismo e na formação das teorias de

mudança social, motivo pelo qual ele não conseguiu atingir os seus ideais mais

elevados.”824

A análise de El-Jaick se inicia com “traços biográficos de Bolívar”, onde são

explorados suas “origens familiares”, “os mestres”, “as viagens” e “as leituras”.

Como evidência de que trata de elementos individuais, temos frases como “Como

821
Idem. p.55
822
Idem. p. 60
823
Idem. p. 88
824
Idem. p.94
307

complemento de sua educação, a esgrima, a equitação e as longas caminhadas

serviram-lhe para forjar as qualidades indispensáveis de um soldado.”825 O capítulo 2

explora as atividades político-militares e o foco é sempre a trajetória e ações de Bolívar

em uma perspectiva factualista, o que é intercalado com algumas avaliações pontuais

sobre o cenário político e social na América Latina. O capítulo seguinte descreve a

Venezuela em termos demográficos, econômicos, com menções às atividades

comerciais e agrícolas, questões étnicas e influência da Igreja. Depois, trazendo dados

sobre interesses políticos e econômicos internacionais, aborda a exploração espanhola e

o interesse britânico e estado-unidense em assegurar a independência das novas nações

latinas. O capítulo quinto é sobre o Iluminismo, destacando como principal elemento a

crença no poder da Razão e da Ciência para reorganizar a sociedade. Dedica parágrafos

a alguns pensadores, destacando Montesquieu, Rousseau, Adam Smith e Thomas

Jefferson. Referindo-se ao iluminismo espanhol, a tônica é que ali ele se desenvolveu

pouco, sendo a principal característica uma oposição à religião católica826. O trabalho

das últimas páginas dessa dissertação é a organização de cronologia e mapas. Por fim,

notemos que há um menção à leitura de Marx sobre Bolívar, conhecida pelo autor de

forma indireta e julgada como marcada por falhas históricas 827. Há também uma citação

a Gramsci, do livro “Introdução à filosofia da práxis”, publicação portuguesa de 1978,

de onde se extrai somente que não se deve estudar o pensamento político de uma

personagem a partir de fragmentos, mas de sua obra como um todo.

Outra dissertação com enfoque em estadistas é“A abertura do Paraguai: raiz de

uma guerra”828 (48m), de Luiz Carlos Jorge Peçanha. Trata-se de um estudo bem curto,

825
Idem. p. 11
826
Idem. p. 49
827
Idem.p. 2
828
PEÇANHA, Jorge. A abertura do Paraguai: raiz de uma guerra. Dissertação de Mestrado em História.
UFF, 1979. Orientada por Arthur Cézar Ferreira Reis.
308

com um total de setenta páginas. Faz uma divisão em 3 capítulos, onde o primeiro se

dedica ao “Paraguai colonial”, o segundo ao governo de Francia no pós-independência;

e o terceiro ao governo de Carlos Antonio López. É um estudo de história política sem

maiores pretensões, centrado em ação de estadistas, com atenção especial à diplomacia.

Fontes primárias utilizadas são da Coleção Visconde do Rio Branco, do Arquivo do

Ministério das Relações Exteriores do Brasil e da Coleção Vásquez, que compilou

documentos referentes ao Paraguai. Depois de um panorama da época colonial,

caracteriza o governo de Francia como um que perseguiu as classes privilegiadas e as

destituiu de riquezas – por exemplo, nacionalizando bens da Igreja. Sob Francia, o

Estado estaria a serviço das classes menos favorecidas que eram sua sustentação

política. O governo também foi marcado pela prática da perseguição e do terror, sendo

tirânico, cruel, despótico e totalitário. Avisando que não pretende justificar o governo

duro de Francia, Peçanha pontua que as nações em volta do Paraguai estavam aplicando

um liberalismo que apenas atendia à classe dominante e os caudilhos. Face a interesses

da Coroa Portuguesa e da Argentina, promoveu o isolamento do Paraguai e consolidou

sua independência. Com os López, o Paraguai teria evoluído sensivelmente. O nível de

vida subiu e o país se modernizou, apesar de ter seguido autoritário através do

personalismo e do monopólio de atividades econômicas. Nesse período, foram feitas

concessões às classes privilegiadas. Entretanto, tensões e apreensões culminariam na

guerra. Sobre isso, o autor, com ênfase sobre relações diplomáticas, explora disputas

envolvendo limites de território, permissões de navegação, reconhecimento de

independência. Utiliza-se também de dados econômicos.

Outra dissertação com foco em um estadista foi escrita por Daniel Vieira Sadler.

Em “O pensamento de Sarmiento”829 (50m), aponta que seu objetivo é contribuir com o


829
SADLER, Daniel Vieira. O pensamento de Sarmiento. Dissertação de Mestrado em História. UFF,
309

conhecimento sobre a vida de Domingo Sarmiento. Com efeito, trata-se de um estudo

sobre o indivíduo em que, por exemplo, a própria história política da Argentina aparece

apenas como figurante na dissertação, quando não é ignorada. A sua redação é marcada

por parágrafos curtos, muitos deles como unidades em si telegrafando informações

algumas das vezes sem conexão direta com o seguinte do texto. Nesse pequeno estudo

de 84 páginas, Sadler afirma que as fontes principais estão mais nos livros que nos

arquivos, ou seja, são os próprios escritos de Sarmiento. O autor justifica a escolha

colocando que a principal fonte para estudar Sarmiento é ele próprio através de suas

obras completas, partes das quais publicada em vida 830. Das referências de pesquisa,

apenas duas não são trabalhos diretamente sobre ou escritos por Sarmiento. O texto está

dividido em capítulos chamados “Histórico”, “Sua personalidade”, “O homem de

ação”, “A obra literária”, “ A obra doutrinária”, “A obra educacional” e “A obra

pedagógica”, além de uma longa cronologia apresentada no início. São temas de

atenção as atividades profissionais, políticas e intelectuais de Sarmiento, com passagens

de sua vida privada – por exemplo, visitas que fez quando esteve no Rio de Janeiro.

Politicamente, um dos pontos salientados é o combate de Sarmiento ao caudilhismo.

Salta aos olhos o quanto o trabalho é acrítico metodologicamente e empenhado

no elogio de seu objeto. Isso é especialmente notável no capítulo sobre a personalidade

de Sarmiento, mas está presente na obra inteira: “Não ama as ideias por elas mesmas,

reclama pensamentos dinâmicos que persigam um propósito, o bem, a felicidade dos

homens”831; da Argentina, foi um dos “mais brilhantes filhos”; “Foi gênio...”; “Foi o

maior sintetizador dos anseios e sentimentos da nacionalidade argentina”832, etc..

1979. Orientada por Arthur Cézar Ferreira Reis


830
p. 3-4
831
p. 3
832
p. 80.
310

4.3.7 Indígenas (49m)

“O problema indígena na Argentina na segunda metade do século XIX”833 (49m)

é o estudo de Ulianov Pedrosa. A dissertação tem pouca exploração de fonte primária e

também não se dedica a discussões conceituais ou historiográficas. Um problema

metodológico é que as informações ou interpretações trazidas não são referenciadas por

notas, apesar de o autor indicar para cada capítulo qual bibliografia utilizou. Muito

embora seu título indique a Argentina no século XIX, sua dissertação trata de um

espectro muito mais amplo de regiões (América do Norte e outros países da América

Latina) e tempos (desde o século XVI). Este estudo de Pedrosa é um apanhado sobre

violência, espoliação, disputas territoriais com brancos, visões racistas, a figuração de

índios na constituição, opiniões de estadistas sobre a necessidade de extermínio.

Propriamente sobre a Argentina, expõe a dificuldade de integração do índio na

sociedade por esta estar dividida em classes. A propriedade comum caracterizou os

indígenas no igualitarismo, mas na sociedade argentina esses passaram a ser

proletariado rural. Pedrosa também traz informações sobre o histórico dos índios

iamanas, nos mostrando aspectos de sua economia, dieta, habitação e indumentária.

Sobre os índios borogas, traz sua relação com caudilhos locais e com membros do

Partido Unitário. Em um texto que destaca os ataques realizados contra os índios,

Pedrosa afirma que pretende que seu estudo contribua para que não haja mais violência,

para um mundo mais justo.

4.3.8 Conflito social (38m)

Em “Ação e repressão na província do Pará: o conflito político-social de

833
PEDROSA, Ulianov. O problema indígena na Argentina na segunda metade do século XIX.
Dissertação de mestrado. UFF, 1979. Orientada por Arthur Cézar Ferreira Reis.
311

1823”834 (38m), Geraldo Coelho afirma a intenção de uma revisão historiográfica ao

trazer novas questões e novos elementos teóricos e metodológicos para os eventos

ocorridos no Pará, que é definido como um levante de parte dos distintos segmentos

marginais do poder contra um grupo instalado no governo da Província. Para essa

leitura inovadora, pretende investigar as condições econômicas e sociais dominantes

para situar a atuação dos principais líderes do conflito de 1823 e analisar os

“...objetivos dos agentes, sua composição social e instrumentos de luta e a retórica”.

Seu trabalho tem ampla base em fontes primárias que são narrativas de períodos

próximos ao acontecido, fontes de governo, (inclusive levantamento estatístico),

discursos, documentos da diplomacia britânica, documentos legislativos, periódicos.

Apesar da exploração factual, seu texto é bastante interpretativo, não raro com tom

ensaístico. Sua escrita é rebuscada e empolada, às vezes carecendo de clareza.

O autor faz várias considerações de ordem teórica e metodológica, que estão

concentradas em seu primeiro capítulo mas que também aparecem ao longo da obra.

Entende que os dados empíricos não falam por si mesmos, mas dependem de

interrogação, e que o conhecimento depende de uma relação entre sujeito e objeto. A

história, ou seja, a historiografia, não seria mais “o que realmente aconteceu”. Com base

em E. H. Carr, entende que há uma relação entre passado e presente, e é a partir desse

que se conhece a história. Menciona na tradição historiográfica brasileira o predomínio

do empírico sobre o teórico, do factual sobre o analítico, o que faz com que ela não

tenha forte caráter científico835. Mas percebe também a historiografia em um momento

positivo, pois estaria “revitalizada”, deixando o positivismo para trás, e entendendo que

834
COELHO, Geraldo Martins. Ação e reação na província do Pará: o conflito político-social de 1823.
Dissertação de Mestrado em História. UFF, 1978. Orientada por Arthur Cézar Ferreira Reis.Geraldo
Martires Coelho.
835
p. 16
312

o passado não é algo acabado, mas que precisa ser repensado836.

O autor entende que o trabalho historiográfico deve abarcar o aspecto teórico e

empírico, sem que um esteja em detrimento do outro. Procurando apoio em Paul Veyne

e Louis Althusser, afirma que o conhecimento histórico, conquanto se dedique a

questões teóricas, não prescinde do factual: “os fatos não falam independentes dos

esquemas teóricos ou dos instrumentos metodológicos...”837; que a discussão conceitual

é importante, mas não se pode menosprezar a história política e militar e que, portanto,

o autor não terá “posição adversa ao dado empírico”.

Em um debate com as referências marxistas afirma que não se conseguiu

perceber um modo de produção definido no Pará, assim como não estaria ali

configurada uma sociedade de classes. A crítica do autor ao marxismo também se

encontra na seguinte formulação:

“Um comodismo metodológico de mais aberta conotação


ideológica acabou optando pelo uso indiscriminado de
conceitos como “classe”, “interesse de classe” e “consciência
de classe”. A aplicação desse instrumental à história brasileira,
principalmente pelo mecanicismo que comporta, estabeleceu
generalizações inadequadas ao nosso processo de organização
social no começo do século XIX, sobretudo devido ao caráter
específico da formação histórica brasileira já ressaltada.”838

Assim, “...tornou-se inviável a análise dos antagonismos sociais do Pará de

1823 através de esquemas como o da luta de classes” 839. Dessa forma, o termo “grupo

social” seria preferível ao de “classe social”. O Pará escaparia de uma “realidade de

classes”, se aproximando da “coletividade nominal” apontada por Sorokim no texto “O

que é uma classe social?”. O conceito de inspiração marxista não serviria a Coelho

836
p. 13
837
p. 14
838
p. 68-9
839
p. 5
313

porque os componentes dos grupos em luta no Pará não tinham “identidade na posição

ocupacional, econômica e legal”:

“A partir desses pressupostos, como conceituar, por


exemplo, por classe dominada um contingente composto de
soldados assalariados, libertos, homens livres mas não
absorvidos pelo processo produtivo, e escravos, todos
inorganizados em 1823? Ou ainda, de que forma tomar como
classe dominante a associação entre os comerciantes
portugueses, verdadeiros detentores do poder econômico, e a
pequena burocracia da Província?”

Em certo momento, nos informa que vai pensar a história sem dogmatismos

geradores de fanatismo840. Nessa passagem, não temos certo ao que se refere, mas

possivelmente o alvo de sua crítica é o marxismo.

O autor se vale de formulações da Teoria da Dependência, nos alertando,

entretanto que

“A simples referência ao conceito de modo de produção


ou das relações de dependência ao mercado externo, segundo
certos princípios consagrados em nossa tradição
historiográfica, poderia parecer, embora a priori, que
recorremos a um tipo de modelo decalcado no marxismo formal
para ajustá-lo à produção de nosso pensar histórico. Contudo,
hoje questiona-se a validez dos conceitos oriundos da teoria
marxista da História quando aplicados a realidades
específicas.”

Para Coelho, a Teoria da Dependência não está comprometida com a visão

stalinista e se põe contra o economicismo dogmático dos estágios do marxismo

formal841. Como exemplo da qualidade dessa corrente, coloca que para teóricos como

Fernando Henrique Cardoso, “o econômico é dominante mas não determinante, pois

faz parte de um todo composto pelo político, cultural, social e ideológico.” 842 Coelho

840
p. 10
841
p. 20
842
p. 18
314

também cita Ciro Cardoso pra colocar que não se deve usar os esquemas de Marx como

uma verdade transcendental. O caráter europeu do marxismo o faria impróprio para ser

aplicado na América Latina843. A Teoria da Dependência teria a qualidade de pensar a

especificidade. A corrente também contribui para superar o político como elemento

central da historiografia844.

Coelho localiza sua dissertação a diferenciando da historiografia “oficial,

monótona e institucional” que teria vigorado no país. A historiografia tradicional

paraense vê o fato em si mesmo, sem procurar pensar o Império. Assim, acabou-se por

“mais por traduzir a ação do governo do que a essência do próprio movimento.” 845 A

historiografia brasileira se limitou a pensar os movimentos como dissidências que

comprometiam a unidade do regime imperial, como que se fossem desprovidos de

outras significações. Outro ponto é que a tradição historiográfica viu o problema mais

sob o prisma do grupo dominante que sob o prisma do povo. No Pará e no restante do

Brasil os levantes eram entendidos como um mal das massas na ânsia de perturbar a

tranquilidade e o bem estar da sociedade. Ao longo do seu texto, Coelho faz crítica à

historiografia paraense que, reproduzindo discursos da época, usava as categorias de

anarquia, desordem e indisciplina para se referir ao movimento popular846. Por exemplo,

ao comentar as referências “oficiais” de alguns registros que mencionam soldados

“insubordinados” e “indisciplinados”, Coelho os justifica mostrando que estavam em

condições precárias de vida847.

No seu empreendimento de contextualização dos eventos ocorridos no Pará em

1823, se dedica a analisar a Independência do Brasil. De um lado, estudos de história

843
Idem.
844
p. 20
845
p. 35
846
p. 64
847
p. 162-3
315

econômica tenderiam a minimizar o significado da emancipação política brasileira,

reduzindo a questão à simples substituição da ascendência lusitana pela britânica. Por

sua vez, a tradição historiográfica nacional teria atribuído uma dimensão elástica ao fato

da independência, supondo o Império por demais isolado do mundo moderno. Para

Coelho, essas são duas leituras extremas que devem ser evitadas: a do economicismo

formal e do simplismo político. Coelho salienta que a instituição do Império brasileiro

foi apenas uma ruptura formal e - com base em textos de Florestan Fernandes, Caio

Prado Jr., Celso Furtado, Emília Viotti da Costa – esteve marcado pelo conservadorismo

na estrutura social848. Caracterizando o liberalismo do império, aponta que este teria

incidido apenas sobre a superfície e promoveria elitização849. Com referência a

movimentos de caráter popular que sucederam a 1822, salienta que não tinham um

programa político definido nem contaram com doutrina clara. O denominador comum

era que o Império lesava os interesses da nacionalidade em formação. A necessidade de

repressão a esses movimentos gerava aliança entre poder imperial e grupos regionais

ligados aos antigos interesses metropolitanos850.

Coelho perpassa vários assuntos, a crise econômica no Pará; medidas

administrativas pra controle populacional, por exemplo, proibição de venda de pólvora a

escravos; as manifestações sobre evasão de escravos como problema administrativo e

político; o contexto de crise de mão de obra escrava, que para o autor é parte do

processo de adesão ao império e de crise do poder lusitano na região; dados

demográficos; o enfoque especial em duas figuras, Batista Campos e Grenfell etc..

Para o entendimento do conflito político-social de 1823, revela brigas pelo poder

interno no contexto de 1822-3, entendendo duas facções no grupo dominante paraense:

848
p. 46-9
849
p. 41
850
p. 56-8
316

uma a favor da integração ao império e outra pela continuidade do compromisso

colonial:

“...o governo comportava duas linhas de ação, sendo uma


conservadora e colonialista, aglutinada em torno do presidente
da Junta, Giraldo José de Abreu, e a outra mobilizante e
nacionalista, reunida pela ação de Batista Campos e Clemente
Malcher. Essa divisão se projetaria no levante iniciado em 15
de outubro, primeira grande contestação à continuidade dos
elementos “europeus” no governo e na administração militar,
mas revelando uma situação bem mais profunda do que uma
crise a nível político...”

Mais profunda porque setores pobres e marginalizados também tomariam parte

no conflito. O fechamento à mobilidade social seria um dos elementos centrais do

levante ocorrido em 1823. A Cabanagem, que ocorreria em 1835, seria uma outra

expressão dessa mesma situação. No Pará, a independência brasileira a Portugal

chegaria com a possibilidade de rompimento com o status opressor851.

“...o levante iniciado a 15 de outubro de 1823 , assim nos


parece, não pode ser visto apenas como um conflito localizado
na crise de autoridade, mas como a representação de um
espírito contrário à dependência econômica e social imposta
pelo europeu aos grupos da sociedade destituídos de rendas e
posses.”852

Aponta ter havido aliança, ainda que não formal, entre os brasileiros do grupo

dominante e as camadas baixas da população, aí incluídos o soldado, o escravo, o

liberto, o desertor853. Sobre a arregimentação do negro durante a revolta por parte de um

líder,

“Não se trataria […] em efetivamente promover a


abolição do trabalho escravo e a consequente ruptura de parte
do sistema produtivo regional, mas de utilizar a importância da
inquietação negra como instrumento de desequilíbrio do poder

851
p.97
852
p. 174
853
p. 118
317

colonial.”854

Para a descrição do conflito também temos:

“Como podemos observar, mesmo considerando que


existiam diferenças de objetivos e interesses entre a capital e
certas áreas do interior, a situação do Pará de 1823 revelava
em seu todo a natureza de um conflito social. Componentes dos
grupos da sociedade paraense lutavam contra a ordem político-
social dominante, representada, em tese, pela permanência do
europeu nos postos principais da administração civil e militar.
Aproximaram-se o escravo, o soldado, o liberto, o desertor
gerando uma composição de elementos sociais heterogêneos
dificilmente enquadrados na conceituação de classe.”855

Na conclusão, diz que 1823 não tem a ver apenas com Pará, mas com a história

brasileira, o e a permanência da estrutura social da colônia856

Empiricamente, a dissertação de Coelho nos informa sobre o pensamento de

líderes da revolta (por exemplo, o medo face à mobilização negra); sobre a circulação

de notícias e ideias no Pará; sobre as ações da Junta Provisória; a movimentação de

soldados; a deposição do presidente da Junta; a reflexão e ação inglesas no processo; as

ações de repressão com prisões e fuzilamentos, salientando o evento mais conhecido

desse levante que foi o massacre de presos no brigue Palhaço, em 20 de outubro.

4.3.9 Coronéis (51m)

A dissertação de Tereza Serejo, “Coronéis sem patente: a modernização

conservadora no sertão pernambucano”857 depois de caracterizar historicamente o

município de Petrolina com ênfase em sua estrutura econômica, se dedica a analisar a

hipótese, presente em literatura especializada, de que a indústria (desenvolvida na


854
p. 94
855
p. 184
856
p. 220.
857
SEREJO, Tereza Cirstina Leal de. Coronéis sem patente: a modernização conservadora no sertão
pernambucano. Dissertação de Mestrado em História. UFF, 1979. Orientada por Francisco Falcon.
318

cidade na década de 1950) seria responsável pela extinção do coronelismo.

Contrapondo-se a essa leitura, a autora pretende demonstrar como a oligarquia local

conseguiu amoldar-se ao sistema capitalista mantendo características do coronelismo, e

também como essa oligarquia se utiliza da política desenvolvimentista para reforçar seu

poder contando para isto com ajuda dos poderes estadual e federal. Assim, o recorte

privilegiado em seu trabalho se inicia na década de 1950 (quando o desenvolvimentismo

toma maior volume) e vai até 1976 (quando é empossado um novo governo municipal)

A autora inicia o texto com uma longa “introdução metodológica”, em que nos

fornece vários dados sobre a execução do trabalho. Serejo fez 4 viagens ao Nordeste e

acompanhou de perto o período eleitoral. Nascida na cidade que estuda (seria graduada

pela UFRJ), teve familiares e amigos a ajudando na coleta dados. Seu parentesco,

entretanto, lhe causou problema em um cartório eleitoral onde um funcionário lhe negou

documentos – que foram conseguidos apenas depois de um juiz ter ido pessoalmente ao

local. Como também parte desse ambiente truncado em que se desenvolveu a pesquisa,

Serejo menciona pessoas que tiveram medo de sofrer represálias por fornecer

informações. Por isso, a historiadora omitiu nomes consultados.

Destacou em sua pesquisa dois periódicos petrolinenses, abordados através da

técnica da amostragem – ou seja, à época dos pleitos eleitorais. Visitou arquivos de

cartório de imóveis e do INCRA pra entender a estrutura fundiária da região. Através de

dados do IBGE trouxe características geográficas. Fez uso também de registro da

Câmara de vereadores e de dados dispostos no Tribunal Regional Eleitoral. No Arquivo

Público Estadual, pesquisou sobre a evolução jurídica e administrativa de Petrolina nos

séculos XIX e XX. Arquivos da prefeitura e da Comissão de Desenvolvimento

Econômico de São Francisco também foram utilizados. Esse trabalho empírico também
319

se valeu de visitas às principais indústrias locais pertencentes à oligarquia

predominante, e a sindicatos. Entrevistas cumpriram papel no levantamento de dados:

foram contatados trabalhadores rurais e urbanos, membros da “oligarquia dominante” e

do “grupo dominante”, funcionários da prefeitura, familiares dos coronéis, técnicos da

Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco, da EMBRAPA e do

INCRA. Foram mais de 60 as pessoas entrevistadas e, nos principais capítulos de sua

dissertação, a História Oral cumpre papel primordial. A autora também nos informa que

participou do I Seminário de Irrigação e Agro-indústria em Juazeiro em 1978 e outro em

Campinas sobre Estrutura Agrária e Política de Desenvolvimento.

Para esse estudo, Serejo criou conceitos originais: oligarquia predominante,

grupo dominante, clientela real e clientela em potencial. A oligarquia predominante é a

parentela que detém primordialmente a liderança política local. O poderio dessa

parentela vem da preponderância que tem sobre as forças produtivas. O grupo

dominante tem controle sobre forças produtivas, mas não de forma tão decisiva quanto a

oligarquia. A clientela real é formada por vaqueiros, agricultores, operários, cabos

eleitorais e está sob controle direto de uma camada superior. A clientela em potencial,

que pode ser o caso das camadas médias, escapa a esse controle direto. Outros termos

apresentados são “submissão” (que tem a ver com paternalismo e favores),

“solidariedade” (voto seria uma de suas expressões – e também remete a favores) e

“dominação” (violência física, disputa de terras, questões trabalhistas).

O primeiro esforço da dissertação é uma caracterização de Petrolina em

perspectiva histórica, onde se observa uma discussão historiográfica sobre o

povoamento do sertão pernambucano; condições climáticas da região; suas divisões

territoriais (cuja dinâmica teria a ver principalmente com movimentos revoltosos), entre
320

outras. As origens de Petrolina enquanto cidade também são definidas. Descrições sobre

agropecuário, indústria, comércio, transportes, comunicações, entre outros, ocupam a

autora, que para tanto se utiliza de trabalho empírico original e volumoso, além de

mergulho em muitas fontes secundárias

A seção que trata da “estrutura social” de Petrolina é aquela que servirá melhor

de base para a reflexão que a autora empreende sobre coronelismo entre as décadas de

1950 e 1970. Sobre estrutura fundiária, com base em dados do INCRA e do IBGE, nos

informa sobre números de minifúndios e latifúndios, e “estabelecimentos” agrícolas

entre os anos 40 e 70. Anota que com a “quase duplicação do número de

estabelecimentos entre 1950 e 1960, poderíamos supor, num primeiro momento, uma

divisão de terra entre um número maior de pessoas. Esta interpretação, porém, é

errônea, tendo em vista a diferença da área recenseada nas duas décadas”858 Aqui

também são explorados temas como títulos de propriedade na cidade, formas de

financiamento rural, e o fato de posseiros não saberem exatamente a terra que lhes

pertence. Sobre as relações de trabalho no campo, duas seriam as principais: o

arrendamento e a parceria (que é a predominante). Para a melhor compreensão dessa

relação de parceira, ela apresentou entrevista realizada com um parceiro sem carteira

assinada e sindicalizado (não deixando de mencionar uma situação de greve, vitória

trabalhista e prisão). Uma das expressões da parceria é a quarteação (que é o ato de

pagar a vaqueiros um bezerro a cada quatro nascidos no ano). Serejo analisa que

“[...] a substituição da quarteação pelo assalariamento


[…] constitui uma das formas de exploração da força de
trabalho, beneficiando o proprietário na medida em que
aumenta seu capital constante. Além disso, representa uma
maneira de impedir o vaqueiro de acumular capital, não
858
p. 59-60
321

permitindo sua “independência econômica”, isto é, o acesso à


idealizada autonomia.”859

Esta avaliação da autora veio principalmente através de uma entrevista com um

vaqueiro. Para destacar o caráter de exploração das relações, a autora recheia o texto

com informações como a de que esse vaqueiro deixou de receber indenização a que

tinha direito e teve seu cavalo possivelmente morto por envenenamento. Nesse mesmo

sentido, informa que a classe patronal petrolinense atua para impedir a construção e

desenvolvimento de sindicatos. Marcante nas relações de trabalho no campo é também

que poucos empregados tem de fato direito à carteira assinada, com a competitividade

por ela promovendo uma associação com os patrões, o que favorece o controle desses

últimos860. Relevante no quadro que Serejo fornece sobre o campo em Petrolina é que:

“A concessão ao trabalhador rural de um lote de terra


para que aí desenvolva seu roçado, sua economia de
“subsistência”, constitui um aspecto da forma de controle
dominação [sic] a que está submetido, pois significa que estará
sujeito a uma série de fatores que podem implicar em uma má
colheita […] como, por outro lado, este lote de terra representa
parte de seu salário que não foi recebido em dinheiro. Assim, a
extensão da jornada de trabalho representada pela cultura do
roçado após as horas de trabalho nas terras do proprietário
constitui a extração de mais valia absoluta”861

Sobre as relações de trabalho na cidade, a autora parte de entrevista com um

empregado de indústria que no seu entender defende a ideologia empresarial (com

dizeres de que a empresa é uma família, e que ali se trabalhava com gosto). Anota que a

força industrial local não tem sindicato, Tribunal da Justiça do Trabalho, “nem qualquer

associação que reúna e defenda os interesses da classe”862. Por conta de sua origem

859
p. 68-9.
860
p.72
861
p. 70.
862
p. 73
322

rural, teria dificuldade de se adaptar ao regime fabril (disciplina de horário, ritmo de

trabalho), havendo portanto a necessidade de treinamento. Uma das marcas desse

trabalho é a alta rotatividade, que se dá por conta da volta para o campo, da emigração

para São Paulo e de baixos salários. Há tentativas das empresas em reter mão de obra

através de investimento em seguro de vida, assistência médica, atividades de recreação,

entre outros.

O segundo capítulo é dedicado ao “coronelismo”. Primeiramente, a autora

explora concepções de vários estudiosos sobre o tema (Victor Nunes Leal, Edgar

Carone, Maria Isaura Pereira de Queiroz estão entre os principais). Serejo insiste que o

coronel não deve ser pensado apenas em associação com a grande propriedade

fundiária, mas também com o comércio e a indústria. Para a compreensão do fenômeno,

salienta a importância de se considerar a parentela e as alianças matrimoniais e o

compadrio (intra-classe e entre classes diferentes) que acontece através do batismo de

crianças. Para conseguir o voto, o coronel faz uso de opressão e de presentes. Outro

elemento fundamental da leitura construída nesta dissertação é que verbas estaduais são

fundamentais para a manutenção do poder dos coronéis junto ao seu eleitorado.

O coronelismo em Petrolina é primeiramente entendido em período anterior (dos

anos dez ao final dos anos quarenta) àquele que é o principal recorte do estudo. Salienta

que o grupo dominante em Petrolina é formado por proprietários territoriais e grandes

comerciantes. Nos informa sobre parentes, casamentos, eleições, que legendas

abrigavam quais pessoas, relações com interventores, morte de cabos eleitorais, assédio

a eleitores, alianças entre famílias. A família preponderante nesse momento, os Padilha,

perdeu sua posição depois que de seu grupo um coronel, o mais abastado, se mudou

para Salvador, e um outro teve problemas de saúde. Um novo prefeito, o coronel João
323

Barracão, na falta de base política na Câmara dos Vereadores e sem apoio do governo

estadual, tirou recursos de seu próprio bolso para fazer obras públicas. Nesse momento,

uma nova família, os Coelho, foram se firmando e criando grandes empresas como a

Construtora Coelho S/A e as Indústrias Coelho S/A. Para esses relatos, as principais

fontes são as entrevistas, o que faz a História Oral a principal base do seu trabalho. Em

notas de rodapé, a autora empreende discussões conceituais sobre parentela e

patrimonialismo.

O capítulo 3 é aquele que dá o título ao trabalho, “Coronéis sem patente”. Esse

novo coronelismo é situado entre os anos 1955 e 1976, e está relacionado com a política

desenvolvimentista da época. Sendo mais um exemplo da atenção conceitual da autora,

define-se desenvolvimentismo como expressão de uma política que visa crescimento

econômico em termos quantitativos como meio de impedir movimentos de inquietação

social. A autora se dedica a enumerar projetos desenvolvimentistas na região,

encampados pela SUDENE e outras entidades: irrigação, estímulo a microempresas,

urbanização, entre outros. Cita projetos originariamente voltados para colonos, mas

desviados para incentivar médias e grandes empresas, além de grandes propriedades de

terra, o que seria força da influência da oligarquia predominante local.

A questão do declínio do coronelismo é iniciada com a apreciação de colocações

de vários autores. Elementos como urbanização e crescimento demográfico estão

presentes na bibliografia especializada para indicar uma tendência de declínio do poder

dos coronéis. A autora, entretanto, como já indicamos, trabalhará com a ideia de

persistência do coronelismo, analisando Petrolina a partir de 1955. Esse ano seria o

primeiro em que um membro da oligarquia predominante, a dos Coelho, teria assumido

o executivo municipal.
324

A oligarquia predominante nesse momento em Petrolina é composta pelos sete

filhos do coronel Quelé. A autora investe em dados biográficos sobre eles, que empresas

administram, que cargos eletivos já ocuparam, suas profissões, formações, seus

casamentos (com esposas pertencentes a famílias de projeção política) e até mesmo

traços de suas personalidades: “...Paulo Coelho, que herdou algumas características

paternas, desempenha o papel de elemento repressor. Augusto Coelho, afável e

acessível, além de cuidar de obras assistenciais, é o relações públicas local da

parentela, aquele que presta as informações” 863. Assim como no capítulo anterior, nos

traz um denso quadro factual tendo como base principal as numerosas entrevistas que

fez. Para essa família que dominava a prefeitura municipal de 1955 até os “dias atuais”

(finais da década de 1970, quando a dissertação é escrita), temos um longo histórico das

alianças eleitorais com a esfera estadual e nacional (às vezes, por exemplo, irmãos se

dividiam no apoio a candidatos para governador).

No grupo dominante (categoria definida acima) da cidade, uma parte apoiava os

Coelho, e outra apoiava a família Barracão. A concorrência no nível econômico se

manifestava como concorrência política por conta dos “favores oficiais” que podem

beneficiar as empresas. Sobre a clientela real e a clientela em potencial, menciona

pessoas de baixa classe média mas que procuram frequentar os espaços e adotar os

padrões de comportamento de grupos superiores. Como representativo da dinâmica

coronelista, Serejo cita entrevista que realizou com uma empregada doméstica: ali é

mostrado que um candidato a prefeito providenciou a ela os documentos necessários

para que votasse. Como exemplar das relações coronelistas com a clientela, temos

também um coronel que deu condições para uma trabalhadora comprar uma máquina de

costura em 50 prestações. Para Serejo,


863
p. 189
325

“Todos estes motivos apontados não expressam uma


tomada de consciência ideológica diante do processo político
ou, pelo menos, tais posições são enganosas, na medida em que
não revelam em si mesmas aspirações de classe, assim, ao
nosso ver, estes são “votos de cabresto””.864

Como elemento da política que se verificava no momento da pesquisa, a autora

comenta a então tímida penetração que o MDB estava tendo na cidade, avaliando que o

sucesso eleitoral depende das relações que sustentam o coronelismo:

“Assim, por falta de recursos econômico-financeiros e de


poder político, o MDB local não tem condições de possuir sua
própria clientela real. Desta forma, acreditamos que, enquanto
persistir o sistema de “troca de favores”, será bastante difícil
ao MDB ou a outro partido oposicionista que por ventura venha
a existir, conseguir derrubar politicamente os Coelho.”865

Vale destacar a última frase da conclusão da dissertação de Serejo, que nos

mostra as perspectivas políticas da autora:

“Para isso é necessário que eles tenham condições de


perceber mais claramente as formas de controle a que estão
submetidos para que possam a elas se opor. A conscientização
de classe, se processando em meio ao sistema capitalista,
originará um novo tipo de poder mais condizente com este
sistema, onde provavelmente até os próprios atuais “coronéis
sem patente” tenham participação.”866

O estudo do Serejo foi resultado de um investimento de pesquisa bem maior do

que o normalmente verificado nessas dissertações que analisamos, com grande

diversidade de fontes primárias e secundárias. O trabalho reúne muita informação, além

de constantes discussões historiográficas e conceituais. Destaque-se ao longo do texto

citações e leituras realizadas a partir de “O Capital” de Karl Marx, de onde a autora traz

os conceitos de mais valia absoluta, relativa, capital constante, entre outros.

864
p. 207
865
p. 209
866
p. 243
326

4.3.10 Igreja (41m, 53m)

“O clero secular em Minas Gerais (1745-1792). Sua participação na

Conjuração de 1789” (41m)867 foi escrito por Valdir de Oliveira Calixto. O primeiro

capítulo, antecipando o objeto principal de sua análise, versa sobre clero secular em

Portugal do século XVIII, procurando trazer suas características básicas. Mostra dados

em relação à sua riqueza, à jurisdição de bispados, à organização da administração de

bens eclesiásticos, às imunidades fiscais, os critérios de seleção do clero e sua formação

intelectual. Mas a principal mensagem do capítulo é a de que a monarquia portuguesa

ampliava seu controle sobre a Igreja, centralizando tesourarias eclesiásticas, expulsando

jesuítas defensores da supremacia papal e renovando produções intelectuais e de ensino

para que fossem consoantes com o poder estatal.

O segundo capítulo, este voltado para a região das minas, nos traz uma

sequência de informações sobre número de sacerdotes, dados demográficos,

organização de freguesias, etc.. Com maior atenção ao bispado de Mariana, nos mostra

sua organização em 51 paróquias, revelando aspectos burocráticos e administrativos.

Caracterizando o clero da região, aponta que ocupavam várias atividades como a

medicina, fazenda de gado e engenho de açúcar. Destaca as posses auríferas desse clero,

fazendo uso de muitos dados expostos em gráficos e tabelas. Esse clero é então

entendido pelo autor “...como importante segmento da oligarquia dominante nesta

Capitania.”868 Parte das rendas do clero eram as côngruas pagas pela monarquia que,

segundo o autor demonstra com dados comparativos, eram de pouco valor. Outras

867
CALIXTO, Valdir de Oliveira. O clero secular em Minas Gerais (1745-1792). Sua participação na
Conjuração de 1789. Dissertação de Mestrado em História. UFF, 1979. Orientada por Arthur Cézar
Ferreira Reis.
868
p. 34
327

fontes de renda são destacadas: em Mariana, por exemplo, cada pessoa livre que

confessava ou comungava pagava uma oitava de ouro. Abordando a questão dos

dízimos, o autor nos traz documentos que falam da obrigatoriedade de seu pagamento

sob pena de excomunhão. Também dando tratamento estatístico ao tema e o expondo

em tabelas e gráficos, afirma que variações brutas dos rendimentos dos dízimos

“...refletem bem o estado precário em que se encontrava a organização e rentabilidade

dos setores produtivos na Capitania de Minas Gerais...” 869 Sublinha o autor que o clero

proprietário não estava isento do pagamento de dízimo. Ao abordar a criação do

Seminário de Mariana, o autor se pergunta que teologia e que filosofia eram ali

ensinadas e aponta que elas estavam afinadas com as reformas processadas por Portugal

desde a expulsão dos jesuítas (abordada no primeiro capítulo). Para o autor, nesse

seminário preparou-se o clero cuja missão seria a de ampliar o controle sobre a

população. Sobre a relação entre clérigos e autoridades de foro civil, coleta fontes que

demonstram “...a dependência em que se encontravam os representantes da Igreja.” 870:

“Os Bispos e membros do Cabido eram admoestados pelo soberano, ou pela Mesa de

Consciência e Ordem, às vezes em tom que não deixava dúvidas sobre quem deveria

cumprir ordens.”871

A partir de seu terceiro capítulo, o autor passa a pensar o clero secular e seu

envolvimento na “conjuração de 1789”. No movimento, haviam 5 padres, que eram

membros das “melhores famílias da Capitania”872 Calixto se dedica a evidenciar as

posses desses padres, a jurisdição em que atuavam, as condições de suas propriedades.

Depois de criticar os trabalhos de Vidigal de Carvalho (“Ideologia e raízes sociais do

869
p. 42
870
p.45
871
Idem
872
p. 48
328

clero da Conjuração”) e de Kenneth Maxwell (“A devassa da devassa”), por terem

perdido a oportunidade de aprofundar a análise sobre as implicações do movimento

conjuratório com a igreja, utiliza a categorização deste último historiador a respeito dos

“três níveis de apoio” que teriam havido em relação ao movimento de 1789: “ativistas”,

“ideológicos” e “grupos ligados a interesses financeiros”. Os dois primeiros tipos são

destacados: os clérigos foram ativistas porque, por exemplo, forneceram pólvora e

cavalo. E foram também ideológicos porque pensavam em soluções, se inspirando na

“revolução americana” e lendo Rousseau, Voltaire, entre outros. O capítulo seguinte,

que trata da defesa dos réus eclesiásticos, destaca que esses não tinham privilégio de

foro; e que a linha de defesa dos advogados foi enaltecer o Estado e a rainha e afirmar

que os réus teriam agido por impulsos psicológicos isolados. O fato de o julgamento dos

clérigos ter sido secreto foi interpretado por Calixto como uma tentativa de resguardar a

imagem da igreja em sua relação com o Estado. Por fim, analisa posturas ideológicas

dos réus. Identificando a presença de um “lusofobismo radical”, entende que este

“...pode ser interpretado como revolucionário, à medida em que era a expressão de

uma conscientização da posição inferior em que se encontravam os grandes

proprietários face à dominação portuguesa”873. Dois outros elementos indicativos das

posições ideológicas dos clérigos réus do movimento de 1789 são a inspiração vinda da

formação dos Estados Unidos e a posição favorável à libertação de escravos expressa

por dois deles. Havia diversidade de opinião entre esses cinco clérigos. Enquanto um

projetava instalar a corte no Brasil, outro queria a morte de todos os europeus. Alguns

padres seriam mais moderados, e Calixto o afirma com base na presença de livros em

sua biblioteca. A maioria deles era favorável à liberdade de culto. Calixto procura

definir que tipo de Igreja esses clérigos pretendiam fundar caso fosse erguida uma
873
p. 61-2
329

república: a igreja estaria no controle da arrecadação dos dízimos comprometendo-se a

dar assistência espiritual e médica à população.

Apesar de ser um trabalho curto, totalizando 85 páginas, esse estudo é rico no

levantamento de informações, baseado em uma consulta a numerosas fontes primárias.

Entre essas, se destacam os registros eclesiásticos, mas também correspondências de

autoridades, periódicos e documentos administrativos. As fontes secundárias também

tiveram uma contribuição direta para o texto. Dados quantitativos foram organizados

com atenção pelo autor. Sobressai uma postura crítica ao clero, “desvirtuado de suas

verdadeiras finalidades”874, expressa em colocações como a de que a principal

preocupação da igreja era recensear a população para receber os dízimos devidos ao

soberano. Ao comentar várias produções historiográficas sobre o tema da Igreja em sua

introdução, coloca que historiografia da década então atual estava buscando uma

interpretação a partir dos oprimidos. O autor valoriza uma reflexão que procure associar

a conexão entre igreja e as relações escravistas de produção, questão para a qual seu

trabalho contribui ao caracterizar o clero como grupo inserido como proprietário em

atividades econômicas. O autor não se engaja em discussões teóricas e conceituais, mas

registre-se que, em uma nota de rodapé, cita conceito de ideologia de Marx e Engels

expresso no livro “A Ideologia Alemã”.

Outra dissertação centrada na instituição eclesiástica católica é O sistema de

cristandade colonial. O reino de Deus rebaixado a Colônia (53m), trabalho escrito por

Francisco José Silva Gomes875. Nesse estudo extenso de 349 páginas, metade versa

sobre a história da Igreja Católica no Brasil. A outra metade traça o desenvolvimento da

religião desde os primórdios sob o Império Romano até a época contemporânea. Como

874
p. 70
875
GOMES, Francisco José da Silva. O sistema de cristandade colonial. O reino de Deus rebaixado a
Colônia. Dissertação de mestrado em História. UFF, 1979. Orientada por Victor Vincent Valla.
330

o próprio autor afirma, ele não se dedicou a fontes primárias para trazer dados novos 876,

mas procurou enquadrar as informações disponíveis em um certo quadro teórico. Com

efeito, sua dissertação investe muito na discussão conceitual e abstrata. No geral, seu

tom é ensaístico e filosófico, com pouca atenção aos aspectos factuais do seu objeto.

Para Gomes, parte da historiografia sobre a Igreja Católica é triunfalista. Uma

outra parte seria realizada por historiadores que se contentam apenas com a

desmistificação ideológica da instituição877. O autor pretende não seguir esses dois tipos

de abordagem, e acredita fazer parte de uma tendência da academia que se pergunta

melhor sobre a religião no contexto em que amplos setores da Igreja Católica passam a

se identificar mais com os pobres. Assim, Gomes pretende fazer uma releitura do

passado eclesial “...que dê aos cristãos uma consciência histórica para empreenderem

escolha ético-política e instrumental de análise adequado..”878 Dessa forma, esse estudo

vai contribuir pra Igreja ser pensada de forma científica, “...e não meramente como

adversário a liquidar.”. Essa sua postura está ligada, como o autor faz questão de deixar

claro, com sua própria posição de católico engajado em causas sociais.

A discussão teórica empreendida no seu primeiro capítulo (“Pressupostos

teórico-metodológicos”) diz respeito não apenas ao seu objeto específico de estudo, mas

se dirige às questões mais fundamentais do conhecimento histórico passeando por

muitas formulações. Gomes entende que o conhecimento tem um sentido ideológico;

traz o conceito de concreto-pensado para indicar que o conhecimento sobre a coisa

estudada não é o mesmo que a própria coisa, não havendo portanto uma objetividade

absoluta; afirma que toda escrita da história tem uma teoria, que dá a estrutura do

conhecimento, e que a produção histórica leva a marca da sociedade em que é produzida

876
p. 38
877
p. 11
878
p. 11-3
331

(destaca nesse sentido o capitalismo dependente). Gomes contempla o engajamento

político do historiador: “Pode-se aliar rigoroso método de investigação (como se faz

história), com paixão por aquilo que se faz...”879; Por fim, entende que nas ciências

sociais há duas teorias fundamentais: uma é organicista e a outra é dialética. A primeira

tem a ver com harmonia e pertence às classes dominantes. A outra é própria da visão das

classes dominadas880. Enquanto, intelectual, Gomes põe que faz parte da super-estrutura

ideológica, mas como assalariado está na infraestrutura econômica, vivendo assim uma

contradição. Ainda sobre sua posição intelectual, diz ser parte de uma fração dominada

da classe dominante. Em termos mais concretos, nos faz saber que tem engajamento

com comunidades cristãs e que é católico 881. Voltando a comentar sobre historiografia,

entende que desde os anos 1930 se processa no Brasil uma perspectiva crítica que se

contrapõe ao objetivismo da neutralidade científica. Ainda nesse extenso primeiro

capítulo, extrapolando ao que tinha prefigurado no início, se põe a debater teologia,

refletindo sobre o que significa ter fé em um mundo científico; o que um cristão deve

compreender ser um Reino de Deus: (o projeto escatológico (o Reino de Deus) deve ser

um projeto histórico); e elogia a teologia da libertação pelo seu trabalho junto aos

oprimidos. Para a exposição empreendida nessas páginas, tem como referências

principais Louis Althusser e Michel de Certeau, mas também passa por outros autores

como Pierre Bourdieu, H. F. Japiassu, Lucien Goldmann, Pedro Demo, Clodovis Boff,

entre outros.

O seu segundo capítulo, com grande investimento de páginas, faz um histórico

do cristianismo desde as origens (onde discute mentalidade grega e hebraica, por

exemplo), passando pela conversão do imperador Constantino. Trata-se de um processo

879
p. 32
880
p. 21- 35
881
p.39
332

que marca “...a passagem de uma comunidade eclesial mais fundada na autoridade do

mistério para uma comunidade eclesial mais fundada no poder da Instituição.” 882 Para

Gomes, com o desenvolvimento da sociedade burguesa e do capitalismo, a Igreja perde

monopólio dos aparelhos ideológicos, e vai se tornando um aparelho ideológico

secundário. Expressando teoricamente a relação entre Igreja e Estado, diz se tratar de

uma simbiose. Entre ambos, os conflitos se daria apenas ao nível superestrutural. As

duas esferas seriam determinadas em última instância pelo econômico.

No seu terceiro capítulo (“A cristandade colonial no Brasil”), define cristandade

colonial como aquela que está em uma situação de dependência em relação à

cristandade lusitana e ligada à empresa colonizadora brasileira e à economia colonial.

Antes de tratar da história da instituição no Brasil, traça um histórico medieval da igreja.

Para Gomes, a instituição do padroado foi responsável por deixar as igrejas dependentes

da empresa colonizadora. No Brasil, teria se desenvolvido um “catolicismo guerreiro”

que tem a ver com colonizadores, guerra contra índios e contra “hereges” franceses e

holandeses. Argumenta que o sistema de cristandade serve para legitimar a posse de

terra dos sesmeiros e para combater os indígenas. Sobre a igreja teria havido a

influência de escravocratas que criou um clero submisso e “familista”. Caracteriza o

catolicismo do povo como desfalcado da prática habitual e do conhecimento

aprofundado da escritura. Esse catolicismo seria marcado pelo medo da repressão, pelo

conformismo e pelo fatalismo. Para Gomes, ponto central na história da Igreja é a

expulsão dos jesuítas do Brasil no fim do século XVIII. Essa crise, no entanto, será em

parte revertida a partir de 1822 com a associação da Igreja com o império – mantendo-

se, portanto, o “sistema de cristandade” que se define pela relação da Igreja com o

Estado
882
p. 137
333

A sua conclusão é calcada em conceitos gramscianos (que já apareciam ao longo

da obra) como bloco histórico e hegemonia. Para o autor, a Igreja Católica é intelectual

orgânico que quer cimentar a hegemonia ideológica da classe dominante. Aponta que

Gramsci sublinha o peso da superestrutura (onde deve ser localizada a Igreja pelo seu

caráter ideológico e simbólico na sociedade). Salienta também que o intelectual não

seria reflexo da estrutura, tendo também autonomia.

4.3.11 Educação (34m)

No estudo de Ledonias Franco Garcia, “Sociedade e educação na Bolívia

Liberal (1899-1920)”(34m)883, o período estudado é definido pelo autor como o áureo

das tentativas da educação pública, mas sem que houvesse ocasionado mudanças

significativas por causa das heranças históricas. Dificultaram o processo de reformas

educacionais fatores como as divisões étnicas e linguísticas, o regionalismo e a

“realidade do mundo indígena”. Mas um dos pontos mais enfatizados na dissertação é

o da relutância do grupo dominante em permitir a ascensão dos indígenas. Garcia

observa a história da educação na Bolívia sublinhando a não incorporação da população

indígena pobre nas instituições escolares. Para o autor, o sistema educacional é um

elemento de controle dos grupos oligárquicos:

“...a instrução recebida não era suficiente e adequada


para a sua incorporação no processo político nacional.” [...]
“Nessa situação de dependência a educação foi
livremente manejada pelos interesses das camadas superiores,
sendo as massas mantidas afastadas das escolas ou
escolarizadas de acordo com interesses ideologicamente
condicionados no sentido de aceitação e conservação do
“status quo”.884

883
GARCIA, Ledonias. Sociedade e educação na Bolívia Liberal (1899-1920). Dissertação de Mestrado
em História. UFF, 1978. Orientada por Francis Morton.
884
p. 15-6
334

O autor também encaminha uma discussão sobre o papel da educação em uma

sociedade dependente economicamente, com base em textos da coletânea de Manfredo

Berger, “Educação e dependência” e fazendo uma articulação entre educação,

capitalismo e relações internacionais. O ponto principal é que se precisou de poucos

técnicos os quais podiam ser trazidos de fora, resultando na marginalização do índio na

educação formal885.

Considerações críticas sobre a sociedade boliviana perpassam todo o estudo.

Entende como básico na análise da sociedade boliviana que há dois grupos: uma

maioria indígena e mestiça excluída e um grupo branco dominante e dependente das

“metrópoles”886. A independência em relação à Espanha não teria significado

democracia, mas o domínio de uma elite criolla arbitrária. As tantas sucessões

presidenciais e as derrubadas de governo no século XIX representavam na maioria das

vezes conflitos no interior da própria oligarquia branca. Sua visão panorâmica sobre a

história da Bolívia desde os tempos incaicos inclui descrições de atividades econômicas

(envolvendo minas, guano, estanho). Na parte em que se dedica ao aspecto “social” da

história, destaca o desaparecimento das “propriedades comunais”, a situação difícil do

índio enquanto trabalhador e a formação de uma classe média de mestiços.

Na sua caracterização “política” da história boliviana, menciona o regionalismo;

o fato de as constituições bolivianas com influências liberais não se coadunarem com a

realidade concreta do país (que teria elementos de “feudalismo” e escravidão)887; o

boom da prata e o surgimento de uma nova oligarquia no oitocentos 888; a atuação dos

partidos conservador e liberal, com o domínio deste último a partir do final do século

885
p. 3-4
886
p. 10
887
p. 35-6
888
p. 39
335

XIX (recorte privilegiado pela dissertação), sua política de acentuação do federalismo e

inserção subordinada no mercado internacional.

As partes do estudo que versam sobre educação no período republicano também

são de caráter panorâmico e privilegiam as ideias e ações de estadistas sobre o tema.

Menciona a tensão de projetos republicanos com a Igreja católica. Critica que o governo

tenha feito universidade ao invés de investir mais em ensino básico. Dessa forma,

haveria universidade para os ricos e falta de escola para a massa. (aqui, novamente,

aparece como central para o autor a questão do acesso às instituições escolares). Como

marca de uma nova fase pós 1845, há mais criação de escolas. Seriam, entretanto,

medidas isoladas. Ainda assim, um marco desse momento é que o Estado boliviano

assume a instrução “primária” e “secundária”, deixando, entretanto, o ensino superior a

cargo de esforços particulares. Ainda sobre o século XIX, Garcia também releva as

propostas de que o ensino deveria ser voltado para a aplicação em indústria.

Um dos capítulos de Garcia é dedicado ao momento em que o Partido Liberal

assume o poder, nas primeiras décadas do século XX. Para o autor, isso significa avanço

da burguesia frente à oligarquia. Seu texto novamente assume o formato de uma

sequência de informações, de apresentação de diversas características: o que seria o

liberalismo; a influência do positivismo; a divisão da política boliviana em um grupo

conservador e católico e outro positivista e livre pensador; as grandes discussões

marcadas pelas relações entre Igreja e Estado, lei do divórcio e liberdades públicas. Há

ainda descrição de atividades econômicas – por exemplo, construção de linha férrea, e a

tensão envolvendo o federalismo. Sua mensagem nesse capítulo, assim como em outros,

é a da existência de uma minoria privilegiada e uma maioria ignorada889

O principal capítulo desta dissertação coloca que o período liberal é um


889
p. 92
336

momento especial do investimento material do governo em educação 890, onde pela

primeira vez era dada ênfase à educação popular, às escolas rurais e à educação do

índio. Garcia menciona a criação das escolas, o pensamento de alguns agentes estatais

sobre educação, o processo de contratação de professores chilenos, e a educação de

meninos e meninas juntos pela primeira vez, o que despertava reação de conservadores.

Esses esforços do Partido Liberal na educação básica teriam fim com a deposição do

presidente Gutiérrez Guerra.891 Sobre o ensino universitário, comenta movimento de

estudantes influenciados pelo anarquismo e a falta de acesso da população aos cursos

superiores. Aqui Garcia também retoma a reflexão de que a educação deve ser pensada

no quadro do capitalismo. Isso redunda na afirmação de que grupos dominantes na

Bolívia tinham interesse em desenvolver ensino profissional que seria coerente com o

espírito capitalista892. Não é desenvolvida, para além disso, a reflexão sobre a relação

entre essa postura dos grupos dominantes para a educação e o quadro de dependência (a

referência aqui é a teoria da dependência de Cardoso e Falleto) da Bolívia no cenário

internacional. Um último comentário do autor é que, muito embora o índio não tenha

sido favorecido com o ensino superior, dessas instituições saíram pensadores que se

dedicaram às causas dos oprimidos. Assim, o autor introduz seu último capítulo, que

não guarda relação direta com o restante de seu estudo. Trata de intelectuais

indigenistas, que passaram a combater ideias racistas e a veicular uma imagem positiva

do índio, denunciando a sua situação.

Além de se basear bastante em fontes secundárias, o estudo de Garcia trabalha

fontes primárias variadas: dados administrativos de governo com referências a

atividades econômicas e demográficas. Faz também bastante uso de discursos

890
p. 109
891
p. 117
892
p. 114
337

presidenciais.

4.4 Panorama e conclusões

Há uma grande predominância em estudos com recorte estrito no século XIX

(11/17). Outros dois abordaram o oitocentos em conjunto com outros períodos. Apenas

3 dissertações se centraram no século XX.

Na divisão geográfica, temos que, novamente, outros países da América foram

mais contemplados nos estudos que o Brasil (9x8).

Há um estudo centrado no Sergipe, um em Pernambuco, um em Minas e um no

Pará. Dois se dedicam ao Rio de Janeiro, e outros dois tem temas de amplitude nacional.

Essa atenção geograficamente mais dispersa nos estudos de História do Brasil é uma

novidade na produção discente do programa, que antes vinha se concentrando no Rio de

Janeiro como objeto.

Considerando a nossa divisão temática, temos o seguinte quadro, que é bastante

similar ao verificado nas outras duas turmas:

Tabela 16 Quantitativo das


dissertações da terceira turma por
eixo temático
Política 10
Economia 5
Cultura 2
Total 17

Entre as dez dissertações que classificamos tematicamente como “políticas”,

temos 4 delas (“Congresso do Panamá...” (39m), “O pensamento político...” (47m), “A

abertura do Paraguai...” (48m), “O pensamento de Sarmiento” (50m)) centradas nas

ações de estadistas, com ênfase em ações diplomáticas, sendo estudos factualistas e com
338

sua atenção para características de indivíduos.

O trabalho de Ulianov Pedrosa sobre indígenas na Argentina ("O problema

indígena na Argentina..." (49m)) é um amontoado de referências factuais que destacam,

sobretudo, a violência vivida por esses grupos.

Os outros 5 trabalhos têm a característica de situar os agentes que estudam em

contextos, onde são levados em conta questões como estrutura e dinâmica econômica,

classes ou grupos sociais, ideologias, entre outros. As análises possuem relativa

complexidade pelo espectro maior de elementos que envolvem, além de se engajarem

em discussão conceitual e teórica. As dissertações sobre a oligarquia açucareira no

Sergipe ("A oligarquia açucareira..." (54m)) e sobre a Sociedade Auxiliadora da

Indústria Nacional ("Isto é o que parece..." (55m)) enquadram a agência e o pensamento

políticos de proprietários agrícolas do século XIX com referências ao desenvolvimento

econômico e à estrutura das relações sociais no país. O mesmo se pode dizer do estudo

de Calixto sobre a Igreja em Minas ("O clero secular..." (41m)), que o autor entende

como um segmento da classe dominante proprietária. O coronelismo estudado por

Serejo ("Coronéis sem patente..." (51m)) é abordado levando em conta a política

desenvolvimentista, relações de trabalho, e estrutura fundiária. O único deste grupo que

não se identifica com o referencial marxista é Geraldo Coelho ("Ação e reação..."

(38m)). Sua dissertação sobre conflitos político-sociais no Pará, entretanto, dialoga

abertamente com uma perspectiva marxista (a qual critica), reivindica formulações da

Teoria da Dependência e tem subjacente a ideia de luta entre grupos dominantes e

dominados.

Foram 5/17 as dissertações que classificamos como “economia”. O trabalho

sobre a federação de cafeicultores colombianos escrito por Toribio ("O café no


339

contexto..." (33m)) perpassa aspectos vários da produção e do comércio de café e nos

informa das medidas da entidade em busca de maior lucratividade. É possível fazer um

paralelo entre essa dissertação e outras duas. O trabalho escrito por Ubiratan Rocha ("A

ALAC e a integração..." (43m)) desenha o cenário de comércio externo latino-

americano e analisa as propostas e leituras da Associação Latino-Americana de Livre-

Comércio e do Tratado de Montevidéu frente o quadro de tendências econômicas

internacionais observado. O estudo de Zenaide Cardoso ("Política econômica de Juan

M. Rosas" (39m)) sobre política econômica na Argentina traz as características de

diversos ramos da produção no país (gado, comércio, artesanato, agricultura, etc.),

observando as medidas de um estadista em especial, que teria valorizado a pecuária e

mantido o país dependente de manufaturados estrangeiros. Ou seja, a estrutura dessas

três dissertações tem o comum de evidenciar certo cenário e demonstrar as medidas

econômicas de entidade ou governo frente a ele.

Por sua vez, o estudo de Célia Muniz sobre estrutura fundiária ("Os donos da

terra..." (46m)) revela a organização da propriedade em uma região fluminense, tirando

dali reflexões sobre modo-de-produção e atritos políticos (entre pequenos e grandes

proprietários; posseiros e sesmeiros; sesmeiros e indígenas, etc.).

Em “O cancro roedor...”, de Eduardo Silva (42m), temos um estudo de cunho

econômico e social sobre a cafeicultura e a escravidão, com foco na atuação e no

pensamento da oligarquia e atento a transformações estruturais na segunda metade do

XIX.

Por fim, são dois os estudos cuja temática principal é cultura. O escrito por

Francisco Gomes sobre o “sistema de cristandade colonial” (53m) salienta os efeitos

sobre a religiosidade de uma instituição, a Igreja Católica, ligada a poderes estatais e


340

interesses econômicos. O estudo de Ledonias Garcia sobre educação na Bolívia (34m)

destaca a desigualdade e a exploração havidas na história desse país, apontando a

exclusão de indígenas pobres nas instituições de ensino.

Das 17 dissertações, 9 trazem contribuição empírica original 893. O ineditismo

empírico (que entendemos aqui como a mobilização de fontes primárias que não

exploradas anteriormente) dessa terceira turma é próximo daquele verificado na

segunda, mas bem inferior ao da primeira. Isso está ligado à proporção de estudos de

História da América, que sem deixar de se valer de fontes primárias, as tem a partir de

compilações publicadas. Há outra característica, difícil de ser contabilizada, mas que

inferimos: nesta terceira turma, assim como na segunda, as fontes secundárias parecem

ser iguais às primárias em importância como referência de informações. O importante

aqui é fazer o contraste com as dissertações produzidas pela primeira turma, em que

claramente a base do texto era a documentação primária explorada originalmente.

Discussões historiográficas, teóricas e conceituais tem mais presença nessa

terceira turma se comparada às turmas precedentes.

Entre os trabalhos que se dedicaram à avaliação da obra de outros historiadores,

temos o de Célia Muniz ("Os donos da terra..." (46m)) que, para conhecer a região de

Vassouras, se inspira mantendo grande diálogo com uma nova historiografia sobre o

Vale do Paraíba paulista que demonstrou a relevância da pequena propriedade e

explorou a relação entre o pequeno e o grande proprietários. A dissertação de Werneck

da Silva sobre a Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional ("Isto é o que parece..."

(55m)) tem um extenso capítulo dedicado a uma varredura sobre como seu objeto

aparece na historiografia. Geraldo Coelho, em sua pesquisa sobre conflitos no Pará

893
"O café no contexto..." (33m), Ação e reação..." (38m), "Congresso do Panamá.." (39m), "O clero
secular..." (41m), "O cancro roedor..." (42m), "Os donos da terra..." ("Os donos da terra..." (46m)),
"Coronéis sem patente..." (51m), "A oligarquia açucareira..." (54m), "Isto é o que parece..." (55m),
341

("Ação e reação..." (38m)), pretende combater a visão historiográfica “oficial” que

expressava a visão do governo contra os rebeldes. Essa historiografia também se

limitaria ao nível factual, sem explorar contextos mais amplos, marcados pelas

condições econômicas e sociais. Para Coelho, a historiografia brasileira seria marcada

pela predominância do empírico sobre o teórico, do factual sobre o analítico. Não seria

portanto genuinamente científica. Essa produção estaria, entretanto, em um momento

positivo, pois o positivismo estaria sendo deixado para trás. Especificamente sobre os

historiadores que tratam do processo de independência, Coelho valoriza aqueles que

fogem ao “economicismo formal” e ao “simplismo político”. Em “O cancro roedor...”

(42m), Eduardo Silva faz objeção a interpretações eurocêntricas sobre o período

escravista brasileiro. Ao longo do seu trabalho, também, sem entrar em detalhes, faz

menções a leituras equivocadas que existiram na historiografia: sobre o significado de

gastos ostentatórios da oligarquia, a prosperidade da cafeicultura fluminense, a abolição

como outorga; e o fazendeiro como uma pessoa isolada em sua propriedade. Queixa-se

também de existir pouco debate historiográfico. Serejo, em seu trabalho sobre coronéis

de Petrolina ("Coronéis sem patente..." (51m)), se engaja em uma polêmica

historiográfica sobre povoamento do litoral. Outros historiadores desta turma fizeram

crítica historiográfica de menor monta: Valdir Calixto ("O clero secular..." (41m)) se

queixa de trabalhos que não pensaram o papel da Igreja no movimento conjuratório de

1789, e afirma que a historiografia da década quando escreve estaria buscando

interpretações a partir dos oprimidos. A dissertação de Francisco Gomes ("O sistema de

cristandade..." (53m)) faz menção a uma historiografia triunfalista sobre a Igreja, e outra

que se limitaria à sua desmistificação ideológica, não se identificando o trabalho com

nenhuma das duas. Gomes também coloca que a historiografia brasileira estaria vivendo
342

um momento crítico contra o objetivismo da neutralidade científica.

Temos discussões conceituais em Eduardo da Silva ("O cancro roedor..." (42m))

a respeito de modos de produção, classes sociais, sociedade estamental e capitalismo.

Célia Muniz ("Os donos da terra..." (46m)), sobre que modo-de-produção vigoraria no

Brasil do século XIX (escravista colonial, de acordo com a autora, em oposição aos que

advogavam ser o Brasil o país ainda feudal naquele momento). Geraldo Coelho ("Ação

e reação..." (38m)), pensando o conceito de modo-de-produção e classe social, coloca

que estes não se aplicam à realidade paraense do século XIX, sendo “grupo social”

termo mais adequado. Tereza Serejo ("Coronéis sem patente..." (51m)) observa como a

concepção de coronelismo esteve presente em vários estudiosos e advoga a necessidade

de pensá-la em associação ao capitalismo. Esta autora cria uma série de conceitos

originais sobre “oligarquia” e “clientela”, e recorre ao longo do texto a categorias

desenvolvidas em O capital de Marx. Francisco Gomes ("O sistema de cristandade..."

(53m)) opera principalmente com os conceitos marxistas de “ estrutura” e

“superestrutura”, e, a partir de Gramsci, “bloco histórico” e “hegemonia”.

Diferentemente dos trabalhos supracitados neste parágrafo, que tem um engajamento

substantivo no debate conceitual, temos a breve menção de Valdir Calixto ("O clero

secular..." (41m)) ao conceito de ideologia de Marx e Engels em A Ideologia Alemã.

Alguns trabalhos nos apresentam um volume enorme de reflexões teóricas, em

alguns casos lhes tendo capítulos inteiros dedicados. Foram extensas as reflexões de

Werneck da Silva ("Isto é o que parece..." (55m)) sobre a cientificidade da História; a

relação entre fato e estrutura; a defesa do materialismo histórico; o papel ativo do

historiador na construção do conhecimento; a importância do contexto de onde se

expressa o intelectual; e a relação entre Estado, classes e intelectualidade. Geraldo


343

Coelho ("Ação e reação..." (38m)), destacando que os dados não falam por si próprios,

mas dependem dos historiadores, coloca que no estudo histórico não se trata do que

“realmente aconteceu”. Com base em E.H. Carr, salienta a conexão entre presente e

passado no conhecimento histórico. Coelho aponta ainda que a centralidade da política

na compreensão histórica precisa ser superada, e reivindica a Teoria da Dependência já

que ela indicaria que a economia faz parte de um todo com os aspectos político,

cultural, social e ideológico. O estudo de Gomes ("O sistema de cristandade..." (53m))

é fartamente conceitual. Há um capítulo inteiro dedicado à teoria e metodologia, onde

traz o conceito marxista de “concreto pensado”. Coloca que todo conhecimento é

ideológico; que o historiador é influenciado pela sua sociedade, mas que tem autonomia,

apesar de ser reflexo da estrutura; que o intelectual é uma fração dominada da classe

dominante; que toda historiografia tem uma teoria; que há as teorias harmônicas e as

conflituosas; que há simbiose entre Igreja e Estado; que a superestrutura tem peso

importante nas definições históricas; que em última instância a economia é

determinante. Em “O cancro roedor” (42m), Silva discute a estrutura escravista no

Brasil e a problemática das classes sociais. Critica concepções como a de Nelson Sodré

(“etapista”) e defende o conceito de modo de produção escravista colonial, de Ciro

Cardoso, apontando que não seria eurocêntrica, mas afinada com as especificidades

brasileiras. Refletindo sobre classes sociais, conceitua a oligarquia como “classe para

si”, enquanto defende que a estrutura reduz escravos a “coisas” comprometendo suas

capacidades de agência e mesmo sua humanidade. Aponta ainda a necessidade de se

pensar centralmente a questão dos meios de produção, ao invés de elementos da cultura.

Como reflexão de fundo epistemológico, coloca que um estudo não deve ser

empiricista, por um lado, ou ensaísta sem base concreta, por outro, devendo os dados
344

serem postos em “contexto teórico”.

Com um nível bem menor de dedicação a esses elementos teóricos, temos o

estudo de Lenalda Santos ("A oligarquia açucareira..." (54m)) para o qual há

sobredeterminação de funções econômicas, ideológicas e políticas entre oligarquia,

Estado e Igreja, que atuam juntos em seus interesses de classe. Também, Dulce Maciel

("Congresso do Panamá..") comenta que o historiador seleciona os dados com que atua,

e que estes são articulados em certa perspectiva teórica.

Com uma longa “introdução metodológica”, o trabalho de Tereza Serejo sobre

coronéis em Petrolina ("Coronéis sem patente..." (51m)) é o que mais se dedica a expor

esse domínio do fazer historiográfico. Parte dessa discussão trouxe as dificuldades

políticas de se buscar informação na cidade. Explica critérios para a escolha de

periódicos consultados, a dinâmica das entrevistas que realizou, e as entidades e

arquivos que acessou para realizar a pesquisa. As outras dissertações discutiram

metodologia de forma apenas pontual, e esse é o caso mesmo entre aquelas que se

dedicaram bastante a conceito e teoria. Toríbio ("O café no contexto..." (33m)) apenas

anota que foi crítica com a documentação e que tratou os dados com precisão. Zenaide

Cardoso ("Política econômica de Juan M. Rosas" (39m)) aponta “...a dificuldade para

se separar o fato, a verdade histórica, da paixão do historiador.” 894 Na dissertação de

Werrneck da Silva ("Isto é o que parece..." (55m)), o autor planeja que seu texto em um

primeiro momento atue no “nível da aparência”, para depois aprofundar a análise. Dulce

Maciel, que estudou o Congresso do Panamá (39m), ressaltou que a análise dos

documentos necessita de contextualização econômico-política. El-Jaick ("O pensamento

político..." (47m)), que estou Bolívar, trouxe que os escritos do estadista são a melhor

894
CARDOSO, Zenaide. Política econômica...p.1
345

fonte já que é por elas “...deixamos o próprio Libertador falar...”895 Esse autor justifica

sua atenção maior a alguns escritos dizendo que há os documentos essenciais para o

conhecimento político de Bolívar, e outros “...que parecem contradizer ideias

anteriormente defendidas por ele, podem[ndo] ser atribuídos a circunstâncias especiais

e transitórias...”896 Diz também que para conhecer uma personagem, não se deve

estudar os fragmentos de sua obra, mas ela como um todo. Na dissertação de Daniel

Sadler ("O pensamento de Sarmiento" (50m)), temos que a principal fonte para estudar

Sarmiento é ele próprio através de suas obras completas. Francisco Gomes ("O sistema

de cristandade..." (53m)) coloca que não se dedicou a fontes primárias para trazer dados

novos, mas procurou enquadrar as informações disponíveis em um certo quadro teórico.

Documentos produzidos pelo Estado e chefes de governo continuam sendo os

principais para os estudos, estando presentes em 13 das 17 dissertações 897 São registros

diplomáticos, relatórios de presidentes de província, secretários e ministros, anais

legislativos, registros eleitorais e discursos de lideranças. Menos comuns nas pesquisas

do mestrado dessa época, foram explorados também processos judiciais ("Os donos da

terra..." (46m)) e fontes policiais ("A oligarquia açucareira..." (54m)).

Foram centrais para 5 estudos898 fontes de entidades não-estatais (algumas delas,

entretanto, profundamente imbricadas em governos) como Federação de Cafeicultores

da Colômbia, Comissão Econômica para América Latina e Caribe (CEPAL),

Confederação Nacional da Indústria (CNI), Associação de Livre-Comércio da América

Latina (ALALC), Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional (SAIN), Congresso do


895
EL-JAICK, Sérgio. O pensamento... p. 5
896
EL-JAICK, Sérgio. O pensamento... p.55
897
"O café no contexto..." (33m), "Sociedade e educação..." (34m), "Ação e reação..." (38m), "Política
econômica de Juan M. Rosas" (39m), "A ALAC e a integração..." (43m), "Os donos da terra..." (46m), "O
pensamento político..." (47m), "A abertura do Paraguai..." (48m), "O pensamento de Sarmiento" (50m),
"Coronéis sem patente..." (51m), "A oligarquia açucareira..." (54m) e "Isto é o que parece..." (55m).
898
"O café no contexto..." (33m), "Congresso do Panamá.." (39m), "O clero secular..." (41m), "A ALAC e
a integração..." (43m), "Isto é o que parece..." (55m),
346

Panamá e Igreja Católica.

Periódicos estiveram presentes em 6 estudos899. Fontes cartoriais foram centrais

para o estudo de Célia Muniz sobre propriedade fundiária ("Os donos da terra..."

(46m)), e o de Tereza Serejo sobre coronelismo ("Coronéis sem patente..." (51m)).

Relatos de viagem foram trabalhados por Muniz ("Os donos da terra..." (46m)) e Silva

("O cancro roedor..." (42m)). Para este historiador foram centrais também livros de

memórias familiares, e de observações agrícolas e econômicas. Por fim, mencione-se

que dezenas de entrevistas foram utilizadas também por Tereza Serejo ("Coronéis sem

patente..." (51m)).

Tabela 17 Quantitativo da presença de autores


em bibliografias da terceira turma
1° Celso Furtado 10
2° Caio Prado Jr. 9
Fernando Henrique Cardoso
3° Florestan Fernandes 7
4° Arthur Cézar Ferreira Reis 5
Carlos Guilherme Motta

Comparando essa lista de autores à da segunda turma, não temos mais a projeção

de autores dedicados à América. Por outro lado, mantém-se Furtado, Prado Jr. e Cardoso

como três das principais referências bibliográficas dos estudantes.

Ainda que essa turma tenha se engajado mais em debates com autores, temos

que os dois intelectuais que encabeçam a lista aparecem, novamente, mais como fonte

de informações do que como inspiração teórica. Porém, não é tanto o caso com

Fernando Henrique Cardoso, já que sua teoria da dependência teve algumas menções,

899
"O café no contexto..." (33m), "Ação e reação..." (38m), "O clero secular..." (41m), "Coronéis sem
patente..." (51m), "A oligarquia açucareira..." (54m),
347

como vimos.

Para citar alguns clássicos autores nacionais, Raymundo Faoro e Sérgio Buarque

de Hollanda foram fontes para 4 trabalhos cada. Gilberto Freyre, para 2. Entre o cânone

sociológico, Max Weber e Émile Durkheim não constam em nenhuma bibliografia. Karl

Marx, em 5; Antonio Gramsci em 4. Pierre Bourdieu aparece em 3 trabalhos, e Louis

Althusser em 2.

O número de páginas das dissertações é muito variável. A menor tem 70. A

maior, 489. A média de páginas é 188.

Retenções importantes sobre essa terceira turma são:

1) Os temas e recortes das dissertações continuam acompanhando aqueles

desenvolvidos pelos professores no curso, ainda que menos proximamente. Por

exemplo, o século XX, proporcionalmente, recebeu mais atenção dos docentes nas

ementas de seus cursos que dos discentes no momento da escolha de seus assuntos de

pesquisa. O mesmo se pode dizer sobre História do Brasil em relação à História da

América. De qualquer forma, como para o argumento não se trata de correspondências

numéricas perfeitas, continuamos tendo que, em linhas gerais, recortes e temas

promovidos por docentes serão aqueles também desenvolvidos por estudantes, a saber,

predominância do século XIX; “política” mais privilegiada que “economia”; e

“América” e “Brasil” recebendo, praticamente, o mesmo nível de atenção. Assim,

reafirma-se o que vínhamos colocando desde o primeiro capítulo: em um nível imediato

e geral, características da produção historiográfica discente são tributárias daquelas de

seus professores.

2) Dos estudos que podemos chamar de “regionais” (6), uma minoria (2) se

dedica a espaços do Rio de Janeiro. Entre os outros 4, a escolha pelo recorte geográfico
348

se deu principalmente por se tratar da região de origem ou formação dos estudantes

(Sergipe, Pernambuco e Pará).

3) Comparada às duas primeiras turmas, a terceira se engaja mais em discussões

teóricas, metodológicas e historiográficas. Não apenas é maior o número de dissertações

com essas marcas, mas também há muito mais densidade e volume nos autores que se

dispuseram nesse sentido.

É temerário quantificar as dissertações nesse quesito: uma contagem que

considerasse qualquer menção conceitual ou teórica seria enganosa pois há dissertações

em que literalmente só consta uma frase relacionada a esses domínios. Entretanto,

aumentar o critério para a contagem significa se ver às voltas com classificar o que seria

pouca ou muita discussão teórica, metodológica ou historiográfica. Dado esse alerta

contra o objetivismo numérico, deve-se expressar de alguma forma a notável

progressividade com que as turmas que são nosso objeto vão se ocupando das

formulações não empíricas. Diríamos então que se na primeira turma são 2 ou 3 as

dissertações com exposições substantivas nessas esferas ("Município de Estrela..." (6m),

"Atividades capitalistas..." (11m) e "A educação brasileira..." (12m)), a segunda turma

teria 4 ("A crise dos comissários..." (18m), "Argentina: economia e sociedade..." (25m),

"A rebeldia negra..." (30m) e "A ideia de nação..." (32m)) e a terceira, 6 ("Ação e

reação..." (38m), "O cancro roedor..." (42m), "Os donos da terra..." (46m), "Coronéis

sem patente..." (51m), "O sistema de cristandade..." (53m), e "Isto é o que parece..."

(55m)) – com a diferença que nesse último grupo o número de páginas dedicadas é

muito maior, inclusive havendo capítulos inteiros dedicados à teoria e a conceitos. É

difícil precisar a que isso se deve, porque ignoramos a trajetória de formação da maior

parte dos estudantes, bem como o clima intelectual de que participavam fora do curso. É
349

de se salientar, porém, que o professor Victor Valla parece ter sido um interlocutor ou

estimulador dos que mais se projetavam em debates, visto que foi orientador da maior

parte das dissertações destacadas.

Por outro lado, note-se que se trata ainda de uma minoria (6 entre 17). A maior

parte dos trabalhos continua quase exclusivamente dedicada à empiria.

4) Em algumas dissertações, há referências a disputas de paradigmas

historiográficos e visões epistemológicas. Objetividade e subjetividade, teoria e empiria

e cientificidade são alguns de seus temas, enquadrados em uma perspectiva de que uma

historiografia melhor estaria superando uma outra tradicional.

5) O marxismo, teoricamente, se desenvolve mais entre as dissertações. Na

segunda turma, formulações com volume embasadas nos referenciais marxistas são

encontradas em 2 dissertações ("A crise dos comissários..." (18m) e "A ideia de

nação..." (32m)). Nesta terceira turma, em 6 ("Ação e reação..." (38m), "O cancro

roedor..." (42m), "Os donos da terra..." (46m), "Coronéis sem patente..." (51m), "O

sistema de cristandade..." (53m) e "Isto é o que parece..." (55m)). Também crescem as

leituras que enfatizam as questões da opressão e da resistência. Entre os docentes, além

de Ismênia Martins, Victor Valla deve ter desenvolvido essa perspectiva entre os

estudantes.
350

Parte 3 - História da historiografia

Capítulo 5 - Historiadores, intelectuais


“Sentou-se bêbado à mesa e escreveu um fundo
Do Times, claro, inclassificável, lido
Supondo (coitado!) que ia ter influência no mundo...
…...
Santo Deus!...E talvez a tenha tido!”
(Álvaro Campos (Fernando Pessoa))

5.1 Esperando Marc Bloch

Na leitura de Pierre Bourdieu, a definição do que é boa e correta ciência é objeto

de disputa no campo:

“Na luta em que cada um dos agentes deve engajar-se


para impor o valor de seus produtos e de sua própria
autoridade de produtor legítimo está sempre em jogo o poder de
impor uma definição de ciência […] que mais esteja de acordo
com seus interesses específicos. A definição mais apropriada
será a que lhe permita ocupar legitimamente a posição
dominante e a que assegure, aos talentos científicos de que ele é
detentor a título pessoal ou institucional, a mais alta posição na
hierarquia dos valores científicos […].
Assim, a definição do que está em jogo na luta científica
faz parte do jogo da luta científica: os dominantes são aqueles
que conseguem impor uma definição da ciência segunda a qual
a realização mais perfeita consiste em ter, ser e fazer aquilo que
eles têm, são e fazem.”900

Trabalharemos com a hipótese de que no meio acadêmico da História duas

propostas historiográficas concorriam. Tal como aparecem em fontes primárias e em

estudos dedicados à história da historiografia, a essas propostas historiográficas nos

referiremos como sendo uma “antiga” ou “tradicional” e outra “nova” ou “moderna”.

Assim o faremos por falta de termos melhores e a despeito da consciência de que

classificar dessa forma uma oposição parece assumir acriticamente a narrativa do lado

vencedor que carrega a alcunha do moderno – veja-se, por exemplo, trabalhos de


900
BOURDIEU, P. O campo científico.... Aspectos fundamentais da compreensão de campo de Bourdieu
foram apresentados no nosso primeiro capítulo.
351

François Dosse já citados nessa tese que mostram justamente que o discurso de

renovação historiográfica que os Annales apresentavam continha deturpações: a fim de

acentuar a ruptura intelectual que estariam promovendo, acabaram, por exemplo, por

encobrir que elementos “novos” já poderiam ser encontrado nos historiadores “antigos”.

Em “A história em migalhas”, Dosse nos aponta que as propostas epistemológicas dos

Annales já tinham difusão no meio intelectual francês, sendo a grande realização de

Marc Bloch e Lucien Febvre não a invenção de ideias, mas a mobilização delas em um

projeto de luta e conquista institucionais901. Outro problema de operar com termos que

marcam a dicotomia “novo” e “velho” é que eles espremem em rótulos pensamentos

que possuem diversidade de características. Não obstante – e essa é a dimensão que

interessa para o argumento e que pretendemos demonstrar - se tratam das principais

noções sob as quais acadêmicos se orientaram simbolicamente nas décadas de 1960 e

1970.

Uma importante fonte para se entender as tensões dos intelectuais dos cursos de

História são os anais do I Simpósio de Professores de História do Ensino Superior que,

reunindo docentes de diversas partes do país, aconteceu em Marília, no ano de 1961,

onde foram dados os primeiros passos para a construção da futura Associação Nacional

dos Professores Universitários de História (ANPUH) – primeiramente chamada

Associação dos Professores Universitários de História (APUH). Além de debaterem a

reforma universitária, então assunto político sensível a ponto de certo grupo de

professores quererem excluí-lo da pauta, o Simpósio também se dedicou a pensar os

currículos dos cursos de História. Várias vozes se colocaram demandando uma inovação

das características do que era ensinado. Professores como Cecília Westphalen, Maria

901
DOSSE, F. A História em migalhas...; DELACROIX, C., GARCIA, P.; DOSSE, F.. Correntes
históricas....
352

Yedda Linhares, Francisco Falcon, José Olegário de Castro, entre outros, falaram da

importância do estudo da Economia, da ênfase que se deveria ter em História

Econômica e Social, de que a História tivesse maior entrosamento e adotasse os

métodos de outras Ciências Sociais902. Colocavam-se contra o conteudismo, ou seja,

uma História que primasse pela veiculação de informações. Em seu lugar, deveria se

trabalhar novos métodos e técnicas. Para Cecília Westphalen,

“A História não tem necessidade de continuar utilizando


o método da História Tradicional. Há lugar para aplicar os
métodos e técnicas das demais ciências sociais. Já que não é
possível ensinar tudo, o mais importante é a transmissão de
técnicas de trabalho.”903

Vai no mesmo sentido a colocação de Eduardo França:

“É preciso renunciar a dar matéria ou toda a matéria; e


em lugar da matéria dar técnica de trabalho. O professor deve
procurar levar o aluno à reflexão […] A matéria deve ser dada
como pretexto para transmitir uma técnica, desenvolver o
espírito crítico do aluno; a aula como maneira de despejar
conhecimento é discutível e sua utilização deve ser revista.”904

Nas palavras de Eremildo Viana, a História corria o risco de se tornar

enciclopedismo medíocre e barato.905 Para Alice Canabrava, a História como uma

ciência ainda se encontrava na “infância” pois estaria “apenas transpondo a sua fase

empírica – a fase do relato, do arrolamento dos fatos registrados – e que acaba de

chegar ao campo do conhecimento racional.” 906. Canabrava também opõe a história

narrativa (que chama “evenementielle” ou história “historizante”) a uma outra, que é

aprofundada com o concurso de outras ciências e onde se destacariam as análises

902
SIMPÓSIO DE PROFESSÔRES DE HISTÓRIA DO ENSINO SUPERIOR, 1961, Marília. Anais São
Paulo: 1962. 89-90; 98;138.
903
Idem. Ibidem. p.112
904
Idem. Ibidem. p. 104
905
Idem. Ibidem. p. 145
906
Idem. Ibidem. p. 121
353

quantitativas.907

Em oposição a esses que demandavam novas abordagens nos cursos, temos, por

exemplo, Pedro Calmon afirmando que a narrativa e a descrição – assim como a

explicação e a interpretação – devem fazer parte da História. Por sua vez, Olga

Pantaleão, questiona a integração da História com outras Ciências Humanas tal como

proposto por “...certas correntes existentes entre nós, que querem modificar-lhe a

posição e dar-lhe novo conteúdo...”908

A relação entre o estudo da História e as questões do presente também ocupou os

professores cujas manifestações foram registradas nos anais. Eduardo França apontou

que pesquisas sobre o passado são suscitadas por questões da atualidade, de forma que a

História deve corresponder às solicitações em torno dos problemas sociais, e no mesmo

sentido se posicionou Francisco Iglésias909. Maria Yedda Linhares seria mais enfática na

sua posição apontando a educação como instrumento de mudança social para se

trabalhar as questões da “autodeterminação política”, “independência econômica” e

“justiça social”:

“Julgamos apenas conveniente lembrar aqui a nossa


posição como educadores e o nosso dever de participar nos
acontecimentos, colocando nossas ideias em sintonia com os
tempos que vivemos. Do contrário, ficaremos à margem da
História, como no passado.”910

Diferentemente, Olga Pantaleão se mostrou refratária à ideia de que a História

deve servir para explicações sobre os momentos atuais do Brasil: “No tocante a esta

questão, devemos ensinar a História como uma ciência independente, sem pensar na

sua sujeição a interesses do momento.”911


907
Idem. Ibidem. p. 124
908
Idem. Ibidem. p. 232
909
Idem. Ibidem. p. 104
910
Idem. Ibidem. p. 163.
911
Idem. Ibidem. p.229-0.
354

Permearam esse encontro muitas outras discussões que denotam a concorrência

de propostas. O professor e padre Emilio Silva colocaria que “São as ideias que

governam o mundo, não a produção ou a economia.” 912. Os participantes do simpósio

refletiram com diferentes posições sobre a presença nos currículos de cursos como Tupi,

Paleografia, Numismática, Pré-História, Economia, Sociologia, História Eclesiástica,

Introdução aos Estudos Históricos e outros. Ponto de debate também foi o papel dos

cursos de graduação no tocante às pesquisas – referidas por alguns através do termo

“especialização”. Enquanto certos docentes queriam, por variados motivos, reforçar a

ênfase das Faculdades de Filosofia na formação de professores para o ensino

secundário, outros entendiam a necessidade de estudantes se voltarem com mais volume

às fontes primárias913. Entre as conclusões do simpósio, se apontou que os currículos

deveriam cuidar mais de História Contemporânea; que História da América e do Brasil

deveriam abordar assuntos de economia, sociedade e cultura, e não apenas a narrativa

cronológica de aspectos político-administrativos; o Tupi deveria ser retirado dos

currículos; e os alunos deveriam ter “treinamento no campo da técnica do trabalho do

historiador”914

Como colocou Olga Pantaleão neste simpósio de 1961, o sentimento geral era o

de que ninguém estava satisfeito com os cursos, sendo inclusive esta uma motivação

para acontecer o encontro915. A profusão de propostas e diferenças nos indica haver

naquele momento uma crise de capital simbólico entre os professores universitários. Ou

seja, não havia consenso sobre o que seria cientificamente válido, superior, correto (o

que em seu léxico conceitual Bourdieu chama de “ortodoxia”). Se é evidente que no

912
Idem. Ibidem. p. 129.
913
Idem. Ibidem. p. 207, 209, 215, 235.
914
Idem. Ibidem.p. 302-3.
915
Idem. Ibidem.p. 220-1.
355

campo das ciências – talvez mais especialmente o das humanas – verifica-se sempre

divergências entre os agentes, o que se nos apresenta nesse início da década de 1960 nos

parece uma especial situação. Isto não porque se versava sobre as características mais

elementares do ofício profissional de professor de História e historiador – ou seja, por

meramente se tratar de conteúdos importantes. Mas principalmente pelo fato de os

“novos” estarem em ofensiva reformadora nas instituições, pautando a caducidade de

uma certa produção científica, procurando estabelecer a autoridade das referências que

carregavam e promovendo choques (situação, aliás, potencializada pelo engajamento e

as incertezas do cenário político nacional)916. Suas propostas científicas, naquele

contexto, alterariam as bases de prestígio (poder simbólico) acadêmico, o que redefiniria

dominantes e dominados no interior do campo.

Estudando não apenas este primeiro simpósio de professores, mas tendo como

objeto a APUH/ANPUH nas décadas de 1960 e 1970, uma das questões do trabalho de

Paulo da Silva é justamente a problemática que aqui levantamos, onde procura entender

como se estabeleceu o predomínio de um certo grupo e suas orientações e regras quanto

à definição do perfil profissional e do modelo de História a ser escrita e ensinada 917.

Para o autor, os primeiros anos da instituição estão divididos entre os que defendem e os

que combatem mudanças nos estudos históricos918. Acabou vigorando um ideal de

modernização que “...evidencia-se nas propostas e discussões relatadas nos Anais dos

simpósios, cuja memória selecionou e conferiu visibilidade e destaque, construindo

916
Essa é a tônica da já citada dissertação de Pereira (“O historiador...”) que se debruça sobre a FNFi e
também aborda este encontro de Marília. Como observado na tese de doutorado de Paulo da Silva, o
registro de Francisco Falcon sobre os simpósios, se comparado com a frieza dos anais, apresenta com
mais cores as tensões presentes nos dois primeiros encontros nacionais. Não é o caso de dizer que o relato
de Falcon é mais fiel ao que realmente aconteceu, mas que ele põe melhor em evidência a existência de
disputas e desconforto no meio acadêmico. Ver SILVA, Paulo. A Associação Nacional dos Professores
Universitários de História: espaço de identificação profissional e legitimação do saber (1961–1977).
Tese de doutorado. UNB, 2014.
917
Idem. Ibidem. p. 10
918
Idem. Ibidem. p. 10
356

silêncios em torno de outras propostas, orientações e modos de ver a história.” 919.

Apesar de certa diversidade de significados, de maneira geral essa História “nova” era

compreendida por estar sintonizada com o tempo presente, com estímulo à prática da

interdisciplinaridade, pelo diálogo com as ciências sociais e identificada

predominantemente com as orientações dos Annales. (A APUH/ANPUH também

ajudaria a cristalizar a hierarquia entre saberes compreendendo o professor do ensino

básico como vulgarizador do conhecimento produzido academicamente).920 Se os dois

primeiros simpósios da instituição demonstram um grande nível de embate, a partir do

III Simpósio passam a dominar a entidade professores de São Paulo (os do Rio foram

mais diretamente atingidos pelo golpe de 1964) influenciados pelos franceses ligados às

propostas dos Annales.921

Em uma das colocações trazidas pelo estudo de Silva, Francisco Carrión da

UFRGS, no IV Simpósio em 1967, menciona negativamente os historiadores dos

acontecimentos superficiais que fazem o “jogo estético” ao invés do conhecimento

científico922. Pronunciando-se por ocasião dos dez anos da Associação, Alice Canabrava

aponta que o “amadorismo”, outro elemento dos “antigos”, preocupado com nomes e

datas, e presente nos anos 1960, estaria desaparecendo no início da nova década 923.

Assim também coloca Eurípedes Simões de Paula, influente docente da USP e

presidente da ANPUH até 1977, quando de seu falecimento. Como demonstra Silva, a

retórica do antigo versus novo, tradicional versus moderno, foi fundamento na definição

da identidade construída na APUH/ANPUH para a História e seus profissionais, em que

se valorizava principalmente, ainda que não exclusivamente, referências dos Annales e

919
Idem. Ibidem. p. 15
920
Idem. Ibidem. p. 16
921
Idem. Ibidem. p. 217
922
Idem. Ibidem. p. 288
923
Idem. Ibidem. p. 285
357

da USP924.

Relembramos que aqui não estamos supondo que características do

conhecimento histórico possam ser meramente identificadas em bloco como

“influenciada pelos Annales” ou “tradicional”. Elementos do que se entendia como

“antigo” e “novo” se interpenetram, e podemos até mesmo imaginar a existência de

historiadores que tenham um discurso de vanguarda, mas que produzam uma História

“tradicional”. O nosso ponto é evidenciar que havia balizas para que os intelectuais se

situassem simbolicamente.

Outra fonte importante para nós é o livro Métodos da História, escrito por Ciro

Cardoso e Héctor Brignoli no início dos anos 1970 (e publicado em 1976) 925. Como

vimos em nosso primeiro capítulo, a chegada de Ciro Cardoso à Niterói em 1979 seria

uma das marcas de uma mudança dos rumos científicos no curso. Tendo se formado na

FNFi em 1965, concluído pesquisa na França, atuado na Costa Rica e no México, e se

tornado historiador de influência mesmo antes de sua volta ao Brasil, a visão de Ciro

Cardoso sobre a historiografia se mostra relevante para compreendermos o que estava

em jogo quando historiadores faziam História naquele momento.

Para Cardoso e seu co-autor, Brignoli, se em muitos lugares não faria mais

sentido combater a “velha história”, “Desgraçadamente não podemos dizer o mesmo

da Ibero-America, onde só o atraso cultural continua a justificar a vigência, e até o

predomínio, de uma visão positivista e anacrônica da história.”926. O primeiro capítulo

trata da evolução então recente da História, onde resume que o caminho percorrido tem

seu início na História linear dos fatos singulares até chegar na História das estruturas,

onde se deixa para trás as noções de imparcialidade e neutralidade. Em colocação

924
Idem. Ibidem. p. 315.
925
CARDOSO, Ciro & BRIGNOLI, Héctor. Os métodos da História. Rio de Janeiro: Graal, 2002.
926
Idem. Ibidem. p. 15.
358

lapidar, temos que “Um certo número de termos resume o essencial da nova

problemática e metodologia que a história veio adotando nos últimos quarenta anos:

quantificação, conjuntura, estrutura, modelo.”927 A quantificação e a ideia de totalidade

tem grande significado nesse movimento que vai “Do acontecimento à estrutura; da

curta à longa duração; do individual ao coletivo.”928 Haveria também um grande ganho

epistemológico, uma vez que os historiadores tem exposto suas hipóteses antes

implícitas e não confessadas: “as certezas ou verdades “definitivas” da historiografia

positivista pertencem ao passado”929

O próprio Métodos da História faria parte desse movimento de renovação

historiográfica que estaria em curso mesmo na “atrasada” América Latina:

“Claude Lévi-Strauss descreve-nos as ciências sociais


e/ou humanas como disciplinas ainda em sua “pré-história”,
ciências em processo de construção, cujo ponto de referência e
modelo é constituído pelas verdadeiras ciências: matemática,
física, etc.. De modo análogo, a história surge como uma
disciplina que, ao contato com outras ciências sociais torna-se,
pouco a pouco, uma ciência social afastando-se cada vez mais
de seu passado filosófico e literário e das ilusões cientificistas
do positivismo.”930

Com o que trazemos de referências, não estamos supondo que essa tensão

“tradicional” e “moderna” fosse a única existente ou relevante no debate sobre as

concepções de historiografia nesse momento que estudamos. Através dos estudos de

Rebeca Gontijo, Fábio Franzini e Maria Glória de Oliveira, vemos que outros debates

eram feitos pelos pesquisadores e docentes enfatizando o caráter ideológico dos estudos,

a questão do nacionalismo, a relação entre historiografia e desenvolvimento, entre

927
Idem. Ibidem p. 25.
928
Idem. Ibidem. p. 29.
929
Existe uma controvérsia em classificar a história “tradicional” como positivista, já que um traço forte
dos que assim foram reconhecidos era supor a existência de leis sociais objetivas, algo não
necessariamente encontrável nos metódicos franceses, por exemplo.
930
CARDOSO, C. & BRIGNOLI, H. Os métodos..... p. 44
359

outros931. Contudo, nos registros sobressai a ideia de que estaria ou deveria estar em

processo uma renovação intelectual, uma superação de um modo de ser historiador e

docente, um real progresso sobre aquilo considerado atrasado, e sua forma é uma réplica

do discurso de afirmação de Marc Bloch e Lucien Febvre na França da primeira metade

do século XX. Como vimos em nosso primeiro capítulo, essa tensão “antigo” e “novo”

foi pano de fundo de uma disputa científica (também necessariamente uma disputa

política no campo em suas dimensões específica e temporal)932 no interior do curso de

mestrado que estudamos no momento de definição de suas áreas de concentração. Na

leitura de Francisco Falcon, que participou de planejamentos para o início do curso em

1970 e foi docente a partir de 1977, por conta dos “brasilianistas” o mestrado foi

dominado por uma perspectiva “tradicional” que gerou dissertações de má qualidade.

Naquele primeiro capítulo, questionamos a ideia de Falcon de um curso dominado por

“brasilianistas” (mais correto seria identificá-los como estrangeiros), muito embora sua

presença tenha sido mesmo expressiva. Aqui, nos cabe uma outra reflexão. Se estiver

correta a nossa suposição de que “antigo” e “moderno”, como definições imprecisas

mesmo, eram as principais classificações da historiografia universitária, categorias que

mediavam o discurso legitimador de uma certa prática científica, como essa tensão teria

se processado nas dissertações de História da UFF?

Percebamos primeiramente a descontinuidade entre o verificado no mestrado da

UFF nos anos 1970 e as disputas intelectuais vividas no curso de História da FNFi de

finais de 1950 e primeira metade da década seguinte. Conforme apresentamos no

931
OLIVEIRA, Maria da Glória de & GONTIJO, Rebeca. Sobre a História da Historiografia brasileira:
um breve panorama. R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 177 (472):13-37, jul./set. 2016. FRANZINI, Fábio &
GONTIJO, Rebeca. “Memória e História da historiografia no Brasil: a invenção de uma moderna
tradição, anos 1940-1960.” IN: SOHIET, Rachel; ALMEIDA, Maria Regina Celestino; AZEVEDO,
Cecília & GONTIJO, Rebeca. Mitos, projetos e práticas políticas: memória e historiografia. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2009.
932
Esses conceitos são apresentados em nosso capítulo 1.
360

primeiro capítulo, esse curso de História da cidade Rio de Janeiro é fundamental para a

compreensão histórica do mestrado da UFF, apesar da diferença geográfica. Na FNFi,

através de seu vibrante alunado e de alguns docentes, se mantinha no debate público

uma postura que podemos identificar como vanguardista, renovadora. Pautavam-se por

uma necessidade de mudar a forma do ensino de História, universitário e secundário,

que estaria segundo o seu discurso dedicada ao factualismo, alheia às questões do

presente e com pretensões de neutralidade. Reclamavam também a necessidade de

novos temas, valorizando, por exemplo, aspectos econômicos. Suas formulações

estiveram expressas sobretudo no Boletim de História - publicação de iniciativa

estudantil de finais dos anos 50 - e no sintomaticamente chamado História Nova, livro

didático construído nos escritórios do ISEB, mas com a participação de formados pela

FNFi (e membros do PCB). Como parte de uma juventude daquele período que

projetava o futuro com anseios de mudanças sociais profundas, suas leituras sobre a

História acadêmica e escolar carregavam uma concepção de destruição do antigo e de

desenvolvimento de algo superior, de maiores densidade intelectual e direcionamento

político. Seu engajamento em torno do conhecimento histórico tinha na mira aspectos

organizativos e institucionais do curso de História, além de ressoar com a política

nacional. Esse movimento foi dissipado pelo golpe de 1964 e seria de bem menor

agitação contestatória o ambiente onde nasceu o curso de mestrado da UFF. Isso não

significa, de forma alguma, dizer que os cursos fluminenses de História da década de

1970 não projetassem evoluções científicas, mas que, no Rio de Janeiro, o principal

motor e estímulo para a reflexão historiográfica renovadora, o movimento estudantil e

alguns docentes engajados, tiveram suas ações embarreiradas com a emergência da

ditadura.
361

Porém, obviamente, não seria a luta social a única fonte de historiadores,

estudantes e professores de História. Para avançar na compreensão do quadro das

disputas científicas que levantamos, observemos agora as especificidades da evolução

científica de outras instituições, considerando aspectos políticos, administrativos e a

tradição intelectual. Nossas observações se concentrarão ao produzido na USP e na

UFPR porque temos em relação a estas universidades maior base de informações em

fontes secundárias e também porque junto com a UFF respondem por mais de 70% da

produção acadêmica até 1979. Entender política e academicamente o acontecido em

outras regiões do país nos subsidiará para melhor definir e compreender a evolução

historiográfica na UFF, à qual retornaremos.


362

Tabela 18 - Quantitativo de trabalhos discentes


defendidos até 1979 nas pós-graduações de
História depois da Reforma Universitária933
USP 132 43,80%
UFF 56 18,60%
UFPR 33 10,90%
UFSC 22 7,30%
PUC/RS 19 6,30%
UFPE 17 5,60%
UFG 14 4,60%
PUC/SP 8 2,60%
UnB
TOTAL 301 100,00%

Tabela 19 – Ano de início das defesas de


dissertações e teses em História das universidades
no pós-reforma universitária até 1979.934
USP 1973
UFF 1974
UFPR
UFG
PUC/SP 1977
PUC/RS
UFPE
UFSC
UnB 1978

Não conhecemos ainda muitas histórias dos cursos de História que contemplem

as diversas regiões do país e, muito menos, uma síntese embasada que abarque a

historiografia produzida nas diferentes pós-graduações da década que estudamos.

Entretanto, em relação ao curso de Mestrado da UFPR, encontramos referências para

nossas questões na pesquisa realizada por Daiane Machado. Em 1938, Curitiba recebeu

933
CÔRREA, C. Catálogo...
934
Idem. A Unicamp e a UFRJ iniciaram suas defesas em 1980. A UNESP de Franca, em 1983 e a UNESP
de Assis em 1985.
363

o terceiro curso de História e Geografia criado no Brasil (os primeiros foram em São

Paulo e no Rio de Janeiro). As definições científicas que veio a ter esse curso tem como

uma de suas referências centrais a figura de Cecília Westphalen. Os primeiros estudos

dessa historiadora, um dedicado ao Paraná outro a Carlos V, tem preocupação com fatos

e cronologias, em uma historiografia semelhante à feita nos institutos históricos e

geográficos. Em relação ao trabalho sobre Carlos V, destaca-se o aspecto biográfico em

que a ação política é a chave de compreensão do processo histórico. A leitura de

Westphalen mudaria decisivamente a partir de contatos com estudiosos europeus, entre

eles Fernand Braudel. A historiadora então se lançou a pesquisar o porto de Paranaguá,

pensando a economia paranaense do século XIX através de métodos quantitativos 935. Já

na década de 1960, Westphalen projeta na graduação o trabalho de arquivos com fontes

quantitativas com financiamento do Estado do Paraná a partir de órgão do governo de

que a própria professora participava936. Estudantes de graduação então teriam o trabalho

com fontes como parte de sua formação. Em 1972, a pós-graduação da UFPR foi

instituída. As linhas de História Econômica e História Demográfica remetiam a planos

que se originaram em 1959, de forma que o mestrado pode ser compreendido como

extensão da graduação, uma continuação do que ali já era pensado e produzido937.

Consolidou-se na instituição um pensamento matemático, com disciplina obrigatória

voltada para a estatística e o processamento de dados e uma prática historiográfica que

inclusive contava com uso de computador IBM. Um slogan mobilizado por Westphalen

era “pas des chiffres, pas d'histoire” (sem cifras, sem história)938.

935
MACHADO, Daiane. “Modo de ser historiadora: Cecília Westphalen no campo historiográfico
brasileiro da segunda metade do século XX” IN: História da historiografia. Ouro Preto, n. 22. Dezembro
de 2016.
936
MACHADO, Daiane. POR UMA “CIÊNCIA HISTÓRICA”:o percurso intelectual de Cecília
Westphalen, 1950 – 1998. Tese de Doutorado. Universidade Estadual Paulista. Assis, 2016. p. 157
937
Idem. p. 158 e 169.
938
Idem. p. 159
364

Alguns elementos nos indicam que o curso de Mestrado da UFPR, tanto em

relação ao seu corpo docente quanto à sua produção discente, foi muito mais

homogêneo e coeso intelectualmente que aquele da UFF. Até 1979, período em que se

encerra nosso recorte, a UFPR produziu 33 trabalhos dos quais apenas 4 docentes foram

orientadores, os principais intelectuais do programa: além de Westphalen, Altiva

Balhana, Oksana Boruszenko, e Pinheiro Machado 939. Havia consenso bibliográfico em

torno dos Annales e das proposições de Braudel 940, e ao longo da década de 1970,

professores foram à França obter seu doutorado junto a referências do trabalho

quantitativo e serial que tinham relações com Westphalen e seu grupo. Os títulos das

dissertações produzidas são também indicativos da atenção bastante centrada em

estudos populacionais e de atividade econômica. Como aponta Machado, havia

“enlace” entre projetos de pesquisa docente, ensino na graduação e formação do

docente para o mestrado, e estabilidade desse quadro historiográfico dentro do curso.

Apenas na década de 1980 passariam a chegar mais significativamente na UFPR leituras

de Michel Foucault, Eric Hobsbawn e E. P. Thompson, fazendo frente ao que

Westphalen havia impresso na instituição941. Sob a liderança de Westphalen, profissional

com projeto científico de fôlego e com entrada e contatos com órgãos governamentais

brasileiros e intelectuais europeus, afirmou-se em Curitiba, de forma hegemônica, uma

certa prática historiográfica. Se comparamos vários dados do mestrado da UFPR e da

UFF como número e perfil de orientadores e docentes e a exploração temática das

disciplinas e dissertações, temos que o programa de Niterói é bem mais diverso, ou

disperso (além do primeiro ter sido, assim o depreendemos de nossa leitura de

Machado, também mais organizado e planejado intelectual e institucionalmente,

939
Idem. p. 160 e 164.
940
Idem. p. 170
941
MACHADO, D. “Modo de ser...” p. 140
365

enquanto que o da UFF era marcado bastante por improviso e casuísmo, como

demonstramos no primeiro capítulo). Se retomarmos o binômio “velha” e “nova”

historiografia presente no I Simpósio dos Professores Universitários - e, aliás, presente

também na biografia de Westphalen que se deslocou de uma forma para outra – temos

que a tensão foi resolvida categoricamente em Curitiba, já nos anos 1960. A década

seguinte, quando se inicia a pós, encontrou profissionais afinados pelas mesmas

referências e objetivos, além de solidez institucional, um dos frutos da atuação da

historiadora que circulava por espaços de poder.

Além da UFPR, a Universidade de São Paulo também foi um espaço de difusão

das perspectivas francesas. Local onde se primeiro criou um curso de História no país e

principal centro de produção de pesquisas no período que analisamos, é, pelo seu

volume, a principal porta de entrada da inovadora escola dos Annales no Brasil. Desde a

década de 1930, quando de sua criação, ela teve em seus quadros professores que

faziam parte do círculo da influente revista francesa, como Emile Coornaert, Fernand

Braudel, Jean Gajé, Emile Leonard e Jean Glénisson. Em seus cursos, esses

profissionais privilegiavam estudos econômicos e sociais e tiveram grande influência na

formação de novos quadros. O artigo de Capelato, Glezer e Ferlini cita a influência

francesa das pesquisas de docentes brasileiros da instituição, como Eurípedes Simões de

Paula, Pedro Moacir Campos, Eduardo d'Oliveira França, Alice Canabrava, Astrogildo

Rodrigues de Mello e Olga Pantaleão942. Para os pesquisadores Diogo Roiz e Jonas dos

Santos, a USP abalaria o domínio dos Institutos Históricos e Geográficos afinados pela

“historiografia metódica”943 Outro elemento que marca a influência francesa foi a

criação da Revista de História em 1950, pensada por uspianos para ser uma versão

942
CAPELATO, M. et all. “A escola uspiana...”
943
ROIZ, Diogo & SANTOS, Jonas. As transferências culturais na historiografia brasileira. Leituras e
apropriação do movimento dos Annales no Brasil. Jundiaí: Paco Editorial, 2012. p. 143.
366

brasileira dos Annales944. Não obstante, encontravam-se presentes no curso professores

que eram identificados como “tradicionais” como Afonso Taunay e Alfredo Ellis Jr.. A

memória deste último professor esteve associada ao conservadorismo, à desatualização

e ao positivismo, o que novamente evidencia a tensão que estamos destacando. 945

(porém, e como sinal de que não resiste à análise supor que o “tradicional” comporte

algumas atribuições fixas, temos que Ellis Jr. pautava a determinação econômica - traço

geralmente associado ao marxismo e à renovação - além de supor que o historiador deva

tomar partido, muito embora paradoxalmente também compreendesse a necessidade de

imparcialidade de relatos.)946. Se, pela presença deste professor, se observava na

faculdade paulista que, junto à tradição dos Annales, havia uma outra “nacional” e

ligada genericamente à escola metódica e ao autodidatismo, esse quadro sofreria

desequilíbrio no ano de 1956 quando Ellis Jr. é substituído por Sérgio Buarque de

Hollanda na cátedra de História da Civilização Brasileira 947. É notável que apesar de ter

feito parte de sua formação na Alemanha onde teve influência weberiana, Hollanda

encampe o discurso dos Annales, como o demonstra artigo publicado na Folha da

Manhã em que elogia o livro póstumo de Marc Bloch. Em outra ocasião, em 1973, o a

essa altura pai do Chico publicou texto para O Estado de São Paulo chamado Sobre uma

doença infantil da historiografia, onde disse que “Em nossos dias parece

definitivamente condenada a história unicamente factual, fundada na pressuposição de

que existem fatos “puros”, isolados das condições tantas vezes complexas em que se

situam.”948
944
Idem. 181-6.
945
ROIZ, Diogo. Os caminhos (da escrita da História e os descaminhos de seu ensino: a
institucionalização do ensino universitário de História da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da
Universidade de São Paulo (1934-1968) Curitiba: Appris, 2012. p. 120
946
Idem. p. 133-4
947
ROIZ, D. & SANTOS, J. As transferências... p. 166-7
948
HOLANDA, Sérgio Buarque. Para uma nova história. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo,
2004. Apud. ROIZ, D. & SANTOS, J. As transferências...p. 177.
367

Em relação à produção acadêmica discente da USP, Laima Mesgravis conta que

desde 1939 as teses da USP já eram uma reação contra a História tradicional que se

fazia nos Institutos Históricos949. Se nos fiarmos à síntese que fizeram Capelato, Glezer

e Ferlini sobre os 83 estudos de pós-graduação defendidos na USP entre 1951 e 1973,

temos a que a influência dos Annales foi “persistente”, havendo também uma

significativa incorporação de reflexões marxistas 950. Aponta no mesmo sentido Marcia

Mansor D'Allessio, que teve como corpo documental de seu artigo todos os trabalhos

acadêmicos entre 1930 e 1970 realizados na USP e na PUC/SP. Nos informa D'Alessio

que nos primeiros anos da década de 60, enquanto a referência a Marx é pequena,

começam a surgir com frequência na bibliografia obras de historiadores franceses como

Marc Bloch, Lucien Febvre, Fernand Braudel, Ernest Labrousse e Pierre Vilar,

fomentando abordagens que pensem “estrutura”, “conjuntura” e “fato”. Na década

seguinte, se somariam a esses Delumeau, Le Goff e Soboul.951

Enquanto em Curitiba e em São Paulo, as referências francesas dos Annales

ocupam centralidade, em Niterói elas são menos que residuais. Frederic Mauro aparece

na bibliografa de 3 dissertações. Fernand Braudel, Jacques Le Goff, Georges Duby e

Robert Mandrou, em apenas uma. Marc Bloch e Lucien Febvre em nenhuma. Quem tem

presença relativamente maior, em 4 dissertações, é Pierre Chaunu, por ser autor

dedicado à História da América, uma das áreas de concentração do mestrado. Dado

interessante é que na Revista de História da USP, evidenciando a filiação francesa de

949
MESGRAVIS, Laima. “O curso de pós-graduação do departamento de História da Faculdade de
Filosofia Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo” IN: Revista brasileira de História.
São Paulo. Março de 1983.
950
Capelato et all. “A escola...” p. 20.
951
D'ALESSIO, Marcia. “Os Annales no Brasil. Algumas reflexões” IN: Anos 90. Porto Alegre, 1994.
Registre-se que nenhum desses dois artigos citados traz evidenciação empírica compatível com o volume
de fontes sobre as quais dissertam. A contagem das autoras tanto em relação à bibliografia quanto em
relação aos perfis historiográficos dos trabalhos pode ter sido realizada de diversas maneiras (por
amostragem, por exemplo) e, na falta da explicitação de seus métodos, é prudente a dúvida em relação a
suas conclusões.
368

seus profissionais, entre 1950 e 1977, foram resenhados 46 livros franceses. Dos

Estados Unidos, que chegou a ser o principal centro de produção historiográfica sobre

História do Brasil952, foram resenhados 12 trabalhos, mesma quantidade dedicada a

livros produzidos no restante da América Latina. Ora, se por um acaso docentes do

mestrado da UFF, boa parte deles estadunidenses e americanistas, organizassem uma

revista, seria de esperar esses números invertidos.

A produção de Niterói está também bastante marcada pela historiografia que,

sob influência do discurso dos Annales, seria identificada como “tradicional”: foco nos

documentos e agentes de Estado, com uma abordagem factualista. Assim são os

trabalhos sobre a Constituinte de 1823 (4m), sobre a diplomacia brasileira no México

("A diplomacia brasileira..." (14m)), sobre figuras maçônicas (ou provavelmente

maçônicas) na política latina ("A influência da maçonaria..." (20m)). Outros desses

estudos são fortemente centrados em indivíduos, explorando suas subjetividades,

levantando elementos como firmeza de caráter, boas intenções patrióticas, genialidade,

etc.: “O civilismo equatoriano...” (23m) sobre García Moreno; “O sentido do

governo...” (29m) sobre o chileno Balmaceda; “O pensamento político...” (47m) sobre

Bolívar; “O pensamento de Sarmiento” (50m) sobre o argentino Domingo Sarmiento.

Essas 4 dissertações tem também colocações epistemológicas e metodológicas que

apontam para o objetivismo, isto é, não entendendo que o historiador tenha um papel

ativo na construção do conhecimento: "O civilismo equatoriano..." (23m) e "O sentido

do governo Balmaceda..." (29m) nos informam empreender análise imparcial não

movida a paixões, enquanto "O pensamento político..." (47m) e "O pensamento de

Sarmiento" (50m) explicitam que seu método é deixar suas personagens falarem sem

interferências. Os estudos citados nesse parágrafo seriam os que melhor se encaixam no


952
Ver nosso capítulo 1
369

modelo de historiografia “antiga” que, como vimos, uma parte substantiva dos

acadêmicos brasileiros estava combatendo. Características “antigas”, entretanto, podem

ser encontradas difusamente em muitos outros trabalhos: narrativas estritas à esfera do

político de Estado ou a ideias de certos políticos, factualismo sem referências às

dimensões conceituais e metodológicas que acabam por naturalizar a história que

contam e linearidade cronológica. Assim, a considerar a UFF, não caberia a ideia

expressa por Hebe Castro, conforme já reparado por Paulo da Silva 953, de que “...a

historiografia universitária no Brasil já nasceria “nova””, marcada que estaria por

abordagens econômicas e sociológicas954.

Há bem poucos registros de dissertações de Niterói que tenham realizado algum

debate sobre as disputas entre uma historiografia tradicional a ser superada e uma outra

nova a se afirmar. Em entrevista a Corrêa, Vânia Leite Fróes, que foi da primeira turma

de mestrado e professora da graduação a partir de 1968, conta que a área de

“Econômico-Social” era vista de vanguarda, e a de “Política” tida como tradicional955.

Isto indica que estudantes podiam pensar nestes termos, mas a rigor, apenas duas

dissertações colocam a questão de uma forma que poderíamos identificar como de

conflito entre paradigmas ("Ação e reação..." (38m) e "O sistema de cristandade..."

(53m)). Apesar disso, como vimos, um certo grupo em especial da terceira turma nos

passa uma ideia de avanço historiográfico principalmente com suas reflexões contra o

objetivismo e o empiricismo. Entretanto, a marca maior é, conforme salientamos nos

capítulos anteriores, a de serem bem poucos os estudos desses novos historiadores de

Niterói que, mesmo em rápidas passagens, se referissem a um debate historiográfico de

953
SILVA, P. A Associação Nacional...
954
CASTRO, Hebe.”História social” IN: CARDOSO, Ciro & VAINFAS, Ronaldo. Domínios da História.
Ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997.
955
CORRÊA, Maria. De que lugares...p.52
370

maior escopo.

Há duas conclusões que gostaríamos de sublinhar. A primeira é a de que na pós

de Niterói, durante os anos 1970, não estava resolvida a tensão científica verificada em

1961 no primeiro encontro brasileiros de professores universitários de História e na

FNFi entre finais da década de 1950 e início dos anos 1960. Ou seja, não havia ainda o

estabelecimento da nova “ortodoxia” (Bourdieu) – o que, ao que tudo indica, como

vimos no capítulo 1, vai acontecer a partir de 1979 com o retorno dos “exilados”

(mesmo sendo repetitivos, lembramos que a evolução na graduação é diferente). Para o

período que estudamos, quando lembramos que os docentes Arthur Cézar Ferreira Reis

e Pedro Ribeiro (analisados em capítulos anteriores) orientaram mais da metade das

dissertações (ver tabela 2), e do recurso à contratação de professores norte-americanos,

vemos aí fontes da persistência da historiografia “tradicional”. O fato de nos textos das

próprias dissertações haver pouca referência a uma disputa de paradigmas, discussões

historiográficas, teóricas e metodológicas, é um sintoma da baixa capilaridade das

leituras não assentadas no factualismo e no objetivismo.

A segunda conclusão é que para pensar a história da historiografia acadêmica é

necessário considerar as especificidades regionais e institucionais. A força que os

Annales tinham nas pós-graduações de Curitiba e de São Paulo não será verificada em

Niterói. A UFF ainda levará um tempo para, na construção de uma memória disciplinar,

identificar em Bloch, Febvre e companhia a paternidade da historiografia moderna

(muito embora possamos perceber semelhanças em algumas dissertações com o que era

produzido na historiografia francesa)956. A incorporação de referenciais teóricos e

metodológicos franceses será fomentada no pós-1979 a partir de historiadores que

956
Ver, por exemplo, MUNIZ, Célia. Os donos da terra...(46m), BRAGANÇA, Vânia. "Município de
Estrela..." (6m) e SANTOS, Ana Maria. "Vida econômica de Itaboraí..." (7m).
371

tiveram passagem pela França (Ciro Cardoso, Maria Yedda Leite Linhares e Maria

Bárbara Levy) e pelo conjunto de profissionais do Rio de Janeiro que farão doutorado

na USP na década de 1980.

A renitência da historiografia “tradicional” verifica-se em outros tempos e

espaços. Para a UnB, “...não há como não associar à vocação primeira do programa

marcas do legado da cultura historiográfica oitocentista...”957. E estudando

extensamente a historiografia brasileira da década de 1980,e o que foi naquele momento

vinculado como uma nova renovação historiográfica, Fico e Polito trouxeram que

“Por outro lado, é um pouco enganoso tomar-se a


produtividade crescente dos cursos de pós-graduação como um
indicador seguro desta “renovação” ou “virada”. Na verdade,
nossos levantamentos dão mostras muito seguras de que a
grande maioria dos trabalhos segue ainda os caminhos que
seriam considerados “tradicionais”. A História Política, de viés
bastante clássico, ainda continua, por exemplo, muito presente.
Do ponto de vista da produção de conhecimento histórico essa
mudança ainda está por acontecer, e talvez aconteça nos anos
90.”958

5.2 Marxismo (ou “marxismo”)

Muitos estudos apontam que as principais tendências desenvolvidas na

historiografia brasileira desde os anos 1960 ou 1970 seriam os Annales e o marxismo.

As duas perspectivas estariam presentes nas dissertações e teses de História da USP 959.

Na UFF, há em algumas dissertações características pelas quais ficou conhecida a

historiografia dos Annales, como o diálogo com outras ciências sociais e a discussão

sobre estrutura e acontecimento. Não foi, entretanto, a bibliografia francesa que deu o

tom dessas discussões, e nem foram tais características numerosas considerando o

957
MUNIZ, Diva & SALES, Eric de. “Cultura historiográfica e história: a produção acad^mica do
Programa de Pós-Graduação em História da Universidad de Brasília (1976-2006)” IN: Textos de História.
Vol. 15, n° 1/2 2007.
958
FICO, Carlos & POLITO, Ronald. A História no Brasil...p. 161-2
959
CAPELATO et all. “A escola uspiana...”
372

conjunto dos trabalhos – conforme vimos anteriormente. Foi com referências marxistas

que uma parte dos mestrandos da UFF pensou a história com recursos conceituais e para

além do factualismo e de enfoques individualistas. Apontaremos a seguir que, apesar de

essas referências terem uma presença quantitativa significativa, elas não foram

acompanhadas, com exceções, de uma discussão teórica e metodológica de maior

profundidade.

Um dos primeiros problemas que nos se coloca é o da definição de marxismo,

em que se poderia enfatizar elementos diversos: estaria o marxismo caracterizado

centralmente por alguma noção de luta de classes ou fundamentalmente pelo método

histórico e dialético? O problema não se encerraria nesta pergunta e pode se vislumbrar

uma outra dificuldade quando lembramos de profundas divergências entre aqueles que

se referenciam em Marx. Para citar algo que envolve dois dos mais influentes marxistas

do século XX, temos o trabalho de E. P. Thompson contra Louis Althusser 960 em que o

inglês faz uma crítica radical que chega a por em xeque a própria identificação do

filósofo francês como um materialista histórico (além de indicar que sua teoria era

politicamente conservadora). A definição de marxismo também passa por disputas de

capital simbólico do campo acadêmico, como o vemos em episódio na USP analisado

por Lidiane Rodrigues: na introdução de sua tese defendida em 1961, Fernando

Henrique Cardoso “afronta” Florestan Fernandes, de quem fora pupilo, por não o

considerar marxista, mas um “funcionalista”, assim reservando ao “seminário” (grupo

de estudo de “O Capital”, do qual fez parte entre 1958 e 1964) a autoridade da definição

sobre marxismo961.
960
THOMPSON, E. P. A miséria da teoria ou um planetário de erros. Edição de Cap. Swing e os Ludistas
Sensuais, 2009 (copyleft).
961
RODRIGUES, Lidiane Soares. “Leitores e leituras acadêmicas de Karl Marx (São Paulo, 1958-1964)”
IN: Intelligere. Revista de História Intelectual. São Paulo, v.2, n.1.2016. Relevante também é que,
segundo a autora, uma das marcas do “marxismo universitário” desenvolvido no “seminário” seria o
fechamento a membros politizados e ativistas partidários, mantendo uma feição “scholar”, profissional,
373

Entretanto, nós podemos contornar estes problemas em grande parte. Para os

fins do nosso trabalho, nos é suficiente localizar em nossas fontes a presença de

conceitos e autores identificados tradicionalmente como marxistas, independentemente

de que juízos se possa fazer sobre eles e das diferenças teóricas dentro dos que se

entendem ou são entendidos como marxistas. Assim, qualquer menção a, por exemplo,

“modo de produção” seria registrada por nós como marxista, bem como alguma citação

de, digamos, Mao Tse Tung. Em adição a isso, estaremos atentos também às

dissertações que envolvem uma noção de dominação, exploração, resistência e luta

classistas, ainda que não trabalhem com o termo “luta de classes” de forma explícita, ou

não envolvam conceitos ou autores identificados com o marxismo. Aqui assumimos que

a utilização de algum conceito marxista não necessariamente faz a análise ser marcada

por alguma ideia de conflito social, assim como uma análise que supõe conflito não

necessariamente se apoia em leitura dialética ou materialista. Ao colocar o termo com

aspas (“marxismo”), pretendemos justamente sinalizar a diversidade de noções e

definições existente.

Assim, nossa leitura identificou 3 principais temas marxistas (ou próximos ao

marxismo) na escrita discente: a) classe social e luta de classes b) ideias e classes

sociais c) modos de produção.

a) classe social e luta de classes

Aqui agrupamos a maior parte das dissertações que classificamos como

marxistas (ou “marxistas”).

“O problema indigenista...” (26m), “O índio na literatura peruana...” (27m),

“Sociedade e educação na Bolívia...” (34m) e “O problema indígena na Argentina”

(49m) nos contam sobre a opressão, a exclusão e a resistência dos povos indígenas da

com foco no desenvolvimento da carreira de seus integrantes.


374

Argentina, do Peru e da Bolívia, relevando temas como a questão da posse da terra,

reivindicações coletivas, sublevações, massacres e educação; “Argentina: economia e

sociedade” (25m) mostra condições de trabalhadores, suas associações e ideias políticas

e alguns episódios de sua luta; “A evolução política no Chile...” (15m) anota a

existência de greves, reivindicações e legislação social, mas com pouca densidade, se

dedicando mais a indicar uma maior expressão da classe média no Estado em

detrimento do tradicional domínio oligárquico. Entendemos que o principal significado

historiográfico dessas dissertações é o de valorizar o tema da opressão classista, do

conflito social e da luta coletiva. O momento em que foram formuladas é um em que a

“história do trabalho” não era um campo forte, principalmente se contarmos os

historiadores. Em relação à história da classe operária, depois de ser marcada por

“sínteses sociológicas” na década de 1960, é na segunda metade da década de 1970 que

vai ganhar corpo no meio acadêmico. Para evidenciá-lo, o balanço historiográfico de

Claudio Batalha cita 5 trabalhos. Entre os historiadores, o principal deles é “Trabalho

urbano e conflito social” (1976), de Bóris Fausto. Mas é apenas na década de 1980 que

o tema ganhará maior expressão no meio acadêmico de uma forma geral e também entre

os historiadores: nesse sentido contribuiu a mobilização sindical a partir de 1978, a

diminuição da vigilância e da repressão nos meios universitários e a influência dos

trabalhos de Thompson e Hobsbawn e outros 962. As dissertações "O problema

indigenista..." (26m), "O índio na literatura peruana..." (27m), "Sociedade e educação..."

(34m), "O problema indígena na Argentina..." (49m), "Argentina: economia e

sociedade..." (25m) e "A evolução política no Chile..." (15m), ao mesmo tempo em que

fazem parte do início de uma preocupação intelectual entre historiadores brasileiros,

962
BATALHA, Claudio. “A historiografia da classe operária no Brasil: trajetórias e tendências” IN:
FREITAS, Marcos Cezar (org.) Historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo, Contexto, 2001.
375

contribuem limitadamente à historiografia: voltadas a outros países da América, com

limites de acesso à documentação que não seja a oficial e publicada, não trazem

contribuições empíricas relevantes (o que seria uma das principais marcas da

historiografia brasileira que passou a se dedicar ao tema), nem procuram fazer

referências à situação brasileira, e tampouco contribuem teórica e metodologicamente

para a discussão.

É diferente a situação de “A rebeldia negra em Campos...” (30m) e “Ação e

reação na província do Pará...” (38m). Voltando o olhar para grupos subalternos, esses

estudos têm investimento conceitual e exploração empírica original. “A rebeldia...”

(30m), de Lana Lage, estuda a violência sobre o negro, suas várias formas de rebeldia,

sua consciência política, e sua condição desfavorável também no pós-abolicionismo.

“Ação e reação...” (38m), de Geraldo Coelho é sobre revolta no século XIX, que,

conquanto critique o marxismo por supô-lo um modelo não apropriado para sociedades

não europeias, e rejeite o conceito de “classe” para a realidade que aborda, é um estudo

sobre conflito social que identifica na história os dominados e os dominantes e enfatiza

seu contraponto a uma história oficial, favorável aos poderosos da região e

desqualificadora dos movimentos populares.

Em outros estudos a luta de classes é abordada a partir da classe dominante.

“Coronéis sem patente...” (51m), dentre os muitos assuntos que aborda, traz vários

aspectos do domínio (eleitoral, patronal, econômico) de coronéis sobre a população de

Petrolina. Mesmo tendo como foco de seu estudo os coronéis, a autora deste trabalho

não deixa de nos apresentar a classe trabalhadora da região: seus locais de labuta, suas

relações de trabalho, sua capacidade de agência política, suas rendas e posses, etc..

Elementos da luta de classes também são explorados em “O cancro roedor...” (42m)


376

que, tendo como foco o pensamento e a ação de uma família oligárquica, observa sua

relação com os escravos de sua fazenda e a escravidão de forma geral, contratos e

relações com a mão de obra imigrante e projetos de educação para trabalhadores. Em

“O movimento católico leigo...” (9m), temos um estudo da atuação católica sobre os

operários e sua ligação com a burguesia, Vargas e a defesa do capitalismo de uma forma

geral. Neste trabalho, a classe operária aparece principalmente como objeto da ação

política da Igreja, tanto ideológica quanto organizativamente. “A oligarquia

açucareira...” (54m) se dedica a estratégias da oligarquia latifundiária do Sergipe “para

assegurar a continuidade de seu poder de grupo dominante...” (política de mão-de-

obra, atividades financeiras, repressão) diante de vários elementos de sua crise. Com

menos ênfase nos aspectos da luta e da dominação, temos mais três trabalhos: “O

sistema de cristandade...” (53m) estuda a igreja católica e sua religiosidade em suas

relações com interesses econômicos e estatais, considerando séculos de sua história. O

estudo de Werneck da Silva, “Isto é o que me parece...” (55m), mostra a posição da

oligarquia rural brasileira articulada na Sociedade Brasileira da Indústria Nacional sobre

diversos assuntos do Brasil do século XIX. Por sua vez, Valdir Calixto, em “O clero

secular” (41m) caracteriza a igreja católica como proprietária e, portanto, parte da classe

dominante.

Há outros dois estudos os quais não cabe agrupar com outros: “Os donos da

terra...” (46m), cujo principal objetivo é conhecer a estrutura fundiária no Vale do

Paraíba Fluminense, anota conflitos entre pequenos e grandes proprietários em relação à

terra na região fazendo uso de fontes cartoriais e judiciais. E “O Tribunal de Segurança

Nacional (1936-1945)” (45m), de Reynaldo de Campos, que estuda o caráter autoritário

e repressivo dessas instituição principalmente contra comunistas, ainda que não trabalhe
377

exatamente com o conceito de classes.

b) ideias e classes sociais

A segunda reflexão que destacamos é aquela que associa ideias a classes sociais.

Isso está em “A educação brasileira no Estado Novo” (12m), que, fazendo referência ao

conceito de “aparelho ideológico” de Althusser, aborda educação como ideologia

destacando seu papel para a reprodução das pessoas em certa relação de produção e sua

sujeição à ideologia dominante (no caso, marcada pela ditadura do Estado Novo). Outro

exemplo é “Ideia de nação...” (32m), para quem o nacionalismo tem conexões

classistas, sendo assim expresso diferentemente pela camada dominante e pela camada

não privilegiada de acordo com seus diferentes interesses sociais. É notável que a

problemática trabalhada por essa última encontra semelhança no pensamento de

Gramsci, que não lhe era conhecido. Em “Imprensa republicana...” (10m) (este um

estudo de história política mais que história das ideias), quando entende que as

divergências no interior do republicanismo refletem as diferenças de classes sociais que

se expressavam nos periódicos, onde classe média urbana e proprietários rurais

divergem sobre a abolição.

c) modos de produção

A terceira reflexão é aquela que se debruça sobre modos de produção. Duas

dissertações se destacam pelo engajamento nessa discussão. “O cancro roedor...” (42m),

de Eduardo da Silva, tem como preocupação principal norteadora da pesquisa a crise do

escravismo e a transição para o capitalismo. Em um capítulo teórico critica os que veem

os modos de produção sob uma perspectiva etapista (esse seria o caso de Sodré), bem

como os que destacam o caráter feudal do passado brasileiro. Silva defende então uma

perspectiva não eurocêntrica, ou seja, o escravismo colonial como formação específica,


378

tendo como base para sua reflexão escritos de Ciro Cardoso. Ressalta se tratar de uma

economia dependente, escravista, inserida no mercado internacional capitalista.

A outra dissertação que se dedica à temática é “Atividades capitalistas em

sociedade escravista...” ("Atividades capitalistas..." (11m)), de Almir El-Kareh, que tem

como centro de sua análise o funcionamento de uma empresa ferroviária no XIX, e

pensa teoricamente a situação de um Estado escravista ter se engajado em um

empreendimento capitalista de grande porte. Para o autor, isto resulta em que o

escravismo, subordinado ao capitalismo internacional, desenvolvia um capitalismo

brasileiro subordinado seu.

O tema é bem menor em outras dissertações. “A crise dos comissários...” (18m),

de Marieta Ferreira, defenderá que um modo de produção deve ser determinado a partir

da esfera da produção, e não da circulação, de onde se deve concluir que não houve no

Brasil o modo de produção capitalista no momento que estuda, ou, como dirá em outro

momento, as relações capitalistas no Brasil se encontravam muito limitadas. Dessa

forma, a prática comissária não poderia significar subordinação do escravismo ao

capitalismo. Assim como "Atividades capitalistas..." (11m) e "A crise dos

comissários..." (18m), “Os donos da terra...” (46m), de Célia Muniz, entende que mais

de um modo de produção pode existir em uma sociedade. A autora também rejeita a

ideia de que o Brasil foi feudal.

A temática dos modos de produção ocupou papel pequeno nas dissertações sobre

economia do curso mas foi importante no pensamento da esquerda brasileira. Em

especial, a reflexão sobre a transição de um pré-capitalismo ao capitalismo foi uma das

principais questões teóricas da esquerda revolucionária entre 1950 e 1970. Era parte das

elucubrações do PCB e tinha entres seus debatedores principais Ignácio Rangel, Nelson
379

Werneck Sodré, Caio Prado Jr. e Celso Furtado (ainda que este não seja um marxista 963).

Esses três últimos constam numericamente entre as principais referências bibliográficas

das dissertações, mas não estão no centro do debate sobre modo de produção. Essa

posição é ocupada por Ciro Cardoso e seu conceito de “modo de produção escravista

colonial” (reivindicado por "Atividades capitalistas..." (11m), "O cancro roedor..."

(42m) e "Os donos da terra..." (46m)) que indicava as especificidades da América e o

imbricamento entre capitalismo e escravismo. Em entrevista a nós, Almir Chaiban El-

Kareh, autor de "Atividades capitalistas..." (11m), diz que passou a conhecer o conceito

de modo de produção através de contato epistolar com Ciro Cardoso (que estava entre a

Europa e a América Central), ainda na década de 1960. Segundo El-Kareh foi ele

próprio quem introduziu essa discussão no Grande Rio964.

Entre as décadas de 1930 e 1950, nos prestigiosos empreendimentos

historiográficos da Companhia Editora Nacional (a Coleção Brasiliana) e da Livraria

José Olympio Editora (Coleção Documentos Brasileiros) “...as análises e

interpretações da história e da realidade brasileiras formuladas sob o referencial da

teoria marxista nunca encontraram lugar...”965 Nas teses de História da USP, autores

marxistas ocupam maior espaço na bibliografia apenas na década de 1970, segundo

D'Alessio, enquanto autores dos Annales já figuravam na década anterior 966. Não temos

maiores elementos quantitativos e demais informações para realizar com propriedade

uma comparação entre o marxismo presente na UFF e aquele nas publicações editoriais

e em outros programas de pós-graduação. De qualquer forma, sendo 22 as dissertações

963
MANTEGA, Guido. “Marxismo na economia brasileira” IN: MORAES, João Quartim de. História do
marxismo no Brasil. Os influxos teóricos. Editora da Unicamp, 2007.
964
Entrevista ao autor.
965
FRANZINI, Fábio. “Interpretações do Brasil, marxismo e coleções brasilianas: quando a ausência diz
muito (1931-1959)” IN: Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH • São Paulo, julho
2011.
966
D'ALESSIO, Márcia. “Os Annales....”
380

que enumeramos acima, num total de 51 que formam o nosso objeto, temos que autores

e categorias do marxismo tem uma presença significativa como referências desses

trabalhos.

Entretanto, é outra a caracterização realizada por Côrrea em seu estudo sobre o

programa de pós-graduação em História da UFF. Ainda que o objeto desta autora sejam

dissertações de época bem posterior a que estudamos (1989-1996), ela lança a

colocação de que “...verifica-se a forte presença dos referenciais marxistas em quase

toda a produção, principalmente no período inicial (1974-1988)” 967. A autora entende

que há um declínio dessa perspectiva até 1982, o que se teria se acentuado depois de

1988. Notemos primeiramente que estas avaliações da autora carecem de demonstrações

empíricas que acompanhem a sua abrangência. O período a que elas se reportam, 1974-

1982/88, corresponde a 139 trabalhos e a dissertação de Côrrea em nenhum momento

parece ter dado conta de número tão grande, com número pouco significativo de

exemplos expostos no texto. Em segundo lugar, considerando as dissertações que são

nosso objeto, observamos que são marxistas (ou “marxistas”) menos da metade – cifra

distante portanto daquela que diz “quase toda produção”. Por fim, e nos arriscando em

hipóteses para além do escopo de nossa pesquisa, não nos parece correta a suposição

que entende a década de 1980 como de refluxo do marxismo. Conforme demonstramos

nos capítulos anteriores em que separamos a análise das dissertações por turmas, vimos

que, ao contrário, a perspectiva marxista crescia significativamente com o passar do

tempo. Mudanças no corpo docente a partir de 1979, período que não compreende nosso

recorte, nos indicam que o marxismo teria sido mais estimulado a partir de então.

Mesmo que seja temerário julgar dissertações apenas pelos seus títulos, não podemos

deixar de notar que temos nos primeiros anos da década de 1980 um volume maior de
967
CÔRREA, Maria. De que lugares....p.66
381

estudos sobre “história do trabalho” e temas que valorizam o conflito social. Assim,

salta aos olhos a diferença entre este momento e o que pesquisamos, a década de 1970,

onde, como já demonstramos, há muitos estudos sobre estadistas e suas querelas de

curta duração, ou dinâmicas econômicas sem a consideração de classes sociais. Dessa

forma, os dados parecem apontar que em Niterói o marxismo vai progressivamente

ganhando força, sendo pelo menos a primeira metade da década de 1980 não o

momento de seu declínio, mas de seu fortalecimento relativo. Trata-se, entretanto, de

uma suposição que precisa ser trabalhada à luz de uma maior pesquisa.

Observemos agora as referências bibliográficas das dissertações que estudamos:

Tabela 20: Presença de autores marxistas


clássicos nas bibliografias das dissertações.
Karl Marx 8
Antonio Gramsci 5
José Carlos Mariátegui 5
Friedrich Engels 3
Louis Althusser 3
Rosa Luxemburgo 3
Georges Lukacs 2
Lenin 1
E. P. Thompson 0

Das oito dissertações que tem Marx na bibliografia, apenas uma delas se apoia

no mestre alemão com maior densidade: o estudo de Lana Lage, “A rebeldia negra...”

(30m), pensa em relações de produção escravista e capitalista, e como aquela impõe

limites à capacidade de agência política dos dominados. Sem a mesma centralidade,

dois estudos mobilizam conceitos tendo por base Marx: “A crise dos comissários...”

(18m), que pensa modos-de-produção; e “Atividades capitalistas...” (11m), que,


382

debruçando-se sobre o mesmo assunto, faz uso de “subordinação formal do trabalho ao

capital”. Nas demais dissertações que tem Marx em sua bibliografia, conceitos são

trazidos de forma lateral e sem maiores desenvolvimentos: “capital constante”, “capital

variável”, “ideologia” e “concreto pensado”: “Argentina: economia e sociedade”

(25m), “O clero secular...” (41m), “Coronéis sem patente...” (51m), “O sistema de

cristandade...” (53m), “Isto é o que parece...” (55m).

Quanto a Gramsci, o autor tem uma influência decisiva no estudo de Werneck da

Silva sobre a Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional ("Isto é o que parece..."

(55m)). O texto é permeado com o léxico gramsciano, sendo as categorias de análise

desse léxico mais importantes para o trabalho “bloco histórico”, “intelectual orgânico” e

“intelectual tradicional”. O autor compreende haver frações na classe dominante, e os

aspectos coercitivo e ideológico de seu poder. “O sistema de cristandade...” (53m), de

Francisco Gomes, também é influenciada por Gramsci. Em sua conclusão, aponta que a

Igreja Católica é intelectual orgânico que quer cimentar a hegemonia ideológica da

classe dominante. Como o próprio autor da dissertação coloca, foi importante em seu

estudo o “peso” da superestrutura (onde deve ser localizada a Igreja pelo seu caráter

ideológico e simbólico na sociedade), sublinhado por Gramsci. Só em mais uma

dissertação temos uma influência direta de Gramsci no texto: trata-se do texto de Sérgio

El-Jaick ("O pensamento político..." (47m)) sobre Simón Bolívar. Apesar de se tratar de

uma abordagem metodológica conservadora há uma citação do italiano, do livro

“Introdução à filosofia da práxis”, publicação portuguesa de 1978 onde está colocado

que não se deve estudar o pensamento político de uma personagem a partir de

fragmentos, mas da obra como um todo. Vê-se que El-Jaick traz um elemento que não

tem maior importância no pensamento de Gramsci, não fazendo parte da compreensão


383

teórica com a qual o italiano contribuiu originalmente. Por sua vez, o marxista latino-

americano José Carlos Mariátegui figura no texto de apenas duas das cinco dissertações,

onde consta como fonte de informação para a história peruana e com a indicação de que

a raiz do problema indígena teria relação com a terra.

Ainda que consideremos que alguns mestrandos tenham tido algum nível de

autocensura precavendo-se de expor influências de esquerda em um momento ditatorial,

o quadro numérico que apresentamos não sofreria grandes alterações. Considerando o

universo de 51 dissertações que estudamos, concluímos que é pequeno o recurso a

autores clássicos do marxismo, e muito menor ainda as dissertações que discutiram

fundamentos, ou o fizeram para além de um nível superficial. Esse quadro não muda se

considerarmos os autores que mais serviram como fontes para os estudos nas

dissertações das três primeiras turmas.

Tabela 21: Autores mais presentes nas


bibliografias das dissertações
1 Celso Furtado 25
2 Caio Prado Jr. 22
3 Fernando Henrique Cardoso 19
4 Nelson Werneck Sodré 15
5 Edgar Carone 14
6 Emília Viotti da Costa 13
Paula Beiguelman 13
7 Stanley Stein 12
Nícea Vilela Luz 12

A maior parte dos autores acima são ou marxistas ou tem em sua produção

influência do marxismo. Uma leitura apressada poderia ver no quadro uma evidência de

uma forte presença do marxismo nos textos das dissertações. Entretanto, como
384

demonstramos ao longo dos últimos três capítulos, esses autores são utilizados

principalmente como fontes de informação, sendo pouco comum a discussão de

fundamentos de suas compreensões históricas. Em relação a Celso Furtado, destacamos

que foi importante para o estudo “Argentina: economia e sociedade (1890-1921)”

(25m) considerando que a desigualdade social inibe os setores doméstico e exportador.

No estudo de Lenalda Santos sobre oligarquia açucareira no Sergipe ("A oligarquia

açucareira..." (54m)), ele fornece um entendimento para o quadro colonial, e no estudo

de Coelho sobre o Pará ("Ação e reação..." (38m)), indica conservadorismo da estrutura

social no Império. Aparece como objeto da crítica de Geraldo Beauclair ("A evolução

do sistema..." (2m)), Sonia Mendonça ("A primeira política de valorização..." (17m)), e

Sylvia Padilha ("Da monocultura à diversificação..." (31m)) em relação à tese sobre

origem de recursos fomentadores da industrialização brasileira, a restrição a São Paulo

de dados da cafeicultura, e a influência da Primeira Guerra Mundial para o setor

industrial do Brasil. Na maior parte dos estudos, entretanto, Furtado nem mesmo

contribui direta ou explicitamente nos textos. Nesse sentido, Ciro Cardoso, que foi fonte

para apenas 7 trabalhos, foi uma influência mais decisiva através de sua discussão sobre

modos de produção. O colocado para Celso Furtado vale para os demais autores da lista,

tal como indicamos em capítulos anteriores. Considerando os três principais autores

enumerados, diríamos que, em síntese, suas contribuições são de uma noção difusa de

exploração ou submissão econômica do Brasil a Portugal e Inglaterra, marcada pela

monocultura exportadora e pela importação de capitais e produtos industrializados.

Trata-se do fornecimento de uma chave importante de compreensão histórica, mas que

foi mobilizada, salvo poucas exceções, sem maiores diálogos.

Retomando o discutido nesta seção, o marxismo (ou “marxismo”) tem uma


385

presença importante nas 51 dissertações das três primeiras turmas. Está longe,

entretanto, de ter dominado o conjunto da produção – vimos que figurou em menos da

metade dos trabalhos. Seu desenvolvimento teórico, com exceções, foi também bastante

limitado. Numericamente, teve relevância indicando a abordagem histórica a partir de

classes sociais e seus conflitos. Com menor monta, engendrou reflexão sobre modo de

produção e ideologia.

5.3 Recortes, temas e fontes

Na introdução da segunda parte desta tese, destacamos a problemática de se

classificar estudos em eixos temáticos (“política”, “economia” e “cultura”), e o critério

que utilizamos para essa abordagem

Tabela 22 – Divisão das dissertações das três


primeiras turmas em eixos temáticos
Política 28 55,00%
Economia 18 35,00%
Cultura 5 10,00%
Total 51 100,00%

Ainda que nesse grupo tenhamos trabalhos que poderíamos abordar como

“sociais” (resistência indígena e de escravizados, por exemplo), é marcante nessas

dissertações de “política” aquelas voltados a figuras de Estado e seus grupos, não raro

com enfoque individualista, factual, linear, compreendendo curta duração. Seria

temerário, entretanto, colar o rótulo de “tradicional” ao conjunto desses estudos

supondo que eles se encerram sob essa alcunha: neles ocasionalmente também estão

apresentados, com volumes diferentes, análises econômicas e discussões com base no

conceito de classe, por exemplo. Assim, a mistura de características que acontece em


386

uma mesma dissertação nos impede de etiquetá-la sob o risco de reduzi-la. De qualquer

forma, salientamos que essas dissertações são diferentes dos estudos acadêmicos de

diversas universidades brasileiras produzidos entre 1985 e 1994 que artigo de D'Alessio

e Janotti classificou como “Estados e instituições” e “Classes e etnias”: para as autoras,

essas 556 teses e dissertações, abordadas através de suas ementas, exploram a esfera do

político em conexão a do econômico, utilizando ou não categorias marxianas, e tendo

uma perspectiva de totalidade968. Muito embora esses elementos da síntese de D'Alessio

e Janotti não sejam estranhos às pesquisas da UFF, salientamos que estas, como

apontamos nos capítulos anteriores, tendem a ser mais restritas ao “político” e com

análises menos complexas do que o sugerido pelas autoras sobre a produção da segunda

metade dos anos 1980 e primeira dos anos 1990.

Ainda segundo essas autoras, os estudos políticos que envolvem classes sociais

as abordam a partir de posições econômico-sociais e de situações de conflito com as

noções de dominação e resistência. Essa historiografia teria como interlocutora uma

“História oficial” pouco definida, mas que seria marcada por uma perspectiva de direita

conservadora, de narrativa linear e ocultadora dos conflitos sociais. Vimos na seção

anterior deste capítulo que esses elementos, apesar de não serem dominantes no

conjunto das dissertações da UFF, são salientes e caracterizam alguns trabalhos tanto de

História do Brasil (resistência negra ("A rebeldia negra..." (30m)), conflitos sociais no

Pará ("Ação e reação..." (38m))) quanto de História da América Latina (sobretudo

indígenas do Peru e da Argentina). Entretanto, a historiografia niteroiense da década de

1970, mesmo tendo dado alguns passos nesse sentido, ainda está longe do sólido quadro

que se apresentará em diversas universidades nos anos 1980, com estudos que, tendo

968
As autoras estudaram um total 886 trabalhos, entre dissertações e teses. D'ALESSIO & JANOTTI “A
esfera do político na produção acadêmica dos programas de pós-graduação (1985-1994)” IN: Estudos
históricos.Vol. 9 N. 17. 1996.
387

por foco trabalhadores e escravizados, investigarão suas atuações políticas.

Para Janotti e D'Alessio, os estudos de “Ideologia e artes” no período 1985-1994

não se detém em análises estéticas, mas tem a dominação como grande tema, e a

imprensa e o ensino como fontes privilegiadas. Isso corresponde, de forma variada, ao

verificado nas 5 dissertações que classificamos como História Cultural, marcada pela

associação de ideias a classes sociais (como vimos no item anterior), pela educação

como espaço de domínio e exclusão ("A educação brasileira..." (12m) e "Sociedade e

educação..." (34m)) e a literatura como registro da opressão social ("O índio na

literatura peruana..." (27m)). Nada parecido aqui com algumas características que são

atribuídas à História das Mentalidades e à Nova História Cultural, a despeito de suas

heterogeneidades: influência da antropologia, culturalismo, ocultamento de conflitos de

classe, afastamento de leituras de síntese, pequenos temas e valorização de conteúdos

episódicos.

A proporção de estudos de História econômica nas três primeiras turmas é de

35%. Sobre a evolução da História econômica, é importante comentarmos a noção

apresentada por João Fragoso e Manolo Florentino que, muito embora utilize dados

corretos, induz a erro. No influente livro “Domínios da História”, os autores nos trazem

que, considerando os anos de 1980 e 1981, a UFF e a UFRJ produziram 60% de suas

dissertações em História econômica. Consultando catálogos, chegamos ao mesmo

número. Entretanto, tratam-se de dois anos atípicos. Quando consideramos a produção

da UFF entre 1980 e 1985, chegamos a número bem próximo ao que esta apresentava

nos anos 1970: cerca de 35% (a UFRJ, que dá seus primeiros frutos em 1980, tem

50%969). O problema então é que, ao iniciar a contagem a partir de 1980/1, Fragoso e

Florentino nos conduzem inadvertidamente ao equívoco de que se estava em um


969
CÔRREA, C. Catálogo...
388

momento de uma História econômica forte, dominante (60%), que estaria perdendo

força já na primeira metade dos anos 1980 (cerca de 35%), até atingir um patamar

mínimo em 1991/2 (cerca de 15%). Colocando os dados em melhor perspectiva,

apontaríamos primeiramente para a importância de também se analisar os dois

programas em separado: eles mostram pesos diferentes para História econômica, e a

UFF produziu no geral mais que o dobro de trabalhos que a UFRJ. Em segundo lugar, e

principalmente, é preciso considerar uma faixa maior de tempo para qualquer

conclusão, já que o número de defesas é muito variável de ano para ano: em 1980/1, em

que Fragoso e Florentino iniciaram a contagem, a UFF produziu 11 trabalhos, enquanto

no biênio anterior, 1978/9, foram 37 (aliás, biênio que chegue perto desse número a

UFF só teria na década de 1990). Em suma, tomando a produção acadêmica de

historiadores do Rio de Janeiro, temos quadro diferente do apresentado em “Domínios

da História”: considerando conjuntamente Rio e Niterói, a História econômica nunca foi

predominante, e manteve seu peso relativo estável até o meio da década de 1980. Ou

seja, com um escopo apenas um pouco maior de dados, temos assim não a inclinação

negativa íngreme sugerida por Fragoso e Florentino (60%-35%), mas uma linha

horizontal contínua (de cerca de 35%).

A maior parte desses estudos de História econômica procura entender a agência

estatal ou de entidades face a certo cenário: Vargas em relação a desenvolvimento e

crédito (1m e "A evolução do sistema..." (2m)); políticas de governo e especificidades

fluminenses diante da crise da cafeicultura ("A primeira política de valorização..."

(17m) e "Da monocultura à diversificação..." (31m)); medidas de uma federação de

cafeicultores da Colômbia em busca de maior lucratividade ("O café no contexto..."

(33m)), associação de comércio latino-americana procurando fazer frente ao cenário


389

internacional ("A ALAC e a integração..." (43m)); o governo Rosas na Argentina

fazendo opções diante dos diferentes ramos de produção do país ("Política econômica

de Juan M. Rosas" (39m)). Um outro grupo de trabalhos de História econômica tem

como objeto empresas e outros empreendimentos produtivos ou financeiros: fazenda

(5m), companhia ferroviária ("Atividades capitalistas..." (11m)), comissários de café

("A crise dos comissários..." (18m)), banco ("O Banco Mauá no Uruguai" (24m)),

empresa mineradora ("Itabira Iron Ore..." (44m)). Temos aqui reflexões sobre a inserção

brasileira no circuito internacional e também a temática dos modos de produção

escravista e capitalista.

Muitos estudos de História econômica, e mesmo alguns de História política, se

debruçam sobre dados estatísticos. É relativamente comum encontrarmos tabelas com

dados numéricos expostas ao longo do texto ou como apêndices. Alguns deles são frutos

de coletas originais, enquanto outros são reproduções de fontes publicadas. A História

quantitativa tem assim uma marca importante na produção historiográfica da UFF. As

contagens, entretanto, não aparecem como sendo o fim das pesquisas (como parece ser

o caso das primeiras dissertações formuladas na UFPR), mas são mobilizadas em

questões que ultrapassam o caráter quantitativo. Apesar de termos sublinhado a

existência de duas dissertações, "Município de Estrela..." (6m) e "Vida econômica de

Itaboraí..." (7m), que tematizam desenvolvimento de municípios sem a análise de atores

sociais, tal não é o característico do conjunto de trabalhos do curso.


390

Tabela 23. Recortes cronológicos das dissertações


Século XIX 29 57,00%
Século XX 15 29,00%
Séculos XIX e XX 5 10,00%
Período Colonial 2 4,00%
TOTAL 51 100,00%

Salta aos olhos as poucas pesquisas sobre período colonial, tanto de Brasil

quanto América, o que guarda relação com o recorte cronológico promovido pelos

docentes do curso, bem poucos deles dedicados ao período anterior ao oitocentos. É

diferente o que vemos entre pesquisadores que visitaram o Arquivo Nacional entre

1970-1979: muito embora o registro dos dados tenha sido problemático, o período

colonial é 5 vezes mais visitado (20%). Nas teses de doutoramento da USP frutos da

estrutura anterior à reforma universitária (1934-1973), “colônia” ocupa 43,5% das

pesquisas970. De 1973 a 1979, esse número na USP cairia para 13%, ainda assim uma

proporção relativamente alta quando comparada à da UFF.

O estudo do período contemporâneo era tradicionalmente não contemplado por

historiadores e professores de História. Ismênia Martins conta que na sua graduação em

Niterói na década de 1960, chegava-se no máximo ao governo Vargas, e mesmo assim

com muita “cerimônia”971. José Lapa referindo-se ao espaço acadêmico da História usa

como expressão “conspiração anticontemporânea”. Isso se daria como forma de se

distanciar de tensões e paixões políticas no presente (e teria como uma de suas

consequências uma ausência de crítica aos poderes vigentes)972. Esse quadro sofreria

uma alteração. Ocupando-se de 835 teses e dissertações de diversos programas da

970
LAPA, José. História e historiografia Brasil pós 64. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985. p. 72-3
971
Entrevista ao autor.
972
LAPA, José. Historiografia brasileira contemporânea. A História em Questão. Petrópolis: Vozes,
1981. p. 40-1.
391

década de 1980, Carlos Fico e Ronald Polito anotam que o interesse pelo Brasil

Republicano, desde a década de 1970, cresceu bastante atingindo um total de 59,2% na

década de 1980973. Para Lapa, esse crescimento teria a ver com a influência de outras

áreas das Ciências Humanas, que se lançaram a estudos de temas contemporâneos antes

da História; ao perfil politicamente mais engajado do profissional; e a uma reformulação

da visão sobre o passado que incorpora o presente como objeto 974. Esses elementos nos

parecem fundamentais, mas a porcentagem de estudos do século XX das dissertações

que estudamos deve também ser tributada, conforme demonstramos nos capítulos

anteriores, à influência dos docentes (geralmente estrangeiros) do curso que tinham o

recorte mais contemporâneo de suas pesquisas e de suas aulas. Em relação aos estudos

de Brasil contemporâneo nas universidades dos anos 80, temos que a maior parte deles

se concentrou em “República Velha”975, período bem pouco visitado pelos historiadores

de Niterói que, ao tratar do período “republicano”, se concentraram no primeiro governo

Vargas. Novamente, estamos diante de uma especificidade.

Tabela 24. Recortes geográficos das dissertações


América Latina 20 39,50%
Brasil 14 27,00%
Rio de Janeiro 10 19,50%
(província, estado)
Outras regiões 4 8,00%
brasileiras
América Latina e Brasil 3 6,00%
TOTAL 51 100,00%

Como demonstramos em nosso primeiro capítulo, o volume de estudos de

973
FICO, Carlos & POLITO, Ronald. A História no Brasil....p.52-4.
974
LAPA, José. Historiografia...p. 52
975
FICO, Carlos & POLITO, Ronald. A História no Brasil....p.52-4.
392

“História da América”, cerca de 40%, é uma idiossincrasia do curso de Niterói devida à

criação da área de concentração voltada ao tema; à posição do professor Pedro Freire

Ribeiro, especialista que teve uma presença constante em um quadro de professores

marcado por alta rotatividade (ver quadro 1); e a opção pela contratação de professores

estrangeiros especialistas no continente. Alteradas essas condições, o número de

trabalhos dedicados à América Latina terá uma diminuição drástica: representam apenas

3% nos 16 anos posteriores ao nosso recorte. Quase todos os estudos de América Latina

geralmente são abordagens de história nacional, apesar de termos também alguns

transnacionais. Vários países da América do Sul foram contemplados pelas dissertações:

Chile, Colômbia, Venezuela, Uruguai, Peru, Equador, Paraguai, Bolívia e Argentina. Os

estudos que classificamos como “outras regiões brasileiras” são referentes ao Pará,

Minas Gerais, Pernambuco e Sergipe. Pelo menos três deles são a região de origem ou

de formação dos pesquisadores: evidência de que os discentes também traziam questões

historiográficas consigo, não sendo todas elas propostas pelo próprio curso (como é o

caso de História da América).

Tabela 25 Fontes mais frequentes nas


dissertações
Fontes de Estado e estadistas 38
Periódicos 22
Entidades não-estatais 14
Cartoriais 6
Relatos de viagens 5
Memórias 4
Entrevistas 3

As fontes de Estado e estadistas, de muito longe as mais utilizadas, são relatórios


393

de diversas esferas do governo (presidências de províncias, ministérios), anais do

legislativo, leis, discursos, registros diplomáticos. Entre “entidades não-

governamentais”, incluímos a Igreja Católica, muito embora, e isto foi objeto de

reflexão das dissertações, esta tenha tido relações estreitas com o Estado. Nesse grupo,

também estão incluídas as documentações de empresas e associações de empresas. As

fontes cartoriais foram importantes para as pesquisas que pensaram propriedades e

produções agrícolas.

A produção discente da UFF é mais diversa em suas temáticas quando

comparada a de outros programas. A Unicamp, que teve suas primeiras dissertações

defendidas em 1980, está fortemente marcada pela “história do trabalho”. De forma

similar, a UFPR concentra estudos demográficos e outros elementos quantitativos, como

preços. Para esses dois casos, não seria difícil estabelecer um perfil historiográfico do

conjunto de trabalhos defendidos. O mesmo não vale se pretendemos em uma síntese

apontar que História foi a contada pelos pós-graduandos de Niterói da década de 1970.

Entretanto, a partir de uma observação panorâmica julgamos sobressair três conjuntos

de dissertações que seriam numericamente a expressão historiográfica do curso de

mestrado em História da UFF nos anos 1970: uma história política de países da América

Latina (excluído o Brasil) no século XIX; uma história regional majoritariamente

econômica da província do Rio de Janeiro também no século XIX; e o governo Vargas

em temáticas diversas.
394

Tabela 26 Principais conjuntos de temáticas e


recortes das dissertações
Política na América Latina 18
(excluído o Brasil) no
século XIX
Província do Rio de Janeiro 10
no século XIX
O primeiro governo Vargas 8
em temáticas diversas

Entre esses estudos de política na América Latina, não deixaram de ser

contemplados temas “sociais”, principalmente envolvendo opressão e resistências

indígenas, bem como temas econômicos, sobretudos abordados de forma panorâmica.

Entretanto, o que mais aparece é o foco em indivíduos e grupos partidários em torno do

Estado, construindo uma historiografia nacional calcada nos fatos singulares e na curta

duração. É bem distinto o quadro da História da América na USP na década de 1970,

que tem dois terços de sua produção dedicadas à História Econômica, e promovem

“explicações estruturais do passado.”976. Os estudos americanistas de Niterói, tendo

como fontes primárias, na maior parte dos casos, conjuntos de documentos publicados,

e repisando a temática mais explorada pela historiografia oficial, não foram, no geral,

marcados pela originalidade, e, portanto, não expressam como conjunto uma

contribuição relevante.

O outro grupo de dissertações que destacamos é aquele voltado a uma história

regional da antiga província do Rio de Janeiro. Tratam-se de dez dissertações, sobretudo

voltadas à História Econômica (5m, 6m, 7m, 8m, 17m, 18m 30m, 31m, 42m e 46m).

Muitas delas colocam a necessidade de se estudar a especificidade regional, seja porque

existiriam generalizações incorretas sobre a economia cafeeira calcadas apenas na

976
BEIRED, José Luis Bendicho. “A pesquisa de História da América no Brasil durante as últimas
décadas” IN: Revista Eletrônica da ANPHLAC, Dossiê Especial, p.50-72, jan. Jun. 2013
395

experiência paulista, seja porque haveria diversidade de desenvolvimento dentro da

própria província do Rio de Janeiro. Elemento que aparece nas análises é também a

crise da cafeicultura e a diversificação da produção. Dentro desse grupo, também

podemos observar diferenças: enquanto os estudos sobre Estrela (6m) e Itaboraí (7m)

tematizam desenvolvimento econômico com poucas referências à agência social, outros

estudos como o de Sonia Mendonça sobre política de valorização do café ("A primeira

política de valorização..." (17m)), de Marieta Ferreira sobre comissários ("A crise dos

comissários..." (18m)), e o de Eduardo da Silva sobre barões ("O cancro roedor..."

(42m)) colocam em relevo a atuação de agentes sociais. Questões de estrutura,

capitalismo e escravismo também mereceram atenção de alguns autores. Richard

Graham, Ismênia Martins e Victor Valla foram os orientadores desse grupo. Essa

História regional não tem relação com os “Estudos Fluminenses”, curso de extensão da

década de 1950 abrigado pela Faculdade Fluminense de Filosofia (instituição que

posteriormente seria federalizada no que se tornou a UFF): aqui, a História tinha uma

“função prática”, que era apresentar a tradição local, reafirmar os valores

“vocacionais” do estado do Rio de Janeiro, e fornecer conhecimento para a recuperação

econômica fluminense977.

Entre os estudos localizados no primeiro governo Vargas, há bastante

diversidade temática e metodológica, mantendo em comum apenas mesmo o recorte

cronológico: política econômica, partido, movimento feminista, atuação política da

Igreja Católica, empresa, educação e repressão estatal.

O número médio de páginas das dissertações é 154. Essa média foi crescendo

progressivamente a cada turma: na primeira, 118 e na última, 188. Apesar de oito

977
FERNANDES, Rui. ““Estudos fluminenses”: a Faculdade Fluminense de Filosofia e sua identidade
regional” IN: NEVES, Lúcia; GUIMARÃES, Lúcia; GONÇALVES, Márcia; GONTIJO, Rebeca.
Estudos de historiografia brasileira. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2011.
396

pesquisadores da primeira turma terem concluído seus trabalhos em 2,5 anos (tempo

assim curto provavelmente por terem prazos para serem titulados e permanecerem como

docentes da graduação978), a média de tempo entre o início das disciplinas e a defesa da

dissertação foi de pouco menos de 4 anos. Entre 1980 e 1989, no âmbito nacional,

mestrandos levariam em média 5 anos e 8 meses979.

5.4 Política

Diferentes autores formularam as relações que o conhecimento sobre o passado

tem com o presente do historiador. Haveria uma não dissociação, de cujos termos mais

precisos podemos passar ao largo, entre a compreensão sobre o passado e a sobre o

presente, de forma que não haveria algum refúgio de neutralidade de onde se pudesse

dissertar sobre o primeiro sem que isso não fosse também, de alguma forma, dissertar

sobre o segundo. E este presente seria necessariamente carregado de política: pensando

as ciências sociais, Bourdieu formulou que o que está em jogo em sua produção

científica é o mesmo o que está em jogo entre as classes na política: produzir e difundir

uma representação legítima do mundo social980. A historiografia seria assim incapaz de

escapar da política contemporânea. Há algo trágico nas memórias de Marc Bloch

quando este reflete sobre o grupo de intelectuais de que fez parte. Justamente por ter

identificado ali uma fuga de questões políticas em um momento de ascensão do

fascismo, realizou uma autocrítica não apenas pela interpretação de história que tinham,

mas também uma de sentido ético, esperando por isso que seus “herdeiros” pudessem

“perdoar-nos o sangue que está sobre nossas mãos.”981

978
Ver nosso primeiro capítulo.
979
FICO, Carlos & POLITO, Ronald. A História no Brasil....
980
BOURDIEU, Pierre. O campo científico....
981
DOSSE, François. A História em migalhas...p.96.
397

Um primeiro passo de nossa análise pode ser observar que temas políticos de

conexão com suas épocas nossos autores formularam explicitamente. Duas dissertações

fazem referência a essa ditadura então contemporânea. O estudo de Ubiratan Rocha, “A

ALAC e a integração econômica...” (43m), sobre arranjos e entidades econômicas

internacionais, é iluminado de sentido quando o autor pontua ao final que recursos a

capitais estrangeiros e influência dos EUA na América Latina no pós-guerra fazem parte

do contexto de surgimento de ditaduras latino-americanas, marcadas pelo

antissocialismo e pela afinidade entre política norte-americana e interesses de minorias

dominantes na América subdesenvolvida. A organização estudada por Rocha, a

Associação Latino-americana de Livre Comércio (ALALC), não chegou, segundo o

autor, a por em questão a hegemonia norte-americana na região - pelo contrário, ela

poderia inclusive fortalecê-la, uma vez que poderia significar uma alternativa ao

processo de industrialização que não passasse por reformas internas profundas e

mantivesse os tradicionais privilégios das elites dominantes. Muito embora sejam bem

poucas as páginas dessa dissertação voltadas à temática da ditadura, vemos que o objeto

de estudo é justificado pela consequência ou contexto político de que faz parte, com

ditadura significando manutenção de desigualdade e dominação de classe. O outro

estudo que reflete sobre a contemporaneidade foi o escrito por Teresa Serejo sobre

coronelismo em Petrolina (“Coronéis sem patente...” (51m)), que tem como recorte

cronológico 1950-1976. Serejo não apresenta sua dissertação como um estudo sobre a

ditadura. Mas ao abordar o coronelismo, o vincula às características nacionais como o

desenvolvimentismo, o domínio eleitoral, arranjos partidários, o controle político e a

exploração econômica sobre a classe trabalhadora. Dessa forma, há um retrato agudo e

crítico da vida política e econômica nacional, apesar do olhar fixo sobre uma cidade do
398

interior.

Outros estudos, apesar de não se referirem a ditaduras contemporâneas,

abordam, a partir de outros tempos e lugares, seu traços mais destacados. “O petróleo

venezuelano...” (19m), de Saraiva, por exemplo, apresenta um esforço contínuo ao

longo do texto de acusação e crítica ao governo ditatorial de Gómez na Venezuela,

apontando o alheamento do povo e do congresso em relação à condução do país, a

insatisfação da população que fez haver movimentos armados, e a preferência de muitos

pela emigração e a morte à vida sob o regime. A autora dialoga com defensores do

regime de Gómez enfatizando os limites de suas realizações (por exemplo, sobre infra-

estrutura), a condução da economia à dependência de um único produto e o alinhamento

a forças imperialistas. A dissertação de Reynaldo de Campos, “O Tribunal...” (45m),

tem uma conexão direta com uma das características mais significativas da ditadura

brasileira: a repressão. Estudando o Tribunal de Segurança Nacional de Vargas, mostra

que a Justiça foi instrumentalizada pelo poder ditatorial, e mirou sobretudo pessoas de

esquerda através de um “histerismo anticomunista” mobilizado em tons de “guerra

santa”. As decisões judiciais, contrariando evidências dos autos e motivadas pela

perseguição, empreendiam o “terror” de uma forma até “ridícula”.

Outras dissertações trazem a temática da ditadura ou da tirania sem, entretanto, o

mesmo tom de denúncia. Orlando de Barros, em “Paraguai: a transição...” (28m), estudo

que se concentra nas “elites políticas”, na organização e no poder de Estado, é atento a

uma tensão entre “elementos fundamentais da vida democrática” e uma “tentação

autoritária” constante, que o autor registra como julgamentos sumários, execuções e

terror. O estudo de El-Jaick, “O pensamento político...” (47m), centrado na ação e

pensamento de um indivíduo, Símon Bolívar, aponta a “hesitação” desta personagem


399

em criar instituições democráticas e do resultado ditatorial de sua prática política. E no

arremate de seu texto, afirma que Bolívar deixou intactas as estruturas econômicas que

produziam as desigualdades. “A consolidação do estado..” (21m), sobre o Uruguai, tem

como um dos pontos principais de seu texto que o exército foi um canal através do qual

novas classes fortes economicamente afirmaram seus projetos baseados no direito de

propriedade privada e em uma política financeira favorável aos interesses do alto

comércio e aliados ingleses. O estudo de Peçanha, “A abertura do Paraguai...” (48m),

quando trata do governo de Francia, o aponta como marcado pela perseguição e pelo

terror, sendo tirânico, cruel, despótico e totalitário. O autor quando traz elementos que

identifica como positivos nesse governo (atenção às classes pobres, aumento do nível de

vida, modernização) – o que contrastaria com o liberalismo que apenas atendia à classe

dominante e aos caudilhos - não deixa de afirmar que não pretende com isso de forma

alguma justificar o governo de Francia – aqui há semelhanças com o “milagre

brasileiro” dos anos 1970 que, mesmo não tendo significado uma política de atenção a

pobres, como foi identificado pelo autor no caso paraguaio, se tratou de crescimento

econômico capaz de gerar consenso e visões positivas ao governo brasileiro que

poderiam compensar seu lado negativo e autoritário. Temos também a dissertação de

Zenaide Cardoso, “Política econômica...” (40m), sobre o governo de Rosas na

Argentina, que registra esta personagem se tratar de um tirano que se equilibra entre

vários interesses econômicos e grupos políticos.

Mas também tivemos dissertações que justificam a ditadura. Em “O civilismo

equatoriano...” (23m), nos é dito que García Moreno, sendo homem honesto e justo,

construiu seu regime autoritário tendo por objetivo a pacificação, o progresso material e

a reconstrução moral. O autor, Almir da Silva Oliveira, não nos oculta que houve
400

“energia implacável”, “meios cruéis”, censura e que Garcia Moreno passou por cima da

lei, mas positiva a ação desse estadista diante de um ambiente nacional de “intriga”,

“afrouxamento dos valores cívicos”, “ideias desassociadoras” e “irresponsabilidade do

cidadão”. Havendo um dilema entre anarquismo e autoritarismo, esse segundo seria um

“mal menor”. Apesar de não ser tão incisivo quanto Oliveira, Pinto Filho em “O sentido

do governo...” (29m) também justifica uma figura autoritária: o chileno Balmaceda

transgrediu a Constituição se tornando um ditador, mas isso não teria sido motivado por

interesses particulares, já que sua intenção não era se perpetuar no poder. Seu “pulso

firme” estaria a favor da busca da “paz” e do “conforto” da sociedade.

Identificamos assim 11 estudos que põem em evidência, mais ou menos

diretamente, a questão da ditadura (ou como aparece em alguns trabalhos, da “tirania”),

com dois deles defendendo formas ditatoriais de governo. Há outros estudos que

colocam em tela questões candentes da época em que foram escritas. No contexto de

Guerra Fria, o alinhamento a potências internacionais era assunto muito visitado, com

um efetivo entrosamento – político, econômico e ideológico - do governo brasileiro com

os EUA acentuado no pós-1964, sendo isto expresso inclusive na política universitária

nacional. E para citar outra questão que envolve o universo intelectual de que tratamos,

a mídia de uma forma geral via com maus olhos o fato de tantos historiadores norte-

americanos se dedicarem à História do Brasil (além de transladarem fontes primárias

para seu país de origem)982. Por setores da esquerda as relações internacionais eram

abordadas com referências ao imperialismo, indicando controle político, exploração

econômica e influência ideológica principalmente por parte dos EUA em tempos mais

recentes e da Inglaterra e Portugal (colonização) para períodos mais remotos.

Esse assunto da relação do Brasil e de outros países da América Latina com as


982
Comentamos a questão em nosso capítulo 1.
401

nações “centrais” aparece em várias das nossas dissertações, mas por vezes se restringe

a comentários solitários: esse é o caso de “O café no contexto...” (33m), “A fazenda...”

(5m), “Da monocultura à diversificação...” (31m), “Política econômica...” (40m),

“Argentina: economia...” (25m). Existe nelas uma ideia de que há desigualdade nas

relações econômicas internacionais em que a parte mais fraca está marcada pela

monocultura e é importadora de manufaturados dos centros industrializados. “O

petróleo venezuelano” (19m) e “A consolidação do Estado..” (21m), que já evocamos

nesta seção, tem tom mais incisivo ao associar ditadura na Venezuela e poder de

militares no Uruguai à submissão a interesses estrangeiros. Supomos que tais noções

estejam difundidas em outros trabalhos – algo do qual, entretanto, não teríamos tomado

nota dada a sua localização marginal nos textos. Com mais dedicação sobre este ponto

de relação interpaíses, em uma parte de “A crise dos comissários...” (18m), Ferreira

estuda a penetração de firmas estrangeiras nos negócios do café e sublinha a existência

de capital monopolista. Mas são em outras cinco dissertações que o assunto tem

centralidade. O estudo de Gomes, “O sistema de cristandade...” (53m) no seu estilo

ensaístico e abstrato, avalia que a Igreja e a cristandade brasileira devem suas

características ao contexto da colonização exercida por Portugal. Como vimos, a

dissertação de Ubiratan Rocha sobre a ALALC (43m) contempla justamente relações

econômicas internacionais, realizando, em dado momento, sua crítica à configuração

então atual de entrada de recursos estrangeiros e influência dos EUA, o que faria parte

do contexto de surgimento de ditaduras. “Itabira Iron Ore Company” (44m) é um estudo

rico que tem como mote a disputa entre interesses monopolísticos de capitais

estrangeiros consubstanciados na Itabira Company e a reação nacionalista que se lhe

opôs. Nesse trabalho de Chiarizia, são abordadas a problemática de capital estrangeiro


402

deter recursos naturais brasileiros e estratégias e discussões de agentes nacionais frente

à esta situação. Temos ainda o texto de Francisco Teixeira, “A diplomacia brasileira...”

(14m). A sua pesquisa abarca a revolução mexicana do início do século XX, o conflito

que o México teve com os EUA e, principalmente, a atuação de diplomatas brasileiros

nesse contexto (um deles bem favorável aos EUA). Apesar de seu objeto guardar

relação com pontos candentes da política dos anos 1970, o texto nos é apresentado sem

colorações políticas não sendo óbvia a localização do autor nos debates que aconteciam

na época em que escreveu. O mesmo vale para o estudo de Dulce Maciel sobre o

“Congresso do Panamá de 1826” (39m)

Por fim, citemos outros dois estudos cujos objetos tem fortes pontos de contato

com vivido nos anos 1970: “O guano e o salitre...” (22m) enfoca disputas entre civis e

militares no Peru. É um estudo de história política abordado através de agentes em

posições estatais e partidárias relacionados a classes sociais, e que evidencia que a

economia do guano e do salitre gera renda que sustenta o poder dos governos. O que

nos interessa aqui é a questão civil versus militar do estudo que, por motivo óbvio, tem

paralelismo com o cenário brasileiro de então. O texto de Abner Baptista Júnior conduz

sua análise sem que se possa remeter diretamente os episódios da história peruana à

política brasileira sob a ditadura (por exemplo, pondo a democracia em debate,

identificando “vilões” ou pensando o significado de militares se imiscuírem na política).

Há uma colocação do autor, entretanto, que faz emergir sua leitura política e sua

intenção de que sua dissertação seja uma lição para o presente: uma vez que a disputa

entre a oligarquia civil e os militares no Peru teria apenas fortalecido a Inglaterra, seu

estudo “...pretende ser [é] um alerta contra as radicalizações de movimentos políticos

que em última instância só servem ao dominador alienígena (qualquer que seja sua
403

nacionalidade)...”983 Dessa forma, o autor eleva à principal questão política a colocação

dos interesses nacionais frente a uma potência estrangeira (o que não chega a ser objeto

em sua narrativa da história peruana), tendo a moderação como horizonte positivo para

grupos internos em disputa. Nos parece que há aqui uma desvalorização dos

significados políticos graves do governo brasileiro dos anos 1970, bem como das

oposições ao regime. A segunda dissertação é a que versa sobre nacionalismo no século

XIX, “A ideia de nação...” (32m). A propaganda ufanista foi uma grande marca do

governo brasileiro na primeira metade da década de 1970, principalmente. Essa

dissertação de Heloísa Menandro, ao colocar que o nacionalismo pode ser expresso de

diversas maneiras, por diferentes classes e em função de interesses também diversos, e

entendendo também que o Estado é dominado por uma classe em especial, promove

uma tácita rejeição ao nacionalismo fomentado pela ditadura empresarial-militar que

supõe abarcar em um mesmo projeto grupos sociais diversos que formariam coesamente

o Brasil.

A problemática desta seção de nossa tese pode se desenvolver para além da

análise dos temas das dissertações que poderiam encontrar paralelos com os assuntos

em evidência no contexto dos anos 1970 em que viviam os mestrandos. Para um esforço

de síntese, gostaríamos de classificar quatro grupos de trabalhos em suas manifestações

políticas. Precisamos salientar que pensar politicamente essa historiografia da década de

1970 não deve supor que seus significados estejam contidos apenas nela própria,

bastando que nós os revelássemos como se tivéssemos descoberto a essência das obras.

Trata-se na realidade, como é necessariamente o caso em toda pesquisa histórica, de

uma operação dialógica entre a nossa fonte e o nosso interesse de historiador – e,

portanto, também a nossa política. Outro cuidado teórico e metodológico é aquele a que
983
BAPTISTA JÙNIOR, Abner. O guano e o salitre... p. 1
404

já fizemos referência em vários momentos de nossa tese, o da problemática de

categorizar dissertações qualitativa e quantitativamente, posto que isto tende a

enclausurá-las em um certo sentido, ocultando sua diversidade. Além disso, é claro, há o

risco de eventuais deslizes nossos ao não computar algum elemento das dissertações, ou

fazê-lo equivocadamente. Por outro lado, só podemos conhecê-las – caso seja de fato

viável o propósito desta tese de analisar 51 dissertações – a partir de uma relativa

abstração de suas diferenças, já que uma consideração mais acentuada de suas

especificidades perderia força analítica: impossível não remeter aqui a “Funes, o

memorioso”, personagem de Borges que, justamente por considerar um alto volume de

informações, era incapaz de pensar adequadamente984. É nesse sentido heurístico então

que temos classificado as dissertações, sem que isso signifique suas reduções a “tipos”.

O primeiro desses grupos, o menor, é aquele que justifica o ataque à democracia

e a formas de violência. São dois trabalhos, que citamos acima: “O civilismo

equatoriano...” (23m) e “O sentido do governo Balmaceda (1881-1891). O segundo são

estudos carregados de uma visão acrítica, expressando-se em admiração em relação ao

Estado, a homens de poder e a empreendimentos econômicos. Esse é o caso de “O

banco Mauá...” (24m), que afirma que os financiamentos realizados por esta

personagem no século XIX, descrita como gloriosa, tenaz e audaz, foram norteados pela

paz, pelo progresso e pela causa uruguaia. O estudo de Daniel Sadler, “O pensamento de

Sarmiento” (50m) é hiperbólico na sua admiração pelo político argentino – e na sua

dissertação isso é mais importante que a própria história política do país. Em “A

influência da maçonaria...” (20m), temos também um autor entusiasta da entidade, que

observa políticos que teriam feito parte dela como agentes de ideais elevados. Seria

proveitoso comparar com mais detalhe esses estudos com aqueles produzidos na UnB
984
BORGES, Jorge Luís. 'Funes, o memorioso” IN: Ficções. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2007.
405

que estavam centrados “...na tarefa de legitimar, em nome da ciência, o projeto e

construção nacional e de internalização da monarquia.”985

Um terceiro grupo é composto de pesquisas em História econômica e História

política, que muitas vezes são análises agudas e originais. No geral, não deixam de

contemplar o conflito, por exemplo, entre partidos em torno do Estado, entre centralistas

e federalistas, monarquistas e republicanos, e ações políticas e econômicas em relação à

crise da cafeicultura, problemas de abastecimento, crédito, industrialização, urbanização

e desenvolvimento. Suas temáticas, entretanto, não dão relevo a noções de dominação,

exploração e resistência, aparecendo estas de forma ocasional, sem marcar o texto,

quando não é o caso, não raro, de totalmente ignorarem as ignorarem. Nesse grupo,

estariam: “O desenvolvimento econômico...” (1m). “A evolução do sistema

financeiro...” (2m); “A Constituinte de 1823...” (4m); “A fazenda de Santa Cruz...”

(5m), “Município de Estrela...” (6m), “Vida econômica de Itaboraí...” (7m), “O

republicanismo fluminense...” (8m), “A diplomacia brasileira...” (14m), “A experiência

liberal na Colômbia...” (16m), “A primeira política...” (17m), “Da monocultura à

diversificação...” (31m), “O café no contexto...” (33m), “Congresso do Panamá de

1826” (39m).

Por fim, o último grupo é daqueles que incluem noções de domínio, exploração e

resistência. Obviamente, isto aparece de forma bastante variada: às vezes, ocupam

centralidade na mensagem principal da dissertação. Em outras, surgem em colocações

laterais, secundárias. No total, são um pouco menos de 30 trabalhos. Já nos referimos à

parte destas dissertações (aquelas que trabalhavam com o conceito de classe social) em

nossa seção sobre marxismo. Outra parte foi citada aqui, como aquelas que tematizam a

ditadura ou temas candentes da época em que foram escritas. A exceção é “Bertha Lutz
985
MUNIZ, Diva & SALES, Eric. “Cultura historiográfica...”
406

e a ascensão social da mulher (1919-1937)”, estudo que se destaca não apenas por

tematizar a história de uma militância, como também por abordar o feminismo. A

temática ganharia força apenas na década seguinte, e nos anos 2000 a pós-graduação da

UnB criaria uma área de concentração chamada “Estudos Feministas e de Gênero”. A

autora Rachel Sohiet nos informa que quando escreveu o trabalho, houve quem

considerasse a temática secundária, mas no geral a recepção foi positiva sendo ela

convidada para muitas palestras986. Na conclusão de seu estudo, Sohiet faz alguns juízos

políticos sobre o feminismo de Bertha Lutz: sua falta de olhar sobre a questão do

mercado de trabalho visando aproveitamento equitativo de “ambos os sexos”; o apelo

do movimento feminista ao “cavalheirismo inato dos brasileiros”, e não terem sequer

mencionado o problema da sexualidade feminina.

Poderíamos indicar então, como uma síntese, que pouco mais da metade dos

trabalhos apresentam uma visão crítica que indica principalmente a repressão de Estado;

a associação do Estado ao escravismo; relações econômicas internacionais desiguais e

exploração econômica de países estrangeiros; papel da educação e da Igreja em

dinâmicas de controle e exclusão; exploração vivida por trabalhadores e indígenas e

suas lutas; atuações políticas, econômicas e projetos de poderosos sobre populações. Os

de um segundo conjunto, que são em torno de 30%, não trazem a mesma mensagem

crítica, muito embora a maior parte observe outros tipos de disputas políticas e

problemáticas de dinâmicas econômicas. Um terceiro e um quarto grupos são um pouco

mais de 10% do total de trabalhos e veiculam, respectivamente, uma visão acrítica e

admiradora em relação a poderosos e seus empreendimentos e uma normalização da

repressão do Estado.

Desta classificação política que fizemos das dissertações, obviamente não deve
986
Entrevista ao autor.
407

derivar automaticamente uma outra que ajuíze sobre o pensamento político de seus

autores. Geraldo Beauclair, por exemplo, que foi docente da graduação e mestrando da

primeira turma, era considerado politicamente ofensivo por órgão de segurança da

UFF987, mas em sua produção, sobre crédito no governo Vargas, não há juízo de

contestação política. Almir El-Kareh era um forte incentivador de discussões teóricas

marxistas, mas procurava deixar claro em sala de aula que não tinha ligação

partidária988. Estudar ações e reflexões políticas desses mestrandos em outras áreas de

suas vidas seria sem dúvida profícuo nesse sentido de entender a prática historiográfica

sociologicamente (além de aspectos como origem familiar, renda, cor da pele, etc.). Mas

este é um terreno em que esta tese não pode avançar muito. No arquivo da vigilância

política da UFF que citamos no capítulo 1, temos docentes e discentes observados como

subversivos, e outros que os órgãos de espionagem entenderam como politicamente

aceitáveis para trabalhar na gestão da universidade. O mestrando Francisco Gomes, em

sua dissertação, se localiza e discute uma política de esquerda contemporânea, e os

professores Victor Valla e Ismênia Martins tinham militância de resistência à ditadura.

Por outro lado, em entrevistas a este trabalho, pelo menos dois estrangeiros foram

citados como possíveis informantes989, além de termos como um dos docentes mais

atuantes do curso alguém que fora, poucos anos antes, feito governador de Estado pelo

processo ditatorial, Arthur Reis, e outro, Pedro Ribeiro, alguém com visão francamente

antidemocrática990. Temos assim uma diversidade de posturas e forças localizadas nas

posições universitárias, o que não deixa de refletir, também como diversidade, nas

dissertações. Como pensar essas características em relação ao quadro geral da

987
Ver nosso capítulo 1.
988
Entrevista ao autor.
989
A espionagem norte-americana sobre intelectuais brasileiros, inclusive historiadores, é inclusive
anterior a 1964. Ver nosso capítulo 1.
990
Ver capítulos 2 e 4.
408

historiografia acadêmica e da intelectualidade brasileira?

Essa é uma questão difícil de responder, porque há pouca bibliografia com a qual

dialogar, principalmente se considerarmos a necessidade de as análises abraçarem

volume grande de produção acadêmica, as especificidades político-institucionais

regionais, e a atuação pública dos historiadores em outras esferas. Entretanto,

gostaríamos de levantar algumas referências.

Os dois primeiros simpósios da APUH/ANPUH em 1961 e 1962 foram espaços

tensos não apenas por conta das questões historiográficas que comentamos no início

deste capítulo, mas também pelas discussões sobre reforma universitária e reforma

agrária que agitavam o cenário nacional. Entre os professores acadêmicos de História

presentes, havia aqueles que pretendiam dar centralidade a esse debate. Outros o

procuravam interditar, alegando que isso comprometeria a cientificidade do campo

fundada nos pressupostos de neutralidade e imparcialidade. Essa discussão inclusive se

manifestava no combate entre os que defendiam e os que rejeitavam maior ênfase de

estudos em História do Brasil, o que politizaria a área, principalmente com a abordagem

do período contemporâneo. A posição que predominou foi expressa no estatuto da

APUH, que definiu a associação como uma que não tomaria parte em manifestações

políticas991. No final da década de 1970, a (a partir de 1971 chamada) ANPUH passou

por discussões fortes. Ela havia se definido, como indica o estudo de Paulo Silva,

hierarquizando saberes de professores do ensino básico e estudantes de graduação

991
SILVA, Paulo. A Associação Nacional dos Professores...p.210. Relatando os debates em 1963,
Francisco Falcon dividiu os simposistas entre progressistas e alienados. Deve-se ter cuidado a não
associar como politicamente progressistas aqueles que reivindicavam maior destaque a estudos de
História do Brasil e sobre o presente. Eremildo Viana e Cecilia Westphalen manifestaram posição
historiográfica “moderna” no encontro da APUH de 1962, mas foram dois notórios associados dos
governos militares que se instalaram em 1964. É claro que pode ser o caso de ter havido uma mutação
política de um momento para outro (com efeito, Viana fora um aliado de estudantes de esquerda no início
dos anos 1960). De qualquer forma, fica a ressalva para que não pensemos as personagens através de
automatismos entre suas posições científicas e políticas. Sobre Eremildo Viana e Cecilia Westphalen, ver,
respectivamente, PEREIRA, Ludmila. O agente da História..., e MACHADO, Daiane. “Modos de ser...”
409

(ambos abaixo do professor do ensino superior). E também os excluindo de maior

participação, apesar de ter incentivado com o decurso dos anos suas presenças como

ouvintes992. Na segunda metade da década de 1970, então, houve proposta de incluir

docentes do ensino básico e estudantes para que pudessem ter papel ativo nas sessões, e

isso tinha a ver com potencializar a instituição como opositora da ditadura. A

Associação foi democratizada e, com moções de repúdio à censura, manifestava um

inédito engajamento em 1977, quando antes havia predominado o silêncio993.

O acontecido na ANPUH tem correspondência no observado por alguns autores

na produção acadêmica de História: afirmam que a partir de metade dos anos 1970, ou

início da década de 1980, houve uma “politização” na produção acadêmica. Rodrigo

Oliveira, em referência aos anos de 1975 a 1979, sugere haver tido entre os

historiadores um intenso engajamento manifestado tematicamente (porém não

acompanhado de participação forte em esferas políticas) na abordagem de “novos

sujeitos” (trabalhadores rurais e urbanos)994. José Lapa comentou “um processo de lenta

conscientização dos intelectuais latino-americanos”. Na historiografia, isso significaria

maior atenção à temática da luta social e política, em detrimento daquela que se

dedicava a pensar desenvolvimento e subdesenvolvimento995. D'Alessio avalia haver a

992
MACHADO, Daiane. “Modos de ser...”
993
Um grupo fundou então uma nova entidade, a Sociedade Brasileira de Pesquisa Histórica (SBPH) que
definiu pela rejeição a manifestações de caráter político, tal como era antes a ANPUH. Idem. p. 14-4.
Embates similares na ANPUH continuariam. Fico e Polito nos contam que em 1991 havia uma tensão -
que, entretanto, não chegou a “explodir” no encontro nacional – envolvendo grupo que proporia “...a
configuração da entidade nos moldes da ANPOCS, com uma postura apolítica, visando organizar
pesquisadores e carrear recursos, em detrimento da participação de professores de primeiro e segundo
graus que, com suas questões relacionadas à rotina massacrante do ensino no Brasil, estariam
bloqueando aqueles destinos “mais nobres” da pesquisa. Como se vê, um confronto entre
“pesquisadores elitistas” e “profissionais socialmente engajados”” FICO, Carlos & POLITO, Ronald. A
História no Brasil... p.87-8. Para os autores deste livro publicado em 1992, poderia ser vista na ANPUH
uma típica “...ojeriza nacional de nossas elites à explicitação das diferenças e de sua tendência à
conciliação a todo custo.” Idem. p. 87.
994
OLIVEIRA, Rodrigo. “O engajamento político e historiográfico no ofício dos historiadores brasileiros:
uma reflexão sobre a fundação da historiografia brasileira contemporânea (1975-1979)” IN: História da
historiografia.
995
LAPA, José. História e historiogafia...p.69
410

partir da década de 1980 uma “cumplicidade” entre intelectuais e setores

desfavorecidos, que passaram a ser valorizados enquanto objetos996. Em outro artigo

desta autora, assinado com Janotti, onde estudam 886 produções acadêmicas de pós-

graduação entre 1985 e 1994, conclui-se que a historiografia, em sua maioria,

tematizava na história brasileira “...projetos ferozes visando a dominação que, partindo

do Estado, das classes ou das elites, tem como objetivo perseguir, excluir enganar.”997.

Em suma, então, haveria maior engajamento na produção acadêmica, em

sintonia com a movimentação social de contestação à ditadura. Não deixa de ser

correspondente a esse quadro geral o que observamos nos escritos da UFF. No entanto,

eles também nos revelam a existência de outras características políticas que impedem

generalizações. Se nessas nossas dissertações defendidas entre 1974 e 1979 há marcas

da agitação social e das novidades temáticas despontadas na chamada redemocratização,

há também as marcas do início da década, anos de chumbo e de depressão de forças

democráticas.

Há um último aspecto político a ser destacado, referente a gênero. Considerando

a tradicional divisão binária, houve nas três primeiras turmas mais mulheres que

homens entre discentes: 27 x 24. Essa porcentagem não é distante da observada por Fico

e Polito nos anos 1970 e 1980, cerca de 60% de autoria feminina em trabalhos de pós

em História no Brasil998. Entretanto, a situação é diferente quando observamos o corpo

docente: de 35 professores que passaram pelo curso da UFF até 1979 (nenhum por

concurso, aliás), só 6 são mulheres. De 11 orientadores que atuaram nesse mesmo

996
D'ALESSIO, Marcia. “Os Annales no Brasil...”
997
D'ALESSIO & JANOTTI “A esfera do político...” p. 148
998
Dados de 2016, entretanto, apontam uma pequena maioria masculina entre mestres e doutores de
História. ALMEIDA, Rodolfo & ZANLORENSSI, Gabriel. “Qual o gênero e idade dos mestres e
doutores” IN Nexo Jornal.https://www.nexojornal.com.br/grafico/2018/05/23/Qual-o-g%C3%AAnero-e-
a-idade-de-mestres-e-doutores-no-Brasil Publicado em 23 de maio de 2018 e atualizado em 26 de julho
de 2018. Acessado em janeiro de 2019.
411

período, há apenas uma mulher, Ismênia Martins, também a única que se destaca entre

os que mais ofereceram disciplina no período999. Nas 51 dissertações que estudamos,

dos 9 autores que mais constam em bibliografia, 3 são mulheres, localizadas na parte

mais baixa da lista. Apesar de a coordenação do curso ter ficado, em todo o período que

estudamos, a cargo de uma mulher, Aydil Preis, e de serem mulheres a maioria discente,

vemos que os espaços de prestígio científico são marcados por desigualdade.

Em entrevista a nós, Martins relatou desestímulos ao seu progresso na carreira (o

doutorado na USP concluído em 1972 e o ingresso como docente universitária na UFF).

Dentro e fora da universidade lhe foi colocado que ou seria melhor socialmente que ela

se restringisse aos papéis de mãe e esposa, ou que esses papéis seriam limitadores do

seu desenvolvimento acadêmico. Alice Canabrava, na USP, atribuiu a uma questão de

gênero sua não aprovação para cátedra de História da América, mesmo depois de ter

tido a média mais alta que seus concorrentes nas provas1000. Estudando também a USP,

Roiz aponta que a maioria das pessoas que se formavam eram mulheres, mas não eram

elas que galgavam as posições docentes1001. Pensando a História da historiografia, Maria

da Glória Oliveira aponta em artigo casos, de diferentes espaços e tempos, de ocultação

de mulheres na configuração de cânones historiográficos e na memória disciplinar 1002.

Na produção da UFF que estudamos, vimos que há uma solitária dissertação sobre o

tema da desigualdade de gênero, que, no entanto, ganharia força nos anos seguintes.

999
Ver tabelas 2 e 3. Em relação a orientadores (isto é, sem referência ao conjunto total de professores), a
situação na UFF melhoraria muito, pois de 1980 a 1989 o número de homens e mulheres é praticamente
igual, enquanto o quadro brasileiro, nesse mesmo período, aponta uma predominância masculina de 58%.
UFF. Catálogo...; FICO, Carlos & POLITO, Ronald. A História no Brasil...p.50.
1000
SILVA, Paulo. A Associação...p.232
1001
ROIZ, Diogo. Os caminhos (da escrita)....p.177
1002
OLIVEIRA, Maria da Glória. “Os sons do silêncio: interpelações feministas decoloniais à história da
historiografia.” IN: História da historiografia. v. 11, n.28 set-dez 2018.
412

5.5 Conclusão

Neste capítulo, trabalhamos a hipótese de acadêmicos de História, nos anos 1960

e 1970, considerarem haver uma forma tradicional e outra moderna de se compreender o

passado, dessa forma balizando simbolicamente suas discussões. Na APUH/ANPUH,

USP e UFPR, o “novo” era pensado a partir de historiadores franceses. No mestrado da

UFF, entretanto, os Annales não tiveram contribuição de relevo para os textos das

dissertações no período estudado. Essa é apenas uma evidência de que a historiografia

acadêmica brasileira deve ser considerada a partir das especificidades dos diferentes

cursos universitários. Demonstramos também que características que podem ser

identificadas como tradicionais figuravam em muitas dissertações e em membros do

corpo docente de Niterói.

Evidenciando certa diversidade do mestrado da UFF na década de 1970,

observamos que em cerca de metade dos trabalhos havia a presença de teóricos,

conceitos ou perspectivas marxistas, entre os quais destacamos a noção de classes em

conflito. Avaliamos que essa presença não resultou, salvo exceções, em maior

desenvolvimento historiográfico dos pressupostos marxistas, devendo ser questionadas

assim as leituras (de contemporâneos ou da historiografia) que supõem ter sido o

marxismo dominante no curso. Os depoimentos que colhemos mostram impressões

contraditórias sobre a proporção dessa influência intelectual. A nossa análise vai ao

encontro do que colocaram Almir El-Kareh e Francisco Falcon: o marxismo não teria

prevalecido no mestrado e o que haveria eram visões “genericamente marxistas”1003. É

importante, contudo, a ressalva de que o que foi registrado nas dissertações não

condensa tudo o que pensavam e liam aqueles novos historiadores de Niterói. A partir

de dados colhidos em entrevistas, podemos supor que alguns mestrandos se


1003
Entrevistas ao autor.
413

identificavam como marxistas sem que, entretanto, essa perspectiva fosse desenvolvida

nos textos de suas pesquisas. As razões para tal podem ser apenas especuladas: algum

nível de autocensura considerando o contexto ditatorial, mas, principalmente, o não

estímulo para suas perspectivas em orientações e disciplinas do mestrado (que

significavam àquele momento não uma mera continuação de suas formações, mas algo

novo posto que voltado para pesquisa).

A ideia de que o corpo docente influenciava as temáticas e recortes dos discentes

foi trabalhada ao longo de toda a tese. Essa influência (nunca de forma exclusiva, claro

esteja) foi facilmente verificada através de expressões numéricas. Nesse capítulo,

sintetizamos essas características procurando determinar que História teria sobressaído

neste conjunto de 51 dissertações. O estudo político de países da América Latina no

século XIX foi o recorte mais trabalhado, o que deve ser tributado à atuação de Pedro

Freire Ribeiro, um dos professores mais frequentes do curso, e de um conjunto de

estrangeiros especialistas no continente. Mas a diversidade temática, cronológica e

geográfica foi outra marca das dissertações - ela também, em grande parte, um reflexo

da diversidade do corpo docente.

Uma análise das visões políticas das dissertações nos indicou que cerca de

metade veiculou uma mensagem crítica ao Estado e grupos dominantes, tematizando

experiências de dominação e exploração sobre setores subalternos. Alguns inclusive

abordavam diretamente a temática da ditadura, estabelecendo um óbvio paralelo com o

momento vivido na época da escrita. Essa postura crítica, entretanto, não parece ter sido

tão frequente quanto seria na historiografia brasileira a partir dos anos 1980: de acordo

com nossas fontes secundárias, houve uma politização dos intelectuais que se

expressou, por exemplo, através de estudos sobre trabalhadores e sobre dinâmicas de


414

dominação. Além disso, nas dissertações que estudamos, posições políticas à direita,

ainda que minoritárias, não deixaram de marcar presença.

A contribuição deste nosso capítulo está menos na articulação de hipóteses

explicativas sobre a história da historiografia do que no levantamento de dados sobre

espaço e tempo específicos, o curso de mestrado em História da UFF dos anos 1970.

Poderemos avançar no conhecimento da dinâmica das ideias através da incorporação de

mais elementos à análise. Por exemplo, um estudo sobre a historiografia certamente não

deve estar restrito aos identificados institucionalmente como cursos de História, mas

também abarcar Ciência Política, Sociologia, Antropologia, Filosofia, Economia, e

outros que não apenas construíram conhecimento sobre o passado, mas também se

expressaram no debate público. Tratar-se-ia não apenas de verificar suas formulações,

mas de trazer a primeiro plano as condições institucionais e políticas em que

produziram.

A evolução do pensamento historiográfico também carece de maiores pesquisas

que envolvam os cursos de graduação. Vimos no nosso primeiro capítulo que

transformações rápidas aconteceram tanto no Rio quanto em Niterói entre os anos 1960

e 1970. Os mestrandos que estudamos se formaram principalmente na UFF e, em menor

medida, na UB/UFRJ e Universidade do Estado da Guanabara (UEG). Como nos faltam

informações sobre as datas das conclusões das graduações, não é possível estipular que

tipo de formação tiveram: se, por exemplo, marcada pelo factualismo (e inclusive pela

memorização e recitação de passagens de livros) ou com maiores contatos conceituais e

“modernos”. De qualquer forma, as dissertações que estudamos parecem indicar um real

progresso científico: apesar da renitência dos elementos “tradicionais” da historiografia,

parecia estar em curso uma maior preocupação teórica, metodológica e conceitual. Ou


415

seja, se o conhecimento sobre o passado tem necessariamente raízes nas questões do

presente, e se não é o caso de reconstruir a história tal como ela realmente foi, mas de a

construir a partir de hipóteses e limites metodológicos, então é um efetivo progresso se

historiadores passam a ser conscientes dessas questões e a pautá-las em seus trabalhos.

Assim, é sintomática a excelente dissertação de Martha Chiarizia, Itabira Iron Ore

Company: mesmo realizando um rico estudo factual, a autora lamenta não ter

desenvolvido uma reflexão teórica que pudesse enriquecer seu trabalho.


416

Considerações finais

Parafraseando um grande livro do século XIX, são os homens e as mulheres

quem escrevem a História, mas não sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas

com que se defrontam, legadas do passado. Esse estudo procurou definir as forças que

condicionaram a produção historiográfica acadêmica da UFF. Em um nível imediato,

verificamos que temas e recortes promovidos por docentes em suas disciplinas eram, em

grande medida, aqueles também desenvolvidos pelos mestrandos. Assim, por exemplo,

as dissertações tiveram como seu assunto mais trabalhado a política de países latino-

americanos (à exceção do Brasil) no século XIX, enquanto que o “Brasil colonial”

quase não foi visitado. Em um momento em que fontes primárias da história brasileira

haviam sido pouquíssimo exploradas e em que a prática da pesquisa não era

difundida1004, uma parte significativa da produção de Niterói se restringiu a trabalhos de

pouca contribuição empírica original, em grande medida repisando generalidades de

bibliografia secundária sobre países e personagens os quais é difícil imaginar que

tenham sido os primeiros objetos do interesse dos que pretendiam avançar na vida

acadêmica. Tal, entretanto, não é o que resume o curso: os docentes foram muitos, 23

em 5 anos, e também de perfis muito diversos. Se tivemos entre os de maior presença

Arthur Cézar Ferreira Reis e Pedro Freire Ribeiro, “tradicionais”, nacionalistas e

conservadores, também tivemos Pedro Demo e Victor Valla, progressistas e

influenciados pelo marxismo. Assim, encontramos dissertações que colapsam sua

compreensão histórica nas ações e pensamentos de algum estadista, enquanto outras

1004
Como vimos, USP e UFPR seriam exceções. O curso de História da FNFi, apesar dos esforços de
alguns docentes e discentes, permaneceu no período que estudamos sem uma cultura relevante de
pesquisa. Sobre o curso de graduação em História de Niterói, nos contou Ismênia Martins que, quando
aluna nos anos 1960, se aproximou de um professor lhe comunicando sua intenção de pesquisar sobre
escravidão tendo recebido como resposta que tal não seria possível posto que Rui Barbosa havia destruído
os documentos. Entrevista ao autor.
417

procuram definir estruturas sociais ou tematizar a exploração. Umas proclamam

objetivismo ou não escrevem nenhuma linha teórico-metodológica, enquanto outras

chegam a dedicar capítulos a discussões conceituais e teorizam sobre influências

subjetivas na construção do conhecimento histórico. Em nosso argumento, não se tratou

de estabelecer uma linha reta de determinação mecânica entre docentes e discentes, e é

fácil localizar casos de diferenças intelectuais entre orientadores e orientandos, ou de

assuntos de estudo que não foram trabalhados em disciplinas. Mas demonstramos

através de expressões numéricas e enfatizamos que temas, recortes e perspectivas

promovidos nas disciplinas eram também aqueles desenvolvidos nas dissertações.

Parece-nos que a questão do poder e da influência docentes merece a atenção dos que se

ocupam em explicar (e não apenas contemplar) a produção historiográfica acadêmica,

tanto no passado quanto hoje.1005

Os primeiros anos do curso são muito identificados pela forte presença de

professores estrangeiros. De forma geral, o trabalho de “brasilianistas” era bastante

rechaçado e lhes havia uma crítica de base política realizada não apenas por setores da

esquerda. Hoje, há diferentes registros de contemporâneos que justificam a vinda desses

profissionais a Niterói. São unânimes em considerar que o recurso a eles se deu num

período de carência de diplomados. Nossa tese não avançou muito empiricamente sobre

esse assunto, mas o suficiente para relativizar o argumento em tela. Por conta das

agências financiadoras externas ao programa, diz-se, teria sido mais fácil trazer

estrangeiros que paulistas. Mas o curso de pós-graduação de Goiás se estruturou tendo

como docentes pessoal da USP. O curso da UFPR, por sua vez, recorreu a estrangeiros,
1005
Com os referenciais de Bourdieu, Clóvis de Barros Filho, professor da Escola de Comunicações e
Artes (ECA) da USP, trata da questão enfatizando as restrições científicas que docentes e programas de
pós-graduação impõem a pesquisas que não lhes geram lucro simbólico, bem como formas de controle na
seleção de pós-graduandos. Ver:
https://www.facebook.com/causaliberdade/videos/1430155027020152/UzpfSTEwMDAwMTgzODQwNj
gyOTpWSzoxNzE2MDg5NTIxNzgyNzY5/?epa=SEARCH_BOX Acessado em fevereiro de 2019.
418

mas não americanos, e sim franceses que faziam parte do círculo de contatos de

Westphalen. Assim, a presença de norte-americanos não deve ser naturalizada. Nesse

mesmo sentido, foram importantes contrapontos que trouxemos ao discurso da

coordenadora Aydil Preis de que a escolha de professores estrangeiros partia da CAPES.

Apesar da heteronomia do processo de contratação, já que salários eram pagos pela

agência e não pelo próprio programa, evidenciamos no nosso texto a possibilidade de a

coordenação escolher o pessoal que trabalharia no mestrado, alargada também pelo fato

de não haver necessidade de se organizar concurso público.

Mesmo com a política repressiva por parte do governo, com amplo controle

sobre a hierarquia temporal e sobre intelectuais, o curso de mestrado abrigou

professores e estudantes que tinham uma leitura (e, em alguns casos, uma militância)

contrária à ditadura. Em uma visão com que polemizamos, isso se deveria à “cultura

política” brasileira que estaria aberta a conciliações e a abrigar opositores. Para nós,

entretanto, a presença de intelectuais críticos como quadros da universidade deve ser

entendida com referência a outros elementos. Entre eles, a dificuldade de se encontrar

profissionais que não tivessem alguma marca de esquerda em um momento de pouca

oferta de diplomados para preencher as vagas; e a impossibilidade de uma política de

restrição ideológica total, que poderia gerar reações políticas indesejáveis, sendo,

portanto, parte da dinâmica de domínio um certo nível de concessão, tolerável também

devido à baixa repercussão política do programa. As referências teóricas que

mobilizamos nos permitem compreender a relativa diversidade política que teve o curso,

ao mesmo tempo em que considerando os efeitos de uma política autoritária e

conservadora para as instituições de História. A violência e a heteronomia se

imprimiram sobre o campo historiográfico desde os anos 1930, com claras


419

consequências para o desenvolvimento científico. Nas fissuras de um campo que,

mesmo marcado pelo autoritarismo, era disputado por diferentes grupos e forças, pôde-

se também ter a presença daqueles com mensagens opositoras aos que estavam no

poder. Não se trataria, entretanto, de equilíbrio, e demonstramos que o mestrado de

Niterói aparece depois de uma retumbante derrota política e científica de profissionais e

estudantes de História da cidade do Rio de Janeiro nos anos 1960. Evidenciando

também a relação entre o campo acadêmico e a configuração estatal, temos que uma

certa retração do autoritarismo em 1979 mudou forte e rapidamente as feições

científicas do mestrado.

O caráter centralista e autoritário do processo também se viu no próprio motivo

da existência do curso: o cumprimento de uma exigência de titulação para os que

pretendiam seguir carreira universitária. A pós de História se definia então com o

objetivo principal de formação de quadros para o ensino superior, tendo em seu impulso

inicial as características de um empreendimento burocrático. É importante a

compreensão histórica sobre esse momento levar em conta que ficaram à margem outros

destinos possíveis da expansão institucional da História (dos quais, por exemplo, a FNFi

pré-ditadura estava prenhe) e refletir sobre como essa forma de ser acadêmico

engendrada na ditadura contribuiu para a atual característica ensimesmada das pós-

graduações, distantes do ensino básico e de diversos setores sociais1006.


1006
A questão das atuais baixas comunicabilidade e relevância sociais da produção acadêmica de História
é analisada por Valdei Araújo, as observando como consequências, entre outros fatores, dos modelos
avaliativos metrificáveis da pós-graduação. ARAÙJO, Valdei.”O regime de autonomia avaliativo no
Sistema Nacional de Pós-Graduação e o futuro das relações entre historiografia, ensino e experiência da
história” IN: Anos 90.Porto Alegre, v.23, n.44, dez. 2016. O problema também é contemplado por
Rodrigo Oliveira, que compreende que a dificuldade de mobilização do conhecimento histórico no debate
público e político guarda relação com a hiperespecialização e o empirismo desenvolvidos no processo de
institucionalização da produção historiográfica dos anos 1970. OLIVEIRA, Rodrigo. “O engajamento...”.
Sobre as pontes comunicativas entre a produção acadêmica e setores sociais, Bourdieu traz ainda outros
elementos: “Quem quer a verdade sobre o mundo social? […] A maioria dos sociólogos, sendo pagos
pelo Estado, sendo funcionários, não precisam se colocar a questão. […] É raro que aqueles que têm
condições de pagar estejam realmente interessados em empatar dinheiro quando se trata de verdade
científica sobre o mundo social; quanto àqueles que tem interesse no desvendamento dos mecanismos de
420

Se há estruturas e determinações sobre a produção historiográfica acadêmica, o

conhecimento sobre elas nos possibilitará ações mais conscientes e livres 1007. E essas

estruturas e determinações, construídas pelo agir humano, também podem ser

transformadas por ele em um sentido que fomente uma historiografia distinta daquela

denunciada pelo Nietzsche epigrafado por Benjamim, de historiadores que passeiam nos

jardins da ciência, mas uma em que se possa tematizar nosso sofrimento e nossas

perspectivas de luta e liberdade.

dominação, eles quase não lêem sociologia e, em todo caso, não podem pagar por ela. No fundo, a
sociologia é uma ciência sem base social [...]”BOURDIEU, Pierre. “Pontos de referência” IN: Coisas
ditas.São Paulo: Brasiliense, 2004. p. 68.
1007
“Mas, contrariando as aparências, é elevando o grau de necessidade percebida e dando um melhor
conhecimento das leis do mundo social que a ciência social dá mais liberdade. Todo o progresso no
conhecimento da necessidade é um progresso na liberdade possível. Enquanto o desconhecimento da
necessidade encerra uma forma de reconhecimento da necessidade, e sem dúvida a mais absoluta, a mais
total, uma vez que se ignora como tal, o conhecimento da necessidade não implica de maneira nenhuma
a necessidade desse reconhecimento. Pelo contrário, faz aparecer a possibilidade de escolha que está
inscrita em toda relação do tipo se temos isto, então teremos aquilo: a liberdade que consiste em
escolher aceitar o se ou recusá-lo é desprovida de sentido enquanto se ignorar a relação que o une a um
então. O expor à luz do dia as leis que supõem o laisser-faire (quer dizer a aceitação inconsciente das
condições de realização dos efeitos previstos) estende o domínio da liberdade. Uma lei ignorada é uma
natureza, um destino (é o caso da relação entre o capital cultural herdado e os sistema escolar); uma lei
conhecida aparece como a possibilidade de uma liberdade.” BOURDIEU, Pierre. “O sociólogo em
questão” IN: Questões de sociologia.... p.49
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2M

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3M

SOHIET, Rachel. Bertha Lutz e a ascensão social da mulher, 1919-1937. Dissertação de

Mestrado em História. UFF, 1974.

4M

MOLITERNO, Dylva Araújo. A Constituinte de 1823: uma interpretação. Dissertação

de Mestrado em História. UFF, 1974.

5M

VIANA, Sônia Bayão Rodrigues. A Fazenda de Santa Cruz e as transformações da

política real e imperial em relação ao desenvolvimento brasileiro 1790-1850.

Dissertação de Mestrado em História. UFF, 1974.

6M

BRAGANÇA, Vânia Fróes. Município de Estrela – 1846- 1892. Dissertação de

1008
As dissertações que fogem à nossa sequência, pois não pertencentes às três primeiras turmas, são as de
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Mestrado em História. Universidade Federal Fluminense, 1974.

7M

SANTOS, Ana Maria dos. Vida econômica de Itaboraí no século XIX. Dissertação de

Mestrado em História. UFF, 1974.

8M

ALBUQUERQUE Júnior, Hildiberto Ramos Cavalcanti. O republicanismo fluminense:

1887 -1891. Dissertação de Mestrado em História. UFF, 1974.

9M

BRANDÃO, Berenice Cavalcante. O movimento católico leigo no Brasil (as relações

entre Igreja e Estado – 1930/1937). Dissertação de Mestrado em História. UFF, 1975.

10M

AZEVEDO, Maria Nazareth Capiberibe. Imprensa republicana antes de 15 de

novembro. Dissertação de Mestrado em História. UFF, 1976.

11M

El-Kareh, Almir Chaiban. Atividades capitalistas em sociedade escravista. Estudo de

um caso: A Companhia da Estrada de Ferro de D. Pedro II de 1855 a 1865. Dissertação

de Mestrado. UFF, 1976.

12M

SILVA, Marinete dos Santos. A educação brasileira no Estado Novo (1937/1945).

Dissertação de Mestrado em História. UFF, 1976.


440

13M

CARVALHO, Maria Celia Freire de. O Clube 3 de Outubro. Dissertação de Mestrado

em História. UFF, 1975

14M

TEIXEIRA, Francisco Vinhosa. A diplomacia brasileira e a revolução mexicana 1913-

1915. Dissertação de Mestrado em História. UFF, 1976

15M

KORTCHMAR, Nair Klinger. A evolução política no Chile: seu significado (1879-

1925). Dissertação de Mestrado. UFF, 1976.

16M

SILVA, Célio Pereira da. A experiência liberal na Colômbia 1848-1886. Dissertação de

Mestrado em História. UFF, 1977.

17M

MENDONÇA, Sonia Regina de. A primeira política de valorização do café e sua

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Mestrado em História. UFF, 1977.

18M

FERREIRA, Marieta de Moraes. A crise dos comissários de café do Rio de Janeiro.

Dissertação de Mestrado em História. UFF, 1977.


441

19M

SARAIVA, Luiza Maria Magalhães. O petróleo venezuelano na época de Juan Vicente

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20M

TELLES, Marcus Vinícius. A influência da maçonaria na independência do Prata: as

relações da maçonaria platina com a brasileira. Dissertação de Mestrado em História.

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21M

WEYRAUCH, Cleia Schiavo. O processo de consolidação do Estado uruguaio (1830-

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22M

BAPTISTA Júnior, Abner Simões. O guano e o salitre (o surgimento do civilismo no

Peru). Dissertação de Mestrado em História. UFF, 1978.

23M

OLIVEIRA, Almir da Silva. O civilismo equatoriano no período de 1860-1875: o

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24M

RIBEIRO, Waldir de Vita. O Banco Mauá no Uruguai. Dissertação de Mestrado em.

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442

25M

MONTEIRO, Adilson Pinto. Argentina: economia e sociedade (1890/1922). Dissertação

de Mestrado em História. UFF, 1978

26M

BARBOSA, Marilena Ramos. O problema indigenista peruano na primeira metade do

século XX. Dissertação de Mestrado em História. UFF, 1978.

27M

DAMIANI, Stela Maria. O índio na literatura peruana: José Maria Arguedas.

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28M

BARROS, Orlando de. Paraguai: a transição política e suas bases. Dissertação de

Mestrado em História. UFF, 1978

29M

PINTO FILHO, João Delduck. O sentido do governo Balmaceda (1881-1891).

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30M

LIMA, Lana Lage da Gama. A rebeldia negra em Campos na última década da

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31M

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32M

MENANDRO, Heloisa Fesch. A ideia de nação e o pensamento nacionalista na

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33M

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GARCIA, Ledonias. Sociedade e educação na Bolívia Liberal (1899-1920). Dissertação

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38M

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Cézar Ferreira Reis.

39M

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40M

CARDOSO, Zenaide. Política econômica de Juan M. De Rosas. Dissertação de

mestrado em História. UFF, 1979. Orientada por Arthur Cézar Ferreira Reis.

41M

CALIXTO, Valdir de Oliveira. O clero secular em Minas Gerais (1745-1792). Sua

participação na Conjuração de 1789. Dissertação de Mestrado em História. UFF, 1979.

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42M

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Werneck, 1850-1900. Dissertação de Mestrado. UFF, 1979. Orientada por Victor Valla.

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44M

CHIARIZIA, Martha. Itabira Iron Ore Company. Dissertação de Mestrado. UFF, 1979

45M

CAMPOS, Reynaldo Pompeu. O Tribunal de Segurança Nacional: 1936-1945.

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445

46M

MUNIZ, Celia. Os donos da terra: um estudo sobre a estrutura fundiária no Vale do

Paraíba fluminense (século XIX). Dissertação de mestrado em História. UFF, 1979.

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47M

El-JAICK, Sérgio. O pensamento político de Simón Bolívar. Dissertação de mestrado

em História. UFF, 1979.

48M

PEÇANHA, Jorge. A abertura do Paraguai: raiz de uma guerra. Dissertação de

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PEDROSA, Ulianov. O problema indígena na Argentina na segunda metade do século

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50M

SADLER, Daniel Vieira. O pensamento de Sarmiento. Dissertação de Mestrado em

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51M

SEREJO, Tereza Cirstina Leal de. Coronéis sem patente: a modernização conservadora

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por Francisco Falcon.

53M

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54M

SANTOS, Lenalda Andrade. A oligarquia açucareira e a crise: Sergipe 1855-1890.

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55M

SILVA, José Luiz Werneck da. Isto é o que me parece. A Sociedade Auxiliadora da

Indústria Nacional (1827-1904) na formação social brasileira: a conjuntura de 1871 a

1877. Dissertação de mestrado em História. UFF, 1979. A primeira frase do título da

dissertação não consta nos catálogos da UFF em que nos referenciamos.


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Entrevistas ao autor:

Almir El-Kareh 26/02/2015.

Aydil Preis 7/11/2013.

Francisco Falcon 08/2013.

Ismênia Martins 13 e 22/07/2015.

Pedro Demo 5/5/2014.

Rachel Sohiet 4/7/2013.

Richard Graham 25/02/2014.

Sonia Mendonça. 28/04/2013 e 3/10/2013.

Vídeo:

“Homenagem à Prof ª Aydil” - LABHOI UFF e PPGH- UFF. Disponível em

labhoi.uff.br. Acessado em janeiro de 2019.

Outras fontes:

ANAIS DO SIMPÓSIO DE PROFESSÔRES DE HISTÓRIA DO ENSINO

SUPERIOR, 1961, Marília. Anais São Paulo: 1962.

SIMPÓSIO DE PROFESSÔRES DE HISTÓRIA DO ENSINO SUPERIOR, 1961,

Marília. Anais São Paulo: 1962.

-Carta de Aydil de Carvalho Preis a Richard Graham de 1 de novembro de 1976. Do

arquivo pessoal de Richard Graham.

-Carta de Aydil de Carvalho Preis a Richard Graham de 22 de agosto de 1974. Do

arquivo pessoal de Richard Graham.

-CIA. The defection of leftist intelectuals.


448

https://www.cia.gov/library/readingroom/docs/CIA-RDP86S00588R000300380001-

5.PDF Acessado em junho de 2017.

-Decreto-Lei n. 465, de 11 de fevereiro de 1969.

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del0465.htm#art10art3

-Ficha cadastral dos discentes do PPGH-UFF.

-Lei número 5.539 de 27 de novembro de 1968

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1950-1969/L5539.htm.

-Lista de disciplinas no arquivo eletrônico do PPGH-UFF.

-Seção de Arquivo Permanente da Universidade Federal Fluminense. Acervo ASI-UFF.

-Universidade Federal Fluminense. Memória dos Cursos de Pós-Graduação. Perfil do

Mestrado em História e sinopse das dissertações apresentadas para a obtenção do

grau de Mestre em História. Niterói. Eduff, 1986.

-Universidade Federal Fluminense. Programa de Pós-Graduação em História.

Catálogo de Teses e Dissertações, 1974-1995/ Vânia Leite Fróes, coordenação geral.

Niterói: UFF; Brasília: CNPQ, 1996.

-Universidade Federal Fluminense. Regulamento do curso de pós-graduação em

História do Departamento de História. Sem data. Do arquivo pessoal de Aydil Preis.

-Universidade Federal Fluminense. Ofício 15/71 de 15 de janeiro de 1971, do Arquivo

pessoal da Professora Aydil Preis.

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