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CULTURA

Jornal-laboratório do curso de Jornalismo da UNISUL


Campus Pedra Branca - edição 22 - Novembro 2010

Na rota da literatura
AUDIOVISUAL As experiências de leitura pela comunidade
Projeto que ministra uma na biblioteca flutuante: A Barca dos Livros
oficina de audiovisual para
jovens da comunidade
Monte Serrat.
Página 6

ARTIGO
Um olhar sobre os valores
da arte na comunidade
Página 22

CRÔNICA
Eu, Ela e os pássaros
Página 24

AÇÃO NA COMUNIDADE
Um produtor cultural na ilha
da magia
Página 7
Moradores de A Casa das
Florianópolis se Máquinas, espaço
COMUNIDADE
A Casa Açoriana Artes servem de cultura na de apresentação
e Tramóias como centro
Lagoa da Conceição de espetáculos
cultural
Página 20

ARTESANATO
Atividade local em extinção
Página 12

RÁDIO
Rádio cumunitário do
Campeche unifica a
comunidade
Página15
2 EDITORIAL
"A cultura como ferramenta de unificação comunitéria"

Campus Pedra Branca - edição 22 - Novembro 2010 Jornal-laboratório do curso de Jornalismo da UNISUL

CULTURA
NA COMUNIDADE

“Após decidir que gostaríamos de fazer


um jornal que tivesse na cultura e na
experimentação artística o cerne de seu
conceito, tivemos inúmeras discussões
sobre a própria definição de cultura e sobre
quais aspectos gostaríamos de abordá-
la. Como se trata de um jornal laboratório,
tivemos aqui o cuidado de realizar um “Sem a intenção de agradar ou medo de
trabalho jornalístico experimental, buscando desagradar a qualquer instituição, essa é
formas jornalísticas criativas de abordar uma publicação livre. Livre para fazer pensar,
diferentes temas relacionados à cultura na propor questionamentos, criações e, além
grande Florianópolis. Além disso, o trabalho disso, valorizar iniciativas que tem a intenção
mostra nossa seriedade na legitimidade das de levar cultura a todos que por ela se
informações e no cuidado que tivemos nas interessam, sem distinguir raça, classe social
escolhas das fontes e formas de escrita.” ou religião. Esse jornal laboratório revela
também anônimos talentosos tanto pela
qualidade do trabalho quanto pela força de
vontade em fazer parte de uma sociedade que
pode ser melhor, com mais conhecimento.”
“Que a Lei Rouanet não contempla todas as
propostas da sociedade e que as verbas são
sempre escassas em se tratando de arte, sob
suas diversas formas, não é novidade para
ninguém. No entanto, a proposta do jornal “As matérias aqui apresentadas não são,
é apontar os grupos ou unidades pensantes entretanto, uma proposta de “cultura
que fazem dos problemas, metas de melhora alternativa” – não ligue a idéia de que são,
e que vencem seus desafios diários e função necessariamente, projetos que envolvam
do melhor viver, do encontrar sentido em um contracultura barata e/ou panfletária. Todos os
fazer que chega a todos os cantos.” textos foram escolhidos a partir de um critério
que norteou todo o trabalho: como é possível
conceber ações de cultura em Florianópolis e
região sem ter de se curvar às “fôrmas” impostas
“Fomos em busca de pessoas com histórias para o setor através dos meios de comunicação
de vida em que a arte fosse o seu fio e padrões de consumo. Tarefa aparentemente
condutor, seja para o “ganha-pão”, seja para difícil, este impresso demonstra que é possível
a felicidade da alma. A cultura, em suas mais sobreviver como alternativa sem soar chato,
diversas formas, foi pinçada por cada um dos clichê ou estereotipado.”
alunos e descrita da melhor maneira possível.
Seja dança, teatro, artesanato, música, os mais
encantadores jeitos foram encontrados de
mostrar essa relação das pessoas com a arte.”

EXPEDIENTE

Projeto Experimental de Jornal-Laboratório/ Coordenação e Edição: Raquel Wandelli e Mauro Meurer


semestre 2010-2. Projeto Gráfico e Diagramação: Thomaz L. Alves
Universidade do Sul de Santa Catarina/ Reportagens e Fotos: Amanda Bernardo, CArlos Loff, Laís, Roger
Campus Pedra Branca Caetano, Regiane, Jennifer, Maurício C. Schutz, Paulo Vitor, Paulo, Luiz
Curso de Comunicação Social/Jornalismo C. Padilha, Antônio, Karen Gerber, Vanessa Dal Forno Bastos, Cauê,.
Coordenadora: Daniela Germann
"Mobilização em prol da cultura"
FORUM 3

Uma criança determinada


e barulhenta
Com apenas um ano, o Fórum Cultural de Florianópolis já mobilizou muitos e
realizou muitas conquistas para a democratização da cultura em Florianópolis.

por Cauê Marques

A dificuldade de lidar com


políticas públicas que busquem
Reunir todo mundo que é
novas perspectivas para o andamento interessado ou atingido pelas
dos eventos e ações culturais
em Florianópolis trouxe à tona a políticas culturais
necessidade de um canal de discussão.
união das pessoas que participavam da Frente
Esse foi o estopim do surgimento
com o Conversas Culturais” finaliza o ex-
do Fórum Cultural de Florianópolis.
presidente do Fórum.
Entidade sem fins lucrativos, o Fórum
A partir desta organização virtual, a assembleia
foi idealizado por artistas, produtores,
de criação no ano de 2009, ocorrida no Teatro
músicos, professores, jornalistas e
da Ubro, oficializou o Fórum como uma
cidadãos envolvidos com a produção
instituição do meio cultural florianopolitano.
e a divulgação cultural na capital
Com a entidade oficializada, foi o momento de
catarinense.
arregaçar as mangas e partir para o trabalho.
Como fruto de uma discussão que
Durante os seus primeiros meses de existência,
iniciou há pelo menos seis meses, o
o Fórum conseguiu visibilidade através de
fórum foi criado em assembleia oficial
entrevistas e artigos publicados na imprensa
no dia 29 de agosto de 2009. “Antes
local e na internet. Alcançou também as
de registrar os últimos momentos
primeiras conquistas. A separação da Fundação
que antecederam a criação do Fórum
Franklin Cascaes da Secretaria Municipal de
Cultural de Florianópolis, é preciso
Turismo e Esporte e a criação do Conselho
falar do início do processo”, conta
Municipal de Cultura de Florianópolis são
Murilo Silva, 45 anos, professor e
alguns exemplos. Mas ainda há caminhos a
primeiro presidente do Fórum Cultural.
serem trilhados.
Houve, a partir do ano de 2002 a
Reunindo mais de 150 pessoas e 20 entidades,
O Fórum como uma através de cadastro e participação nas
reuniões, o Fórum enfrenta problemas pontuais
instituição do meio como os escassos recursos financeiros e a
falta de uma sede para abrigar os foristas e
cultural florianopolitano as reuniões. Entretanto, em pouco mais de um
ano de criação, o Fórum já trouxe mudanças
significativas paras os seus participantes e para
criação do que foi chamada Frente
a comunidade. Para Thiago Skárnio, 29 anos,
Catarinense em Defesa da Cultura,
Diretor da ONG Alquimídia.org, promotora
em virtude da reforma administrativa
de ações culturais em Florianópolis, o terceiro
encaminhada pelo governador Luiz
setor foi afetado de maneira diferente
Henrique à Assembleia Legislativa
pela ação do coletivo: “O Fórum Cultural
naquele mesmo ano. Os participantes
de Florianópolis não afetou diretamente a
passaram a se reunir a partir da
Alquimídia, já que, ao intervir politicamente em
Frente com extensas discussões no
vários momentos importantes para a cidade e
âmbito virtual – através da troca de
para o Estado, como no caso da vacância da
informações em fóruns online e e-mail.
vaga de presidente da Fundação Catarinense
A partir de tais discussões, foi
de Cultura e da proibição das atividades dos
organizada a primeira manifestação
artistas de rua na capital, o fórum promove uma
pública de cultura, que contou com
série de desdobramentos importantes que
mais de 500 pessoas pelas ruas da o Fórum Cultural já conseguiu fazer
afetam a comunidade como um todo”, revela.
capital catarinense. “A manifestação bastante barulho – em uma cidade
Para Jaqueline Cisne, 20 anos, atriz da Cia. De
contou com centenas de pessoas pelas que carece de barulho neste setor.
Teatro Cênica Espiral e participante do fórum,
ruas de Floripa, em fevereiro de 2003, As conquistas a partir da deliberação
a entidade possui um papel muito importante:
encenando um enterro simbólico de um coletivo são a prova de que é
a reunião do coletivo interessado em cultura
da cultura”, explica Murilo. No ano possível transformação na maneira de
na capital. “Acho que o Fórum cumpre a sua
seguinte ao ato público, formou-se pensar e fazer cultura em Florianópolis.
principal Função, que é a de reunir todo mundo
um grupo de discussão presencial de Para poder participar, basta dar o
que é interessado ou atingido pelas políticas
cerca de 30 pessoas, que foi batizado primeiro passo: conhecer o Fórum -
culturais em Florianópolis. Nós temos, por
de Conversas Culturais. O grupo se http://forumculturaldeflorianopolis.
exemplo, um representante nas discussões do
reunia para conversar sobre cultura, wordpress.com/
Plano Diretor de Florianópolis, o que já é um
principalmente sobre as ações culturais
grande passo”, garante a atriz.
realizadas na cidade de Florianópolis.
Neste um ano de vida, ainda engatinhando,
“Eu diria que o Fórum é resultante da
4
"literatura e cultura aos usuários dos Terminais de Transporte "
LITERATURA

DOM CASMURRO
ANDA DE ÔNIBUS EM
FLORIANÓPOLIS
Projeto Floripa Letrada – a palavra em movimento leva literatura
e cultura aos usuários dos Terminais de Transporte Coletivo da
capital
Por Douglas Bianchini

N o centro, marco zero de todos


os percursos de Florianópolis,
vez, viajou calado, solitário, pensativo,
apenas trocou dois “bom dia!” Um com
o motorista e o outro com o cobrador.
amanhece devagar uma fria e Bento fez a viagem recompondo o
chuviscosa quinta-feira de inverno, passado, relembrando memórias,
e o asfalto recém recoberto da rod. recordando o amor adolescente
Governador Gustavo Richard mal por Capitu – a de "olhos oblíquos e
reflete a névoa acinzentada que dissimulados", "olhos de cigana", "olhos
sobe da Baía Sul. No Terminal de de ressaca".
Integração do Centro, o TICEN, a Boa parte de suas lembranças
paisagem é bem outra. As dez para concentram-se na adolescência,
as seis da manhã, o dia está escuro na poesia da primeira paixão, no
como sempre. Na penumbra, compromisso de casamento, na
recém-saído da lavagem matinal, amizade com Escobar, no abandono do
o ônibus verde-água 5090 da seminário, no tão desejado casamento
empresa Insular atraca no ponto com Capitu, no enlace de Escobar
final da linha N-410 vindo do Rio com Sancha, na amizade dos casais,
Tavares, no sul da Ilha. Partiu as no nascimento de Ezequiel, seu filho,
cinco e trinta para a primeira na felicidade passageira. Recordou-se
viagem do dia, trazendo apenas também das lágrimas de sofrimento um
onze passageiros. tanto duvidosas e exageradas de Capitu
Mal a porta abriu, sacudiram junto ao caixão do amigo Escobar
o marasmo da cidade vazia e morto tragicamente em alto-mar. Capitu
correram apressados terminal sofreu tanto que Bento desconfiou dos
afora, rumo a outras plataformas dois. A desconfiança foi aumentando
Não me acode imagem capaz de dizer, sem quebra ou a outros compromissos no dia após dia, num processo obsessivo
da dignidade do estilo, o que eles foram e me fizeram. centro ermo e fechado. de suspeitas e ciúmes, que resultou na
Olhos de ressaca? Vá, de ressaca. É o que me dá
Dentre eles, há um passageiro, separação do casal.
ideia daquela feição nova. Traziam não sei que fluido
misterioso e enérgico, uma força que arrastava para Bento Santiago , advogado. Bento Corrompido pela amargura do tempo,
dentro, como a vaga que se retira da praia, nos dias de tem verdareira paixão – estranha, Bento é hoje um ser solitário, conhecido
ressaca. Para não ser arrastado, agarrei-me às outras talvez – de circular todas as manhãs por Dom Casmurro, no dicionário,
partes vizinhas, às orelhas, aos braços, aos cabelos ou tardes entre um e outro coletivo, aquele que é teimoso, obstinado,
espalhados pelos ombros; mas tão depressa buscava as
por lugares, os mais variados da cabeçudo, caturra. Homem frio que
pupilas, a onda que saía delas vinha crescendo, cava e
escura, ameaçando envolver-me, puxar-me e tragar-me. cidade de Florianópolis. Desta nunca conseguiu esquecer a mulher
Quantos minutos gastamos naquele jogo? Só os relógios
do céu terão marcado esse tempo infinito e breve.

amada: timidamente começou a folheá-lo. A iniciativa conforme Sidneya Gaspar


*** Poucas páginas depois, já estava absorvida de Oliveira, secretária adjunta da
O terminal não estava lotado como é de pelo romance e nem tirava mais os olhos Prefeitura Municipal de Florianópolis,
costume. O relógio acima da entrada da leitura para ver o mundo que ficava pra “é um projeto em parceria entre a
marcava cinco e dez da manhã. Ainda trás do ônibus. Mais tarde Fátima confessa: Secretaria Municipal de Educação e a
era cedo, mais cedo do que de costume “Fiquei logo hipnotizada pela história; Secretaria Municipal de Transportes,
quando Fátima Barreta Zorzela, 45 encantada como Bentinho pela Capitu, pelos Mobilidade e Terminais”. Funciona em
anos, auxiliar de escritório, passou a ‘olhos de ressaca’. Quero logo saber mais três terminais: do Centro, onde 120 mil
catraca do Terminal de Integração do sobre a verdade e os segredos dela”. Fátima pessoas usuárias do Transporte Coletivo
Rio Tavares (TIRIO) e antes de entrar tem como destino o centro de Florianópolis. circulam diariamente, do Rio Tavares no
no ônibus foi até a última novidade do Ao chegar, tudo ¬— com exceção de algumas sul da Ilha, com movimento de 40 mil
terminal, abriu a porta de vidro e pegou pessoas e aqueles onze passageiros — ainda pessoas e de Canasvieiras norte da Ilha
um livro no expositor do Projeto Floripa dormia no centro. com 25 mil usuários diários.
Letrada: Dom Casmurro, de Machado Minutos de conversa, antes de embarcar no Cerca de 2.500 obras, entre livros e
de Assis. Colocou-o na bolsa e foi à fila ônibus de volta ao Rio Tavares e Fátima diz revistas, fazem parte do acervo do
aguardar sua vez de entrar no ônibus. que gosta de ler, mas não tem muito tempo. projeto segundo a secretária. E, sem
Como sempre que chove, Fátima E, agora, com os livros assim tão a mão, ela necessidade de apresentar documentos
preferiu pegar o coletivo mais rápido pode, a qualquer descida ou troca de ônibus, ou pagar para ler, qualquer um pode
pra chegar ao centro. Recebida por escolher um. “Minhas idas e vindas ficaram folhear ou levar um livro para casa, com
dois “bom dia!”, sentou-se na terceira mais alegres, tenho companheiros. Bentinho o único compromisso de devolver. “É
ou quarta poltrona atrás do motorista. de Dom Casmurro é o de hoje”. A auxiliar de um voto de confiança que a Prefeitura
Lembrou-se do livro, tirou-o da bolsa e escritório vai além e fala sobre a importância dá ao cidadão, incentivando-o a ler”,
da leitura, diz que “ler é como um combustível afirma Sidneya.
O prazer
O prazer está
está na
na
contação de
contação de histórias
histórias
Não é só ler em voz alta, é saber como a
história quer ser contada

por Laís

E ra uma vez uma estudante-estagiária.


Universitários buscam estágios. E como
todos os estagiários do mundo, têm o
“dever” de serem prestativos ou de
serem “usados” para o que o chefe bem
entender. E lá foi Fabrícia. A até então
acadêmica do curso de Pedagogia Muita gente fala que a escolha da Infantil, trabalho com o desenvolvimento
precisava inovar (e por que não se profissão se dá por um desses caminhos: ou se do gosto da criança pela leitura, que
arriscar?) por um mundo novo para ela. escolhe o que vai dar dinheiro ou o que o fará acontece, principalmente, por incentivo
Em 2005, ela começou a trabalhar no feliz. Fabrícia ficou com a segunda opção. “As dentro da sala de aula. Se a professora
SESC, na capital catarinense, e de uma histórias que escolhem a gente”, comenta a do ensino infantil não tem esse
necessidade da empresa empregadora contadora, toda orgulhosa por ter o privilégio conhecimento... fica difícil!”, ilustra
nasceu o maior prazer da estagiária: a de ser uma dessas escolhidas. Fabrícia prefere Fátima Sílvia de Barros Queiróz.
contação de história. outros tipos de histórias, as exóticas, segundo A coordenadora Fátima e a contadora
Tá! Até aí, todos nós somos contadores ela. Histórias de índio, de africanos e gosta Fabrícia concordam que de dentro de
de história. O dia todo, desde pequenos, bastante das histórias da Ilha de Santa Catarina. casa, as crianças desenvolvem maior
nós estamos contando histórias. Contar, A contação é um momento mágico. E traduz interesse pela leitura ao verem os pais
para o dicionário, descrever, relatar. o universo infantil. A criança se prepara para lendo e Fátima dá outras dicas para
Para Fabrícia, a paixão. Pode parecer ouví-la, um clima é criado. A história pode os pais. Tente oferecer vários gêneros
fácil então contar histórias. Mas prender auxiliar a criança a compreender ações, literários, conte uma parte da história
a atenção das pessoas não é tão simples comportamentos, sensações e sentimentos. e dê a referência para a criança querer
assim. De cara limpa, sem cenários saber o resto e dar livre acesso a bons
ou fantasias, Fabrícia utiliza músicas e as crianças desenvolvem maior livros.
brincadeiras e vem entretendo de três
a quatro crianças ou 300 a 350 pessoas interesse pela leitura ao verem PARA ADULTOS?
em um mesmo espetáculo.
Das histórias clássicas todo os pais lendo Pode parecer estranho, mas há
um monte de marmanjo por aí gostando
mundo se lembra. Quando perguntamos
da infância, não há quem não remeta dessa tal de contação de histórias. A
rapidamente a histórias do tipo: INCENTIVO À LEITURA contadora Fabrícia diz que histórias de
- Vovó, por que esses olhos tão grandes? amor e humor são as favoritas.

A história pode auxiliar As crianças experimentam ao longo do


tempo sentimentos e sensações que não
As festas na escola do filho
são uma oportunidade para as mães

a criança a compreender dominam, como ansiedade, raiva, medo entre


outros. Brincar de casinha e de escolinha,
conhecerem o trabalho das contadoras
e se informarem sobre histórias para

ações por exemplo, possibilitam que interprete o


papel de mãe, pai, parentes, professores, que
adultos. “Sempre que eu sei que vai
haver contação, seja na livraria, no
- É pra te ver melhor! a auxiliam a compreender melhor e a lidar Sesc, na Barca dos Livros, eu vou”,
- E por que essa boca tão grande, vovó? com esses sentimentos. As histórias infantis conta Marlete Sartori. A emoção e a
- É pra te comer melhor! desempenham papel importante. Por um lado empolgação sempre tomam conta do
Ou ainda, a lição que o porquinho auxiliam as crianças a lidarem com esses lugar.
trabalhador deu não só no lobo mau que sentimentos e, por outro lado, a desenvolver
soprou as casas dos irmãos-porquinhos a imaginação e a criação, ampliando o seu
como nas crianças também, que de repertório.
alguma maneira entendiam o recado “Trabalho com criança desde 1988, agora
passado pelo que os contavam. sou Coordenadora Pedagógica da Educação
"lArte como intervenção urbana "
6 AÇÃO

A
A ARTE
ARTE DE
DE RUA
RUA É
É CULTURA
CULTURA
Oficina de grafite em escola municipal de São José promove
arte e cidadania para crianças

Por Hermes Gregório


GRAFITTI ESCOLA. Coordenado por Jupira pintar uma flor agora”. Se continuarem
Dias, filha de Claudio Rio, o projeto tem como envolvidas com arte e cultura, a
objetivo direcionar as crianças à prática do tendência é que essas crianças estejam
Q uando se fala em cultura e arte,
logo se pensa em grandes nomes da
grafite como atividade artística e educacional
- o que ela chama de “manifestação da arte de
livres do que todos chamam de mundo
marginal. Pior do que estar à margem da
literatura, da pintura ou da música. rua”. sociedade é estar à margem da cultura.
No cânone das belas artes, cultura é O grafite deixou de ser simplesmente uma Ela, a cultura, pode ser manifestada em
sinônimo de erudição e as grandes arte de rua para tomar conta dos estúdios de qualquer lugar, em várias formas, em
obras parecem acessíveis apenas design e agências de publicidade. Ainda é uma várias cores.
aos acadêmicos e intelectuais. Mas arte plástica considerada intervenção urbana, Projetos como o GRAFFITI ESCOLA
considerando-se o próprio significado pois paredes da cidade costumam servir de servem de exemplo e incentivo aos que
de erudito como pessoa que tem sede tela para expressar a criatividade. Para Jupira, desejam usar a cultura como esperança
de aprender sempre, compreende-se que é designer, o grafite é “cidade + arte + para uma educação e valorização do
modernamente que cultura faz parte do criação”. Por isso, sua proposta é utilizá-lo ser humano. Ensinar arte é evitar a
modo de ser e de viver e a arte está em como ferramenta de inserção de meninos e criminalidade do futuro, pois como
toda parte, dentro ou fora de galerias, meninas na arte e no design. diz a sabedoria popular: “ensinando
sem distinção de classe social e nível Em uma tarde de sexta-feira o muro da escola as crianças de hoje não será preciso
intelectual. basta terem força de vontade e castigar os homens de amanhã”.
Longe do centro da cidade, mais
precisamente na periferia de São José, disciplina
um pouco da arte de rua está sendo
desenvolvida e aprendida por crianças
de uma escola municipal. No bairro se tornou uma tela e as crianças atentas às
instruções do grafiteiro André Rabelo, vulgo
chamado Morar Bem, voluntários da
ONG Nação Hip Hop têm a missão de Azo, eram os artistas. Elas estavam ali por livre é uma arte plástica
e espontânea vontade, descobrindo a arte e
mostrar àquelas crianças que elas são
importantes e podem desenvolver um o que ela pode proporcionar. Poderiam estar considerada intervenção
em casa ou em qualquer outro lugar, mas
talento, basta terem força de vontade e
disciplina. preferiram manifestar o seu desejo de criar urbana, pois paredes da
com um spray e com a imaginação.
Para conhecer o projeto é preciso
conhecer antes a diretora da escola que Não era apenas mais uma tarde de grafite no cidade costumam servir
muro da escola, mas a conclusão da oficina com
desafiou as adversidades do cotidiano
e conseguiu implantar uma forma de direito a diploma e camiseta personalizada de tela para expressar a
para os artistas mirins. O entusiasmo e a
ensino em que as crianças se sentem
úteis e fazem parte de um todo. Juçara empolgação das crianças demonstravam o criatividade
Barbosa foi totalmente favorável à quanto eles precisavam expressar suas idéias,
realização desse projeto na escola e mesmo que fosse com um spray de tinta. O
após mostrar todas as dependências importante era expressar.
de seu templo do saber nos convidou Perguntei para uma menina que tinha por
a participar de uma das oficinas do volta de oito anos o que ela achava do projeto.
Sorridente, responde: “é bem legal, quero
Cavaleiro da
cultura nas
terras do Sul
Embalado pela arte e pelas
mensagens de poetas

Por Luiz Carlos Padilha

é a garra e entusiasmo que


C omo Dom Quixote, o cavaleiro
impulsionam esse produtor Foram doadas pelo proprietário de um
antigo cinema fechado em São Paulo.
andante da pequena aldeia da zona rural
da Espanha, na província da Mancha,
cultural A tinta para pintar as paredes externas
e internas do casarão será fornecida
que enfrentou moinhos de ventos e por uma empresa do ramo, em troca da
inimigos imaginários por amor a sua permissão de publicidade no local.
Dulcinéia, Claudio Rio, pseudônimo de impulsionam esse produtor cultural de 51 anos Para explicar essa ousadia e paixão
José Claudio Correia da Silva, saiu da a ir dormir tarde e levantar cedo, na luta diária pela cultura, Claudio Rio e sua filha,
pequena cidade gaúcha de Santiago, no para encontrar os meios de realizar o seu mais Jupira ¬– que é uma espécie de Sancho
Sul do Brasil, para ver outras paisagens recente e audacioso “delírio”: abrir um Cine Pança do pai, sua fiel escudeira em
e realizar seus sonhos, enfrentando Clube no Centro Histórico de São José. Os diversas ações culturais desenvolvidas
personagens reais e vencendo toda planos já estão traçados e as metas definidas. em comunidades da periferia –,
sorte de dificuldades e obstáculos. A ideia é reformar as salas de um antigo concederam entrevista ao Jornal Fato
Aventuras e desventuras fazem parte casarão com mais de 120 anos de existência, & Versão. Jupira é responsável pelo
desta saga, que começou acalentada de propriedade de família tradicional do projeto Graffiti Escola, que é tema da
pelos anseios de liberdade dos anos município de São José, para dar lugar a oficinas reportagem de Hermes Gregório, nesta
1970, e ainda não terminou. Inspirado de artes cerâmicas, aulas de dança, cinema e edição do J-Lab Fato & Versão.
por poetas como o paranaense Paulo vídeo e informática a crianças em condições Roteiro da cultura
Leminski, o maranhense Ferreira Gullar; sócio-econômicas desfavorecidas. Outro projeto que está fermentando
por músicos como Lô Borges, Arrigo A proposta consiste em oferecer um espaço no laboratório da Ong Nação Hip-Hop,
Barnabé, Hermeto Paschoal e outras físico onde jovens oriundos de diversas faixas fundada por Claudio Rio, é o Roteiro de
feras da música popular brasileira, etárias e de diferentes classes sociais possam, Cultura e Cidadania.A proposta é motivar
Claudio Rio pôs o pé na estrada e foi de forma gratuita, participar do aprendizado alunos das escolas de redes municipais
à luta, seguindo os versos cantados e ter iniciação nas artes da dança, cinema e a conhecer locais públicos, realizando
por Milton Nascimento: “com a roupa artesanato. Para diminuir custos de manutenção visitações ao museu, ao teatro e largo da
encharcada e a alma repleta de chão, do programa, as aulas deverão ser ministradas praça do centro histórico de São José,
todo o artista tem de ir a onde o povo por voluntários e estudantes estagiários de resgatando conhecimentos históricos e
está”. universidades públicas, planeja o sonhador promovendo a cultura nas comunidades.
Depois de perambular pelo interior do Claudio. Numa segunda etapa, o “Dom Quixote
Brasil, pisar em recantos remotos da Mesmo sem contar com apoio oficial dos dos Pampas”, que espalha seus sonhos
América do Sul, em 1985 aportou na poderes públicos, o “D. Quixote do Sul” também em terras catarinenses, quer terminar
Ilha da Magia. Na mochila, trazia uma pretende construir no local um auditório de cem de construir o auditório do Cine Clube
calça jeans, um tênis e os livros dos lugares, que vai abrigar o Cine Clube Nação Nação Brasil. “Neste momento, nossa
poetas preferidos. Na mente, vontade Brasil. A falta de dinheiro não limitou a vontade prioridade é finalizar as reformas
e determinação. No coração, a paixão e criatividade de Claudio Rio e colaboradores. do prédio para receber as primeiras
pela arte e cultura. Mesmo enfrentando escassez de recursos turmas nas oficinas de cerâmica, aulas
Cine Clube financeiros, as obras estão bem adiantadas. As de dança, cinema e vídeo”, diz Claudio
Ainda hoje, é a garra e entusiasmo que poltronas para o anfiteatro já estão garantidas. Rio.
8
"experiência com o teatro no Centro de Internação Feminino de Florianópolis "
TEATRO

TEATRO E PRISÃO
Professoras de teatro ministram oficinas nos centros de detenção da grande Florianópolis

Por Luiz Felipe Cunha Bianchini


“Eram vinte e cinco homens

N a década de 70 Plínio Marcos,


considerado o poeta do submundo,
exercitar a alteridade, colocando-se no lugar
do outro que está excluído, humilhado, que é
empilhados, espremidos,
esmagados de corpo e alma entre
considerado uma ameaça à sociedade. “Nosso as grades de ferro, e úmidas e
marcou a dramaturgia nacional ao objetivo era proporcionar para os detentos
escrever textos teatrais que denunciavam um contato com a prática artístico-teatral. Foi
frias paredes. Eram vinte e cinco
as injustiças sociais e mostravam a um trabalho muito difícil, não apenas pelo homens, seus desesperos, seus
realidade de figuras marginalizadas desinteresse de alguns alunos, mas pela forma tédios, suas desesperanças e o
pela sociedade da época como como eu era vista dentro da própria instituição. tenebroso ócio, num cubículo
prostitutas presidiários e portadores Eu era alguém que saía da minha casa para onde mal caberiam oito pessoas.
de doenças infecto-contagiosas. Com trabalhar naquele lugar de graça, o que era
o mesmo ímpeto socializante existem,
Eram vinte e cinco homens de
muito estranho para muitos dos funcionários”,
na atualidade, artistas e universitários desabafa a professora ao contar também que
alma estuprada. Vinte e cinco
que realizam trabalhos não apenas para terminou sua prática teatral com apenas um homens de vidas estupradas.
ou sobre esses grupos específicos, mas aluno no final do ano: “Se chegou a um fico Vinte e cinco homens, com seus
com essas pessoas. Esse é o caso de três feliz. Para que ele pudesse fazer as aulas tinha desesperos, com seus dentes
estudantes do curso de Teatro da Udesc que acordar mais cedo na quarta-feira e limpar podres, com suas carnes flácidas,
que ministraram aulas de teatro, durante todo o chão da sala antes do horário das aulas.
um ano, em centros de detenção da
com seus pelos ralos, com suas
Se ele fazia isso é porque aquela atividade era
capital. importante para ele.”
peles empesteadas. Mas, eram
Como diria o poeta Carlos Drumound de A professora de teatro Gabriela Gianetti vinte e cinco homens espremidos,
Andrade, “fácil é julgar as pessoas que trabalhou no mesmo período no Centro empilhados, esmagados de
estão expostas pelas circunstâncias”. de Internação Feminino (CIF) e apesar das corpo e alma, num sórdido
Se de um lado algumas pessoas não dificuldades que encontrou, conta que ficou cubículo onde mal caberiam oito
acreditam na recuperação de pessoas muito satisfeita com o resultado do seu trabalho.
que cometeram atos infracionais, de
pessoas.”
Ela afirma que realizou um trabalho buscando
outro, existem estudantes que saem temas que interessassem as alunas. Essa busca
do conforto de suas casas para tentar logo levou a professora a realizar suas aulas Trecho do texto INÚTIL CANTO
fazer alguma mudança nesse contexto em conjunto com uma oficina de hip-hop E INÚTIL PRANTO PELOS ANJOS
marginalizado. Karine de Oliveira ministrada na instituição, o que fez com que CAÍDOS, de Plínio Marcos.
Cupertino, Gabriela Corrêa Gianetti e sua turma estivesse cheia de alunas no final do
Daniela Taíz de Souza – todas graduandas ano:“No final do ano fizemos uma apresentação
do curso de Teatro da Udesc- realizaram do trabalho para os funcionários da instituição
seu estágio curricular durante todo o e para os familiares das internas. Quando amores e vida profissional.
terminou a apresentação, dei uma rosa para A partir do conceito do sociólogo
essas atividades foram cada uma das alunas. Além de ver a superação canadense Ervin Goffman, que define
instituição total como local onde cada
de cada uma em cena, foi emocionante ver os
realizadas por voluntários familiares delas e funcionários participando um perderia sua identidade, exercendo
apenas sua função em determinado
de tudo aquilo”, conta Gabriela.
que não receberam Segundo o Estatuto da Criança e do contexto, Karine tentou buscar
alternativas para uma prática artística
Adolescente, as penas para crianças e
remuneração adolescentes que cometeram atos infracionais dentro do presídio. Deste modo, a
professora concluiu que o que poderia
vão desde uma medida sócio-educativa até
privação de liberdade por três anos. A Grande ser subversivo naquele contexto,
ano de 2009 em centros de detenção da Florianópolis conta com dois centros de seria tentar buscar quem são aquelas
grande Florianópolis. detenção; o Centro de Internação Feminino mulheres. Então, o processo criativo das
Daniela e Gabriela trabalharam em (CIF) que comporta 14 vagas para meninas aulas de teatro foi guiado pelas histórias
centros de reabilitação de jovens com idade inferior a 21 anos e o Centro pessoais das alunas, de forma a reforçar
que cometeram atos infracionais. Já a Educacional Regional São Lucas (CERSL), com suas identidades.“A partir do momento
estudante Karine Cupertino ministrou 90 vagas para adolescentes entre 12 e 21 anos. que a gente traz histórias pessoais
aulas de teatro na Penitenciária Karine de Oliveira Cupertino realizou um delas, relembramos pra elas o contato
Feminina de Florianópolis. Daniela trabalho na Prisão Feminina de Florianópolis com exterior - o que é proibido na
Souza trabalhou como professora que teve como foco as especificidades “instituição total”. A gente tentou fazer
voluntária no Centro Educacional estéticas do teatro. Ela conduziu suas aulas com que elas se lembrassem de quem
Regional São Lucas de abril a dezembro com a ideia de que o resultado social viria a são ao buscarem lembranças do mundo
de 2009. Segundo ela, existem oficinas reboque do artístico. Seu trabalho não tinha além da prisão,” explica Karine.
sendo realizadas nessas instituições um fim terapêutico, as possíveis reflexões Se muitos de detenção do país contam
que vão desde aulas de teatro, hip-hop surgiriam como conseqüência da experiência com uma infra-estrutura que contrapõe
e artes plásticas até exibições de filmes, teatral realizada. a própria proposta de reabilitação,
catequese e palestras da doutrina A proposta de Karine consistia em montar uma observa-se no trabalho artístico uma
espírita. Porém, todas essas atividades peça de teatro com as presidiárias de forma a possibilidade transformadora no
foram realizadas por voluntários que tentar descobrir sobre o que aquelas mulheres momento em que abre espaços para a
não receberam remuneração para encarceradas queriam falar. Logo percebeu reflexão entre as grades desses centros
executar o trabalho. Para a jovem que a urgência daquelas mulheres era o que e seus pequenos cubículos onde mal
professora tanto o professor quanto elas haviam deixado do lado de fora da prisão caberiam oito pessoas.
aluno aprende, pois o professor deve como a relação com os filhos, família, amigos,
"Mesclando a arte com a estrada"
TEATRO 9
ENTRE OS
PALCOS E
AS RUAS
por Maurício C. Schutz

V em-se caminhando pela rua e o


universo de gente inteiro se mistura:
pessoas s'entrecruzam e as silhuetas
viram uma; as vozes inteiras dançando
em meios tons viram uma apenas, e E tem lugar mais
então vão se perdendo em meios-contos
e meios-causos; há quem cante com
faculdades é fundamentada numa nova forma
verdadeiro, palco mais
um violão e quem grite com um amor
contrariado, quem caia em lágrimas de perceber o teatro. As práticas acadêmicas
buscam uma libertação das amarras narrativas,
honesto e pitoresco
sobre um ombro amigo e quem ignore
tudo isso na pressa de chegar em casa. da concepção noveleira de que uma história
segue seu rumo de forma linear, com principio,
que sobre as pedras da
Nossa atenção se dispersa,mas pequenos
detalhes borbulham acima da superfície meio e fim, em que cada personagem
desempenha um papel e o público é passivo
calçada?
do tudo misturado. O feminino de uma
voz grita: Pés!, Ombros!, Barriga! - meio na construção da peça. Pelo contrário, a arte
mundo vira e a procura; um meio círculo contemporânea é assim chamada exatamente
de gente em frente a cadeiras, com por sua indefinição ideológica: o teatro
uma única menina, uma coisinha talvez se insere num universo pós-dramático, de
pequena e loura demais para ser capitã performances e experiências estéticas que é
construído não só por quem o produz, mas por uma questão moralista – mas toda
de qualquer coisa, de comandante; impermissão é censura e toda censura
ordenados, os corpos se deformam em quem o recebe.
Mas isso não reforça ainda mais a alienação é, em essência, a defesa de uma moral,
novas estruturas humanas. Há, então, nem sempre válida e às vezes vencida -,
um momento de silêncio em que o do público? Com certeza. Não apenas pela
abordagem especificamente cerebral, intuitiva mas toda uma preocupação de absorção
mesmo murmúrio de rua recomeça, pública. O pouco contato com os ares
e assim passam as pessoas; escutam- e entrelinhada a conceitos e teorias a que o
público não tem contato, mas pela própria abertos do mundo lá fora tenta sempre
se entrecortadas as vozes amargas de ser mais sutil – um aperto de mão antes
rugas, ou secas de cansaço, ou úmidas dificuldade de se permitir que as produções
da faculdade consigam atingir a quem vem de um abraço, um abraço antes de um
de curiosidade: Bando de vagabundo!, beijo, e assim vai – servindo de isca
Ninguém tem mais o que fazer mesmo!, de fora: há um círculo vicioso aí. Os alunos
reclamam da dificuldade da divulgação: todo para um mundo que corre mais fundo.
uma risada e um Que legal. O que move, então, esses atores,
A cidade está bem enmeiada num mês final de semestre, o Centro de Artes da Udesc
se estende como um grande palco, em que eternamente presos na tensão de fazer
de festivais, em que s'abrem as portas e o que o coração manda e/ou ganhar o
diz para a arte que o mundo é dela, vai apresentações se sobrepõem diariamente,
uma vez que toda aula prática resulta num mundo? A mágica transcendente dos
brincar! E tem lugar mais verdadeiro, palcos. O teatro é um prazer quase
palco mais honesto e pitoresco que pequeno espetáculo de corpos dançantes,
vozes cantantes ou toda uma produção real passageiro: seis meses de ensaios
sobre as pedras da calçada? Nas ruas não culminam em duas meia-horas de
há quem se defina: olha-se um senhor e, de clássicos da história do teatro. Nas platéias
tímidas – ainda mais raquíticas pelo número arte e que depois nunca mais são;
num átimo, literatura - escrevemos sua é a experiência daquele momento,
história, sua viuvez e sua aposentaria, pouco de cadeiras -, as outras fases assistem
seu passado ou futuro, se apresentando entre até aquele momento, a sua dor e a
sua sobrancelha tesa de militar -; vê-se dor do outro, inventada, que um dia
um casalzinho esquecer-se do público si. É impossível, num ambiente tão restrito,
lembrar de um mundo lá fora, para além das você entendeu. São as palmas como
e furtivar um beijo roubado e poesia; recompensas dos olhares feios e da
passa um menino de terno, fazendo-se redes do centro acadêmico e dos solos de
piano e violino das aulas de música logo ao alcunha de vagabundo, e a realização
de sério, e é o teatro do homem honesto. de que se é insubstituível naquele
A rua é uma força criativa, gente atuando lado.
Mas, então, acontece: a Semana Ousada, ou o momento e que, assim que ele acabar,
a si mesmo num sorriso ou numa dor; começa tudo outra vez.
a arte entra em ebulição quase quieta, Festival Isnard Azevedo. O teatro se espalha
diariamente - mas por que a chama mãe em propaganda, em performances que vão
disso tudo, a arte pela arte que se sabe às ruas e cercam as pessoas despercebidas.
arte, continua escondida, recebida com Participante da organização do evento, Leandro
o rosto virado? Lunelli amarra algumas pontas: todos os
A arte que se expõe nesses momentos, espetáculos se inscrevem, defendem sua razão
tomando o mundo, é produzida sobre de ser, dão um gosto do que será desenvolvido
novos parâmetros; não é exatamente e, então, são aprovados ou negados. O controle
ainda engloba outras facetas: nudez não é
a Semana Ousada, ou o
o desenvolvimento de uma nova
cena cultural – existe até um pouco permitida, por exemplo. Isso não é apenas
Festival Isnard Azevedo
de abnegação em relação às visões
externas. Assim se percebe numa
conversa bem aberta com atores e
alunos do curso de Arte Cênicas da
Universidade do Estado de Santa
Catarina (Udesc): a produção teatral das
" A música ajudando a melhorar a comunidade "
10 Música

Balaco Batuque dá ritmo à comunidade


Projeto completa 12 anos e a oficina que já levou música à 50 crianças volta a acontecer

por Karen Gerber

A pequena Rafaela Rodrigues da


Rosa ainda não tem o ritmo desejado
os tambores são de lata em pouco
tempo estão destruídos, mas isso
para bater os tambores. A menina, que não torna o pessoal do morro
tem só seis anos, frequenta as aulas de pouco culto”, diz Daniel, que tomou
percussão há um mês e pelos sorrisos, esse argumento como desafio para
apesar do cansaço ao bater forte nos seguir em frente e levar música de
tambores, é possível afirmar que ela está qualidade para mais de 50 crianças
adorando participar. E não é a única. de Florianópolis.
Numa terça-feira chuvosa muitos tiveram Hoje, no seu espaço, com fotos
que ficar em casa pelas dificuldades de antigas coladas na parede, Daniel
mobilidade; na oficina de percussão conta que foi no décimo ano Criançada aprova, comunidade
Balaco Batuque que hoje ensina de atividade que o projeto Balaco Batuque evolui
música a 15 alunos não foi diferente: ficou afastado da comunidade devido à má-
mas três crianças enfrentaram a pé, utilização de sua imagem por uma campanha A vontade de aprender música já era
com muita chuva, o percurso de casa política: “Meu projeto é transparente, não grande, o problema era onde e como
até o espaço da aula. Ansiosos, os três nos envolvemos com político nenhum, eu vou fazer isso. Depois de passar nas três
não conseguiam deixar de mexer nos votar em alguém, tu também vais, e o meu escolas públicas da região do Morro
instrumentos, os ruídos eram constantes projeto deveria ficar fora disso”. Mas isso não das Pedras, Daniel Cirimbelli recrutou
e pouco sincronizados até o professor o manteve longe dos seus ideais, a ONG ficou “verdadeiros guerreiros” como ele
começar. parada por dois anos e no começo deste ano mesmo chama. O menino de 11 anos
A oficina de percussão acontece duas voltou a funcionar ainda de maneira reduzida. Daniel Rodrigues da Rosa mostra-se
vezes por semana e é ministrada pelo O antigo Balaco do Batuque mantinha parcerias habilidoso e com força de vontade na
músico e professor Daniel Cirimbelli com empresas privadas e também recebia hora de fazer barulho e aproveitar cada
da Luz, que ensina também ritmo, incentivos do governo. Depois de desativado segundo das aulas: “Eu queria começar
harmonia, biografia dos músicos e perdeu as parcerias e agora está à procura a aprender música, queria poder tocar
por novas. Por enquanto o vários instrumentos”. Faltar ao curso
“É bom que tudo aqui seja reciclável, sistema está funcionando não é o perfil do grupo, nem mesmo
com três padrinhos; um deles debaixo de chuva: “Hoje a minha mãe
pois daí pode quebrar que nós é o supermercado Bistek que quase não me deixou vir, mas daí eu
financia uma compra mensal pedi muito pra ela”.
arrumamos” para fornecer o lanche da Denis Veloso, que também tem 11 anos,
tarde para os pequenos e os concorda: “Eu tento sempre não faltar,
mostra o contexto histórico aos alunos. outros dois são amigos do projeto que doam R$ na verdade eu nunca faltei porque eu
Tudo é explicado às crianças, que se 50,00 como ajuda mensal. Para manter o curso, gosto daqui. Essa era uma hora em que
reúnem num espaço pequeno, mas entretanto, ele precisaria de muito mais, já que eu ficava em casa, sem fazer nada”.
aconchegante, nos fundos da casa de constantemente os instrumentos necessitam de Influenciado pela família de músicos,
Daniel no Morro das Pedras. Essa é a manutenção. Denis começou a se interessar pela área
realidade do projeto hoje, mas há dez Em sua maioria eles são confeccionados pelos desde cedo e quando foi convidado
anos as coisas eram diferentes. As participantes: o xilofone é feito com sobras de pelos amigos a participar da oficina
aulas eram ministradas na Casa da azulejos, cortados da forma exata para que o não hesitou. “No início eu não me dava
Liberdade, na passarela Nego Quirido, som saia perfeito. Quem ajuda na confecção e muito bem não, era muito atrapalhado.
e em algumas escolas públicas, manutenção dos tambores que são ou de lata ou Hoje eu já melhorei”.
no cronograma a percussão vinha de placas de madeira, devidamente amarrados E se a criançada aproveita a oficina,
acompanhada com aulas de capoeira, com corda, são as crianças, que também fazem quem gosta mesmo são os pais, que
malabarismo, canto e coral e todo outro algumas peças de berimbau com jornal. “É veem seus filhos tendo oportunidades
tipo de manifestação artística que fosse bom que tudo aqui seja reciclável, pois daí e contato com formas culturais desde
interessante integrar. Daniel explica pode quebrar que nós arrumamos”, brinca cedo. Edmilson Rodrigues da Rosa é pai
como começou o trabalho: “Quando Daniel Cirimbelli da Luz. As crianças ajudam de Rafaela e Daniel e se orgulha ao dizer
eu comecei com o Balaco Batuque me a fazer os instrumentos musicais, mas sempre que os filhos não ficam em casa ou na
disseram que eu estava fazendo o certo, com a supervisão do professor, para que não rua sem fazer nada, estão aprendendo,
porque música clássica, aquelas coisas haja alterações no som final. qualificando-se e gostando do que
de ensinar flauta para a criançada não E é na busca dessa qualidade final que as turmas fazem, coisas essenciais para deixar um
era certo para quem morava no morro e tanto ensaiam. Não há exatamente a busca da pai feliz e as crianças ocupadas com
eu queria ensinar percussão”. perfeição, mas sim do aperfeiçoamento e da algo importantíssimo que talvez dê um
No entanto, apesar de ter seu projeto melhora na educação de todos que passam rumo ainda melhor aos seus futuros
aprovado talvez por esse motivo,o músico pela organização. A vontade de crescer é investindo na cultura musical.
recusa esse tipo de argumento. Daniel evidente em todos e é no ritmo dos tambores e
Toda a turma do Balaco Batuque está ensaiando
não nega que muitos se identifiquem chocalhos que eles seguem mais uma aula rumo para uma apresentação pública no dia 25 de
mais com a percussão porque esse estilo, ao conhecimento musical e também histórico dezembro, quando estarão reunidos 15 crianças,
além de proporcionar um contato com a do que aprendem que pode ser essencial no ex-integrantes do projeto e a comunidade do
música, faz com que muitos extravasem futuro. Morro das Pedras. Para apoiar o projeto, envie
seus sentimentos com a força. “Quando um e-mail a danielirie@hotmail.com
"Escola de música na comunidade rural"
MÚSICA 11

A história de um povo acolhedor!

A música erudita está cada vez


mais presente na vida dos filhos
de agricultores de São Pedro de
Alcântara, município situado a
25 quilômetros da Capital. Com
aproximadamente 800 habitantes,
a localidade de Santa Filomena,
foi escolhida sede do projeto
“Educando com Música”. Há 5
anos, a escola ensina música
erudita aos filhos de agricultores
e adolescentes matriculados nos
colégios daquele município.

por Antonio C. Banzato

C om seu relevo montanhoso,


vegetação densa e clima frio, São Pedro
acordes da música erudita. Os meninos e
meninas vão para a escola de música situada,
mãe de duas alunas “se diz prazerosa
pelos estudos delas no "Educando com
de Alcântara lembra uma paisagem ali próximo, junto à propriedade do médico Música".
típica da Europa. A história desse Marcelo Collaço Paulo, o idealizador do projeto A merendeira Maria Angelita
município começa em 1829, quando “Educando com Música”. Zimermann, que mora na localidade de
da chegada dos primeiros alemães Criado em 2005, hoje, uma realidade, a escola Rio Forquilha, diz que “ ela ajudou no
em solo catarinense, desembarcados abriga em torno de 30 alunos, sendo 18 titulares comportamento do seu filho e só lamenta
dos veleiros “Luíza” e “Marques de e 12 iniciantes, necessariamente moradores da que ele tenha trocado os estudos de
Viana”, transportando 635 imigrantes localidade, estudantes e filhos de agricultores. piano por um serviço remunerado”.
provenientes, em sua grande maioria, Em cada uma das apresentações, os alunos são
da Região do Rio Mosela, hoje, estado recepcionados de forma amistosa e calorosa A empolgação contamina a todos os
da Renânnia-Palatinado, na Alemanha. por parte dos professores contratados junto a estudantes, caso de Amanda Maria
Passados 181 anos desde a fundação, Camerata Florianópolis. Foster, 11 anos, da 6ª série, instrumentista
evidências claras testemunham a Joice Roberta Schmitz estudante do Colégio de violino, “gosto do que faço e a minha
importância dessa imigração. Abriga Gama Rosa, de 16 anos é uma dessas alunas opção musical é fruto do incentivo dos
hoje um povo religioso, com vocação ao consideradas titulares e que tem um hábito meus pais”. Para Micaelly Schel, aluna
trabalho, na produção de hortaliças, a muito peculiar de exercitar seu amor pela da 6ª série, nove anos, estudante de
criação de frangos e de gado, para o seu música: ao sair da cama, pela manhã, apanha o violino, “tenho vontade de tocar e já me
próprio sustento aliado a um espírito violoncelo, afina e toca para os seus amiguinhos apresentei no CIC – Centro Integrado
empreendedor voltado às festividades de estimação que são os bois da propriedade de Cultura”.
que lembram as suas origens, da família. Segundo a irmã, também violinista, Outro que se manifesta é Oeliton
particularmente as de setembro, Manoela, Joice costuma fazer isto antes de Lutz, de 11 anos, 5ª série, estudante
outubro e a do padroeiro. tomar o café da manhã. de violino, diz ” fui influenciado pelos
Quem visita essa Região sabe do Esse é o modelo de um estudante de música meus pais que conheceram o projeto”,
carinho dessa gente em bem receber erudita que repercute um projeto bem assim como Vinícius Bruch, 11 anos, 4ª
e acolher o visitante para saborear construído e que veio para ficar. fase, instrumentista de violino “se diz
a caninha especial extraída de seus satisfeito em pertencer a escola junto
alambiques, provar da famosa galinha Uma obra que orgulha! com seus colegas”.
recheada, do chope artesanal, o santa Para Janaine Sperber, de 12 anos, já
fé, um biscoito tradicional da região Os resultados não tardam a aparecer. Para na 7ª série, estudante de violino e
e da rosca de povilho, sem esquecer a professora Eroni Schmitt Schell da Escola piano é importante ajudar em casa nas
o famoso baile onde as músicas e Reunida Augusto Schnitzler “eles passaram atividades domésticas e de roça. Afirma
danças típicas constituem o ponto alto a ter uma conduta mais responsável que “ o incentivo dos pais ajudou-a
das programações. Esta é a história demonstrando interesse por informações, a gostar de música e considera que
de um povo que faz parte de um desejando sempre serem os primeiros". é muito melhor hoje, do que ficar na
grande mosaico cultural extremamente Para Guilherme Amaral, professor de piano roça”.
diversificado e só encontrado em terras e cravo, o “projeto tem um grande valor no Este é um projeto musical vitorioso. O
catarinenses. desenvolvimento educacional do estudante, ensino da música erudita no campo, ao
pois ensina o homem a trabalhar em grupo longo desses cinco anos de experiência,
Um jeito diferente! e a pensar, além de propiciar uma carreira criou uma expectativa positiva junto a
profissional”. população rural, isto é, um motivo para
São 8h da manhã de uma terça-feira. O ensino da música erudita repercute a busca do espaço profissional através
Como de hábito, um ônibus escolar manifestação de pais que se mostram da arte musical.
chega à localidade de Santa Filomena, orgulhosos por os terem na orquestra. No
município de São Pedro de Alcântara. entender de Almaci Werlich, agricultora e
Os ocupantes estão em busca dos empregada doméstica,moradora de Invernada,
As aventuras a bordo
12

por Julye Poffo

S e você tivesse que descrever uma


biblioteca, como seria? E se estivesse
da biblioteca Tânia Piacentini, que como
votante da Fundação Nacional do Livro Infanto-
tanto do lugar que acabam pedindo
para voltar, mas dessa vez, com os pais
juvenil recebe as publicações brasileiras e para fazer a carteirinha”. Sábado
interessado em encontrar um grupo que se destacam no segmento durante o ano. é muito movimentado, diz ela. “E o
de pessoas para ouvir a narração de Inclusive dos autores que, dentro da fundação melhor é sempre ver a reação dos que
Shakespeare, você saberia aonde indicam os melhores autores brasileiros a chegam aqui pela primeira vez porque
encontrar? Pode não corresponder à representar o país em Bologna no festival não imaginam que há tantos livros e um
imagem comum que lhe vem à mente, mais importante da literatura infantil mundial. espaço que permita desfrutar de um
mas na Lagoa da Conceição há uma Independentemente do festival, os melhores bom livro”.
biblioteca rica em acervo para crianças vão direto para as estantes da biblioteca. Boa Todo mês, há entre 60 a 100 expedições
e atividades interativas para os adultos parte do acervo dos adultos, composto de de novas carteirinhas, um número
sem a frieza das estantes de ferro a que clássicos da literatura nacional e estrangeira, promissor, considerando que a
estamos habituados. vem de doações. Se os livros se adéquam aos divulgação do espaço é na base do boca
Aos pés da Lagoa da Conceição, a critérios da biblioteca, são catalogados, caso a boca e hoje totalizam 2.737 leitores
Sociedade Amantes da Leitura tem contrário, vão para o sebo da Barca. cadastrados. Quem realmente frequenta
sua sede próximo ao trapiche. Em Durante a semana a agenda da Barca prevê a biblioteca são as famílias.
uma casa discreta, apenas com uma reuniões para conversação em inglês, francês, Tânia fica impressionada com a evolução
faixa indicativa, ela abriga também espanhol e italiano, curso de narração de do projeto, que cada vez mais atrai
o seu carro chefe: a biblioteca Barca histórias, leitura e discussão das obras de leitores. A antes era um núcleo pequeno,
dos Livros. Fundada em 2007 e com Shakespeare, encontro com autores, sarau onde os rostos eram reconhecidos,
9.635 livros catalogados e tantos outros literário e visitas de escolas à sede do projeto. hoje a biblioteca é movimentada e
esperando a avaliação para entrar no Com horário de funcionamento das 14 até as cheia de energia. E continua, “Desde
acervo da biblioteca, não só o adulto, 20 horas, de segunda a sábado, a Barca dos a sua fundação, sua proposta continua
mas principalmente as crianças Livros tem o foco no público infantil, mas inovadora, porque estimular as
encontram um mundo cheio de histórias ultrapassa os limites de idade e atrai todos crianças o hábito de ir à biblioteca e de
na estante mais próxima. que gostam de literatura, de todos os idiomas participar, interagir com o espaço, não
Prateleiras forradas de literatura e nacionalidades. tem em Florianópolis. E esse interesse
estrangeira, brasileira, poesia infanto- Ketlen Stueber é bibliotecária e está na Barca há não é isolado, apenas não é feito”.
juvenil e infantil. Quem exercita a leitura mais de um ano. Pela movimentação semanal,
fluente e avançada está no lugar certo. O percebe que quem atrai novos leitores são as A cada onda, um livro
grande público é o infantil, já que todos crianças. “Com a atividade nas quartas-feiras
os livros passam pelo crivo da diretora de visitação das escolas, as crianças gostam No último domingo do mês, é hora de
o de uma biblioteca
13

desatracar: uma barca leva dos Livros”. Feliz com a proposta da biblioteca,
em torno de 40 pessoas incentiva suas filhas a lerem cada vez mais. As
para um passeio no meio da visitas à biblioteca atendem ao pedido das
Lagoa da Conceição. Até ai, pequenas e são bem frequentes. Ela considera
fica a pergunta, o que isso o projeto de escutar histórias em alto mar
tem a ver com a leitura? É muito especial e pouco valorizado na região. Como se associar à Barca
que com uma caixa cheia Não só as crianças ficaram impressionadas com
de livros, os passageiros o passeio, os adultos também. Acompanhado Com a sua carteira de identidade,
desfrutam de um bom livro, do avô, Luis Miguel, de oito anos, ficou atento comprovante de residência e a taxa de
um acordeom, cantigas, dois a todas as histórias contadas e participou R$ 1,00 você já pode ser sócio da Barca
contadores de história e acompanhando as cantigas com a percussão dos Livros.
uma vista privilegiada. Por das mãos. Assim que chegou ao trapiche A taxa dos passeios de barco + histórias
falta de verbas, o passeio, da Lagoa, olhou para o avô, sorriu e falou: na barca, é de R$ 10,00, lembrando que
de uma vez ao mês, passou “Adorei”! Imediatamente continuou: “Semana idosos e menores de 16 anos não pagam.
a se restringir a datas que vem vamos de novo”? Já a menina Para saber um pouco mais sobre a
comemorativas. No mês das pequena, simpática e espoleta, de franja Sociedade Amantes da Leitura e da
crianças, excepcionalmente, a encobrindo os olhos marotos, ziguezagueava Barca dos Livros, é só acessar o site
barca zarpou em alto mar três rápido contra o fluxo do pessoal da primeira www.amantesdaleitura.org ou visitar a
vezes. Entre os presentes, a barca que desembarcava, e se infiltrava no biblioteca no endereço rua Senador Ivo
atenção era toda voltada para meio do movimento. A pequena anônima, que D’Aquino, 103, na Lagoa da Conceição.
os contadores de história. sumiu antes que eu pudesse perguntar seu
Isabel, que freqüenta a nome, fez questão de cumprimentar todos os
biblioteca há dois anos com contadores de história e envolvidos no passeio
suas duas filhas, navegou na para deixar bem claro que gostou muito da
sua primeira viagem com a experiência e que pretende voltar.
Barca nas “Histórias na Barca
" A força da cultura alemã "
14 DANÇA

A DANÇA COMO MEIO DE


MANTER A CULTURA GERMÂNICA
Grupo de dança tenta manter a tradição, entreter os jovens e ajudá-los a virar cidadãos

po Paulo Henrique

A cidade de São Pedro


de Alcântara, na grande
Florianópolis, é a primeira
colônia alemã do estado de
Santa Catarina.Como meio de
manter a tradição germânica
no município, a prefeitura
iniciou em 1997 um trabalho
com grupos de danças
folclóricas. A intenção era
resgatar a cultura germânica
dos antepassados. Na época,
a cidade se preparava para
comemorar os 150 anos do
município, realizado em 1999.
E a criação do grupo tinha a
intenção de ligar a tradição
germânica à atualidade. O
grupo de dança se estendeu
e, através de iniciativas
particulares, com apoio do
poder público, iniciaram
em 2005 a Camerata de São
Pedro de Alcântara. Com a
mesma intenção.
O grupo de dança, aluna Eliza Sperber, de 20 anos. Para a jovem, “foi muito bom esse curso,
iniciado há 13 anos, realiza seus ensaios mas difícil, porque eu aprendi várias
em Santa Filomena, no interior do O professor Renato, formado em letras – danças que eu não conhecia. Mas, é
município e, se apresenta em eventos língua e literatura alemã, trabalha desde o muito bom pra quem gosta de dança”.
folclóricos em cidades de origem alemã, começo no grupo. Inicialmente, ele ensinava A dança também ajudou na escolha da
como a oktoberfest em Blumenau. dança para cerca de dez grupos na região profissão que ela pretende seguir. Ela
Fazem parte do grupo 28 alunos, todos da grande Florianópolis, principalmente nos quer fazer um curso de pedagogia, e o
do município e, a grande maioria é da municípios de Águas Mornas, São Pedro de grupo a ajudou a decidir. E, futuramente
comunidade de Rio Forquilha. Eles são Alcântara, São Bonifácio e Rancho Queimado, como professora do grupo a ajudará na
divididos em duas turmas – uma de 6 a mas atualmente, está somente em São Pedro, profissão a seguir. O professor Renato
12 anos, com 12 alunos. Outro, a partir os demais não tiveram continuidade. Segundo também faz freqüentemente esse curso
de 13 anos, conta com 14 jovens. Eles ele, “são vários os problemas que fazem com de ‘reciclagem’. Foi lá que ele conheceu
se apresentam em eventos nas cidades que esses grupos acabem. Com 16, 17 anos os as cerca de quinhentas danças que ele
de origem alemã, como a oktoberfest, alunos saem por causa do trabalho, do estudo, conhece. Todas folclóricas, Entre elas,
em Blumenau, a festa pomerana em mas, o principal é a falta de apoio do poder há danças alemãs, holandesas, italianas,
Pomerode, a Schützenfest, de Jaraguá público”. britânicas, austríacas, tchecas, entre
do Sul e a oktobertanz, de São Pedro. O preconceito a esse tipo de dança é outro outras. “Eu tenho quinhentas músicas e,
“Cabeça vazia, lugar de elemento que atrapalha. As vezes vindo da se eu colocar qualquer uma pra tocar
porcaria”. Com essa frase o professor própria família. E isso desmotiva os jovens os alunos vão saber dançar”, diz o
Renato Weingartner retrata a a participar do grupo. “Eu sofri preconceito professor.
importância do grupo de dança. E no trabalho, no estudo e na minha família. A A cultura germânica é muito forte
ele continua, “Além de terem algo minha mãe dizia que eu não tinha mais idade na comunidade de São Pedro. Muitas
para fazer, ele ensina valores e ajuda para dançar essas danças. Que era coisa para pessoas tem a língua alemã como
também a viver coletivamente, o que é criança”, disse Eliza. Esse preconceito não idioma principal em casa. Eles falam
muito importante para a idade deles”. desmotivou a jovem, que está no grupo há e ensinam os filhos a falar alemão. No
Ele também destaca a ajuda que isso onze anos, e é a aluna mais antiga. grupo de dança todos falam a língua
traz a eles na escola como a ajuda na Ela tem se preparado para assumir o comando dos colonizadores da sua região. Na
concentração. “Eles se tornam pessoas do grupo. Segundo o professor, “a perspectiva verdade, eles falam dialetos, entre
mais centradas e, de certa forma, mais do meu trabalho aqui era de três anos. Eu eles, dialetos originários da Renânia-
responsáveis”. Para o assessor da queria repassar a direção do grupo a alguém Palatinado e de Hunsrück, região mais
secretaria de cultura de São Pedro de da comunidade, alguém do grupo, mas já estou pobre da Alemanha. Eliza aprendeu a
Alcântara, Daniel Silveira, o principal aqui há 13 anos”. Até agora ele não conseguiu, falar português apenas aos dez anos.
objetivo do grupo de dança é resgatar mas, demonstrou esperança disso acontecer. Em casa, foi ensinada desde cedo a
a tradição germânica, fazendo os jovens Eliza, há onze anos no grupo, demonstra muita falar o dialeto alemão – ela fala dois. E,
conhecerem e viverem ela, e os mais vontade de assumir o comando. Esse ano ela fez segundo ela, o grupo de dança a ajudou
velhos relembrarem da sua história. um curso de danças folclóricas em Gramado, a aprender português. “A dança ajudou
“A minha bisavó dizia que na época no Rio Grande do Sul, durante duas semanas. muito na escola. E também é um meio
dela ela dançava essas danças”, disse a de diversão”.
Rádio Comunitária
Sintonize na

por Vanessa Dal Forno Bastos


de que nem toda a comunidade participa
"os moradores da ou demonstra interesse em participar.
comunidade do bairro Apenas alguns setores da comunidade

D ois dedos seguram um botão, girando-o


de lá para cá.A estática do aparelho preenche
Campeche contam com uma
demonstram-se ativos com essa visão
crítica de rádio. Segundo dados da Projor
– Instituto para o Desenvolvimento do
o ambiente. Várias vozes distorcidas vêm e ferramenta para auxiliá- Jornalismo - da Universidade Estadual
vão com o passar das ondas radiofônicas. O
botão continua se movendo. 93.1, 96.3, 98... los a manter sua identidade de Campinas (Unicamp), a maioria das
rádios comunitárias no Brasil pertencem
Uma voz vai tomando maior forma, mais cultural" a membros de Igrejas evangélicas ou
grave. 98.3, no ar. O chiado é substituído por políticos. Fugindo desta tendência, a
uma locução que vai subindo até entrar em rádio Comunitária Campeche está sob
todo o recinto e os ouvidos. Está pronta para funcionamento têm, diante de si, a oportunidade a tutela de moradores e intelectuais do
ser ouvida: a Rádio Comunitária Campeche. de regularizar sua situação. Na época já existiam próprio bairro, demonstrando uma postura
muitas rádios que atuavam em uma comunidade, preocupada com o que é produzido,
Essa rádio, localizada no bairro de mesmo mas de maneira clandestina. Com a lei federal formando a identidade cultural do mesmo.
nome, na ilha de Santa Catarina, foi 9.612/98 aprovada, essas estações ilegais de
fundada em meados de 1999, em caráter rádios se foram, dando lugar às oficializadas Em sua forma de atuação, a rádio ajuda
clandestino, ou seja, sem uma licença rádios comunitárias, servindo a uma demanda dos a criar uma identidade cultural para
oficial para funcionar, dependendo apenas movimentos de democratização da informação, a comunidade, pois através de sua
do apoio e empenho dos moradores da como o Fórum Nacional pela Democratização movimentação em divulgar e apoiar o
comunidade. Sua concessão veio apenas da Comunicação (FNDC) e o Enecos (Executiva bairro em que agem as iniciativas locais, os
em abril de 2005, transcorridos sete anos Nacional de Estudantes de Comunicação Social), seus artistas e pequenos empresários, ajuda
entre o pedido de legalização perante os pertencente a um grande grupo de estudantes a reforçar a coesão das características do
órgãos competentes até sua libertação de comunicação, entre outros movimentos. Campeche. Não apenas a transmissão vai
das ondas ilegais. Esse longo período até os moradores, como as pessoas vão até
de "hiatus" apenas ilustra a dificuldade As rádios comunitárias aparecem no âmbito a rádio para saber o que acontece na região.
imposta pela burocracia existente nos das necessidades de uma região, um bairro, de
meios legais brasileiros, em que as pessoas se comunicarem de maneira mais pessoal, com Um exemplo que mostra a importância
que buscam uma comunicação mais informação intimamente ligada aos moradores da rádio Campeche e a efetiva interação
democrática e pessoal com a radiodifusão daquela comunidade e seus interesses. No caso entre comunidade e emissora foi, segundo
sofrem até verem seu sonho realizado. do bairro Campeche, a rádio nasce mais como Leonardo, "a demolição do bar do Chico,
um reflexo da veia de mobilização comunitária que é um bar histórico aqui do Campeche;
Ao final dos anos 90 surge uma lei da própria região do que como uma iniciativa a prefeitura veio demolir e a rádio puxou os
específica para rádios comunitárias. Pela isolada. Segundo Sigval Schaitel, um dos diretores protestos". E de fato, conforme Maria Estela
primeira vez na história do Brasil, as rádios de finanças da emissora, "a rádio surgiu também Inácio, moradora do Campeche, "as pessoas
que não tinham nenhum marco legal para a partir de um movimento de bairro e, isso já tem vão a rádio se encontrar. Tem o resgate da
12 anos. Ela está transmitindo há cinco anos numa cultura da comunidade, das músicas daqui".
linha cultural boa. Na época da criação da rádio,
tinha uma empolgação para a realização do plano Assim, os moradores da comunidade
diretor que estavam elaborando e foi concretizado, do bairro Campeche contam com uma
em paralelo com as ideias da comunidade, pois ferramenta para auxiliá-los a manter sua
éramos bem articulados de dinamismos sociais". identidade cultural e seus interesses
públicos por uma vida melhor na
Embora a ideia principal de uma rádio comunitária comunidade. Muito embora a rádio não
seja promover integração entre os moradores, alcance toda a região com seu sinal, de
apoiando iniciativas que beneficiem a comunidade apenas um quilômetro de raio assim
de todas as formas possíveis, na prática não definido pela legislação, nem consiga
funciona com totalidade. Nesse sentido, o diretor juntar todos os moradores sob uma única
e secretário-geral da emissora, Leonardo Alves, bandeira, tem seu funcionamento baseado
afirma que "as pessoas não entendem que ela em uma iniciativa justa, com princípios bem
tem o potencial de fazer a comunicação. De certa definidos e serve de exemplo da resistência
maneira, a rádio está aberta para as pessoas virem, por uma comunicação livre de influências
mas alguns vem, outros não vem". Mesmo a rádio políticas e econômicas, visando apenas uma
tendo uma postura crítica, o que acontece é o fato divulgação maior da cultura de um povo.

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