Академический Документы
Профессиональный Документы
Культура Документы
C onselho Editorial
Prof. Dr. Paulino de Jesus Francisco Cardoso
Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC
Profª. Drª. Claudia Mortari Malavota
Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC
Prof. Dr. Wilson Roberto de Mattos
Universidade do Estado da Bahia - UNEB
Prof. Dr. Manuel Jauará
Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFJR
Profª. Dra. Maria Antonieta Antonacci
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo- PUC-SP
Prof. Msc. Willian Robson Soares Lucindo
Pesquisador Associado NEAB/UDESC
Prof. Dr. Silvio Marcus de Souza Correa
Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC
Profª. Drª. Joselina Silva
Universidade Federal do Ceará - UFC/Cariri
Profª. Msc. Deborah Silva Santos
Universidade de Brasília - UNB
Profª. Drª. Vanicléia Silva Santos
Universidade Federal de Minas Gerais- UFMG
Colaboração Técnica
Ana Júlia Pacheco
Graduanda em História pela UDESC
Mariana Schlickmann
Graduanda em História pela UDESC
Para além do racismo e do antirracismo | 3
Para além do
racismo e
do antirracismo
A produção de uma Cultura de
Consciência Negra na sociedade brasileira
Itajaí - 2012
4|Amauri Mendes Pereira
Editores
José Isaías Venera
José Roberto Severino
Ivana Bittencourt dos Santos Severino
www.editoracasaaberta.com.br
contato@editoracasaaberta.com.br
Rua Lauro Müller, n. 83, Centro, Itajaí - CEP. 88301.400
Fone/Fax: (47) 30455815
Imagem da capa:
Cabeça de mulher dormindo, 1907, de Pablo Picasso.
Museu da Arte Moderna, Nova York.
Revisão:
Débora Michels
Homenagem
Agradecimentos
Sumário
A síntese perfeita... 13
Introdução 17
Bibliografia
Para além do racismo e do antirracismo | 13
A síntese perfeita...
Por Paulino de Jesus Francisco Cardoso1
Notas:
1
Possui graduação em História pela Universidade Federal de Santa
Catarina (1988), mestrado em História pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (1993) e doutorado em
História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(2004). Atualmente é consultor - Casa das Áfricas, membro da
Comissão Técnica Nacional para Educação dos Afro-Brasileiros
do Ministério da Educação, membro do Conselho Nacional de
Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Secretaria de
Políticas de Promoção da Igualdade Racial (CNPIR/SEPPIR) e
professor associado da Universidade do Estado de Santa
Catarina. Coordena o Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da
UDESC. É presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores
Negros (ABPN).Tem experiência na área de História, com ênfase
em História e Populações de Origem Africana no Brasil , atuando
principalmente nos seguintes temas: negros, educação, história,
populações de origem africana e multiculturalismo.
Para além do racismo e do antirracismo | 17
Introdução
Poucas ideias são tão difundidas e partilhadas no senso
comum brasileiro como a noção de democracia racial, que
se refere à igualdade entre os brasileiros de todas as cores
e origens e num jeito de ser peculiar que resultaria do
amálgama de raças e culturas. Pode-se dizer que já foi mais
que uma ideia, um sentimento social quase absoluto, e que
hoje é menos. Mas não se pode dizer que foi superado.
Apesar da ampliação e intensificação do antirracismo, que
inclui, além do Movimento Negro e adesões políticas e
institucionais, uma alentada produção acadêmica, é notória
a persistência desta noção. No episódio recente da adoção
de cotas para negros nas universidades públicas percebe-
se, além do mais, que defesas e ataques à noção de
democracia racial vêm de todas as classes e colorações de
pele. Os ataques taxam-na de mito: advogar pela
18|Amauri Mendes Pereira
* * *
No instrumental teórico ao qual recorri encontrei severa
crítica (como se o esconjurasse) ao racialismo que teria
moldado a gênese do pensamento social brasileiro. Em meu
entendimento, no entanto, nem interpretações da sociedade
brasileira que percebam a questão racial, nem os Estudos
de Relações Raciais, indicam claramente se e como o
racialismo teria sido superado, ou não. Com perdão do
esquematismo: há setores intelectuais que desconsideram
a questão racial em suas interpretações da sociedade
brasileira – e esses me parecem majoritários; e há os que
percebem a questão racial. Entre esses, há os que deparam
com o mito da democracia racial, e seus esforços
interpretativos passam a se dar em torno de sua possibilidade,
desejabilidade e/ou afirmação; e há os Estudos de Relações
Para além do racismo e do antirracismo | 23
* * *
O quadro de referência que tomo é o seguinte: ao longo
do século XX a sociedade brasileira pôde assistir a uma
sintomática evolução na forma como as elites e o Estado
Nacional tratavam a questão racial. Do início até quase
meados do século, a questão racial era ‘o negro’ – este era
‘o problema’ – e tratavam-se, então, de sua substituição
por imigrantes europeus, estes sim, capazes de civilizar a
nação brasileira (LACERDA apud SEYFERTH, 1985;
VIANNA, 1938; NEIVA, 1944). A virada se dá a partir dos
anos 30, com a, então, visão heterodoxa de Gilberto Freyre.
Este, em princípio, refutava a inferioridade biológica do
negro e via-o como importante fator na construção da
identidade nacional, através de sua culturalidade e do
sangue na produção do amálgama racial, a mestiçagem.
Esta construção teórica repercutiu nacional e
internacionalmente e foi granjeando a adesão da
intelectualidade em geral. A questão racial passou a ser:
como integrar a população negra à sociedade. Supunha-
se, então, que estava tudo certo na direção de um
branqueamento ou morenização, como mais tarde veio a
pensar Freyre (1978), e faltava apenas tal integração.
Até certo momento, esperava-se que essa integração
estivesse sendo realizada e em pouco tempo não se falaria
mais nisso – uma visão ligeira do pensamento hegemônico
no âmbito das Ciências Sociais na sequência do projeto
26|Amauri Mendes Pereira
Notas:
1
Ajuda a pensar, a respeito, o que diz MV Bill, famoso Rapper,
morador da Cidade de Deus (bairro dos mais pobres da cidade
do Rio de Janeiro), liderança comunitária e articulador de um
partido político cujo lema era Poder para o povo preto (que,
por sinal, rejeitou a aproximação do Movimento Negro), por
ocasião do assassinato de Tim Lopes, repórter policial e
expoente do jornalismo investigativo da maior rede de televisão
28|Amauri Mendes Pereira
Capítulo I
Uma concepção
de Ciência
II
III
IV
exclusivamente.
O primeiro se vê como paradigmático, o efetivo produtor
da realidade, o que formula, dá sentido e conduz o
desenvolvimento da sociedade, inclusive no que toca (e isso
esse é o que estou tratando aqui) às relações raciais; o segundo
é visto (e muitas vezes se vê) como o que sofre e resiste vítima
de incapacidades hereditárias ou congênitas e de circunstâncias
que os tornam emparedados.
Esboço essa tipificação para caracterizar o pano de fundo
conceitual e teórico em torno do contencioso das relações
raciais no Brasil, a despeito, inclusive, da intenção dos novos
Estudos de Relações Raciais, nos anos 80 e 90. Do meu ponto
de vista, ainda não foi superada a tematização prioritariamente
do negro que reifica a existência de um ‘problema negro’,
que é o que fica subentendido como ‘o problema racial’ – o
negro sendo o problema, a sociedade tida como correta/
normal pode e deve ser ajustada6 mediante correções do
modelo de relações raciais. Este tipo de visão pressupõe uma
essencialização da sociedade, corriqueira no senso comum,
na qual o branco ou a ‘branquidade’, a categorização do
branco camuflado em sua condição étnica e social, é tornada
– muitas vezes inconsciente e/ou involuntariamente – norma
e padrão. É sintomático que só muito recentemente a
existência da ‘branquidade’ tenha sido cogitada e se tornado
objeto de pesquisa e análise.7
Nesse ‘cochilo intelectual’ (parece, às vezes, bloqueio
existencial) se encontra a razão da perplexidade do
embaixador Alberto da Costa e Silva, eminente estudioso da
História da África, com extraordinária contribuição nessa área
tão sensível e, no Brasil, ainda desprezada do conhecimento.
O embaixador foi convidado a proferir a aula inaugural do
Curso de Atualização em História Negra, promovido pela
COINTER-Coordenação de Interação Comunitária, da UERJ.
Ele encerrara sua palestra e recebe confortante ovação do
público – professores, estudantes, servidores da UERJ, outros
interessados. Na sequencia foi franqueada a palavra aos alunos
Para além do racismo e do antirracismo | 47
- Interrogações e interpretações
aberto, franco, direto, para uns, pode não ser desta forma
representado por outros.
Tomo como exemplo as piadas de ampla circulação no
início de 1988, quando havia um clima de expectativa na
sociedade a respeito dos festejos do centenário da abolição:
“a lei áurea seria revogada e os negros voltariam à escravidão;
ou que a tinta da caneta usada pela princesa Isabel se apagara,
seria necessário reescrever a lei, e, então, algumas coisas
poderiam mudar”; ou ainda a respeito de “haver um plano
de enviar os negros de volta ao continente africano” etc.
Houve, então, um programa de grande audiência (o programa
de Haroldo de Andrade, todas as manhãs na Rádio Globo),
que se dispôs a enfrentar essa discussão. Uma das alegações
era que tais boatos poderiam causar ansiedades e mal estar
para pessoas negras. Além de servir de exibição de supostos
conhecimentos históricos dos expositores sobre o tema, era
de se perceber o cuidado com que se tratavam os negros.
Alguns focavam a crueldade da escravidão, outros a
benemerência de determinados senhores, outros ainda a
capacidade de resistência cultural dos negros; mas todos se
encontravam num ponto: a abolição não estava completa e
era preciso, ainda, fazer justiça à população negra, aos seus
vultos ilustres, ao seu papel na construção da nação – falava-
se no trabalho escravo e nas influências negras nas comidas,
no linguajar, nas artes e esportes, no ‘molejo’ peculiar de
brasileiros e brasileiras.
Vagamente, um ou outro se referia à necessidade de mais
atenção de governantes, de professores, de responsáveis pelos
meios de comunicação... Até que um dia, Milton Gonçalves,
um dos mais conhecidos atores negros, diretor de novelas na
TV Globo, convidado regularmente daquele programa num
certo dia, tocou na questão da atualidade da questão racial.
Sua insistência em apresentar dados do preconceito e
discriminação racial no mercado de trabalho, no atendimento
de serviços públicos e privados, na recorrência da
invisibilização e distorções da imagem negra na mídia, em
54|Amauri Mendes Pereira
seguinte argumentação:
O mulato racial existe e existiu tanto no Brasil como nos EUA.
Mas o mulato social apenas no Brasil. Não é a tão alegada
propensão do brasileiro pela miscigenação, não muito distante
do americano – como atestam as cifras populacionais que
constituem a verdadeira distinção entre as duas culturas – mas
sim o lugar social que se atribui a essa mistura, e é aqui que se
deve buscar a razão dessa classificação (1974, p. 71).
De qualquer forma, para Oliveira e Oliveira há um poder
racial capaz de ‘manipular a cor’, de decidir quando, como e
contra quem usar as diferenças derivadas da mestiçagem, o
que configuraria, ao invés de vantagem, a possibilidade de
desequilíbrio, de instabilidade, do próprio sistema de relações
raciais. O contrário, portanto, da visão de Degler que vê na
significação diferenciada do mestiço nas duas sociedades, a
possibilidade de equilíbrio, no caso brasileiro, e de radicalização
nos EUA.
A verdade é que muitos cenários podem ser montados
com os instrumentos disponíveis nas Ciências Sociais. Em que
pese à diferença de quantidade de páginas e amplitude
argumentativa, essas duas interpretações contrastantes
possuem, ambas, densidade analítica, e instigam no leitor mais
e mais questões. É claro que este é o mister da boa prática
científica que confirma os clássicos no que toca à
irredutibilidade do fato social. A sucessão de abordagens e
novas interpretações tendem, portanto, ao infinito.
Notas:
1
Tanto nas Assembleias Gerais das Nações Unidas, quanto no
Conselho de Segurança, os partidos políticos em luta nas
colônias portuguesas disputaram intensamente seu
reconhecimento como dirigentes de povos em luta contra o
colonialismo e, a seus quadros, o estatuto de exilados, que lhes
facilitaria apoios internacionais. Até bem perto de a derrota
militar e política era quase total o respaldo das potências
ocidentais ao Salazarismo e ao colonialismo português. O
mesmo pode-se dizer da alta hierarquia do clero católico. Seria
importante analisar as posições brasileiras naquele contexto,
pelo que sei uma história desfavorável só “recuperada” no
momento final da descolonização. O papa recebeu as três
principais lideranças da FRELIMO, do PAIGC e do MPLA
apenas em 1970, e mesmo assim, o clero de Portugal e nas
colônias, em sua maioria, resistia a conceder-lhes apoios
efetivos. Seus parceiros principais eram a União Soviética e
outros países da “cortina de ferro”, configurando-se aqueles
conflitos como uma manifestação da “guerra fria” no continente
africano.
2
Agradecimentos à profª Luitgarde Cavalcanti e aos colegas do
Seminário de Tese/2004, no PPCIS. Discussões instigantes sobre
cada uma das teses embrionárias dos outros, tiveram, para
mim, serventia inestimável.
3
Agradecimentos saudosos à equipe do AFRO (Centro de Estudos
Afro-Asiáticos - depois Afro-Brasileiros), da Universidade
Cândido Mendes, pelo ambiente, em geral alegre e instigante,
e a oportunidade de um seminário específico que me propiciou
a qualidade do primeiro esboço desta tese – André Leite, André
Guimarães, Carla Matos, Herculis Toledo, Joselina da Silva,
80|Amauri Mendes Pereira
Capítulo 2
Do Movimento Negro à
Cultura de Consciência
Negra:
uma flor-de-lis emerge da polaridade
racismo x antirracismo
2.1 Apresentação
Eu quero ser tambor...
José Craveirinha - Poeta moçambicano
2.2.1 Definições
I
88|Amauri Mendes Pereira
II
2.2.2 Influências
2.2.6 O impasse
sociedade civil.18
De qualquer forma, o que defendo nessa tese é que
mergulhar na polaridade racismo versus antirracismo é a
eternização do problema, o futuro contido no que já há. Na
sequência desse capítulo pretendo explicitar onde, a meu ver,
pode brilhar a luz no fim do túnel.
Notas:
1
Tomando como exemplo o RJ: a juventude que procurava
Para além do racismo e do antirracismo | 141
Brasília, 2006.
4
Essa cronologia é fortemente trabalhada por Joel Rufino dos
Santos (1985) e, com variações de ênfase e alerta de que
seriam provisórias, são seguidas , por exemplo, por Andrews
(1998) e Hanchard (2000), além de Maués (1997). Joselina da
Silva (2003) traz pesquisa recente mostrando como, realmente,
tal cronologia não se sustenta. Principalmente pelo fato de
subjacente a ela se encontrar a visão de que o Movimento
Negro Brasileiro – como um epifenômeno – se desenvolveria
aos soluços (na feliz expressão de Carlos Alberto Medeiros):
tenderia sempre a desaparecer durante momentos de crise social
e política, vistos como, essas sim!, representando problemas
mais amplos, mais importantes, propriamente estruturais. A
tese de Joselina da Silva A União dos Homens de Cor: aspectos
do movimento negro dos anos 40 e 50. Revista Estudos Afro-
Asiáticos. Rio de Janeiro , n° 2, 2003,comprova
documentalmente que a UHC - União dos Homens de Cor,
pode, no mínimo, ser vista como de articulação interestadual,
em “períodos mortos” (em que não haveria ação organizada
de negros), já que ela encontrou registros cartoriais, além de
memória e outros documentos de sua atuação na Bahia, em
Minas Gerais, em Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do
Sul, além de Niterói, antiga capital do estado do Rio de Janeiro,
seu local de origem.
5
Seu livro Os Condenados da Terra foi publicado pela Editora
Civilização Brasileira em 1979, e era, para alguns militantes,
como uma Bíblia.
6
Decreto nº 19.482, de 12.12.1930, uma lei que barrava a
imigração de 3ª classe e determinava que 2 em cada 3
trabalhadores, em cada empresa, tinham de ser “nacionais”.
Embora não seja explícita em termos raciais, aquela medida
determinou, num curto prazo, sensível “escurecimento” do
mercado de trabalho. Esta interpretação é recorrente em
depoimentos de muitas famílias negras. Em debate recente
Marcio Porschman, economista e professor da UNICAMP, falou
de seu interesse por pesquisas capazes de mensurar o impacto
“racial” daquela lei.
7
Os conceitos de racialismo e racismo intrínseco e extrínseco de
Appiah (1998), referidos na introdução e no capítulo sobre os
Estudos Pós-Coloniais, podem ajudar essas reflexões.
8
Ver também: MUNANGA, Kabengele. (Org) Estratégias e
144|Amauri Mendes Pereira
12
Waldemar Moura Lima Pernambuco (1999), RS; Marcos
Cardoso (2002), MG; Jônathas Conceição da Silva (2004),
Fernando Conceição (1988) e João Jorge (1996), BA; Benedita
Celeste de Moraes Pinho (2000) PA ; O Negro em Sergipe,
ciclo de Debates /93. Fundação Cultural Cidade de Aracajú-SE
13
Isso fica claro em documentos básicos do MNU e da CONEN –
as duas organizações negras de maior amplitude, que enfeixam
práticas militantes em todas as regiões brasileiras.
14
ALBERTI; et al.. Movimento Negro e ‘democracia racial’ no
Brasil: entrevistas com lideranças do Movimento Negro.
Disponível em www.cpdoc.fgv.br. O amplo acervo constituído
por este projeto – entrevistas com ativistas de São Paulo, de
Brasília, do Maranhão, de Pernambuco, de Alagoas – mostra
como formulações semelhantes assediavam a militância negra
em outros estados do sul e do nordeste, e não apenas no sudeste
– principalmente RJ e SP – que costumam ser mais referidos.
Ver também: Contins (2005).
15
Ver SANTOS, Márcio André Oliveira dos. A persistência política
dos Movimentos Negros brasileiros: processo de mobilização à
3ª Conferência Mundial das Nações Unidas Contra o Racismo.
Dissertação. (Mestrado em História), PPCIS-UERJ, Rio de
Janeiro, 2005. Valiosas a respeito, as entrevistas de destacados/
das militantes negras/os que ele expõe e comenta ao longo de
sua Dissertação, especialmente no item 5 do capítulo III,
Onguização dos Movimentos Negros.
16
Para um quadro mais analítico sobre as diferentes visões e
práticas no Movimento Negro dos anos 70 ao início dos 90 ver:
PEREIRA, A. M. Três desafios para o Movimento Negro:
articulação, mobilização e organização . Rio de Janeiro:
COINTER. SR3-UERJ, 1995. Também Marcos Antônio Cardoso
em seu livro O Movimento Negro em Belo Horizonte 1978-
1998. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2002, fala da passagem
do Centenário e dos conflitos internos entre grupos negros em
várias regiões, particularmente em Belo Horizonte- MG...
17
O trabalho citado de Marcio André Oliveira dos Santos enfrenta
com êxito o desafio de traçar um panorama dessa discussão,
recente e plena de controvérsias. E o faz para explicar como
isso repercutiu no desenvolvimento do Movimento Negro
Brasileiro. Sua análise do que chamou onguização dos
Movimentos Negros abre pistas que não podem ser
desconsideradas por historiadores e cientistas sociais que
146|Amauri Mendes Pereira
Capítulo 3
3.1 O racialismo
O racismo enquanto crença na superioridade de determinada
raça e na inferioridade de outras,
teve larga vigência entre os nossos intelectuais no período
final do século passado e início deste, sendo o ponto central
de suas análises a respeito de nossa definição como povo e
como nação. [...]
Antes de ser pensada em termos de cultura, ou em termos
econômicos,
a nação foi pensada em termos de raça
Mariza Corrêa (1998)
* * *
Importante, também, para o viés da crítica em que estou
empenhado a respeito do pensamento social brasileiro é o
trabalho de Dante Moreira Leite, O caráter nacional brasileiro,
sua tese de doutorado na Faculdade de Filosofia Ciências e
Letras da USP em 1954, inteiramente reescrito em 1968. Se
o foco de Mariza Corrêa é um contexto intelectual restrito
(pensamentos, interesses, motivações e articulações, em torna
da Escola Nina Rodrigues), a partir do qual e de suas conexões
ela reflete sobre as relações intrínsecas poder/Ciências Sociais/
raça no pensamento social brasileiro; Dante Moreira Leite
esforça-se por abarcar um amplo universo do pensamento
social que, no interesse da legitimação de sua predominância,
essencializa aspectos na criação e desenvolvimento da nação
e da sociedade brasileira, de maneiras variadas e mesmo
discrepantes, sob o guarda-chuva da noção de caráter
nacional.
Seu trabalho ajuda minha argumentação sobre a
centralidade da raça no pensamento social brasileiro –
168|Amauri Mendes Pereira
* * *
É importante, também, referir o livro Onda negra, medo
branco (2004) de Célia Maria Marinho de Azevedo, no qual
a autora aborda o medo como uma dimensão intrínseca no
imaginário social antinegro no século XIX. Após um primeiro
capítulo em que analisa os principais projetos – imigrantistas,
emancipacionistas e abolicionistas – e como, neles, a raça e a
questão racial eram constitutivas dos sentidos como as elites
intelectuais concebiam a instituição da nação brasileira, ela
172|Amauri Mendes Pereira
Fer
ernandes-
nandes-Bastide
nandes- Bastide e Costa P Pinto
into:: sobr
into sobree ética e
política na investigação sociológica
africano na terra estranha que para ele era a nossa terra – mas
a história viva e contemporânea das aspirações, das lutas, dos
problemas, do sentir e do agir de brasileiros
brasileiros, social, cultural e
nacionalmente brasileiros, etnicamente negros. [...] Esse
novo negro, não-africano, não servil, não trabalhador rural,
não ignorante..., que se exprime de diversa forma, quase todas
ainda larvárias, desconexas, informes e também, não raro,
altamente sofisticadas e mesmo, até, pretensamente científicas
((PINTO, 1998, p. 231 - 232, grifos do autor).
O nível de sua relação com as lideranças negras do TEN
(visto por ele como a principal organização negra, na época),
pelo menos após o Congresso e para além de considerações
de ordem ética, pode ser avaliada pela denúncia que consta
no livro O Negro Revoltado, organizado por Abdias do
Nascimento:
Recentemente procurei Edson Carneiro (co-organizador do
Congresso comigo e Guerreiro Ramos) e indaguei se ele por
acaso não teria as atas e outros documentos emprestados ao
Sr. L. A. Costa Pinto. A resposta foi negativa (NASCIMENTO,
1982, p. 62).
Totalmente diferente de como se relacionaram Fernandes
e Bastide (1971). Por sinal dando sequência a uma práxis de
contatos regulares e observação participante em eventos do
Movimento Negro (adiante será problematizada a concepção
de fundo de Fernandes, a respeito da trajetória da população
negra e do papel do Movimento Negro). Em São Paulo a
metodologia da pesquisa incluiu sessões públicas de
depoimentos e debates, em que participaram dezenas de
lideranças do Movimento Negro. Algumas dessas sessões foram
realizadas em sedes de organizações negras, como a Associação
José do Patrocínio. Bastide diz, na introdução, que antes
mesmo de iniciar o estudo, realizou-se uma:
Reunião coletiva, a fim de que todos [pudessem] compreender
o interesse e as razões das perguntas feitas... o êxito dessa
primeira reunião foi tal que [representantes mais qualificados
dos paulistas de cor] pediram para trabalhar no inquérito. Tratou-
Para além do racismo e do antirracismo | 211
Florestan
Flor estan F er nandes, Carlos Hasenbalg e
Fer a
Radicalização dos Estudos de Relações Raciais
mas é insuficiente.
Florestan Fernandes deixa clara outra perspectiva quando
diz na introdução de A integração do negro à sociedade de
classes (1964), que via o Movimento Negro como “um
exemplo de como o povo emerge na história”. Ele procurava
compreender, mais amplamente, o conjunto do povo
brasileiro, os aspectos mais desafiantes, na complexidade da
sua formação social. Tal procura implicava em debruçar-se,
também, sobre os temas ‘nobres’.
Falando dos movimentos sociais dos negros, Florestan
Fernandes diz que:
eles não podem ser confundidos, quanto aos seus efeitos, com
as reações espontâneas dos brancos contra o preconceito de
cor. Eles correspondem a necessidades sociais que não poderão
ser preenchidas nas condições de ajustamento proporcionadas
pelo atual sistema de acomodações raciais. (FERNANDES;
BASTIDE, 1971, p. 242).
Quais seriam essas “necessidades sociais”? Florestan
deparou com a dificuldade de encaixar teoricamente os
sentidos, o alcance e os efeitos da ação da militância negra. A
necessidade de “quebrar o ‘tabu da cor’, o medo que os
negros e mulatos tinham de não serem considerados como
‘brancos’, de não serem tratados como ‘brancos’ (isto é, como
pessoas livres e autônomas), ou de serem chamados de
negros” (idem, p. 242), é mais do que uma necessidade visível
e categorizável pelo sociólogo. O que quero sugerir é que os
desafios que se punham para a militância negra (como nos
tempos atuais), apenas superficialmente diziam respeito
exclusivamente a ela. Tais desafios eram e são muito mais
amplos. Dizem respeito à grande maioria dos negros e a
transcendem também, porque sua trajetória – a não ser o
caso de algumas comunidades rurais que se isolaram/foram
isoladas, hoje classificadas como remanescentes de quilombos
– jamais esteve fora do burburinho de constituição da nação,
da sociedade e da identidade nacional brasileira. Não se trata
de modificar “as condições de ajustamento proporcionadas
Para além do racismo e do antirracismo | 219
* * *
Apontamentos filosóficos
* * *
234|Amauri Mendes Pereira
* * *
* * *
* * *
Notas:
1
“Seria talvez preciso também renunciar a toda uma tradição
que deixa imaginar que só pode haver saber onde as relações
de poder estão suspensas e que o saber só pode desenvolver-se
fora de suas injunções, suas exigências e seus interesses.(...)
Temos que admitir que o poder produz saber (e não
simplesmente favorecendo-o porque o serve ou aplicando-o
porque é útil); que poder e saber estão diretamente implicados;
que não há relação de poder sem constituição correlata de um
campo de saber, nem saber que não suponha e não constitua
ao mesmo tempo relações de poder.” Foucault em Vigiar e
Punir . Petrópolis: Ed. Vozes, 2004, 23ª. ed., p. 27. Agradeço
essa referência à profª Myriam Santos.
2
Florestan Fernandes fala no “legado da raça branca”.
3
Ver: Pesquisa CEAP/dataUFF disponível em www.portalceap.
org.br Folha de São Paulo- Data folha. Racismo Cordial: a
mais completa análise sobre preconceito de cor no Brasil. São
Paulo: Ática, 1995. E Pesquisa Fundação Perseu Abramo, 2004.
www.fpabramo.org.br.
Para além do racismo e do antirracismo | 251
4
Desde 2001 vêm tornando-se mais agudas as disputas político-
ideológicas entre os contrários e os favoráveis às cotas e medidas
de ação afirmativa. No governo federal há os ministros e suas
assessorias francamente contra e os a favor, e os que não
conseguem ser conclusivos (entre esses o ministro Gilberto Gil),
de tal forma que as disputas entre os dois campos são
permanentes. Enquanto pesquisadores do IPEA- Instituto de
Pesquisas Econômicas Aplicadas, órgãos do ministério do
planejamento têm investido na produção e publicação de dados
estatísticos sobre as desigualdades raciais, alimentando
argumentos pró-cotas, o ex-ministro Carlos Lessa, professor de
economia da UFRJ, proclamava sua crença no caráter pacífico
das relações raciais no Brasil e taxava as cotas de “absurdo de
racialização”. Nos debates atuais, cientistas sociais e políticos
através de artigos e em entrevistas e colóquios defendem opiniões
contrárias sobre o assunto. Alguns dos mais visíveis no campo
das relações raciais, como Carlos Hasenbalg, não se manifestam
claramente. Mais comuns no sul e sudeste, mas em todas as
regiões são candentes as polêmicas por todo tipo de mídia e já
é longa a sequência de debates protagonizados por cientistas
sociais, militantes do Movimento Negro, jornalistas, dirigentes
governamentais dos três níveis e de órgãos de outros poderes
do Estado, além de representantes do meio empresarial. No
Rio de Janeiro um desses debates chegou a lotar um grande
teatro da zona sul.
Enorme repercussão alcançou a polêmica inaugurada pela
resposta de Cezar Benjamim, reconhecida liderança política
na esquerda brasileira, na entrevista de Sueli Carneiro na revista
Caros Amigos, em Abril de 2002. O debate nessa revista
alongou-se entre seus próprios articulistas, e com a interferência
de outras personalidades chamadas a assumir posições. Em
São Paulo, além dos debates regulares opondo militantes negros
e professores universitários a favor a personalidades e professores
universitários contra, também Luiz Nacif, articulista da Folha
de São Paulo é incansável em ironias e aguda combatividade
contra as cotas, da mesma forma que o jornal O Estado de
São Paulo abre suas páginas regularmente a intelectuais. Com
colorações locais, mas com a mesma ‘temperatura’ e interesse
público, estes tipos de oposições ocorrem em quase todos os
estados brasileiros. Em Setembro de 2005 Marcos Chor Maio,
pesquisador da Fiocruz e Lílian Schwarcz, professora da USP,
ambos os cientistas sociais com trabalhos no campo das relações
raciais, assinaram artigo no Estadão, se contrapondo claramente
252|Amauri Mendes Pereira
7
Renato Ortiz (1985) é enfático ao concluir pela seletividade
conveniente do uso de conceitos e teorizações por pensadores
brasileiros no início do século XX.
8
A Petrobrás apoiou decididamente o Projeto Camélia de uma
organização do Movimento Negro, o CEAP- Centro de
Articulação das Populações Marginalizadas, do Rio de Janeiro.
Este projeto visava divulgar e premiar iniciativas governamentais
e na sociedade civil, que contribuíssem para a promoção da
igualdade racial. A Camélia, o símbolo do projeto, era a flor
que identificava a adesão à causa abolicionista, nas décadas
finais do século XIX, em pelo menos uma região do Rio de
Janeiro. Informações no site www.portalceap.org.br
9
A Incubadora afro-brasileira é um projeto do IPDH- Instituto
Palmares de Direitos Humanos, que apoia empresários negros
procurando inseri-los em condições de igualdade no mercado.
Site www.incubadoraafrobrasileira.com.br
10
Esse é o termo usado por José Roberto de Góes, em coluna
assinada no Jornal O Globo . Ver também a tese:
PERIA,Michelle. Ação Afirmativa: um estudo sobre a reserva
de vagas para negros nas universidades públicas brasileiras- o
caso do estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Museu
Nacional UFRJ: 2004.
11
Uma aluna de Cursinho pré-vestibular, que teve toda
escolaridade nas mais reputadas escolas particulares do bairro,
justificava – num debate na sub-sede do SINPRO- Sindicato
dos Professores da Rede Privada, de Campo Grande-RJ – sua
frustração com as cotas: “meus pais, com grande sacrifício,
investiram em mim toda a vida. Como é que, agora, vem
alguém tirar a minha vaga?” Quando lhe foi questionado sobre
a naturalização: por quê, realmente, a vaga já era sua? ela, e
seus colegas até então muito agitados, quedaram reflexivos. A
partir daí o debate fluiu com mais serenidade.
12
As referências a esses problemas se baseiam principalmente na
vivência de três dias no evento I Seminário Conjunto da
Consciência Negra, de 1 a 11 de novembro, promovido pelo
Coletivo de Estudantes Negr@s da UERJ-DENEGRIR, em
parceria com o PROAFRO- Programa de Estudos Afro-
Brasileiros-CCS-UERJ, e apoio da Secretaria de Combate ao
Racismo, Discriminações e Intolerâncias-Gestão 2005-
SECORADIN-DCE. Sintomático é que o DENEGRIR, que conta
em seus quadros com alunos brancos e não cotistas, solicitou e
254|Amauri Mendes Pereira
45
Estou referindo-me aqui à pista aberta por Joel Rufino dos
Santos (1985). Movimento Negro sentido estrito: entidades aptas
à luta política direta, contra o racismo dentro dos marcos
institucionais vigentes; Movimento Negro sentido amplo: toda
forma de luta e resistência gerada nos meios negros.
46
Ver: SADER, Eder. Quando novos personagens entraram em
cena. São Paulo: Paz e Terra, 1995. 2ª ed. Este autor analisa a
emergência, na década de 70, em São Paulo, do Sindicalismo,
da Teologia da Libertação e dos Movimentos de massa contra
a carestia. Sua formação é abertamente marxista, mas ele
questiona certa ortodoxia teórica que focava as relações de
produção como fator quase exclusivo de contradições sociais e
geradoras de ideologias libertárias, uma ousadia na época
(1986). Nesse sentido foi grande a sua contribuição, naquele
momento, às novas reflexões sobre Movimentos sociais. Neste
excelente estudo, mostra, entretanto, limitações conceituais,
teóricas e metodológicas, pois não conseguiu perceber aspectos
raciais que já impregnavam aqueles Movimentos, nem faz
menção à fermentação que grassava no meio negro, cuja
militância interagia com o que ele estudava – o Movimento
Contra a Carestia e com o próprio contexto que gerava as
novas lideranças sindicais. Pelo que (não) diz sobre o Movimento
Negro, “novo personagem” na cena política desde o massivo
ato público de 7 de Julho, nas escadarias do Teatro Municipal,
em São Paulo; que articulava uma militância heterogênea no
CECAN- Centro de Cultura e Arte Negra, criado em 1972 (sua
sede, na Rua Maria José, na Bela Vista, foi o centro nervoso –
com a publicação do jornal Árvore das Palavras – da gestação
da nova militância negra em SP); que realizava o FECONEZU-
Festival de Cultura Negra Zumbi, encontros anuais desde 1978,
pelo interior do estado, congregando a militância de dezenas
de cidades; e que publicava regularmente jornais e coletâneas
de artigos e poemas, como expressão de uma militância negra
altamente combativa; que havia criado, em 1983, por força de
hábil articulação entre as forças hegemônicas na política do
estado de São Paulo, o Conselho da Participação Política do
Negro, como órgão de Estado – que, por sinal, serviu de exemplo
para inúmeros outros em todas as regiões do país; por tudo isso,
o trabalho de Eder Sader ajuda a pensar a miopia que
contaminava o pensamento social e mesmo os estudos de
movimentos sociais em âmbito acadêmico, que não conseguia
enxergar a emergência do Movimento Negro mais ou menos nos
mesmos lugares, no mesmo período, e com interação entre os
262|Amauri Mendes Pereira
Capítulo 4
Estudos Pós-Coloniais,
Intelectualidade Brasileira e
Movimento Negro:
reflexões sobre impasses e perspectivas
dessas interações.
***
***
Para além do racismo e do antirracismo | 281
***
Os dois últimos autores que comentarei – Edward Said e
Franz Fanon – são muito caros a Bhabha. Ele agradece a
Said por ter lhe fornecido “um terreno crítico e um projeto
intelectual”. Mas, para mim, é Fanon, o de Peles negras,
máscaras brancas, como o de Os condenados da terra, quem
atravessa todo o seu pensamento.
Para além do racismo e do antirracismo | 285
* * *
demandas?
Ao pensamento social brasileiro se põem outros desafios
concernentes ao seu lugar-suposto-saber. Com base em Stuart
Hall (2003, p. 116) penso que tem sido impossível desenredar,
conceituar ou narrar, enquanto entidades distintas, as
trajetórias totalmente desiguais que constituíram as bases de
seu antagonismo político em relação à resistência negra,
embora seja exatamente isso que vêm tentando fazer as
interpretações mais comuns e prestigiadas sobre a constituição
e o desenrolar da sociedade brasileira.
Não foram as antecipações que ocorreram no seio do
Movimento Negro (alusão ao início desse capítulo), de sua
afiliação às correntes de pensamento que adiante
desembocariam em estudos e conquistas pós-coloniais, que
puseram para a sociedade o desafio de enfrentar a questão
racial (o que está intrincado à necessidade de descolonizar e
recriar a nação) em muitas mentes atentas, nos campus
universitário e nas antessalas de muitas instituições – foi sua
ação política. Mas o que a informava?
Nem o Movimento Negro, nem o pensamento social
deixarão de ser o que são tão cedo. Depende do tempo que
conseguirem fazer como Cuti (1985):
Olhar nas conchas secretas
o futuro da [nossa] gente.
Porque nelas a paciência escreveu a verdade da vida
E a perseverança que é preciso ter.
Cuti – Ida ao mar
Notas:
1
Além de minha própria vivência nesse contexto, vali-me para a
composição desse quadro bastante resumido, da coleção dos
jornais SINBA, dos Jornais do MNU- Movimento Negro
Unificado, do Caderno de Descolonização da Nossa História e
de outras publicações da Editora COOMCIMPRA- Cooperativa
Mista de Comunicação e Imprensa Alternativa. Também os
Para além do racismo e do antirracismo | 303
3
É oportuna aqui, a referência ao livro de Cornel West, Questão
de raça, publicado pela Cia das Letras em São Paulo, 1994.
Este autor faz, entremostrando seu universalismo essencial, uma
discussão pungente e contidamente apaixonada sobre o
protagonismo negro nos EUA e sua necessidade de afirmação
e fortalecimento. Mas não se deixa prender no antirracismo: a
potência de seu pensamento transborda, corajosa e habilmente
– negros e brancos estão enredados na “mesma malha do
destino”, ambos precisam se libertar e libertar o outro, e os
negros devem sair na frente, por sua legitimidade política e
histórica! No ponto que estou tocando, aproxima-se de Gilroy,
embora evite o tópico polêmico do ‘abandono’ da ‘raça’, e
seja muito mais contundente em sua crítica da intelectualidade,
como da ‘política negra’ nos Estados Unidos. No cerne de sua
crítica está a concepção de que debilidades e inconsistências
de atuais lideranças negras – intelectuais e políticas – além do
hedonismo e do consumismo que assolam as classes médias
negras, longe de justificáveis, terminam por ser congruentes com
essas obsessões incrustadas na ‘cultura’ e na sociedade
americana. West preconiza uma estrutura de pensamento e
prática profética, através de um “raciocínio de base moral”,
em oposição ao raciocínio de base racial, visto como
despreocupados de sua dimensão ética e política – o machismo
no meio negro é profundamente questionado por West, assim
como a reivindicação de autenticidade negra. “Em vez de apelos
catárticos à autenticidade negra, a perspectiva ‘profética’
fundamenta o amor e o respeito maduro do negro por si
próprio, na qualidade moral das reações dos negros à inegável
degradação racista que ocorreu e ainda ocorre nos EUA” (WEST,
1994, p. 44).
4
Este foi o título do seminário internacional promovido pela
Secretaria de Estado de Direitos Humanos do Ministério da
Justiça em julho de 1996, em Brasília-DF.
5
Não tenho os dados e referência completa, mas isso é o que
vêm concluindo recentes pesquisas de opinião a respeito, até
mesmo de setores adversários das cotas, como o Instituto
Datafolha de São Paulo.
Para além do racismo e do antirracismo | 305
Capítulo 5
Consciência Negra e
Educação:
os eventos de 20 de novembro nas escolas
públicas do Rio de Janeiro
Consciência Negra
Sou branco,
Sou Índio,
Sou Negro.
Sou Eu o que Sou.
5.1 - Introdução
I
A dimensão alcançada pela figura de Zumbi e a afirmação
de um sentido libertário dos quilombos são feitos
Para além do racismo e do antirracismo | 309
II
II
Título:______________________________________________
Responsáveis :_________________________________________
_________________________________________________________________________________
_____________________________________________________________________________
Programação :_________________________________________
_________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________
Público-Alvo :_________________________________________
_________________________________________________________________________________
Nº de Participantes :_____________________________________
(estimativa)
Nome :_______________________________________________
Escola/Endereço/tel/e-mail :_______________________________
_________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________
Para além do racismo e do antirracismo | 329
5.5.1 - O Mapeamento
5.5.2 - Um Seminário
II
III
Meu nome é Zilnete. A gente vai nessas lojas e não tem ninguém
preta e gorda... Programa de televisão também é a mesma
coisa... Os meninos também vão procurar emprego, não pode
ser preto, tem que ter o cabelo bonitinho a carinha bonitinha
pra trabalhar, porque preto não tem chance.
A uma pergunta sobre como era enfocada a questão racial
em sala de aula, alguns que falaram tomaram posição
‘defensiva’. Não havia propriamente críticas à atuação dos
professores, isso transparecia nas falas e concordâncias de
cabeça e outros sinais da maioria. Mas alguns manifestaram o
interesse de ‘saber mais’, de terem ‘mais tempo e coisas a
respeito’, etc. Parece que, para eles, não havia contradição
entre consciência negra e, por exemplo, um sentido cívico de
brasilidade:
Para além do racismo e do antirracismo | 351
Ana Paula, (Turma) 3178: ... tantos brancos quanto negros são
bons. Só que os negros, devido aos preconceitos que o branco
tem contra ele, se retraem e com isso eles ficam pra trás;
356|Amauri Mendes Pereira
Moises: ... houve casos sim, isolados, pessoas que foram contra
esse tipo de dança da cultura negra, certos tipos de música,
mas nada que afetou assim geral, a maioria foi a favor, mas
sempre tem em pequenas escalas isoladamente, mas houve
preconceito sim;
econômicos, até hoje é assim, e ele era contra. Pra mim, ele é
um grande líder e um grande nome;
... O que foi decidido ano passado foi que não faríamos mais
a ‘consciência negra’ porque era um assunto que já tava muito
esgotado, já tinha sido trabalhado muitas vezes e aí a gente fez
literatura, aí esse ano eu não sei tem que ver com a direção.
Porque foi um assunto que foi muito batido, pra não ficar
saturado....
Em 2005, tive muita sorte em Miguel Pereira. Durante e
após o evento. Ótimas e elucidativas entrevistas, com
professoras do próprio CIEP e de outras escolas que ali
haviam levado grupos de alunos para apresentações, fruto
de seus próprios eventos.
De uma professora que só ouvira falar, mas não conhecia
nada de Movimento Negro, que já realizava eventos desse
tipo há 6 anos em outros colégios da região, que não
conseguiu se identificar étnico-racialmente (por sinal coisa
comum nas entrevistas):
Eu não vejo distinção, na minha família são várias misturas...
Eu acho que todo mundo é gente, não vejo essa separação
364|Amauri Mendes Pereira
... Tem alguns que são meio polêmicos e dizem que como deve
ter a consciência negra deve-se ter a consciência branca, mas,
não sei de qualquer forma a gente tem que saber que os negros
sofreram muita coisa, então temos que reconhecê-los.
Através das falas de duas professoras do próprio CIEP é
possível perceber como os eventos que resultam da ‘agência
humana’, da postura mais ou menos crítica de educadoras,
podem fazer diferença sobre os alunos e sobre as pessoas em
geral:
1 – ... A gente vai observando também que esse tipo de trabalho
nas escolas, vem minimizando muito questões como o racismo,
não a desigualdade, porque a desigualdade continua bastante
forte, mas questões como a descriminação, como o branco se
achando melhor do que o negro, tá começando a haver uma
mudança de consciência da população em geral, a gente tá
começando a ver isso.
Eu acho que a partir deste trabalho que nós tivemos hoje aqui
na escola, eu acho que nós vamos conscientizar mais essas
crianças e aos próprios negros a importância deles na nossa
formação, e que eles sejam respeitados e que também se
respeitem porque pra eles serem respeitados eles também tem
que se dar ao respeito e tem que se respeitar também e saberem
como eles são valorosos, porque se nós temos esse Brasil como
nós temos hoje nós temos que agradecer ao passado, porque
foram eles que vieram até aqui sacrificados, arrancados das
próprias raízes, vieram jogados pra cá mais assim mesmo lutaram
pela sua raça e que estão aí até hoje e eu quero eu eles se
valorizem essa é a importância do meu trabalho.
Mas, ainda em 2005, tive menos sorte, embora enorme
alegria íntima, no Colégio Estadual Mario Quintana, unidade
que atende aos internos do sistema prisional, na penitenciária
Lemos de Brito, no complexo da Rua Frei Caneca-RJ. No dia
23 de novembro, data do evento de Consciência Negra eu
não conseguira, ainda, autorização para entrar com gravador
e máquina fotográfica! Foi uma perda e tanto... Não conseguia
decidir entre conversar com as professoras e a diretora, com
um dos apenados (designação usual naquele contexto), bem
articulado e que prometera levar-me à Sala da África, ou,
ainda, simplesmente curtir o ‘pagode’ de excelente qualidade
e transbordante animação, enquanto me deliciava com a
feijoada. Tentei fazer um pouco de cada coisa.
370|Amauri Mendes Pereira
II
380|Amauri Mendes Pereira
“verdadeiramente” importantes.
Não é comum o registro de ocorrências de preconceito e
discriminação racial no cotidiano escolar, mesmo onde e
quando se admite que existem, até com certa frequência; ao
contrário de questões referentes a indisciplinas, acidentes,
faltas de pessoal, atividades com responsáveis, etc. Escolhas
para representar a escola (com exceção de atividades
esportivas) em solenidades e situações especiais dificilmente
contemplam os mais escuros. Se alguém problematiza esses
procedimentos habituais e questiona as omissões, indiferença
ou inoperância perante as brincadeiras, apelidos e outros
comportamentos discriminatórios, esses é que passam a ser
questionados como os geradores de problemas. Essas
questões são vistas como delicadas, capazes de criar
indisposições, mal-estar, constrangimentos. Há sempre o temor
de que “quanto mais se fala, mais aparecem os problemas”.
Há os que querem enfrentar esses problemas, mas não
sabem, há os que enfrentam “de qualquer maneira”, às vezes
agravando ao invés de resolver, e há todo tipo de
escamoteamento e mistificação. Há as educadoras que sofrem
com a impotência ou com “a incapacidade de fazer a coisa
certa”, e há aquelas para quem “estamos vendo ‘chifres em
cabeça de cavalo’, porque não é tanto assim”. São muitas e
variadas as alegações que estão “cansadas de ouvir”, para
que se “enfrente esses problemas como deve ser”.
No órgão central da SEE a referência para esses temas
tem sido a Coordenação de Escolas Diferenciadas que
originalmente foi criada para atender demandas de Educação
indígena e no sistema penitenciário. E que hoje acumula
atenções às parcerias entre a SEE e o DEGASE (órgão do
estado encarregado da administração e segurança em escolas
correcionais para menores infratores) para oferecer instrução
a jovens em conflito com a lei cumprindo medidas sócio-
educativas, e ainda à Educação quilombola, conforme me
relatou a sua titular.
Para se ver a importância que essa coordenadoria tem
Para além do racismo e do antirracismo | 385
II
faz parte da nossa cultura e tudo que faz parte da nossa cultura
é válido até porque se por ventura alguém trouxer essa coisa
ruim, esse sentimento ruim do racismo dentro de casa, aqui a
gente acaba com esses sentimento neles.
E ela trabalha no mesmo CIEP com a professora Léia, de
língua portuguesa, para quem as coisas são bem diferentes:
O que mais me levou a fazer esse tipo de trabalho, foi me
baseando no dia a dia, no preconceito que existe entre os
próprios colegas, o afastamento, o não querer participar ou
fazer trabalhos em grupos porque tem um preto, um negro,
uma escura... Então pra cortar esse tipo de coisa, eu me baseei
mais nisso pra fazer os trabalhos né, porque não existe raça
pura, pelo conhecimento da história o Brasil tem várias misturas,
né desde o começo da história, então praticamente pensando
nisso, pra afastar o preconceito do dia a dia, da sala, da rua,
pelo respeito em geral.
Antes da Lei Federal 10.639/03 as temáticas da pluralidade
cultural e do multiculturalismo se tornaram um “bastião de
legitimidade” de profissionais de Educação que realizavam os
eventos de Consciência Negra. Como entender que
educadores(as) que alegam, hoje, trabalhar as mesmas
temáticas em classe, rejeitassem antes participar desses eventos,
que não lhes suscitavam interesse e com os quais não
guardavam a menor afinidade. Certamente não estarão
falando a mesma linguagem – é o caso de se investigar se da
parte desses últimos, não estariam sendo feitas abordagens
“atenuadas”, isentas das partes “difíceis”, controvertidas,
“problemáticas”.
Percebo uma tendência à naturalização – quase se poderia
dizer banalização – em educadores que não sabiam das
atividades e em outros que de início foram contrários e se
indispuseram com os colegas “que ficam inventando essas
coisas”; mas quando tomaram conhecimento ou perceberam
o êxito comentaram aridamente: está vendo, isso mostra que
não há problemas, há espaço para todas as ideias. Ou seja, se
não havia eventos era porque não havia problemas, e a sua
394|Amauri Mendes Pereira
II
Notas:
1
13 de Maio de 1888 foi o dia da abolição do regime escravista
em terras brasileiras. Coube à princesa Isabel assiná-la, na
ausência de seu pai o imperador D. Pedro II. É, provavelmente,
o episódio mais mobilizador e sobre o qual se construíram vastas
redes de significados. É o único, em qualquer dessas
significações, que diz respeito diretamente à existência e à
trajetória da população negra no Brasil.
2
Este é o dia da morte de Zumbi dos Palmares, no ano de 1695,
segundo o livro de Décio Freitas. Tornou-se um emblema do
Movimento Negro Brasileiro, a partir dos finais dos anos 70,
com a iniciativa do Movimento Negro Unificado- Entidade criada
em 1978. Com certeza expressava desejos e sentimentos do
amplo universo do Movimento Negro Brasileiro, tão rápida,
unânime e definitiva foi sua assimilação. É também aceito o
pioneirismo do Grupo Palmares, de POA-RS, que já em 1971
lançara um manifesto alertando para a importância dessa data.
Encontra-se esse reconhecimento, por exemplo, em: Gonzáles,
Lélia. Lugar de Negro. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1982, p. 31
396|Amauri Mendes Pereira
6
A referência é à Vanguarda Armada Revolucionária- VAR
Palmares. Ver: GORENDER, Jacob. Combate nas trevas. A
esquerda brasileira: das ilusões perdidas à luta armada. São
Paulo: Editora Ática, 1987.
7
Apesar do nome e do pujante movimento que a constituiu, a
proposta de unificação não vingou e daí surgiu uma nova
organização do Movimento Negro.
8
Penso que, mais do que apenas em relação ao negro, é possível
afirmar que a escravidão ainda é a principal referência de
memória popular no Brasil. Isso ficou claro após as
“comemorações” dos 500 anos de “descobrimento” do Brasil.
Eram flagrantes os tons oficialistas e quase sempre formais das
atividades. Foram raros os destaques de programações. Em
geral solenidades envolvendo autoridades públicas, historiadores,
membros de hierarquias militares e da igreja católica. O que
não mostraria uma boa investigação desses últimos eventos,
em comparação com o clima de comoção social, de ampla
participação, de criatividade, que envolveu a sociedade brasileira
durante todo o ano de 1988?
9
A referência central desse pensamento é a obra de Gilberto
Freyre, especialmente Casa Grande e Senzala e Ordem e
Progresso. Com tonalidades e acentuações diferentes em um
ou outro desses aspectos são incontáveis os seus exemplos em
interpretações do desenvolvimento da nação e da sociedade
brasileira, até os meados do século XX. Embora desde então
crescentemente questionadas em estudos históricos e nas
Ciências Sociais, tais visões ainda são bastante reproduzidas
nas formações de professores, em livros escolares, nas falas de
educadores e em diversos setores da sociedade brasileira – caso
interessante de impermeabilidade ou no mínimo demora de
novos conteúdos, mesmo com chancela acadêmica, chegarem
à ponta, nos sistemas de ensino e na compreensão de
importantes agentes sociais. A obra de Darcy Ribeiro é outro
exemplo admirável nessa questão: sua ambiguidade e
proposições criativas dão um colorido todo especial a essa visão,
nesse autor, em perspectiva para o futuro, mais do que em
relação ao passado.
10
Na Lei Federal 10.639, de 9.01.2003, que determina a adoção
da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, no ensino médio
e fundamental, o artigo 79b institui o feriado escolar do dia 20
de novembro - Dia Nacional da Consciência Negra.
398|Amauri Mendes Pereira
11
A esse respeito é clássico o trabalho de CURY, Carlos Roberto
Jamil. Educação e Contradição. São Paulo:Cortez Editora;
Editores Associados, 1985.
12
Os PPPs são necessariamente produzidos pelos próprios agentes
envolvidos na práxis educacional. Devem historiar a vida da
escola, suas peculiaridades e experiências mais sensíveis e
expressar a visão e o compromisso das comunidades escolares,
de como devem ser implementados seus processos pedagógicos.
Sua elaboração deve considerar as especificidades materiais,
de equipamentos e características culturais e sociais do entorno
das escolas e, ao mesmo tempo, atender ao que é preconizado
pela LDB e pelas Diretrizes Curriculares Nacionais, assim como
às orientações que emanam dos órgãos centrais do sistema
educacional a que estão vinculados – SEEs e CEEs, SMEs e
CMEs. Varia muito, a disposição dos educadores e o ‘clima’
que cerca essa tarefa que, em geral, faz parte do planejamento
no período inicial do ano letivo. Há comunidades escolares em
que aí é que se dão as disputas de espaço e prestígio, ou é o
grande momento de confrontação política e ideológica. Mas
há escolas onde tudo acontece mornamente e a maioria dos
educadores e de outros ‘participantes’ da comunidade escolar
– representantes de Associações de Moradores da região, pais
ou responsáveis de alunos, alunos, funcionários de apoio – se
deixam levar por indiferença e descompromisso.
13
É assim que consta na apresentação do seu texto, na publicação
Raça Negra e Educação, no Cadernos de Pesquisa n° 63, Nov/
1987, da Fundação Carlos Chagas, voltado exclusivamente para
os textos e discussões daquele evento que se tornou um marco
nos debates contemporâneos sobre raça e Educação no Brasil.
14
Esse quadro é magnificamente captado pela sensibilidade da
educadora: “Entra ano e sai ano e assistimos ao triste quadro
no período da matrícula escolar; centenas de pessoas, na maioria
mulheres, e na maioria negras e mestiças... esperando e lutando
para conseguir uma vaga para seus filhos na escola pública...
Se, apesar do sucateamento da escola pública, pessoas se
aglomeram, dormem nas filas na esperança de uma escola,
histórias submersas estão sendo escritas e contadas pelos
usuários e profissionais da Educação” (TRINDADE, 1999, p.
13-14).
15
Sintomático que esforços de especialistas em Educação,
militantes antirracistas lotados em posições importantes na
hierarquia da SEE tenham tentado, praticamente sem êxito,
Para além do racismo e do antirracismo | 399
34
Um bom exemplo é o contexto da pesquisa realizada por Ana
Célia da Silva. No livro Desconstruindo a discriminação do
negro no livro didático. Salvador: EdUFBA, 2001, educadoras
são os sujeitos. O trabalho inicia-se com uma releitura de livros
didáticos utilizados pelas educadoras. A autora identifica o
preconceito nas visões e falas das educadoras e lhes apresenta
a sua visão do quanto há de estereótipos negativos sobre o
negro que elas não perceberam; depois as educadoras (que se
mostraram chocadas) participam de seminários e diálogos de
análise da ideologia nos materiais pedagógicos; por último fazem
a avaliação do que representaram para elas os novos
aprendizados, e são estimuladas a reescrever as partes dos textos
em que identificaram estereótipos negativos sobre o negro. Na
introdução a autora comenta que o trabalho foi rejeitado pela
maioria das educadoras assim que souberam do que se tratava,
e pela diretora “que achava a pesquisa irreal, porque iria
investigar algo que não existe no Brasil, o racismo” (SILVA,
2001, p. 28). Preciosas, também, são a pesquisa e análise
empreendidas por Eliane Cavalleiro, Do silêncio do lar ao silêncio
escolar. São Paulo: Contexto, 2000. Essa autora, que não deixou
claro para as educadoras que seu enfoque era as relações raciais
na escola, teve a oportunidade de vivenciar e documentar
situações de conflito entre as crianças e destas com as
educadoras. Documentou, também, a forma descontraída como
as educadoras tratavam a questão racial e suas falas eivadas
de preconceitos e estereótipos antinegros. Sequer se sentiam
inibidas pelo fato da própria pesquisadora ser negra de pele
escura.
35
No ano de 2002, o CEERT- Centro de Estudos das Relações de
Trabalho, uma Organização Negra de São Paulo, lançou um
concurso para premiar iniciativas de promoção da igualdade
racial na Educação. O êxito foi extraordinário. Receberam
centenas de projetos de todas as regiões brasileiras. Através
desse trabalho percebi que, não apenas outras pessoas estavam
atentas a essa questão, como os eventos de Consciência Negra
têm uma dimensão maior do que eu intuíra. Convidado pelo
CEERT para a solenidade de entrega dos prêmios de 2005, tive
a oportunidade de conhecer detalhes dos projetos. Em conversas
com organizadoras do concurso obtive informações que me
confirmaram haver muitas semelhanças entre o que ocorre em
escolas de outras regiões brasileiras e os “climas” em
comunidades escolares que tenho encontrado no RJ. O projeto
e o relatório do evento de Consciência Negra realizado pela
Para além do racismo e do antirracismo | 405
Considerações finais
I
II
Notas:
1
O Diretor do CE Abu Daibes, por exemplo, mostrou enorme
boa vontade, deslocando-se até o CE Montese, muito distante
de sua escola, permanecendo até tarde à espera da entrevista,
e também se mostrando muito orgulhoso do que havia realizado
sua equipe pedagógica e seus alunos.
412|Amauri Mendes Pereira
Para além do racismo e do antirracismo | 413