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por
BANCA EXAMINADORA
Orientador
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Defendida a Dissertação:
Conceito:
Em: / /1998
Para Maristela, minha estrela,
1 – INTRODUÇÃO
1.1 – Nas esquinas da poesia .............................................................................8
1.2 – Minhas esquinas ......................................................................................11
4 – O CLUBE DA ESQUINA.............................................................................65
4.1 – Da sombra eu tiro o meu sol.....................................................................65
4.2 – Nuvem Cigana..........................................................................................70
4.3 – Saídas e bandeiras...................................................................................74
7 – BIBLIOGRAFIA.........................................................................................126
8 – DISCOGRAFIA..........................................................................................131
A História é um carro alegre
Cheio de um povo contente
Que atropela indiferente
Todo aquele que a negue
de Lô Borges, A Via Láctea (1979), por ser o período compreendido por estas
porém, será necessário voltar um pouco aos anos sessenta a fim de que se
possa entender como surge este grupo “mineiro” e quais as relações existentes
poético-musical do “grupo”.
O período de surgimento do grupo corresponde ao momento mais
obscuro do regime militar instaurado em 1964, que não deixou opções para os
das saídas possíveis para enfrentar tal situação foram usadas pelos jovens de
recente do jornal Folha de São Paulo, há uma série de artigos, cujo título
Podemos até afirmar que uma não existe sem a outra, portanto, se a utopia
existência social e se torna mais rara a circulação em plena luz de suas obras,
aumenta seu contato com isso que, à falta de menor expressão, chamaremos a
valor pejorativo, deixou para a nossa cultura uma rica herança e, com certeza,
trabalho.
são alguns dos estudiosos que mais deram sustentação às nossas reflexões.
Contudo, sempre que necessário e possível, iremos nos referir à parte musical,
e André Bueno nos quais elas sempre foram tratadas sem preconceitos e com
que várias canções possuía valor poético e foram, sem dúvida, as canções de
Morais, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Alceu Valença, Geraldo Azevedo e tantos
rodas de violão de meus irmãos mais velhos e seus amigos. Fui tendo um
contato cada vez maior com a MPB: através do rádio, ouvia, de preferência, a
FM-NACIONAL; através dos discos de minhas irmãs mais velhas; indo a vários
shows no final dos anos setenta e início dos oitenta nos mais variados lugares.
Isso sem falar nas inesquecíveis rodas de violão em 1982 com colegas da
Nascimento, Chico Buarque (Já na época, para mim, um dos maiores poetas
Azevedo, João Bosco, etc. Dentre as músicas que faziam parte do repertório,
Girassol da Cor de seu Cabelo (de Lô e Márcio Borges), Cais (de Milton
Você (de Chico Buarque), Não Chores Mais (Versão de Gilberto Gil), O Bêbado
e a Equilibrista (de João Bosco e Aldir Blanc). Estas três últimas tidas como
espécie de hinos pela liberdade democrática e pelo fim total da ditadura militar.
aceitava essa discriminação pelo simples fato do veículo da poesia ser outro.
Esquina se dá, então, por vários motivos: o prazer de ouvir e analisar seu
movimento hippie vagava por vários países e não era só brasileiro. Na verdade,
política estavam fechadas. Temos, pois, uma série de grupos tentando viver e
1
FOLHA DE SÃO PAULO. Caderno Mais. “A última utopia”. São
Paulo. 10/05/1998.
2
VASCONCELLOS, G (1977).
3
PAZ, O. (1972) p.85.
4
BORGES, M (1996)
5
GÓES, F (1993)
2 – ESQUINA: CRUZAMENTO DA VIA POÉTICA E DA VIA MUSICAL
desenvolvimento do texto.
a arte poética. Por isso, mesmo sabendo das diferenças existentes entre poema
e letra de música, assunto que será abordado adiante, esse termo será
empregado ora para a letra de música, ora para o poema, pois todo o texto que
letras de música e, embora com diferenças em relação aos poemas, estas são,
que existe para ser cantada tem um texto: e é nele que está evidente a função
poética da linguagem”.1 por isso chamaremos os ditos letristas de poetas por
Como foi muito bem definido por Fred Góes em sua Tese de Doutorado, a letra
da música.
indústria cultural, sendo algo que é feito para ser consumido superficialmente e
literatura e da arte: poema menor, poema maior; poeta maior e poeta menor;
cultura superior e cultura inferior; nível alto, médio e baixo.4 Estes críticos não
aceitam que a arte literária, no caso a palavra poética cantada, seja consumida
qualidade, pois desta forma não pode ser considerada literatura, sendo somente
letras de música são meros produtos industriais sem valor estético? Quem
um nível sem refletir o que está por trás disso, pois o que determina se um
divisão clássica entre a arte erudita e a arte popular, onde a primeira sempre é
tira seu valor estético, embora altere a concepção de arte. Caso contrário,
deixa de ter um valor apenas de culto. A arte perde sua aura primitiva e caráter
“refuncionalização da arte”7 .
literatura aos vários meios, sem, no entanto, uma ser melhor do que a outra;
são formas diferentes que podem coexistir perfeitamente. Desde a Grécia antiga
coligada a outros códigos, contudo, como já foi dito, isto não lhe tira o valor, ou
melhor, não é este fato por si só que vai determinar se é ou não literatura.
Por outro lado, não se pode também aceitar tudo passivamente como os
literários. Não é isso que defendemos, pois é notório e sabido que estes textos
passiva dos ouvintes e leitores, por vezes, de fato, sem qualquer poeticidade.
Ou seja, não pretendemos dizer que todas as letras de música são grandes
obras literárias, visto que algumas realmente repetem chavões e fórmulas, mas
boa parte o são. Contudo, estas redundâncias não são exclusividade dos textos
Umberto Eco, no livro citado acima, elabora duas listas com possíveis
ataques e defesas que a cultura de massas (ou como ele prefere: cultura dos
sim uma grande parte de textos da MPB que usam a palavra poeticamente sem
repetir fórmulas. Ou seja, usando termos utilizados por Umberto Eco, temos de
ser executada maciçamente não lhe tira o valor poético, pois o fator
tocada, e sim o seu grau de poeticidade, algo difícil de ser medido. Essa
invenção”.11
forma de literatura que não seja livresca e aceita pela elite. É o que
pretendemos com uma análise poética das canções dos membros do Clube da
inseparáveis.
Não cabe aqui nos estendermos neste assunto, mas apenas ressaltar que a
recorrendo a alguns teóricos da literatura, arte e cultura que, ao longo dos anos
pode ser considerada uma das formas poéticas do gênero literário Poesia,
podendo aparecer nas duas espécies propostas pelo referido autor – Lírica e
solitária” (o poeta lírico).13 Para comprovar isso, podemos citar como exemplo
Coração americano
Acordei de um sonho estranho
Um gosto de vidro e corte
Um sabor de chocolate
No corpo e na cidade
Um sabor de vida e morte
Coração americano
(...)
Por conseguinte, também podemos chamar os ditos letristas de poetas, uma
populares, com a letra de música, os letristas não são considerados poetas por
boa parte dos teóricos da literatura que nem a consideram texto literário;
subliteratura.
que este surge, é que se processa a sua manifestação em voz alta”14, podemos
subsidiar a defesa da letra de música como uma forma poética em seu próprio
texto.
rigor, [a literatura é] oral por essência (e não só por sua origem genérica) visto
que o caráter gráfico se refere à palavra falada e nela cobra sentido, e a palavra
povo que não tenha literatura”. Após citar estes dois autores Massaud diz:
letra, sinal gráfico, esquecendo-se de que esta não existe se o som; é apenas
uma representação gráfica dos sons das palavras. E ainda ressalta o caráter
elitista da arte literária ao dizer que esta não pode ser feita por iletrados. Parta
para uma obra ser literária é uma consolidação de uma postura elitista que
se faz com palavras. Estas não são apenas sinais impressos em papéis, são,
musicalidade. Aqui vale lembrar Fernando Paixão: “Ler com os ouvidos/ Ler
com o nariz/ Ler com a boca/ Ler com a pele”.20 Não podemos, então, esquecer
repente ou desafio, uma história, uma canção; ao assistir a uma peça de teatro
porém o fato de tal texto não estar escrito não invalida seu caráter literário, nem
críticos, a letra de música ainda hoje é vista por muitos teóricos, professores,
estudiosos de literatura como uma forma menor, sem valor estético, mero
de Jean Tortel – ‘paraliteratura’ – que pela própria etimologia, já deixa bem clara
a posição defendida por muitos, isto é, má literatura, aquilo que está à margem
do literário”.21
não convencionais, não livrescas como sendo formas menores, marginais. Foi
assim com a poesia concreta, com a poesia produzida pelos poetas alternativos
letristas da MPB e tantos outros que não seguem o cânone literário. Trabalhar
cantada superior à poesia escrita ou falada, nem muito menos afirmar que toda
união de letra e música e, por isso, sua plena realização só acontece a partir da
antologia poética ou estudo sobre a poesia deste período que não contenha
últimos trinta anos tem que conter textos de Milton Nascimento, Ronaldo
Noel Rosa, Dorival Caymmi, Orestes Barbosa, Cartola, Ari Barroso, Lamartine
populares da primeira metade deste século: “Ainda era muito forte o preconceito
música era ocupado por homens e mulheres que não mereciam, sequer, ser
cultura popular e cultura erudita. A primeira seria uma “arte menor” e, por isso,
não merecia uma boa aceitação por parte da sociedade da época, enquanto a
segunda seria a “Arte”. Neste trecho de seu livro A MPB na era do rádio, Sérgio
como autor e cantor ao mesmo tempo, sendo um recurso utilizado por outros
considerando-a algo feito por malandros e pela classe mais baixa, como iria
aceitar que alguém dissesse que textos das canções poderiam ser
inesquecíveis e belos, ao mesmo tempo em que nos dão uma síntese de como
foi este período 68-80. Aqui vale lembrar Octavio Paz quando estabelece a
relação entre poesia e história. Esta é uma das funções da poesia: o resgate de
do Clube da Esquina fazem tão bem este papel, que, portanto, evidentemente
são poesia.23
oral. Podemos dizer que, após a Idade Média quando ainda era bastante
instrumentos.
privado para o espaço público, ainda que com um limite de propagação restrito
às classes mais privilegiadas. Este aspecto é muito bem discutido por Nicolau
ampliação, ainda tímida, das audições musicais que antes era restrita aos
americana O fonógrafo – Que fala! Canta! Ri! Ladra! Mia! E toca solos de
pistom!”25
Cabral, o símbolo deste novo modo o cantor Mário Reis (1907 – 1981).
poeta e tanto que nos faz viver um momento histórico com belas imagens.
início a uma era em que o rádio se destacaria cada vez mais como o principal
Após esta fase, teremos a canção popular cada vez mais ocupando
espaço nos meios de comunicação, por meio dos programas de rádio e dos
Silvio Caldas, Orestes Barbosa e tantos outros, o rádio continua exercendo esta
função, auxiliado pela televisão, sobretudo a partir dos anos 60. Embora Sergio
Cabral marque como o “fim da era do rádio” o ano de 195829, o rádio continua
músicos e cantores ai vivo nas rádios, embora isso tenha se prolongado pelo
início da década de sessenta. A partir dos anos 60, temos uma nova era do
pela chegada da televisão ao Brasil em 1950. É lógico que esta alteração não
“brasileiro não vive sem rádio” expressa muito bem a relação que o brasileiro
propagada por ele. Assim como a rádio não acabou com a chegada da
via música popular brasileira. Temos, então, boa parte dos nossos melhores
poetas produzindo poesia para ser cantada. Isso não quer dizer que não tenha
existido poesia livresca neste período, porém boa parte dos textos poéticos da
Esquina e outros.
afasta-se de suas origens e passa a ser mais vista e lida em silêncio do que
poético, obviamente de forma diferente do poema. Pode ser que antes que
revitalizar a poesia cantada, ainda que de forma tímida. Todavia, a partir dos
não são excludentes. Primeiro, Paz afirma não crer numa aproximação da
poesia com a música, defendendo que a poesia possui a sua própria música e
Apollinaire dizia que a poesia escrita estava com os dias contados, devido aos
maior da poesia cantada. O próprio Paz conclui dizendo que não crê no fim da
escritura, mas que “a poesia voltará a ser a palavra pronunciada”. Ou seja,
temos aqui o regresso da poesia às suas origens, quando era basicamente oral.
Contudo, não podemos dizer que uma forma de poesia é melhor que
outra ou que uma anula a outra. São formas poéticas que sobrevivem apesar de
queremos dizer com isso que a poesia de nossas canções tem a função exata
que tinha na antigüidade. Nesta época, ela estava associada aos rituais,
atitude ativa, enquanto os homens de hoje, na maioria das vezes, têm uma
atitude passiva, pois só ouvem o que toca nas rádios, muitas vezes sem
está nos papéis (livros, jornais, cartas) nas músicas, nas falas e, ampliando as
nasce não estarão regidas pela idéia da sucessão linear e sim pela idéia de
uma revitalização da poesia, sendo uma forma de arte que renasce “como ação
solitária”.36
espaço perdido pela poesia cantada através dos séculos em nossa cultura,
música, mas que, aos poucos, a poesia cantada vai encontrando o seu lugar,
entrar na faculdade de letras, ainda que de forma tênue e apesar das posições
Márcio Borges.
1
GÓES, F (1993) P. 77.
2 Ibidem, Ibidem
lado:
80, torna-se necessário um regresso aos anos anteriores para que se possa
grupo.
não é uma tarefa fácil, nem é nosso objetivo principal, visto que foi um período
política, quanto nas artes e, ainda, no comportamento geral. Por isso nos
João Goulart, temos o primeiro golpe mais duro contra as transformações que
vinham acontecendo ou que estavam por vir: a tomada do poder pelos militares
em 31 de março de 1964, mesmo dia em que Milton estréia em uma boate. “Por
Neste inicio dos anos 60, temos uma “poesia de vanguarda ou de dicção
revolucionária conseqüente”.2
artísticas”.4
Castelo Branco, o fim da eleição direta, o show Opinião, o Cinema Novo, Terra
mundo melhor e começaram a produzir arte nesta época, como foi o caso de
e outros.
Holanda diz que ela “aparece desarticulada, como se não tivesse encontrado a
público. 5
dar uma idéia da riqueza e diversidade de valores surgidos então, temos nomes
como os citados acima e muitos outros, que não se esgotam nesta lista, como
cantada.
golpe fatal para a democracia e a liberdade no Brasil: AI-5 (Ato Institucional N.º
5). É o grande “divisor de águas” de nossa história recente e que decreta, entre
comovente:
realidade, mas também uma maneira de não apagar completamente suas idéias
organização de grupos.
elementos que refletem o período, além da visão geral já aceita para seus
Segundo várias pessoas que passaram pelo “clube”, entre as quais Nélson
Ângelo, foi ele quem juntou, “polarizou” essas pessoas todas por ser muito
“adotado” por Minas Gerais. Ele é levado ainda recém-nascido para Três Pontas
(MG) por seus pais adotivos. Lá, por volta dos 15 anos, forma o seu primeiro
carreira artística e consciente de que esta não podia ser construída em Três
Pontas, Milton muda-se para Belo Horizonte e logo conhece alguns de seus
futuros parceiros, como Márcio Borges (mineiro nascido em 1946), seu irmão Lô
Borges (mineiro nascido em 1952, um garoto ainda) e, posteriormente,
Fernando Brant (mineiro nascido em 1946). Milton por um acaso vai morar
inicialmente de Marilton, que também era músico, e depois de todo o clã dos
propiciou não só uma grande amizade entre Milton e os Borges a ponto de ser
lado de seu amigo Wagner Tiso que também havia se transferido para Belo
qual viajam para o Rio de Janeiro em 1964, a fim de gravarem dois discos.
cinema, uma das paixões de Márcio Borges que sonhava ser cineasta com
Nélson Ângelo, essa foi uma vantagem do local, pois “em Minas Gerais se ouvia
“época de uma grande riqueza” com “músicos que tocam bem, harmonias
melhor, como ele mesmo preferia dizer, escriturário, fazendo isso para se
tornou seu primeiro parceiro nas composições, após uma profunda amizade que
consolidava entre ambos, cujo marco foi o filme Jules et Jim de François
Truffaut. “No dia de ver Jules et Jim, estávamos felizes como dois meninos em
férias deliciosas, Felizes porque fazia uma bela tarde ensolarada, éramos
noite, sob efeito do filme e do momento, os dois compõem três músicas: Paz
(nome que vai figurar sozinho nas gravações posteriores), que, além de estar
lembra realmente uma novena, só que pelo amor, pelos “deserdados desse
se digo um ai
é por ninguém
é pela certeza
de saber que tudo tem
se digo sol
não tem vez
não espero mais a chuva
só preparo meu coração
a explosão de toda luz
a chama chama chama chama
se digo amor
só é por alguém
é pelos malditos
deserdados desse chão
musicais e Márcio criando letras, poesias. Havia todo um ritual, como Márcio
primeiro confirma uma grande atração dos jovens de então pelo cinema, em
Paulo Horta, cantrabaixista; Nivaldo Ornelas, sax; além dos dois “papas”
Rússia”.18
colega do Levy, em que este diz: “Nada é mais genial do que música. Cinema...
tem música. Teatro... tem música, Balé... tem música. Não é a toa que Vinícius
Lobo é genial, não acha não, Godard?” (Godard é como Dickson chamava
entre os dois, quando Dickson fala “O negócio é fazer poesia para ser cantada,
que nem Vinícius”. Ao que Márcio responde, dizendo que Vinícius faz letra de
música, assim como ele, reiterando isso. Na verdade ambos falam do mesmo
incutida nas cabeças das pessoas a considerar a letra de música uma forma de
poesia; por isso a insistência de Márcio em afirmar e reafirmar que aquilo que
faz é letra de música.19 Embora ele próprio tenha dito que não gosta de ser
chamado de letrista.
Nesta época, Belo Horizonte, como outras cidades brasileiras, vivia uma
noites igualmente “calmas e paradas” que seriam retratadas nas canções feitas
convida Fernando, que até então não escrevia nada, para escrever no dia
seguinte. Estava surgindo uma preciosa parceria deste encontro, que seria
corpo e alma para isso. “Belo Horizonte, mais do que nunca, fazia parte
Tamba Trio, Claudete Soares” e ainda Elis Regina que apareceu na época
comandando o programa O Fino da Bossa. Sérvulo só falava deum trio
os meninos, Lô, Yé Borges, tinham que ver o primeiro filme dos Beatles, A
durante dez anos), Sirlan, Murilo Antunes, Tavinho Moura, Toninho Horta,
terceiro lugar a música Cidade Vazia (de Baden Powell e Luís Fernando Freire)
mudança de Milton para São Paulo. Entretanto, esta fase em São Paulo não foi
Canção do Sal, uma canção de trabalho que inicialmente era um poema. Este
foi um dos primeiros textos de Milton; o outro foi E a gente sonhando feito para
Márcio Borges.
Depois disso, há uma participação no festival Berimbau de Ouro com a
parceria com Fernando Brant. As outras músicas foram Morro Velho, (sétima
Travessia, não só por ser a primeira música de Milton que realmente estoura a
nível nacional, mas também por ter sido a primeira parceria dele com Fernando
Brant e primeira letra de música deste, que se tornaria seu principal parceiro no
época em que os dois mostraram a canção para Márcio Borges, este só não
gosta do primeiro verso “Quem quer comprar meus sonhos?”, dizendo achar
“esquisito esse negócio de comprar sonhos”. De fato, a sua sugestão foi aceita
Embora frustrado por não ter conseguido classificar uma canção sua
com Milton para o Festival, Márcio concorre colocando letra numa melodia feita
visão clara de que tempos difíceis eram aqueles e os que estariam por vir”.24 A
Horizonte nessa época. A maioria, como Nélson Ângelo, Wagner Tiso, Nivaldo
Ainda neste ano de 67, Milton, que também havia se mudado para o Rio
conhece outro futuro parceiro, Ronaldo Bastos (carioca de Niterói), num pé-
Tereza. Milton continuava no Rio, de onde mandava cartas para Márcio. “Numa
delas, Bituca me revelou que tinha conhecido um grande cara. A carta falava
Bituca foi que o rapaz além de tudo era um inspirado poeta”. Esse cara era o
outros da época:
ressaltando que o enfoque central deste estudo são os textos poéticos e que
esta denominação inicialmente se referia ao grupo freqüentado por Lô, Beto
duas em parceria com Ronaldo Bastos e Outubro (de Milton e Fernando Brant),
Brasil, porém com arranjos novos feitos por Eumir Deodato e com músicos
americanos; incluindo, ainda, Canção do Sal e Vera Cruz. Esta merece uma
atenção especial por ser a tentativa de Márcio Borges em realizar uma obra-
gravação, Ronaldo mexe na letra sem Márcio saber. Esta canção será
adiante, a partir de uma pergunta colocada por Milton: “O que foi feito de
Vera?”.
época em busca de um país mais livre, justo que “se solto e no longe se
Milton participada Passeata dos Cem Mil e, junto com Ronaldo Bastos, faz a
no incêndio repetindo
o brilho do teu cabelo
quem grita vive contigo
época: os que ele conhecia e “preferiam ficar falando de jams, riffs, scats,
mais compromisso e participação. Ainda sobre isso, Márcio diz: “tudo o que
Hélio Oiticica (...)”.28 No entanto, o “desbunde” também pode ser visto como
uma forma de revolta contra a tirania, embora isso não fosse aceito por setores
entre ele e Fernando Brant, Márcio Borges, Nélson Ângelo, Ronaldo Bastos,
Toninho Horta, dentre as quais vale destacar: Sentinela (de Milton Nascimento
e Fernando Brant), Pai Grande (de Milton Nascimento) Tarde (de Milton
Fernando Brant) e Quatro luas (de Nélson Ângelo e Ronaldo Bastos). Nesta
fim dos anos 60. Contudo, esse “norte” havia se perdido em algum lugar, ou
melhor, barrado pelo AI-5 e pelos militares. Pode-se relacionar esta canção
contracapa do disco, onde há um texto de Milton que diz, entre outras coisas:
Neste final dos anos sessenta, temos uma grande diversidade musical
Beatles, Jimi Hendrix, Rolling Stones. No meio de toda essa riqueza musical,
Deodato, Milton era “uma coisa nova, misteriosa, intrigante e instigante”. Para
Márcio:
anos morando no Edifício Levy, local que, conforme nos narra Márcio Borges
em seu livro Os sonhos não envelhecem, propiciou o encontro deste autor com
Sobre a esquina de Santa Tereza, Márcio diz que era apenas “uma pobre
rua (...) costumavam vadiar, tocar violão, ficar de bobeira, no cruzamento das
curioso notar como esta singela esquina de Santa Tereza pôde reunir tanto
Horizonte encontra-se com Lô que lhe mostra a melodia. Então, “Bituca foi
estabelecendo uma linha melódica cada vez mais bem definida, a qual foi
repetindo com ênfase cada vez maior, com certeza”. Márcio presenciou o
surgimento da melodia que consagrou a primeira parceria ente eles e põe letra
na música. “Lá fora, a noite chegava. Lô, com certeza iria correndo para a
esquina, mostrar sua primeira composição para (...) o pessoal do Clube”. Esta
divulga-lo, “embora não fizesse idéia do quão famosa esta expressão ainda iria
se tornar: ‘Clube da Esquina’. É que nunca temos, nem podemos ter jamais,
chamamos de futuro”.3
tudo, muito lunática e triste; eu próprio me sentia assim”.4 não foi mera
então, o grupo ganha nome: O Som Imaginário. O show fica mais de um ano
em cartaz, passando por Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte. Fazem
parte do Som Imaginário músicos de excelente qualidade técnica que viriam a
violão), Frederyko (guitarra solo), Luiz Alves (baixo elétrico) e Robertinho Silva
e colete de couro com estrelas). Depois deste show, Milton diria sobre o
momento: “Foi uma revolução. Bicho, todo mundo, ou fugiu, ou está no exílio,
Neste mesmo ano, lança o LP Milton que inclui a música Para Lennon e
piano por Lô que convida Fernando e Márcio para colocarem letra. Ambos
seguindo a sugestão de tema para a canção sugerida por Lô: “eu estava
também fazendo as nossas... eles nunca vão saber. Mas pode ser outra coisa
Embora a letra não tendo sido feita pelos principais letristas do Clube,
destaca-se, ainda neste disco, a canção Canto Latino (de Milton Nascimento e
Ruy Guerra), por mostrar poeticamente uma das opções seguidas por vários
que fica suspensa no último verso, quebrando a rima com “maravilha” e sendo
substituída por reticências. Recursos como estes teriam que ser utilizados por
vários de nossos compositores e poetas cada vez mais para evitar a censura.
Vale destacar também o contraste noite/dia que vai ser uma marca de várias
e Dori Caymmi.
outros se reuniam, esse nome passa a ser utilizado para denominar um grupo
compositores.
analfabetos, onde quase não lê e menos ainda poesia, a poesia cantada via
bastante difundido em outros países, vai assumir com os “mineiros” uma forma
Clube da Esquina, pelo fato de ser o Rio o principal centro cultural na época e
acesa ao menos sua liberdade de criação, embora tantas obras tenham sido
de escape possível.
apresentação:
APRESENTAÇÃO:
Essência de energia pura o
BIOTÔNICO VITALIDADE é
composto de raízes, folhas
e frutos plenos. Sucesso
comprovado através dos
séculos. Profilaxia da
cegueira noturna. É muito
capaz nos casos de
desânimo geral8
como se fosse uma bula de remédio, ficando bem claro o mal a ser atacado: a
Nuvem Cigana e pelo Clube da Esquina. Embora este não tenha tido toda essa
fase de discussão que norteou o trabalho da Nuvem, tendo acontecido muito
formas de tentar fugir desse sistema opressor era através da metáfora, daí a
grande profusão de autores que tentavam fazer alguma coisa passar “pela
fresta”, como fez tantas vezes Márcio Borges que, em entrevista ao jornal
Conforme o próprio Ronaldo Bastos insistia e Márcio relata em seu livro: “um
disco com princípio, meio e fim, que não seja só um apanhado de canções. Um
disco conceitual”.11 Ronaldo tinha uma importância que não era somente
compor letras para as canções, mas também trabalhar a unidade dos discos
talvez influenciado pelo seu trabalho junto com outros poetas e artistas da
“Nuvem Cigana” que também era uma produção bem planejada, conceitual e,
ainda, contemporânea deste LP. Então, Milton convida Lô para dividir com ele
Milton Nascimento em seu LP de 1970, visto que, neste disco, já tinha havido
uma participação grande de pessoas que viriam a fazer parte nas gravações do
A canção Clube da Esquina instaura o que vem a ser este clube e vai ao
canções, poesia, realizando talvez o único ato político possível para a época.
fato, estas questões são procedente e não apresentam uma única resposta, já
que ela reflete tanto o lado individual, como a conjuntura do momento, fatos
que são confirmados pela melodia melancólica. E, como já foi citado, era o
estado em que o próprio Márcio se sentia quando fez a letra: triste e lunático.
“Dividir a solidão”, esta era uma questão central de tantos grupos de jovens
sua gravadora, uma obra coletiva. A princípio, contudo, esta reluta e só aceita a
que pode ser visto como resistência à extrema solidão a que as pessoas
absurdas”.14
Wagner Tido, Tavito, Robertinho Silva e Luís Alves, que estavam no Rio; além
críticos da época.
evidente que parte considerada da crítica não percebeu a grande obra de arte
poético-musical coletiva que tinha sido realizada por aquele grupo de músicos,
compositores e poetas.
Das 16 músicas que fazem parte dos dois discos , apenas duas não
letras criadas por Márcio, Fernando e Ronaldo. As músicas são cantadas pela
que canta em três faixas com Milton e a participação de Wagner Tiso nos
arranjos e teclados.
Neste álbum duplo, que por pouco não foi o primeiro deste tipo na história da
MPB (só não foi devido a gravadora que não acreditou no projeto), temos
trem azul (Lô Borges e Ronaldo Bastos), Um girassol da cor de seu cabelo (Lô
doido (Lô e Márcio Borges), Cravo e canela (Milton e Ronaldo Bastos), Tudo o
que você podia ser (Lô e Márcio Borges) e outras que marcaram a época e
uma sociedade mais livre e com menos amarras. Este grupo de canções está
constante no homem: livrar-se dos “cais”, viver sem amarras que a sociedade
impõe. Esta foi uma das principais bandeiras dos movimentos jovens de 68: a
Como “essa coisa não da mais pé” (a ditadura militar), uma solução é sair da
governo militar não estava para peixes, as pessoas não admitiam ficar
aprisionadas pelo sistema, buscavam uma das soluções possíveis para quem
não queria apagar suas utopias: uma vida alternativa longe das cidades. O
“sonho virou terra” apresenta pelo menos dois sentidos: a busca de novas
utopias através das estradas de terras ou o fato do sonho, em geral uma idéia
pergunta “o que vocês fariam para sair dessa maré”, porém a resposta é outra
reforçado aqui por seu sentido original de alma, vitalidade, pois o homem não
pode ficar inanimado como uma pedra, tem que ser homem de fato).
Resumindo, os autores colocam duas saídas para enfrentar a situação
do momento: já que o sonho de mudar o país virou terra e não da mais para
mais sólido que a maré” que não estava para “peixes”. Esta idéia vai ser
exploradores pioneiros das terras de Minas Gerais, mas o texto diz respeito à
que era produzida pelo grupo “Nuvem Cigana”. Este grupo é criado e
Esquina, não apenas pelo ano de sua criação (1972), mas principalmente pelo
o nome “Nuvem Cigana” por achar o nome interessante e também que seria
uma marca incrível, selo comparável à marca “Apple” dos Beatles, que foram
Se você deixar
O sol bater nos seus cabelos verdes
Sol, sereno, ouro e prata
Sai e vem comigo
Sol, semente, madrugada
Eu vivo em qualquer parte do seu coração
inércia vivido e imposto pelo regime militar. É interessante notar como este
ideal de “pé na estrada” contracultura e desbunde, presentes na música,
assumem uma postura que, longe de ser alienada, era uma forma de
“tom” e “espírito”.
Esta citação respalda nossa afirmação de que, além de não ter sido um
um velho sinal, uma grade, mas também cores mórbidas, homens sórdidos,
acreditar”). “Mas isso é tão normal” não acreditar que a realidade política seja
década de 70.
onde estavam: quarto de Fernando “tinha janelas que se abriam para uma
criada. Eis uma qualidade intrínseca do texto literário presente nesta letra: a
1978, à revelia de Lô e Milton que achavam que não cabia letra nela, sendo só
uma música instrumental, conforme Márcio Borges nos relata. Nana Caymmi
queria gravar Clube da Esquina 2, porém como esta não possuía letra, ela
pediu a Márcio que colocasse letra. Ele fez a letra no dia seguinte e a entregou
para Nana. “Ela foi para o estúdio e gravou. Só depois do fato consumado é
que Bituca e Lô se rendem à evidência: Clube da Esquina 2 tinha letra”.21
musical que possui uma das mais belas imagens da poesia brasileira. Esta
pelo próprio Milton e por Flávio Venturini, fazendo algum sucesso na década
vigente.
aço dos canhões, armas e balas usadas pela ditadura militar para reprimir
qualquer suspeito.
fazer é adormecer os sonhos, pois estes nunca envelhecem e nem acabam por
uma ação violenta e brutal. Aqui vale lembrar Octavio Paz quando diz que a
imagem poética não pode ser dita de outra maneira. Esta imagem revive, recria
o clima da época de forma que não dá para trocar as palavras por outras
achando que se está dizendo o mesmo. Esta é uma das funções essenciais da
poesia que aparece no texto reforçado pela melodia e arranjo que destacam no
meio da canção o verso “e lá se vai mais um dia”, que tanto pode representar o
passar da vida, o passar dos dias comuns, como também o passar de mais um
o dia seguinte pode trazer o novo e acabar com o período de escuridão. Este
texto poético, como já foi dito, possuindo duplo sentido: tanto pode se referir ao
“diretas já”, justamente num dos locais onde aconteceram alguns dos mais
cavalos do exército em direção das pessoas que saíam de missa realizada pela
cantada é entoada por vários artistas e pelo milhão de pessoas que ali estavam
clamando por democracia e eleições diretas. E Milton não podia faltar: estava
lá com outros grandes nomes da MPB, como Chico Buarque, MPB-4, Francis
Hime.
NOTAS:
3
BORGES, M. (1996) p.217-221
4
Ibidem, p.221.
5
Ibidem, p.230.
6
Ibidem, p.239.
7
Por isso, estamos usando a palavra mineiros entre aspas, pois muitos que
1996.
11
BORGES, M. (1996) p.256.
12
FERREIRA, A.B DE H./s.d./, 1.ed.
13
MOBY, A. (1994) p.137.
14
BORGES, M. (1996) p.263.
15
Ibidem, p 270.
16
PERRONE, C (1988) p.155.
17
BORGES, M. (1996) p.215.
18
PEREIRA, C.A.M. (1981) p.230-231
19
Ibidem, p.133.
20
BORGES, M. (1996) p.258.
21
Ibidem, p.336-337.
5 – A NOITE E O SONHO NO CLUBE DA ESQUINA: RESISTÊNCIA
5.1 – A noite
que não lhes é permitido discutir sobre política, opinar, discordar e até pensar e
noturnas, sombrias. É este teor – obviamente com diferenças que não cabem
aqui. Lá, “a noite veio e a alma é vil”, aqui, “noite chegou outra vez”. Vale
lembrar que este vocábulo noite tem sido usado para representar momentos
liberdade e, ainda, que foi também utilizado por muitos outros poetas e/ou
música:
também a presença insistente da noite. Neste LP, todas as músicas são de sua
autoria, algumas em parceria com Márcio Borges, uma com Ronaldo Bastos e
Geraldo, Flávio.
A maior parte das canções deste disco fala de noite, escuro, tristeza, o
que revela o momento pelo qual os autores e todo o país passavam. Este clima
e Márcio Borges) que no fim da noite quer caçar o poeta. Este caçador é uma
certeza do homem de que o sistema está atrás dele (“sei que ele vem me
procurar”), mas mesmo assim procura manter a calma para poder fugir e não
deixar o caçador acertar o seu coração, que possui um duplo sentido: a morte
real com um tiro no ração, mas também a morte de seus ideais e seus sonhos.
não há mais tempo de ser pego. O “caçador” com o “revolver apontado para a
sonho, imagem semelhante à usada por Fernando Brant nas canções Saídas e
destacar o Barroco, que por sinal teve um grande destaque nas artes de Minas
Gerais. Esta música mostra bem o perfil da época numa oposição entre noite e
dia, apagar e não apagar e o quanto era importante manter-se aceso, apesar
da triste situação. Nada, nem uma festa apaga o “estranho silêncio da rua” e o
“incêndio calado no homem que passa por mim”, reforçando o que já foi dito
depois uma imagem forte, na qual, “incêndio” pode referir-se à vontade grande
Apesar de você.3
Por tudo isso, o homem tem que aprender “a ser como o machado que
radicalmente o sentido original do provérbio que diz: “Sê como o sândalo que
perfuma o machado que o fere”. Não da para ficar “perfumando” quem está te
ferindo, entretanto o momento requer cuidado, como está nítido nos dois
amolada” da parceria de Milton com Ronaldo Bastos feita anos depois. Ambos,
“flash” do período.
um dos melhores retratos poético-musicais dos anos 70. o tom triste e noturno
escuridão.
Também podemos relacionar este disco com uma temática que era
constante nos poetas “marginais” da década de 70: o cotidiano das ruas, o dia-
a-dia. As letras nos revelam o clima de apreensão, cautela e medo que reinava
nas ruas das cidades e ainda a violência. Contudo, esta referência não é direta,
“cheiro daqueles tempos” para quem não viveu ou era muito pequeno na
época.
boca da noite” esta fase obscura passará e poderemos viver em paz e com
liberdade. Além desta oposição noite X amanhã, vale registrar que, em Nada
será como antes (de Milton e Ronaldo Bastos) aparecem duas perguntas muito
cheiro daqueles tempos: a fé, a crença em seus ideais, a paixão por eles de
maneira impulsiva; já a faca tem que estar amolada, pronta para o corte,
enfrentamento. Esta faca amolada significa estar pronto para cortar, ir a luta e
não ficar passivo. Aqui já um certo prenuncio do dia, da luz tão sonhada; a
palavra de ordem é não esperar mais aquela madrugada. Esta música faz parte
do LP Minas de Milton Nascimento (1975) que pode ser visto como uma
depor, como foi o caso de Chico Buarque e tantos outros. O Clube da Esquina
Imaginário, que, para este show, sofre alterações em sua formação: entram
expande com a ajuda do regime militar. Para provar isto, pode-se citar as
Silva.
governo, por sua vez, facilita as condições para este padrão global e incentivo
à sua ideologia. Na verdade, há uma ajuda recíproca que pode ser comprovada
grupo insistirem em imagens sem cores, com grande incidência nas letras de
política, social, cultural, artística; tudo escamoteado por telas que falam
colorido.
visto que há outras músicas do disco de mesmo nome que foram censuradas.
Mar e peixes podem representar a vida e os homens, elementos que não eram
calado” (da canção Homem da rua de Lô) dos homens, procurando mostrar
que a realidade apregoada e disseminada pelas tevês não era boa assim. Ou
do regime.
melhor exemplo o disco Milagre dos Peixes de 1973, que teve três faixas
censuradas. E, não por mera coincidência, este também foi o ano em que
é dia de El Rey (de Milton Nascimento e Márcio Borges) e Cadê (de Milton
mais contestatória ao regime: a faixa que deu nome a esse disco lançado em
73 e depois ao álbum duplo gravado ao vivo no Teatro Municipal de São Paulo
versos como “jogai soldados na rua”, enquanto Milagre dos peixes explorava
começar do título que remete à religião, à bíblia, mas aqui se refere aos
suas obras faraônicas são sentidas até hoje com o aprofundamento das
censurada:
idéias quase sempre entre pai e filho. Todavia assume uma significação toda
eterna espera da volta do Rei D. Sebastião para a nação reviver seus dias de
golpe de 64.
Ainda sobre a censura à letra dessa música, vale ressaltar que, além de
gravação Milton dizia: “Vou gravar de qualquer jeito. Vou botar no som tudo o
que eles tiraram na letra. Eles vão ver comigo...” A “teimosia” e a “raiva” de
repertório.11
pequenas partes onde a letra é cantada por Clementina de Jesus com coro de
Saio do trabalho é
Volto para casa ê
Não lembro de canseira maior
Em tudo é o mesmo suor
Em tudo é o mesmo suor
(...)
Em tudo é o mesmo suor (...)12
registrado no encarte também diz muito, podendo ser visto como uma forma de
parecem dizer tudo aquilo que não foi permitido através de palavras. Pequenas
por exemplo, na sugestiva canção A chamada (de Milton Nascimento) que não
alguns dos participantes do Clube – John Lennon – após sua morte, podemos
segundo LP solo de Lô Borges de mesmo nome da canção. Esta letra tem uma
Caravela
Pão e mel
Segue o circo a rolar
Picadeiros
Primaveras
Coração vulgar
Que navega no céu
E navega no ar
Grão de areia a viver na espuma do mar
O grão de tão pequeno ser tão grande o que a gente é
Ter esse destino de pessoa que sonhou
Barricadas
Cordilheiras
Coração vulgar
Que navega no céu
E navega no ar
Grão de areia no ar
Aventuras
Cicatrizes
Segue o mundo a rodar
Diamantes
Universo
Coração vulgar
Que navega no céu
E navega no ar
Grão de areia a vagar na espuma do mar
grupo. Era um novo projeto de Milton: ”juntar todos os seus amigos no estúdio
Tavinho Moura, Joyce, Mauricio Maestro e Ruy Guerra. Nas autorias das
músicas há ainda nomes como os de: Paulo Jobim, Chico Buarque, Danilo
Caymmi, Ana Terra, Violeta Parra e Pablo Milanes e até um poema de Carlos
entre outros: Wagner Tiso, Flávio Venturini, Murilo Antunes, Nélson Ângelo,
Toninho Horta, Tavinho Moura, Novelli. Enfim, a ampliação conta com várias
cantando, fazendo parte dos coros, etc. Alguns destes são: Chico Buarque,
Francis Hime, Elis Regina, Ruy Guerra, Danilo Caymmi, Paulo Jobim, Joyce,
Milanes e Chico Buarque). Esta última simboliza muito bem o espirito deste
disco, que tinha o objetivo de re-unir as pessoas que durante os anos setenta
através das canções, ao mesmo tempo em que propunha uma união maior da
marca o início de “um sonho que vai ter de ser real” e também um novo período
“preceitos ou normas por que se rege uma pessoa, um partido, uma seita,
que está acordando de uma longa noite, para que possamos construir um
início do despertar, o começo de uma nova fase. Enfim, retrata um astral mais
juventude, fé, alegre, paixão, forte, novo. Isto reforça o que foi dito acima,
mostrando que seria possível uma mudança de tal quadro. Outro aspecto
final.
melodia com pequenas alterações no arranjo, mas com letras diferentes. Vale a
pena recontar o processo de criação destas canções: Milton havia feito uma
refletirem sobre “o que foi feito devera”.17 É uma citação da própria obra, Vera
prima por parte de Márcio. O resultado foi a criação de duas obras de arte: a
primeira, O que foi feito deverá (de Milton e Fernando Brant) e a Segunda O
que foi feito de vera (de Milton e Márcio Borges), cantadas por Milton e Elis
Regina com vocal de Lô Borges e Gonzaguinha. São duas canções que fazem
Na primeira temos a indagação sobre o que foi feito com tudo o que foi
sonhado, com a vida e com o amor. E o “verso menino” fica em nossa cabeça
para manter vivas para sempre as sensações da época e como foi duro este
período. Não esquecer jamais que “se muito vale o já feito/ mas vale o que
será”, ou seja, não esquecer de viver o presente, porém sempre com a imagem
do passado a nos fazer lembrar que “outras manhãs plenas de sol e de luz
virão”. E a imagem diz muito mais que as palavras. Como já foi dito, retomando
Octavio Paz, a imagem revive, recria, nos coloca diante do fato, passado,
presente ou futuro. Esta idéia pode ser resumida com uma frase de Augusto
Boal ouvida num programa de televisão que dizia mais ou menos: “A gente
futuro”.18
expressão ”de vera”. Um sentido é o que foi feito de Vera Cruz, primeiro nome
dado ao Brasil; o outro significa para valer, deveras. Podemos ainda juntar os
dois: o que foi feito deveras do Brasil? Na realidade, já falamos bastante sobre
homem íntegro, “o homem que eu era voltou”, podendo não só pensar, sentir e
escreveu: “quando o descanso era luta pelo pão e aventura sem par”, “abelha
fazendo o seu mel” e “até mesmo a fé não era cega nem nada era só nuvem,
céu e raiz”. Neste último trecho há inclusive uma revisão de valores em relação
não era uma fé irracional e sim uma fé que misturava “nuvem” (simbolizando
foi feito deverá” sempre ser lembrado para que não se repita jamais. E não
podemos também dormir “como pedra e esquecer que foi feito” de Vera.
presentes neste segundo texto revela seu alto grau de poeticidade, visto que,
raro num mesmo verso ou imagem”.19 no entanto, vale lembrar que o referido
autor não reconhece, ou pelo menos não deixa isso evidente, a letra de música
como uma forma poética. Para provar que a letra de música pode ser
que não viveram ou eram pequenos na época, recria e revive, através destas
poesia, pois “se o poeta é o que sonha o que vai ser real/ bom sonhar coisas
p.270.
7
CARVALHO, Elizabeth. “O mundo econômico: uma só nação, um só mercado
mim (1981).
6 – FIM DO MILÊNIO; FIM DAS UTOPIAS?
Muito tem se falado, neste fim de século, em fim das utopias. Fala-se, por
tido como marco da última grande utopia do século durante o qual ocorreram
todos os continentes do mundo. Já vimos também que este ano foi um “divisor
deste trabalho. Vale lembrar, ainda uma vez, que as canções e parcerias entre
aspectos que aparece no trecho citado nos remete para a letra de Clube da
Esquina 2, em especial para o verso “e lá se vai mais um dia”, onde cada dia
década.
1980, com a década de 90, pode-se concluir que a utopia não desapareceu de
relacionadas, não acabam, visto que essenciais para o ser humano, contudo
Esquina. Como já foi visto podemos observar através das canções e das
toda uma canalização destes anseios para uma revolução cultural, influenciada
às vezes, de forma não direta, mas subentendida pelo público que, ao longo da
e consideradas:
Enfim, o projeto utópico alterou-se, porém ainda resiste nas pessoas que
observar, por exemplo, em Milton que, embora envolvido com a “world music”,
tem canalizado seus últimos trabalhos numa utopia fundamental para o homem
leva uma vida “alternativa” longe do show business e das cidades grandes, um
narrativa feita a partir de jornais da época e dos depoimentos dados à folha por
César Benjamin, Doralina Carvalho, José Dirceu, José Genoíno, Olga Matos e
Valdemir Bargiere.
2
COELHO, T. (1985) p.7.
3
Ibidem, p.48.
4
Ibidem, P.68.
RESUMO
poetas da MPB, quando a poesia da censura invade lares e bares via meio de
através das letras das canções, sua relação com o momento histórico, sonho e
Neste fim de século, fala-se de fim da história, fim das utopias, fim das
ideologias (e até do fim da poesia), globalização, fim de tudo. Então, “o que foi
thje song writers/poets from the Clube da Esquina, a period when Brazil lives
was called “cultural void”. Refuting this position, it can be showed that there
of MPB (Brazilian popular music), when poetry invades homes and bars through
mass media and despite the censorship, a lot of protest could pass through “the
breach”. The seventies are the moment of affirmation of MPB as one of the
principal vehicles of Brazilian poetry nowadays and it was also a time of great
From the way trawelled by the members of the Clube da Esquina since
Music (MPB), until the seventies, one can observe and analyse, through the
lyrics of the songs, their relationship with the historical moment, dream and
changed or not the view and the dream of transforming society in Brazil. In
order to do it, it was elected as the central corpus of the research the
Bastos e Fernando Brant, main creators of the songs of the Clube da Esquina.
In this end of century, people talk about the end of History, end of