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PELAS ESQUINAS DOS ANOS 70

Utopia e poesia no Clube da Esquina

por

Francisco Carlos Soares Fernandes Vieira

Dissertação de Mestrado em Poética apresentada

à Coordenação dos Cursos de Pós-Graduação em

Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Orientador: Prof. Dr. Frederico Augusto L. de Góes.

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

Faculdade de Letras – Julho de 1998


EXAME DE DISSERTAÇÃO

VIEIRA, Francisco Carlos Soares Fernandes.

Pelas esquinas dos anos 70: utopia e poesia

no Clube da Esquina. Rio de Janeiro: UFRJ,

Faculdade de Letras, 1998, 132 fl. mimeo.

Dissertação de mestrado em Poética.

BANCA EXAMINADORA

Professor Doutor Frederico Augusto Liberalli de Góes

Orientador

_______________________________________________________________

Professora Doutora Nízia Villaça

Professor Doutor Antônio Lauro de Oliveira Góes

_______________________________________________________________

Professor Doutor André Luiz Bueno

Professora Doutora Ana Maria Alencar

Defendida a Dissertação:

Conceito:

Em: / /1998
Para Maristela, minha estrela,

e Clarice, minha pequena luz.

A meu pai (in memoriam):

“Longe, longe ouço essa voz

que o tempo não vai levar”.

À Minha mãe, Yvone, a meus irmãos

Lygia Maria, Ana Cristina, Elisa Maria

e José Alberto pela força, carinho e

união. Aos sobrinhos Raphael,

Guilherme, e “quem mais chegar”.


A todas as crianças e jovens, principais responsáveis
por novas utopias para o século XXI.

A todas as pessoas que, como eu, apreciam a poesia,


seja lida, recitada ou cantada.

A todos que viveram e acreditaram (e aos que, apesar


de tudo, ainda acreditam) se possível transformar a
utopia em “topia”.

A todos que, juntos comigo, passaram por esquinas,


ruas, estradas de terra, vales, montanhas, avenidas,
praias, pedras, rios, mares, marés e minas, contribuindo,
direta ou indiretamente, para esta pesquisa.
Agradecimentos especiais às pessoas que contribuíram mais
concretamente:
Professor Dr. Fred Góes, por ter aberto caminho para pesquisas referentes à
canção na Faculdade de Letras e pela orientação segura e tranqüila;
Professor Dr. André Bueno, pelo grande estímulo à pesquisa;
Professor Dr. Lauro Góes, pelo redimensionamento da teoria literária através
do teatro;
Professora Doutora Beatriz Resende, pela contribuição para minha formação
acadêmica;
Professora Doutora Nizia Villaça, por ter aberto meus horizontes em relação à
comunicação;
Professora Doutora Maria da Graça Aziz Cretton, uma das maiores
incentivadoras para o meu ingresso no mestrado;
Professor Doutor Sérgio M. Gesteira, por me fazer gostar ainda mais da
literatura brasileira;
Professora Doutora Marta de Sena, pelo grande apoio quando era
coordenadora de Ciência de Literatura na Pós-Graduação;
Funcionários da Pós-Graduação que, nos momentos difíceis, sempre me
deram força e resolveram problemas burocráticos;
Maristela, pelas sugestões dadas para aperfeiçoamento do texto;
Elisa, pelos “toques”, dicas, correções e revisões no texto;
Toda a minha família, pelo apoio e compreensão em momentos nos que não
pude estar presente;
Rafael, amigo de tantas viagens e “pé na estrada”, pelas sugestões e socorros
na luta com o computador;
Luiz Carlos, compadre e amigo desde a graduação, pela força e incentivo ao
ingresso na pós-graduação;
Denise, por possibilitar o contato com os músicos e compositores Márcio
Ramos e Ana Antoun e pela tradução do resumo;
Marly, Márcio e Ana, pelas conversas agradáveis sobre o Clube da Esquina,
sobre música e, ainda, por terem me apresentado a Nélson Ângelo;
Nélson Ângelo, um dos músicos e compositores que passaram pelo Clube da
Esquina, pelas agradáveis e elucidativas conversas sobre música, poesia e
anos 70, registradas em fita cassete para esta pesquisa.
SINOPSE

A importância do Clube da Esquina como resistência

cultural, através da música e poesia, durante os anos

70, período mais intenso da ditadura militar no Brasil.

Poesia e utopia através das canções do Clube da

Esquina, revelando a união fundamental de ambas para

o homem. Revitalização da poesia cantada; MPB: Um

dos principais veículos da poesia na atualidade.


SUMÁRIO

1 – INTRODUÇÃO
1.1 – Nas esquinas da poesia .............................................................................8
1.2 – Minhas esquinas ......................................................................................11

2 – ESQUINA: CRUZAMENTO DA VIA POÉTICA E DA VIA MUSICAL.........16


2.1 – Semeando as canções no vento ..............................................................16
2.2 – De tudo se faz canção .............................................................................27

3 – ANTES DA ESQUINA ................................................................................41


3.1 – Pré-68: “de minha garganta as canções explodem” ................................41
3.2 – A travessia de Milton ................................................................................46

4 – O CLUBE DA ESQUINA.............................................................................65
4.1 – Da sombra eu tiro o meu sol.....................................................................65
4.2 – Nuvem Cigana..........................................................................................70
4.3 – Saídas e bandeiras...................................................................................74

5 – A NOITE E O SONHO NO CLUBE DA ESQUINA: RESISTÊNCIA


CULTURAL PELAS ESQUINAS DOS ANOS 70.............................................92
5.1 – A noite.......................................................................................................92
5.2 – Milagre dos Peixes: censura nas esquina..............................................101
5.3 – O sonho não acabou..............................................................................109

6 – FIM DO MILÊNIO; FIM DAS UTOPIAS?..................................................119

7 – BIBLIOGRAFIA.........................................................................................126

8 – DISCOGRAFIA..........................................................................................131
A História é um carro alegre
Cheio de um povo contente
Que atropela indiferente
Todo aquele que a negue

É um trem riscando trilhos


Abrindo novos espaços
Acenando muitos braços
Balançando nossos filhos
(PABLO MILANES E CHICO BUARQUE – Canción por
la unidad de Latino América)

estão velhos ou mortos os homens que acreditam


nos homens? Os justos estarão no fim? Não e não.
Assim como a injustiça, a violência e o ódio se
espalham e deixam seu rastro de miséria por onde
passam – a semente de amor, dignidade e justiça
que recebemos frutifica e também estende seus
braços. Está plantada no coração dos jovens. (...)
Debaixo de nosso abençoado sol tropical, junto com
nossos maiores e nossa juventude (mãos dadas com
nossa infância) apostamos tudo na utopia.
(FERNANDO BRANT – “A caminho da utopia”)
1 – INTRODUÇÃO

1.1 – Nas esquinas da poesia

O presente trabalho pretende analisar a produção poética do Clube da

Esquina na década de 70, época em que o Brasil vive o momento do “milagre

econômico” e sob intensa ditadura militar. Todavia, é um período em que,

apesar das adversidades, surgem vários poetas, compositores, músicos, dos

quais se destaca o grupo “mineiro”.

O objeto central de estudo vai do disco Milton Nascimento (1969) até o

de Lô Borges, A Via Láctea (1979), por ser o período compreendido por estas

obras o mais intenso e o mais marcante de criação, produção, arranjo e

execução coletiva dos principais participantes do Clube da Esquina. Antes,

porém, será necessário voltar um pouco aos anos sessenta a fim de que se

possa entender como surge este grupo “mineiro” e quais as relações existentes

com movimentos importante dessa década, como a Bossa Nova, Tropicalismo,

os festivais da canção, as canções de protesto, os CPCs.

O ponto de partida será o ano de 1967, mesmo ano da explosão

tropicalista, pois é quando se estabelece a união do “quinteto” central deste

estudo: Milton Nascimento, Lô Borges, Márcio Borges, Ronaldo Bastos e

Fernando Brant. Contudo, serão necessárias algumas referências aos anos

antecessores que possibilitaram e desencadearam este frutífero encontro para

podermos entender o ideal destes autores, relacionado-as com a produção

poético-musical do “grupo”.
O período de surgimento do grupo corresponde ao momento mais

obscuro do regime militar instaurado em 1964, que não deixou opções para os

opositores do regime e, principalmente, para jovens cheios de sonhos e idéias

para mudar o mundo, como os compositores do Clube da Esquina e tantos

outros da época. É bom lembrar que esse era o momento da contracultura e

da ebulição do poder jovem em todo mundo, e que, no Brasil, apresentava uma

especificidade devido ao endurecimento do regime em 1968. No entanto, havia

uma tônica geral neste movimento, um inconsciente coletivo: a luta contra a

falta de liberdade política, social, sexual, comportamental. Por isso, algumas

das saídas possíveis para enfrentar tal situação foram usadas pelos jovens de

então: a luta armada, as drogas, o “desbunde” (que é uma denominação

específica do Brasil, é a contracultura aclimatada), muitas vezes de forma

camuflada. Em alguns instantes, estas saídas aparecem lado a lado em

pessoas que não concordavam com a truculência do regime militar e com a

falta de liberdade política, cultural e artística.

O ano de 1968 foi um ano marcante, um divisor de águas em nossa

história recente. Não só aqui no Brasil, como na Europa, especialmente França

e Inglaterra, nos Estados Unidos, na China e em outros países. Em matéria

recente do jornal Folha de São Paulo, há uma série de artigos, cujo título

principal é “A Última Utopia”,1 que reanalisaram e revêem o ano de 1968. em

nosso estudo, também verificaremos se este movimento de 68 foi realmente o

último momento utópico do século, principalmente agora que se fala em fim da

história, fim do socialismo, fim da utopia, fim da poesia, fim de tudo.

observaremos ainda a relação da produção poético-musical do Clube da


Esquina com o ideal de 1968 e que conseqüências os movimentos da década

de 60 geraram para estes autores.

É justamente a partir deste ano (1968) que começaram a florescer as parcerias

entre Milton, Fernando, Lô e Márcio, embora Milton e Márcio tenham iniciado a

compor em 1963. A década de sessenta, período de grande efervescência

política, social, cultura e artística, certamente influenciou e deixou marcas nas

suas composições, assim como a década subseqüente de extremo

cerceamento da liberdade de expressão fez com que estes outros autores

tentassem fazer com que alguma contestação passasse “pela fresta”.2

Afinal de contas, utopia e poesia muitas vezes caminham juntas.

Podemos até afirmar que uma não existe sem a outra, portanto, se a utopia

acaba, a poesia acaba também. E se a poesia acaba, conforme disse Octavio

Paz, o homem reduz-se à metade. “À medida que o poeta se desvanece como

existência social e se torna mais rara a circulação em plena luz de suas obras,

aumenta seu contato com isso que, à falta de menor expressão, chamaremos a

metade perdida do homem”.3

Trinta anos se passaram. Esta poesia de esquina, logicamente sem

valor pejorativo, deixou para a nossa cultura uma rica herança e, com certeza,

contribuiu para o amadurecimento de nossa poesia, em especial, em sua

modalidade cantada. Estas contribuições serão ressaltadas ao longo do

trabalho.

Para analise de nosso objeto, foram pesquisados e analisados, em

primeira instância, os discos dos principais intérpretes das canções do Clube

da Esquina – Milton Nascimento, Lô Borges, Beto Guedes – e ainda alguns dos

14 Bis, do Flávio Venturini, do Boca Livre, lançados, em sua maioria, no


período de 1968-1980. Recorremos a alguns discos e cd’s lançados após esse

período quando foi preciso estabelecer esta relação com a década de 70 e a

vigente ou para ouvir regravações de canções do período assinalado acima.

Para atingir os objetivos, foram consultados livros, jornais, revistas e

entrevistas de rádio que se referiam diretamente ao objeto de estudo, tais como

o livro Os Sonhos não Envelhecem4, um relato de histórias do Clube da

Esquina feito por Márcio Borges, um de seus integrantes primordiais. Como

embasamento teórico, devido ao tema, utilizamos uma biografia interdisciplinar

com textos de Poética, Semiologia, Comunicação, História, Cultura, Música.

Octavio Paz, Umberto Eco, Walter Benjamim e Heloísa Buarque de Hollanda

são alguns dos estudiosos que mais deram sustentação às nossas reflexões.

Outra fonte importante foi a entrevista realizada com um dos músicos e

compositores que participou do Clube da Esquina, Nélson Ângelo.

Devido à amplitude de temas e canções e para reforçar o caráter

coletivo e de convergência de ideais nas composições dos autores em estúdio,

optamos em centralizar a pesquisa em alguns núcleos teóricos mais relevantes

e coincidentes, tais como: “noite”, “sonho”, utopia, resistência.

Embora reconhecendo a especificidade da canção e que sua plena

realização enquanto arte depende de sua audição, o enfoque predominante

será o poético, já que consideramos a letra de música uma forma de poesia.

Contudo, sempre que necessário e possível, iremos nos referir à parte musical,

pois a canção é um conjunto letra/música.


1.2 – Minhas esquinas

Apesar de já existirem outras pesquisas e trabalhos que consideram a

letra de música uma manifestação literária, a destacar a Tese de Doutorado de

Fred Góes5, ainda há preconceito, algumas vezes de forma direta; outras

veladamente, de algumas pessoas da área de Literatura em aceita-la como

uma forma poética. Contrariando estas últimas opiniões, também defendo a

tese de que letra de música é, de fato, poesia. Esta polêmica me instiga e me

mobiliza desde a época da graduação, quando pela primeira vez ensaiei

discutir o assunto, ainda que de forma muito ingênua e simples, apresentando

uma monografia intitulada “Letra de música é poesia” à professora Beatriz

Resende, no final do curso de Teoria Literária IV. Dessa época de graduação,

destaco como fundamentais, para o aprofundamento destas questões e para

minha formação, os cursos optativos ministrados pelos professores Fred Góes

e André Bueno nos quais elas sempre foram tratadas sem preconceitos e com

muita discussão teórica e prática.

Preconceitos de lado, hoje tenho certeza de que foram, principalmente,

as letras de música que me levaram a gostar tanto de poesia e, posteriormente

à Faculdade de Letras. Sempre gostei muito de música e, habitualmente, tinha

(ainda tenho) o costume de ouví-las com atenção, analisando-as e não apenas

consumindo-as como produtos industriais vazios e sem poeticidade. Percebia

que várias canções possuía valor poético e foram, sem dúvida, as canções de

Milton Nascimento, Lô Borges, Beto Guedes, Chico Buarque, Vinícius de

Morais, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Alceu Valença, Geraldo Azevedo e tantos

outros nomes da MPB que me levaram a gostar e querer conhecer outros

poetas. Ou seja, foram estes que me levaram ao encontro de tantos outros


poetas excelentes, como Vinícius de Morais, Carlos Drummond de Andrade,

Manuel Bandeira, João Cabral de Melo Neto, Fernando Pessoa.

Lembro-me de que, durante a década de 70, adorava ficar no meio das

rodas de violão de meus irmãos mais velhos e seus amigos. Fui tendo um

contato cada vez maior com a MPB: através do rádio, ouvia, de preferência, a

FM-NACIONAL; através dos discos de minhas irmãs mais velhas; indo a vários

shows no final dos anos setenta e início dos oitenta nos mais variados lugares.

Isso sem falar nas inesquecíveis rodas de violão em 1982 com colegas da

terceira série do segundo grau do Instituto Guanabara onde estudava e que

aconteciam na hora do recreio, em passeios e em bares de Vila Isabel, Tijuca e

adjacências. “Rolavam” músicas de cantores e compositores variados: Milton

Nascimento, Chico Buarque (Já na época, para mim, um dos maiores poetas

brasileiros), Lô Borges, Beto Guedes, Gilberto Gil, Zé Ramalho, Geraldo

Azevedo, João Bosco, etc. Dentre as músicas que faziam parte do repertório,

sempre eram pedidas e desde então ficaram em minha memória estão: Um

Girassol da Cor de seu Cabelo (de Lô e Márcio Borges), Cais (de Milton

Nascimento e Fernando Brant), Admirável Gado Novo (de Zé Ramalho),

Andança (de Danilo Caymmi, Edmundo Souto e Paulinho Tapajós), Apesar de

Você (de Chico Buarque), Não Chores Mais (Versão de Gilberto Gil), O Bêbado

e a Equilibrista (de João Bosco e Aldir Blanc). Estas três últimas tidas como

espécie de hinos pela liberdade democrática e pelo fim total da ditadura militar.

Um sinal significativo de como o LP Clube da Esquina já me impressionava (e a

outros de minha geração) pela sua qualidade poético-musical é a presença de

duas músicas deste disco entre as minhas preferências de então. Já

conhecendo este LP duplo, pois tínhamos o disco em casa, passei a me


interessar cada vez mais pela obra de Milton e dos outros mineiros,

destacando-se entre eles Lô Borges.

Na verdade, esta questão da letra de música já me intrigava e me

motivava antes de começar a Faculdade de Letras, pois via os compositores

mencionados acima também como autênticos poetas e não entendia e nem

aceitava essa discriminação pelo simples fato do veículo da poesia ser outro.

A escolha de trabalhar com as canções dos participantes do Clube da

Esquina se dá, então, por vários motivos: o prazer de ouvir e analisar seu

conteúdo poético-musical, o grande interesse pelas manifestações culturais e

artísticas da década de 70 e pela produção poética coletiva, uma das

especificidades do texto poético-musical.

Embora muitas das pessoas engajadas politicamente encarassem a

contracultura e o ideal hippie como uma alienação, sempre vislumbrei ali um

inconformismo com a situação vigente no país, mesmo sabendo que o

movimento hippie vagava por vários países e não era só brasileiro. Na verdade,

o ideal hippie e de contracultura encontra no Brasil um ambiente exatamente

favorável para sua perpetuação, visto que as formas diretas de contestação

política estavam fechadas. Temos, pois, uma série de grupos tentando viver e

lutar contra o regime, uns mais e outros menos alternativos. O Clube da

Esquina se insere neste contexto.


NOTAS:

1
FOLHA DE SÃO PAULO. Caderno Mais. “A última utopia”. São

Paulo. 10/05/1998.
2
VASCONCELLOS, G (1977).
3
PAZ, O. (1972) p.85.
4
BORGES, M (1996)
5
GÓES, F (1993)
2 – ESQUINA: CRUZAMENTO DA VIA POÉTICA E DA VIA MUSICAL

O reaparecimento da palavra falada não implica numa volta


ao passado: o espaço é outro, mais vasto, e, sobretudo em
dispersão. A espaço em movimento, palavra em rotação; a
espaço plural, uma nova frase que seja como um delta
verbal, como mundo que explode em pleno céu. Palavra ao
ar livre, pelos espaços exteriores e inferiores: nebulosa
contida em uma pulsação, pestanejo de um sol.
(OCTAVIO PAZ – Signos em rotação)

2.1 – Semeando as canções no vento*

Como esta pesquisa pretende analisar a poesia produzida na década de

70 pelos letristas (ou melhor, poetas) integrantes do Clube da Esquina, quando

o Brasil vivia o momento do “milagre econômico” e a ditadura militar, antes de

iniciarmos propriamente o tema, fez-se necessário estabelecermos algumas

diferenciações em relação a alguns termos que serão usados durante o

desenvolvimento do texto.

Em primeiro lugar, usaremos o termo poesia em seu sentido mais amplo,

a arte poética. Por isso, mesmo sabendo das diferenças existentes entre poema

e letra de música, assunto que será abordado adiante, esse termo será

empregado ora para a letra de música, ora para o poema, pois todo o texto que

trabalha artisticamente a palavra, privilegiando a função poética da linguagem, é

um texto poético; daí a denominação genérica poesia.

A questão letra/poesia será tratada, já que o âmago da pesquisa são

letras de música e, embora com diferenças em relação aos poemas, estas são,

como tentaremos demonstrar, formas poéticas, “e isso é inalienável, a canção

que existe para ser cantada tem um texto: e é nele que está evidente a função
poética da linguagem”.1 por isso chamaremos os ditos letristas de poetas por

também considerá-los artistas da palavra.

Não pretendemos, contudo, igualar poema e letra de música, nem

estabelecer uma hierarquia de valores a afirmar que uma é superior à outra.

Como foi muito bem definido por Fred Góes em sua Tese de Doutorado, a letra

de música possui uma especificidade, não podendo ser analisada isoladamente

da música.

(...) Letra e música formam um contexto indissolúvel; não se


trata de um texto subordinado à música (ou ao contrário
disso). Há simultaneamente em sua produção e na
perspectiva de suas relações, dada a necessidade de
coadunar o ritmo, a melodia e a letra. 2

Então, se na letra de música há poeticidade, é evidente que ela também

é uma forma poética. 3

Há críticos que consideram a letra de música um simples produto da

indústria cultural, sendo algo que é feito para ser consumido superficialmente e

sem qualquer análise ou discussão. Ou seja, descartam a possibilidade de uma

letra de música vir a ser considerada uma forma literária.

Na realidade, os que assim pensam produzem velhas estratificações da

literatura e da arte: poema menor, poema maior; poeta maior e poeta menor;

cultura superior e cultura inferior; nível alto, médio e baixo.4 Estes críticos não

aceitam que a arte literária, no caso a palavra poética cantada, seja consumida

por um grande número de pessoas ao mesmo tempo, independente de sua

qualidade, pois desta forma não pode ser considerada literatura, sendo somente

um produto da cultura de massa. Não podemos concordar com que pensa

assim, pois o simples fato de ser largamente disseminado pelos meios de


comunicação de massa não invalida poeticamente um texto. Será que todas as

letras de música são meros produtos industriais sem valor estético? Quem

pensa que sim esquece de uma coisa: da capacidade múltipla da arte, da

possibilidade semiótica da arte.

Ademais, classificações e estratificações como essas são variáveis no

tempo e no espaço, como bem lembrou Teixeira Coelho:

(...) frequentemente, na história, a passagem de um produto


cultural de uma categoria inferior para outra superior é
apenas questão de tempo. É o caso do jazz, que saiu dos
bordéis e favelas negras para as platéias brancas dos teatros
municipais. (...)5

Portanto não se pode rotular ou enquadrar definitivamente um texto em

um nível sem refletir o que está por trás disso, pois o que determina se um

texto é poesia não é a sua origem, classe social, meio de disseminação ou

forma e sim um conjunto de valores tais como: grau de poeticidade,

universalidade, ambigüidade que, como veremos a diante, estão presentes nos

textos das canções do Clube da Esquina. Na verdade, estas tentativas de

classificar e dividir os textos literários tem o objetivo de separar e ratificar a

divisão clássica entre a arte erudita e a arte popular, onde a primeira sempre é

vista como superior pela elite.

Vale lembrar aqui a oposição estabelecida por Umberto Eco: de um lado,

os “apocalípticos”; do outro, os “integrados”.6 É preciso considerar estas duas

visões antagônicas para podermos tirar algumas conclusões. Não da para

aceitar a posição dos “apocalípticos” que simplesmente atacam e

desconsideram o valor artístico da poesia cantada, por acharem que as letras

de músicas apenas repetem formulas e imagens, são meros produtos


industriais que visam só ao lucro, estando a reboque das grandes empresas do

disco e do entretenimento. O fato de reproduzir uma obra artística em série não

tira seu valor estético, embora altere a concepção de arte. Caso contrário,

desde que foram inventados os vários meios de reprodução de obras de arte

em diferentes modalidades, não poderíamos mais falar em arte. Na era da

“reprodutibilidade técnica”, segundo Benjamin, a concepção de arte altera-se e

deixa de ter um valor apenas de culto. A arte perde sua aura primitiva e caráter

de contemplação individual, assumindo um aspecto cada vez mais social e

plural. A reprodução técnica da obra de arte, em suas diferentes formas, muda

a relação do indivíduo com a obra. Em relação à canção, a pessoa pode ouvi-

la em vários ligares e fruí-la de diversos modos. Ou seja, há uma

“refuncionalização da arte”7 .

No caso da literatura, esta teria acabado com a invenção da tipografia,

depois com a invenção do fonógrafo e do gramofone; com a invenção do rádio,

depois da televisão e, mais recentemente, a sua morte definitiva com a

invenção do computador. Na realidade, o que temos são adaptações da

literatura aos vários meios, sem, no entanto, uma ser melhor do que a outra;

são formas diferentes que podem coexistir perfeitamente. Desde a Grécia antiga

que a literatura manifestava-se principalmente pela via oral, só deixando de sê-

lo a partir da invenção da reprodução tipográfica. Hoje temos a literatura

coligada a outros códigos, contudo, como já foi dito, isto não lhe tira o valor, ou

melhor, não é este fato por si só que vai determinar se é ou não literatura.

Por outro lado, não se pode também aceitar tudo passivamente como os

“integrados” e achar que tudo que é transmitido pelos meios de comunicação de

massa é poesia e literatura, porque é falado e usa linguagem poética. Se assim


fosse, propaganda e outros textos que utilizam a função poética seriam textos

literários. Não é isso que defendemos, pois é notório e sabido que estes textos

e muitas letras de música realmente só visam ao consumo fácil e aceitação

passiva dos ouvintes e leitores, por vezes, de fato, sem qualquer poeticidade.

Ou seja, não pretendemos dizer que todas as letras de música são grandes

obras literárias, visto que algumas realmente repetem chavões e fórmulas, mas

boa parte o são. Contudo, estas redundâncias não são exclusividade dos textos

das canções populares, podendo aparecer em outras modalidades literárias,

como: romances, contos, poemas.8

Umberto Eco, no livro citado acima, elabora duas listas com possíveis

ataques e defesas que a cultura de massas (ou como ele prefere: cultura dos

“mass media” ou “comunicações de massa”) recebe. Estes dois pólos

radicalmente contrários devem ser considerados em análises do fenômeno

poético em canções, visto que é possível encontrarmos, entre estas, textos

altamente poéticos ao lado de outros desprovidos ou com grau reduzido de

poeticidade.9 Logicamente , não são estes textos o centro de nossa discussão e

sim uma grande parte de textos da MPB que usam a palavra poeticamente sem

repetir fórmulas. Ou seja, usando termos utilizados por Umberto Eco, temos de

um lado as canções “gastronômicas” e de outro, as canções “diferentes”, entre

as quais estão inseridas as canções do Clube da Esquina e de tantos outros

nomes da MPB.10 É importante ressaltar quer o fato de uma canção “diferente”

ser executada maciçamente não lhe tira o valor poético, pois o fator

determinante deste valor não é a quantidade de vezes que uma música é

tocada, e sim o seu grau de poeticidade, algo difícil de ser medido. Essa

dualidade também é percebida por Geraldo Carneiro quando afirma que “é


preciso distinguir pelo menos duas formas de utilização do texto na música

popular”. Em relação ao primeiro tipo de música, ele diz que “o texto

desempenha uma função industrial precisa” procurando “originalidade na

banalidade”; enquanto no segundo grupo de canções, “o propósito do texto é a

invenção”.11

É preciso apagar o preconceito existente que menospreza qualquer

forma de literatura que não seja livresca e aceita pela elite. É o que

pretendemos com uma análise poética das canções dos membros do Clube da

Esquina, sempre que possível relacionando com a música já que são

inseparáveis.

Tudo depende da visão do que se considera arte e as suas funções. Por

exemplo, Charles Lalo sugeria cinco funções possíveis da arte: função de

diversão, função catártica, função técnica, função de idealização e função de

reforço ou duplicação.12 No decorrer da história da literatura, algumas dessas

funções eram valorizadas em detrimento de outras; depois, em outro momento,

alterava-se a hierarquia. E, assim essas e outras funções foram revezando-se.

Não cabe aqui nos estendermos neste assunto, mas apenas ressaltar que a

arte pode ter várias funções simultâneas na sociedade moderna.

Para provar que também a letra de música é um termo literário, estamos

recorrendo a alguns teóricos da literatura, arte e cultura que, ao longo dos anos

se preocuparam em discutir o texto poético, passando por Aristóteles, Octavio

Paz, Umberto Eco, Massaud Moisés e outros. Observaremos se o que esses

teóricos discutiam e disseram sobre a poesia também pode se aplicar à letra de

música e de que maneiras.


Por exemplo, seguindo a classificação dos gêneros proposta por

Massaud Moisés, a Letra de Música, embora ressaltando seu caráter semiótico,

pode ser considerada uma das formas poéticas do gênero literário Poesia,

podendo aparecer nas duas espécies propostas pelo referido autor – Lírica e

Épica – já que os autores destes tipos de textos também trabalham

artisticamente com palavras, ora “alargando o eu até o limite do nós: na

subjetividade do poeta se reflete um povo, uma raça e mesmo toda a

humanidade” (o poeta épico); ora “desprezando ou amoldando a si o plano

exterior, se dobra para dentro de si numa autocontemplação narcisista e

solitária” (o poeta lírico).13 Para comprovar isso, podemos citar como exemplo

deste a canção Um girassol da cor do seu cabelo e, do outro, San Vicente,

conforme podemos perceber nos fragmentos abaixo:

UM GIRASSOL DA COR DO SEU CABELO (Lô Borges e


Márcio Borges)

Vento solar e estrelas do mar


a terra azul da cor do seu vestido
Vento solar e estrelas do mar
você ainda quer morar comigo
Se eu cantar não chore não
É só poesia
Eu só preciso ter você por mais um dia
(...)
Vento solar e estrelas do mar
Um girassol da cor do seu cabelo
(...)

SAN VICENTE (Milton Nascimento e Fernando Brant)

Coração americano
Acordei de um sonho estranho
Um gosto de vidro e corte
Um sabor de chocolate
No corpo e na cidade
Um sabor de vida e morte
Coração americano
(...)
Por conseguinte, também podemos chamar os ditos letristas de poetas, uma

vez que assim chamamos genericamente todos os autores de sonetos, odes,

canções, rondeis, baladas, rondós, poemas, poemetos, epopéias. Isto, contudo,

não descarta denominações específicas para o produtor de algumas dessas

formas, como sonetista, poeta épico, menestrel, rapsodo, trovador, letrista. Ou

seja, todo produtor de poesias é chamado genericamente de poeta;

conseqüentemente, só por preconceito ou menosprezo por formas poéticas

populares, com a letra de música, os letristas não são considerados poetas por

boa parte dos teóricos da literatura que nem a consideram texto literário;

quando muito, dizem que fazem parte do folclore, que é paraliteratura ou

subliteratura.

O próprio Massaud Moisés se contradiz, pois não considera a canção e

outras manifestações orais literatura. Embora ele descarte o caráter oral da

literatura ao afirmar que “somente procede falar em literatura quando possuímos

documentos escritos ou impressos”, dizendo que “a rigor, trata-se de

transmissão de comunicação oral do texto literário escrito ou impresso: depois

que este surge, é que se processa a sua manifestação em voz alta”14, podemos

subsidiar a defesa da letra de música como uma forma poética em seu próprio

texto.

Massaud, ao definir literatura, prende-se muito ao caráter escrito,

deixando de lado o aspecto oral:

(...) Por mais generosa que seja a idéia romântica duma


literatura oral, popular, esta não passa de folclore, e só
adquire status literário quando escrita, pelos próprios autores
ou pelos interessados na matéria; em suma, quando
oferecida à leitura. Esta é, inquestionavelmente, a primeira
condição para que uma obra possua caráter literário.15
Depois, em nota ele cita dois autores em posições antagônicas, contudo,

mais uma vez, desconsidera-as, tentando menosprezá-las. Alfonso Reyes16: “A

rigor, [a literatura é] oral por essência (e não só por sua origem genérica) visto

que o caráter gráfico se refere à palavra falada e nela cobra sentido, e a palavra

só é escrita por acidente, para ajuda da memória”. Richard Chase17: “não há

povo que não tenha literatura”. Após citar estes dois autores Massaud diz:

“Parece que se confundem atividades limítrofes, mas não idênticas, o Folclore e

a Literatura, e está-se conferindo a populações iletradas uma atividade que

pressupõe, necessariamente, o ato de escrever”.18 Mais uma vez Massaud

repete um preconceito existente desde que o homem associou a arte literária à

letra, sinal gráfico, esquecendo-se de que esta não existe se o som; é apenas

uma representação gráfica dos sons das palavras. E ainda ressalta o caráter

elitista da arte literária ao dizer que esta não pode ser feita por iletrados. Parta

ressaltar a posição aqui defendida, observamos o que diz McLuhan: “Dir-se-ia

que a grande virtude da escrita é o poder de deter o veloz processo do

pensamento para a contemplação e analises constantes. A escrita é a tradução

do audível para o visual”. 19

Na verdade, o que Massaud diz ser inquestionável e primeira condição

para uma obra ser literária é uma consolidação de uma postura elitista que

desconsidera manifestações literárias orais e esquece o fato de que a literatura

se faz com palavras. Estas não são apenas sinais impressos em papéis, são,

acima de tudo, combinações de poemas, possuindo ritmo, intensidade,

musicalidade. Aqui vale lembrar Fernando Paixão: “Ler com os ouvidos/ Ler

com o nariz/ Ler com a boca/ Ler com a pele”.20 Não podemos, então, esquecer

a capacidade múltipla da literatura, de se realizar de diferentes modos.


Não pretendemos, contudo, retirar a importância da disposição espacial

das palavras no papel, importantíssima para a poesia; nem esquecer que

existem formas literárias contemporâneas que dependem fundamentalmente da

escrita, como o romance; mas sim reiterar a possibilidade de definirmos

Literatura de uma forma mais abrangente e “despreconceituosa”. Ademais,

mesmo sem a presença do texto escrito, é possível realizarmos o ofício de

críticos e fruidores do texto literário. Isto é possível ao ouvirmos um poema, um

repente ou desafio, uma história, uma canção; ao assistir a uma peça de teatro

e ao presenciarmos outras manifestações literárias orais. É óbvio que, se

tivermos o texto em mãos, poderemos nos deter mais detalhadamente em

aspectos não percebidos somente pela oralidade.

Enfim, reiteramos o que disse Alfonso Reyes: a arte literária existia

mesmo antes de haver a reprodução tipográfica e até antes de haver a escrita;

por isso, a literatura é oral em sua essência, sendo a letra responsável,

principalmente, pela perpetuação dos textos. A escrita tem a função essencial

de registro, sendo impossível imaginar a literatura e a sociedade atual sem ela,

porém o fato de tal texto não estar escrito não invalida seu caráter literário, nem

impede sua fruição como arte.

Apesar de reconhecida como forma autônoma e poética por alguns

críticos, a letra de música ainda hoje é vista por muitos teóricos, professores,

estudiosos de literatura como uma forma menor, sem valor estético, mero

produto de massa, paraliteratura, fato abordado e discutido na Tese de

Doutorado de Fred Góes: “...inúmeras classificações que aqui se sintetizam na

de Jean Tortel – ‘paraliteratura’ – que pela própria etimologia, já deixa bem clara
a posição defendida por muitos, isto é, má literatura, aquilo que está à margem

do literário”.21

Vários teóricos procuram rotular e desqualificar modalidades literárias

não convencionais, não livrescas como sendo formas menores, marginais. Foi

assim com a poesia concreta, com a poesia produzida pelos poetas alternativos

da década de 70, também chamados “marginais”, foi e é assim com os nossos

letristas da MPB e tantos outros que não seguem o cânone literário. Trabalhar

com um grupo de artistas literários que foram tachados de “desbundados” e que

optaram em trabalhar a palavra poética na música durante a década de 70 é

algo muito estimulante.

Não pretendemos, contudo, inverter o preconceito e considerar a poesia

cantada superior à poesia escrita ou falada, nem muito menos afirmar que toda

letra de música é uma obra-prima. O objetivo é mostrar que a poesia cantada é

literatura, visto que trabalha artisticamente a palavra. A canção é uma forma

poética que apresenta diferenças em relação ao poema, pois, como vimos é a

união de letra e música e, por isso, sua plena realização só acontece a partir da

interação das duas. Assim como o gênero dramático só se realiza plenamente

quando encenado e acrescido de elementos extraliterários (o palco, a

encenação, o figurino, o cenário, as luzes, etc), a canção só se realiza

plenamente quando a letra, parte literária, está associada à música.

No caso da literatura brasileira deste século, é inconcebível imaginar uma

antologia poética ou estudo sobre a poesia deste período que não contenha

textos poéticos advindos da música popular. Um painel da poesia brasileira dos

últimos trinta anos tem que conter textos de Milton Nascimento, Ronaldo

Bastos, Márcio Borges, Fernando Brant, Chico Buarque, Caetano Veloso,


Gilberto Gil, Djavan, Capinam, Alceu Valença, Geraldo Azevedo, entre tantos

outros que trabalham poeticamente a palavra associada à música; assim como

um amplo painel da literatura brasileira da primeira metade do século, sem

preconceitos quanto ao meio de disseminação poética, deve conter textos de

Noel Rosa, Dorival Caymmi, Orestes Barbosa, Cartola, Ari Barroso, Lamartine

Babo, Braguinha, Luiz Gonzaga, Humberto Teixeira e muitos outros.

Na verdade, o preconceito em relação à letra de música e outras

manifestações poéticas mais populares data de muito tempo. Basta

observarmos o preconceito que sofreram vários de nossos compositores

populares da primeira metade deste século: “Ainda era muito forte o preconceito

contra a música popular. Segundo os padrões moralistas da época, o mundo da

música era ocupado por homens e mulheres que não mereciam, sequer, ser

recebidos em casas de família”.22 Aqui se percebe claramente a oposição entre

cultura popular e cultura erudita. A primeira seria uma “arte menor” e, por isso,

não merecia uma boa aceitação por parte da sociedade da época, enquanto a

segunda seria a “Arte”. Neste trecho de seu livro A MPB na era do rádio, Sérgio

Cabral relata o episódio em que Carlos Alberto Ferreira Braga, o Braguinha,

escondeu-se sob um pseudônimo para que os amigos não o identificassem

como autor e cantor ao mesmo tempo, sendo um recurso utilizado por outros

autores. Ou seja, se a sociedade da época não aceitava a música popular,

considerando-a algo feito por malandros e pela classe mais baixa, como iria

aceitar que alguém dissesse que textos das canções poderiam ser

considerados poesia e, portanto literatura.

Os compositores/poetas do Clube da Esquina deixaram músicas e versos

inesquecíveis e belos, ao mesmo tempo em que nos dão uma síntese de como
foi este período 68-80. Aqui vale lembrar Octavio Paz quando estabelece a

relação entre poesia e história. Esta é uma das funções da poesia: o resgate de

um período histórico, fazendo-nos reviver o momento. A poesia não descreve o

momento ou relata-o como a história, revive-o, recria-o. Os textos das canções

do Clube da Esquina fazem tão bem este papel, que, portanto, evidentemente

são poesia.23

2.2 – De tudo se faz canção**

O preconceito com a letra de música é o mesmo que, em geral,

acompanhou e acompanha as formas literárias que não são da cultura letrada

desde que a poesia deixou de ser predominantemente manifestada pela via

oral. Podemos dizer que, após a Idade Média quando ainda era bastante

valorizado o seu caráter oral, a literatura se elitiza, passando a se supervalorizar

a modalidade escrita em detrimento da oral, seja falada, seja cantada.

O século XX trouxe várias inovações que, no seu decorrer, foram

acarretando mudanças na vida das pessoas e, dentre essas, alterações

diversas na arte, e em especial, na literatura. Portanto a arte moderna

incorporou e vem incorporando as inovações tecnológicas, utilizando-as como

instrumentos.

A poesia cantada começa a recuperar um pouco de espaço, não de seu

valor, com a modernidade, quando os novos meios de reprodução fonográfica

são criados e vão se sofisticando ao longo do século. Pode-se localizar esta

tímida revitalização da poesia no início do século com o advento do

modernismo, quando as audições de música começam a se deslocar do espaço

privado para o espaço público, ainda que com um limite de propagação restrito
às classes mais privilegiadas. Este aspecto é muito bem discutido por Nicolau

Sevcenko em seu livro Orfeu extático na metrópole.

Não foram só salões, clubes e bailes pagos que vieram


mudar a cena. Por trás deles estava a universalização da
indústria fonográfica, com o grande destaque das
distribuidoras americanas. O ano de 1919 assinalou
justamente a transição tecnológica do obtuso gramofone para
a moderna vitrola: mais versátil, mais potente e sobretudo
mais acessível. (...) Por isso, se o gramofone estivera
associado com as audições privadas, no lar, em família, de
música erudita ou óperas, a vitrola se oferecia para audições
públicas de jovens excitados com o frenesi de bandas
estridentes (...).24

As invenções do fonógrafo e do gramofone possibilitaram uma

ampliação, ainda tímida, das audições musicais que antes era restrita aos

concertos em teatros, às músicas tocadas pelas orquestras como fundo nos

cinemas e em suas salas de espera ou em casa, principalmente, através do

piano. Ainda no fim do século XIX, o fonógrafo já aparecia como a grande

invenção que reproduzia sons variados: “Grande exposição da máquina norte-

americana O fonógrafo – Que fala! Canta! Ri! Ladra! Mia! E toca solos de

pistom!”25

Na década de 20, teremos o início das gravações elétricas e a evolução

no rádio ampliando a audição de música popular, sendo, segundo Sergio

Cabral, o símbolo deste novo modo o cantor Mário Reis (1907 – 1981).

(...) Era algo muito novo para um público que se acostumara


a ouvir a nossa música geralmente mais gritada do que
propriamente cantada. Agora, dispondo de um sistema de
som capaz de registrar qualquer tipo de voz, por meio de
microfones, amplificadores e agulhas eletromagnéticas de
leitura, ninguém precisava berrar mais. Cantando de maneira
coloquial, muitas vezes quase recitando, Mário Reis tornou-
se o pai da moderna apresentação da música popular
brasileira. (...)26
Temos ainda nesta época a instalação, modernização e evolução

tecnológica das gravadoras no Brasil. Foram instaladas no Brasil as

multinacionais Parlophon, Columbia, Brunswick e a Victor todas com

equipamento elétrico. foi uma época de muitas gravações na música popular

brasileira. Uma das conseqüências é a possibilidade de, assim como no poema,

“acompanhar pelas letras das músicas a evolução dos acontecimentos

políticos”27, ou seja, de revivermos a história de um período, algo que é uma das

características fundamentais do texto literário. Esta é uma função muito bem

desempenhada pela crônica e incorporada ao poema pelo Modernismo, que

passa a apresentar uma linguagem mais próxima do cotidiano e temas do dia-a-

dia. Dentre os compositores deste período podemos destacar Noel Rosa, um

poeta e tanto que nos faz viver um momento histórico com belas imagens.

E já na década de 30, segundo Sérgio Cabral, os aparelhos de

reprodução fonográfica começam a ser adquiridos pela classe média, dando

início a uma era em que o rádio se destacaria cada vez mais como o principal

veículo da música popular brasileira e da poesia cantada: “O mercado foi

contemplado com a venda a crédito, o que levou a classe média, já nos

primeiros anos da década de 30, a substituir o velho piano da sala de visitas

pelo aparelho de rádio e pela vitrola, ou pelo gramofone”.28

Após esta fase, teremos a canção popular cada vez mais ocupando

espaço nos meios de comunicação, por meio dos programas de rádio e dos

festejos de carnaval, que eram seus principais divulgadores. Posteriormente,

além do rádio, que ocupa um espaço relevante na cultura brasileira desde os

anos 30, embora a primeira estação brasileira de rádio – a Rádio Sociedade –


tenha surgido em 20 de abril de 1922 no Rio de Janeiro, teremos a televisão, os

festivais e shows difundindo a poesia cantada.

O desenvolvimento da radiofonia foi o principal instrumento para revigorar a

poesia em sua modalidade cantada. Sendo o elemento fundamental de

divulgação de grandes mestres da nossa MPB, como Noel Rosa, Pixinguinha,

Silvio Caldas, Orestes Barbosa e tantos outros, o rádio continua exercendo esta

função, auxiliado pela televisão, sobretudo a partir dos anos 60. Embora Sergio

Cabral marque como o “fim da era do rádio” o ano de 195829, o rádio continua

fazendo parte do dia-a-dia do brasileiro, porém de outra forma. Não mais os

músicos e cantores ai vivo nas rádios, embora isso tenha se prolongado pelo

início da década de sessenta. A partir dos anos 60, temos uma nova era do

rádio, cabendo a este veículo a propagação da poesia cantada através das

músicas gravadas em LPs. Na verdade, não temos a morte deste veículo de

comunicação, apenas uma alteração no seu modo de execução proporcionada

pela chegada da televisão ao Brasil em 1950. É lógico que esta alteração não

se dá repentinamente, mas sim de forma gradativa durante os anos 50.

A frase que se ouvia na rádio Nacional-FM (décadas de 70 e 80)

“brasileiro não vive sem rádio” expressa muito bem a relação que o brasileiro

continuou tendo com este veículo de comunicação e a música popular

propagada por ele. Assim como a rádio não acabou com a chegada da

televisão, ele continua tendo seu espaço próprio após a chegada do

computador e com um papel fundamental da propagação da música e da poesia

cantada de hoje e de outros tempos. Assim como a poesia escrita tem e

continuará a ter seu espaço mesmo com todas as inovações tecnológicas.


Enfim, um meio não anula necessariamente outro, podem coexistir

perfeitamente: reunião de “signos em rotação”, espaço plural.30

Através do rádio a poesia cantada se espalha por todo território nacional,

colocando belos versos nos ouvidos e lábios de milhões de brasileiros, para

desespero dos conservadores da literatura que valorizam somente a poesia

escrita e não consideram a letra de música manifestação literária ou criam

rótulos para diminuí-la, como, por exemplo, paraliteratura.

Embora fazendo parte da vida brasileira desde que se popularizou nos

anos 30, a MPB ganha fôlego novo a partis da década de 60 e 70 com a

expansão dos meios de comunicação de massa e a poesia invade lares e bares

via música popular brasileira. Temos, então, boa parte dos nossos melhores

poetas produzindo poesia para ser cantada. Isso não quer dizer que não tenha

existido poesia livresca neste período, porém boa parte dos textos poéticos da

época estavam na música popular, seja na bossa nova, na canção de protesto,

no tropicalismo, seja nas canções dos festivais ou, posteriormente, no Clube da

Esquina e outros.

(...) É importante salientar que, neste momento, a música se


torna um item fundamental na pauta de consumo de boa
parte da juventude das camadas médias das áreas urbanas.
A música veiculava não apenas informação estritamente
musical, mas também poética e comportamental e, tudo isso,
de modo especialmente integrado. (...)31

Originalmente, a literatura era iminentemente um ato social, passando depois a

ser um ato predominantemente individual, mesmo considerando que

continuaram existindo, como até hoje, audições públicas, recitais de poemas,

histórias contadas em rodas familiares e de amigos. O enfoque principal passa

a ser o texto escrito em detrimento da oralidade.


Em sua origem, a poesia, a música e a dança eram um
todo. A divisão das artes não impediu que durante muitos
séculos o verso fosse ainda, com ou sem apoio musical,
canto. Em Provença os poetas compunham as músicas de
seus poemas. Essa foi a última ocasião em que a poesia do
ocidente pôde ser música sem deixar de ser palavra. Desde
então, toda vez que se tenta reunir ambas as artes, a poesia
se perde como palavra, dissolvida nos sons. A invenção da
imprensa não foi a causa do divórcio, mas acentuou-o de tal
modo que a poesia em vez de ser algo que se diz e se ouve
converteu-se em algo que escreve e se lê. Certo, a leitura do
poema é uma operação particular: ouvimos mentalmente o
que vemos. Não importa: a poesia nos entra pelos olhos, não
pelos ouvidos. E ademais, lemos para nós mesmos, em
silêncio. Trânsito do ato público ao privado: a experiência se
torna solitária. (...)32

Realmente, a partir da invenção da reprodução tipográfica, a poesia

afasta-se de suas origens e passa a ser mais vista e lida em silêncio do que

ouvida, falada e cantada. Posteriormente, há uma mudança em seu formato

proporcionada pelo século XX e a modernidade: a recuperação e a

revalorização do som da poesia, principalmente através da música popular,

contudo, agora, é um som amplificado.

Na verdade, a poesia não se perde e fica “dissolvida nos sons” quando

acompanhada da música, apenas há mudanças significativas no

pronunciamento das palavras influenciadas pela melodia, ritmo, arranjo e

harmonia da linguagem musical. A música reforça a palavra e seu conteúdo

poético, obviamente de forma diferente do poema. Pode ser que antes que

antes do advento do Modernismo houvesse isso, porém este começa a

revitalizar a poesia cantada, ainda que de forma tímida. Todavia, a partir dos

anos 60, esta revitalização torna-se irrevogável com a poesia cantada

dominando, muitas vezes, a cena poética brasileira. Há, então, um

revigoramento da poesia com seu deslocamento para o espaço público.


(...) Hoje a situação transformou-se de novo: voltamos a ouvir
o mundo, embora não possamos vê-lo. Graças aos novos
meios de reprodução sonora da palavra, a voz e o ouvido
recobram seu antigo lugar. Alguns anunciam o fim da era da
imprensa. Não creio. Mas a letra deixará de ocupar um lugar
central na vida dos homens. O espaço que a sustentava já
não é esta superfície plana da física clássica, na qual se
depositavam todas as coisas, desde os astros até as
palavras. (...) hoje o espaço se move, incorpora-se e torna-se
rítmico. Assim, o reaparecimento da palavra falada não
implica numa volta ao passado: o espaço é outro, mais vasto,
e, sobretudo, em dispersão. A espaço em movimento, palavra
em rotação; a espaço plural, uma nova frase que seja como
um delta verbal, como um mundo que explode em pleno céu.
Palavra ao ar livre, pelos espaços exteriores e interiores:
nebulosa contida em uma pulsação, pestanejo de um sol.33

Ainda sobre a relação música-poesia, podemos refletir sobre o que

Octavio Paz diz:

A poesia ocidental nasceu aliada à música; depois, as duas


artes se separaram e cada vez que se tentou reuni-las o
resultado foi a querela ou a absorção da palavra pelo som.
Assim não penso em uma aliança entre as duas. A poesia
tem a sua própria música: a palavra. E esta música, como
Mallarmé demonstra, é mais vasta que a do verso e da prosa
tradicionais. De uma maneira algo sumária, mas que é
testemunho de sua lucidez, Apollinaire afirma que os dias do
livro estão contados: “la typografye termine brillament as
carrière, à l’aurore des moyens nouveaux de reproduction qui
sont lê cinema et lê phonographe”. Não creio no fim da
escritura; creio que cada vez mais o poema tenderá a ser
uma partitura. A poesia voltará a ser palavra pronunciada.34

Há aqui duas posições aparentemente contraditórias, mas que, no fundo,

não são excludentes. Primeiro, Paz afirma não crer numa aproximação da

poesia com a música, defendendo que a poesia possui a sua própria música e

que esta acaba por absorver a musicalidade latente do texto poético. Já

Apollinaire dizia que a poesia escrita estava com os dias contados, devido aos

novos meios de reprodução fonográfica que permitiriam uma divulgação muito

maior da poesia cantada. O próprio Paz conclui dizendo que não crê no fim da
escritura, mas que “a poesia voltará a ser a palavra pronunciada”. Ou seja,

temos aqui o regresso da poesia às suas origens, quando era basicamente oral.

Na verdade, como o próprio tempo já nos mostrou, a poesia escrita

continua existindo, assim como a poesia falada e cantada. O que acontece é

que, devido ao incremento dos meios de produção fonográfica e

desenvolvimento dos meios de comunicação áudio-visuais, a poesia passa,

cada vez mais, a se destacar em sua modalidade cantada. Para isso

contribuíram, especificamente no Brasil, os movimentos culturais da década de

60, como a Bossa Nova, os CPCs, o Tropicalismo, a Jovem Guarda, os festivais

de MPB, as canções de protesto; e a nível mundial, os Beatles, a contracultura,

o maio de 1968 em Paris.

Contudo, não podemos dizer que uma forma de poesia é melhor que

outra ou que uma anula a outra. São formas poéticas que sobrevivem apesar de

todo tecnicismo e têm seu espaço na atualidade.

Com a difusão cada vez maior da poesia cantada via meios de

comunicação de massa, temos, de certa forma, um regresso às origens da

poesia quando esta acompanhava o homem em seus afazeres diários. Não

queremos dizer com isso que a poesia de nossas canções tem a função exata

que tinha na antigüidade. Nesta época, ela estava associada aos rituais,

religiões, cultos e os homens é que entoavam e cantavam suas poesias, numa

atitude ativa, enquanto os homens de hoje, na maioria das vezes, têm uma

atitude passiva, pois só ouvem o que toca nas rádios, muitas vezes sem

qualquer atitude crítica e aceitando o que as grandes indústrias fonográficas e a

mídia “nos empurram com seus enlatados”.35


Hoje podemos confirmar o que Octavio Paz disse: a poesia é múltipla,

está nos papéis (livros, jornais, cartas) nas músicas, nas falas e, ampliando as

possibilidades, até nos computadores. Ou seja, “as obras do tempo que se

nasce não estarão regidas pela idéia da sucessão linear e sim pela idéia de

combinação: conjunção, dispersão, e reunião de linguagens, espaços e tempos

. a festa e a contemplação. Arte da conjunção”. Partindo desta idéia de Octavio

Paz, podemos afirmar que a canção – letra e música – é uma arte da

conjugação”, pois reúne linguagens diferentes que, combinadas, representam

uma revitalização da poesia, sendo uma forma de arte que renasce “como ação

e representação coletivas e o de seu complemento contraditório, a meditação

solitária”.36

Os meios de comunicação de massa conseguiram resgatar um pouco do

espaço perdido pela poesia cantada através dos séculos em nossa cultura,

ainda que com diferenças fundamentais em relação à poesia cantada época de

Aristóteles, apesar de existirem letras de música sem conteúdo poético. Quando

falamos desse resgate, não queremos dizer que os preconceitos e ataques a

ela findaram ou que já é amplamente aceito o valor poético das letras de

música, mas que, aos poucos, a poesia cantada vai encontrando o seu lugar,

sendo discutida e analisada por teóricos mais abertos, conseguindo, inclusive

entrar na faculdade de letras, ainda que de forma tênue e apesar das posições

retrógradas. Também não pretendemos supervalorizar os meios de

comunicação de massa e dizer que todas as canções apresentam conteúdo

poético, já que várias simplesmente visam apenas a uma aceitação passiva do

público, sendo “empacotadas” e massacradas diariamente através da maioria

das rádios e tevês.


NOTAS:

*Verso da canção Sol de Primavera de Beto Guedes e Ronaldo Bastos.

**Verso da canção Clube da Esquina 2 de Milton Nascimento, Lô Borges e

Márcio Borges.
1
GÓES, F (1993) P. 77.

2 Ibidem, Ibidem

3 MOISÉS, M. (1993) p.125.

Sobre o conceito de poeticidade, vale observar dois trechos abaixo

recolhidos do livro A criação literária:

Mas como a poeticidade se manifesta? Nisto: a palavra é


experimentada como palavra, e não como simples substituto
do objeto nomeado, nem como explosão de emoção. Nisto:
as palavras e sua sintaxe, sua significação, sua forma
externa e interna não são índices indiferentes da realidade,
mas possuem seu próprio peso e seu próprio valor.
(JAKOBSON, J) “Qu’est-ce que la poésie?”, Poétique, Paris,
Seuil, 1971, número 7, pp.300, 307, e 307-308.

(...) A função poética não é a única função da arte verbal,


mas tão somente a função dominante, determinante, ao
passo que, em todas as outras atividades verbais, ela
funciona como um constituinte acessório, subsidiário. (...) Daí
que, ao tratar da função poética, a Lingüística não possa
limitar-se ao campo da poesia.” (Idem, Lingüística e
Comunicação, tr. Brasileira, S. Paulo, Cultrix, 1969, pp. 127 –
128)
4
ECO, U. (1979), p.56.

Umberto Eco apresenta muito bem uma crítica a estas estratificações:

Os três níveis coincidem, portanto, com três níveis de


validade estética. Pode-se ter produto high brow, que se
recomende por suas qualidades de ‘vanguarda’, e reclama
para ser fruído certo preparo cultural (...), e que, todavia no
âmbito das apreciações próprias daquele nível, venha a ser
julgado ‘feio’ (sem que, por isso, seja low brow). E pode haver
produtos low brow, destinados a serem fruídos por um
vastíssimo público, que apresentem características de
originalidade estrutural tais e tamanha capacidade de
superarem os limites impostos pelo circuito de produção e
consumo em que estão inseridos, que nos permitam julga-los
como obras de arte dotadas de absoluta validade.
5
COELHO, T. (1996), p.17.
6
ECO, U. (1979).
7
BENJAMIN, W. (1971) p. 172 – 176.
8
ECO, U. (1979).

Umberto Eco analisa bem esta questão, ponderando os erros de cada

lado:

O erro dos apologistas é afirmar que a multiplicidade dos


produtos da indústria seja boa em si, segundo uma ideal
homeotase do livre mercado, e não deva submeter-se a uma
crítica e a novas orientações. (p. 49)

O erro dos apocalípticos-aristocráticos é pensar que a cultura


de massa seja radicalmente má, justamente por ser um fato
industrial, e que hoje se possa ministrar uma cultura
subtraída ao condicionamento industrial. (p.49)

O autor diz que a falha está em formular o problema assim: “é bom ou

mau que exista a cultura de massa?”. Segundo Eco, o problema é:

(...) do momento em que a presente situação de uma


sociedade industrial torna ineliminável aquele tipo de relação
comunicativa conhecida como conjunto dos meios de massa,
qual a ação cultural possível a fim de permitir que esses
meios de massa possam veicular valores culturais? (p.50)
9
ibidem, p 39-48
10
ibidem, p.295-299.
11
In: BHAIANA, A. (1980) p. 192-193.
12
ECO, U. (1979) p.305.
13
MOISÉS, M. (1993) p.70.
14
Ibidem, p.20.
15
Ibidem, p.21-22
16
REYES, A. Deslinde, Prolegómenos a la Teoria Literária. México: El Colégio

de México, 1944. In: MOISÉS, M. (1993), p.22.


17
CHASE, R. In: Ibidem, p.22.
18
MOISÉS, M. (1993) p.18.
19
MCLUHAN, M. In: LIMA, L.C. (org.) (1969) p.145.
20
PAIXÃO, F (1991) p.102.
21
GÓES, F. (1993) p.73.
22
CABRAL, S. (1996) p.23.
23
PAZ, O. (1972).

(...) A palavra poética é histórica em dois sentidos


complementares, inseparáveis e contraditórios: no de
construir um produto social e no de ser uma condição prévia
à existência de toda sociedade. (p.52)

(...) Embora comungue no altar social e comparta com inteira


boa fé as crenças de sua época, o poeta é um ser à parte,
um heterodoxo por fatalidade congênita: sempre diz outra
coisa, inclusive quando diz as mesmas coisas que o resto
dos homens de sua comunidade. A desconfiança dos
Estados e das igrejas diante da poesia não nasce apenas do
natural imperialismo destes poderes: a própria índole do dizer
poético provoca o receio. Não é tanto aquilo que o poeta diz,
mas o que vai implícito ao seu dizer, sua dualidade íntima e
irredutível, o que outorga às suas palavras um gosto de
liberação. (...) A palavra poética jamais é completamente
deste mundo: sempre nos leva mais além, a outras terras, a
outros céus, a outras verdades. A poesia parece escapar à lei
de gravidade da história porque nunca é inteiramente
histórica. Nunca a imagem quer dizer isto ou aquilo. Antes
sucede o contrário, como já se viu: a imagem diz isto e aquilo
ao mesmo tempo. E mais ainda: isto é aquilo. (pp.55-56)
24
SEVCENKO, N (1992) p.90.
25
CABRAL, S. (1996) p.7.
26
Ibidem, P.18-19.
27
Ibidem, P.20.
28
Ibidem, P.19.
29
Ibidem, P.106.
30
PAZ, O (1972) p.119.
31
PEREIRA, C.A.M. (1981) p.39.
32
PAZ, O. (1972) p.116.
33
Ibidem, P.118-119.
34
Ibidem, P.26-27
35
RUSSO, R. (1984) GERAÇÃO COCA-COLA. In: Legião Urbana. Rio de
Janeiro EMI/ODEON, LP 064 422944, 1984.
36
PAZ, O (1972) p.137.
3 – ANTES DA ESQUINA

A idéia cardeal do movimento revolucionário da era


moderna é a criação de uma sociedade universal que,
ao as opressões, desenvolva simultaneamente a
identidade ou semelhança original de todos os homens
e a radical diferença ou singularidade de cada um.
(OCTAVIO PAZ – Signos em rotação)

3.1 – Pré-68: “de minha garganta as canções explodem”*

Antes de se chegar ao período de produção deste objeto de estudo, 68-

80, torna-se necessário um regresso aos anos anteriores para que se possa

situar o grupo de músicos, compositores e poetas que constituem o Clube da

Esquina, para entender como se deu a aproximação destes em torno de Milton

Nascimento e como os fatos influenciaram a produção poético-musical do

grupo.

Fazer um breve histórico dos principais acontecimentos da década de 60

não é uma tarefa fácil, nem é nosso objetivo principal, visto que foi um período

de transformações e possibilidades de transformações muito grandes, tanto na

política, quanto nas artes e, ainda, no comportamento geral. Por isso nos

limitaremos a citar alguns fatos e acontecimentos mais relevantes.

Após um início promissor de década nas mais diversas áreas com as

Reformas de Base reclamadas pela sociedade e pretendidas pelo Governo

João Goulart, temos o primeiro golpe mais duro contra as transformações que

vinham acontecendo ou que estavam por vir: a tomada do poder pelos militares

em 31 de março de 1964, mesmo dia em que Milton estréia em uma boate. “Por

questão de sobrevivência, Milton passa a tocar contrabaixo no conjunto


Berimbau Trio (formado por ele, Wagner Tiso e Paulinho Braga) na boate

Berimbau, inaugurada em 31 de março de 1964”.1

Neste inicio dos anos 60, temos uma “poesia de vanguarda ou de dicção

populista”, quando é feito o anteprojeto do Centro Popular de Cultura que

“postula o engajamento do artista “ e distribui os artistas e intelectuais em três

grupos: “ou conformismo, ou inconformismo (“revolta dispersiva”) ou a atitude

revolucionária conseqüente”.2

Após o golpe de 64, “apesar da ditadura há relativa hegemonia cultural

da esquerda no país”, segundo Roberto Shuwarz.3 O golpe militar age mais

drasticamente, neste primeiro momento, sobre os movimentos populares,

sindicais e partidos políticos. Por isso, continua a predominância do ideário

esquerdista na cultura, propagando-se, prioritariamente, entre professores e

estudantes universitários e secundaristas, e intensificando-se cada vez mais até

chegar o “dezembro negro” de 68.

Então, a MPB, que já vinha sendo revalorizada e redimensionada pela

Bossa Nova estreitando a inter-relação letra e música, exerce influência cada

vez mais significativa na juventude brasileira, destacando-se, depois, o

Tropicalismo, as Canções de Protesto, e os festivais de música. Ou seja, “a

música popular emerge também como um importante veículo de poesia,

domínio de pesquisas estéticas e campo de batalha entre as vanguardas

artísticas”.4

No pós-64 há vários acontecimentos importantes, não necessariamente

nesta ordem: a ilegalidade da UNE, os primeiros atos institucionais do General

Castelo Branco, o fim da eleição direta, o show Opinião, o Cinema Novo, Terra

em Transe, os festivais de música, “Geração Paissandu”, CPC X Vanguarda e,


ainda, manifestações estudantis contra atitudes autoritárias e por reformas em

vários países culminando no maio de 1968 na França. Estes fatos influenciaram

com certeza os jovens da época, em especial aqueles que sonhavam um

mundo melhor e começaram a produzir arte nesta época, como foi o caso de

Milton Nascimento, Márcio Borges, Fernando Brant, Ronaldo Bastos, Lô Borges

e outros.

Em relação à literatura escrita deste período, Heloísa Buarque de

Holanda diz que ela “aparece desarticulada, como se não tivesse encontrado a

forma de adequar-se a essa efervescência”, ou seja, temos os poetas já

conhecidos como João Cabral, Carlos Drummond e outros, contudo suas

produções não estão diretamente ligadas à multiplicidade cultural requerida pelo

público. 5

Destacam-se na segunda metade da década de 60 a explosão do

Tropicalismo e os festivais de música promovidos pelas redes de televisão. O

Tropicalismo (com Caetano Veloso, Gilberto Gil, Torquato Net, Capinam e

outros) misturando vários movimentos culturais e políticos da juventude

(Beatles, o cinema de arte, destacando-se Godard e Truffaut, Bob Dylan, os

hippies, contracultura) e valorizando entre outros elementos o fragmentário, a

valorização do tempo presente, a construção literária das letras, a crítica de

comportamento e, principalmente, o alegórico. Os festivais possibilitando o

surgimento e/ou consagração de vários artistas de qualidade e com

características variadas: Chico Buarque, Edu Lobo, Geraldo Vandré, Milton

Nascimento, entre outros.

Sem pretensão de estudar com minúcias a década de 60, mas apenas

dar uma idéia da riqueza e diversidade de valores surgidos então, temos nomes
como os citados acima e muitos outros, que não se esgotam nesta lista, como

Nara Leão, Paulinho da Viola, Paulo César Pinheiro, Mutantes, o pessoal da

Jovem Guarda. Ou seja, é um período extremamente rico para a nossa poesia

cantada.

Apesar de já estarmos num regime ditatorial, é em 1968 que ocorre o

golpe fatal para a democracia e a liberdade no Brasil: AI-5 (Ato Institucional N.º

5). É o grande “divisor de águas” de nossa história recente e que decreta, entre

outras medidas, a censura prévia aos meios de comunicação, o fechamento do

Congresso, ou seja, o fechamento completo do regime. Isso acarretará reflexos

evidentes na vida política, cultural e artística. Sobre o clima reinante nessa

época, Márcio Borges sintetiza usando uma linguagem cinematográfica e

comovente:

(...) Estudantes são mortos em Ohio. São mortos no Rio. São


mortos em toda parte, ah, look at all these lonely people…
Galeno sumiu. Beto Freitas sumiu. Inês sumiu. Ricardo Vilas
sumiu; os que não caíram ainda, ou não se exilaram viraram
freaks nas ruas, na praia, no mato, que ninguém quer morrer
e a morte agora ronda a juventude. A barra pesou. (...) Tudo
acontece no seio da juventude, do terror ao êxtase, mas o
globo terrestre continua dominado pelos gerontocratas (...)
Doze artigos desabam sobre nós e tornam todos os
brasileiros reféns indefesos da ditadura. (...) os atos
institucionais da ditadura estão matando o que restava do
belo de no horizonte perdido de nossos ideais. Agora é hora
de muita paranóia. Deise se suicidou. Serginho do Levy se
suicidou... (...) este dezembro negro vai ficar na memória de
todo mundo... sem lenço, sem documento seria LSD? Onde
andarão os que sumiram? Estão vivos? Ou mortos. O O
DOPS empastelou a sede nova do CEC (...)6

Segundo Gilberto Vasconcellos,

(...) depois de 1969, época em que a hegemonia cultural de


esquerda sofre um golpe mortal com a implantação do AI-5 e
a conseqüente despolitização vigente no país, a noção de
vanguarda entendida em termos de grupo desaparece no
cenário da MPB. (...)7
Entretanto, sem o intuito de enquadrá-los como vanguarda, o pessoal do

Clube da Esquina representa um dos principais focos de produção poético-

musical coletiva da década de 70, período marcado de um lado pelo

endurecimento do regime com prisões, torturas, mortes e intimidações para

quaisquer tentativas de oposição e de outro pela tendência ao individualismo,

surgimento de focos guerrilheiros em vários lugares e de grupos envoltos pelo

“pé na estrada”, pelo pó na/da estrada. Ou seja, temos uma necessidade em

vários jovens, já influenciados pelo ideal da contracultura disseminado em

outros países e marcados direta ou indiretamente por todo passado recente do

Brasil, da busca de convívios grupais que objetiva não só a fuga da triste

realidade, mas também uma maneira de não apagar completamente suas idéias

e seus sonhos. O desejo utópico realiza-se aqui em duas vertentes: ao mesmo

tempo em que é fuga da triste realidade, transforma-se em algo de concreto: a

organização de grupos.

O Clube da Esquina representa a necessidade de convívio e criação

coletiva como uma forma de resistência cultural, deixando-nos perceber vários

elementos que refletem o período, além da visão geral já aceita para seus

principais representantes que é a do “pé na estrada” e do “desbunde”. Sem

querer negar estes dois elementos, muito pelo contrário, ampliaremos as

conotações da obra do “grupo”, formando um painel da década de 70.

Em suma, desde 1964, a MPB passa a exercer influência notável na

juventude brasileira até a chegada à “cultura da depressão”, termo usado por

Gilberto Vasconcellos para designar o período de 1969 a 1974, marcado por

“variações no irracionalismo, no misticismo, no escapismo e sob o signo da


ameaça”. 8 E com Caetano, Gil e Chico no exterior, o Clube da Esquina assume

o movimento de resistência na MPB.

3.2 – A travessia de Milton 9

Antes de falar propriamente do surgimento do Clube da Esquina, é

necessária uma retrospectiva do passado do elemento aglutinador do “grupo”:

Milton Nascimento, ou, simplesmente, Bituca para os amigos mais íntimos.

Segundo várias pessoas que passaram pelo “clube”, entre as quais Nélson

Ângelo, foi ele quem juntou, “polarizou” essas pessoas todas por ser muito

admirado, talentoso, carismático, no sentido de juntar gente, provocando “uma

montanha de amizade”.10 é conveniente lembrar que o Clube nunca foi um

grupo formalmente estruturado, embora estejamos utilizando esta terminologia

desde o início. Na verdade, eles nunca constituíram um grupo nos moldes

tradicionais, entretanto no período de 1970 a 1978 estão quase sempre juntos,

inclusive no que se refere à participação nos discos dos diversos integrantes.

Milton Nascimento nasce em 1942 e é carioca da Tijuca, embora

“adotado” por Minas Gerais. Ele é levado ainda recém-nascido para Três Pontas

(MG) por seus pais adotivos. Lá, por volta dos 15 anos, forma o seu primeiro

conjunto musical – o “Luar de Prata” – com Wagner Tiso, mineiro, colega de

infância e primeiro parceiro. Depois passa por algumas outras experiências em

conjuntos e sai cantando e tocando por clubes de várias cidadezinhas.

Em 1963, uma primeira guinada em sua vida. Decidido a seguir uma

carreira artística e consciente de que esta não podia ser construída em Três

Pontas, Milton muda-se para Belo Horizonte e logo conhece alguns de seus

futuros parceiros, como Márcio Borges (mineiro nascido em 1946), seu irmão Lô
Borges (mineiro nascido em 1952, um garoto ainda) e, posteriormente,

Fernando Brant (mineiro nascido em 1946). Milton por um acaso vai morar

também no edifício Levy, onde morava a família Borges, tornando-se amigo

inicialmente de Marilton, que também era músico, e depois de todo o clã dos

Borges, em especial de Márcio e Lô. O período em que moraram no Levy

propiciou não só uma grande amizade entre Milton e os Borges a ponto de ser

considerado o décimo segundo filho da família, como também o início de uma

parceria com Márcio Borges e, posteriormente, já em Santa Tereza (Belo

Horizonte), com Lô Borges.

Desde então, Milton passa a tocar contrabaixo e a cantar em boates ao

lado de seu amigo Wagner Tiso que também havia se transferido para Belo

Horizonte. Os dois são convidados a integrar o conjunto Sambacana, com o

qual viajam para o Rio de Janeiro em 1964, a fim de gravarem dois discos.

Na verdade, Milton e Márcio Borges começam a se aproximar e tornam-

se amigos em 1964 quando passam a sair junto para conversar, beber, ir ao

cinema, uma das paixões de Márcio Borges que sonhava ser cineasta com

Milton fazendo a trilha sonora de seus filmes. Sobre as primeiras composições

de Milton, Márcio diz:

(...) Os arranjos que criava para músicas alheias eram algo


inédito, profundamente original e estranho, não se pareciam
com nada que alguém pudesse ter ouvido antes. Tinha de
tudo ali, Yma Sumac, carro de boi, vento no cafezal, Miles
Davis, Tamba Trio, Nelson Gonçalves, hino católico, trilha de
faroeste, e ao mesmo tempo não tinha nada, só Bituca e sua
voz retinida de taquara não-rachada, animal extraterreno
enjaulado a força, e no entanto capaz de doçura de mangue,
de fruto suculento. Original.11
De fato, a música de Milton, assim como a de vários outros “mineiros”,

possui uma enorme universalidade aliada a um forte provincianismo. Segundo

Nélson Ângelo, essa foi uma vantagem do local, pois “em Minas Gerais se ouvia

de tudo, com a cabeça totalmente despretensiosa”. Ouvia-se congada, Bach,

Chopin, Blues, Jazz, os Beatles (segundo ele, um capítulo à parte). Enfim,

“época de uma grande riqueza” com “músicos que tocam bem, harmonias

sofisticadas, composições sofisticadas” devido a essas e outras influências,

como a bossa nova.12

É importante destacar o grande incentivo dado pelo amigo Márcio Borges

à carreira de Milton Nascimento, que, na época, era também datilógrafo, ou

melhor, como ele mesmo preferia dizer, escriturário, fazendo isso para se

sustentar. Márcio foi o grande estimulador da carreira de Milton, de quem se

tornou seu primeiro parceiro nas composições, após uma profunda amizade que

consolidava entre ambos, cujo marco foi o filme Jules et Jim de François

Truffaut. “No dia de ver Jules et Jim, estávamos felizes como dois meninos em

férias deliciosas, Felizes porque fazia uma bela tarde ensolarada, éramos

jovens e fortes e apesar da ditadura íamos ver um filme genial”.13

Após assistirem ao filme três vezes, surgem as primeiras “filhas” como

passam a chamar as parcerias feitas por eles:

(...) Fomos direto para o Levy, direto para o ‘quarto dos


homens’. Sem delongas, Bituca pegou seu violão (...) e
inventou um trema; melhor destilou tudo aqui, todas as
emoções que andara sentindo nos últimos tempos, desde
sua mudança para o Levy, culminando naquelas seis horas
ininterruptas que passara concentrado na magia de uma
linda história de amor escrita com luz e sombra (...) Por
minha vez, eu rabiscava algumas palavras em torno do tema
que descrevia a mim próprio como Paz do amor que vem.14
Márcio afirma que “as eras poderiam se dividir, a partir desse fato

consumado, em A.J.J e D.J.J”, isto é, antes e depois de Jules et Jim.15 Nesta

noite, sob efeito do filme e do momento, os dois compõem três músicas: Paz

do amor que vem (Novena), Gira-girou e Crença. Podemos destacar Novena

(nome que vai figurar sozinho nas gravações posteriores), que, além de estar

no primeiro LP de Milton, é regravada duas vezes: primeiro, no LP de Beto

Guedes Amor de Índio (1978) e depois no Ângelus (1993) de Milton. A canção

lembra realmente uma novena, só que pelo amor, pelos “deserdados desse

chão”, misturando ternura e preocupação social.

NOVENA (Milton Nascimento e Márcio Borges)

se digo um ai
é por ninguém
é pela certeza
de saber que tudo tem

tem sua vez de lá retornar


ao lugar mais fundo
fundo fundo mais que o mar

se digo sol
não tem vez
não espero mais a chuva
só preparo meu coração
a explosão de toda luz
a chama chama chama chama

se digo amor
só é por alguém
é pelos malditos
deserdados desse chão

Depois desse dia, as canções continuam saindo. Milton criando temas

musicais e Márcio criando letras, poesias. Havia todo um ritual, como Márcio

relata, com os dois indo comemorar em um bar chamado Bigodoaldo’s. O

proprietário ficava ao lado da mesa deles, escutando os poemas inéditos, “as


filhas” recém-nascidas que eram criadas após os filmes que viam e reflexões

sobre o momento histórico:

(...) A gente se isolava, refletia sobre as mazelas que tinha


diante dos olhos, representadas sobejamente pela barra
pesada, pela repressão da ditadura, e criava uma
representação musical da ternura, do amor e da ira que tais
reflexões suscitavam. Alguns amigos da turma não viam com
bons olhos aquele isolamento do resto da turma. (...)16

É importante ressaltar a existência de dois grupos freqüentados por

Márcio e Milton nesta época em Belo Horizonte: o CEC (Centro de Estudos

Cinematográficos) e o Ponto dos Músicos, “uma calçada da Avenida Afonso

Pena onde os profissionais do ramo se encontravam para fechar contratos de

bailes, arregimentar instrumentistas ou simplesmente confraternizar.” O

primeiro confirma uma grande atração dos jovens de então pelo cinema, em

especial os filmes de Godard e Truffaut que influenciaram a geração. O

segundo era regularmente freqüentado pelos dois, onde conheceram algumas

das pessoas que mais influência exerceram em suas vidas e carreiras

naqueles dias. Algumas dessas pessoas que freqüentavam o Ponto dos

Músicos e tocavam com os crooners Marilton Borges e Milton: Helvius Vilela,

pianista; Wagner Tiso, pianista e arranjador; Pacífico Mascarenhas, o “mestre”

que também incentivou muito a carreira de Milton, também ligado a outras

pessoas da Bossa-Nova no Rio e autor de um método de ensino de violão;

Paulo Horta, cantrabaixista; Nivaldo Ornelas, sax; além dos dois “papas”

Chiquito Braga e Valtinho Batera.17

Esse ambiente de qualidade musical ao encontrar poetas talentosos e

com aspirações políticas e artísticas comuns vai desaguar no trabalho coletivo

poético-musical: Clube da Esquina.


Mais um elemento importante ainda no ano de 1964: o grande desejo de

modificar o mundo que já se delineava em ambos, apesar de sufocados pela

recém instaurada ditadura militar – “poderíamos influir no destino dos seres

humanos, uma verdadeira revolução aconteceria no planeta, conduzida pela

juventude e pelo movimento estudantil, voltariam as emoções de 1917 na

Rússia”.18

Há um relato interessante de um nova conversa de Márcio com Dickson,

colega do Levy, em que este diz: “Nada é mais genial do que música. Cinema...

tem música. Teatro... tem música, Balé... tem música. Não é a toa que Vinícius

abandonou a diplomacia e a poesia literária para fazer música popular. Edu

Lobo é genial, não acha não, Godard?” (Godard é como Dickson chamava

Márcio.) Márcio responde: “Claro, genial”. Aí começa uma pequena discussão

entre os dois, quando Dickson fala “O negócio é fazer poesia para ser cantada,

que nem Vinícius”. Ao que Márcio responde, dizendo que Vinícius faz letra de

música, assim como ele, reiterando isso. Na verdade ambos falam do mesmo

tipo de texto, contudo esta divergência de denominação revela uma resistência

incutida nas cabeças das pessoas a considerar a letra de música uma forma de

poesia; por isso a insistência de Márcio em afirmar e reafirmar que aquilo que

faz é letra de música.19 Embora ele próprio tenha dito que não gosta de ser

chamado de letrista.

Nesta época, Belo Horizonte, como outras cidades brasileiras, vivia uma

agitação intensa: organização dos estudantes, reuniões acaloradas nas

universidades, diretórios. Enquanto isso, “camburões se multiplicavam nas

ruas. Soldados montados em cavalos moviam-se por entre os ônibus.

Caminhões verde-oliva estacionados em cruzamentos. E, às vezes, noites


estranhamente calmas e paradas”. Este clima parece anunciar outras tantas

noites igualmente “calmas e paradas” que seriam retratadas nas canções feitas

pela turma do Clube da Esquina nos anos subseqüentes.20

Em meio a esta situação, Milton conhece Fernando Brant através de

Sérvulo Siqueira, um amigo comum que estudava com Fernando no Colégio

Estadual e quem os apresentou. Eles inauguram a amizade “do melhor jeito

que se conhecia: bebendo”, “Fernando gostava de poesia, sabia de cor versos

inteiros de Garcia Lorca, Fernando Pessoa” e depois de conversarem, Milton

convida Fernando, que até então não escrevia nada, para escrever no dia

seguinte. Estava surgindo uma preciosa parceria deste encontro, que seria

responsável por uma das melhores parcerias da MPB.21

Segundo Márcio Borges, eles criavam as canções estimulados pelas

discussões sobre temas principais das conversas daquela época: socialismo,

revolução, cinema, cultura, movimento estudantil, clandestinidade. Havia uma

vontade muito grande de mudar o mundo e alguns jovens se dispunham de

corpo e alma para isso. “Belo Horizonte, mais do que nunca, fazia parte

integrante do mundo. Surgia pela primeira vez na província a consciência de

pertencermos a uma civilização planetária”.22

Essa cidade, ao mesmo tempo provinciana, cada vez mais universal e

sob o sufoco do regime, foi o local que possibilitou a aproximação desses

compositores, poetas e músicos. Além desses acontecimentos, Belo Horizonte,

como outras cidades brasileiras e do mundo, via explodir a “beatlemania”.

Entretanto, essa “beatlemania” não atingiu os músicos do Levy que

“continuavam preferindo jazz e bossa-nova, Os Cariocas, Johnny Alf, Tito Madi,

Tamba Trio, Claudete Soares” e ainda Elis Regina que apareceu na época
comandando o programa O Fino da Bossa. Sérvulo só falava deum trio

chamado Jimi Hendrix Experience.23

No entanto, Milton estava levando muito a sério os Beatles e dizia que

os meninos, Lô, Yé Borges, tinham que ver o primeiro filme dos Beatles, A

Hard Day’s Night. Na época, tinham, respectivamente, doze e onze anos.

Fascinados com os Beatles, os dois formam o conjunto com Beto Guedes e

Márcio Moreira, treze anos: The Beavers, os castores. Eles ensaiavam as

canções dos Beatles e se apresentavam em festinhas.

Paralelamente, iam surgindo e se aprimorando novas gerações de

compositores e músicos, a destacar: Nélson Ângelo (que acompanhou Milton

durante dez anos), Sirlan, Murilo Antunes, Tavinho Moura, Toninho Horta,

Flávio Venturini, Vermelho, Hely. Os três últimos, posteriormente, vão fundar o

grupo 14 Bis juntamente com Cláudio Venturini, irmão de Flávio.

Em 1965, a TV Excelsior paulista está à procura de jovens interpretes

pra o I Festival de Música Popular e manda chamar Milton, que se classifica em

terceiro lugar a música Cidade Vazia (de Baden Powell e Luís Fernando Freire)

e conquista o prêmio Berimbau de Bronze (de interpretação). Neste ano, há

dois outros acontecimentos que merecem ser citados: o fechamento do bar

Bucheco, onde se reuniam clandestinamente jovens em Belo Horizonte e a

mudança de Milton para São Paulo. Entretanto, esta fase em São Paulo não foi

muito positiva para Milton.

Já no ano seguinte, Elis Regina grava uma canção de sua autoria:

Canção do Sal, uma canção de trabalho que inicialmente era um poema. Este

foi um dos primeiros textos de Milton; o outro foi E a gente sonhando feito para

Márcio Borges.
Depois disso, há uma participação no festival Berimbau de Ouro com a

canção Irmão de Fé, de Milton e Márcio, porém esta é desclassificada logo na

primeira eliminatória e Milton jura que não se inscreverá mais em festivais.

Entretanto, Agostinho dos Santos, que resolvera apadrinha-lo, havia inscrito,

sem o conhecimento de Milton, Três músicas no II Festival Internacional da

Canção, que aconteceria brevemente no Rio de Janeiro.

O ano de 67 é marcante, pois Milton consegue classificar estas três

músicas entre quinze finalistas do Festival Internacional da Canção da Rede

Globo, obtendo o segundo lugar com Travessia, marcando o início da frutífera

parceria com Fernando Brant. As outras músicas foram Morro Velho, (sétima

colocada) e Maria, minha fé de Milton. Destas três, vale a pena destacar

Travessia, não só por ser a primeira música de Milton que realmente estoura a

nível nacional, mas também por ter sido a primeira parceria dele com Fernando

Brant e primeira letra de música deste, que se tornaria seu principal parceiro no

futuro. Travessia, inicialmente, tinha o nome de Vendedor de Sonhos. Na

época em que os dois mostraram a canção para Márcio Borges, este só não

gosta do primeiro verso “Quem quer comprar meus sonhos?”, dizendo achar

“esquisito esse negócio de comprar sonhos”. De fato, a sua sugestão foi aceita

e a canção ficou melhor sem este verso:

TRAVESSIA (Milton Nascimento e Fernando Brant)

Quando você foi embora


fez-se noite em meu viver
forte sou mas não tem jeito
hoje eu tenho que chorar
minha casa não é minha
e nem é meu este lugar
estou só e não resisto
muito tenho pra falar

Solto a voz nas estradas


Já não quero parar
meu caminho é de pedra
como posso sonhar
sonho feito de brisa
vento vem terminar
vou fechar o meu pranto
vou querer me matar

Vou seguindo pela vida


me esquecendo de você
eu não quero mais a morte
tenho muito o que viver
vou querer amar de novo
e se não der não vou sofrer
já não sonho hoje faço
com meu braço meu viver

Embora frustrado por não ter conseguido classificar uma canção sua

com Milton para o Festival, Márcio concorre colocando letra numa melodia feita

por Toninho Horta: Correntes.

Contudo, as luzes do sucesso que incidiam sobre eles “não ofuscavam a

visão clara de que tempos difíceis eram aqueles e os que estariam por vir”.24 A

repressão aumentava, a liberdade cada vez mais ameaçada. Vários

freqüentadores do Ponto dos Músicos já haviam deixado ou deixariam Belo

Horizonte nessa época. A maioria, como Nélson Ângelo, Wagner Tiso, Nivaldo

Ornelas, tinha um destino em comum: Rio de Janeiro.

Ainda neste ano de 67, Milton, que também havia se mudado para o Rio

conhece outro futuro parceiro, Ronaldo Bastos (carioca de Niterói), num pé-

sujo da rua Voluntários da Pátria, segundo o que o próprio Ronaldo conta em

entrevista a O Globo de 27/04/95.25

Após o festival em que Milton se consagra com Travessia, Márcio

Borges retorna à Belo Horizonte, depois de um período no Rio, quando a


família Borges está voltando para a casa da rua Divinópolis 89 em Santa

Tereza. Milton continuava no Rio, de onde mandava cartas para Márcio. “Numa

delas, Bituca me revelou que tinha conhecido um grande cara. A carta falava

de passeatas, líderes estudantis, organização de artistas, mas o que fascinou

Bituca foi que o rapaz além de tudo era um inspirado poeta”. Esse cara era o

Ronaldo Bastos que, no momento, recuperava-se de uma hepatite.

(...) [Ronaldo Bastos] aproveitava o tempo ocioso para ler


muito, criar novos poemas, roteiros, projetos gráficos – e
agora também letras de músicas com seu mais recente
amigo e parceiro, doravante companheiro de trincheira,
numa jornada destinada a durar anos e anos, iniciada ali,
doente na cama, com as primeiras composições da dupla,
Rio Vermelho (Co-autoria de Danilo Caymmi) e Três Pontas
(...)26

Rio vermelho foi a primeira parceria de Milton e Ronaldo Bastos e já

revelava um dos aspectos predominantes na poética de Ronaldo: o verso

transformado em arma de combate contra os desmandos da ditadura e

ajudando a luta dele, Márcio e Fernando, então estudantes, e a de tantos

outros da época:

De minha garganta as canções explodem


em pontas de faca rasgando espaço e vêm
minha luta ajudar, ê...
(...)
lutei e meu leito águas claras
se fez vermelho, o sangue tingia
mas não parei de lutar, perigo é meu guia
só me entrego pro mar, ê...

Está, então, construído o alicerce central do Clube da Esquina: Milton

Nascimento, Márcio Borges, Lô Borges, Fernando Brant e Ronaldo Bastos,

ressaltando que o enfoque central deste estudo são os textos poéticos e que
esta denominação inicialmente se referia ao grupo freqüentado por Lô, Beto

Guedes e outras pessoas da mesma faixa de idade.

Depois do festival, Milton assina contrato com uma gravadora

desconhecida chamada Codil e grava seu primeiro LP, reunindo as três

músicas do Festival Internacional da Canção; Paz do amor que vem (Novena),

Gira-girou, Crença, as três primeiras parcerias de Milton com Márcio Borges;

duas em parceria com Ronaldo Bastos e Outubro (de Milton e Fernando Brant),

a segunda parceria com Fernando Brant.

Em 1968, Milton grava seu primeiro LP nos Estados Unidos pela

gravadora A&M Records com quase todas as músicas do primeiro disco no

Brasil, porém com arranjos novos feitos por Eumir Deodato e com músicos

americanos; incluindo, ainda, Canção do Sal e Vera Cruz. Esta merece uma

atenção especial por ser a tentativa de Márcio Borges em realizar uma obra-

prima: “a tal idéia da mulher-país, linda e perdida”.27 Para este disco e

gravação, Ronaldo mexe na letra sem Márcio saber. Esta canção será

retomada no álbum duplo Clube da Esquina 2, como observaremos mais

adiante, a partir de uma pergunta colocada por Milton: “O que foi feito de

Vera?”.

VERA CRUZ (Milton Nascimento e Márcio Borges)

Hoje foi que perdi


Mas onde, já não sei
Me levou para o mar
Em Vera me larguei
E deito nessa dor
Meu corpo sem lugar
Ah! quisera esquecer
A moça que se foi
De nossa Vera Cruz
E o pranto que ficou
Da morte que sonhei
Nas coisas de um olhar

Ah! Nos rios me larguei


Correndo sem parar
Buscava Vera Cruz
Nos campos e no mar
Mas ela se soltou
No longe se perdeu

Ah! Quisera encontrar


A moça que se foi
No mar de Vera Cruz
E o pranto que ficou
Do norte que perdi
Nas coisas de um olhar.

A procura de Vera (o Brasil) parece refletir o inconsciente coletivo da

época em busca de um país mais livre, justo que “se solto e no longe se

perdeu”. É interessante notar como a letra retrata a idéia de frustração, de

utopia perdida, da falta de norte que ia se configurando devido ao

endurecimento do regime ditatorial.

Ainda nesse ano, vários fatos importantes acontecem no Brasil e no

mundo: os protestos estudantis em vários países, culminando no “maio de 68”

em Paris; o assassinato do estudante Édson Luís pelo regime militar; a

Passeata dos Cem Mil; o aumento da repressão e do cerco militar no Brasil,

culminando com a “bomba” do AI-5 que acaba com a liberdade democrática,

sindical, social, política, estudantil, artística, enfim, com a possibilidade de

pensar diferente a sociedade e o mundo. Antenado a estes e outros fatos,

Milton participada Passeata dos Cem Mil e, junto com Ronaldo Bastos, faz a

canção Menino, um tributo ao estudante Édson Luís, que só seria gravada em


1976 no disco Geraes, pois, segundo Márcio, “o tema era doloroso demais” e

eles não queriam parecer oportunistas.

MENINO (Milton Nascimento e Ronaldo Bastos)

Quem cala sobre teu corpo


consente na tua morte
talhada a ferro e fogo
nas profundezas do corte
que a bala riscou no peito

quem cala morre contigo


mais morto que estás agora
relógio no chão da praça
batendo, avisando a hora
que a raiva traçou no tempo

no incêndio repetindo
o brilho do teu cabelo
quem grita vive contigo

Segundo Márcio Borges, os músicos dividiam-se em dois grupos nesta

época: os que ele conhecia e “preferiam ficar falando de jams, riffs, scats,

chorus, terças, quintas, sétima menor com nona, especialidades” apesar de

toda repressão militar, causas revolucionárias e estudantis; e “os que gostavam

de queimar um, freqüentavam as dunas do barato, território livre na área dos

tubulões que estavam sendo instalados na área de Ipanema”. Entretanto “em

Beagá o ‘desbunde’ era muito malvisto”, pois os jovens, em geral, queriam

mais compromisso e participação. Ainda sobre isso, Márcio diz: “tudo o que

pudesse ser qualificado de ‘desbunde’ era digno de reproches e, por extensão,

aquele lado Tomzé e Wally Sailormoon da Tropicália, aquele lado Navilouca e

Hélio Oiticica (...)”.28 No entanto, o “desbunde” também pode ser visto como

uma forma de revolta contra a tirania, embora isso não fosse aceito por setores

da esquerda que dizia ser um movimento importado dos Estados Unidos. Em


suma, “era uma contrapartida para aqueles jovens que não se exilaram (ou

foram exilados) nem tinham a coragem ou a insensatez de pegar em armas”.29

Falando sobre os efeitos do AI-5 sobre a sociedade brasileira, Márcio

diz: “Era o estilo, do guarda de rua ao servidor público, era a figura da

‘autoridade’, o vizinho delegado que passou a se sentir mais poderoso, o chefe

de repartição subitamente tornado ‘importante’.”30

No meio deste clima, em 1969, é lançado o primeiro LP pela

EMI/ODEON Milton Nascimento que reúne canções do próprio Milton, parcerias

entre ele e Fernando Brant, Márcio Borges, Nélson Ângelo, Ronaldo Bastos,

Toninho Horta, dentre as quais vale destacar: Sentinela (de Milton Nascimento

e Fernando Brant), Pai Grande (de Milton Nascimento) Tarde (de Milton

Nascimento e Márcio Borges), Aqui oh! (a primeira parceria de Toninho Horta e

Fernando Brant) e Quatro luas (de Nélson Ângelo e Ronaldo Bastos). Nesta

última, percebe-se o espírito revolucionário que norteava muitas pessoas no

fim dos anos 60. Contudo, esse “norte” havia se perdido em algum lugar, ou

melhor, barrado pelo AI-5 e pelos militares. Pode-se relacionar esta canção

com a imagem de perda de Vera Cruz delineada por Márcio Borges.31

QUATRO LUAS (Nélson Ângelo e Ronaldo Bastos)

... a violência, bandeira


que eu vou levar
pensei nunca mais voltar
pensei, pensei
no rumo incerto
mas certo de encontrar
meu sonho vivo
perdido em qualquer lugar
eu sei, não vou descansar
eu sei, eu sei...
Este disco já traz um pouco do clima de trabalho coletivo que viria a ser uma

marca registrada do Clube da Esquina. Isto pode ser comprovado na

contracapa do disco, onde há um texto de Milton que diz, entre outras coisas:

“... no Aqui Oh! A pá toda deu palpites”.32

Neste final dos anos sessenta, temos uma grande diversidade musical

sintetizando o que foi a década em termos de música brasileira: a Bossa Nova,

sempre e ainda em voga, a Jovem Guarda, o Tropicalismo, as canções de

protesto e engajadas, os festivais da canção. Na música mundial, temos os

Beatles, Jimi Hendrix, Rolling Stones. No meio de toda essa riqueza musical,

surge Milton Nascimento juntamente com outros compositores e músicos, que,

certamente, sofrem influências dessas variedades musicais. Para Eumir

Deodato, Milton era “uma coisa nova, misteriosa, intrigante e instigante”. Para

Márcio:

(...) a música de Bituca revelava sua qualidade única. Seu


som tinha uma força emotiva admirável. A vida de Minas, a
circunspecção do nosso povo, a herança cultural do interior,
o ritmo polidividido do ‘Vera Cruz’ deslizando sobre trilhos,
em compassos complexos, tal como tantas vezes eu e ele
ouvíramos naquela areazinha que existe atrás dos vagões
de passageiros, tantas vezes fomos ao Rio de trem, tudo se
encontrava e entornava na voz bailarina e no violão
pontilhado do meu bom Vituperatus, o nobre Ludwig Von
Betúcious. Para o mercado americano acostumado a por
rótulo debaixo de cada produto – jazz, rock, fusion, country –
, Bituca iria representar um desafio. (...)33

Enfim, a travessia de Milton, conforme se pode observar, tem como marca

fundamental o trabalho coletivo, a vivência em grupo, que vai se consolidar no

álbum duplo Clube da Esquina.


NOTAS:

*Verso da canção Rio vermelho de Milton Nascimento e Ronaldo Bastos.


1
BORGES, M (1996) p.45.
2
HOLLANDA, H B de (1981) p18.
3
SCHWARZ, R (1978) p.62.
4
VASCONCELLOS, G. (1977) p.37.
5
HOLLANDA, H B de (1981) p32.
6
BORGES, M (1996) p.190.
7
VASCONCELLOS, G. (1977) p.37.
8
Ibidem, p.66.
9
As informações sobre a travessia de Milton foram recolhidas, principalmente,

de três fontes: Os sonhos não envelhecem, Nova história da música popular

brasileira/Milton Nascimento e Brasil Musical. Quando foi preciso, optou-se por

alguns trechos, em especial do primeiro, para passar o clima da época pela

visão de um dos principais integrantes do Clube da Esquina, Márcio Borges.


10
ÂNGELO, N. Depoimento do autor em 24/06/1998.
11
BORGES, M. (1996) p.46.
12
ANGELO, N. Depoimento do autor em 24/06/1998.
13
BORGES, M. (1996) p.55.
14
Ibidem, p.59.
15
Ibidem, p.60.
16
Ibidem, p.61.
17
Ibidem, p.65-67.

Dentre dezenas de músicos que freqüentaram o Ponto


Músicos, Chiquito Braga e Valtinho Batera eram os que, no
dizer do jovem saxofonista Nivaldo Ornelas, ‘detinham a
informação’, eram the best. Chiquito, guitarrista, ensinou
alguns dos melhores músicos que saíram do Ponto. Toninho
Horta vinha ver Chiquito tocar desde pequeno, trazido por
seu irmão contrabaixista, Paulo Horta, para ver como é que
devia ser.
18
Ibidem, p.69
19
Ibidem, p.88
20
Ibidem, p.100.
21
Ibidem, p.105-106
22
Ibidem, p.111.
23
Ibidem, p.115-116.
24
Ibidem, p.160.
25
O GLOBO (27/04/1995), Segundo caderno, “O Clube da Encruzilhada”.
26
BORGES, M. (1996) p.165-167
27
Ibidem, p.166.
28
Ibidem, p.195.
29
MACIEL, L, C (1996) p.121.
30
BORGES, M. (1996) p.121
31
Sobre Quatro luas, vale a pena ver o que Márcio Borges diz:

No Rio, aproximados e amigos, Nélson Ângelo e Ronaldo


Bastos haviam acabado de compor Quatro Luas, a cuja letra
não prestei atenção no momento, mas em que, depois,
diante dos fatos posteriores, Ronaldo tendo que sair de
circulação por uns tempos, indo viver em Londres, pude
perceber o reflexo de suas incertezas e angustias naquela
hora difícil...
32
NASCIMENTO, M. (1969), contracapa do disco.

(...) Aliás a pá é essa: Novelli, Mauricio, Robertinho, Luiz


Fernando, Helvius, Nélson Ângelo, Toninho Horta, Wagner
Tiso, que formam a “cozinha” e o coro. Fora os palpites,
confusões, imposições, poliritmias, bagunças, viagens a
Minas Gerais, garrafas esvaziadas de um indivíduo
chamado NANÁ e Fernando e Márcio, meus grandes
amigos. (...) Ainda tem: David, Ronaldo, Zé, Ricardo. A
colher de chá dos maestros Orlando Silveira e Gaya. E a voz
do Toninho no Aqui, oh!
33
BORGES, M. (1996) p.175.
4 – O CLUBE DA ESQUINA

Porque se chamavam homens


também se chamavam sonhos
e sonhos não envelhecem
em meio de tantos gases lacrimogêneos
ficam calmos calmos calmos calmos calmos
(LÔ BORGES, MILTON NASCIMENTO E MÁRCIO
BORGES – Clube da Esquina 2)

4.1 – Da sombra eu tiro meu sol*

A denominação Clube da Esquina surge na metade da década de 60,

representando uma simples esquina do bairro de Santa Tereza em Belo

Horizonte, para onde a família Borges retornava depois de um período de três

anos morando no Edifício Levy, local que, conforme nos narra Márcio Borges

em seu livro Os sonhos não envelhecem, propiciou o encontro deste autor com

Milton Nascimento em 1963 e várias outras pessoas que integraram o Clube.

Sobre a esquina de Santa Tereza, Márcio diz que era apenas “uma pobre

esquina, um pedaço de calçada e um simples meio-fio onde adolescentes de

rua (...) costumavam vadiar, tocar violão, ficar de bobeira, no cruzamento das

ruas Divinópolis e Paraisópolis”.1

Na verdade, essa denominação Clube da Esquina era inicialmente uma

coisa mais do Lô, do Beto Guedes e de outros jovens de Belo Horizonte.2 É

curioso notar como esta singela esquina de Santa Tereza pôde reunir tanto

talento musical e poético em torno dela.

Em 1969, surge a canção Clube da Esquina: Lô havia criado uma

“seqüência harmônica ao violão, um conjunto de acordes que formava um todo

coerente” e a repetia exaustivamente. Milton, num de seus regressos a Belo

Horizonte encontra-se com Lô que lhe mostra a melodia. Então, “Bituca foi

estabelecendo uma linha melódica cada vez mais bem definida, a qual foi
repetindo com ênfase cada vez maior, com certeza”. Márcio presenciou o

surgimento da melodia que consagrou a primeira parceria ente eles e põe letra

na música. “Lá fora, a noite chegava. Lô, com certeza iria correndo para a

esquina, mostrar sua primeira composição para (...) o pessoal do Clube”. Esta

canção logo se tornou “uma espécie de hino” na casa dos Borges e

posteriormente, da geração Clube da Esquina. Segundo Márcio, a turma da

paraisópolis tomou conhecimento do hino que eles criaram e se incumbiram de

divulga-lo, “embora não fizesse idéia do quão famosa esta expressão ainda iria

se tornar: ‘Clube da Esquina’. É que nunca temos, nem podemos ter jamais,

idéia suficientemente clara desse aglomerado de desejos e temores a que

chamamos de futuro”.3

Esta canção inaugura a parceria entre Lô Borges e Milton Nascimento

sem qualquer pretensão de nomear um conjunto de músicos e compositores,

mas apenas refletindo as sensações do momento, seja na melodia de Lô e

Milton, seja na letra da canção que se encaixa perfeitamente nela revelando o

estado de ânimo em Márcio Borges se encontrava: “achava a letra, depois de

tudo, muito lunática e triste; eu próprio me sentia assim”.4 não foi mera

coincidência o fato desta letra revelar, além desta sensação particular de

tristeza, um estado geral de tristeza que reinava na época, reunindo o caráter

psicológico e social na mesma poesia.

Antes de se chegar ao LP Clube da Esquina, alguns fatos que trazem e

antecipam a marca do trabalho coletivo. Em 1970, Milton é convidado a fazer

um show no teatro Opinião com os músicos que o acompanhavam. A partir de

então, o grupo ganha nome: O Som Imaginário. O show fica mais de um ano

em cartaz, passando por Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte. Fazem
parte do Som Imaginário músicos de excelente qualidade técnica que viriam a

se destacar cada vez mais ao longo da década e posteriormente: Wagner Tiso

(teclados e arranjos”, Zé Rodrix (órgão e flautas), Tavito (guitarra base e

violão), Frederyko (guitarra solo), Luiz Alves (baixo elétrico) e Robertinho Silva

(bateria). Apoiado pelo excelente e agressivo conjunto, Milton passa a se

apresentar com um visual tropicalista (descalço, cabelos eriçados, calças justas

e colete de couro com estrelas). Depois deste show, Milton diria sobre o

momento: “Foi uma revolução. Bicho, todo mundo, ou fugiu, ou está no exílio,

ou dançou. Ficamos nós, como resistência. Vamos levar isso em frente”.5

Neste mesmo ano, lança o LP Milton que inclui a música Para Lennon e

McCartney (de Lô Borges, Márcio Borges e Fernando Brant), composta durante

uma comemoração dos prêmios de um festival a partir de um tema feito no

piano por Lô que convida Fernando e Márcio para colocarem letra. Ambos

concordam, isolam-se no quarto e fazem a letra de Para Lennon e McCartney,

seguindo a sugestão de tema para a canção sugerida por Lô: “eu estava

pensando na parceria de John e Paul... nas parcerias, né. A gente aqui,

também fazendo as nossas... eles nunca vão saber. Mas pode ser outra coisa

qualquer que vocês sentirem”.6

PARA LENNO E MCCARTNEY (Lô Borges, Márcio Borges e


Fernando Brant)
Porque vocês não sabem
Do lixo ocidental
Não precisam mais temer
Não precisam da solidão
Todo dia é dia de viver
Porque você não verá
Meu lado ocidental
Não precisa medo não
Não precisa da timidez
Todo dia é dia de viver
Eu sou da América do Sul
Eu sei, vocês não vão saber
Mas agora sou “cowboy”
Sou do ouro, eu sou vocês
Sou do mundo, sou Minas Gerais.

Embora a letra não tendo sido feita pelos principais letristas do Clube,

destaca-se, ainda neste disco, a canção Canto Latino (de Milton Nascimento e

Ruy Guerra), por mostrar poeticamente uma das opções seguidas por vários

jovens brasileiros: a guerrilha. É interessante notar como a melodia e o arranjo,

no qual se destaca a percussão de Naná Vasconcelos, acompanham a letra e

vão se intensificando gradativamente a idéia de que “a calmaria é engano” e a

“primavera” latino-americana só seria conseguida através da guerrilha, palavra

que fica suspensa no último verso, quebrando a rima com “maravilha” e sendo

substituída por reticências. Recursos como estes teriam que ser utilizados por

vários de nossos compositores e poetas cada vez mais para evitar a censura.

Vale destacar também o contraste noite/dia que vai ser uma marca de várias

canções do Clube: “Da sombra eu tiro meu sol”.

CANTO LATINO (Milton Nascimento e Ruy Guerra)


Você que é tão avoada
Pousou em meu coração
Moça escuta essa toada
Cantada em sua intenção
Nasci com a minha morte
Dela não vou abrir mão
Não quero o azar da sorte
Nem da morte ser irmão
Da sombra eu tiro o meu sol
E do fio a canção
Amarro esta certeza de saber que cada passo
Não é fuga nem defesa
Não é ferrugem no aço
É uma outra beleza
Feita de talho e de corte
E a dor que agora traz
Aponta de ponta o norte
Crava no chão a paz
Sei a qual é fraco o forte
E a calmaria é engano
Para viver nesse chão duro
Tem que dar fora o fulano
Apodrecer o maduro pois esse canto latino
Canto para americano
E se morre vai menino
Montado na fome ufano
Tens poucos anos de vida
Valem mais do que cem anos
Quando a morte é vivida
E o corpo vira semente
De outra vida aguerrida
Que morre mais lá na frente
Da cor de ferro ou de escuro
Ou de verde ou de maduro
A primavera que espero
Por ti irmão e hermano
Só brota em porta de cano
Em brilho de punhal puro
Brota em guerra e maravilha
Na hora, dia e futuro
Da espera virar...

Integra este disco a primeira gravação de Clube da Esquina (de Milton,

Lô e Márcio Borges) e já temos uma formação prévia do Clube da Esquina que

conta neste disco com a participação do Som Imaginário, de Lô Borges

cantando e tocando em Clube da Esquina, com parcerias entre os integrantes

do Clube e ainda com Naná Vasconcelos – que despontava na época e seria

depois reconhecido mundialmente pelo seu talento e inovação na percussão –

e Dori Caymmi.

Embora a origem do nome Clube da Esquina venha do final dos anos 60

e, como já foi dito, representava inicialmente apenas uma esquina do bairro de

Santa Tereza em Belo Horizonte, onde a turma de Lô Borges, Beto Guedes e

outros se reuniam, esse nome passa a ser utilizado para denominar um grupo

eclético, compositores, instrumentistas, arranjadores e poetas que se

aglutinavam em torno de Milton Nascimento e ultrapassavam as fronteiras da

capital mineira. Partindo de uma esquina de Beagá, de várias outras esquinas


dessa cidade, cruzando com esquinas cariocas, pernambucanas, paulistas,

baianas, o Clube da Esquina apresenta um caráter universal.7

4.2 – Nuvem Cigana **

Na década de 70, o Clube da Esquina foi de extrema importância para o

desenvolvimento e amadurecimento da Moderna Poesia Brasileira. Como

defendemos a letra de música como forma literária associada a elementos

extra-literários, verificaremos a importância que teve para a nossa cultura e

literatura a poesia produzida por esse grupo de poetas, músicos e

compositores.

Após o “boom” na MPB ocorrido na década de 60, a década de 70 é o

momento de afirmação da MPB como um dos principais veículos da poesia

brasileira da atualidade, passando a ser o principal canal de expressão artística

para manifestar desagrado com a situação política vigente e apresentando-se

como um dos principais focos de resistência ao regime militar. Não

pretendemos, com isso, desprezar a poesia escrita, porém, num país de

analfabetos, onde quase não lê e menos ainda poesia, a poesia cantada via

meios de comunicação de massa passa a se destacar cada vez mais e a fazer

parte do dia-a-dia das pessoas em várias classes sociais. Pode-se afirmar,

inclusive, que o principal foco disseminador de poesia, neste momento, passa a

ser a música popular.

Enquanto o Tropicalismo estava situado no eixo São Paulo/Bahia, o

Clube da Esquina situava-se no eixo Rio/Minas, num movimento que descia os

rios de Minas em direção ao mar do Rio, descia e subia estradas de terra,

espalhando as idéias do desbunde e do pé na estrada aliadas à idéia de


resistência cultural possível e constituindo um movimento utópico em busca de

uma sociedade mais livre, justa e sem repressões. O ideal da contracultura, já

bastante difundido em outros países, vai assumir com os “mineiros” uma forma

de resistência ao regime vigente, contudo não uma resistência armada, direta

ou guerrilheira e sim uma resistência via cultura e poesia, através da música

popular. O movimento mineiro só podia desaguar no Rio, cidade que poderia

proporcionar um cenário ideal para a divulgação do projeto poético-musical do

Clube da Esquina, pelo fato de ser o Rio o principal centro cultural na época e

onde aconteciam os principais movimentos contrários à cultura oficial e ao

governo militar e, ainda, por se ser um pólo universalizador e disseminador de

várias práticas culturais.

A década de 70 – para alguns, um período de vazio cultural – foi um

momento extremamente fértil em vários setores da cultura e da arte. Apesar de

ser a época mais repressora e autoritária de nossa história recente, sob as

égides do regime militar, e por isso marcada por um individualismo crescente,

encontramos experiências de trabalhos artísticos e culturais, privilegiando o

convívio e a produção coletiva em vários ramos da cultura, como: Novos

Baianos e Clube da Esquina (música e poesia); Asdrúbal trouxe o trombone

(teatro); Navilouca e Nuvem Cigana (multicultural: música, literatura, em

especial poesia e performances poéticas, arte gráfica, etc.) e tantos outros.

Para fugir da falta de liberdade de organização política, havia uma

tendência na década de 70 para a formação de grupos que tentavam manter

acesa ao menos sua liberdade de criação, embora tantas obras tenham sido

censuradas e cortadas. Paradoxalmente, a repressão possibilitou o surgimento


destes alternativos que produziram grandes obras de arte, sendo uma válvula

de escape possível.

Para exemplificar o clima de coletividade e resistência cultural destes

grupos, podemos observar a proposta central do Almanaque Biotônico

Vitalidade que aparece na primeira página do Nº 1 da entrevista produzida pela

Nuvem Cigana e uma das mais importantes da época, na qual se destaca a

apresentação:

APRESENTAÇÃO:
Essência de energia pura o
BIOTÔNICO VITALIDADE é
composto de raízes, folhas
e frutos plenos. Sucesso
comprovado através dos
séculos. Profilaxia da
cegueira noturna. É muito
capaz nos casos de
desânimo geral8

O Almanaque possuía ainda indicações, contra-indicações e posologia

como se fosse uma bula de remédio, ficando bem claro o mal a ser atacado: a

“cegueira noturna” e o “desânimo geral”, ou seja, a situação de sufoco, falta de

liberdade e “escuridão” que reinavam durante a década de 70. Ou seja, a linha

do almanaque é desenvolvida em cima destas orientações, porém com uma

diversidade de linguagens poéticas e grande riqueza de detalhes gráficos.

(...) garantia-se assim uma razoável unidade de orientação.


Além disso os diversos trabalhos individuais foram discutidos
por todo o grupo mais diretamente envolvido. Tratava-se,
portanto, de uma iniciativa cujo caráter coletivo estava
fortemente marcado. (...)9

Aqui se evidencia uma forte aproximação entre o trabalho desenvolvido pela

Nuvem Cigana e pelo Clube da Esquina. Embora este não tenha tido toda essa
fase de discussão que norteou o trabalho da Nuvem, tendo acontecido muito

em função do Milton, do Lô e de maneira não premeditada, ambos apresentam

muito forte a marca do trabalho coletivo. De um lado o LP Clube da Esquina no

qual a coletividade se da não só nas composições poético-musicais, como nos

arranjos, na produção, nas gravações, ensaios, etc. de outro, a Nuvem Cigana

com um trabalho coletivo marcado por reuniões, discussões, produções

poéticas, performances. Outro traço comum é o fato de ambos trabalhos serem

conceituais e possuírem uma unidade.

A década de 70 não deixava muitas alternativas para quem não

concordava com o regime militar, ou melhor, este procurava fechar todas as

saídas para qualquer forma de contestação, fosse esta a organização política,

a luta armada, músicas “subversivas”, atos e apresentações que atentassem

contra a moral (como os “Secos e molhados”). Então, uma das principais

formas de tentar fugir desse sistema opressor era através da metáfora, daí a

grande profusão de autores que tentavam fazer alguma coisa passar “pela

fresta”, como fez tantas vezes Márcio Borges que, em entrevista ao jornal

Folha de São Paulo, afirmou o seguinte ao responder à pergunta se o regime

militar havia marcado a música dos mineiros:

Toda época tem sua figura de linguagem. Se não fosse a


ditadura, a censura, não teríamos tantas metáforas.
Tínhamos muito medo. E provocávamos ele, como seguir de
carro um camburão, fumando um baseado. Era difícil a
opção ser herói ou viver em paranóia. Decidi viver na
paranóia.10

Parece que, naturalmente, nada premeditado, esses e outros fatos iam

caminhando em uma direção: a realização de uma obra poético-musical


coletiva.tendo que cumprir contrato com a Odeon e gravar um disco, Milton

sugere à empresa a realização de álbum duplo que seria o primeiro neste

formato no Brasil se Gal costa não tivesse se adiantado e gravado um antes.

Conforme o próprio Ronaldo Bastos insistia e Márcio relata em seu livro: “um

disco com princípio, meio e fim, que não seja só um apanhado de canções. Um

disco conceitual”.11 Ronaldo tinha uma importância que não era somente

compor letras para as canções, mas também trabalhar a unidade dos discos

talvez influenciado pelo seu trabalho junto com outros poetas e artistas da

“Nuvem Cigana” que também era uma produção bem planejada, conceitual e,

ainda, contemporânea deste LP. Então, Milton convida Lô para dividir com ele

o álbum duplo Clube da Esquina.

4.3 – Saídas e Bandeiras ***

Como estamos trabalhando com um grupo de autores, priorizando os

principais letristas/poetas do Clube da Esquina, ressaltadas diferenças

evidentes na poética de cada um, iremos aborda questões e temas recorrentes

e comuns na obra poético-musical do grupo.

Focalizaremos alguns aspectos comuns nas produções poético-musicais

dos principais participantes do Clube da Esquina, “fundado” informalmente por

Milton Nascimento em seu LP de 1970, visto que, neste disco, já tinha havido

uma participação grande de pessoas que viriam a fazer parte nas gravações do

álbum duplo de 1972 e continha a primeira gravação da canção Clube da

Esquina, e iniciado de fato com o LP Clube da Esquina (1972).

Na produção dos autores e músicos do grupo, percebemos dois elementos

presentes em várias das canções que representam bem a década de 70 e a


poesia do Clube da Esquina: a noite (simbolizando o período de “escuridão”

das liberdades individuais e coletivas que tiveram reflexos indiscutíveis nas

criações) e o sonho (partindo de “o sonho acabou” de John Lennon e de toda

uma geração, relacionando-o ao fim do sonho de um país mais justo e

democrático e abordando também a necessidade vital do homem na

continuação do sonho, tanto individual como coletivamente). Estes elementos

serão desdobrados e vistos separadamente no próximo capítulo por simples

questão organizativa, visto que aparecem muitas vezes intercalados.

A canção Clube da Esquina instaura o que vem a ser este clube e vai ao

encontro da primeira definição para a palavra clube encontrada no “Dicionário

Aurélio: “local de reuniões políticas, literárias ou recreativas”.12 É justamente

esta a grande função do Clube da Esquina: inicialmente apenas um espaço de

lazer e recreação de jovens de Belo Horizonte até se transformar em um

símbolo de espaços onde as pessoas se reuniam para beber, se divertir, criar

canções, poesia, realizando talvez o único ato político possível para a época.

Na canção citada, percebemos os dois elementos centrais mencionados, a

noite e o sonho, com ênfase no primeiro: “noite chegou outra vez”,

representando o momento do dia durante o qual grupos de jovens se

encontravam para conversar, como também um momento de escuridão,

quando não havia espaço para opiniões contrárias e contestações. Então, o

Clube funciona como um espaço onde seus participantes podem dividir a

solidão e sonhar um grande país para quando acabar a “noite”, na certeza de

que “no claro do dia um novo” encontrarão.

CLUBE DA ESQUINA (Milton Nascimento, Lô Borges e


Márcio Borges)
Noite chegou outra vez
De novo na esquina os homens estão
Todos se acham mortais
Dividem a noite, a lua, até solidão
Neste clube a gente sozinho se vê
Pela última vez
À espera do dia naquela calçada
Fugindo pra outro lugar
Perto da noite estou
O rumo encontro nas pedras
Encontro de vez
Um grande país eu espero
Espero do fundo da noite chegar
Mas agora eu quero tomar suas mãos
Vou buscar aonde for
Venha até a esquina
Você não conhece o futuro que tenho nas mãos
Agora as portas vão todas se fechar
No claro do dia o novo encontrarei
E no curral D’El Rey
Janelas se abram ao negro do mundo lunar
Mas eu não me acho perdido
Do fundo da noite partiu minha voz
Já é hora do corpo vencer a manhã
Outro dia já vem
E a vida se cansa na esquina
Fugindo, fugindo para outro lugar

Esta canção, gravada pela primeira vez no LP Milton de 1970, Já

antecipava o clima que predominaria no LP Clube da Esquina de 1972.

Sobre esta canção, Alberto Moby faz as seguintes indagações: “Qual o

sentido da canção? Reflexão pessoal/existencial? Análise de conjuntura?”13 De

fato, estas questões são procedente e não apresentam uma única resposta, já

que ela reflete tanto o lado individual, como a conjuntura do momento, fatos

que são confirmados pela melodia melancólica. E, como já foi citado, era o

estado em que o próprio Márcio se sentia quando fez a letra: triste e lunático.

“Dividir a solidão”, esta era uma questão central de tantos grupos de jovens

que buscavam um espaço para expressar sua vontade de um mundo melhor.


Eu 1971, após um ano fazendo show, Milton propõe um álbum duplo à

sua gravadora, uma obra coletiva. A princípio, contudo, esta reluta e só aceita a

idéia após muita insistência de Milton e seus companheiros, discussões com a

diretoria da Odeon e a interferência de Adail Lessa, diretor de elenco da

gravadora. Por fim, vencidos os obstáculos, começam os preparativos para a

gravação do álbum duplo Clube da Esquina, um trabalho de criação coletiva

que pode ser visto como resistência à extrema solidão a que as pessoas

estavam obrigadas a viver.

Junto com seus inseparáveis companheiros, Milton aluga uma casa na

praia de Piratininga em Niterói para os ensaios do LP Clube da Esquina, pois

os vizinhos ao apartamento do Jardim Botânico, onde morava com Lô e Beto

Guedes e Jacaré, “se tornaram abertamente hostis àquele bando de malucos”,

chegando ao cúmulo de fazer ligações anônimas à polícia com denuncias

absurdas”.14

Então foram chegando para os ensaios em Piratininga outros músicos e

pessoas que participaram do LP, como: Rubinho e Sirlan, de Belo Horizonte;

Wagner Tido, Tavito, Robertinho Silva e Luís Alves, que estavam no Rio; além

de Ronaldo Bastos e Cafi.

Num clima de grande descontração, coletividade, o álbum duplo é

concebido e lançado em 1972, sendo, todavia, desconsiderado por alguns

críticos da época.

(...) as primeiras críticas do disco não foram nada boas. Os


resenhistas tinham achado tudo muito pobre e descartável e
sem ter muito o que dizer, e coisas desse tipo. Um chamou a
voz de Lô de “chinfrim”. Outro escreveu que meu amigo era
compositor de uma música só (referia-se a travessia) e que
determinados versos meus (...) “rolavam como pedras dentro
do ouvido”, de tão desagradáveis e malfeitos. Um outro
decretou: “Milton Nascimento está acabado” (...)15

Através destes comentários da época reproduzidos por Márcio Borges, fica

evidente que parte considerada da crítica não percebeu a grande obra de arte

poético-musical coletiva que tinha sido realizada por aquele grupo de músicos,

compositores e poetas.

Das 16 músicas que fazem parte dos dois discos , apenas duas não

foram compostas pelos componentes do Clube: Me deixa em paz (de

Mansueto C. Menezes e Ayrton Amorim) e Dos cruces (de Carmelo Larrea),

esta última, antecipando um traço que vai marcar a carreira de Milton, a

conexão com a música latino-americana. As demais foram compostas pelo

“quinteto” principal do Clube da Esquina: melodias criadas por Milton e Lô;

letras criadas por Márcio, Fernando e Ronaldo. As músicas são cantadas pela

dupla Milton e Lô Borges, ora juntos, ora separados. Contudo é importante é

importante registrar a participação de outro integrante do Clube: Beto Guedes

que canta em três faixas com Milton e a participação de Wagner Tiso nos

arranjos e teclados.

Neste álbum duplo, que por pouco não foi o primeiro deste tipo na história da

MPB (só não foi devido a gravadora que não acreditou no projeto), temos

belíssimas e consagradas canções, como Cais (Milton e Ronaldo Bastos), O

trem azul (Lô Borges e Ronaldo Bastos), Um girassol da cor de seu cabelo (Lô

Borges e Márcio Borges), San Vicente (Milton e Fernando Brant), Trem de

doido (Lô e Márcio Borges), Cravo e canela (Milton e Ronaldo Bastos), Tudo o

que você podia ser (Lô e Márcio Borges) e outras que marcaram a época e

serão analisadas adiante.


Cais sintetiza um grupo de canções estradeiras deste disco. São

canções que se referem a trens, viagens em busca da liberdade, o sonho de

uma sociedade mais livre e com menos amarras. Este grupo de canções está

intimamente ligado ao ideal jovem da época, não só brasileiro, mas de várias

partes do mundo. A canção revela, ainda, um pensamento paradoxal e

constante no homem: livrar-se dos “cais”, viver sem amarras que a sociedade

impõe. Esta foi uma das principais bandeiras dos movimentos jovens de 68: a

luta contra qualquer sistema opressor.

CAIS (Milton Nascimento e Ronaldo Bastos)

Para quem quer se soltar


Invento o cais
Invento mais que a solidão me da
Invento lua nova a clarear
Invento o amor
E sei a dor de me lançar

Eu queria ser feliz


Invento o mar
Invento em mim
Um sonhador

Para quem quer me seguir


Eu quero mais
Tenho o caminho do que sempre quis
E um saveiro pronto pra partir
Invento o cais
E sei a vez de me lançar

Saídas e bandeiras nº 1 fala de um tema bastante comum nas canções: o “pé

na estrada”, a fuga para um local junto a natureza, o pó, a poeira da estrada.

Como “essa coisa não da mais pé” (a ditadura militar), uma solução é sair da

cidade para poder viver com mais liberdade e dignidade.

SAÍDAS E BANDEIRAS Nº 1 (Milton Nascimento e Fernando


Brant)
O que vocês diriam
Dessa coisa que não da mais pé
O que vocês fariam pra sair dessa maré
O que era sonho virou terra
Quem vai ser o primeiro a me responder
Sair dessa cidade
Ter a vida como ela é
Subir novas montanhas
Diamantes procurar
O fim da estrada e da poeira
O rio com seus frutos me alimentar

Esta canção apresenta um ideal presente em várias outras dos

integrantes do Clube: a fuga em direção a natureza; já que a “maré” vinda do

governo militar não estava para peixes, as pessoas não admitiam ficar

aprisionadas pelo sistema, buscavam uma das soluções possíveis para quem

não queria apagar suas utopias: uma vida alternativa longe das cidades. O

“sonho virou terra” apresenta pelo menos dois sentidos: a busca de novas

utopias através das estradas de terras ou o fato do sonho, em geral uma idéia

altívaga, ter despencado das alturas e ter vindo ao chão.

Temos ainda a canção saídas e bandeiras nº 2, dos mesmos autores,

com a mesma melodia e alterações na letra, em que há a repetição da

pergunta “o que vocês fariam para sair dessa maré”, porém a resposta é outra

e o segundo a responder diz:

Andar por avenidas


Enfrentado o que não da mais pé
Juntar todas as forças
Para vencer essa maré
O que era pedra vira homem
E o homem é mais sólido que a maré.

Aqui é colocada outra saída possível para a época: continuar na cidade

lutando contra o sistema opressor, juntando todas as forças e apostando na

unidade e no ânimo dos homens para derrubar a ditadura. (este último

reforçado aqui por seu sentido original de alma, vitalidade, pois o homem não

pode ficar inanimado como uma pedra, tem que ser homem de fato).
Resumindo, os autores colocam duas saídas para enfrentar a situação

do momento: já que o sonho de mudar o país virou terra e não da mais para

continuar lutando, o jeito é pegar a estrada e fugir da cidade; ou então ficar na

cidade e enfrentar o regime, juntando todas as nossas forças, pois “o homem é

mais sólido que a maré” que não estava para “peixes”. Esta idéia vai ser

desenvolvida por Fernando Brant, posteriormente, em Milagre dos peixes.

Outro dado interessante destas duas composições foi muito bem

assinalado por Charles A. Perrone16. “o título da canção alude aos

exploradores pioneiros das terras de Minas Gerais, mas o texto diz respeito à

qualidade de vida atual”, ou seja, o texto na realidade fala de exploradores

atuais. Vale ressaltar que o movimento dos exploradores da época do Brasil -

colônia tinha o nome de Entradas e Bandeiras e a música fala em saídas,

opções possíveis para as pessoas diante de tal situação: pegar a estrada e

fugir da cidade ou ficar na cidade e enfrentar o regime.para demonstrar como

havia essa preocupação na cabeça de muitos jovens que não concordavam

com o regime e imaginavam um país livre e democrático observemos a

declaração de Márcio Borges:

Quanto a mim, senti Bituca triste, mas andava eu próprio


meio deprimido e esmorecido, me prometendo fazer mil
coisas, mas incapaz de sair do lugar, bebendo demais,
sufocado dentro de uma revolta que não tinha como
exteriorizar diante da gigantesca muralha do medo, divido
entre duas vontades, dois sentimentos contraditórios de
missão e predestinação, duas opções abertas naquele
momento na frente do jovem de 23 anos que eu era: a luta
armada e seu conseqüente purgatório de clandestinidade e
tensão, opção de Ricardo Vilas, que desaparecera logo
depois de tocar com Bituca, ou a luta desarmada e seu
conseqüente purgatório de paranóia de vazio e tédio que
vinha a ser a vida de poeta errante, dirigindo shows aqui e
fazendo letras acolá, com noitadas nos bares, sessões de
ensaios, conversas técnicas, especializadas.16

Podemos relacionar a “pedra” da canção com “a gigantesca muralha do medo”

com que Márcio se refere à ditadura. As palavras de Márcio, escritas na

década de 90 recontando os fatos e impressões da época, reforçam as dúvidas

e conteúdo dos textos analisados, dando-nos uma idéia de como as dúvidas e

as opções a escolher eram freqüentes entre os jovens na época (como em

todas as épocas, porém aqui a questão assumia um caráter gigantesco e

assustador) e nada fáceis.

Nuvem Cigana (de Lô Borges e R. Bastos) é uma canção de extrema

importância dentro do Clube não só por sintetizar bem a idéia já mencionada

do “pé na estrada”, do “pó, poeira, ventania”, mas também por estabelecer um

ponto de contato entre a poesia cantada e a poesia falada, a poesia alternativa

que era produzida pelo grupo “Nuvem Cigana”. Este grupo é criado e

idealizado por Ronaldo Bastos com o objetivo de lançar trabalhos variados e

reúne além de poetas, músicos, arquitetos, desenhistas, até um bloco de

carnaval: o “Charme e Simpatia”. Dentre as várias realizações do grupo, pode-

se citar: as revistas alternativas, produção de cartazes, entre os quais um

pôster de Milton, produção de shows, as famosas “artimanhas” nos

lançamentos de livros, revistas.

O surgimento da “Nuvem” aproxima-se muito dos ideais do Clube da

Esquina, não apenas pelo ano de sua criação (1972), mas principalmente pelo

seu objetivo central: “a criação de um espaço coletivo que canaliza e

instrumentaliza a ‘energia’ de pessoas que, naquele momento (início dos anos

70), se viam diante de barreiras institucionais fortes”.18 Ronaldo Bastos escolhe

o nome “Nuvem Cigana” por achar o nome interessante e também que seria
uma marca incrível, selo comparável à marca “Apple” dos Beatles, que foram

alguns dos que mais influenciaram as produções do grupo. Só para ilustrar,

alguns dos principais participantes deste trabalho alternativo além do próprio

Bastos: Ronaldo Santos, Cafí, Jorge Ladeira, Charles, Chacal, Guilherme

Mandaro. Vale registrar que em quase todos os discos do Milton da década de

70 consultados e pesquisados a capa foi idealizada por Ronaldo Bastos e Cafi

do “Nuvem Cigana”. Recentemente, um sonho se realizou para Milton e sua

turma, com a remasterização e transposição e transposição para cd de seus

primeiros discos em Abbey Road, o mesmo onde os Beatles gravavam..

NUVEM CIGANA (Lô Borges e Ronaldo Bastos)


Se você quiser eu danço com você
No pó da estrada
Pó, poeira, ventania
Se você soltar o pé na estrada
Pó, poeira
Eu danço com você o que você dançar

Se você deixar
O sol bater nos seus cabelos verdes
Sol, sereno, ouro e prata
Sai e vem comigo
Sol, semente, madrugada
Eu vivo em qualquer parte do seu coração

Se você quiser eu danço com você


Meu nome é nuvem
Pó, poeira, movimento
O meu nome é nuvem
Ventania, flor de vento
Eu vivo em qualquer parte do seu coração

Se você deixar o coração bater sem medo


Se você deixar o coração bater sem medo

Esta canção apresenta uma série de palavras que indicam movimento –

nuvem, poeira, pó, vento, ventania, estrada – contrapondo-se ao período de

inércia vivido e imposto pelo regime militar. É interessante notar como este
ideal de “pé na estrada” contracultura e desbunde, presentes na música,

assumem uma postura que, longe de ser alienada, era uma forma de

contestação ao sistema. Era uma forma de se manter em movimento, agir.

Outro lado interessante a ser comentado é o fato do primeiro trabalho a

ser impresso em mimeógrafo, com ilustrações de Cafi, e com o símbolo da

nuvem cigana ser também de 1972. Mais do que coincidências de datas e de

autores, a música Nuvem Cigana e os textos de Canção de Búzios, ambos de

Ronaldo Bastos, expressam um sentimento comum, uma grande afinidade de

“tom” e “espírito”.

CANÇÃO DE BÚZIOS (Ronaldo Bastos)


Se eu passar por você
e falar de estrelas]
não ligue não
são estrelas do mar
não ligue não
são recados do vento
espumas do vento
canção das ondas
se eu passar por você
não ligue não
são estrelas do mar

Mais do que produtos de um mesmo autor – (...) – os


poemas e a canção são produtos de um mesmo momento,
de uma mesma situação de uma geração, ou ainda de uma
parcela de uma geração, para quem “pé na estrada, cabelos
ao vento e pés no chão” não era uma expressão vazia de
significado mas, ao contrário, expressava todo um
sentimento de inconformismo diante de uma ordem social
dominante, estabelecida e, paralelamente, todo um estilo
próprio de enfrentar esta mesma ordem (ponto que, já foi
levantado no capítulo anterior).19

Esta citação respalda nossa afirmação de que, além de não ter sido um

vazio cultural, a década de 70 e o desbunde, embora muitas vezes vistos como

formas alienadas, representam uma das formas possíveis de contestação


durante os chamados “anos de chumbo”. Nada como uma postura contrária

aos padrões culturais vigentes para demonstrar o inconformismo.

Depois da nuvem, olhemos a paisagem da janela e o que ela nos

oferece neste período. Como na música de mesmo nome, a paisagem da

década de 70 não nos fornece algo animador. Mostra-nos coisas

aparentemente normais como uma igreja, um muro branco, um vôo pássaro,

um velho sinal, uma grade, mas também cores mórbidas, homens sórdidos,

temporal, cemitérios, velórios. Isto revela a paisagem densa e triste reinante,

apesar da insistência do destinatário da canção em não querer acreditar no que

está acontecendo no país (reparar a repetição do verso “Você não quer

acreditar”). “Mas isso é tão normal” não acreditar que a realidade política seja

essa: o regime caça, prende, tortura, mata e existem vários cavaleiros

marginais fugindo “sem querer descanso nem dominical”. É interessante notar

como de uma simples paisagem citadina interiorana Fernando Brant passa

atitudes humanas deploráveis de caráter universal, ao mesmo tempo em que

reflete o período “mórbido” e “sórdido” vivido por qualquer cidade brasileira da

década de 70.

PAISAGEM DA JANELA (Lô Borges e Fernando Brant)


Da janela lateral do quarto de dormir
Vejo uma igreja, um sinal de glória
Vejo um muro branco e um vôo pássaro
Vejo uma grade e um velho sinal
Mensageiro natural de coisas naturais
Quando eu falava dessas cores mórbidas
Quando eu falava desses homens sórdidos
Quando eu falava desse temporal
Você não escutou
Você não quer acreditar
Mas isso é tão normal
Você não quer acreditar
E eu apenas era
Cavaleiro marginal lavado em ribeirão
Cavaleiro negro que viveu mistérios
Cavaleiro e senhor de casa e árvores
Sem querer descanso nem dominical
Cavaleiro marginal banhado em ribeirão
Conheci a torre e os cemitérios
Conheci as torres e os seus velórios
Quando olhava da janela lateral do quarto de dormir
Você não quer acreditar
Mas isso é tão normal
Você não quer acreditar
Mas isso é tão normal
Um cavaleiro marginal banhado em ribeirão
Você não quer acreditar

Esta canção foi feita em diamantina. Fernando escreveu a letra de

Paisagem da janela, sobre um tema de Lô, inspirado pelo cenário do hotel

onde estavam: quarto de Fernando “tinha janelas que se abriam para uma

igreja e o cemitério da cidade”20 Embora represente um cenário em especial,

esta canção parece representar um cenário de qualquer cidade em qualquer

época ao mesmo tempo em que guarda um tom do momento em que foi

criada. Eis uma qualidade intrínseca do texto literário presente nesta letra: a

multiplicidade de sentimentos aliada a um universalismo. Nada impede que

possamos fruir deste texto sem estas referências históricas, contudo a

possibilidade de interpretação amplia-se com elas.

Clube da Esquina nº 2 (de Lô Borges, Milton Nascimento e Márcio Borges) é

considerado por vários integrantes do “grupo” um hino da geração. É

importante lembrar que a música citada aparece no LP Clube da Esquina numa

versão instrumental, sendo a letra feita posteriormente por Márcio Borges em

1978, à revelia de Lô e Milton que achavam que não cabia letra nela, sendo só

uma música instrumental, conforme Márcio Borges nos relata. Nana Caymmi

queria gravar Clube da Esquina 2, porém como esta não possuía letra, ela

pediu a Márcio que colocasse letra. Ele fez a letra no dia seguinte e a entregou

para Nana. “Ela foi para o estúdio e gravou. Só depois do fato consumado é
que Bituca e Lô se rendem à evidência: Clube da Esquina 2 tinha letra”.21

Graças a Nana e ao talento de Márcio , podemos fruir deste texto poético

musical que possui uma das mais belas imagens da poesia brasileira. Esta

canção é gravada por Nana Caymmi e depois por Lô em LP de 1979, A via

láctea. Depois disso, confirmando a idéia de Clube da Esquina, ela é gravada

pelo próprio Milton e por Flávio Venturini, fazendo algum sucesso na década

vigente.

CLUBE DA ESQUINA Nº 2 (Lô Borges, Milton Nascimento e


Márcio Borges)

Porque se chamava moço


também se chamava estrada
viagem de ventania
nem lembra se olhou pra trás
ao primeiro passo aço aço aço

porque se chamavam homens


também se chamavam sonhos
e sonhos não envelhecem
em meio a tantos gases lacrimogêneos
ficam calmos calmos calmos calmos calmos

e lá se vai mais um dia

e basta contar compasso


e basta contar consigo
que a chama não tem pavio
de tudo se faz canção
e o coração na curva de um rio rio rio
e o coração na curva de um rio
e lá se vai mais um dia

e o rio de asfalto e gente


entorna pelas ladeiras
entope o meio fio
esquina mais de um milhão quer ver então

A gente gente gente gente gente gente

Essa letra reúne novamente alguns elementos constantes nos autores

em estudo, fazendo um resumo da estrada percorrida por seus participantes e


por quem viveu na época: estrada, ventania, sonhos, rio. Na primeira estrofe, a

imagem da fuga, do “pé na estrada” e ao primeiro passo já temos o aço

(foneticamente, a palavra passo contém a palavra aço) que pode simbolizar o

aço dos canhões, armas e balas usadas pela ditadura militar para reprimir

qualquer suspeito.

Na segunda estrofe, uma imagem belíssima relacionando o homem com

seus sonhos e mostrando que o máximo que os gases lacrimogêneos podem

fazer é adormecer os sonhos, pois estes nunca envelhecem e nem acabam por

uma ação violenta e brutal. Aqui vale lembrar Octavio Paz quando diz que a

imagem poética não pode ser dita de outra maneira. Esta imagem revive, recria

o clima da época de forma que não dá para trocar as palavras por outras

achando que se está dizendo o mesmo. Esta é uma das funções essenciais da

poesia que aparece no texto reforçado pela melodia e arranjo que destacam no

meio da canção o verso “e lá se vai mais um dia”, que tanto pode representar o

passar da vida, o passar dos dias comuns, como também o passar de mais um

dia na mesma situação, à espera de um amanhã melhor. Este verso, isolado no

meio da canção, revelando a importância existente no passar do dia, visto que

o dia seguinte pode trazer o novo e acabar com o período de escuridão. Este

verso retorna na quarta estrofe intensificando mais ainda a idéia desenvolvida.

Esta canção, sem dúvida, apresenta características fundamentais do

texto poético, como já foi dito, possuindo duplo sentido: tanto pode se referir ao

momento de viagens, sonhos e gases lacrimogêneos da década de 70, como

também estes vocábulos podem apresentar outros sentidos. Por exemplo,

“gases lacrimogêneos” podem simbolizar obstáculos que a vida apresenta para

podar sonhos e utopias.


Por fim, podemos ver a última estrofe como uma antevisão através da

poesia cantada do que iria acontecer em 1984: um milhão de pessoas nas

esquinas da Presidente Vargas com Rio Branco no Rio de Janeiro gritando

“diretas já”, justamente num dos locais onde aconteceram alguns dos mais

cruéis momentos proporcionados pela ditadura militar, como o avanço dos

cavalos do exército em direção das pessoas que saíam de missa realizada pela

morte do estudante Édson Luiz na Candelária. Neste grande evento, a poesia

cantada é entoada por vários artistas e pelo milhão de pessoas que ali estavam

clamando por democracia e eleições diretas. E Milton não podia faltar: estava

lá com outros grandes nomes da MPB, como Chico Buarque, MPB-4, Francis

Hime.
NOTAS:

*Verso da canção Canto Latino de Milton Nascimento e Rio Guerra

**Título da canção de Lô Borges e Ronaldo Bastos e nome do selo responsável

por várias publicações e performances durante a década de 70.

***Título da canção de Milton Nascimento e Fernando Brant.


1
BORGES, M. (1996) p.167.
2
ÂNGELO, N. Depoimento ao autor em 24/06/1998.

A coisa era mais um negócio de bairro lá em Belo Horizonte,


de garotada e que o Milton veio também passando por ali e
trouxe pra cá e depois simbolizou o negócio, porque quem
articulou, na verdade, de uma maneira mais flagrante foi o
Milton.

3
BORGES, M. (1996) p.217-221
4
Ibidem, p.221.
5
Ibidem, p.230.
6
Ibidem, p.239.
7
Por isso, estamos usando a palavra mineiros entre aspas, pois muitos que

fizeram parte do Clube da Esquina são cariocas, como Ronaldo Bastos, o

próprio Milton, embora se considere mineiro, Robertionho Silva, Luís Alves, Zé

Rodrix; Novelli é pernambucano, etc.


8
ALMANAQUE BIOTÔNICO VITALIDADE (1976), p.1.
9
PEREIRA, C.A.M (1981) p.273-274.
10
FOLHA DE SÃO PAULO (1996), ILUSTRADA p.5-1 Edição: Nacional Jul 31,

1996.
11
BORGES, M. (1996) p.256.
12
FERREIRA, A.B DE H./s.d./, 1.ed.
13
MOBY, A. (1994) p.137.
14
BORGES, M. (1996) p.263.
15
Ibidem, p 270.
16
PERRONE, C (1988) p.155.
17
BORGES, M. (1996) p.215.
18
PEREIRA, C.A.M. (1981) p.230-231
19
Ibidem, p.133.
20
BORGES, M. (1996) p.258.
21
Ibidem, p.336-337.
5 – A NOITE E O SONHO NO CLUBE DA ESQUINA: RESISTÊNCIA

CULTURAL PELAS ESQUINAS DOS ANOS 70

5.1 – A noite

Senhor, a noite veio e alma é vil.


Tanta foi a tormenta e a vontade!
Restam-nos hoje, no silêncio hostil,
O mar universal e a saudade.
(FERNANDO PESSOA, Prece)*

Como já foi mencionado, a noite tem extrema importância no processo

criativo do Clube da Esquina, pois representa o momento dos encontros e,

sobretudo, o do cerceamento das liberdades individuais e coletivas.

Tal qual em Mensagem de Fernando Pessoa, a noite veio, tendo aqui

seu início em 1968. Em ambos, o sentido é semelhante, de um momento

obscuro, em que as pessoas perdem o direito de ser homens integralmente, já

que não lhes é permitido discutir sobre política, opinar, discordar e até pensar e

sonhar, como se fosse possível algum regime impedi-los disso, qualidades

inerentes ao ser humano e que nenhum sistema conseguirá impedir.

Em Mensagem, este poema “Prece” é o último da II parte, Mar

Portuguez, fechando um período áureo da história de Portugal, o das grandes

descobertas, e prenunciando uma fase ruim da história de Portugal, que é o

centro da III parte, o Encoberto, na qual há vários poemas com referências

noturnas, sombrias. É este teor – obviamente com diferenças que não cabem

ser discutidas nesta pesquisa – com inúmeras palavras e passagens do campo

semântico de noite, escuridão, encoberto, que se assemelha ao encontrado em

várias das canções do Clube da Esquina, em especial no fim dos anos 60 e no


início da década de 70, refletindo o o início da longa noite brasileira. Prece

inaugura esta fase em Mensagem, enquanto Clube da Esquina a inaugura

aqui. Lá, “a noite veio e a alma é vil”, aqui, “noite chegou outra vez”. Vale

lembrar que este vocábulo noite tem sido usado para representar momentos

em que regimes ditatoriais se instalam acabando com a possibilidade de

liberdade e, ainda, que foi também utilizado por muitos outros poetas e/ou

letristas brasileiros deste período, como Capinam: “Antes que a definitiva

noite/Se espalhe em Latino América”.1

Esta situação tente a levar as pessoas a um isolamento natural, a um

individualismo, já que estão em constante ameaça. É o que percebemos em Os

Povos (de Milton e Márcio Borges), canção incluída no LP Clube da Esquina,

onde percebemos a insistência dos autores em reforçar esta idéia, reiterando

as palavras solidão e só, como em “a gente aprende a viver só”, uma

obrigatoriedade imposta pelo regime. A letra representa bem a idéia de “noite”,

destacando-se a terceira estrofe.

OS POVOS (Milton Nascimento e Márcio Borges)


À beira do mundo
Portão de ferro, aldeia morta, multidão
Meu povo, meu povo
Não quis saber do que é novo
Nunca mais
É minha cidade, aldeia morta, anel de ouro, meu amor
Na beira da vida a gente torna a se encontrar só

Casa iluminada, portão de ferro, cadeado coração


E eu reconquistado
Vou passeando, passeando ir morrer
Perto de seus olhos, anel de ouro
Aniversário, meu amor
Em minha cidade
A gente aprende a viver só

Ah! Um dia, qualquer dia de calor


É sempre mais um dia de lembrar
A cordilheira de sonhos que a noite apagou
É minha cidade
Portão de ouro, aldeia morta solidão
Meu povo, meu povo
Aldeia morta, cadeado coração
E eu reconquistado
Vou caminhando, caminhando ir morrer
Dentro de seus braços
A gente aprende a morrer só
Meu povo, meu povo
Pela cidade a viver só

Nestes versos, a noite aparece apagando a enorme quantidade de

sonhos imaginados para o nosso país, sendo reforçados pela melodia e o

arranjo que nos dão a sensação de um momento doloroso, tenso, torturante,

marcado muito bem por acordes repetitivos do violão. É uma construção

musical que dá a impressão de um momento angustiante e até mesmo de uma

câmara de tortura auditiva.

Ainda sobre a canção vale a pena observar o relato de Márcio Borges,

no qual ele reproduz um comentário de um garoto venezuelano que ouvira a

música:

Os povos, aliás, proporcionou a meu parceiro uma das


grandes emoções de sua vida. (...) um deles (um garoto)
tomou a palavra e deu uma explicação totalmente
revolucionária para as metáforas de minha letra. Bituca ficou
abismado com a profundidade das idéias contidas na cabeça
daquele garoto. (...) Pouco tempo depois, o garoto mandou
notícias: tinha pegado em armas, ido ser guerrilheiro,
desaparecendo nas montanhas de sua pátria.

No primeiro disco solo de Lô Borges, o do tênis na capa, de 1972, temos

também a presença insistente da noite. Neste LP, todas as músicas são de sua

autoria, algumas em parceria com Márcio Borges, uma com Ronaldo Bastos e

uma com Tavinho Moura, destacando-se ainda a participação de integrantes do

Clube da Esquina, tocando algum instrumento e até participando do vocal,


como: Beto Guedes, Toninho Horta, Nélson Ângelo, Novelli, Robertinho, Zé

Geraldo, Flávio.

A maior parte das canções deste disco fala de noite, escuro, tristeza, o

que revela o momento pelo qual os autores e todo o país passavam. Este clima

é acompanhado e reforçado pelas melodias. Começando pelo Caçador (de Lô

e Márcio Borges) que no fim da noite quer caçar o poeta. Este caçador é uma

metáfora que representa o regime ditatorial ou seu instrumento concreto de

intimidação – a polícia – que pretende acabar com qualquer reação contrária,

inclusive o sonho, aqui representado pela palavra “lua”. É interessante notar a

certeza do homem de que o sistema está atrás dele (“sei que ele vem me

procurar”), mas mesmo assim procura manter a calma para poder fugir e não

deixar o caçador acertar o seu coração, que possui um duplo sentido: a morte

real com um tiro no ração, mas também a morte de seus ideais e seus sonhos.

E a fuga é necessária, pois, de repente amanhece, a luz apaga a escuridão e

não há mais tempo de ser pego. O “caçador” com o “revolver apontado para a

lua!” pode representar ainda a perseguição do sistema aos idealistas, utópicos,

representados pela palavra lua.

O CAÇADOR (Lô Borges e Márcio Borges)


No fim da noite eu escuto o caçador
Com seu revolver apontado para a lua
O meu cabelo
Preciso me esconder na tempestade ou no chão
Sei que ele vem me procurar
Não tenho medo
Eu só quero ir em paz com minha sombra
Eu só quero aquela lua no fim da rua
Não deixe o caçador
Mirar em cima de você
Ele quer achar seu coração
Talvez o caçador não tenha tempo
De atirar
Quando, de repente, amanhecer
Em Homem da rua (de Lô Borges) temos “sonho no chão” que pode

representar tanto o “pé na estrada”, quanto o sonho lá em baixo, o fim do

sonho, imagem semelhante à usada por Fernando Brant nas canções Saídas e

Bandeiras. É importante observar como esta dualidade sonho X terra/chão

aparece mais uma vez em canções deste período. Além de representar o

conflito da época, é uma questão que sempre acompanhou o homem e, por

isso, constante na poesia de diferentes períodos, dentre os quais podemos

destacar o Barroco, que por sinal teve um grande destaque nas artes de Minas

Gerais. Esta música mostra bem o perfil da época numa oposição entre noite e

dia, apagar e não apagar e o quanto era importante manter-se aceso, apesar

da triste situação. Nada, nem uma festa apaga o “estranho silêncio da rua” e o

“incêndio calado no homem que passa por mim”, reforçando o que já foi dito

sobre solidão, ao mesmo tempo em que simboliza muito bem a autocensura a

que muitas pessoas viam-se obrigadas a submeter-se. Enfim, é uma letra

construída em cima de antíteses e paradoxos, sendo seu auge o verso “um

incêndio calado no homem” que causa um estranhamento inicial, revelando-se

depois uma imagem forte, na qual, “incêndio” pode referir-se à vontade grande

de se mudar a situação, ao mesmo tempo em que também pode estar

relacionado à vontade de grito e protesto sufocados, ao “grito contido” de

Apesar de você.3

HOMEM DA RUA (Lô Borges)


Sonho no chão
E um dia, uma estrada
Um estranho silêncio na rua
Um incêndio calado no homem
Que passa por mim
Toda manhã acredito nas histórias
Em todas as histórias do mundo
E toda vez que o velho sol se apaga
Preciso e procuro não me apagar
E quando chego na minha cama
Eu te imagino melhor
Sonho no chão
Uma festa não apaga
O estranho silêncio da rua
O estranho silêncio da rua

Por tudo isso, o homem tem que aprender “a ser como o machado que

despreza o perfume do sândalo”, pois é impossível aceitar tudo calado diante

de realidade tão negra. Nos versos de Como o machado, Lô altera

radicalmente o sentido original do provérbio que diz: “Sê como o sândalo que

perfuma o machado que o fere”. Não da para ficar “perfumando” quem está te

ferindo, entretanto o momento requer cuidado, como está nítido nos dois

últimos versos na comparação feita com o gato.

COMO O MACHADO (Lô Borges)


Porque ando triste eu sei
É que eu vivo na rua
Espero um pouco mais este frio
Espero um pouco mais, e aprendi
A ser como o machado
Que despreza o perfume do sândalo!
A verdade é negra, eu sei
E o homem é mau
Espero um pouco mais este ódio
Espero um pouco mais e aprendi
A ser como o meu gato
Que descansa com os olhos abertos!

Podemos ainda relacionar o “machado” desta canção com a “faca

amolada” da parceria de Milton com Ronaldo Bastos feita anos depois. Ambos,

elementos de corte, simbolizam “armas” de enfrentamento ao regime, ainda

que situado apenas no campo da poesia cantada e da imaginação.

Outra canção, Eu sou como você é, mostra a mesma situação:

noite/escuro X amanhã. A noite, o momento presente; o amanhã, o sonho de


mudança. Ressalta-se aqui um termo bastante usado pelos aparelhos de

guerrilha quando um dos companheiros de um grupo era capturado pela

repressão: “cair”. E Lô incorpora-o ao seu texto, dando-nos uma visão, um

“flash” do período.

EU SOU COMO VOCÊ É (Lô Borges)


Meu irmão eu sou como você é
Saí do mesmo escuro e ando por aí
Toda noite eu sei que amanhã tem mais
Que a gente muda e continua a sonhar
Aprendendo
De manhã não sei como começar
Tantas emoções contidas no mesmo lugar
Ando devagar para não cair
Mais de mil abismos me esperam no jantar
Aprendendo

Resumindo, este disco de Lô, apesar de uma simplicidade aparente nas

letras, oferece-nos um bom retrato da época através da poesia cantada, sendo

um dos melhores retratos poético-musicais dos anos 70. o tom triste e noturno

do disco proporcionado pelas melodias aliadas a letras aparentemente

ingênuas e despretensiosas reflete muito bem este período escuro e obscuro

de nossa história. Na verdade, podem ter sido feitas despretensiosamente,

mas, como vimos, no fundo, confirmam poética e musicalmente o período de

escuridão.

Também podemos relacionar este disco com uma temática que era

constante nos poetas “marginais” da década de 70: o cotidiano das ruas, o dia-

a-dia. As letras nos revelam o clima de apreensão, cautela e medo que reinava

nas ruas das cidades e ainda a violência. Contudo, esta referência não é direta,

é feita de metáforas e comparações, como “caçador”, “cair”, “abismo”,

“machado”, “revolver”, “o meu cabelo”.


É exatamente no dia-a-dia, no cotidiano da ‘rua’ – (...) – que
os diversos autores vão se defrontar com um dado que
percorre boa parte dos textos: a violência. Tanto uma
violência mais abstrata, menos diretamente voltada para um
ponto específico, quanto uma outra concreta, como a
violência policial, p. ex. (...)4

Falando sobre a década de 70, Ronaldo Bastos faz uma declaração

interessante ao jornal “O Globo” de 27/04/95: “confesso que me falta o talento

de memorialista para captar o cheiro daqueles tempos e traduzi-los para os

narizes de agora”.5 E precisa ser memorialista? Ele, Lô, Márcio, Milton,

Fernando Brant com suas canções conseguem, de maneira poética, passar o

“cheiro daqueles tempos” para quem não viveu ou era muito pequeno na

época.

“Nada será como antes” e “amanhã ou depois de amanhã resistindo na

boca da noite” esta fase obscura passará e poderemos viver em paz e com

liberdade. Além desta oposição noite X amanhã, vale registrar que, em Nada

será como antes (de Milton e Ronaldo Bastos) aparecem duas perguntas muito

freqüentes na época em relação aos amigos “sumidos” pelo regime militar:

“Que notícias me dão dos amigos?/que notícias me dão de você?”.

NADA SERÁ COMO ANTES (Milton Nascimento e Ronaldo


Bastos)
Eu já estou com o pé nessa estrada
Qualquer dia a gente se vê
Sei que nada será como antes, amanhã
Que notícias me dão dos amigos?
Que notícias me dão de você?
Alvoroço em meu coração
Amanhã ou depois de amanhã
Resistindo na boca da noite
Um gosto de sol

Num domingo qualquer, qualquer hora


Ventania em qualquer direção
Sei que nada será como antes, amanhã
Que notícias me dão dos amigos?
Que notícias me dão de você
Sei que nada será como está
Amanhã ou depois de amanhã
Resistindo na boca da noite
Um gosto de sol

Ronaldo Bastos e Milton Nascimento nos passam mais um pouco do

cheiro daqueles tempos: a fé, a crença em seus ideais, a paixão por eles de

maneira impulsiva; já a faca tem que estar amolada, pronta para o corte,

representando a luta e os instrumentos concretos ou abstratos para o

enfrentamento. Esta faca amolada significa estar pronto para cortar, ir a luta e

não ficar passivo. Aqui já um certo prenuncio do dia, da luz tão sonhada; a

palavra de ordem é não esperar mais aquela madrugada. Esta música faz parte

do LP Minas de Milton Nascimento (1975) que pode ser visto como uma

continuidade do trabalho coletivo do Clube da Esquina, visto que há várias

participações de músicos e compositores do LP de 1972. Este disco, assim

como o subseqüente Geraes, apresenta uma marca mineira muito grande,

encaixando-se no grupo de discos conceituais.

FÉ CEGA FACA AMOLADA (Milton Nascimento e Ronaldo


Bastos)
Agora não pergunto mais aonde vai a estrada
Agora não espero mais aquela madrugada
Vai ser, vai ser, vai ter que ser, vai ser, faca amolada
O brilho cego de paixão e fé faca amolada

Deixar a sua luz brilhar e ser muito tranqüilo


Deixar o seu amor crescer e ser muito tranqüilo
Brilhar, brilhar, acontecer, brilhar faca amolada
Irmão, irmã, irmã, irmão de fé faca amolada

Plantar o trigo e refazer o pão de cada dia


Beber o vinho e renascer na luz de todo dia
A fé, a fé, paixão e fé, a faca amolada
O chão, o chão, o sal da terra, o chão faca amolada

Deixar a sua luz brilhar no pão de todo dia


Deixar o seu amor crescer na luz de cada dia
Vai ser, vai ser, vai ter que ser, vai ser muito tranqüilo
O brilho cego de paixão e fé faca amolada

5.2 – Milagre dos peixes: censura nas esquinas

Você me corta um verso, eu escrevo outro


Você me prende vivo, eu escapo morto
(MAURÍCIO TAPAJÓS E PAULO CÉSAR PINHEIRO,
Pesadelo)

Os versos desta canção sintetizam bem o clima do início da décasa de

70, em especial a censura e a perseguição que vários de nossos

compositores/poetas populares sofreriam, muitas vezes sendo intimados a

depor, como foi o caso de Chico Buarque e tantos outros. O Clube da Esquina

não escaparia da censura e intimações.

Todavia, curiosamente, esta letra passou pelas “garras” da censura e foi

cantada por Chico Buarque e MPB-4 no histórico Banquete de Mendigos,

evento organizado por Jards Macalé em comemoração ao 25º ano da

Declaração Universal dos Direitos Humanos realizado no MAM (Museu de Arte

Moderna do Rio de Janeiro) em dezembro de 1973, transformando-se num “ato

de resistência musical à ditadura”.6 Outros shows ocorridos na década de 70

também funcionaram como atos de resistência musical e poética à ditadura,

dentre os quais destaca-se o Milagre dos Peixes de Milton Nascimento e Som

Imaginário, que, para este show, sofre alterações em sua formação: entram

Toninho Horta e Nivaldo Ornelas e saem Tavito e Zé Rodrix.

Paralelamente, a televisão brasileira, ou melhor, a Rede Globo se

expande com a ajuda do regime militar. Para provar isto, pode-se citar as

relações entre a Globo e a Time-Life, empresa americana, que foram objeto de


uma CPI instaurada pelo congresso, mas arquivada pelo governo Costa e

Silva.

(...) Quatro anos depois [1966], era instaurada uma CPI


sobre as relações Globo-Time-Life. E ficou-se sabendo que
homens da influência dos ministros Carlos Medeiros e Silva,
da justiça, e Luiz Gonzaga Nascimento e Silva, do trabalho,
participaram das negociações. A CPI decidiu que os acordos
feriam a Constituição. A interferência de um grupo
estrangeiro na orientação de uma empresa de comunicação
era frontalmente contrária aos interesses nacionais,
entendiam os deputados. (...) Na ocasião do escândalo
Time-Life, a Globo era uma emissora fraca, pouco rentável,
de baixa audiência. Seu crescimento se dá, justamente, a
partir de 69, junto com o “boom” da telecomunicação no
país. (...)

Durante o período do “milagre brasileiro”, a televisão funciona como o

principal instrumento de comunicação do governo, corroborando a Política de

Integração Nacional, através do programa como “Amaral Neto, o Repórter”. O

governo, por sua vez, facilita as condições para este padrão global e incentivo

à sua ideologia. Na verdade, há uma ajuda recíproca que pode ser comprovada

no seguinte trecho da série Anos 70 – Televisão, fonte importante para

aprofundamento deste aspecto:

Durante a convenção das emissoras da Rede Globo de


Televisão, em 1971, Walter Clarck através de um discurso,
“elogia o governo Médici pela disposição em compor, via
Embratel, novas tarifas para Estações. Assim, a Política de
Integração Nacional poderá ter melhor colaboração da iniciativa
privada no setor de comunicações”.8

A televisão inova-se tecnicamente, chegam os primeiros televisores a

cores em 1971, os primeiros programas coloridos, contrastando com a

realidade em preto e branco: os homens não têm liberdade, a censura continua

nos meios de comunicação, os últimos focos guerrilheiros são dizimados.


Faltam cores na realidade brasileira; daí a explicação para tantas letras do

grupo insistirem em imagens sem cores, com grande incidência nas letras de

palavras do campo semântico de “noite” e “escuridão”. Enfim, falta liberdade

política, social, cultural, artística; tudo escamoteado por telas que falam

colorido.

MILAGRE DOS PEIXES (Milton Nascimento e Fernando


Brant)
Eu vejo esses peixes e dou de coração
Eu vejo essas matas e dou de coração
À natureza

Telas falam colorido


De crianças coloridas
De um gênio, televisor
O sinal de velhos tempos:
Morte, morte, morte ao amor

Eles não falam do mar e dos peixes


Nem deixam ver a moça, pura canção
Nem ver nascer a flor
Nem ver nascer o sol
Eu apenas sou um a mais, um a mais
A falar dessa dor, a dessa dor

Desenhando nessas pedras


Tenho em mim todas as cores
Quando falo coisas reais
E num silêncio dessa natureza
Eu que amo meus amigos
Livre, quero poder dizer:

Eu tenho esses peixes e dou de coração


Eu tenho essas matas e dou de coração

Nesta canção, Milagre dos Peixes, temos uma bela imagem

contestatória do regime que, entretanto, passou despercebido pela ditadura,

visto que há outras músicas do disco de mesmo nome que foram censuradas.

Mar e peixes podem representar a vida e os homens, elementos que não eram

considerados na época. E, no final do texto uma esperança de liberdade.


Contrapondo-se a idéia do “milagre econômico”, os autores apresentam

o “milagre dos peixes”, da vida, da natureza, do amor, da vida. Enquanto o

governo militar vendia a imagem de desenvolvimento econômico e de “ame-o

ou deixe-o”, anulando através da repressão armada idéias contrárias e

deixando de lado os verdadeiros problemas nacionais de fome, pobreza; a

canção mostra através de imagens poéticas a preocupação dos autores em

falar da “nossa dor” em meio a um “silêncio dessa natureza”, “um incêndio

calado” (da canção Homem da rua de Lô) dos homens, procurando mostrar

que a realidade apregoada e disseminada pelas tevês não era boa assim. Ou

seja, as telas coloridas procuravam passar uma imagem amena e de perfeição

do regime.

O início da década de 70 foi um dos períodos em que a censura mais agiu e

censurou os artistas brasileiros, em especial, os compositores e cantores. O

governo militar vetava músicas de vários deles, sendo um dos campeões de

obras censuradas e/ou mutiladas Chico Buarque. Os compositores do Clube da

Esquina não escaparam dos vetos e intimações da Censura Federal, sendo o

melhor exemplo o disco Milagre dos Peixes de 1973, que teve três faixas

censuradas. E, não por mera coincidência, este também foi o ano em que

Chico, já conhecido da Censura, teve seu disco que se chamaria Calabar,

incluindo músicas da peça de mesmo nome, todo mutilado: letras vetadas na

íntegra ou alteradas forçosamente. Do disco de Milton, foram censuradas as

letras de Os escravos de jô de (de Milton Nascimento e Fernando Brant), Hoje

é dia de El Rey (de Milton Nascimento e Márcio Borges) e Cadê (de Milton

Nascimento e Ruy Guerra). No entanto, a censura deixou passar talvez a letra

mais contestatória ao regime: a faixa que deu nome a esse disco lançado em
73 e depois ao álbum duplo gravado ao vivo no Teatro Municipal de São Paulo

nos dia s 07 e 08 de 1974.

Hoje é dia de El Rey talvez tenha sido censurada por apresentar

referências mais diretas e contundentes ao regime, sob o nome El Rey e com

versos como “jogai soldados na rua”, enquanto Milagre dos peixes explorava

mais uma linguagem simbólica, a linguagem, a linguagem da “fresta”. A

começar do título que remete à religião, à bíblia, mas aqui se refere aos

homens. Depois, o contraste “andor de nossos novos santos” e “o sinal de

velhos tempos”. Os “novos santos” tanto podem ser as imagens televisivas,

como o próprio governo e os militares que prometiam uma grande nação, um

desenvolvimento monstruoso: o “milagre econômico”. Entretanto, eles deixaram

de lado os “peixes”, os homens, esqueceram a realidade dos homens, a dor, o

sofrimento da maior parte dos brasileiros. As conseqüências desse “milagre” e

suas obras faraônicas são sentidas até hoje com o aprofundamento das

desigualdades sociais e aumento da dívida externa do país. Eis a letra

censurada:

HOJE É DIA DE EL REY (Milton Nascimento e Márcio


Borges)
Filho – Não pode o noivo mais ser feliz
Não pode viver em paz com seu amor
Não pode o justo sobreviver
Se hoje esqueceu o que é bem-querer
Rufai tambores saudando El Rey
Nosso amo e senhor e dono da lei
Soai clarins pois o dia do ódio
E o dia do não são por El Rey

Pai – Filho meu ódio você tem


Mas El Rey quer viver só de amor
Sem clarins e sem mais tambor
Vá dizer: nosso dia é de amor

Filho – Juntai as muitas mentiras


Jogai os soldados na rua
Nada sabeis desta terra
Hoje é o dia da lua

Pai – Filho meu cadê teu amor


Nosso Rey está sofrendo a sua dor

Filho – Leva daqui tuas armas


Então cantar poderia
Mas nos teus campos de guerra
Hoje morreu a poesia

Ambos – El Rey virá salvar...

Pai – meu filho você tem razão


Mas acho que não é em tudo
Se o mundo fosse o que pensa
Estava no mesmo lugar
Pai você não tinha agora
E hoje pior ia estar

Filho – Matai o amor, pouco importa


Mas outro haverá de surgir
O mundo é pra frente que anda
Mas tudo está como está
Hoje então e agora
Pior não podia ficar

Ambos – Largue seu dono e procure nova alegria


Se hoje é triste e saudade pode matar
Vem, amizade não pode ser com maldade
Se hoje é triste a verdade
Procure nova poesia
Procure nova alegria
Para amanhã...

É uma letra construída em forma de diálogo que revela um conflito de

idéias quase sempre entre pai e filho. Todavia assume uma significação toda

especial neste momento em que a juventude traz para si responsabilidade e a

missão de mudar o mundo. Pai e filho também podem se referir,

respectivamente, a gerações ou pessoas que apoiaram o golpe militar em 64 e

aos filhos dessa geração ou pessoas que se opuseram ao golpe. Enquanto

isso, El Rey apresenta o poder absoluto e autoritário do governo militar. É

interessante notar como o filho se expressa em relação ao “dono da lei”:


usando os verbos na segunda pessoa do plural como, geralmente, se dirige a

reis ou personalidade “em sinal de cortesia ou de respeito, ou a um santo”.10

Este uso do verbo reforça o caráter absolutista do governo. Os momentos em

que ambos falam juntos, demonstrando concordar um com o outro, revelam, na

primeira fala, uma crença na salvação através de um ser que virá,

aproximando-se do que na História de Portugal chama-se de sebastianismo, a

eterna espera da volta do Rei D. Sebastião para a nação reviver seus dias de

glória. Contudo, a última estrofe revela a coincidência final, simbolizando o

descontentamento geral com os arbítrios e desmandos da ditadura militar por

pessoas de gerações diferentes e até entre as que, inicialmente, apoiaram o

golpe de 64.

Ainda sobre a censura à letra dessa música, vale ressaltar que, além de

ser vetada na íntegra, Milton é chamado a depor no DOPS. Na gravação,

aparecem apenas fragmentos de versos como a denunciar a censura à letra:

“Filho meu...(...) Meu filho...” Confirmando a disposição de passar isso na

gravação Milton dizia: “Vou gravar de qualquer jeito. Vou botar no som tudo o

que eles tiraram na letra. Eles vão ver comigo...” A “teimosia” e a “raiva” de

Milton fizeram com que esta e as outras canções permanecessem no

repertório.11

Os Escravos de Jô (Milton Nascimento e Fernando Brant) é outra das

censuradas. No encarte do cd, não aparece a letra e, na gravação, há

pequenas partes onde a letra é cantada por Clementina de Jesus com coro de

Milton, Naná, Sirlan, Nico Borges e Telo Borges.

Saio do trabalho é
Volto para casa ê
Não lembro de canseira maior
Em tudo é o mesmo suor
Em tudo é o mesmo suor
(...)
Em tudo é o mesmo suor (...)12

Efeitos vocais de Naná e Milton juntamente com a música tentam cobrir

as lacunas da letra censurada, conseguindo em parte, pois a audição da

música passa uma revolta através do arranjo vocal, musical e da percussão. É

impressionante como a música, apenas com estas pequenas inserções da

letra, consegue passar a essência do conteúdo poético e político da letra.

Outro detalhe importante é que, mesmo as letras tendo sido censuradas,

no encarte aparecem as indicações separadas: Os escravos de Jó – Música de

Milton Nascimento, letra de Fernando Brant; Hoje é dia de El Rey – Música de

Milton Nascimento e letra de Márcio Borges; Cadê – Música de Milton

Nascimento e letra de Ruy Guerra e Milton Nascimento. Este vazio e letra

registrado no encarte também diz muito, podendo ser visto como uma forma de

denunciar os cortes feitos.

Enfim, é um disco em que os sons não-verbais (notas musicais, gritos,

efeitos vocais e sonoros, percussão, instrumentos) têm um destaque especial e

parecem dizer tudo aquilo que não foi permitido através de palavras. Pequenas

inserções das letras incorporam-se ao protesto musical, ratificando-o, como,

por exemplo, na sugestiva canção A chamada (de Milton Nascimento) que não

possui letra, mas traz no meio da música a seguinte seqüência verbal

suplicante: “Eu to cansado, me salva, tô cansado”.13

5.3 – O sonho não acabou

Ó nem o tempo, amigo


Nem a força bruta pode um sonho apagar
(BETO GUEDES E RONALDO BASTOS, Canção do novo
mundo)

John Lennon diz que o sonho acabou no início da década de 70 e inicia

carreira solo, contudo temos no Brasil um grupo de jovens envoltos pelo pó da

estrada, sonhando juntos um país, uma vida melhor: o Clube da Esquina.

Falando pelo grupo, Ronaldo Bastos diz em entrevista a “O Globo”: “Nós

éramos jovens e somente nos interessava a revolução. Abominávamos a

ignorância da direita e a burrice de certos setores da esquerda. Queríamos

mudar o mundo e estivemos perto de mudá-lo em 1968”.14

Retomando a Canção do novo mundo, feita em homenagem ao ídolo de

alguns dos participantes do Clube – John Lennon – após sua morte, podemos

ampliar o sentido da força bruta, a que os autores se referem. Não só a que

matou Lennon, mas também a força bruta dos regimes autoritários,

antidemocráticos e repressores. No caso brasileiro, o regime militar instaurado

em 1964 e endurecido em 68 fez com que o sonho ficasse adormecido, porém

ela não morre e retoma.

“Segue a vida a rolar”, “pé na estrada”, “pó de estrelas” e o sonho

contínuo pela via-láctea movendo o homem. Percebemos a continuidade dos

ideais do Clube na música Via-láctea (de Lô Borges e Ronaldo Bastos),

segundo LP solo de Lô Borges de mesmo nome da canção. Esta letra tem uma

particularidade interessante: uma estrutura entrecortada, fragmentada que dá a

impressão de serem vários “flashes” de todo um período vivido por pessoas

que acreditaram ser possível sonhar um país diferente e melhor.

VIA-LÁCTEA (Lô Borges e Ronaldo Bastos)


Vendaval
Carrossel
Segue a vida a rolar
Pé na estrada
Pó de estrelas
Coração vulgar
Que navega no céu
E navega no ar
Grão de areia vagar

Caravela
Pão e mel
Segue o circo a rolar
Picadeiros
Primaveras
Coração vulgar
Que navega no céu
E navega no ar
Grão de areia a viver na espuma do mar
O grão de tão pequeno ser tão grande o que a gente é
Ter esse destino de pessoa que sonhou

Que navega no céu


E navega no ar
Grão de areia a bailar no fundo do azul
E anda que nem bola, como a vida quando quer brotar
Rola como anda, que nem fonte de calor

Barricadas
Cordilheiras
Coração vulgar
Que navega no céu
E navega no ar
Grão de areia no ar
Aventuras

Cicatrizes
Segue o mundo a rodar
Diamantes
Universo
Coração vulgar
Que navega no céu
E navega no ar
Grão de areia a vagar na espuma do mar

A utopia prossegue no LP Clube da Esquina 2, de Milton Nascimento,

com a ampliação do Clube de 72. embora um disco de Milton, conta com a

participação dos companheiros iniciais, juntamente com outros que ou


participaram do primeiro LP Clube da Esquina, ou entraram depois nesse

grupo. Era um novo projeto de Milton: ”juntar todos os seus amigos no estúdio

para outra celebração”.15 Esta celebração reuniu um grupo bem variado de

pessoas, a começar das autorias das canções. Enquanto o LP Clube da

Esquina de 1972, tinha canções quase que exclusivamente do “quinteto”, o

Clube da Esquina 2 apresenta também canções de outras pessoas que ao

longo da década de 70 estiveram junto com Milton (alguns desses até

participando do primeiro Clube da Esquina tocando), como Beto Guedes,

Nélson Ângelo, Toninho Horta, Novelli, Flávio Venturini, Murilo Antunes,

Tavinho Moura, Joyce, Mauricio Maestro e Ruy Guerra. Nas autorias das

músicas há ainda nomes como os de: Paulo Jobim, Chico Buarque, Danilo

Caymmi, Ana Terra, Violeta Parra e Pablo Milanes e até um poema de Carlos

Drummond de Andrade – Canção Amiga – musicado por Milton Nascimento.

Participam dele tocando ou cantando – além de Milton, Lô e Beto Guedes –

entre outros: Wagner Tiso, Flávio Venturini, Murilo Antunes, Nélson Ângelo,

Toninho Horta, Tavinho Moura, Novelli. Enfim, a ampliação conta com várias

participações importantes, seja na autoria das músicas, seja cantando,

tocando, ou ainda as três opções. Há uma grande participação de músicos,

compositores e cantores que não faziam parte do “Clube”, seja tocando,

cantando, fazendo parte dos coros, etc. Alguns destes são: Chico Buarque,

Francis Hime, Elis Regina, Ruy Guerra, Danilo Caymmi, Paulo Jobim, Joyce,

Maurício Maestro, Gonzaguinha, Boca, Livre, César Camargo Mariano.

Este álbum duplo marca também a ampliação do intercâmbio poético

musical e cultural latino-americano com duas músicas: Casamiento de Negros

(música recolhida e adaptada do folclore chileno por Violeta Parro, última


estrofe de Polo Cabrera) e Cancion por la unidad de Latino America (de Pablo

Milanes e Chico Buarque). Esta última simboliza muito bem o espirito deste

disco, que tinha o objetivo de re-unir as pessoas que durante os anos setenta

estiveram quase sempre juntas, compondo, tocando, resistindo contra o regime

através das canções, ao mesmo tempo em que propunha uma união maior da

arte, da música, da poesia, da cultura e da política, em seu sentido maior, dos

povos latino-americanos. A tão sonhada unidade política e cultural realiza-se,

de certa forma, no Clube da Esquina 2.

Este disco já apresenta um tom diferente em relação à noite. A primeira

canção do álbum duplo, Credo (de Milton Nascimento e Fernando Brant),

marca o início de “um sonho que vai ter de ser real” e também um novo período

nas composições e quem sabe no país. Consultando o Novo Dicionário Aurélio,

podemos verificar a definição que melhor se encaixa para credo na música:

“preceitos ou normas por que se rege uma pessoa, um partido, uma seita,

etc”16. O preceito que as pessoas devem seguir agora é acender a esperança e

apagar a escuridão, espalhar as sementes da liberdade e ter fé no nosso povo

que está acordando de uma longa noite, para que possamos construir um

mundo novo e sem repressão. Percebe-se uma nítida mudança no enfoque

dado à noite. Aqui ela aparece ao lado da esperança, da juventude, do novo,

diferentemente de Os povos onde o povo tem medo do novo, e representa o

início do despertar, o começo de uma nova fase. Enfim, retrata um astral mais

positivo que vai ao encontro histórico de tímido afrouxamento do regime (final

dos anos 70).

CREDO (Milton Nascimento e Fernando Brant)


Caminhando pela noite de nossa cidade
Acendendo a esperança e apagando a escuridão
Vamos, caminhando pelas ruas de nossa cidade
Viver derramando a juventude pelos corações
Tenha fé no nosso povo que ele resiste
Tenha fé no nosso povo que ele insiste
E acorda novo, forte, alegre, cheio de paixão

Vamos, caminhando de mãos dadas com a alma nova


Viver semeando a liberdade em cada coração
Tenha fé no nosso povo que ele acorda
Tenha fé no nosso povo que ele assusta

Caminhando e vivendo com a alma aberta


Aquecidos pelo sol que vem depois do temporal
Vamos, companheiro pelas ruas de nossa cidade
Cantar semeando um sonho que vai ter de ser real
Caminhemos pela noite com a esperança
Caminhemos pela noite com a juventude

Esta canção contrasta com outras anteriores pelo fato de apresentar

uma série de vocábulos do campo semântico de luz, energia, vitalidade:

juventude, fé, alegre, paixão, forte, novo. Isto reforça o que foi dito acima,

mostrando que seria possível uma mudança de tal quadro. Outro aspecto

importante é a citação na gravação de outra canção do álbum duplo Cube da

Esquina, San Vicente, que ressalta o contraste entre o início da década e o

final.

Para terminar, duas canções do mesmo LP que possuem a mesma

melodia com pequenas alterações no arranjo, mas com letras diferentes. Vale a

pena recontar o processo de criação destas canções: Milton havia feito uma

melodia e a entregara a Fernando e a Márcio, dizendo que era para eles

refletirem sobre “o que foi feito devera”.17 É uma citação da própria obra, Vera

Cruz (de Milton e Márcio), feita no fim da década de 60 e tentativa de obra-

prima por parte de Márcio. O resultado foi a criação de duas obras de arte: a

primeira, O que foi feito deverá (de Milton e Fernando Brant) e a Segunda O

que foi feito de vera (de Milton e Márcio Borges), cantadas por Milton e Elis
Regina com vocal de Lô Borges e Gonzaguinha. São duas canções que fazem

uma retrospectiva da trajetória percorrida pelo Clube da Esquina de 68 a 78.

Na primeira temos a indagação sobre o que foi feito com tudo o que foi

sonhado, com a vida e com o amor. E o “verso menino” fica em nossa cabeça

para manter vivas para sempre as sensações da época e como foi duro este

período. Não esquecer jamais que “se muito vale o já feito/ mas vale o que

será”, ou seja, não esquecer de viver o presente, porém sempre com a imagem

do passado a nos fazer lembrar que “outras manhãs plenas de sol e de luz

virão”. E a imagem diz muito mais que as palavras. Como já foi dito, retomando

Octavio Paz, a imagem revive, recria, nos coloca diante do fato, passado,

presente ou futuro. Esta idéia pode ser resumida com uma frase de Augusto

Boal ouvida num programa de televisão que dizia mais ou menos: “A gente

deve olhar/conhecer o passado para melhor viver o presente e inventar o

futuro”.18

O QUE FOI FEITO DEVERÁ (Milton Nascimento e Fernando


Brant)

O que foi feito amigo


De tudo que a gente sonhou
O que foi feito da vida
O que foi feito do amor
Quisera encontrar
Aquele verso menino
Que escrevi a tantos anos atrás

Falo assim sem saudade


Falo assim por saber
Se muito vale o já feito
Mas vale o que será
E o que foi feito
É preciso conhecer
Para melhor prosseguir

Falo assim sem tristeza


Falo por acreditar
Que é cobrado o que fomos
Que nós iremos crescer
Outros outubros virão
Outras manhãs plenas de sol e de luz

Na segunda, temos um duplo sentido logo no título, precisamente na

expressão ”de vera”. Um sentido é o que foi feito de Vera Cruz, primeiro nome

dado ao Brasil; o outro significa para valer, deveras. Podemos ainda juntar os

dois: o que foi feito deveras do Brasil? Na realidade, já falamos bastante sobre

o que fizeram: ameaçaram, mataram, esquartejaram, durante um longo tempo,

a nossa liberdade. Nos versos desta canção há ainda o ressurgimento do

homem íntegro, “o homem que eu era voltou”, podendo não só pensar, sentir e

sonhar, como também se reunir livremente, falar, opinar, manifestar-se.

O QUE FOI FEITO DE VERA (Milton Nascimento e Márcio


Borges)
Alertem todos alarmas
Que o homem que eu era voltou
A tribo toda reunida
Ração repartida ao sol
De nossa Vera Cruz
Quando o descanso era luta pelo pão
E aventura sem par

Quando o cansaço era rio


E rio qualquer dava pé
E a cabeça rodava
Num gira-girar de amor
E até mesmo a fé
Não era sega nem nada
Era só nuvem céu e raiz

Hoje essa vida só cabe


Na alma da minha paixão
De Vera nunca se acabe
Abelha fazendo seu mel
No canto que eu criei
Nem vá dormir como pedra
E esquecer o que foi feito de nós
Enfim, estas duas canções fazem o retrospecto do que o “grupo”viveu e

escreveu: “quando o descanso era luta pelo pão e aventura sem par”, “abelha

fazendo o seu mel” e “até mesmo a fé não era cega nem nada era só nuvem,

céu e raiz”. Neste último trecho há inclusive uma revisão de valores em relação

a “fé cega” cantada antes (música de Milton e Ronaldo Bastos): na verdade

não era uma fé irracional e sim uma fé que misturava “nuvem” (simbolizando

paixão, sonho, ideal) e “raiz”(“pé no chão”, realidade, racionalidade). E “o que

foi feito deverá” sempre ser lembrado para que não se repita jamais. E não

podemos também dormir “como pedra e esquecer que foi feito” de Vera.

A antinomia “nuvem”/”raiz” apontada acima é um dos elementos

presentes neste segundo texto revela seu alto grau de poeticidade, visto que,

segundo Massaud Moisés, “a tensão decisiva para o fenômeno poético ser a

que se organiza entre o sentir e o pensar, entre a emoção e o pensamento, não

raro num mesmo verso ou imagem”.19 no entanto, vale lembrar que o referido

autor não reconhece, ou pelo menos não deixa isso evidente, a letra de música

como uma forma poética. Para provar que a letra de música pode ser

considerada poesia, recorramos mais uma vez a esse mesmo crítico: “O

encontro entre as duas esferas – a emoção e a intelectualização – manifesta-

se como tensão: a poesia é sinônimo de tensão, de conflito, de antinomia”.20

Dez anos depois do AI-5, quatorze depois do golpe, o LP Clube da

Esquina 2 marca o fim de um ciclo na produção poético-musical dos autores

em estudo quando há um início tímido de afrouxamento do regime e fortalece-

se o movimento “pró-anistia”, embora o fantasma da ditadura e da repressão

ainda não estivesse totalmente afastado, conforme episódios posteriores, como


o atentado à bomba no Riocentro durante a comemoração do 1º de maio de

1980, iriam demonstrar.

A obra-prima imaginada por Márcio Borges é finalmente composta

quando põe letra em melodia de Milton (O que foi feito de vera) e,

magistralmente, transforma em imagens poéticas a história pessoal dele,

Milton, do pessoal do Clube da Esquina, ao mesmo tempo em que também é

um “revival” imagético da década de 70 e das pessoas que a viveram. Para os

que não viveram ou eram pequenos na época, recria e revive, através destas

imagens, tudo aquilo por que passaram e sonharam. E a utopia prossegue na

poesia, pois “se o poeta é o que sonha o que vai ser real/ bom sonhar coisas

boas que o homem nem faz/e esperar pelos frutos no quintal”.21


NOTAS:

* PESSOA, F. (1986) p.17.


1
CAPINAM, FOL G., (1990), reprodução do disco original em cd.
2
BORGES, M. (1996) p.309.
3
HOLLANDA, Chico B. de. (1970). IN:________, (1989), p.92.
4
PEREIRA, C.A.M. (1981) p.275-276.
5
O GLOBO (1995), 27/04/1995.
6
SOUZA, Tárik de. “A polifonia dos anos 70 e 80”. In: SALAZAR, A. (s.n.t)

p.270.
7
CARVALHO, Elizabeth. “O mundo econômico: uma só nação, um só mercado

consumidor” (A ascensão do império global – um casamento perfeito) In: ANOS

70. (1979-1980), v.5 – Televisão, p.105.


8
RIBEIRO, Santuza Naves, BOTELHO, Isaura. “A televisão e a política de

integração nacional”. In: ANOS 70. (1979-1980), v.5, Televisão, p.94.


9
BORGES, M. (1996) p.305-306
10
FERREIRA, A.B. de, FEREIRA, M.B. 2.ed. (AURÉLIO ELETRÔNICO)
11
BORGES, M. (1996) p. 305-306
12
Versos escritos a partir da audição da gravação. In: NASCIMENTO, M.

Milagre dos Peixes. (1995).


13
Ibidem.
14
O GLOBO (27/04/95).
15
BORGES, M. (1996) p.327.
16
FERREIRA, A.B. de. /s.d/ 1.ed.
17
BORGES, M. (1996) p.326-327.
18
BOAL, ª In: “Conexão Roberto D`Ávila de 11/06/1998 – TV-E.
19
MOISÉS, M. (1993) p.171.
20
Ibidem, p.170.
21
NASCIMENTO, M., BRANT, F. Coração Civil. In Nascimento.: Caçador de

mim (1981).
6 – FIM DO MILÊNIO; FIM DAS UTOPIAS?

Quando o sonho acabou


Continuamos a sonhar
Com os olhos bem abertos pra ver
O inverno que chegou
Uma andorinha não faz verão
Mas em duas voam sonhos reais
(LÔ BORGES E MÁRCIO BORGES – Vertigem)

Muito tem se falado, neste fim de século, em fim das utopias. Fala-se, por

exemplo, que o último movimento utópico do século aconteceu em 1968, ano

tido como marco da última grande utopia do século durante o qual ocorreram

rebeliões, revoltas, greves, manifestações, principalmente de estudantes, em

todos os continentes do mundo. Já vimos também que este ano foi um “divisor

de águas” na história brasileira, influenciando toda uma geração e outras

posteriores, em especial o grupo de compositores e poetas que são o âmago

deste trabalho. Vale lembrar, ainda uma vez, que as canções e parcerias entre

eles começaram a surgir entre 1964 e 1968, intensificando-se a partir de 69,

com a canção que viria a nomear, posteriormente, uma geração de

compositores, músicos e poetas: Clube da Esquina. Embora esta canção já

tenha sido comentada e discutida anteriormente, é importante ressaltarmos que

ela, de fato, além de ser um hino desta geração específica, representa

poeticamente o clima e o ritmo daqueles anos sombrios, conforme podemos

comprovar relacionando-a com a seguinte narrativa escrita em 98 a partir de

jornais da época e de depoimentos dados ao jornal Folha de São Paulo:

Noite de um dia qualquer de maio de 1968. Todos os


envolvidos no dia de hoje viverão na clandestinidade, serão
perseguidos ou presos, passarão anos numa solitária,
fugirão do país ou viverão escondidos aqui mesmo, cm
nomes falsos, pulando de um estado para outro, de uma
cidade para outra. Antes disso, nas noites de maio de 68,
eles se reuniam em bares, restaurantes e nas casas uns dos
outros para conversar, ler, discutir, debater, planejar os
comícios, os congressos e as passeatas do dia seguinte.
Reuniam-se ainda para ir ao cinema, ao teatro e namorar –
“para essa geração, a noite era dia; um dia contava um mês;
um mês contava um ano”.1

Embora a canção Clube da Esquina tenha sido feita após 68 e refletisse

o clima de então, poderia perfeitamente referi-se a noites anteriores. Outros

aspectos que aparece no trecho citado nos remete para a letra de Clube da

Esquina 2, em especial para o verso “e lá se vai mais um dia”, onde cada dia

que se passava representava uma eternidade, ao mesmo tempo em que era

necessário se fazer em um dia algo que precisaria de um mês, um ano, uma

década.

Relacionando o material poético dos autores do período estudado, 1968-

1980, com a década de 90, pode-se concluir que a utopia não desapareceu de

suas obras. Ou seja, utopia e poesia, além de estarem extremamente

relacionadas, não acabam, visto que essenciais para o ser humano, contudo

podem sofrer alterações de rota.

Há uma manifestação intrínseca entre as manifestações e os anseios da

juventude pelo mundo inteiro e a produção poético musical do Clube da

Esquina. Como já foi visto podemos observar através das canções e das

declarações de membros do Clube da Esquina, havia um desejo forte de mudar

o mundo através da revolução. Frustrada essa via, o que podemos perceber é

toda uma canalização destes anseios para uma revolução cultural, influenciada

pelas idéias da contracultura cindas de outros países.


Este desejo utópico era uma constante nas letras e também nas

conversas, pelo que pudemos observar através das fontes de pesquisa

(canções, jornais, livros, depoimentos, entrevistas em rádio, etc.). este desejo é

uma característica nata e constante no homem “ainda não embrutecido pela

própria fraqueza ou pela realidade tremenda, é a liberdade que ele se reserva

de opor ao evento defeituoso, à situação decepcionante, uma força

contraditória”.2 Contra o regime autoritário brasileiro, uma sociedade diferente

era imaginada utopicamente através das canções.

É importante destacar que a utopia revela não só um desejo individual,

mas também pode representar o desejo coletivo de mudanças de uma época.

É o caso das canções do Clube da Esquina que se contrapunham, ainda que,

às vezes, de forma não direta, mas subentendida pelo público que, ao longo da

década de 70, cada vez mais ia se inteirando e entendendo o conteúdo político

e de resistência em seu sentido mais amplo.

(...) Antes de mais nada, deve-se considerar que, embora


uma ou outra utopia possa ser fruto meramente de uma
única vontade individual, a maior parte delas na verdade
representa a cristalização das aspirações, senão do todo,
pelo menos de parte do grupo social onde aparecem,
mesmo quando surgem na forma de um livro assinado por
uma única pessoa. (...)3

Duas questões abordadas por Teixeira Coelho merecem ser abordadas

e consideradas:

O desejo da utopia transforma-se em algo de preciso, tende


a concretizar-se? Ou a imaginação utópica é cultivada pelo
homem apenas como meio de fuga, como válvula de escape
interior diante da triste realidade? Uma postura diletante e
acadêmica diante da questão optaria pela Segunda
proposição. Mas o fato é que a força básica da imaginação
utópica está exatamente em sua propriedade de levar o
homem a procurar sua transformação em algo concreto. (...)4

Embora, às vezes, parecessem mera fuga da triste realidade, as

canções do Clube da Esquina tentavam levar os homens a utopia (o lugar

imaginado) em “topia” (o lugar real).

Enfim, o projeto utópico alterou-se, porém ainda resiste nas pessoas que

passaram pelo Clube da Esquina. Houve mudanças de rotas, como podemos

observar, por exemplo, em Milton que, embora envolvido com a “world music”,

tem canalizado seus últimos trabalhos numa utopia fundamental para o homem

na entrada do terceiro milênio: a defesa do planeta Terra e dos povos

oprimidos, como os índios brasileiros; e em Márcio Borges que, atualmente

leva uma vida “alternativa” longe do show business e das cidades grandes, um

dos ideais presentes nas canções dos anos 70.


NOTAS:
1
FOLHA DE SÃO PAULO (Caderno Mais – Edição de 10/05/1998) p.5.

narrativa feita a partir de jornais da época e dos depoimentos dados à folha por

César Benjamin, Doralina Carvalho, José Dirceu, José Genoíno, Olga Matos e

Valdemir Bargiere.
2
COELHO, T. (1985) p.7.
3
Ibidem, p.48.
4
Ibidem, P.68.
RESUMO

Esta dissertação analisa a poesia produzida na década de 70 pelos

letristas/poetas do Clube da Esquina, período em que o Brasil vive o momento

do “milagre econômico”, sob intensa ditadura militar e chamado por alguns de

“vazio cultural”. Contrariando esta posição, demonstra-se que houve grandes

acontecimentos culturais e artísticos, apesar da aparente tranqüilidade.

É um período marcado pelo aparecimento e amadurecimento de vários

poetas da MPB, quando a poesia da censura invade lares e bares via meio de

comunicação de massa e, apesar da censura, muita contestação passou “pela

fresta”. A década de 70 é o momento de afirmação da MPB como um dos

principais veículos da poesia brasileira na atualidade e, ainda, de resistência

cultural, destacando-se no contexto o Clube da Esquina.

Partindo do caminho percorrido pelos integrantes do Clube da Esquina

desde a década de 60, época efervescente na literatura, na política e na

música popular brasileira, até chegar os anos 70, observa-se e analisa-se,

através das letras das canções, sua relação com o momento histórico, sonho e

utopia e como as transformações ocorridas no campo histórico-político-social

alteram ou não a visão e o sonho de transformações da sociedade no Brasil.

Para isso, elegemos como corpo central da pesquisa os compositores/poetas

Milton Nascimento, Lô Borges, Márcio Borges, Ronaldo Bastos e Fernando

Brant, principais criadores das canções do Clube da Esquina.

Neste fim de século, fala-se de fim da história, fim das utopias, fim das

ideologias (e até do fim da poesia), globalização, fim de tudo. Então, “o que foi

feito amigo/De tudo que a gente sonhou”.


ABSTRACT

This dissertation analyses the poetry produced during the seventies by

thje song writers/poets from the Clube da Esquina, a period when Brazil lives

the moment of the “economical miracle”, under a violent military dictatorship. It

was called “cultural void”. Refuting this position, it can be showed that there

were a lot of cultural and artistic events un spite of apparebt calm.

It`s a period marked by the appearing and matureness of a seneral poets

of MPB (Brazilian popular music), when poetry invades homes and bars through

mass media and despite the censorship, a lot of protest could pass through “the

breach”. The seventies are the moment of affirmation of MPB as one of the

principal vehicles of Brazilian poetry nowadays and it was also a time of great

opposition to dictatoship through culture. The importance of Clube da Esquina

can be pointed out in this context.

From the way trawelled by the members of the Clube da Esquina since

the sixties, an effervescent period in leterature, politcs and in Brazilian Popular

Music (MPB), until the seventies, one can observe and analyse, through the

lyrics of the songs, their relationship with the historical moment, dream and

utopia and how transformation that ocurred in the historical-political-social field

changed or not the view and the dream of transforming society in Brazil. In

order to do it, it was elected as the central corpus of the research the

composers/poets Milton Nascimento, Lô Borges, Márcio Borges, Ronaldo

Bastos e Fernando Brant, main creators of the songs of the Clube da Esquina.

In this end of century, people talk about the end of History, end of

utopias, end of ideology (and even end of poetry), “globalization”, end of

everything. So, “what happened friend/to everything which we dreamed”.


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11. ______. Alma de borracha. Rio de Janeiro: EMI/ODEON, LP 064 422964,
1986.
12. NASCIMENTO, Milton. Courage. São Paulo: A&M Records, LP SA&M
2037, 1969.
13. _______. Milton Nascimento. São Paulo: EMI/ODEON, LP SMOFB 3592,
1969.
14. _______. Milton. São Paulo: EMI/ODEON, LP SMOAB 6004, 1970.
15. _______. Minas. Rio de Janeiro: EMI/ODEON, LP 064 823325, 1975.
16. _______. Geraes. Rio de Janeiro: EMI/ODEON, LP 064 422806D, 1976.
17. _______. Milton Nascimento/Nova História da Música Popular Brasileira.
São Paulo: Abril Cultural, HMPB-06, 1976.
18. ______. Clube da Esquina 2. Rio de Janeiro: EMI/ODEON, LP 164 422831
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19. ______. Sentinela. Rio de Janeiro: Barclay, LP 201610, 1980.
20. ______. Caçador de mim. São Paulo: Ariola, LP 201909, 1982.
21. ______. Anima. Rio de Janeiro: Barclay, LP 201909, 1982.
22. ______. Encontros e despedidas. Rio de Janeiro: Barclay, LP 827638,
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23. ______. A Barca dos Amantes. Rio de Janeiro: Barclay, LP 831349, 1986.
24. ______. Yauretê. Rio de Janeiro: CBS, LP 231023, 1987.
25. ______. Txai. Rio de Janeiro: CBS, LP 177238 (1-464138), 1990.
26. ______. Angelus. São Paulo: BMG Ariola, LP duplo 945501-1, 1993.
27. ______. MPB-Compositores (Nº 19-Milton Nascimento) Rio de Janeiro:
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28. ______. Nascimento. /s.l/Warner Music Brasil, cd 936246492-2, 1997.
29. ______, BORGES, Lô. Clube da Esquina. Rio de Janeiro: EMI/ODEON, LP
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30. ______, SOM IMAGINÁRIO. Milagre dos Peixes. São Paulo: EMI/ODEON,
cd (remasterizado – Gravado em 1973) 790790-2 1995.
31. ______, SOM IMAGINÁRIO. Milagre dos Peixes – Show ao vivo. São
Paulo: EMI/ODEON, LP 164 422802 E LP 164 422803, 1974.
32. 14 BIS. 14 Bis. Rio de Janeiro: EMI/ODEON, LP, LP 064 422850, 1979.
33. ______. 14 Bis II. Rio de Janeiro: EMI/ODEON, LP 064 422870, 1980.
34. VENTURINI, Flávio. Nascente. Rio de Janeiro: EMI/ODEON, LP 064
422911, 1981.
35. _____. O Andarilho. Rio de Janeiro: EMI/ODEON, LP 064 422713, 1984.
36. _____. Beija-flor. São Paulo: Velas, CD 11-v162, 1996.
ERRATAS E CORRIGENDAS:

Pág. 11 Onde se lê leia-se


Alguns núcleos teóricos alguns núcleos temáticos

Pág. 100 Onde se lê Leia-se


Aqui já um certo prenúncio Aqui já há um certo prenuncio

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