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CENÁRIO CULTURAL ONDE GERMINARAM O PENSAR E O FAZER

DE PAULO FREIRE 1

Paulo Rosas 2

RESUMO

Nascido em 1921, Paulo Freire viveu no recife até Setembro de 1964, mês que
marcou sua saída para o exílio. Tinha, então, 43 anos. O Nordeste brasileiro,
particularmente o Recife dos anos 20 a 64, representou o cenário cultural onde Paulo
Freire fez suas primeiras “ leituras do mundo” e germinaram o pensar e o fazer
pedagógicos de sua maturidade. Parte-se de uma reflexão sobre o cenário cultural
que caracterizou o Recife no intervalo compreendido entre 1920 e 1964. Salienta-se,
nesse período, o que de mais relevante ocorreu na cultura pernambucana de 1940 a
1964, anos em que se definiram os rumos da história do Paulo Freire-educador,
dialogicamente interagindo com o ambiente social e político do qual era um dos
atores. Anos em que exerceu os papéis sociais de professor de língua portuguesa em
nível médio; estudante na Faculdade de Direito do Recife; Diretor da Divisão de
Educação e, posteriormente, Superintendente do Serviço Social da Indústria (SESI);
professor de Filosofia da Educação na Escola de Serviço Social de Pernambuco;
professor de História e Filosofia da Educação na Escola de Belas Artes, da então
Universidade do Recife – onde criou e dirigiu o Serviço de Extensão Cultural (SEC)
- ; um dos fundadores e dirigentes do Movimento de Cultura Popular (MCP). Anos,
também, em que realizou suas primeiras experiências com os Círculos de Cultura e
a prática com o chamado método Paulo freire de alfabetização de adultos.
Nascido em 1921, Paulo Freire viveu no recife até setembro de 1964, mês
que marcou sua saída para o exílio. Tinha, então, 43 anos. O Nordeste brasileiro,
particularmente o recife dos anos 20 a 64, representou o cenário cultural onde
Paulo freire fez suas primeiras leituras do mundo e germinaram o pensar e o fazer
pedagógicos de sua maturidade. A idéia de cenário cultural, é aqui entendida no
sentido antropológico do termo cultura, com ênfase em seus contornos
intelectuais, políticos e sociais.

_________________________
1
Comunicação apresentada no Congresso Internacioanal “ Um Olhar sobre Paulo Freire”, promovido pela Universidade de Évora, Portugal, de 19
a 23 de setembro de 2000.
2
Paulo da Silveira Rosas é Livre Docente e Doutor em História da Psicologia, Professor aposentado da Universidade Federal de Pernambuco, ex-
Presidente do Conselho Estadual de Educação de Pernambuco e atual Presidente do Centro Paulo Freire – estudos e Pesquisas. É autor de vários
livros, entre os quais Para compreender a educação superior brasileira ( São Paulo, Paz e Terra, 1992).

1
O Cenário cultural do Brasil, como ocorre em geral e, no Brasil, no
Nordeste e no Recife-, foi então e é hoje construído pelo homem em benefício de
alguns homens e sacrifício dos socialmente excluídos. Cenário que de algum modo
condiciona o cotidiano das pessoas, sobretudo dos que imprimem à sua leitura do
mundo o selo do fatalismo ingênuo, como observou Paulo Freire ( 1959), na tese
com a qual se candidatou à Cátedra de História e Filosofia da Educação na Escola
de Belas Artes e ponto de partida de sua obra pedagógica. Entretanto, não o faz de
maneira mecânica e inevitável: a história, não se cansa de repetir Paulo Freire, é
possibilidade e não determinismo. A leitura crítica do mundo conduz à
conscientização da realidade e ao esforço deliberado de mudar, à denúncia, ao
anúncio, à profecia, à utopia e ao sonho ( Freire, 2000). À “ imaginação de um
mundo com que sonhamos, de um mundo que ainda não é, de um mundo diferente
do que aí está e ao qual precisamos dar forma.” ( Freire, P. 2000, p.39)
Nos anos vintes ( Freire, A. M. A., 1989, p. 194) eclodiram no Brasil
“movimentos políticos, econômicos, sociais, culturais e religiosos, iniciados alguns
na década anterior”, os quais “aprofundaram-se e possibilitaram a passagem de
uma sociedade preponderantemente rural-agrícola para uma que tentava viabilizar-
se como urbano-industrial.” Movimentos, como o Modernismo, no domínio da
literatura e das artes plásticas, alcançaram importante repercussão na história
contemporânea do Brasil.
O Recife absorveu essas mudanças de modo polêmico: Gilberto Freire,
1941; Souza Barros, 1969; Sylvio Rabello, 1979; A. P. Rezende, 1997 (citados por
Resende, A. P. 2000,p. 50-56). Nem poderia ser diferente. A tradição de
Pernambuco e do recife acumulava conflitos históricos entre fortes núcleos
conservadores e escravocratas versus movimentos libertários, em defesa da
independência nacional, da implantação da república e da abolição da escravatura.
Acumulava, também, experiências nos planos intelectual e pedagógico,
que lhe asseguravam um papel de relevo no contexto brasileiro. No ensino médio, o
Ginásio Pernambucano (1866) e a Escola Normal eram referências nacionais. O
Ginásio Pernambucano (1866) se originou do antigo Liceu Provincial de
Pernambuco, de 1826, “filho espiritual do Seminário de Olinda” (Bello, 1978, p.
84). O Ensino Normal foi instituído em Pernambuco em 1864. Na Escola Normal
militaram mestres, como Ulisses Pernambucano, fundador do Instituto de
Psicologia de Pernambuco, em 1925, iniciador da psiquiatria social no Brasil e
formador de toda uma geração de psicólogos e psiquiatras.
No ensino superior, o Recife contava nos anos 20 com a Faculdade de
Direito, pioneira no Brasil, criada juntamente com a Faculdade de Direito de São
Paulo, em 11 de agosto de 1827; com a Escola de Engenharia ( 3 de junho de
1895) e a Faculdade de Medicina ( fundada em 5 de abril de 1915 e instalada em
1920). A Faculdade de Direito do Recife fora, ainda no século XIX, palco de
intensa atividade intelectual e política, com a participação de Castro Alves, Rui
Barbosa e, principalmente, de Tobias Barreto e Sílvio Romero: estes estrelas
maiores da chamada “Escola do Recife”. Nos anos vinte e nas décadas seguintes a

2
Faculdade de Direito do Recife continuaria a ser um marco na formação de
humanistas, nas disputas filosóficas e políticas e um baluarte na defesa dos direitos
humanos.
Antonio Paulo Rezende ( 2000, p. 49-56) salienta, entre outros
acontecimentos culturais que atestam a modernização do Recife nos anos 20: a
realização de 13 filmes de 1923 a 1931; o funcionamento do Rádio Clube de
Pernambuco, a partir de 1924; e a passagem de aviões (“ o primeiro a chegar foi o
Portugal, pilotado por Sacadura Cabral e Gago Coutinho, no dia 5 de junho de
1922”). Destaca, ainda, entre as ocorrências no Recife, as quais criavam
“confrontos políticos” e, em 1922, a criação do Partido Comunistas: “ a luta
social(...) teve sempre espaço” nas ruas do Recife, “ apesar de todo o
autoritarismo.”
Em 1926, com a divulgação do Manifesto Regionalista, Gilberto Freire
dava impulso a sua então iniciante carreira como pensador social e estudioso do
Brasil e de Pernambuco.
Paulo Freire era filho de uma família de classe média: pai , Joaquim
Temístocles Freire, capitão da polícia militar; reformado em 1924 e, face da
dilatação da veia aorta (Freire, P.1994,p. 61); mãe, Edeltrudes Neves Freire,
dedicada ao lar. Habitava em casa Amarela, um bairro de classe média, em uma
casa com um quintal, onde havia mangueiras – quintal e mangueiras que foram
como linhas de força em suas experiências infantis. Naquele ambiente, à sombra
daquelas mangueiras, Paulo Freire viveu suas primeiras leituras de mundo: “
aquele quintal foi a minha primeira objetividade”, diria ele ( Freire, P.1995, p.24).
“Começou a leitura da palavra”, escreveu Ana Maria Freire (1996,p.28) –
repetindo as palavras muitas vezes ditas por Paulo -, “orientado pela mãe, com
gravetos das mangueiras, à sombra delas, no chão do quintal da casa em que
nasceu...” Nascido em 1921, vivendo em uma família sem vivência acadêmica e
política, Paulo Freire não teve então acesso à modernidade que se processava no
Recife.
O período compreendido entre 1930 e 1945 foi pontilhado de
acontecimentos políticos, em sua maioria de amplitude nacional, com inevitáveis
repercussões no Recife. Serão mencionados aqui apenas na medida em que
integram o cenário cultural vivenciado por Paulo Freire.
Em primeiro lugar, impõe-se registrar a “revolução de 1930”, cujos
antecedentes deixam de ser discutidos aqui pois não repercutiram nas experiências
de Paulo Freire. Interessa sobretudo mostrar o que aconteceu em decorrência da
revolução de 1930, no tocante a práticas autoritárias, abertamente contrárias à
democracia, ocorridas durante a adolescência e o início da juventude de Paulo
Freire. Com sua deflagração em 24 de outubro de 1930, foi deposto o Presidente
legal ( Washington Luís) e Getúlio Vargas, conduzido à Presidência da República.
De início, foi instalada uma “junta governativa provisória”. Em seguida, Vargas
assume a Presidência do país, na condição de exercer um Governo Provisório.
Apesar de lhe serem conferidos poderes discricionários, dele se recebia o

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compromisso de reintegrar a nação em um regime legal, “através de um processo
político de convocação de uma constituinte” (Gomes, 1986,p.14). Longe de ser
cumprido o compromisso, o Governo de Vargas se alongaria até 1945. No seu
percurso, entre acordos, concessões e “mão-de-ferro”, encontraria resistências,
entre as quais a “Revolução Constitucionalista”, liderada por São Paulo e o levante
comunista de 1935. O levante comunista foi o pretexto para a instituição do Estado
Novo, em 1937. Nas palavras de Aguiar ( 1993, p. 51): “Do ponto de vista militar,
o golpe de 1937 representou o fim de uma série de rebeliões que ocorreram a
intervalos quase regulares a cada três anos desde 1922 – tendo uma delas levado
Getúlio Vargas ao poder em 1930”. Prossegue Aguiar, salientando a decisão
política em prol da industrialização do país e da adoção de um autoritário,
“liderado por um Chefe de Estado forte”.
À tentativa de tomada do poder pelo Partido Comunista faltavam
quadros, objetividade e unidade nacional. Apesar de alcançar alguns resultados
concretos em Natal e no Recife, eram resultados inconsistentes e efêmeros: a
“intentona comunista” foi contida em quatro dias. Mas a visualização de uma
tendência de esquerda que, melhor organizada, poderia complicar a vida da
ditadura reinante, serviu de pretexto para seqüelas consideráveis. No Recife, além
de prisões e torturas objetivando o desbaratamento do Partido Comunista e
simpatizantes, recrudesceram as perseguições aos cultos afro-brasileiros e aos
pesquisadores que estudavam a matéria. Sob a orientação de Ulisses
Pernambucano, René ribeiro e Waldemar Valente, entre outros, vinham
desenvolvendo pesquisas sobre “motivação e mecanismos psicológicos da
possessão” (Ribeiro) e o sincretismo religioso afro-brasileiro (Valente). Em
colaboração com Gilberto Freyre, Ulisses Pernambucano havia realizado em
novembro de 1934 o 1º Congresso de Estudos Afro-brasileiros, do qual
participaram antropólogos e babalorixás, deixando perplexa e irritada a burguesia
pernambucana. Por conseguinte, a oportunidade era favorável ao Governo de
Pernambuco, insatisfeito com a liderança de Ulisses Pernambucano nos planos
psicológico, psiquiátrico e pedagógico. Interromper seu trabalho, acusá-lo de
subversão, prendê-lo de modo “exemplar” foram as estratégias postas em prática.
Libertado, Ulisses Pernambucano precisou se afastar do Recife, fixando-se no rio
de Janeiro, onde faleceu em 1943, aos 51 anos de idade.
Nos anos 30 e 40 o Recife vivia o conflito entre a cidade moderna e que
lutava por níveis mais convincentes de desenvolvimento e a proliferação de
mocambos que lutavam pela sobrevivência: Veneza americana x Mucambópolis,
como escreveu Zélia Gominho (cf. Rezende, 2000, p. 59).
Com o Estado Novo, 1937, aumentaram os poderes de Vargas.
Aumentaram, igualmente, as ondas de protestos e insatisfação. A Faculdade de
Direito, retomando sua tradição de luta, era uma das referências de resistência ao
Estado Novo. No dia 3 de março de 1945, em uma manifestação pública contra a
situação, o estudante de Direito Demócrito de Souza filho e o carvoeiro Manoel
Elias dos Santos foram feridos e mortos pela repressão policial. No plano político,

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a repercussão alcançada nacionalmente pela notícia da morte de Demócrito de
Souza Filho – não tanto a do carvoeiro Manoel Elias dos Santos – foi um dos
fatores, certamente não o mais decisivo, que enfraqueceram a permanência de
Vargas no Governo. Paulo Freire, também ele aluno da Faculdade de Direito,
estava presente àquele ato.
De 1939 a 1945 viveu o Recife – como viveu a maior parte do mundo –
as incertezas da 2ª Guerra Mundial. No caso brasileiro, havia ainda a indefinição de
Vargas, entre o eixo e aliados. Claramente simpatizava com o fascismo, cujas
práticas em grande parte tomara como modelo. Inclusive no tocante à política em
relação aos trabalhadores: mesmo quando estes eram beneficiados, eram em
decorrência da vontade e decisão de Vargas, o “pai dos pobres”. De sua
benevolência, de sua doação, como diria Paulo freire, não por possibilitar aos
trabalhadores conscientização, crítica, organização livre, luta e conquista. O
predomínio de atitudes ingênuas e fatalistas entre porções consideráveis dos
trabalhadores, acomodados à falta de conscientização, crítica, organização não
dirigida, luta e conquistas explicava o entusiasmo popular pelas vantagens que
estrategicamente lhe eram “ doadas”. Em 1945 Getúlio Vargas, após 15 anos de
autoritarismo, deixou o Governo. Inicia-se um período de busca da
redemocratização do país. Paulo Freire acompanhou todo o processo, não como
um espectador “neutro”, mas como um crítico comprometido.
No concernente à educação, de 1930 a 1945 registrou-se significativa
expansão do ensino médio no Recife, sobretudo quanto à criação de escolas de
iniciativa privada. O ensino superior também se ampliou. Em 1932 foi instalada a
Escola de Belas Artes. Em maio de 1940, por iniciativa do Desembargador Rodolfo
Aureliano, então Juiz, a Escola de Serviço Social de Pernambuco iniciou suas
aulas, funcionando em dependências do Juizado de Menores, do qual Rodolfo
Aureliano era o titular (Moraes,1990). Em novembro do mesmo ano o Presidente
Getúlio Vargas assinou o Decreto autorizando o funcionamento do Instituto
Superior de Pedagogia, Ciências e Letras Paula Frassinetti, a partir de 1941
denominado Faculdade de Filosofia do Recife. Ainda neste intervalo foi instalada a
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Pe. Manoel da Nóbrega, pertencente aos
Jesuítas, embrião da Universidade Católica de Pernambuco.
Data dos anos 30 a 45 a publicação (1ª edição) da maioria das obras mais
expressivas de Gilberto Freyre, representando uma nova interpretação da sociedade
patriarcal brasileira e nordestina: Casa Grande & Senzala, 1933; sobrados e
Mucambos, 1936; nordeste, 1937;Mucambos do Nordeste, 1937; Açúcar, 1939; O
mundo que o português criou, 1940; Região e tradição, 1941; Problemas
brasileiros de Antropologia, 1943; Brasil: na interpretation,1945.
O período em tela proporcionou a Paulo Freire outras leituras do mundo.
Em conseqüência da crise financeira de 1929 a família de classe média com
recursos limitados ao salário do Capitão Temístocles, seu pai, fez a inevitável
opção de procurar um local mais modesto para sobreviver. De 1932 a 1941 ( dos 10
aos 20 anos), Paulo acompanhou sua família a Jaboatão, onde viveram tempos

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difíceis. Paulo e seu irmão Temístocles conviveram com crianças de origem social
“ diferente”(Doutorado, Reginaldo, Baixa, Toinho Morango, Gerson Macaco...),
igualados provisoriamente, com as quais aprenderam outras artes da vida.
Escrevendo sobre aquele tempo (Freire, P., 1994,p. 40-41), Paulo recorda o papel
quase metafórico desempenhado pelo piano alemão, em que Lourdes, uma de suas
tias, tocava Chopin, Beethoven,Mozart e pela gravata de seu pai: “Nem a casa de
desfez do piano nem meu pai da gravata, apesar das dificuldades que tivemos. O
piano e a gravata eram, no fundo, símbolos que nos ajudavam anos manter na
classe social a que pertencíamos.” Em outubro de 1934, o Capitão Temístoles
faleceu.
Paulo, observa Ana Maria Freire (1996), concluiu o curso primário em
Jaboatão e iniciou o curso ginasial no Colégio 14 de Julho, em São José.
Completou os estudos secundários, inclusive o pré-jurídico, no Colégio Oswaldo
Cruz, no Recife.
No Colégio Oswaldo Cruz aprendeu, com sua história, novas
experiências de vida, passando de aluno-bolsista – pois a família não dispunha de
recursos para efetuar o pagamento das mensalidades – a auxiliar pela disciplina e a
professor de língua portuguesa. Em 1944 casou pela primeira vez, com Elza Maria
Costa de Oliveira exímia alfabetizadora e que, até sua morte, exerceria profunda
influência sobre a vida e a construção do pensamento pedagógico de Paulo Freire.
De 1941 a 1944, escreveu Paulo Freire ( Freire,P., 1994,p. 103): “vivi um tempo
intensamente dedicado a leituras tão críticas quanto me era possível fazer, de
gramáticos brasileiros e portugueses.” Em 1946 concluiu o curso de Direito.
O SESI (Serviço Social da Indústria) havia sido criado recentemente. Seu
quadro ainda estava em organização. Paulo Freire trabalhou no SESI de 1947 a
1957, de início como Diretor da Divisão de Educação e Cultura; de 1954 a 1957,
como Superintendente. No tempo do SESI foram plantadas as primeiras sementes,
enquanto profissional, das inquietações conducentes à germinação do pensar e do
fazer de Paulo Freire. Pensar e fazer complementares e interdependentes, desde o
início.
A partir da redemocratização do Brasil, houve um novo esforço de
modernização do ensino superior. Em 1946 foi criada a Universidade do Recife, a
qual em 1965 passaria a se denominar Universidade Federal de Pernambuco. Em
sua origem, a Universidade do Recife reuniu a Faculdade de Direito, a Escola de
Engenharia, a Faculdade de Medicina, a Escola de Belas Artes e Faculdade de
Filosofia do Recife – esta mantendo sua autonomia, como instituição privada
confessional. Nas décadas subseqüentes a Universidade Federal de Pernambuco
ampliou e diversificou consideravelmente seus cursos – inclusive de pós-
graduação -, pesquisas, programas de extensão.
Nos anos 50, ao lado da Universidade Católica de Pernambuco
(UNICAP), o Recife passou a contar também com outras instituições com objetivos
voltados para a pesquisa social, educacional e política. Entre estas,o Instituto
Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais – hoje, Fundação Joaquim Nabuco -, criado

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em 1949 por iniciativa de Gilberto Freyre e o Centro Regional de Pesquisas
Educacionais do Recife, integrante do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais,
órgão do Ministério de Educação e Cultura, vinculado ao então Instituto Nacional
de Estudos Pedagógicos (INEP). Cabe, ainda, destacar a ação do ISEB (Instituto
Superior de Estudos Brasileiros), criado em 1955, com sede no Rio de Janeiro, cuja
influência sobre o pensamento político brasileiro, notadamente o de esquerda,
inclusive de Paulo Freire, foi então significativo.
O cenário cultural do Nordeste e, em particular, do Recife, foi marcado, a
partir de 15 de dezembro de 1959, com a presença da SUDEME (Superintendência
do Desenvolvimento do Nordeste).
Após quinze anos de autoritarismo, o processo de redemocratização
representou uma nova e insegura aprendizagem. A criação de novos partidos
políticos, cujos discursos na maioria das vezes não pareciam estar de acordo com
as práticas observadas. A própria composição social da Assembléia Legislativa
Pernambucana, em 1947, indicava persistir o poder sobretudo nas mãos de
proprietários de terra, usineiros e de outros deputados, nitidamente conservadores
(cf. Aguiar, 1993,p. 64-67).
Entretanto, aos poucos, no plano mais amplo das relações estabelecidas
na sociedade, o antigo conflito entre conservadores e progressistas ganhava novas
dimensões. No período compreendido entre 1955 e 1964, parcela considerável dos
progressistas, tradicionalmente divididos por suas origens (católicos, comunistas,
socialistas de vários matizes) começaram a assumir práticas mais tolerantes com as
divergências consideradas não essenciais e, na medida em que essas atitudes se
mantiveram, alguns grupos se fortaleceram. Isto não aconteceu de modo
generalizado, sem momentos de atritos, com o mesmo índice de coesão. Por vezes,
as divergências foram tratadas de acordo com padrões mais maduros, diante da
relevância de certos problemas. Este foi, por exemplo, o caso da UNE ( União
Nacional dos Estudantes), quando promoveu os Seminários da Reforma
Universitária (1961, 1962 e 1963), sobre os quais Maria de Lourdes A. Fávero
(1995) realizou importante pesquisa.
No transcorrer dos anos 50 a 64, a JUC( Juventude Universitária
Católica), conduzida por seu método “ver, julgar e agir” ultrapassou os objetivos
originais da entidade para, além da espiritualidade, valorizar o material, o social, o
político. Os conflitos só se tornaram acirrados quando jucistas e ex-jucistas
assumiram posições políticas radicais, de opção marxista, e criaram a AP (Ação
Popular) (Cf. Souza, 1984; Lima e Arantes, 1984).
Neste sentido, as experiências mais representativas foram o MCP
(Movimento de Cultura Popular), no Recife (Rosas, 1980; Prefeitura da Cidade do
Recife, 1986) e a Campanha de Pé no Chão também se aprende a ler, em Natal
(Góes, 1980). No tocante à educação popular, foram igualmente relevantes o MEB
( Movimento de Educação de Base) com amplitude nacional mas com dificuldades
internas decorrentes de sua dependência do episcopado católico, e o CPC ( Centro
Popular de Cultura), da UNE (Fávero, O., Organizador).

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Paulo Freire não apenas viveu naquele cenário. Viveu aquele cenário. Foi
um dos construtores daquele cenário, no SESI, na Escola de Serviço Social, no
MCP, no SEC, na Campanha Nacional para Alfabetização de Adultos. Encontrava-
se ele em um dos momentos mais dinâmicos e criativos como ator naquela história,
quando a deflagração do golpe político-militar de 1964 o conduziu a outros
projetos e outras culturas. Tinha 43 anos. As bases do pensar e do fazer de Paulo
Freire estavam fincadas nos desencontros e nos encontros ideológicos de seu
tempo, nos desafios de sua cidade nos contrastes entre seus sobrados e mocambos,
entre uma intelectualidade letrada e um imenso contingente de excluídos, quase
todos ingênuos um instrumento ardiloso para a manutenção do status quo. As
leituras do mundo feitas até então, a aprendizagem amadurecida com a própria
história, sua coragem para continuar a luta, a coragem e o amor de Elza foram
referências definitivas para as múltiplas e novas leituras do mundo, no Chile, nos
Estados Unidos da América, na Suíça, na África, no sei retorno ao Brasil.

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ALCANCES E EXTENSÃO DO PENSAMENTO DE PAULO FREIRE NA
AMÉRICA LATINA A PARTIR DO NORDESTE BRASILEIRO 1

João Francisco de Souza 2

RESUMO

O trabalho analisa, a partir da experiência realizada no Brasil, antes do golpe


militar de 1964, suas conexões com a América Latina, especialmente a Agrária
chilena no Governo de Frey. De fato, se trata de uma análise documental
comparativa, identificando as continuidades e rupturas, no pensamento de Freire,
entre o documento Educação como prática da liberdade e o Comunicação ou
extensão? O primeiro é uma reflexão sobre a experiência brasileira,
especialmente de Recife e Angicos e o segundo expõe as perspectivas do trabalho
no Chile. Toma-se como unidades de análise as concepções de educação,
enquanto ato de conhecimento e a epistemologia que lhes servem de base
confrontando-as, fazendo ilações da comparação com as demais obras de Paulo
freire no que identificam-se suas possíveis contribuições à prática pedagógica
exigida por nossa multifacetada pós-modernidade.

________________
1 Comunicação apresentada no congresso Internacional “Um Olhar sobre Paulo Freire”, promovido pela Universidade
de Évora, Portugal, de 19 a 23 de setembro de 2000.
2 Professor do Departamento de Fundamentos Sócio-Filosóficos da Educação e do Programa de Pós-Graduação em
Educação do Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco, Recife, Brasil. Investigador Coordenador
do NUPEP (Núcleo de Ensino, Pesquisa e Extensão em Educação de Jovens e Adultos em Educação Popular). Doutor
em Sociologia e Estudos Comparados sobre a América Latina e o Caribe pelo convênio FLACSO/UnB.

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho examina dois documentos de Paulo Freire (1967, 1975) comparando a
concepção de educação presente nos mesmos. Um primeiro que analisa sua experiência brasileira anterior
ao golpe de estado de 1º de abril de 1964, o segundo que apresenta seus debates com os agrônomos da
reforma Agrária chilena. Supões-se que a experiência chilena aproveita da reflexão anterior levando-o a
propor novas perspectivas, portanto, aprofundando sua concepção de educação e explicitando a
epistemologia que lhes dão sustentação. Por isso, tentamos identificar as transformações e as continuidades
do pensamento freireano, a fim de identificar as possíveis contribuições pedagógicas para o contexto da pós-
modernidade.
Esse contexto nos desafia, exigindo uma superação das práticas educativas predominantes.
Como Hannah Arendt (1999) já anunciava há mais de quarenta anos, estamos “cercados por uma mistura
inextrincável de tradições muito velhas, que não mais conseguimos decifrar; e de experiências muito novas,
que ainda não conseguimos compreender”. A partir dessa constatação, conforme Starling (2000:10), Arendt

“ construiu as duas bases de sustentação de seu pensamento


político: o totalitarismo, sinônimo da completa anulação do sentido
da política, por meio de um sistema complexo e sistemático de
manipulação das massas; e a revolução,por ela definida como o
momento privilegiado de manifestação do político, durante o qual a
história deixa visível o espaço da liberdade aberto pela ação
humana”.

È nessa encruzilhada que emerge o pensamento de Paulo Freire, especialmente nas condições
do Nordeste brasileiro do final dos anos 1950 início dos 1960. Momento por ele qualificado como de trânsito
que nos poderia levar a uma democratização fundamental no qual uma exigência seria a democratização da
cultura; ou, então, cairmos num grosseiro totalitarismo que impedira a renovação da sociedade brasileira.
Nesse momento, Freire se apresenta como um defensor intransigente das possíveis construções democráticas
e um crítico acirrado contra quaisquer totalitarismos, independentes dos rostos que viessem adquirir. Ainda
que naquela época Paulo Freire não conhecesse Arendt, creio eu não será descabido estabelecer um
parentesco entre os pensamentos de ambos, pois segundo Starling (200:10), Hannah apresenta naquela
ocasião questões

“ que inauguraram um insistente debate sobre os riscos da barbárie


refletidos no horizonte das sociedades democráticas

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contemporâneas. Um risco presente , por exemplo, na erosão das
possibilidades de mediação política entre as esferas do social e do
público; ou então , no deslocamento estranhamente silencioso de
uma multidão de párias atravancado o caminho das grandes
cidades: uma gente que, a rigor, não vem de parte alguma, ninguém
os reivindica, não são ninguém, perderem, de alguma forma, nesse
vaivém entre uma identidade coletiva de oprimidos e uma ausência
de identidade, as qualidades que poderiam vinculá-los ao mundo de
seus semelhantes”.

É possível afirmar que Freire também se coloca nessa mesma perspectiva, propondo uma
educação que pudesse contribuir com a construção das bases democráticas da sociedade brasileira que
superasse seu caratê reflexo e a tornasse uma sociedade reflexiva contra uma possível sociedade de massa ou
a continuidade de uma sociedade reflexa.

A CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO, ENQUANTO ATO DE CONHECIMENTP, E A


EPISTERMOLOGIA LHE SERVEM DE BASE

OS DIFERENTES CONTEXTOS

As obras de Paulo Freire examinadas para esse trabalho são fruto de contextos bem diferentes,
assim como diverso é o contexto da pó-modernidade que exige outro tipo de educação e para a qual
queremos encontrar inspiração na produção freireana contidas nos documentos estudados. A primeira foi
elaborada num contexto em que

“Vivia o Brasil, exatamente a passagem de uma para outra época.


Daí que não fosse possível ao educador, então, mais do que antes,
discutir o seu tema específico, desligado do tecido geral do novo
clima cultural que se instalava, como se pudesse ele operar
isoladamente” (FREIRE, 1967:46)

12
A segunda teve seu partejamento no interior de um processo de Reforma Agrária no contexto de
uma democracia cristã, no Chile, e no qual os camponeses e os agrônomos, que com eles trabalhavam,
tinham que compreender para fazer face aos novos desafios. Contexto que Freire assim caracteriza:

“... os camponeses, de geração em geração, se foram constituindo


em certa forma de ser,ou de estar sendo, que per-dura na nova
estrutura. Esta é a razão pela qual,o tempo da estrutura anterior, de
certo modo, e em muitos aspectos, ‘co-existe’ com este. Assim é
que os camponeses, no tempo novo, revelam, em seus modos de
comportar-se, de maneira gral, a mesma dualidade básica que
tinham na estrutura latifundista. E é inteiramente normal que isso
aconteça” (Freire, 1967:59)

Mas, esses trânsitos foram interrompidos pelo golpe militar brasileiro de 1º de abril de 1964,
entrando-se numa fase sanguinolenta onde uma onda de denúncias e dedurismos, num regime autoritário,
levou muita gente às prisões, ao exílio e à morte. Situação similar instalou-se no Chile com o assassinato do
presidente constitucional Salvador Allendt e A vigência da ditadura de Pinochet.
Esses contextos forma palcos de crimes, não apenas perpetratados pela política dos governos
ditatoriais no dois países, mas pelos cidadãos comuns como é “Eichmann” cujos crimes são analisados por
Arendt quando coloca

“ na linha do horizonte dessas sociedades ... as questões sobre as


responsabilidades do cidadão perante os atos cometidos nos
quadros lícitos de um Estado moderno soberano, reconhecido pelos
demais; ou então, indaga sobre o ponto de passividade e
colaboração de um povo para a ascensão de um sistema totalitário
e sua política de extermínio” ( Starling, 2000:10).

Hannah Arendt ao formular o mal, continua Starling

“ na banalidade de seu agente e ancorá-lo no cidadão


contemporâneo, prisioneiro de uma vida social gregária, incapaz
de esboçar a menor resistência ao mundo que a ideologia consegue
construir, permite retornar o fenômeno da banalidade do mal para
o centro de sua reflexão sobre os dilemas políticos do presente.
Uma possibilidade, de início quase imperceptível, mas que vai se
expandindo, em agonia lenta, no interior das sociedades

13
democráticas contemporâneas, suprimindo o repertório de regras e
valores nos quais se funda o mundo político, até cristalizar-se,
súbita e letal, na violência absoluta que exerce sobre o outro”.

A questão para Freire, diante dessas situações, se coloca na importância de se trabalhar para
criar nova atitudes, inclusive uma nova atitude tão velha quanto construtora da humanidade do ser humano:
o diálogo. Para ele,

“ A dificuldade está na criação mesma de uma nova atitude – e ao


mesmo tempo tão velha – a do diálogo, que, no entanto, nos faltou
no tipo de formação que tivemos ... Atitude dialogal à qual os
coordenadores devem converter-se para que façam realmente
educação e não ‘domesticação’. Exatamente porque, sendo o
diálogo uma relação eu-tu, é necessariamente uma relação de dois
sujeitos” (Freire, 1967:115).

As atitudes de diálogo necessárias à instalação de um clima democrático e educativo, nas


diferentes sociedades, devem ser cultivadas na prática pedagógica. Essas atitudes enquanto exigem a
reflexão, o debate, a criticidade, o discernimentos, a tomada de decisões são formas de construir e avançar
nos processos democráticos. São formas

“ ... de defendermos a democracia autêntica e não uma forma de


lutarmos contra ela. Lutar contra ela, se bem que em seu nome, é
fazê-la irracional. É enrijecê-la para defendê-la da rigidez
totalitária. é torná-la odienta, quando só cresce no respeito à
pessoa e no amor. é fechá-la quando só vive na abertura. É nutri-la
de medo quando há de ser corajosa. É fazê-la instrumento de
poderosos na opressão contra os fracos. É familiarizá-la contra o
povo. É alienar uma nação em seu nome” (Freire, 1967;122)

Esse foi o clima em que caíram o Brasil e o Chile em suas ditaduras que se diziam defensoras
da democracia autêntica. A interpretação que Starling faz do pensamento de Arendt ajuda a contextualizar o
mundo atual, herdeiro de um socialismo que fracassou e de um capitalismo já fracassado há muito tempo,
que tenta reconstruir-se por meio do neoliberalismo no qual estão aprisionados nossos países. O pensamento
de Ardent

14
“pode servir para ajudar a pensar os tempos e espaços de
modernidade que se produzem num subúrbio chamado Brasil.
Nesse caso, sua obra pode servir, talvez, para pensar os riscos
vividos por sociedades como a nossa, marcadas por profundas
dificuldades no momento de construção de um caminho próprio de
passar para o moderno e que, por isso mesmo, são economicamente
orientadas com o objetivo de incorporar um modelo de
transformações – em especial, de natureza tecnológica –
paradigmaticametnte definido. Nesse processo de assimilação,
sociedades como a brasileira contemporânea sofrem pelo menos
duas ordens de conseqüências: uma, a de serem vítimas de um
processo de modernização sem modernidade, isto é, sem a
incorporação do seu repertório de valores, princípios e escolhas; a
outra, o risco de se tornarem sociedades vazias de humanidade,
elevando ao limite o desenvolvimento daquelas formas de
petrificação mecanizada antevista por Max Weber na base de
constituição do mundo moderno e deixando-se governar pelos
pressupostos de racionalidade e funcionalidade do estado
burocrático, da ciência e da técnica” (Starling, 2000:10)

Esse é o contexto para o qual quero trazer a contribuição de Freire à educação, a partir de sua
reflexão sobre o esforço educativo realizado no momento de ascensão das massas, momento brasileiro
.E
3
depois, num momento em que, no contexto da Reforma Agrária chilena, no governo Frey, se trabalhava
para que as massas camponesas nos assentamentos rurais pudessem assumir seu destino, não como massa de
manobra de governo ditatorial, totalitário, mas em que ela se poderia fazer sujeito de sua vida e de uma
sociedade em democratização.

EDUCAÇÕES VIVIDAS E PROPOSTAS NOS DOIS CONTEXTOS

A contribuição trazida por Freire, nos contextos acima esboçados, pode nos ajudar a
compreender a educação que devemos fazer no contexto da pós-modernidade. Pois, sua discussão sobre
educação é feita exatamente em suas relações dialéticas com a realidade

______________________
3 “ Na sociedade fechada, temas como democracia, participação popular, liberdade, propriedade, autoridade, educação e muitas
outras, de que decorriam tarefas específicas, tinham uma tônica e uma significação que já não satisfazem `Sociedade em trânsito”
(Freire, 1967:47). “ O mesmo nos parece ocorrer agora com o recente Golpe de Estado a Exigir uma nova ótica para as tarefas e os
temas até pouco característicos da fase de Trânsito” (Ib., nota 12)

15
“ ... como um processo de constante libertação do homem.
Educação que, por isto mesmo, não aceitará nem homem isolado do
mundo – criadno este em sua connsciência -, nem tampouco o
mundo sem o homem – incapaz de transformá-lo” (Freire, 1975:75-
76)

Nessas relações entre seres humanos no seu mundo com seu mundo, humanizantes ou
desumanizantes, se realizam os processos educativos que têm de ser compreendidos a partir de seu contexto:

“ E, se o que fazer educativo, como qualquer outro que – fazer dos


homens, não pode dar-se a não ser ‘dentro’ do mundo humano,
que é histórico-cultural, as ralações homens-mundo devem
constituir o ponto de partida de nossas reflexões sobre aquele que –
fazer” (Freire, 1975;76)
Posição que já tomara Freire (1967) ao sistematizar a experiência realizada no Brasil.
Consciência explicitada em nota de Esclarecimento à primeira edição de seu livro Educação como prática
da liberdade, quando adverte para o fato de que seu esforço educativo, ainda que tenha validade para outros
contextos, “ foi todo marcado pelas condições especiais da sociedade brasileira” (Freire, 1967:35). Vincula
a educação à opção que se fizer por um determinado tipo de sociedade: reflexa, reflexiva, de massas. Afirma
que

“ a educação das massas se faz, assim, algo de absolutamente


fundamental entre nós. Educação que desvestida da roupagem
alienada e alienante, seja uma força de mudança e libertação. A
opção, por isso, teria de ser também, entre uma ‘educação’ para a
‘domesticação’, para a alienação, e uma educação para a
liberdade. ‘Educação para o homem-objeto ou educação para o
homem-sujeito” (Freire,1967:36)
Educação para a liberdade constitutiva do homem sujeito se fez necessária no trânsito em que se
encontrava a sociedade brasileira no final dos anos 1950 e início dos 1960 4, urgente no Chile da reforma
Agrária e certamente urgentíssimo no contexto da pós-modernidade onde se observa, como já se indicou na
p.2, um

_________
4 “ A educação , por isso, na fase de trânsito que vivíamos, se fazia uma tarefa altamente importante. A sua força decorreria
sobretudo da capacidade que tivéssemos de nos incorporarmos ao dinamismo da época do trânsito” (Freire, 1967:47-48)

16
“... deslocamento estranhamente silencioso de uma multidão de
parias atravancando o caminho das grandes cidades: uma gente
que, a rigor, não vem de parte alguma, ninguém os reivindica, não
são ninguém, perderam, de alguma forma, nesse vaivém entre uma
identidade coletiva de oprimidos e uma ausência de identidade, as
qualidades que poderiam vinculá-las ao mundo de seus
semelhantes” (Starling,2000:10).

Mais do que nunca, nesse contexto pó-moderno é necessário e importante lutar por uma
democratização ampla, consistente e autêntica. E por uma educação que sirva a essa democratização.
Democratização fundamental que implica uma democratização cultural ou melhor uma nova feição para a
cultura que, por sua vez, não pode se concretizar sem “ uma atenção especial aos déficits quantitativos e
qualitativos de nossa educação” (ibidem). Mas, isso só é possível se trabalharmos com as bases da
sociedade que são os setores populares e essa multidão anônima e errante. Afirma Freire;

“ ... só nas bases populares e com elas, poderíamos realizar algo de


sério e autêntico para elas. Daí, jamais admitirmos que a
democratização da cultura fosse a sua vulgarização, ou por outro
lado, a doação ao povo, do que formulássemos como prescrições a
serem seguidas;... (mas), a serem substituídas pela participação,
uma forma de sabedoria” (Freire, 1967:102)

Esse trabalho teve, naquela época, outro conteúdo e outros procedimentos, se caracterizando
como

“... uma educação que fosse capaz de colaborar com ele na


indispensável organização reflexiva de seu pensamento. Educação
que lhe pusesse à disposição meios com os quis fosse capaz de
superar a captação mágica ou ingênua de sua realidade por uma
dominantemente crítica. Isto significava então colaborar com ele, o
povo, para que assumisse posições cada vez mais identificadas com
o clima dinâmico da fase de transição. Posições integradas com as
exigências da Democratização fundamental, por inexperiência
democrática” (Freire, 1967:106)

Revelava-se, pois, urgentíssima

17
“ ... uma educação que fosse capaz de contribuir para aquela
inserção ... que, apanhando o povo na emersão que fizera com
‘rachadura da sociedade’, fosse capaz de promovê-lo da
transitividade ingênua à crítica. Somente assim evitaríamos a sua
massificação” (Freire, 1967:107)

Esse processo educativo deveria ser desenvolvido, e assim foi experimentado, através de um

“Conhecer não é o ato através do qual um sujeito transformado em


objeto, recebe dócil e passivamente os conteúdos que outro lhe dá
ou lhe impõe. O conhecimento, pelo contrário, exige uma presença
do sujeito face ao mundo. requer sua ação transformadora sobre a
realidade. Demanda uma busca constante. Implica invenção e
reinvenção”.

Por isso, para Freire (1975:27-28), o processo de aprendizagem exige a apropriação

“... do aprendido, transformando-o em apreendido, com o eu pode,


por isso mesmo, reinventá-lo; aquele que é capaz de aplicar o
aprendido-apreendido a situações existenciais concretas. Pelo
contrário, aquele que é ‘ enchido’ por outros de conteúdos cuja
inteligência não percebe, de conteúdos que contradizem a própria
forma de estar em seu mundo, sem que seja desafiado, não
aprende”.

Assim, a produção do conhecimento e a aprendizagem só acontecem quando o ser humano se


transforma em “um ser praxis” (ib.,39), oportunizando “... a afirmação do homem como sujeito, que só pode
ser na medida e que, engajando-se na ação transformadora da realidade, opta e decide” (ib.,42-43) “
...somente o homem, como um ser que trabalha, que tem um pensamento-linguagem, que ama e é capaz de
refletir sobre si mesmo e sobre a sua própria atividade, que dela se separa, somente ele, ao alcançar tais
níveis, se fez um ser da práxis” (ib.,39)
Esse processo só se efetiva através do “... encontro amoroso dos homens que, mediatizados pelo
mundo, o ‘pronunciam’, isto é, o transformam, e, transformando-o, o humanizam para a humanização de
todos” (ib.,43), pois

“... o ato de conhecer, de aprender exige do homem uma postura


impaciente, inquieta, indócil. Uma busca que, por ser busca, não

18
pode conciliar-se com a atitude estática de quem simplesmente se
comporta como depositário do saber” (ib.,46)

O ser humano, portanto, se faz construtor de um saber que contribui para que ele “ ...se
humanize cada vez mais” (ib.,48)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os seres humanos nascem INCONCLUSOS, INACABADOS, como nos relembra Paulo freire
(1987). Ele faz dessa idéia a base de sua proposta pedagógica. e afirma que a nossa vocação é SER CADA
VEZ MAIS HUMANOS. Vamos nos tornando HUMANOS ou nos desumanizando no decorrer de nossa
vida, de acordo com as experiências que tivermos, com as condições que construirmos para nossa vida
pessoal e a vida da coletividade. Por isso, devemos nos EDUCAR AO LONGO DE TODA A VIDA 5.
Mas essa HUMANIZAÇÃO só pode ser construída coletivamente. O Eu (identidade) de cada
ser humano se constrói na coletividade (Nós). A humanização implica, então, idéias, pensamentos, reflexões,
ciências, artes (PENSAR), afetos, vontades, paixões (EMOCIONAR-SE), bem como atividades, ações,
práticas, experiências (FAZER), no interior de determinadas relações sociais e de relações com a natureza
(MEIO NATURAL E CULTURAL). Essas relações sociais e com a natureza estão em permanentes
mudanças, transformações, para o bem ou para o mal.
Matutar sobre a HUMANIZAÇÃO do ser humano é pensar sobre um dos mais difíceis
problemas da vida. É pensar sobre a própria existência do ser humano, suas possibilidades e
impossibilidades. Facilidades e dificuldades. Cada um de nós não apenas se julga humano, pensa sempre que
é O MAIS HUMANO de todos os seres humanos. As situações ou condições menos humanas ou as
desumanidades são sempre de outras pessoas ou de outros lugares.
Então, trabalhar com a hipótese de que a EDUCAÇÃO diz respeito à CONSTRUÇÃO DA
HUMANIDADE DO SER HUMANO E DO PLANETA é uma tremenda complicação. É uma tarefa para
os fortes, uma missão que “ aos fracos abate e aos fortes exalta”.

____________________
5 Essa idéia da educação ao longo de toda a vida está sendo difundida pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação,
Ciência e Cultura) a partir de uma pesquisa sobre a educação necessária ao terceiro milênio, por meio do relatório intitulado “Educação, um
tesouro a descobrir”.

19
O grande problema, pois, é a construção de minha identidade (EU) na convivência com os
outros, que também têm direito de construir sua identidade, sua humanidade (outros EU’s).
Eu nasço num determinado meio natural e cultural e vou reagindo a esse meio. Nessa reação
vou afirmando o meu EU. Mas não há nenhuma possibilidade de eu ME firmar fora da atuação no meio em
que me encontro juntamente com os outros. Esses outros, como EU, são sujeitos de direitos e deveres.
Como eu, eles nasceram, num determinado meio natural e cultural. Nesse meio, nós podemos nos humanizar
ou desumanizar pelas ações, aprendizagens, pensamentos e emoções que vamos adquirindo ao longo de
nossa vida.
As aprendizagens vão acontecendo pelas reações que tenho ao que vejo e sinto em relação ao
que os outros e eu mesmo fazemos, dizemos e sentimos. Ao que a escola ensina. Ao que as Igrejas
professam. Ao que os ricos fazem. Ao que os trabalhadores sofrem. Aos medos que sentimos. Aos amores
que vivemos. Essa reação pode ser de aceitação ou de rejeição.

NATURAL
CULTURAL

EU
• no MEIO

+
• minha REAÇÃO a esse meio (Permite
me humanizar ou desumanizar.
Garante minha APRENDIZAGEM.
Possibilita minha EDUCAÇÃO.

Nessa reação, vou me tornando EU, vou me humanizando ou desumanizando. O meu EU vai se
conformando a partir de um determinado meio natural ( sertão nordestino, mata, agreste, rural ou urbano) e
cultural ( a nossa cultura tradicional frente à cultura moderna) pela REAÇÃO que eu vou tendo ao meio em
que nasci ou vivo. E também de acordo com as rações às informações novas que vou recebendo na escola,
pela televisão, pelas religiões, etc. É a partir da reação que vou tendo ao meio (natural e cultural), a meu
ambiente, que vou construindo as minhas formas próprias de PENSAR, EMOCIONAR E FAZER. A
reação é uma ação nova a partir da qual um novo pensar e um novo emocionar se desenvolvem. Vou
construindo minha natureza humana.

20
O SER HUMANO é PESSOA pelo que tem em comum com os outros seres humanos. É
INDIVIDUO pela forma particular de pensar, de emocionar-se e de fazer de cada um frente ao mundo, às
pessoas e às situações. A pessoa se individualiza. É uma singularidade. É única. tem um valor
incomensurável. Eu me distingo no interior da coletividade de pessoas, faço-me EU. Na SOCIEDADE, no
NÓS é possível surgir o indivíduo, o Eu!
A aprendizagem é interior, dá-se dentro de mim, mas tem que se exteriorizar. Por isso,
“ninguém educa ninguém, ninguém se educa sozinho”. Os seres humanos se educam ao enfrentarem
coletivamente os problemas que a vida apresenta (Estou parafraseando Paulo Freire 6). Mas a aprendizagem
que se dá dentro de nós tem que aparecer, fazer-se visível, exteriorizar-se. Essa exteriorização se manifesta
em atitudes, habilidades, capacidades e relações interpessoais e sociais.
Na idéia de humanização está implicado o tipo de relações que temos e queremos ter com a
natureza e com os outros seres humanos. Os outros seres humanos, como eu, são pessoas e indivíduos. Cada
ser humano é uma pessoa individual. As relações que mantemos com os outros expressam os imaginários, os
desejos, as paixões, os sentimentos que temos e /ou queremos ter como pessoa, indivíduo, eu, mas também
como sociedade, coletividade, nós. Conforma uma maneira própria de emoção, de ação e de pensamento.
Essa perspectiva do ser humano (indivíduo, pessoa) e da sociedade (nós, coletividade) é integral (emocionar,
pensar, fazer). Só nessa multifacetada condição podemos nos tornar humanos ou desumanos.
Ao nos denominarmos de SERES HUMANOS entre diferentes nomes que demos aos outros
animais (gato, cachorro, vaca, cabra, etc.), passamos a criar uma ideologia sobre nossa HUMANIDADE.
Quando afirmamos: “ José não tem humanidade”, “Antonieta é desumana”, fica evidente que temos uma
ideologia sobre o que nos faz humanos. Então, ser humano não é apenas um nome que nos damos. É uma
ideologia, ou seja, desejamos que o animal, o qual denominamos de ser humano, tenha uma maneira própria
de viver e de conviver, Tenha uma maneira humana de viver, de ser (fazer, emocionar-se e pensar).
A palavra humanidade não significa, pois, apenas um substantivo comum, coletivo dos seres
humanos existentes no planeta Terra. O conjunto dos seres humanos da Terra. Quando escrevemos,
falamos ou lemos rebanho, entendemos apenas o conjunto de bois e vacas de uma fazenda. Não acontece o
mesmo com a palavra humanidade. HUMANIDADE não é apenas o nome que damos ao conjunto dos seres
humanos que habita o planeta TERRA. Entendemos HUMANIDADE como a maneira própria de existir
desse animal chamado SER HUMANO, ou, simplesmente, homem. É O JEITO PRÓPRIO DE SER
GENTE!
Tornar-nos HUMANOS é a finalidade de nossa EXISTÊNCIA. Humanos, independentemente
do sexo e do gênero, da cor, da religião ou da idade. IGUAIS NAS NOSSAS DIFERENÇAS: pessoa-
indivíduo!
7

_______________

6 Pedagogia do oprimido (1987,p.68): “ Ninguém educa ningém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados
pelo mundo”.
7 Ver a 3ª Lição de Souza (2000)

21
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém – Um relato sobre a banalidade do mal. são Paulo: Companhia
das Letras.

STARLING,Heloisa. O coração das trevas. Folha de São Paulo, Jornal de Resenhas. 8 de julho 2000.p.10.

FREIRE, Paulo (1967).Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro:Paz e Terra

FREIRE,Paulo (1975). Extensão ou comunicação?. Rio de Janeiro: Paz e Terra.

SOUZA, João Francisco (2000). A educação escolar, nosso fazer maior, des(A)fia nosso saber.Recife:
Edições Bagaço/NUPEP.

22
PAULO FREIRE – DE INVENTOR A REIVENTADO
OCÍRCULO DECULTURA NO NORDESTE BRASILEIRO – ONTEM E HOJE 1

Maria Adozinda Monteiro Costa 2

RESUMO

A proposta do Círculo de Cultura em substituição à prática da


Escola convencional foi, certamente, uma das mais revolucionárias criações
de Paulo Freire. A presente comunicação focaliza dois momentos,
considerados exemplos emblemáticos da prática dos Círculos de Cultura no
Nordeste brasileiro. O primeiro, ontem, em fevereiro de 1964, “círculo de
cultura embaixo das estrelas”, realizado em uma noite escura, à luz de
candeeiros, numa clareira aberta onde a cna se afastara, na zona da mata
pernambucana. O objetivo era aprender a ler. A escrever. Homens e mulheres,
jovens , maduros, cabeças esbranquiçadas, crianças. O segundo, hoje, entre
1997 e 1998, sob o sol escaldante de 40 graus, no agreste de Pernambuco.
Discute-se a falta d’água. O fenômeno “EL Niño”. As soluções alternativas, o
que cada um pode fazer, enquanto não chegam as soluções técnicas oficiais,
duradoras. Já não satisfazem mais as recomendações de aceitação passiva, “
porque Deus quer assim”. Nos dois casos, evidencia-se o exercício de um
novo modo de ler mundo: a passagem do pensamento mágico para o
pensamento crítico.

_____________________________
1 Comunicação apresentada no Congresso Internacional “ Um Olhar sobre Paulo Freire”, promovido pela Universidade de Évora,
Portugal, de 19 a 23 de setembro de 2000.
2 Maria Adozinda Monteiro Costa é licenciada em Pedagogia. Integrou a equipe do Serviço de Extensão Cultural (SEC), dirigido por
Paulo Freire, Foi assessora de alfabetização de adultos nas Secretarias de Educação do Estado de Pernambuco nos três períodos do
Governo de Miguel Arraes, seguindo sempre o pensamento de Paulo Freire. Atualmente, é membro do Conselho Estadual de Educação
de Pernambuco, Diretora da Escola Parque e sócia fundadora o Centro Paulo Freire – Estudos e Pesquisas. Por motivos pessoais, a
Professora Maria Adozinda não pode participar do Congresso.

23
“Quebro este ovo e nasce a mulher e nasce o homem. E
juntos viverão e morrerão. Mas nascerão novamente. Nascerão e
voltarão a morrer e outra vez nascerão. E nunca deixarão de
nascer, porque a morte é mentira”

Eduardo Galeano
Memórias de Fogo

DE PAULO FREIRE – NO
TEMPO E NO ESPAÇO

O globo parecia que ia rodar ao contrário.

Foi nos anos 60. Foi quando habitantes desse globo começaram a
descobrir que certas formas de viver, de trabalhar, de encarar, de esperar ou
de não esperar, de comporta-se, de vestir-se, de tocar, de cantar, de dançar, de
estudar... de ser homem, de ser mulher, de ser branco, de ser negro, de ser
vermelho, amarelo, precisavam ser revistas.
Deveriam ser mudadas. Ou já estavam em transformação.

Questionar! Protestar!
Mais do que participar, mis do coadjuvar.
Contracenar – Autorizar-se.
No Recife, uma nova forma de governar a cidade começava a
construir-se. Movimentos de Educação e Cultura eram reinventados.
Nisso, no seio dessas mudanças, com um bando de gente,
contracenando, um professor magrinho, recifense, inquieto, curioso, ousado,
surpreendente, surpreendido, sempre aprendiz, coloca em questão a Escola, o
ensino, a aprendizagem, o isolamento disso tudo.
A escola quebra-se. Os muros já não impedem que a sociedade ali
esteja.
Paulo Freire, você sabia, você sabe, nenhum educador foi mais
discutido, foi mais admirado, estudado contestado. Reinventado...
É! Algumas importantíssimas idéias você mostrou primeiro. O mais
simples e o mais novo do que você disse revolucionou a pedagogia. Deu o que
pensar. Você deu o que falar. Deu e dá o que fazer.

24
DE ONTEM PARA HOJE – NO NORDESTE BRASILEIRO

A Realidade que aparece o


sonho fevereiro/1964

O CÍRCULO DE CULTURA EMBAIXO DAS


ESTRELAS

É TARDE NA Zona da Mata em Pernambuco. Entra-se num


engenho à procura de um jovem estudante-professor, alfabetizador.
Hospedando-se na cassa de um trabalhador, o admirador informa. Ali, acolá,
chegamos: o Coordenador da Campanha de Alfabetização e a Coordenadora
Pedagógica.
Em uma pequena casa, rodeada de cana, somos recebidos
atenciosamente e agradavelmente, Nuns tamboretes, sentamos no que tinha de
chão limpo, à frente. Esperamos pelo professor que saíra. Olhares ao redor
procurando a escola, a sala de aula, o Círculo de Cultura. De estranho, ao lado
da casa, uma clareira rasgando o canavial. Seria longe, onde, ali não há sinais
escolares.
Já escurecia. O jovem chega, abraçamo-nos e mais um cafezinho. E
já escuro, onde é a Escola? Antes de responder, naquela vastidão verde, o som
de folhas farfalhando, vagalumes surgem... Mais, mais. Pontos luminosos
aparecendo em movimento. Sem palavras. Lindo. Belo. Chegando. O primeiro
é um homem, mesa na cabeça de pés para cima, tamboretes dentro dela e
candeeiro aceso. Outro, outro... arriam ali, naquela clareira estranha onde a
cana se afastou. O que traziam na cabeça: A ESCOLA. A LUZ. O Círculo de
Cultura está ali. Homens e mulheres jovens, maduros, cabeças esbranquiçadas,
crianças. Do trabalho passam em casa, pegam a mesa, os assentos, o lume. A
vontade de saber é mais. De entender o mundo. De transformar. Nunca, em
livro nenhum, em universidade nenhuma, professor nenhum ensinara,
aprendera. Surpresa. Cem pessoas, cento e tantas pessoas, ao redor de uma
caixa com dois varões, manivelas – uma enrolava, outra desenrolava – um
papel vegetal ilustrado, grafado, um candeeiro aceso atrás, olhavam o mundo.
O cinema. Um filme: O FILME. As vidas. Discutiam: as suas
dificuldades, os seus sonhos. O presente, o passado, o futuro. O Círculo de
Cultura, embaixo das estrelas. O jovem, ao lado, à frente, atrás dessa caixa
mágica. COORDENAVA. Tudo. Surpreendentemente, como todos os
grandes acontecimentos. Quase impossível. Sim, Paulo Freire. Foi, pôde ser.
Estamos tentando. Os Círculos de Cultura estão nas ruas, bairros, municípios.
Agreste, Sertão. Vão pro canavial.

25
A história: a mesma Pedagogia, o mesmo Governante. Eu vi. Eu
assisti. Eu participei. Foi mesmo.
* O Coordenador da Campanha de Alfabetização (Governo do
Estado de Perna,buço, junto como SEC – Serviço de Extensão Cultural da
atual Universidade Federal de Pernambuco e MCP – Movimento de Cultura
Popular) era Aloysio Gonçalves da Costa; a Coordenadora Pedagógica era
Maria Adozinda, da equipe do Professor Paulo Freire.

1997/1998 – O CÍRCULO DE
CULTURA A 40 GRAUS

Sol escaldante. Tudo cor de terra seca. Gravetos. Um ponto branco


no deserto. Um posto de saúde abandonado, perdido. Apropriado, caiado.
Ajardinado, milagrado. A Escola. O Círculo de Cultura. A 40 graus. Homens e
mulheres falam da secura. Dessa falta d’água. Da vida impossível. Da vida
possível. EL NIÑO. Já não é mais que quer assim. Os cientistas estudam lá no
fundo do Pacífico. Transita-se da consciência mágica à consciência crítica. O
que fazer, enquanto a ciência não castiga o El NIÑO? Ler, reler o mundo.
Compreender para transformar. Juntar água das várias formas, buscar água nas
profundezas da terra. Nos vegetais que a retiram do ar. Esperar a chuva e não
perder uma gota. Apanhá-la do telhado, guardá-la, cobri-la, recebê-la das
encostas, dos buracos, forrar o chão, mantê-la líquida. Limpá-la, tirar-lhe as
impurezas, construir o filtro com os pedregulhos dali... Inventar. Ler a
História, reescrever a História.
Sol escaldante. O veículo deixa uma nuvem. Vai deixando uma
nuvem barrenta no ar. Poeira da cor de barro. É sinal de que vem gente de fora
dali. Os vizinhos, sim, existem. Longe um do outro. Pra juntar é preciso ir lá,
vir cá. Mas foram. Vieram. Juntaram-se. A gente, da cidade, do Governo, de
Secretaria de Educação, do Trabalho e Ação Social, da Agricultura, da
Ciência, Tecnologias e Meio Ambiente, Secretaria de Planejamento) também
se juntou. Juntou recursos, juntou saberes, juntou esperanças, coragem,
vontade política. Juntou força, abriu frentes de trabalho, abriu Círculos de
Educação e Cultura. Três mil Círculos de Educação e Cultura. Noventa mil
participantes.
Juntaram-se articuladores – articulando prefeitos, entidades. Órgãos
públicos, privados, igreja, mobilizando professores (as), descobrindo, achando
lugares, situando, mexendo... mexendo em espaços, desestruturando,
reestruturando tudo, pauta de encontros de formação com professores, quando
a equipe Técnico-pedagógica chegou aqui, ali,lá longe no local certo, no
núcleo geográfico, administrativo, estavam lá, naquela hora marcada, 100
professores(as) ali esperando, mais que esperando, ansiosos pra saber mais,

26
pra trabalharem. E ali, acolá, em cada 100 discutia-se, filosofava-se, dançava-
se a coreografia da seca, criada ali, desenhava-se a seca.
Ah! Como vi vários Portinari... ali Paulo Freire estudado, discutido,
recriado. Juntaram-se educadores, técnicos da agricultura, da pecuária, de ação
social e nasceu um Universo. Temático que expressava a leitura da realidade
de cada ponto de vista de onde se olhava, para onde se olhava. O olhar e o
olhado. Cada saber desvela uma parte da realidade. A realidade toda é lida.
Cada leitor compõe o texto, no contexto. Texto que foi leitura da equipe, dos
Homens e Mulheres dali, texto que será lido pelos alfabetizadores, que será
relido, reescrito por eles. Por nós. Conosco reescrito.
- Olha aqui o filtro feito por nós. Olha o pluviômetro feito de lata
pequena sem tampa presa a uma vara fincada no chão, olha a cavidade
cavada por eles, coberta de plástico, esperando a chuva. Pra terra não chupar.
As bicas já estão nas beiras dos telhados que escorrerão pra um tanque. É a
cisterna. Olha a nossa vegetação nativa. Nasceu pra não morrer na seca. Vive e
ar, tira a água do ar! A gente tira, o bicho tira a água de plantas, o remédio de
plantas... A sobrevivência do rebanho, uma preocupação. Relacionar o
tamanho do rebanho com a reserva de alimento. “O que se pode fazer para não
perder a criação no período da seca?” Discute-se. Esperar morrer? Desfazer-se
aos poucos numa escala de importância, de resistência, de utilidade? Ensina-
se tudo. Aprende-se tudo. Não só se espera a chuva cair, olhando pro céu. A
convivência no semi-árido é uma convivência não pacífica, não passiva, é
fazendo coisas, reaprendendo, até a ciência domar mais a natureza, o EL
NIÑO, por exemplo, as “correntes”, provocar desvios. Sim, o Homem e a
Mulher vão conseguir. Conhecer mais, saber mais pra melhor intervir.

PAULO FREIRE, ESTE...

- Professora, estamos chegando ao fim da entrevista e, depois de


uma hora e meia de gravação, desejamos que a professora diga, em poucas
palavras, essencialmente, quem foi, como, foi este homem.
- Este homem... foi aprendendo a ser, foi se construindo um homem,
constantemente, à procura do equilíbrio.
Explicando: neste diálogo, a professora sou eu, Maria Adozinda; o
entrevistador, participante da equipe de áudio-visual a serviço do Ministério
da Cultura do Brasil. O homem, objeto de estudo do documentário, PAULO
FREIRE.
Estou eu aqui e, inversamente, começo a nossa conversa por onde
terminei o diálogo citado. E eis um desafio enorme que me coloco. Falar dessa
imensidão de conquistas. Dessa imensidão de vida. De vida, pois estamos
aqui, outras pessoas estão em vários lugares do mundo tentando compreendê-

27
lo, compreendê-la. Tentando aprender dele e sobretudo, com ele. De vida, por
isso eu disse e digo “de vida”, já que nossas tentativas são sempre
incompletas, as dele também, E é essa incompletude – “ o que nos faz
educáveis” (Paulo Freire) – o que fascina, que ensina a sermos buscadores,
procuradores...
Falar dessa imensidão de homem, num pequeno tempo. Só o talento
faria desse tempo enorme. Acredito é que Paulo, enorme, já se diga, o faça.
Escolho, para dizer o máximo, uma forma veloz. A linguagem de
“Clipe” cheia de cortes, de recortes. Rapidamente, onde está o corte, o silêncio
e o barulho – entre um enfoque e outro – digam muito.
O equilíbrio EMOÇÃO/RAZÃO. Eu fui tentada a dizer “ o
equilíbrio entre a EMOÇÃO e a EMOÇÃO” e senti que essa palavra entre
“dava tempo” ou indicava duas formas de ser. Parece que mais aproximado é
EMOÇÃO/RAZÃO. Algumas procuras dele, alguns achados dele eu vou
trazer sem classificá-los, portanto. São tão intrincados, são inseparáveis.

PAULO FREIRE, ESTE... PAULO


FREIRE, ESTE CURIOSOS, ESTE PERGUNTADOR

Por que esta escola expulsa mais do que retém nossas crianças,
nossos jovens do povo? Evasão? Não”” Expulsão, eis o que acontece. Os
programas? O que ensinam? A quem ensinam? Ensinam pa quê? A favor de
quê? De quem ? Como ensinam? O que aprender, o que é ensinar nesta
escola? O que é ser professor, professora? Que meninos e meninas são estes?
Que ruas, que casas, que mesas, que camas? Que cidades, que país, que
mundo? Que passado, que presente, que futuro? Que perdas, que sonhos? Que
opressão? Que resistências? Imersão. Como emergir? Quanta magia! Parece...
a criticidade? Só? A compreensão da realidade, pronto entendi? É isso educar?
É tudo isso?

PAULO FREIRE, ESTE INVENTOR, ESTE


REINVENTOR...

É tudo isso. É mais do que isso, é interferir, para não continuar,


parece...

28
É TRANSFORMAR. Parece... parece que é mesmo.
A escola muda. Muda de nome, muda de professor, muda de aluno,
muda programa, muda de partida, de chegada (?) Nunca chega, nunca acaba,
muda de desenho, muda de estética. Muda de tom, muda de som. Muda de
emoção de razão, muda de ambição: quer mudar de mundo.

PAULO FREIRE, ESTE APRENDIZ, ESTE


ENSINADOR, ESTE DIDATA

“ Todo mundo tem o direito de saber o que já sabe e nem sabe que
sabe;
Todo mundo tem o direito de saber o que ainda não sabe”.

(Paulo Freire)
Descobri como eu não sei nada, como eu não sei tudo... o aluno
aparece não saber nada, não, tu não sabes tudo. E é nesse tudo que aprende
mais. Eis a comunhão. (Paulo Freire/ Antonio Faúndez)

PAULO FREIRE,
ESTE REIVENTADO
...”Seguir-me é não seguir-me.
É reinventar-
me”.(Paulo Freire)

Paulo Freire, este reinventado. Sim,, lá longe, nos anos 60, aquele
homem da várzea quando você, eu e outras pessoas da equipe, lá longe,
naquele Círculo de Cultura onde você ia buscar confirmação ou
inconformação para as suas invenções, disse, lá numa noite, depois de refletir
sobre os quadros ilustrados e que problematizavam a relação Natureza e
Cultura (ah” Aqueles belos desenhos de Brennand parece que a ditadura
destruiu...!), aquele homem disse, lá “agora que seu sei que faço cultura, não
falo mais com meu patrão de cabeça baixa”. Aquele homem foi mais além,
disse do jeito dele, através da vida dele... filosofou, construiu conceitos, trouxe
por concreto. (Paulo Freire/Antonio Faundez)

29
PAULO FREIRE
REINVENTADO

Foi longe, no sertão pernambucano, 1998, com anos de seca na


frente, pela frente, atrás, ao redor daquele homem ,daqueles homens e
mulheres em pleno sertão aqui a escola inventada dos anos 60, ainda instalada
por quem pensava neles e nelas foi tomada, ocupada, pelos próprios alunos e
alunas. Um posto de saúde abandonado... limpado, caiado, encadeirado,
ajardinado, enfeitado, apropriado... Círculo de Cultura em pleno deserto
pernambucano. Tema: a seca, EL NIÑO, resistência, convivência. Ali, aquela
escola foi mais longe, foi ficando maior, incontrolável, um homem (aluno) foi
sendo visto de Círculo em Círculo, migrando, pouco entendido “ o que será
isso?” Ah! Deslumbro-me, como um raio, arrisco compreender: à medida que
sua “frente de trabalho” deslocava-se, ele ia trabalhando e estudando na escola
mais perto.
Sem pedir a ninguém, sem sair nem entrar em lista nenhuma. A
escola era dele, a de antes, a seguinte, a de outra, as outras. A escola era dele.
O mundo era dele. Paulo Freire, a sua escola foi reinventada. Perdeu-se o
controle. Aí fica maior. Tudo fica maior.
E a escola da Zona da Mata, do Agreste, do Sertão pernambucano,
ainda há pouco, até Dezembro de 1998, foi se tornando possível.
O Círculo de Cultura da Cocheira do Sr. Antônio, do terraço da Sra.
Josefa, da sacristia. O Círculo de Cultura as Sombra da Igreja. Ás 15 horas,
naquela comunidade onde não tinha lugar fechado disponível, o sol ficava de
um lado da Igreja sombreando o outro lado. Círculo de Cultura da Sombra a
Igreja. Ah! Tudo fica maior.

PAULO FREIRE
– CURIOSO, PERGUNTADOR, INVENTOR, APRENDIZ,
REINVENTADO... INCOMPLETO, PAULO FREIRE MAIOR

E POR FALAR EM ...


EDUCAÇÃO E MUDANÇA

- Agora que eu sei que faço cultura, não falo mais com o meu patrão
de cabeça baixa. – Participante do Círculo de Cultura da Várzea – Recife – PE
– 1963.

30
- De primeiro, eu quando ia pro trabalho, ia pra parada, esperava
meu primo, aí a gene entrava naquilo. Agora, já seu ler, eu vou pra parada,
nem espero meu primo e entro no meu ônibus.

-Participante do Círculo de Cultura do Cabo – PE – 1986.

- Depois que eu aprendi a ler acho que sou uma mãe diferente. Eu
posso ajudar meus filhos no dever de casa.

- Participante do Círculo de Cultura do Cabo –PE – 1986.

- Fui alfabetizado no chão do quintal de minha casa, à sombra das


mangueiras, com palavras do meu mundo e não do mundo maior dos meus
pais. O chão foi o meu quadro-negro; gravetos, o meu giz.
Paulo Freire

- Eu plantava a cana e sabia que era açúcar. Mas não sabia não...
importância da cana. Agora, no programa, compreendo.
Luzia, participante do Círculo de Cultura da Zona da Mata
PE – 1998.

- Eu não falava em capacitação nenhuma. Agora, nesta, eu falei


muito. Não é,colegas?
Professora do Programa de Educação de Jovens e Adultos –
Zona da Mata - PE- 2000.

- Assim que comecei, eu achava caneta mais pesada do que uma


enxada.
Pedro, participante do Círculo de Cultura do Agreste.

- Eu, quando era pequena, apareceu uma mulher rica e minha mãe...
deu eu a ela... pra eu ser babá. Agora estou estudando de novo... (chorando)
digo... aqueles que não sabem como eu, voltasse, está em tempo... Essas
pessoas que são iguais a mim, procure uma escola e vá à luta.
-Eu vendo meus docinhos pra sustentar meus meninos. Fazia conta
na cabeça. Agora é na ponta do lápis. Ninguém me engana.
-Participante do Círculo de Cultura do Agreste – PE – 1998.

- Antes me assinava no dedo... agora... agora... é na canetinha.


-Pedro, participante do Círculo de Cultura do Sertão – PE –
1998.

31
- Eu sofri muito, meu marido ficou no hospital e na volta andei de
rua em rua, a tarde inteira e não acertava ir pra rodoviária. Perguntava a um e a
outro. Eu não quero que isso aconteça a ninguém. Agora que sei ler... é outra
coisa. Não vou me perder.
Participante do Círculo de Cultura do Agreste – PE – 1998.

- Eu pensei que vinha pra esse curso receber muitas apostilas,


algumas, algumas receitas, mas... estamos filosofando. Que coisa boa! Assim
a gente tem mais possibilidades de criar.
-Professora de João Pessoa, participante de Encontro em
torno da Pedagogia de Paulo Freire, promovido pelo Programa de
Educação de Jovens e Adultos de João Pessoa PB – 2000.

- Eu pensava que era Deus que queria que chovesse, não chovesse.
Agora estou sabendo que é o tal NINHO (EL NIÑO), aí a gente tem que se
cuidar. Aprender como segurar a água, buscar água, aproveitar mais as plantas
daqui...cuidar do rebanho...
Participante do Círculo de Cultura do Programa
Convivência com o Semi-Árido – Sertão – PE – 1997/1998.

-Eu fiz meu filtro. Agora não tomo mais água barrenta.
-Participante do Círculo de Cultura do Agreste – PE –
1998.

- Eu sou aluna também desta turma. Meu nome é Tereza. Ontem


recebi a visita de meu sogro que há três anos não via.
Quando ele viu eu dar café a todos e me aprontar para vir para a
escola, me perguntou: Pra onde a senhora vai, comadre? Eu disse: para a
escola. José sabe disso ou a senhora vai escondida? Nada disso, ele deixou.
Já vi que José perdeu o juízo, onde já se viu mulher velha, depois de
parideira, inventar de estudar?
Eu disse; seu Antônio, os tempos mudaram. Hoje em dia as mulheres
já têm seus direitos, acabou o tempo de só se viver no fogão. Ta bem, vá pra
tal escola, mas venha logo. Vou mesmo, nove horas eu chego.
Aproveite porque eu vou falar com José sobre essa tal escola, e só
quero ver o que ele tem pra me dizer. Ele sabe como eu sou e também vê como
é que sua mãe não vai nem na feira pra não aprender certas coisas que tem
nas cabeças de certas mulheres. E hoje em dia as mulheres estão ficando
muito afoitas.

- Texto de Tereza – Núcleo de Mulheres da Charneca – Cabo –


1986.

32
A PRESENÇA DE ELZA FREIRE EM
PAULO FREIRE 1
Maria Eliete Santiago 2

RESUMO

Na construção de sua pedagogia. Paulo Freire contou com a participação


informal de vários intelectuais, entre os quais sua primeira esposa, Elza Maria
Costa Freire – Elza. A presença de Elza em Paulo Freire é revelada por ele
próprio, não apenas informalmente, em conferências, cursos e seminários mas,
formalmente, em numerosos dos seus escritos. Ora, nas dedicatórias, ora no
corpo mesmo do pensamento exposto, a contribuição de Elza é mencionada. A
marcante presença e Elza em Paulo Freire se dá não apenas no plano afetivo,
mas no intelectual, enquanto leitora crítica de versões inéditas de muitas obras
de Freire e por sua experiência com crianças, como alfabetizadora.

“...Elza não era apenas a esposa, a mãe dos filhos, a amante, mas
também, e com muita ênfase, a companheira de luta, a companheira
comprometida com o trabalho libertador.”

Depoimento a Arturo Ornelas, São Paulo, 13 de maio de 1987.


Publicado em Paulo Freire – uma bibliografia ( Moacir Gadotti.
Org.), p.151.

_____________________
1
Texto anteriormente utilizado em duas sessões de aulas no Curso “Iniciação ao Pensamento de Paulo
Freire, 1999: Centro Paulo Freire – Estudos e Pesquisas.
2
Maria Eliete Santiago é Doutora em Ciências da Educação, pela Universidade René Descartes, Paris V,
professora no Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco, sócia fundadora e Diretora
Técnico-Pedagógica do Centro Paulo Freire – Estudos e Pesquisas.

33
INTRODUÇÃO

A Pedagogia Freireana, voltada para experiências em espaços


escolares e não escolares, alicerçada em reflexões teóricas de diferentes
campos do conhecimento, recebeu contribuições daqueles/daquelas que pela
convivência e embates foram formulando um pensamento educacional que
tem na sua base a realidade social de um grupo marcado pela exclusão social.
Entre os intelectuais que participaram desta construção encontra-se Elza
Maria Costa Freire – ou, simplesmente, Elza – que, com sua profissão, ao seu
modo, contribuiu com o legado que hoje nos serve como patrimônio cultural.
É essa presença afetiva de Elza em Paulo Freire, declarada por ele
próprio, que este trabalho procura mostrar a partir a leitura de seus textos.
Utilizamo-nos dos seus livros, buscando o explicitado no discurso para,
através dele, ler a contribuição dessa mulher educadora nas diferentes esferas
da vida cotidiana, tanto no Brasil como no exterior.
O nosso interesse pelo tema, entre outros, explica-se pelo fato de
geralmente buscarmos o conhecimento/explicação sobre as origens do
pensamento de um filósofo, de um pedagogo ou de um autor, a partir de outros
autores da época e do campo de conhecimentos afins, com a finalidade de
encontrar os fios que fundam a sua pensée. Não seria diferente com Paulo
Freire. Porém os intelectuais anônimos que com ele foram tecendo a
pedagogia, conhecemos pouco, mesmo que a sua obra seja pontilhada pelas
ênfases e referências aos trabalhadores que com ele foram ensinando e
aprendendo. 3

_______________________
3 Entre outros livros, Medo e Ousadia: o cotidiano do professor é um exemplo dessa aprendizagem/
participação no diálogo entre Ira Shor e Paulo Freire. São Paulo: Paz e Terra, 1987.

34
Embora Elza não tenha sido, nem seja uma anônima, ao contrário,
está presente no conjunto da sua obra, pouco figura entre os leitores e analistas
da obra de Freire como um das grandes presenças no processo
construção/sistematização do seu pensamento. Não é de estranhar que ela
figure apenas entre aqueles que com ela tiveram a oportunidade de
convivência, visto que, o sentido corrente atribuído aos intelectuais e à vida
acadêmica não a incluiu, menos por impossibilidade intelectual e mais por seu
próprio estilo.
Porém, a leitura cuidadosa da obra de Paulo Freire nos permite ir
perfilando a Elza inspiradora e colaboradora efetiva do seu trabalho em
diferentes dimensões: da professora que emprestou a sua prática para que
juntos pudessem refletir sobre ela e, ao mesmo tempo, no exercício cotidiano
do grupo-família, passando pela leitora crítica em primeira mão dos seus
livros e estendendo-se para o mundo, a exemplo do trabalho na África. É
dessa Elza “ que não era apenas esposa, a mãe dos filhos, a amante, mas
também, e com muita ênfase, a companheira de luta, a companheira
comprometida como o trabalho libertador”, no dizer de Arturo Ornelas que
gostaríamos de falar através do próprio Paulo Freire. É essa a intenção dessa
comunicação: evidenciar a presença de Elza em Paulo Freire.

ELZA: PRESENÇA
MULHER – PROFESSORA - POLÍTICA

“Quando eu tinha vinte e dois anos encontrei minha primeira


mulher, Elza (...) Elza foi uma grande educadora. Trabalhava como poucas
com crianças da pré-escola e como poucas se dava às crianças a quem,
apaixonadamente, desafiava para que escrevesse, e lesem. Ela sabia como
lidar com as crianças a quem sem manipulá-las, sorrateiramente ou não, nem
tampouco largá-las no horizonte sem limites salicenciosidade. Elza vivia
muito bem a tensão entre liberdade e autoridade. Fui seu professo de sintaxe.
Foi assim que a conheci”.

Paulo Freire: Educação na Cidade. São


Paulo: Cortez, 1991.

35
Há vários ângulos que mostram a presença de Elza em Paulo Freire:
a troca das idéias e experiências pedagógicas vindas da sua formação
profissional e da sua prática.
Educativa no âmbito escolar, o exercício e práticas de princípios
básicos no grupo familiar, além da valorosa presença afetiva. Ela foi sua
interlocutora em diferentes dimensões e espaços, sejam eles formais e/ou
informais.
Os momentos informais foram tão importantes quanto aqueles que se
fizeram formalmente, com a intencionalidade que o ato educativo requer. Em
verdade, sua presença em Freire foi tomando corpo de forma assistemática. No
início, pela troca de saberes na relação de ensino e de aprendizagem, quando
ela se fez sua aluna da língua portuguesa, tomando aulas particulares.
Estendeu-se e aprofundou-se na experiência de vida em comum, ampliando-se
e consolidando-se no exílio, no trabalho de educação de adultos.
Essa presença é afirmada por Paulo Freire no conjunto de sua obra.
Ele declarou, repetidamente, que Elza havia exercido influência sobre ele.
Influência, diríamos, em forma de companheirismo, traduzido na ação política
que não precisou ser partidária; na ação pedagógica nos espaços escolares e
nos movimentos sociais. Presença que foi sendo desenhada a partir de Freire
na dedicatória do livro Educação como prática da liberdade, onde ele diz: À
Elza, minha mulher, a quem muito devo”.4 Continuou reforçando esse
sentimento/reconhecimento em outros livros, a exemplo de Conscientização:
teoria e prática da libertação – uma introdução ao pensamento de Paulo
Freire, quando afirmou: “À Elza, professora primária e, depois, diretora de
escola, devo muito” (1979:15). E ainda em Alfabetização; leitura do mundo,
leitura da palavra: “ela influenciou-me enormemente”.
Essa presença foi sendo qualificada á medida que Freire foi
apontando e definindo o trabalho educativo que Elza desenvolvia no seio da
escola pública, onde atuou como professora e diretora do mesmo modo que
atuou nos grupos de discussão e no interior da sua família; na dimensão
afetiva que caracterizava-os e que foram marcando a presença da mulher-
colaboradora. Por exemplo, em O educador: vida e morte ele sublinha a
mulher alfabetizadora; realça o papel dela diante da sua não experiência com
crianças: “ (...) eu nunca tive experiência direta com crianças, nunca
alfabetizei as crianças. Minha grande experiência

_________________________
4 O livro é dedicado também aos pais de Freire, a um dos tios e aos filhos
com crianças foi meus filhos mesmo, que hoje são os melhores juizes de Elza e
da minha prática de educadores.”(1982:93). Do mesmo modo que em

36
Educação como prática da liberdade recorre a uma nota (nº 20, p.119) para
explicar o pensamento de Elza sobre a segurança e a legibilidade da escrita
dos alfabetizandos como fenômenos complexos.
O interesse pela linguagem, pelos processos de comunicação, de um
lado; e, de outro lado, o conhecer Elza – mulher – educadora foram duas
fortes razões para conduzir Freire ao campo da educação, afastando-o,
definitivamente, do jurídico, como depõe em Alfabetização. Leitura do
mundo, leitura da palavra: “meus estudos lingüísticos e meu encontro com
Elza conduziram-me à pedagogia” (1990:109).
A condição de mulher, o papel de professora e o compromisso de
cidadã comprometida com a tarefa da libertação constituíram fortes razões
para a construção do caminho e marcaram a presença efetiva de Elza.
Elza Maria costa Oliveira,ou simplesmente Elza, professora
primária por formação, teve na Escola Normal de Pernambuco – escola
modelo para a formação de professores – a referência da qualidade do seu
preparo profissional. A Escola normal destacava-se pela qualidade das suas
reformas na década de 20 e pelo caráter científico que imprimia ao currículo.
Destacamos, entre outros, a Sociologia, a Psicologia e a Pedagogia como os
saberes disciplinares que apontavam numa perspectiva científica de formação
profissional do professorado. Ao lado disso, o funcionamento da Escola de
Aplicação como campo de estágio útil ao exercício do saber e do saber
docente.
O clima institucional propiciava uma cultura específica – a cultura
normal, no dizer do Forquin5 - que em si já constituía espaços e formas de
aprendizagens. Nesse espaço, na convivência pedagógica de grandes
professores de reconhecido valor, Elza conviveu e aprendeu. Certamente,
essas aprendizagens estiveram na base de sua presença em Freire. Presença
que mediava pelo reconhecimento da educação e pela prática educativa, o
pensamento pedagógico brasileiro.
Em outras palavras, Elza foi formando-se, com uma base sólida de
conhecimento geral e específico que a Escola Normal propiciava. Nesse caso,
não parece demais afirmar que Elza e Paulo foram aproximando-se
provocados, de um lado pelo tema da linguagem; e pelo conhecimento sócio-
pedagógico adquirindo por ela na Escola Normal.

________________________
5
Forquin, Jean-Claude (1989): Ecole et culture, lê point de vue des
sociologues britaniques. Paris; Ed. Universitaires.

Resumindo, os traços da presença de Elza em Freire estão na


formação profissional obtida e no exercício da profissão de professora, na
escola pública de periferia do Recife, que atendia a crianças da camadas

37
populares. Estão no saber adquirido na Escola Normal e no saber de
experiência construído com as práticas do cotidiano na escola primária e no
jardim da infância, no contato com crianças, familiares, profissionais que iam
permitindo o diálogo com a realidade e produzindo conteúdos para a reflexão
da prática, um dos princípios básicos da Pedagogia Freireana. Essa foi uma
prática que ambos exercitaram.
Essa experiência da prática pedagógica, fundada em princípios
sólidos na Escola Normal e na realidade social com grupos populares –
realidade que Freire conhecia muito bem enquanto ator dessa mesma realidade
– Elza lhe ofereceu para que servisse a ambos como objeto de reflexão.
Se os traços foram compondo a presença de Elza pela influência em
Freire trazendo-o para o campo da Educação, pelos achados e construções no
campo do exercício profissional, pela continuidade do diálogo aprendido com
os pais, segue-se o traçado no grupo familiar onde princípios são discutidos,
vivenciados e transitaram, coerentemente, entre os espaços de atuação
profissional e da convivência familiar, constituindo-se de práticas sociais e
tomando forma de livros. Livros escritos que segundo Freire. “eles são
relatórios de práticas”.
Na Pedagogia Freireana, solidariedade, liberdade e autoridade são
princípios e, ao mesmo tempo, atitudes familiares vivenciados com e por Elza,
como podemos observar no diálogo entre Antonio Faundez e Paulo Freire, no
livro Por uma pedagogia da pergunta. Diz ele: “ Uma das exigências que
sempre fizemos, Elza e eu, a nós mesmos em face de nossas relações com as
filhas era de jamais negar-lhes respostas ás suas perguntas. Não importa com
quem estivéssemos, parávamos a conversar para atender á curiosidade de um
deles ou de uma delas. Só depois de testemunhar o nosso respeito de
perguntar é que chamávamos a atenção necessária para a presença da pessoa
ou das pessoas com quem falávamos” (1998:46)

Ainda é possível observar a prática dos princípios comentada na


conversa com Sérgio Guimarães em Sobre Educação : diálogos, quando
tratam da ética da solideriedade: “Eu tentei uma experiência como essa os
meus filhos, e acho que a única coisa valida que Elza e eu conseguimos fazer
foi – nos papos informais com nossos filhos, papos que são no fundo a
educação mesma – chamar a atenção para que vivíamos num mundo de
competição e não tínhamos que nos surpreender com ela, mas tínhamos que
nos capacitar para fazer uma coisa mais difícil do competir: nos
solidarizarmos”. (1984;104)
A experiência no Brasil, na periferia do Recife, teve continuidade no
exterior, no exílio. O Exílio voluntário de Elza foi o testemunho maior da sua
presença de mulher e batalhadora política. Para exilar-se ela abriu mão de sua
cadeira de professora primária da rede estadual na capital, jamais reintegrada,
mas não de ser professora.

38
Certamente, quando Freire refere-se a Elza vai buscar as marcas no
companheirismo, na solidariedade, na afetividade e na firmeza das suas
decisões e ações. É nesse sentido que compreendemos as suas palavras, entre
outras, quando afirma:’ a Elza devo muito. Sua coragem, sua compreensão,
sua capacidade de amar, seu interesse por tudo o que faço, sua ajuda nunca
negada, e sequer solicitada (presente a necessidade da ajuda), me têm sempre
sustentado nas mais problemáticas situações” ( Freire, 1979:15)

No exílio, como profissional da educação acompanhou Freire nas


suas andanças e junto com ele viveu/construiu a experiência de educação no
âmbito governamental e dos grupos socais. O IDAC (Instituto de Ação
Cultural) foi uma das instâncias de colaboração. Em Cartas a Guiné-Bissau:
registros de um a experiência em processo, Paulo Freire foi registrando a
participação de Elza no processo de discussão da educação africana, do
mesmo modo que o fez em Considerações sobre o ato de ler, em três artigos
que se completam. Isto é, foi tecendo a presença profissional de Elza na
Pedagogia Freireana.

Destaca, por exemplo, a sua contribuição na escola de Có ( pequena


aldeia rural a 50 quilômetros de Bissau), desde o processos de observação,
passando pelo diagnóstico e levantamento vocabular, até o processo de
alfabetização. Podemos acompanhar o depoimento:
“Sentimos-nos, particularmente Elza e eu, fortemente presos a este
6
Centro , o qual jamais deixamos de visitar em nossas idas a Guine-Bissau.
Visitas em que sempre nos impressionam a dedicação de seus professores e o
otimismo crítico de que se acham infundidos no desempenho de suas tarefas”
( 1978;51). Continua; “(...) visitamo-lo, Elza e eu, juntamente com a equipe do
IDAC...” (1978;53).

___________________
6
Refere-se ao Centro de Formação de Professores Máximo Gorki – escola de Có
Os Círculos de Cultura, experiência de educação de adultos no
Brasil, foi também o formato didático experienciado na África. Essa
experiência foi vivenciada também por Elza, como nos mostra Paulo Freire
em Cartas a Guiné-
Bissau: “ Em um dos Círculos de Cultura a cujos debates assistimos Elza e
eu, em que falavam da luta pela libertação, referindo-se a certos episódios
dessa luta, estabeleciam sempre a relação estreita entre ela e a reconstrução

39
nacional” (1978;167). E continua; “ Não seria demasiado dizer também o
quanto nos emocionamos, Elza e eu, ao assistirmos aos debates em um dos
Círculos de Cultura das FARP (Força Armada Popular), em que os
participantes, escrevendo no quadro negro palavras e frases, discutiam,
lucidamente, a temática a elas referida. Sabíamos que estávamos num Círculo
de Cultura das FARP em Bissau, mas, em certo sentido, era como
estivéssemos no Brasil de anos passados, aprendendo de e com os
alfabetizandos e não apenas a eles ensinando” ( 1978:104)

São Tomé e Príncipe também foram contextos da atuação de Elza ao


lado de Paulo Freire, assessorando o governo da República Democrática no
programa de educação de adultos (1982:43)

RESUMINDO

A presença de Elza em Paulo Freire é, ao mesmo tempo, silenciosa,


afetiva e firme. Perpassa sua vida e sua obra. Elza foi tão andarilha quanto ele.
Conheceu a dominação e lutou para superá-la. Inscreveu-se na luta para a
libertação do ser humano: o homem e a mulher . por issi, essa luta pôde ser em
Casa Amarela, no Recife, no Brasil, na África. A libertação do humano não
teve fronteiras para Elza, nem o fechamento político impediu o
companheirismo, a pedagogia, a vida. Por isso Paulo Freire não se cansou de
repetir; “ A Elza, minha mulher, muito devo”.

40
REFERÊNIAS BIBLIOGRAFICAS

BRANDÃO, Carlos R. (Org.) O Educador; vida e morte. 6ª ed. Rio


de Janeiro: Edições Graal, 1995.

FREIRE, Paulo. A educação na cidade. São Paulo; Cortez, 1991.


_______. A importância do ato de ler:em três artigos que se
completam. São Paulo: Autores Associados/Cortez, 1982.
_______. Alfabetização:leitura do mundo, leitura da palavra.
Tradução de Lólio Lourenço de Oliveira. Rio de Janeiro; Paz e Terra, 1990.
_______. Cartas a Guiné-Bissau; registros de uma experência em
processo. 2ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.

FREIRE, Conscientização: teoria e prática da libertação – uma


introdução ao pensamento de Paulo Freire. Tradução de Kátia de Mello e
Silva. São Paulo: Cortez & Moraes, 1979.
________. Educação como prática da liberdade. 12ª ed. Rio de
Janeiro: Paz e Terra,1981.
________. Medo e Ousadia – O cotidiano do professor. Trad. de
Adriana Lopez. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.
________& Faundez, Antonio. Por uma pedagogia da pergunta.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.
________& Guimarães, Sérgio. Sobre educação: diálogos. 3ª ed.
V.1. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.
SANTIAGO, Maria Eliete. Les politiques de formation et de
recrutement dês institueurs et lês conditions d’ exercice du metier dans l’état
de Penambuco ( Brésil). Tese de Doutorado. Paris, 1994.

41
PROGRAMA DE AÇÃO CULTURAL
PEDAGOGIA DA PERGUNTAS/VIVENDO E APRENDENDO COM
PAULO FREIRE 1

Maria Nayde dos Santos Lima 2

RESUMO

Ação Cultural é um programa de educação a distância a ser


veiculado pela TV Universitária, da Universidade Federal de Pernambuco, em
circuito aberto, com momentos presenciais e diferentes formas de
interatividade. É constituído pelos Projetos “Pedagogia da Pergunta” e
“Vivendo e Aprendendo com Paulo Freire”. O primeiro tem como clientela
específica alfabetizandos das tele-salas e dos Cursos de Educação de Jovens e
Adultos, visando à ampliação da sua leitura do mundo, assim como
alfabetizandos que iniciam também a “ leitura da palavra”. O segundo Projeto
visa contribuir para a atualização profissional de educadores em exercício em
Escolas e Tele-salas e no Movimento de Educação Popular e o enriquecimento
da formação de professorandas das Escolas de Magistério públicas e privadas.
O Programa será objeto permanente de controle e avaliação, tomando-se como
referência uma amostra da clientela inscrita, segundo os ambientes de
recepção organizada (Tele-salas, Cursos de Educação de Jovens e Adultos,
Cursos de Magistério). O Programa atende a objetos do Centro Paulo Freire –
Estudos e Pesquisas, quanto à divulgação do pensamento e da obra de Paulo
Freire. Na tentativa de reescrevê-los, serão resgatadas, dentre outras,
experiências dos Círculos de Cultura realizados em Pernambuco, de
Alfabetização de Pescadores e de Grupos Indígenas, também de Pernambuco.

__________________
1
Comunicação apresentada no Congresso Internacional “Um Olhar sobre Paulo Freire”,
promovido pela Universidade de Évora, Portugal, de 19 a 23 de setembro de 2000.
2
Maria Nayde dos Santos Lima é Licenciada em Pedagogia pela Universidade Federal de
Pernambuco e especialista em Supervisão, Administração e Prática de Ensino, pela
Universidade de Wisconsin, em Macropalnejamento, peal Universidade de Brasília. EX-
Diretora do Departamento de Educação da Fundação Joaquim Nabuco, Ex-Membro do
Conselho Estadual de Educação de Pernambuco. É sócia fundadora e, atualmente, Vice-
Presidente do Centro Paulo Freire – Estudos e Pesquisas.

42
PROGRAMA DE AÇÃO CULTURAL3
PEDAGOGIA DA PERGUNTA/VIVENDO E APRENDENDO
COM PAULO FREIRE

I APRESENTAÇÃO

Este texto pretende apresentar o programa de Ação Cultural , que


tem como referência básica o pensamento de Paulo Freire. Este programa está
em elaboração pelo Centro Paulo Freire – Estudos e pesquisas, em parceria
com a Universidade Federal de Pernambuco (Centro de Educação e Núcleo de
TV e Rádio Universitária) e a Universidade Federal da Paraíba (Mestrado em
Educação Permanente).
Além dos objetos do Programa, o texto aborda alguns dos princípios
que alicerçam o Programa e explicita a metodologia adotada na sua
estruturação e na operacionalização dos dois Projetos que compõem:
Pedagogia da Pergunta e Vivendo e Aprendendo com Paulo Freire.
A “aula-zero”, assim chamada por ser o Programa Piloto, foi
elaborada com a finalidade de divulgar o Programa de Ação Cultural.

__________________
3
Este programa foi elaborado por Mª Nayde dos Santos Lima, Rosângela Tenório, Zélia
Porto, Adozinda Costa Monteiro, Paulo Rosas, Mª Eleite Santiago, Bráulio Brilhante e
Valdir Oliveira, João Francisco de Souza. Edna Brennand e Afonso Celso Scocuglia e teve
como colaboradores Argentina Roass, Alder Júlio Calado e Alcides Restelli Tedesco.

43
II ANTECEDENTES DO PROGRAMA

O Programa de Ação Cultural tem no pensamento de Paulo Freire


sua principal preferência. Atende com isto objetivos do Centro Paulo Freire –
Estudos e Pesquisas, quando se propõe a divulgar as idéias desse educador,
discutindo as categorias básicas estruturadoras do seu pensamento e com base
nisto contribuir para : a) a melhorai da formação de educadores da Educação
Básica; b) ampliação da reflexão acerca do universo cultural dos jovens e
adultos atendidos em programas de escolarização básica; c) a estimulação de
jovens e adultos para buscarem oportunidade de continuar seus estudos no
sistema regular de ensino.

Embora seja a comunicação presencial imprescindível nos encontros


e na superação dos desencontros entre pessoas e grupos, seria inócuo negar a
relevância de programas culturais de rádio e televisão. Em qualquer das
dimensões, o mais importante de ser sujeito mais crítico, como qualidade
indispensável à existência humana e à vida democrática. Por isso, como diz
Paulo Freire in Pedagogia da Indignação, “ a questão fundamental que se
coloca a nós, qualquer que seja a inteligência da frase ‘A alfabetização em
televisão’ não é lutar contra a televisão, uma luta sem sentido, mas como
estimular o desenvolvimento da curiosidade e do pensar críticos.”

Não é nova a utilização da abordagem da educação à distância, no


Brasil, pois ‘ já durante os anos 50, a educação presencial era complementada
por programas radiofônicos’ (Texto Básico do Programa de Ação Cultural ,
versão junho 2000). Por exemplo, o Movimento de Educação de Base – MEB
(instalado em 1961) e o Movimento de Cultura Popular – MCP, instalado em
1960 em Pernambuco/Brasil e do qual Paulo Freire ativamente participou,
utilizaram o rádio em seus programas culturais ou de alfabetização. Deste
último fazia parte o Projeto de Educação pelo Rádio, coordenado por Norma
Coelho. A Campanha “De pé no Chão também se Aprende uma Profissão”
instalado em Natal/Brasil, em 1961 manteve um programa radiofônico
informativo cultural, mas não de alfabetização.

44
III JUSTIFICATIVA DO PROGRAMA

Entendendo que o processo educativo deve ser tratado


prioritariamente, do ponto de vista ético cultural e que portanto se torna
possível dentro de um horizonte de uma educação concebida como
participação, criatividade, expressividade e relacionalidade, o Centro Paulo
Freire e Universidade Federal de Pernambuco, através do Centro de Educação
e do Núcleo de TV e Rádio Universitária, propõem o Programa de Ação
Cultural, como parte de uma luta política em favor de uma educação para
crianças, jovens e adultos, que considere as questões de solidariedade, de
ética, da justiça social e do espaço público.

O Programa de Ação Cultural consolida o papel educativo do Centro


Paulo Freire, no sentido de apoiar e desenvolver ações culturais e educacionais
pautadas na Pedagogia de Paulo Freire, assim como a inscrição da
Universidade Federal de Pernambuco no Consórcio Interuniversitário de
Educação à Distância, criado em 1993, com vistas a colaborar com os
governos federal, estaduais e municipais no que se refere ao aumento e
diversificação de oferta de ações educativas para a população. O Programa já
conta com o novo parceiro, a Universidade Federal da Paraíba, através da
participação de professores do seu Mestrado de Educação Permanente.

A proposta deste Programa, apoiando-se nas idéias de Silva, 1999,


reflete sobre questões que se constituem em um desafio para os
educadores(ras), no início deste século, ‘ no que se refere ao rompimento e
fronteiras, transgressões de tabus, tragédias e violências, tentativas de
consensos fabricados, de imposição de língua única e pensamento único’.

Reconhecendo as limitações na formulação do pensamento crítico e


na linguagem a – história que tem apresentado cultura de massa e
especialmente a cultura visual. O Programa de Ação Cultural, na tentativa de
superar o paradoxo de como propor a formação de leitores críticos, utilizando-
se dessa linguagem, “ assume o desafio de construção de outros significados e
sentidos que possam ser construídos dentro de um programa de educação à
distância, onde a história é entendida como possibilidade e o ato educativo
como construção de conhecimento, intercâmbio de experiências e criação de
novas práticas culturais”. (in texto básico do Programa de Ação Cultural,
versão junho 2000).

45
Assim sendo, o Programa de Ação Cultural adota uma pedagogia
crítica da aprendizagem com um conceito de alfabetização ampliando pela
proposta de formação de “ leitores de mundo”, tal como foi concebida por
Paulo Freire. Isto significava a opção por “ uma direção que contemple uma
preocupação didático-pedagógica que possa subsidiar não apenas processos
de alfabetização, mas sim a formação de leitores críticos”. “Leitores do
Mundo” que possam decodificar seu mundos pessoais e sociais, com
capacidade de questionar mitos e crenças que estruturam suas concepções e
experiências. (in texto básico do Programa de Ação Cultural, versão junho
2000)

Do ponto de vista didático, o Programa de Ação Cultural deverá


incorporar duas ações sistemáticas: a interatividade e o material escrito como
condições para construção crítica do conhecimento, a negociação de
significados e o estabelecimento da racionalidade ética como referência para
o programa.

A implantação deste Programa pela TV Universitária de Pernambuco


( e outras emissoras que se associem), como uma ação educativa cultural para
atender aos jovens e adultos vinculados a programas de escolarização básica; a
professores(as) dos diversos níveis de ensino; a educadores populares e aos
alunos dos Cursos de Magistério, e ao se constituir em uma experiência
pedagógica pautada na Pedagogia Freiriana, poderá influenciar,
positivamente, programa de alfabetização e escolarização básica
desenvolvidos por instituições governamentais no Estado e no país,
principalmente na Região Nordeste.

IV OBJETIVOS

• Divulgar a história de vida de Paulo Freire e sua contribuição


para educação no país e no mundo
• Contribuir para a melhoria da formação inicial e continuada de
educadores da Educação Básica.
• Ampliar a reflexão a cerca do universo cultural dos jovens
atendidos em programas de escolarização básica.
• Divulgar a sistematização dos trabalhos dos alunos na área.
• Estimular jovens e adultos para buscarem oportunidade de
continuar seus estudos no sistema regular de ensino.
• Desenvolver o Programa de Ação Cultural com apoio de
materiais impressos e em vídeo em parceria com profissionais

46
da Universidade Federal de Pernambuco, Universidade
Federal da Paraíba e ONGs que tematizam questões como:
educação ambiental, gênero, violência, religiosidade, idade,
ética, sexualidade, entre outros.

V POPULAÇÇAO A SER BENEFICIADA

• Educadores da Educação Básica

• Jovens e adultos, alunos atendidos pelos programas educativos


como Programa Nacional de Educação da reforma Agrária-
PRONERA, ao Programa Nacional de Alfabetização
Solidária, ao Fundo Nacional de Desenvolvimento
Educacional – FNDE e programas regulares dos Sistemas
Públicos de Ensino.

• Professores e alunos dos Cursos de Magistério de Escolas


Públicas e Privadas.

• Alunos da Pós-Graduação na área da Educação considerando


que o Programa de Ação Cultural será veiculado pela
Televisão, em circuito aberto, sua meta geral é de atendimento
de um grande público, todavia as metas definidas abaixo
referem-se à previsão de convênios com as Secretarias
Estadual e Municipais de Educação, com o PRONERA, com
a Comunidade Solidária e ONGs para implantação do
Programa de Ação Cultural nas telesalas, existentes ou a
serem instaladas, para atendimento de jovens e adultos na
forma interativa, vinculados ao Projeto Pedagogia da Pergunta
e aos educadores em exercício nessas telessalas e nos Cursos
de Magistério em nível Médio inscritos no Projeto Vivendo e
Aprendendo com Paulo Freire, acrescentando-se a essa
clientela o (as) professorandos(as).
• Produção de 200 programas para televisão, em diferentes
linguagens e formatos, incluindo situações de interatividade.

47
• Implantação de espaços nos distritos, povoados ou sedes dos
municípios para instalação das telessalas, com base nos termo
dos convênios assinados com as Secretarias de Educação
Estaduais e Municipais.

• Complementação ou aquisição de equipamento das salas com


televisor e antena parabólica;

• Veiculação pela Televisão Universitária e outras que se


associarem, três vezes por semana, de programa cultural
interativo referente ao Projeto da Pedagogia da Pergunta,
tematizando os conhecimentos sócios culturais para os jovens
e adultos com a participação interativa;

• Veiculação pela Televisão Universitária e outras que se


associarem, duas vezes por semana, de programa cultural
interativo, referente ao Projeto Vivendo e Aprendendo com
Paulo Freire, tematizando conhecimentos referentes à
trajetória de vida de Paulo Freire e às suas idéias;

• Participação interativa no 1º ano de veiculação do Programa


de Ação Cultural de, pelo menos, 30% dos alunos e
educadores vinculados aos Projetos;

• Produção dos “Cadernos do Aluno” para os alunos vinculados


ao Projeto Pedagogia da Pergunta;

• Produção dos “ Cadernos do Professor” para os educadores


vinculados ao Projeto Vivendo e Aprendendo com Paulo
Freire;

• Realização de 8 Seminários/Encontros com Educadores a


Educação Básica, Professores e Alunos dos Cursos de
Magistério, vinculados ao Projeto Vivendo e Aprendendo com
Paulo Freire e que desejem certificação de participação no
Programa de Ação Cultural;

48
• Realização do Fórum de Avaliação do Programa a cada 2
meses.

VII IMPLANTAÇÃO DO PROGRAMA DE AÇÃO


CULTURAL

1. Projeto da Pedagogia da Pergunta

O projeto pedagogia da pergunta destinado a jovens e adultos


vinculados a programas de escolarização se propõe a promover a integração e
ampliação das ações educativas desses programas. O eixo do trabalho estará
voltado para Ressignificação da Identidade Cultural. Nesse sentido pretende
apoiar o processo de formação de leitores e escritores tematizando as questões
da cultura, do trabalho, da tecnologia e da vida política dos alunos.

Sua concepção político-pedagógica está centrada na ética e na


estética e neste sentido pretende ter uma organização curricular com base em
temas culturais tais como: a) Justiça entre Gêneros. b) Cultura e Cidadania,
que conterá subtemas, tais como: Identidade-Alfabetizando-Cidadão-Leitor;
Escola; Somos Mestiços, Moradia; Trabalho e Cultura; Trabalho e Festejos;
Cidadania e Voto; Religiosidade; Violência; a Mídia. c)
Súde/Educação/Qualidade de Vida que envolverá subtemas como: Saúde no
Trabalho, Saúde Pública; Saneamento Básico; Medicamentos Populares e
Industrializados; Plantas Medicinais; Maternidade/ Gestação/Aleitamento;
Desnutrição e Vacinação; d) Ambiente e Sustentabilidade/ do sertão ao cais: O
Mangue, O Semi-árido e o Canavial, entre outros.

Os programas–aula serão transmitidos durante 30 minutos, às 6


horas e ás 18 horas, cada Segunda-feira, Quarta-feira e Sexta-feira. Os jovens
terão acesso a debates, cenas de alfabetização e interatividade, todos utilizando
as diversas linguagens da arte, da diversidade tecnológica e as formas culturais
diversas.

2. Projeto Vivendo e Aprendendo com Paulo Freire

Este Projeto, destinado aos educadores da Educação Básica, investe


na ampliação e melhoria da formação do educador, numa perspectiva

49
democrática. Nesse sentido as idéias de Paulo Freire foram tomadas como
referência básica na estruturação do Projeto, considerando-se como elementos
relevantes as seguintes categorias: Educação e Cultura; Diálogo;
Liberdade/Autoridade/Autoritarismo;
Pedagogia;Aprender/Ensinar;Leitura/Leitor/Alfabetização;
Ética/Estética/Política ; Sujeito/Objeto; Curiosidade Epistemológica;
Autonomia; Teoria/Prática.

Foram consideradas na definição do escopo do Projeto as questões


que manifestaram a curiosidade de pesquisadores, professores universitários,
professores de Cursos de Magistério, professores da Educação Básica e alunas
do Curso de Magistério em nível médio, quanto à trajetória de vida e ás idéias
de Paulo Freire.

a) Quem foi Paulo Freire? De onde veio? Onde viveu? Que tipo de
vivência o despertou par o trabalho que realizou? De onde vieram suas
idéias? Como e quando começou a se preocupar com a educação?4
Dentre as questões destacam-se;

b) Que tipo de influências recebeu para perceber que as pessoas


precisavam de novos horizontes e como isto o mobilizou a ir ao
encontro delas?

c) Qual base social do seu trabalho?

d) Em que consiste o Método Paulo Freire?

e) Porque optou pro trabalhar com jovens e adultos analfabetos?

____________
4
A entrevista foi realizada para estruturação do I Curso de Iniciação ao Pensamento de
Paulo Freire, promovido pelo Centro Paulo Freire – Estudos e Pesquisas, em 1999.

50
f) Como transformar o pensamento de Paulo Freire em política
educacional para o Estado?

g) O que é fundamental em Paulo Freire, no encaminhamento de


Políticas Educacionais e de Ensino?

h) O que tem sido acatado e rejeitado o pensamento de Paulo Freire?

i) Que obras Paulo Freire deixou?

j) O que foi consolidado em torno do seu pensamento?

Que teses foram feitas a partir de seu trabalho?

k) O que há de diferente em sua maneira de alfabetizar jovens e


adultos?

l) Que e quais são os mecanismos facilitadores da alfabetização,


segundo Paulo Freire?

m) Qual a sua visão quanto á cognição do adulto?

n) Seu Método pode ser aplicado na alfabetização de crianças?


Alguém já fez isto?

o) Que concepção Paulo Freire tem de homem, de mundo, de sujeito,


de objeto, de liberdade, de educação, de ensinar, de aprender, de
diálogo, de conscientização,de educador, de professor, de educando?

p) O que tem mudado na adaptação do seu Método de Alfabetização e


do seu pensamento, em geral/

q) O que passa a ser diferente na educação a partir de Paulo Freire?

r) Que contribuição trouxe para o currículo escolar?

Esse subsídios correspondem ao primeiro momento de interatividade


do Projeto com uma clientela e expressão de sua opção pela formação de
educadores críticos, onde a contextualização e a historicidade dos conteúdos, a
resposta, o diálogo, a interlocução serão marcas permanentes. Isto
proporcionará os meios para superação dos limites da cultura de massa,
principalmente expressa pela cultura visual.

51
Assim sendo, esse Projeto pressupõe uma estruturação que atenta às
expectativas de uma demanda heterogênea, engajada ou não no mundo do
trabalho, cujo elo de ligação é o interesse em conhecer o pensamento de Paulo
Freire e interagir com suas idéias. Terá, além dos 80 programas-aula,
veiculados pela Televisão, em cada Terça-feira e Quinta-feira, às 6 horas e às
18 horas, com duração de 30 minutos, 80 horas de atividades presenciais.

As atividades à distância, via televisão, incluirão em sua dinâmica:


exposições; mesas redondas; vídeo-debates; entrevistas com pessoas que
conviveram com Paulo Freire e/ou participaram com ele de atividades
profissionais, são estudiosas de sua obra, ou adotaram sua pedagogia;
narrativas (entrevistas simuladas com Paulo Freire, com respostas retiradas de
seus livros ou trechos de entrevistas efetivamente gravadas em vídeos);
círculos de cultura; registro e exibição de experiências fundadas nas idéias de
Paulo Freire; atividades interativas, que incluirão o “ Trocando Idéias”:
atividade que permitirá ao aluno questionar os expositores, tirar dúvidas e
também fazer comentários. As questões/comentários chegarão ao professor via
fax, telefone, e-mail e correspondência encaminhada ao Centro Paulo Freire.
As questões poderão ser respondidas durante a aula e também durante o
programa de revisão.

As atividades presenciais serão constituídas por encontros mensais


de 8 horas de duração, de visitas as escolas ou núcleos de educação de jovens
e adultos e círculos de cultura; de seminários cujas atividades preparatórias
semi-presenciais poderão ser realizadas pelos grupos, sob a orientação do
professor.

O Projeto Vivendo e Aprendendo com Paulo Freire está organizado


em quatro módulos: a) Paulo Freire: uma vida a serviço da educação
(programa-aula 1 a 16); b) Dimensão Filosófica e Política do Pensamento de
Paulo Freire ( programa-aula 17 a 37); c) Dimensão Sócio-Político-
Pedagógica da Educação em Paulo Freire (programa-aula 38 a 73); d)
Influência das Idéias de Paulo Freire na Educação de Jovens e Adultos de
outros Países (programa-aula 74 a 80).

52
2.1 Material

Os textos referentes aos temas serão veiculados em encarte especial


nos jornais de maior circulação no Estado que adotar o Projeto, mediante a
aceleração de convênio entre o Centro Paulo Freire e a empresa e comporão o
“Caderno do Professor”.

2.2 Certificação

A certificação dos inscritos no Projeto Vivendo de


Aprendendo com Paulo Freire optava para o aluno e deverá ser
conferida atraveés da realização de tarefas específicas, dentre as quais
encontram-se a participação nos seminários, exigindo-se 90% de
presença nas atividades presenciais.

53
IX REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS:

FÁVERO, Osmar (org.). Educação Popular, Cultura Popular


Memórias dos anos 60. Rio de Janeiro: Fraal, 1983.

FREIRE, Paulo. Cartas a Cristina. Rio de Janeiro, Paz e Terra,


1994.

________.Professora Sim, Tia Não. 9ª Edição. São Paulo: Olho


d’Água. 1998.

________. Educação como prática da Liberdade. 23ª Edição. Rio


de Janeiro; Paz e Terra, 1999.

________. Pedagogia da Indignação: cartas pedagógicas e outros


escritos. São Paulo; UNESP, 2000.

GIROUX, Henry A. Os professores como intelectuais. Porto


Alegre: Artes Médicas, 1997.

GÓES, Moacir de. De pé no chão também se aprende a ler ( 1961 –


1964). Uma escola Democrática. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980.

ROSAS, Paulo da Silveira. O Movimento de Cultura Popular.


Comunicação apresentada na 32ª Reunião Anual da SBPC (mesa redonda
sobre Educação Popular, Nordeste, início dos anos 60). Rio de Janeiro, 1980.
In: Movimento de Cultura Popular – Memorial p. 19-36. Recife: Prefeitura da
Cidade do Recife,1986.

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