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O sentido duradouro da beleza


arquitetônica e o seu oposto

Jota Guedes

Nov 2, 2019 · 15 min read

Jota Guedes — 02.11.2019


Avenida Lafayette, St. Louis, Missouri
Os grandes gênios da arquitetura são raros. Além disso, as
obras de grande envergadura artística são de difícil
realização — por serem dispendiosas; por serem complexas
do ponto de vista técnico; por refletirem a sensibilidade
extrema de um grande artista.
Partindo da imagem dos gênios, imaginemos, agora,
o arquiteto-médio. Seu animo é particularmente orientado
pela máxima pedagógica niemeyeriana: arquitetura é
invenção. Entretanto, a verdade é que poucos arquitetos
possuem um talento especial para a atividade criativa: alguns
desenvolverão projetos medianos e muitos, acredito, serão
simplesmente ruins. Uma consequência inevitável é a
diminuição significativa da qualidade do espaço construído.
Não é difícil compreender, portanto, quais são as
implicações para as cidades: paisagens desoladoras, repleta
de tentativas frustradas de beleza, erigidas por uma miríade
obtusa de construtores e arquitetos que, quando não são
vítimas da ilusão de seu próprio gênio, iludem-se com a
visão romântica dos mestres.
Há alguns fatos trágicos da prática arquitetônica atual que
ilustram a falência estrutural deste paradigma pedagógico
que ao final nos conduzirá a uma digressão problemática: o
que a arquitetura clássica pode nos ensinar a respeito?
Sigamos a partir de exemplos ilustrativos.
Quando Francesco Perrota-Bosch pôs o gênio da raça sob
escrutínio, em um artigo sobre a trajetória profissional
fatídica do ilustríssimo arquiteto Oscar Niemeyer, nos
alertou para as possíveis armadilhas, muitas delas
inevitáveis, que se apresentam ao arquiteto quando o mesmo
é tomado pela embriaguez da auto-beatificação. O grande
discurso eloquente — não raramente cínico e pedante — e
auto-centrado do mestre, cioso por justificar sua magnífica
descoberta perante uma platéia de ignóbeis, somado às
críticas bajulatórias dos seus padrinhos culturais, cria essa
espécie de atmosfera propícia à “doutrinação” — mais pela
inércia de um dado conjunto de crenças que pela imposição
consciente de uma cartilha. O ambiente acadêmico está
saturado disso: uma espécie de autoritarismo estético
atenuado, discreto e , ao mesmo tempo, inconteste.
Lembro-me, como se fosse ontem, de um exercício de
modelagem plástica no primeiro ano da Faculdade de
Arquitetura da Universidade Federal da Bahia, quando fui
repreendido por uma tutora quando inseri um arremate em
um elemento estrutural que secamente pousava sobre uma
ampla superfície plana. Mal notara eu o pecado capital que
havia cometido. Estava manejando algo proibido: o
ornamento. Foi assim que fui pela primeira vez introduzido
ao “culto” e aos poucos compreendi o aspecto imoral da
minha conduta. Daí em diante, segui adaptando meus gestos
ao imperativo acadêmico circundante — o que parecia ser
algo tão natural quanto decorar a mesa de jantar para
estimados amigos tornou-se um estorvo estético. Por essa
razão, o artigo de Francesco Perrota-Bosch é um ponto-fora-
da-curva diante do que poderíamos chamar
de o establishment cultural. Ele não poupou Oscar.
Essa pressão inercial exercida pelo meio cultural
estabelecido ganha um verniz de curiosidade sociológica
quando se vai às anedotas de figuras publicamente
importantes. Nikos Salingaros nos conta o caso sobre uma
das obras emblemáticas do genial arquiteto americano Louis
Kahn, até então, desconhecida por mim e talvez por muitos:
Há uma história de que Kahn queria preencher a praça
central do Salk Institute com árvores, assim como o bosque
em frente ao Museu Kimbell, mas que Luis Barragán [!]
disse a ele para não fazê-lo. Em vez disso, Barragán o
aconselhou a usar apenas pedra simples — mantendo a
praça austera e vazia: “Não coloque uma folha, nem planta,
nem uma flor, nem sujeira. Absolutamente nada”. Barragán
estava certo, já que essa visão dramática do mar representa
a essência do que é o modernismo, e colocou o Salk Institute
no mapa arquitetônico. Eu teria preferido as árvores, no
entanto. Elas teriam proporcionado um lugar agradável
para os cientistas comerem um sanduíche.
No entanto, isso é nada comparado à exposição humana a
acidentes fatais. Quando o gênio indomável de Enric
Miralles foi retratado por Susan Bain em seu livro Holyrood.
The Inside Story, parte do problema ficou mais evidente para
mim. O livro é basicamente o relato jornalistico dos
bastidores da construção do Parlamento Escocês projetado
pelo arquiteto Catalão. Compreender a obra de Miralles é
constatar que o seu mérito é, em boa parte, devido à sua
equipe de engenharia e colaboradores, em diversos níveis.
Embora eu não conheça outro caso parecido — relacionado
a uma figura amplamente conhecida — suspeito que este
possa ser o mais curioso entre os exemplos que poderiam
revelar como os vôos estéticos de um arquiteto podem gerar
perigos e desconfiança generalizados — e uma boa quantia
de prejuízos financeiros. Susan nos conta que:
Com Enric Miralles selecionado como o principal designer
do novo parlamento, a Escócia finalmente teria um foco
para todas as frustrações que todo o processo de Holyrood
gerou até agora. Poucas horas depois da nomeação da
EMBT / RMJM, a reação contra ele havia começado. No dia
8 de julho, apenas dois dias depois da seleção do arquiteto,
a primeira história “anti-Miralles” séria foi publicada. O
designer Catalão seria elencado como “El Collapso”,
depois de ter sido noticiado que o teto de um estádio
esportivo que ele projetara no norte da Espanha havia
cedido. Um dia depois, foi confirmado que Miralles não
tinha realmente sido culpado. Empreiteiros da construção
eram os responsáveis, e relatos de um processo de vários
milhões de libras contra ele não eram verdadeiros.
Tempos depois, após a inauguração do parlamento, Auslan
Cramb, correspondente do Telegraph na Escócia, reportou o
que talvez pudesse ter deixado os críticos do paradigmático
arquiteto inconsolados:
Quando você paga mais de £ 430 milhões por um novo
prédio, o mínimo que você espera é um teto decente sobre
sua cabeça. Mas 18 meses depois de sua abertura, o
parlamento Escocês teve que ser evacuado ontem depois
que parte de seu teto ameaçou entrar em colapso. Uma
extremidade de uma viga de carvalho de 12 pés de
comprimento se soltou de seu plug de aço e ficou pendurada
acima dos bancos conservadores na câmara de debates. Ele
varreu um arco de cerca de 70 graus e chegou perto de
bater em uma tela de vidro. A área abaixo da viga foi
inicialmente evacuada e o debate continuou por mais 30
minutos antes de Murray Tosh, o vice-presidente, decidir
esvaziar a câmara. Os procedimentos foram então
suspensos durante o dia e os engenheiros estruturais foram
chamados.
Centro de Ginástica Rítmica do arquiteto Enric Miralles, na Rua Foguerer Jose
Ramón Gilabert, Alicante, Valência
Os vôos poéticos podem impulsionar a técnica e isso é bem-
vindo na arquitetura. Entretanto, ninguém razoável pode
negar o valor de uma edificação que faz transparecer nas
suas formas algum sentido de ordem, segurança, estabilidade
e durabilidade, por mais modesta que possa ser. Muito
menos sob os pretextos mitológicos de uma inconveniente e
pretensiosa avant-gard. Arquitetos engajados em suas rotinas
conceituais são especialistas em negar o óbvio, como o deixa
claro o arquiteto português Eduardo Souto Moura:
A reação da proprietária ante a primeira proposta que fiz do
projeto não foi a melhor […]. Queria uma casa de um piso
com cobertura inclinada, uma casa que não tivesse nada
que fosse diferente de uma casa tradicional portuguesa.
Respondi às sugestões do cliente explicando-lhe que hoje em
dia não tem muito sentido construir uma casa casa com
cobertura inclinada imitando a arquitetura popular. Assim
que tentei conjugar ambas ideias (a minha e a do cliente) e
[…] utilizei o desnível de 45 graus para dar a mesma
inclinação à casa; a cobertura inclinou-se
automaticamente.
Casa em Ponte de Lima do arquiteto Eduardo Souto Moura
Outro aspecto interessante é que ao confrontarmos um
edifício excêntrico (em geral não há nada que possa ser
realmente compreendido a não ser o fato de nos causar
espanto), invariavelmente, mil matizes de impressões
desconexas acabam tomando o comando. Voltando ao
arquiteto Enric Miralles, Susan Bain resumiu a sua
impressão sobre o mesmo como a de um sujeito “altamente
inteligente com um senso de humor travesso, […] exalava
enorme criatividade intelectual e tremenda ingenuidade.”
Porém, para alguns colegas próximos, ele era simplesmente
um “malandro”.
Não há dúvidas de que a arte de construir excentricidades
requer uma boa dose de sedução ou, por que não dizer,
malandragem intelectual. Susan relata que Miralles foi
repetidamente identificado como o mais avant-garde entre
os arquitetos da lista final, porém, ou por essa razão,
incompreensível aos olhos do público visitante da amostra
que antecedeu o resultado. Após escolhido o vencedor, ela
especula sobre as razões envolvidas:
[…] E como Joan O’Connor, membro do painel, explicou:
“Enric Miralles venceu a competição não apenas por suas
folhas na [ideia da] paisagem, mas ganhou porque disse
uma coisa a Donald Dewar. Ele disse: “Afinal de contas, o
parlamento é apenas uma maneira diferente de se sentar
juntos.’”E isso capturou minha imaginação. […] havia
outras razões para Miralles ter sido tão bem sucedido.
Altamente carismático, ele havia começado uma entrevista
reorganizando todos os assentos para demonstrar o impacto
que “sentar-se juntos” poderia ter. Foi uma compreensão
essencial do fórum político, onde a discussão seria
primordial. Seu design de ‘“arcos virados” lembrava o
Leith, o lugar favorito de Dewar.
Uma vertente da construção conhecida
como Deconstrutivista é essencialmente carregada
de pseudo-intelectualismo sedutor. Embora o arquiteto
desconstrutivista goze de prestígio elevado entre os pares, o
espectador com alguma formação intelectual séria ficaria
chocado ao ver até que ponto é possível elevar o
charlatanismo barato para justificar aberrações construídas.
Este é o caso de Bernard Tschumi. Nikos Salingaros, autor
de um ensaio devastador sobre o arquiteto, nos convida a
refletir a respeito:
A arquitetura como profissão se desconectou repetidamente
da sua base de conhecimento e de outras disciplinas, em um
esforço para permanecer eternamente “contemporânea” (as
muito propagadas conexões recentes à filosofia, à
linguística e à ciência, a despeito da decepção a que agora
estão expostas). Esta é, evidentemente, a característica
definidora de uma moda; o oposto de uma disciplina
adequada. Repetidamente, a arquitetura ignorou o
conhecimento derivado de edifícios e cidades e adotou
slogans e influências sem sentido.
A grande arquitetura, como eu havia mencionado, é de
difícil realização. Requer talento, dedicação ilimitada e o
domínio técnico necessário para tornar os vôos poéticos
possíveis. Tomemos novamente a obra de Louis Kahn como
exemplo. Alain Botton, em seu simpático ensaio A
Arquitetura da Felicidade, descreve como o arquiteto
alcançou a simplicidade e a elegância ao conciliar o concreto
aparente e os painéis de carvalho inglês. Algo que exige
sensibilidade e destreza técnica. Embora, em um certo nível,
o gesto conciso do desenho possa parecer fácil de realizar,
não o é na verdade. A economia do traço não significa
necessariamente a simplicidade da sua execução. Na
realidade, inúmeros exemplos demonstram que as marcas do
gênio criativo são muitas vezes forjadas sob circunstâncias
extremas, beirando o bizarro, como o relato do arquiteto e
ex-pugilista Tadao Ando:
[…] pouco a pouco acumulei controle da técnica, por meio
de erros e acertos, como no que diz respeito as
especificações dos moldes para um bom afastamento do
concreto após sua colocação, entre outros exemplos. […]
Logo após o início das atividades do escritório, nos dias da
concretagem, eu me juntava aos operários no canteiro e
colocava mãos à obra. Quando encontrava um deles
relaxando, eu o admoestava a ponto de ser capaz de até
socá-lo se preciso fosse, para que esse se empenhasse ao
máximo. O resultado do concreto depende da confiança das
relações entre o arquiteto e o pessoal do canteiro de obras,
da capacidade de se formar no construtor o orgulho por
construir algo.
Todo o esforço é dirigido para um objetivo intelectualmente
vago: alcançar “uma arquitetura nua, na qual tudo se
manifesta pela proporção dos espaços recortados das paredes
e pela luz nele embutida”. Se por um lado há avanços
técnicos importantes, por outro há custos. E aqui notamos
um aspecto indecente das vanguardas artísticas que já
havíamos mencionado: o custo humano. Como quando a
simples necessidade humana do corrimão é negada:
“Pandit Jawaharlal Nehru convidou Le Corbusier para a
Índia, com conseqüências infelizes para Chandigarh.
Madame Manorama Sarabhai encomendou uma casa
particular em Ahmedabad, mas expressou sérias
preocupações sobre a falta de um corrimão no terraço e nas
varandas. Aqui está a resposta de Le Corbusier, como
relatada à jornalista Taya Zinkin: ‘A boa mulher temia que,
quando seus filhos se casassem, suas crianças caíssem e se
matassem, como se eu me importasse. Como se eu, Le
Corbusier, me comprometesse com o desenho por causa de
seus pirralhos não nascidos!’ ”
Há dois casos emblemáticos que aludem ao que Tadao Ando
entende como a beleza “manifesta pelas proporções dos
espaços”. E aqui, um ponto importante: é um tanto falsa a
ideia de que o manejo das proporções na arquitetura afeta
significativamente a qualidade estética do espaço construído.
Devo essa afirmação a dois ensaios: A Aplicação da Razão
Dourada à Arquitetura, de Nikos Salingaros, e Alberti e a
Arte do Apropriado, de Roger Scruton. Há boas razões para
acreditar nisso, mas vou me deter ao essencial: a ideia
da progressão escalar. Isso significa dizer que a beleza
requer detalhes esteticamente engendrados e integrados em
uma hierarquia de escala onde a proporção é absorvida e
requalificada. Apesar da ausência de progressão escalar não
nos impedir de manejar a sensação de espaço — por meio
das extensões e das características da superfície — é
insuficiente para ascender à beleza (no sentido clássico e,
creio eu, mais intuitivo do termo). Isso pode ser constatado
por experimentos empíricos que revelam que as superfícies
planas e cegas repelem o olhar quando confrontadas com
elementos adjacentes dotados de níveis mais complexos de
detalhes.
Voltemos aos casos emblemáticos. Para ilustrar a insensatez
da ideia de que a proporção é uma variável estética
fundamental, elenquei o projeto do MUBE de Paulo Mendes
da Rocha e A Casa Wittgenstein projetada pelo próprio
filósofo. Remeto-me, ainda, à figura do engenheiro Mário
Franco para ilustrar as dificuldades técnicas de se realizar o
gesto conciso de um gênio.
Mário Franco foi responsável por desenvolver o projeto
estrutural que resultou, em suas próprias palavras, na “tal
pedra do Paulo” para o MUBE — se referindo à intenção
poética (“terrivelmente difícil” de realizar) de Paulo Mendes
da Rocha quando o mesmo propôs “colocar uma pedra no
céu”. Aqui ele resume sua jornada:
Dentro da ideia de se manterem as proporções iniciais que
eram 60 m de vão e aproximadamente 2 m de altura, foi
feito todo um paciente, realmente muito paciente, trabalho
de pesquisa de soluções. Eu comecei, evidentemente, com a
altura de 2 metros e uma estrutura extremamente esbelta,
muito delgada. Porém esta estrutura resultou
excessivamente flexível e [com] contenções de compressões
de concreto muito altas. Eu precisaria de um concreto mais
resistente.[…] Isso não seria impossível de se fazer mas já
estaria um pouco fora daquilo que eu pretendia em termos
de tecnologia dos materiais. Então, fiz uma segunda
tentativa de dimensionamento com 2 metros e meio de
altura. Essa solução deu uma cablagem protendida razoável
mas ficava aquela espinha de que eu tinha aumentado a
altura para 2,50. Contudo, o trabalho convergiu para uma
solução final que tem o caixão com 2 metros de altura e
aumentado em 20 cm porque nós precisávamos de duas abas
para arrematar a impermeabilização.
No caso de Wittgenstein, o capricho do gênio foi reduzido à
filigrana:
A Casa Wittgenstein, na antiquada e feia Kundmanngasse,
em Viena, era um pedaço cúbico austero, desprovido de
qualquer decoração externa. Nisso, a casa que o filósofo
projetou era fiel aos princípios arquitetônicos do amigo
íntimo de Wittgenstein, Adolf Loos, que certa vez escreveu
um artigo chamado Ornamento e Crime, no qual
argumentava que a supressão da decoração era necessária
para regular a paixão. […] Quando a casa estava quase
completa, ele insistiu que um teto fosse elevado em 30 mm
para que as proporções que ele queria (3: 1, 3: 2, 2: 1)
fossem perfeitamente executadas. “Diga-me”, perguntou um
serralheiro, “um milímetro aqui ou ali realmente importa
para você?” “Sim!”, rugiu Wittgenstein.
Nos dois casos a ideia da proporção como fundamento
primordial da beleza arquitetônica pode ser facilmente
demolida por meio de um experimento simples que
detalharei em outra ocasião — posso demostrar como os
ornamentos criam coesão e harmonia, independentemente
das proporções.
Porém, onde quero chegar? A questão elementar é: os gestos
dos grandes arquitetos são de difícil mímese. A degradação
envolvida na tentativa de reproduzir os gênios é inevitável.
O resultado inexorável é o clichê. E a repetição de clichês é
um componente substancial da decadência do ambiente
construído atual. Nós, arquitetos, sabemos que compreender
a obra do arquiteto Lelé é fundamental. Porém, ao
compreendermos o seu legado deduzimos a extrema
dificuldade de reproduzi-lo; de estabelecer uma
continuidade. A sua obra é uma das mais idiossincráticas que
conhecemos, e por esta razão, intrinsecamente falível. Não
apenas a qualidade plástica nos surpreende. Paradigmático
também é o sistema produtivo desenvolvido que ele
alcançou e dominou. E da mesma forma, a capacidade de
restabelecer, a seu modo, um diálogo com uma longa
tradição, mesclando várias influências modernas.
Um clichê na Av. Nove de Julho, Atibaia
Qual seria o segredo para driblar tão inevitável desastre?
Creio que ele pode ser encontrado e redimensionado sob a
luz das virtudes inerentes ao vernáculo clássico. A partir
daqui, e a guisa de conclusão, tomo como necessário um
comentário mais denso, porém sucinto, sobre o aspecto
público da arquitetura e sobre o projeto modernista. Baseio
todo o raciocínio em apontamentos feitos por Roger Scruton.
Como delineia o filósofo conservador inglês, o caráter
público da arquitetura é um dos seus aspectos mais
importantes. É aquele que resplandece quando a arquitetura
é comparada a outras formas de arte. A entropia resultante do
desenvolvimento do gênio artístico individual — a explosão
das sensibilidades estéticas idiossincráticas que torna o
espaço público uma grande armazém de egos em disputa por
atenção — constitui um problema estrutural da nossa época.
A cada aposta em um sistema de novas formas, mais caótica
torna-se a percepção do tecido figurativo urbano. É neste
sentido que o papel público da arquitetura impõe-se. O
grosso das pessoas está alheio às operações de mudança de
gosto desenvolvidas em pequenos círculos intelectuais de
caráter elitista e exclusivista — como é possível observar
nos desenvolvimentos da cultura da moda, das artes
plásticas, música, etc. Scruton argumenta que os traços
expressivos da arquitetura só são significativos quando a sua
abordagem privativa é, de algum modo, suspensa. Assim,
encontramos ressonância com ideia da impessoalidade do
vernáculo clássico — de sua maneira especial de nos
sensibilizar como se expressasse tempos remotos de
cordialidade pública.
Os arquitetos modernos, individualistas nos seus objetivos
expressivos — e por assim dizer, autoconscientes de suas
subjetividades — tencionam um público particular e restrito,
munindo-o com aparato intelectual próprio que lhes permite
inteligir as extravagâncias construídas e alcançar seu
significado particular. E é neste sentido que
a tradição tornou-se opaca para o modernista
revolucionário, e assim foi banida do meio acadêmico.
Como Scruton faz notar, expressão e tradição são aspectos
incontornáveis da estratégia modernista, na medida em que
entende-se que a tradição clássica torna-se impermeável a
consciência moderna, imobilizando o artista cioso de
expressar sentimentos íntimos. No entanto, a “consciência
moderna” não deveria ser encarada como um conceito
impermeável ao projeto em favor da tradição (como
apontado por T.S. Eliot, em seu ensaio Tradition and
individual talent). O fundamental é entender a tradição não
como um dado objetivo acessível a todos, herdado por sua
própria inércia, mas como um ideal a
ser redescoberto e conquistado pela imaginação e, portanto,
algo distinto da noção de que o estilo clássico haveria de ser
solapado por um Zeitgeist dominante.
Para Scruton, o projeto modernista não diz respeito a uma
mudança de gosto inerente à época, mas uma batalha travada
pela conquista e formação de um público que legitimasse a
sua existência. O êxito do artista moderno dependia de sua
capacidade de forjar um público que desse sentido a sua
própria noção de modernidade. Conforme argumenta
Scruton, trata-se de um projeto inviável em seus termos mais
particulares e em sua abrangência, porém, cuja própria
tentativa de formação de um público foi um dos pré-
requisitos do seu êxito eventual.
O que é importante considerar é: a arquitetura impõe-se pela
própria condição do espaço que ocupa — o espaço público.
Este espaço é acessível a todos e determina um significado
político. Nesta esfera os objetivos coletivos devem se
sobrepor aos caprichos individuais do arquiteto e dissuadi-lo
de refugiar-se na “subjetividade cúmplice” da sua tribo. O
espaço público nos inspira quando o seu carácter de
conciliação é revelado. O arquiteto então deve, ou ao menos
deveria, ocupar-se da responsabilidade com o passado “sem
ironias”, afastando a imposição de “um legado a possuir por
ato de auto-consciência” da vontade de uma época em
especial, e tatear imaginativamente o que poderíamos
chamar de “a busca pelo senso-estético-comum”, que pode
fazer reflorescer em sua prática a grande virtude embutida
no vernáculo clássico, como a defende magistralmente
Roger Scruton em uma série de ensaios reunidos no
volume The Classical Vernacular: Architectural Principles
in an Age of Nihilism e em seu livro A Estética da
Arquitetura. Por todas as razões expostas, recomendo aos
meus colegas revisitarem a arquitetura clássica o quanto
puderem. Sem ironias. Sem ressentimentos. Ademais, creio
que é no manejo do vocabulário clássico que reside o sentido
mais elevado e duradouro da beleza arquitetônica.

• Arquitetura

• Beleza

• Estética

• Roger Scruton

WRITTEN BY

Jota Guedes
Arquiteto.

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daniel paz <danielmelladopaz@gmail.com> seg., 20 de mai. 19:33

para eu

Rapaz!

Bem bacana!

Posso comentar coisas, a modo de conversa?

"Grandes gênios da arquitetura são raros. Além do mais, as obras de grande


repercussão - as divisoras-de-águas - por assim dizer, são, em grande parte,
de difícil realização - por serem dispendiosas; por serem complexas do ponto
de vista técnico; por refletirem a sensibilidade extrema de um gênio. "

O problema está no conceito de "gênio": em Artes e na Arquitetura.


No Renascimento, a aspiração era a da Pintura, Arquitetura, etc, ao estatuto
da Poesia e, pasmem, da Filosofia.
Após o Romantismo, o Gênio era uma exuberância vital, criativo, um conduíte
direto para a fonte de toda a vida no Universo, o Absoluto (isto é, Deus). (Uma
variante é a idéia de Povo ou Raça, do Volk, que deu a idéia do "gênio da
Raça", do sujeito que realiza e expressa o caráter particular de um povo).
Agora, em Pintura, o gênio não reinventa a moldura, a tela e as tintas. Em
Arquitetura, sim. Esse contínuo reinventar de aspectos menores - a janela, a
porta,  a maçaneta, a cobertura, a fundação, a parede e seu tijolo - levam a
parte do que você detectou/ mencionou.

"Tenho esse referencial em mente, imaginemos agora o arquiteto-médio. Seu


animo é todo orientado pela máxima pedagógica niemeyriana: arquitertura é
invenção. "

Mesmo que todos fossem grandes inventores, o tecido figurativo das cidades
seria um terror. Esse é um problema crônico na idéia de invenção - do lote
para dentro, e do "chamar a atenção".

"No entanto, isso é pouco quando o que está em jogo é a integridade física
dos usuários de um edifício."
Esse é um ponto.

Sobre os problemas estruturais, esse é outro ponto.


A vontade de forma, o desejo de uma expressão artística única, leva a
ensaios técnicos.
Ele avança a tecnologia.
Mas por um processo, natural, de tentativa e erro... E o erro é o colapso, as
falhas, os problemas de manutenção, infiltrações, etc;.
Foram décadas de desejo ardente e irracional por edifícios envidraçados que
aprimorou sua técnica - do vidro, manutenção, fixação, estrutura...
Foram décadas de vontade por tetos planos e terraços-jardins que levaram
ao seu aperfeiçoamento.
E agora eu tenho de ver legiões de imbecis propondo um teto-verde para
Notre-Dame, como última realização... ai-meu-Deus...

O "pseudointelectualismo" dos Desconstrutivistas é uma variante de algo


mais geral: o artista precisa transmitir a autoridade que possui para suas
ousadias.
Nos anos 20, a vanguarda artística se travestia de cientistas e técnicos, e
falavam, com a maior desenvoltura, dos seus avanços científicos... Corbusier
fazia isso, o povo da Bauhaus também, etc... (Sim, houve descobertas no
processo.)
Tanto se confundiu que foram tomados como "engenheiros"... foi Reyner
Banham quem mostrou que, não, essas pessoas não vinham de nenhuma
área técnica, e sim das vanguardas artísticas.

"E sobre a necessidade da teoria"


Aqui acho que há uma percepção e um equívoco do sujeito...
Teoria é contemplação, é reflexão.
Teoria em Ciência é a descrição de um fenômeno externo ao homem, por
assim dizer...
Sobre seu caráter preditivo, nem sempre é assim.
Somente aquelas que versam sobre fenômenos repetitivos: a História não é
preditiva. Nenhuma ciência retrospectiva (como a Paleontologia) é preditiva
quanto ao futuro, no maximo quanto a resultados de pesquisas,... sobre o
passado.

Porém uma parte considerável das reflexões humanas são teoréticas, mas
não versam sobre algo redutível ao modelo abaixo. Como toda reflexão sobre
a condição humana. E muito menos as deontológicas, isto é, as que lidam
com o que deve ser feito por seres humanos. As teorias artísticas mesclam,
portanto, caráter descritivo com o prescritivo. E desde que surgiram.

O caso de Tadao é interessante porque aponta uma das conseqüências da


contínua mudança técnica pela mera mudança.
Toda manufatura exige, de fato, um conhecimento refinado, minucioso, de
coisas mínimas e não transmissíveis por manuais.
Porém, na medida em que o arquiteto se propõe a reinventar tudo, tem que
aprender o que ninguém antes sabia.
"Em outra palavras, a beleza requer detalhes esteticamente engendrados e
integrados dentro de uma hierarquia de escala onde a proporção é absorvida.
No entanto, a ausência de progressão escalar não nos impede de manejar
a sensação de espaço através das extensões e da qualidade das superfícies,
mas não nos permite a beleza no sentido clássico e, acredito, mais palpável.
Além do mais, há experimentos empíricos que revelam que as superfícies
cegas repelem o olhar quando confrontadas com objetos adjacentes dotados
níveis mais complexos de detalhes."

Sobre a progressão escalar, há algo que notei tem tempo. O "bom" arquiteto
modernista também faz decoração. Mas sua decoração são os detalhes
arquitetônicos e texturas. Eles "satisfazem" a essa demanda, a esse regalo do
olhar. Claro, de um olhar educado, que vai se encantar com a simplicidade, e
a beleza poética, do seixo rolado como revestimento das calhas do SESC
Pompéia...
Oscar, nesse aspecto, elimina a escala mais imediata, mais próxima ao
observador, em uma série de obras suas.

O caso do MUBE é interessante porque aponta algo que eu vivo dizendo aos
alunos: a simplicidade de representar não é o mesmo que a simplicidade de
construir... muitas vezes é o inverso. O "megálito" do MUBE foi dificílimo de
fazer. Um trançado é dificílimo de desenhar...

O deslocamento do arquiteto para a representação cria esses enganos, esse


véu...

Creio que foi Richard Sennett, em obra onde fala bastante sobre o
conhecimento empírico, quase manual, a metis dos gregos, quem comentou
isso sobre Wittgenstein... que sua exigência não era só atributo do gênio - e
do homem rico, que bancava sua obra -, mas sim do sujeito que nunca
projetara na vida. Contrasta com Adolf Loos que, conhecendo os macetes do
ofício, "corrigia" visualmente alturas com os revestimentos, frisos, etc.

O interessante da idiossincrasia de Lelé é que sua obra é um diálogo


com toda a tradição moderna: Corbusier, Niemeyer, Mies van der Rohe, Alvar
Aalto, Marcel Breuer, Jean Prouvé... ele sintetiza tudo isso. Mesmo seu
sistema construtivo - particular - é uma reinterpretação de temas modernos e
da experiência, você sabe, do Leste Europeu.
Ou seja, em alguma medida, ele é tradicional... como seria um escritor do Alto
Modernismo, influenciado por Joyce, Vargas Llosa, Faulkner, etc... Não é a
tradição do vernáculo, mas do sofisticado.

Mas fico por aqui, meu velho

Bom texto! Muito bom texto.

Abração

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