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A destruição e utilização irracional da Mata Atlântica começou em 1500 com a chegada dos
europeus. Nestes 500 anos a relação dos colonizadores e seus sucessores, com a floresta e seus
recursos, foi a mais predatória possível. No entanto, foi no século XX que o desmatamento e a
exploração madeireira atingiram níveis alarmantes. Das florestas primárias só foi valorizada a
madeira, mesmo assim apenas de algumas poucas espécies. Nenhum valor era atribuído aos
produtos não madeireiros e os serviços ambientais das florestas eram ignorados ou desconhecidos.
Todos os principais ciclos econômicos desde a exploração do paubrasil, a mineração do ouro e
diamantes, a criação de gado, as plantações de canadeaçúcar e café, a industrialização, a
exportação de madeira e, mais recentemente, o plantio de soja e fumo, foram, passoapasso,
desalojando a Mata Atlântica.
Historicamente, os setores agropecuário, madeireiro, siderúrgico e imobiliário pouco se
preocuparam com o futuro das florestas ou com a conservação da biodiversidade. Pelo contrário,
sempre agiram objetivando o maior lucro no menor tempo possível. O mais grave é que esta falta de
compromisso com a conservação e, muitas vezes, até o estímulo ao desmatamento, partiram dos
governos.
Em 1850 o Estado de São Paulo tinha 80% de seu território coberto por Mata Atlântica, os outros
20% eram cerrado e outros ecossistemas. Com a expansão da cultura do café e a industrialização,
apenas 100 anos depois, em 1950, restavam somente 18%, mas isso preocupava pouca gente pois a
"fumaça das fábricas era vista e apreciada como paisagem do progresso" (ROCHA & COSTA,
1998).
Segundo Newton Carneiro em "Um Precursor da Justiça Social David Carneiro e a Economia
Paranaense", em 1873 a Companhia Florestal Paranaense, com o objetivo de fazer propaganda e
atrair os importadores europeus, chegou a cortar em pedaços, uma araucária de 33 metros de altura,
transportandoa de navio para a Europa, onde foi novamente montada em pé, na Exposição
Internacional de Viena (KOCH, CORREA, 2002).
Um exemplo da forma como o desmatamento era estimulado pode ser encontrado em Relíquias
Bibliográficas Florestais (ENCINAS, 2001), que transcreve uma exposição de motivos feita em 1917
pela Comissão da Sociedade Nacional de Agricultura para o Ministro da Agricultura, Indústria e
Comércio. A Comissão solicitava ao Governo Federal e aos governadores dos Estados que fizessem
ampla campanha estimulando o corte de nossas florestas para exportação ao mercado Europeu
depois que terminasse a 1a Guerra Mundial.
No documento intitulado "O Córte das Mattas e a Exportação das madeiras brasileiras", podese
encontrar o seguinte parágrafo:... "Seria um acto revelador de intelligente previsão e muito
remunerador aproveitarmos o prazo que nos separa da data em que se celebrará a paz, para darmos a
maxima actividade á industria extrativista das madeiras, formando por toda a parte, na proximidade
dos nossos portos de embarque, avultados stocks de madeiras seccas e limpas que serão procuradas
com empenho e promptamente expedidas por bom preço, para o exterior, quando a guerra cessar".
...por meio de reiteradas publicações feitas na imprensa diaria de todos os municípios, e por outras
medidas adequadas, estenderia a patriotica propaganda para todo o pais...".
Já no final da década de 1920, podiase ver o resultado perverso das políticas florestais equivocadas
da época. Uma descrição da irracionalidade praticada contra a Mata Atlântica pode ser encontrada
num livro escrito em 1930 por F. C. Hoehne. Ao liderar uma expedição, na qualidade de assistente
chefe da seção de botânica e agronomia do Instituto Biológico de Defesa Agrícola e Animal do
Estado de São Paulo, Hoehne percorreu de trem a região das matas onde ocorria a araucária, nos
Estados do Paraná e Santa Catarina, passando pelas regiões de Curitiba, Ponta Grossa, Rio Negro,
Mafra, São Francisco do Sul, Porto União, além de outras cidades menores, chegando a Joinville.
Registrou em detalhes a beleza da paisagem, a diversidade da flora, a presença humana e a
destruição promovida pela exploração madeireira irracional e pela expansão de pastagens e
agricultura sem nenhum cuidado com o meio ambiente. Em Três Barras, a caminho de Porto União,
Hoehne descreveu com intensa revolta a enorme degradação promovida pela empresa South
Brazilian Lumber and Colonisation Comp. Ltda., que , em troca da construção de trechos da estrada
de ferro São PauloRio Grande, recebera a concessão para explorar milhares de hectares de florestas
ricas em araucárias e imbuias, numa extensão de 15 km em cada lado da ferrovia.
Hoehne escreveu: "...Alguem disse que o nosso caipira é semeador de taperas, fabricante de
desertos e um inimigo das mattas. ...Assim procederam e continuam agindo os vanguardas da nossa
civilização, que denominamos pioneiros e desbravadores do sertão. ...Urge que os governos
opponham um dique à onda devastadora de madeiras, que ameaça transformar nossa terra em um
deserto."
Segundo DEAN (1996), numa conferência em Minas Gerais, realizada em 1924, um orador disse:
"Entre nós é nulo o amor por nossas florestas, nula a compreensão das infelizes conseqüências que
derivam de seu empobrecimento e do horror que resultaria de sua completa destruição. Fortalecer o
sentimento (de conservação) é uma medida de necessidade urgente".
Para entender melhor o processo de destruição da Mata Atlântica, vejamos alguns dados de um
estudo feito no Estado do Paraná na década de 1960. Em 1963 foi realizado o "Inventário do
Pinheiro no Paraná" pela Comissão de Estudos dos Recursos Naturais Renováveis do Estado do
Paraná (CERENA), em colaboração com a Escola de Florestas da Universidade Federal do Paraná,
Escola de Agronomia e Veterinária da Universidade Federal do Paraná, Departamento de Geografia,
Terras e Colonização e FAO (Nações Unidas).
Eis alguns números e conclusões do estudo: em 1963 a área total de florestas no Paraná era de cerca
de 6.500.000 ha (em 1995 restavam somente 1.730.500 ha de florestas primárias e secundárias,
segundo o Atlas dos Remanescentes Florestais no Domínio da Mata Atlântica SOS,INPE, ISA);
naquele mesmo ano, a área total com remanescentes de araucária era estimada em 1.500.000 ha. O
estudo estimou em 45.000.000 m3, o estoque total de madeira de Araucária no Estado do Paraná
naquele ano. Concluiu que, a continuar o corte anual de 3.000.000 m3, a reserva de madeira estaria
liquidada em 15 anos a contar do ano de 1963.
..."De acordo com o que ficou demonstrado, o desenvolvimento anual das matas remanescentes é
muito mais baixo do que o corte processado pela indústria madeireira no mesmo período de tempo.
Em razão desse desequilíbrio, uma crise se delineia em futuro muito próximo". ..."A atual indústria
madeireira está na realidade baseada num corte anual de cerca de 10 vezes o incremento anual total
de madeira, que é de apenas 460.000 m3."
Também ficou demonstrado que, além da Floresta Ombrófila Mista, que vinha sendo dizimada
pelos madeireiros, as florestas estacionais e densas também vinham sofrendo uma intensa
destruição: ..."Pode ser feita uma avaliação da área florestal anualmente destruída no Estado do
Paraná, principalmente pelos fazendeiros, baseandose em fotografias aéreas de 1963 e 1953. Os
cálculos revelaram que anualmente são destruídos cerca de 250.000 ha de florestas tropicais." Área
equivalente a 2.500 km2/ano de florestas destruídas.
Em 1965, segundo o Instituto Nacional do Pinho, havia no Paraná: 1.395 serrarias de produção para
exportação e consumo local do pinho; 278 fábricas de laminados e compensados, 926 fábricas de
pinho beneficiado, caixas, cabos de vassouras, artefatos de lâminas; 256 fábricas de móveis; 188
exportadores de madeira; 932 comerciantes de madeira e; 94 fábricas de celulose, papel e pasta
mecânica.
Estes dados mostram claramente que há 40 anos já se sabia que a Mata Atlântica vinha sendo
destruída numa velocidade muito maior do que a sua capacidade de autoregeneração. O Estudo fez
sugestões de medidas que deveriam ter sido tomadas naquela época:, ..."A aplicação do Código
Florestal (art.16) é uma fórmula justa a ser considerada pelos poderes estaduais". ..."Um dos
primeiros passos a dar em direção à recuperação florestal do Estado é estabelecer reservas
florestais, a fim de manter a cobertura florestal permanente e prover o suprimento necessário de
madeira e matéria prima para a indústria de papel e as demais de transformação."...
Para o Paraná isto significa manter reservas de cerca de 3 a 4 milhões de hectares".
Como nenhuma das medidas sugeridas foi levada a sério, os números de serrarias e empregos foram
diminuindo juntamente com a floresta. Isso mostra que houve não apenas uma insustentabilidade
ambiental na exploração da floresta, mas também uma completa insustentabilidade econômica e
social nessa exploração. Segundo estudo da Fundação de Pesquisas Florestais do Paraná (FUPEF,
2001), restam hoje no Paraná apenas 0,8% (66.000 ha) de remanescentes de floresta com araucária
em estágio avançado de regeneração. Ambientes intocados são praticamente inexistentes.
DEAN (1996), no livro "A Ferro e fogo", faz um dos relatos mais impressionantes do processo de
destruição da Mata Atlântica. As políticas governamentais brasileiras tinham como imperativo o
"desenvolvimento econômico" e já na primeira metade do século XX havia se dado o cerco final da
Mata Atlântica. "A idéia de desenvolvimento econômico penetrava a consciência da cidadania,
justificando cada ato de governo, e até de ditadura, e de extinção da natureza"(DEAN, 1996).
Durante a primeira Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento,
realizada em Estocolmo (Suécia) em 1972, os representantes do governo brasileiro deram ao mundo
um dos mais deploráveis exemplos de desconsideração para com o meio ambiente, de todos os
tempos, ao declararem "que venha a poluição, desde que as fábricas venham com ela".
Não só os governantes desde a época dos portugueses, mas a maioria dos brasileiros também
sempre foram indiferentes à destruição da Mata Atlântica, cabendo aos cientistas e algumas figuras
públicas a defesa de teses conservacionistas, pelo menos até a década de 1970. ROCHA & COSTA
(1998), nos dão uma idéia dessa indiferença: "O homem estava de costas para as florestas e
desprezava o conhecimento indígena sobre ela, ainda que tivesse adotado a maioria de suas plantas
alimentícias, como a mandioca e o milho, e a imensidão de frutas que até hoje são fonte de vitamina
e alegria para todos os brasileiros".
A política do crescimento a qualquer custo adotada pelo Brasil após a Segunda Guerra Mundial teve
no pólo industrial de Cubatão, no litoral de São Paulo, o seu principal ícone. Os resultados
catastróficos da poluição e da alta concentração de gases na atmosfera lançados pelas indústrias,
começaram a aparecer na década de 1970, com a população da região sofrendo problemas
respiratórios e até o nascimento de bebês com má formação. Além disso, a chuva ácida
desestabilizou todo o ecossistema da Mata Atlântica nas encostas da Serra do Mar. Em fevereiro de
1985 fortes chuvas provocaram enormes deslizamentos nas encostas, causando diversas mortes em
bairros como a Vila Parisi e também atingindo e levando prejuízos econômicos a diversas
indústrias.
Fonte: www.apremavi.com.br