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Curso de Psicologia
RIBEIRÃO PRETO – SP
2008
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RIBEIRÃO PRETO – SP
2008
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RESUMO
O sujeito que tem uma moradia e utiliza a rua somente como um meio de chegar a
outros lugares, para ir ao trabalho ou para passeio, não é capaz de enxergar a dimensão que
este mundo particular constitui. É uma estrutura à margem da sociedade com seu próprio
sistema e complexidade e, quem nela reside, utiliza-a como espaço para a sobrevivência
(moradia e alimentação) e formação de vínculos (necessidade de filiação). Agressão e rejeição
são integrantes naturais do cotidiano desses moradores de rua, que também constitui um fator
de grande influência para essas pessoas deixarem suas casas, principalmente os conflitos
familiares. Esses indivíduos são marginalizados, ignorados, muitas vezes se entregam às
bebidas e drogas como uma forma de buscar alívio às dificuldades. Lutam pela sobrevivência
diariamente e pelo seu território em meio a esse “ecossistema”. Esta pesquisa teve como
objetivo observar e analisar a vivência de pessoas que vivem ou viveram na rua para
compreender seus sentimentos, expectativas pessoais e suas vivências. Para uma maior
compreensão deste mundo em questão foi feita uma pesquisa qualitativa, com entrevistas
gravadas em MP3, seguindo um roteiro semi-estruturado, onde foram entrevistados quatro
sujeitos pertencentes a ambos os sexos, independente de faixa etária, com intuito de assim
poder contribuir na criação de medidas preventivas, intervencionais e de inserção social,
através de serviços de apoio médico, psicológico, educacional, assistência social, entre outros.
SUMÁRIO
5) METODOLOGIA...........................................................................................................18
5.1) Participantes ..................................................................................................................18
5.2) Local..............................................................................................................................18
5.3) Instrumentos ..................................................................................................................19
5.4) Procedimento.................................................................................................................19
5.5) Análise dos Dados.........................................................................................................19
1) INTRODUÇÃO
desta perspectiva. O sexto eixo trata de Sentimento, sobre o que eles sentem diante desta
situação, as alegrias e frustrações, e se possuem relacionamentos afetivos. O sétimo, e último
eixo aborda as Expectativas Pessoais desses indivíduos, o que esperam e desejam do futuro,
deles mesmo, dos outros e da vida.
Somos discentes da quarta etapa do curso de graduação em Psicologia da Universidade
de Ribeirão Preto (UNAERP) e esperamos através desse trabalho poder iniciar uma trajetória
rumo a criar oportunidades de melhorias na vida desses milhares de cidadãos, que há anos
estão cada vez mais marginalizados pela sociedade e se encontram em situação lastimável
com a vida que levam na rua.
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2) REVISÃO DE LITERATURA
Interpreta-se Ribeiro (1998) em suas colocações que a rua em seu contexto tornou-se
um espaço cada vez mais atrativo, representando diferentes formas de apropriação dos
espaços e cenários da cidade, aparentemente inatingíveis na vida cotidiana e estruturada nas
periferias, possibilitando um senso de liberdade, independência e autonomia, contrapondo-se
de uma forma imaginária, ao cotidiano de escassez e violências de bairros periféricos e das
instituições para eles ofertadas. Malfitano e Ferreira (2006) expõem a mesma idéia no sentido
que as pessoas que nela vivem, ou sobrevivem, constituem um "ecossistema", uma estrutura à
margem da sociedade.
Tanto Ribeiro (1998) quanto Malfitano e Ferreira (2006) pontuam a idéia que a rua dá
a impressão de que tudo é acessível, mas "de ilusão também se vive". A partir de uma
vivência na rua começa-se assim a perceber uma rua onde existe o preconceito social, a
indiferença, e a violência física. Assim caracterizando-se como uma rua de violência,
abandono e não respeito aos direitos ou privação de direitos.
Menezes e Brasil (2008) caracterizaram a rua como um meio de vida, um espaço de
sobrevivência e de formação de vínculos. Possuindo em cada espaço da rua uma função
diferenciada, que são apropriados através do uso que se faz dele, sendo a sua relação com
estes marcada por uma exploração utilitária, ou seja, a rua é um espaço para a sobrevivência.
Caracterizando-se como espaços transitórios e não-permanentes, onde um pedaço de papelão
pode marcar um espaço privado apropriando-se simbolicamente de um território, fazendo
assim com que a rua deixe de ser um lugar qualquer, significando uma propriedade
conquistada, ou seja, transforma-se de um espaço público para um espaço privado de
constituição psíquica e social, pela força da sobrevivência.
A elaboração de estratégias, em condições de vivência de rua, basicamente é utilizada
para a adaptação e sobrevivência, não se restringindo ao aspecto material, ou às necessidades
a serem satisfeitas, mas principalmente na sobrevivência que implica numa sustentação da sua
capacidade de estar na rua, ou o mínimo de asseguramento de existência pessoal que a
permita viver nas condições geralmente "violentas" que a rua impõe, cujas idéias de agressão
e rejeição são integrantes naturais do cotidiano. Com isso, a rua começa a funcionar como
uma cultura particular, a partir das expressões de linguagem utilizadas entre seus membros,
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como também a construção de “regras” com base na sobrevivência, instruindo assim uma
organização e identidade grupal particular da rua. (MENEZES E BRASIL, 2008)
A rua produz um ritmo particular e relativo pela vivência do tempo e espaço próprio à
margem do convencional. Tanto o futuro como o passado, em relação aos fatos vividos e aos
sonhos aspirados, estão em função de fatos ocorridos em seu cotidiano. (RIBEIRO, 1998)
Para Hutz e Koller(1997), um dos aspectos fundamentais ao desenvolvimento social
em vivência de rua relaciona-se com o senso de pertinência e identidade social, sendo que a
realidade em que seus membros estão expostos denuncia sua exclusão e marginalidade,
através da violência, privação dos direitos, desigualdade social, a saúde, a educação e ao
trabalho.
Assim, a vivência na rua, para Peres (2002), traz para o indivíduo sentimentos de
constante incerteza, decorrente do isolamento e da precariedade dessa condição, instalando o
provisório como modo de existência. Os vínculos estabelecidos são superficiais e provisórios,
essa ausência de vínculos com a rede social, e a dominação da desconfiança e insegurança no
mundo da rua, fazem com que se gerem indivíduos altamente individualizados e com isso não
conseguem se inserir efetivamente em espécie alguma de coletividade.
A rua tem um cotidiano que se retrata a partir do uso de bebidas alcoólicas ou/e
drogas, migração e eventuais trabalhos. A subsistência é árdua e imprevisível, obtida através
de trabalhos esporádicos e/ou mendicância. O uso da bebida alcoólica representa uma grande
possibilidade de alívio dos anseios e estresses da vida de rua, baseando-se na idéia equivocada
de que a intoxicação etílica é capaz de trazer uma satisfação plena e absoluta. (PERES, 2001)
A rua por si só é um espaço, no qual se criou uma cultura diferencial e individualizada
em que as “regras” se baseiam na lei da sobrevivência. Com isso, os seus membros criaram
estratégias para não só a sobrevivência material, mas também a capacidade de se manter vivo,
tendo como causa principal de fuga a rua, o conflito com os familiares. Para Peres (2002),
essa vivência faz que os membros gerem em si insegurança, insatisfação, instabilidade,
conflitos sexuais, sentimentos de inadequação corporal e tendência ao isolamento e
retraimento nos contatos sociais, como também a falta de vínculos e sentimento de
desamparo, apresentando maiores tendências à depressão e ansiedade.
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A “opção” ou “decisão”, para se buscar a vivência na rua, chega após longo processo,
na opção por deixar de vivenciar diversos tipos de violência e pobreza e por buscar novas
alternativas de vida na rua (MALFITANO E FERREIRA, 2006). Essa opção de vida pode ser
dividida em: causas da população infantil, que para Ribeiro (1998) tem como suas razões da
fuga de casa pela vitimização por maus-tratos dos familiares (conflitos familiares), ou pela
necessidade de suprir carências decorrentes de sua condição socioeconômica.
Já Peres (2001) enfatiza que a população adulta caracteriza suas razões em dois
planos: psicológico (morte dos pais, conflitos familiares diversos e infidelidade conjugal) e
socioeconômico (desemprego e pauperização). Mas percebe-se que a causa principal de
ambas as populações são os conflitos familiares.
A busca de identidade dentro dos limites marginais da sociedade pode também estar se
revelando na necessidade de ora se misturar e ora se distinguir, nos diferentes circuitos
liminares que se entrecruzam na rua, por exemplo: da pobreza, das relações familiares, da
delinqüência, da violência e do trabalho desqualificado, ou mesmo procurar negar ou
distanciar-se deste contexto quando se tem, por necessidade, de utilizar os equipamentos
voltados a esta população. (VARANDA E ADORNO, 2004)
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PAUGAM, S. O enfraquecimento e a ruptura dos vínculos sociais. In: SAWAIA, B. (Org.). As artimanhas da
exclusão: análise psicossocial e ética da desigualdade social. São Paulo: Vozes, 1999.
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A exclusão social pode então ser definida como não ter nenhum lugar social, uma
sobrevivência limitada, singular e diária. Sem lugar social a conseqüência é a “invisibilidade
social”, o abandono cada vez maior das responsabilidades sociais sobre esses indivíduos. O
Estado não os vê e os membros da sociedade os trancam para fora de suas casas com alarmes
e câmeras, como se fossem selvagens e não fizessem parte sequer de uma relação humana de
sentimentos, desejos e futuro.
A população de rua tem simbolicamente para a sociedade o significado de lixo,
despojos (de gente), inúteis, desnecessários, uma população excedente. Excedente no sentido
de que sua existência não encontra nenhum lugar de pertencimento social. É o limite da
desvinculação, em vida, só ultrapassado na morte. (GOMEZ, 2002)
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3) JUSTIFICATIVA
Os motivos que levaram à iniciativa desta pesquisa foram que diariamente as pessoas
que vivem em centros urbanos se deparam, no cotidiano, frente a frente com “pedintes”,
“mendigos” e “menores de idade” trabalhando em semáforos (seja vendendo doces, fazendo
malabarismo, limpando os pára-brisas dos carros, etc.) ou simplesmente vivendo na rua, e
apesar deste contato no dia a dia, geralmente essas pessoas pouco sabem sobre esses
indivíduos que na maioria das vezes são ignorados.
O tema abordado visa conhecer e se aproximar do mundo desse sujeito que vive na
rua, compreender o que leva o indivíduo a esta situação, as dificuldades vividas em virtude de
este grupo ser afetado pelo fator conhecido como “invisibilidade social” e entender como eles
se sentem e se vêem em relação à sociedade.
Acredita-se que a partir do conhecimento sobre o meio em que vivem, poderemos
compreender os motivos que os levam a tal situação, suas expectativas e frustrações, para que
assim haja uma possibilidade de criar medidas preventivas, intervencionais e de inserção
social. Conhecer mais profundamente as necessidades sofridas pode auxiliar para a melhoria
de serviços de apoio médico, psicológico, educacional, assistência social, entre outros.
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4) OBJETIVO
Esta pesquisa tem como objetivo observar e analisar a vivência de pessoas que vivem
ou viveram na rua para compreender seus sentimentos, expectativas pessoais e suas vivências.
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5) METODOLOGIA
5.1) Participantes
A presente pesquisa teve como participantes quatro pessoas que vivem ou viveram na
rua, pertencentes a ambos os sexos, independente de faixa etária.
5.2) Local
5.3) Instrumentos
Para a realização desta pesquisa utilizamos caneta, papel, gravador em MP3 e roteiro
de entrevista semi-estruturado (Anexo A), elaborado para esta pesquisa.
5.4) Procedimento
Para a análise de dados desta pesquisa foi utilizada a análise qualitativa. As entrevistas
foram transcritas na íntegra. Foi feito leitura exaustiva das transcrições, e após, interlocução
teórica com os referenciais e autores que abordam os temas tratados nesta pesquisa.
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6) RESULTADOS E DISCUSSÃO
Sofreu Tempo
Nome Sexo Idade Religião Escolaridade Profissão Motivo
violência? na Rua
Não tem/ Sim/ Prisão/
S.A.R M 31 Católica Não tem 1 ano
Alfabetizado Polícia Família
Fundamental Prostituição/
M.G.A F 58 Católica Do lar Não 15 anos
Incompleto Família
Prisão/
Fundamental Sim/
J.C.S M 22 Católica Não tem 5 anos Família/
Incompleto Polícia
Desemprego
Sim/
Fundamental Catador/ Família/
D.M.F M 35 Católica Família e 1 ano
Completo Artista Desemprego
Polícia
6.1) Vivências
dado durante as entrevistas, e apesar da “ajuda” que algumas pessoas ou instituições dispõem
para essas pessoas, eles são realmente vistos como uma estrutura à parte. O relato deste
morador expressa bem como é a rotina na rua, e como eles são posicionados na sociedade.
S: E onde eu falo pra vocês, quando a gente fuma... quando a gente fuma a gente fica...
quando a gente fuma um pouco de droga assim muda a mente, vou contar pra senhora
se eu umá um baseado, de maconha, assim um baseado mesmo, da ora mesmo, eu vou
explica pra senhora, da ora, um baseado da ora mesmo (...) mas como eu tava dizendo
pra senhora, se eu fumar um baseado da ora mesmo, eu converso com qualquer um,
que e difícil a pessoa não se comove, é raridade, eu viro nenê, eu viro criança, eu
começo a chora, e tal, e rolo no chão e do cabeçada na parede, até comove a pessoa. E
comovo a pessoa...
(Entrevista com S.A.R., linhas 230 a 234; linhas 237 a 241)
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O motivo que levaram os participantes para a rua se mostrou bem parecidos, têm em
comum as desavenças familiares e problemas com as leis, desde drogas às infrações (não
especificadas por eles). “A população adulta caracteriza suas razões em dois planos:
psicológico e socioeconômico. Mas percebe-se que a causa principal são os conflitos
familiares. (PERES, 2001)”
Este fato esteve presente em todas as entrevistas, com ênfase nos conflitos familiares
como pode ser observado nos recortes abaixo.
E: Iii... o motivo então foi a senho... foi a senhora numm... as cunhadas? Foi só esse
motivo que fez a senhora sair de casa ou teve outros?
M: Aaaah eu... eu casei, o maridoo... não queria trabalhá né, eu passava necessidade
então ficava venu as coisa na rua... prostituía né... pra podê ajudá em casa i (pausa) i
eu tê vida né porque... me alimentá, tê minhas roupa.
(Entrevista com M.G.A., linhas 59 a 63)
De acordo com a literatura, este fato já foi constatado em estudos anteriores, sendo
comum ocorrer com pessoas como a entrevistada, que necessitam buscar na rua opções de
sobrevivência.
A “opção” ou “decisão”, para se buscar a vivência na rua, chega após longo processo,
na opção por deixar de vivenciar diversos tipos de violência e pobreza e por buscar
novas alternativas de vida na rua. Essa opção de vida pode ser dividida em: causas da
população infantil, ou pela necessidade de suprir carências decorrentes de sua
condição socioeconômica. (MALFITANO E FERREIRA, 2006)
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6.3) Violência
Dois sujeitos sofreram violência e alegam ter sido por parte da polícia. Um alega que
sofreu tentativas de violência por parte do grupo familiar. Nenhum deles afirma ter praticado
violência na rua, mesmo para atender necessidades básicas.
Malfitano e Ferreira (2006) também pontuam que a partir de uma vivência na rua
começa-se assim a perceber uma rua onde existe o preconceito social, a indiferença, e a
violência física. Assim caracterizando-se como uma rua de violência, abandono e não respeito
aos direitos ou privação de direitos.
Através do recorte abaixo, podemos ter uma noção do desrespeito ao ser humano que
vive na rua.
S: Ooopa... pode nem olha pra cara da minha mãe, se olha depois eu passo o rodão...
mas eu não vou correr e deixar a minha mãe, e aí é onde pode acontecer uma tragédia
com a gente... Então é onde eu prefiro fica aqui na rua... Vai aqui, toma uns tapa da
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polícia ali. Mas também, tem vez que eles não bate a toa não, tem gente que faz pro
merecer, e os cara bate, mas mesmo assim tem muita opressão. Nóis num agüenta
mais, num agüenta mais. Então tipo, eu evito ficá onde eles está... praça esses
negócios não posso ir mais, eu vo daí a polícia qué bate na gente.
E: Mesmo não estando fazendo nada?
S: Mesmo se não tá fazendo nada... Passa os cara qué bate na gente. Então fica assim,
eu ando sozinho, eu ando sozinho.
(Entrevista com S.A.R., linhas 171 a 180)
6.4) Família
Os entrevistados declaram não ter vontade de voltar para suas cidades e suas respectivas
famílias, por motivos pessoais e por preferir continuar na situação que estão, a voltar para a
convivência familiar, a qual muitas vezes é conturbada e sem afeto, trazem mais incômodo do
que conforto psicológico. E muitas vezes há o receio e medo do reencontro e da reação e a
relação com seus parentes. Deixam transparecer vínculos fragilizados, sendo todos mais
vinculados com a mãe. Três dos participantes tem a mãe falecida (sendo para um este o
motivo pelo qual foi para rua). Para um deles que foi preso, ao retornar da prisão sentiu
extrema rejeição dos familiares quando voltou para casa.
A situação da família na sociedade brasileira tem sido muito desvalorizada e com isso
os recursos para a estrutura do lar estão cada vez mais desqualificados. Não há valorização da
moral e o consumo se tornou a prioridade das pessoas. O olhar para o próximo está cada vez
mais ausente, e isto se dá não só dentro de casa, mas também com relação aos moradores de
rua. Morar na rua é uma conseqüência de problemas mais estruturais, necessitando talvez
continuar este estudo dentro de uma perspectiva fenomenológica.
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Um fato interessante que constatamos com os participantes desta pesquisa é que eles
não se sentem “invisíveis” perante a sociedade, o que nos fez entender melhor o sentido de
invisibilidade social. Eles dizem perceber mudança de comportamento nas pessoas quando
passam, e se sentem muito observados quando estão no meio das outras pessoas, e que as
pessoas vêem sua situação, e que não passam despercebidos. Pelo contrário, os moradores de
rua se percebem visíveis, porém relatam pontualmente situações de preconceito, quanto a
atitudes das pessoas. Na literatura utilizada revemos que a definição de invisibilidade social
engloba indiferença e preconceito como fatores relevantes e que atinge aqueles que estão à
margem da sociedade.
E: A senhora alguma vez, morando né, dormindo na calçada e tudo, a senhora alguma
vez já se sentiu invisível pras pessoas? Como se as pessoas passassem e a senhora não
tivesse ali?
M: Não.
E: As pessoas sempre... a senhora sentia que a senhora tava sendo enxergada, assim,
que as pessoas olhavam pra senhora.?
M: Sim, mais as vezes eu sentia ainda bem que não me viu.
E: Aah... A senhora às vezes... era melhor assim?
M: É as vezes euu...pensava: essa pessoa vai fazê maldade comigo. E ele não me
via e eu falava ainda bem que não me viu.
(Entrevista com M.G.A., linhas 326 a 335)
Essa visibilidade depende muito de como cada indivíduo vivencia a experiência de rua,
para se sentir “invisível” e vítima de preconceito. Pode-se ver que os dois indivíduos que
tiveram passagem na prisão e uso de drogas se sentem extremamente excluídos da sociedade e
sentem mais esta “invisibilidade” e “preconceito”.
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6.6) Sentimentos
A vivência dos moradores de rua demonstrou ser bastante angustiante para o indivíduo
que a experimenta. Por andarem sempre sozinhos, não possuírem vínculos afetivos profundos
e terem amizades somente superficiais, os moradores de rua não possuem nenhum meio que
lhes garanta um alívio psicológico; percebe-se uma grande necessidade neles de terem alguém
que lhes escute com atenção e lhes dê conforto. Sua própria situação precária lhes obriga a ter
uma postura de onipotência, pois na rua é necessário que o indivíduo para sobreviver se
demonstre sempre confiante, nunca demonstrando suas fraquezas.
Durante a entrevista de dois participantes, pode-se notar a angústia presente em suas
falas.
S: (...) Foi ate bom né tia por eu até poder ter desabafado agora mesmo. Eu já tava ate
triste nesta fita aí oh! Eu queria desabafa com alguém assim, que não ficasse falando
da malandragem, onde a senhora só vai só pedra os cara fala, droga! A gente queria
desabafa com alguém assim que queria escuta a gente assim, cê entendeu, e que
poderia até dá até uma resposta assim, assim, que possa pra ajudar a gente sair
desse...(Entrevista 1, linha 195 a 199)
S: Mas mesmo assim, tia, eles tinham que dá alguma coisa, tinham que dá as costa pra
nóis agora? (...) Tem que chama, conversa. Eu só conheço este caminho e por onde tô
falando pra senhora, eles ficam virando as costas, a gente vai pedir uma oportunidade
e tem gente que vira as costas. Também não precisa dá dinheiro, carro, casa, não! Dá
um ombro amigo, uma palavra confortante, moça... já era tia, a gente já se sente
melhor.
(Entrevista com S.A.R., linha 204 a 210)
E: Tem mais alguma coisa que a senhora queira falará assim, contar?
M: Aaaah... que Deus tenha sempre me olhado ii... (se emociona) que mi dê coisas
boa e me dê glória por tudo! (choro intenso e sentido, as lágrimas caiam pela sua
face).
E: (Em silêncio, coloco a mão no seu ombro e acaricio o seu braço).
M: (Chora intensamente por aproximadamente trinta e três segundos).
E: Por que a senhora ta chorando Dona M.?
M: (Chorando responde) Porque é triste...(choro). Saber que a gente tem que encará, e
deixá as coisa pra lá e vivê, num é fácil não... (choro).
E: É difícil?!
M: É, mais nóis têm que suportá né?! (Choro)
(Entrevista com M.G.A., linha 336 a 345)
E: Aham... Além dos amigos que você já tem que você dorme junto, você faz amizade
normalmente?
J: Ah... ninguém qué faze amizade com nóis que é da rua, cê passa o povo tranca tudo,
fecha até os portão né... (...)
(Entrevista com J.C.S., linhas 101 a 104)
J: Ah, é duro né cara... cê passa por alguém, ta na porta assim, cê da um bom dia, já
pensa que cê vai pedi alguma coisa, já fecha o portão... é terrível.
E: E você se sente visível perante os outros, perante a sociedade?
J: Ah demais né cara... Cê se sente, ahhh... cê passa, fica todo mundo olhando, sua
ropa que ta vestido, que ta todo sujo né, o povo... cê fica ate com vergonha de passa
no meio do povo... assim no ponto de ônibus,fica te olhando...
(Entrevista com J.C.S., linhas 128 a 133)
E: O que você pensa assim, dessa situação que você ta hoje, como você se sente?
J: Ah, a gente se sente um Zé ninguém né cara, se sente um Zé ninguém...
(Entrevista com J.C.S., linhas 191 a 192)
grandes quanto ao seu futuro, sendo que seus planos são constituídos de elementos bem
simplistas e carregados de desesperança. Três dos entrevistados deixaram bem explícito que
suas expectativas pessoais são baixas ou quase inexistentes.
E: Que coisa né... (Pausa). A senhora tem algum plano pro futuro, a senhora tem
vontade de fazer alguma coisa?
M: (Silêncio). (Balança a cabeça em sinal negativo). Pro futuro? Agora... (Pausa). (...)
E: Então hoje a senhora num... almeja nada, não tem planos, nada? Como que a
senhora visualiza assim, que aa... que vai ser a velhice da senhora?
M: Aah eu sempre fui brincalhona né, onde eu penso... trabalhá, fazê as coisa, fazê o
bem, só isso.
(Entrevista com M.G.A., linhas 264 a 266; linhas 277 a 280)
E: E o que você acha do seu futuro aí, o que ta vindo pela frente?
J: O meu futuro... acho... que num tem nem como fala né cara...
E: Você tem alguma expectativa? Alguma perspectiva, tipo, ah vai acontecer isso!...?
J: Ah... o que eu esperava era uma melhora né cara... Sair das ruas cara né, ter um...
E: Ter um lugar e uma casa...?
J: Uma casa né...
E: E você faz planos? Um plano pro desejo de conseguir ter essa casa?
J: Ah, só se eu arrumasse um trabalho né cara. Vo fala pro cê, eu num desejava muito
não, só desejava te uma casa, uma televisão, um sonzinho só, só isso cara...
(Entrevista com J.C.S., linhas 182 a 190)
E: Não,beleza! Ahn... Qual que é sua perspectiva pro futuro? O que você espera?
D: Olha, eu pretendo arrumar um trabalho fixo, se eu não consegui eu pretendo fugi...
Porque essa vida que eu levo é meio assim, uma vida duvidosa, cê entende? Às vezes
eu ganho muito, as vezes eu ganho poco, as vezes num ganho nada, é uma coisa assim
meio indecisa, incerta entende? Eu não tenho certeza do que eu vo te, do que eu vo
ganha, eu amanheço o dia assim a deriva, sem perspectiva, sem nada.
E: Ta. E assim, você faz algum plano pro seu futuro?
D: Eu faço o plano de consegui um emprego.
(Entrevista com D.M.F., linhas 161 a 168)
7) CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com este projeto de pesquisa, sobre as vivências de moradores de rua, foi possível
averiguar na integra as condições em que vivem ou viveram, suas expectativas, os motivos
que os levaram a esta condição e, com isso, ampliamos nossa visão sobre o este fato e
compreendemos um pouco sobre este “ecossistema”. Os participantes apresentam uma rotina
de atividades diárias, estas que por sua vez são de caráter individual, cada um cria seu próprio
método para sobreviver. A violência está presente em suas vidas seja dentro da família (que é
a principal causa da saída de casa para a rua), de pessoas mal intencionadas ou por parte da
polícia.
A principal causa para essa vivência na rua é de caráter familiar, os conflitos, a morte
de um familiar que mantinha a união do grupo ou a junção desses fatores. Logicamente este
fato é agravado em virtude da condição financeira dos indivíduos uma vez que, levados pelo
conflito interno familiar, saem de casa sem saber para aonde ir e sem reservas para tentar se
reestruturar no âmbito social. Outro fator relevante neste drama é o nível educacional que,
geralmente, é de ensino fundamental incompleto. Sem estudo e sem uma qualificação
profissional ficam a mercê de sua própria força de vontade e da sorte.
Pode-se verificar ainda a percepção deles em relação à invisibilidade social. Eles dizem
sofrer preconceito e discriminação, mas que não se sentem “invisíveis”, pelo contrário,
conforme um dos entrevistados disse as pessoas os olham sim, nem que seja por causa de suas
vestimentas sujas. Apesar das condições em que sobrevivem sentem que tem seu lugar na
sociedade e que as pessoas às vêem e as percebem.
Nos relatos fizeram se visível a relação deles com álcool, drogas e a prostituição. A
entrevistada contou já ter se prostituído, como forma de ganhar dinheiro e sobreviver diante
de tantas dificuldades. Dois dos entrevistados, quando foram abordados pelo entrevistador,
estavam tomando álcool de posto de combustível, e um deles relata ter sido usuário de drogas.
Diante do material utilizado para a elaboração, da Revisão de Literatura, constatamos em
nossas entrevistas haver paridade com as teorias pesquisadas, e foi possível observar a
percepção que eles têm de si mesmos e da situação em que vivem. Um fato que se pode notar
é o da carência, demonstraram que, apesar de viverem em grupos, sentem-se isolados e
valorizaram o pouco tempo de conversa que tiveram com os entrevistadores.
Acreditamos que este projeto de pesquisa tenha contribuído em nossa formação
acadêmica no curso de psicologia de forma a nos proporcionar uma visão mais ampla e
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8) REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MENEZES, Deise Matos do Amparo; BRASIL, Kátia Cristina T.. Dimensões psíquicas e
sociais da criança e do adolescente em situação de rua. Psicologia: Reflexão e Crítica, Porto
Alegre, v. 11, n. 2, maio 2008.
PERES, Rodrigo Sanches. Andarilhos de estrada: Estudo das motivações e da vivência das
injunções características da errância. Psico-usf, São Carlos, v. 6, n. 1, p.67-75, jun. 2001.
PERES, Rodrigo Sanches. Tão longe, tão perto: Andarilhos de estrada e avivência do
distanciamento familiar. Psic - Revista de Psicologia da Vetor Editora, São Carlos, v. 3, n.
2, p.6-13, 2002.
RIBEIRO, Moneda Oliveira. A rua: um acolhimento falaz às crianças que nela vivem.
Revista Latino-americana de Enfermagem, Ribeirão Preto, v. 11, n. 5, out. 1998.
Ônibus 174. Dir. José Padilha. Zazen Produções. Rio de Janeiro, 2002.
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9) ANEXOS
1) CARACTERIZAÇÃO DO PARTICIPANTE:
- Nome:
- Sexo:
- Idade:
- Religião:
- Naturalidade:
- Escolaridade:
- Trabalho/ Profissão:
2) ENTREVISTA – QUESTÕES:
- Há quanto tempo está na rua?
- Qual o motivo que o levou para a rua?
- Tem algum problema de saúde?
- Possui família na cidade onde vive?
- A família tem residência?
- Como é a relação com a família?
- Já sofreu violência por membros do grupo familiar?
- Foi criado pelos pais biológicos, ou por parentes?
- Sente vontade de voltar pra casa?
- Possui descendentes?
- Possui relacionamento afetivo?
- Como foi a infância?
- Vive em grupo ou isolado?
- Faz amizades?
- Já sofreu violência na rua?
- Já praticou violência na rua?
- Sofre ou já sofreu preconceitos? Como?
- Sente-se invisível perante a sociedade?
- Se desempregado, já procurou trabalho depois que mora na rua?
33
Eu, ___________________________________________________________,
por Bruno Alberto P. de Sant Ana, Maísa Ferreira V. dos Santos, Mariana de Oliveira Bonato,
Fui informado (a) de que o objetivo desse trabalho é observar e analisar a vivência de
pessoas que vivem ou viveram na rua para compreender seus sentimentos, expectativas
pessoais e suas vivências. Para tanto, é preciso realização de uma entrevista com pessoas que
Estou ciente de que minha entrevista poderá ser gravada em MP3 compondo o
Fica explicitado que se espera que este estudo possa contribuir para melhor
informado (a) de que o mesmo será realizado seguindo princípios éticos, garantindo sigilo das
Fui esclarecido (a) de que as informações serão utilizadas com fins no estudo
Fui assegurado (a) de que não haverá riscos para mim, mas sim um possível
benefício, já que será oferecido um espaço de escuta para minhas vivências, o que pode
Estou ciente de que esta entrevista pode deixar de ser realizada se eu considerar
Pesquisadores:
● Maísa Ferreira V. dos Santos, RG 27.075.554-8 /SP. Endereço: Av. Costábile Romano,
2.201 – Ribeirânea – Ribeirão Preto/ SP. Telefone: (16) 8121-5420.
● Rhianne Yukana Ishihara, RG 43.687.826-4 /SP. Endereço: Av. Costábile Romano, 2.201 –
Ribeirânea – Ribeirão Preto/ SP. Telefone: (16) 9138-0231.
● Tiago Pratis da Silva, RG 33.559.448-7 /SP. Endereço: Av. Costábile Romano, 2.201 –
Ribeirânea – Ribeirão Preto/ SP. Telefone: (16) 8155-0029.
Assinaturas:_________________________________________________________
C) Entrevistas
Morador de Rua 1
Data: 27/10/08
Entrevistador (E) – Maísa Ferreira V. dos Santos
Morador de Rua (S) – S. A. R.
41. E: S.
42. S: É tipo, sou pobre, mas tipo assim, um nome assim já é meio difícil né? Ce vê, tem d
43. mudo, tem y. Nem rico tem nome assim desse jeito, moça.
44. E: Sexo é masculino.
45. S: Mais ou menos tem que ver certinho (risada ofegante). Não, não, tô brincando.
46. E: Idade? Você sabe mais ou menos? Pode falar.
47. S: Mas já ta falando?
48. E: Já.
49. S: O que eu falei aqui, cê gravou tudo também? Meu Deus, moça!
50. E: Eu posso tirar.
51. S: Não, não, deixa! Mas não pode falá quem que é a pessoa.
52. E: Não (risos), não falo.
53. S: Se não eles me bate. E ai?
54. E: Idade?
55. S: 31 ano.
56. E: 31?
57. S: 31.
58. E: Você tem alguma religião? Você tem algum...
59. S: Então, pensamento mesmo.
60. E: Pensamento?
61. S: Ontem mesmo, teve um rapaz ali, que me falo ali, que me topô ali, que é filho do
62. vizinho da minha mãe, que me trombo e falou que tem uma palavra urgente, amanhã,
63. terça-feira, que é pra eu ir sem falta na igreja.
64. E: Na igreja?
65. S: Então, é lá na porto-seguro. Quem sabe se eu posso, né?! Mas minha religião eles
66. falam que é católico.
67. E: Católico?
68. S: É católico, é assim mesmo que fala?
69. E: Sim, mas as pessoas tem o hábito de falar católico não praticante.
70. S: Mas é isso mesmo, sou católico não praticante.
71. E: Você é daqui mesmo, de Ribeirão?
72. S: Nascido e criado aqui mesmo, na periferia.
73. E: Ah.
74. S: Pra ajuda, pra incrementar, né moça?! (risos)
75. E: Você completou toda sua escolaridade? Completou tudo?
76. S: Não.
77. E: Não tem a escolaridade completa. Fez o primeiro grau?
78. S: Primeiro grau? Que é isso?!!!
79. E: Até o quarto ano?
80. S: Não... O primeiro grau nosso e até o prezinho, saiu do prezinho já era. Eu mesmo
81. não estudei, só mesmo até o prezinho. Aprendi a escrever meu nome e algumas poucas
82. palavras engarranchadas mais na FEBEM, e na cadeia, e na rua.
83. E: Hum.
84. S: Cê entendeu?
85. E: Entendi. Ai você...
86. S: Na cadeia nem foi tanto, foi mais na FEBEM, porque a gente era mais novo e presta
87. mais atenção.
88. E: E lá na cadeia eles não ensinam? Não tem escola?
89. S: Escola? Na cadeia? Tem, tem, mas tipo, muitas vezes o neguinho não vai por causa
90. da opressão mesmo, tem funcionário que é folgado... As vezes cê ta ali e por causa de
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91. uma brincadeira, tudo eles te arrasta pro castigo... Mas tem estudo, tem serviço.
92. E: Lá também tem? Mas você...
93. S: Mas se você for analisar pra trabalha não compensa, vai tira da cadeia, e vai
94. trabalha, pra tira aquele pouquinho, mas ainda... tipo, depende da situação
95. esculachada... cê trabalha 10... cê trabalho 2 ano, mas talvez cê cato um ferrinho pra cê
96. faze um manual, um ferrizinho pra fazê manual, fazê uns trampinhos, ai já te manda
97. pra o castigo por trinta dias... Se ti cata com uma serrinha desse tamanhozinho, eles já
98. te manda pro castigo por trintas, até tu fica bom de da cabeça. Bate. Mas tem estudo,
99. tem serviço, tem tudo isso. A gente não pode mentir.
100. E: Mas você aprendeu, então, só o básico?
101. S: Mais na FEBEM. Na escola eu não digo... Eu sei mais ou menos... mas se eu ler
102. tudo isso daqui eu vou entender.
103. E: Humhum.
104. S: Mas pra eu entender eu vou ler, e depois ler...
105. E: Devagarzinho?
106. S: É ler. Aí eu vou nos pedaços, mas eu só vou nos pedaços mais importantes e depois
107. eu consigo recordar os outros.
108. E: Você tem família?... Você saiu de casa por quê?
109. S: Eu sai... tipo, na infância... era tipo eu, como a gente se diz, eu era meio anafalbeto,
110. era uma fase né? Tipo assim, eu tinha umas camaradagens, a gente era tudo muleque,
111. tudo pequeninho, ia pra escola, joga marca, e batz... e... aí foi indo, foi indo, indo, ai
112. começô com a cola, aí da cola fômo pra thiner, da thiner fômo pra lança perfume, do
113. lança perfume fômo pra maconha e da maconha fômo andando. E foi tudo uma fase.
114. Ai todo mundo tava pequeninho junto, tava indo junto.. Aí foi indo, foi indo, até hoje.
115. Graças a Deus a gente tá vivo.
116. E: Todos?
117. S: Todos não, é só eu e mais... não, é só eu e mais... Não, da minha época mesmo é só
118. eu vivo, meu último companheiro a polícia matô. Assim da minha época! Não, porque
119. tem cara da minha época, tem muita gente da minha época... Mas eu falo da vida que
120. eu vivi, daquele grupo nosso, que viveram com nós, com aquele grupo nosso...
121. E: O seu grupinho que você vivia.
122. S: Não, tem um! Não to mentindo, tem o W., ele era o mais novinho, ele ia atrás de
123. nós só pra compra coisas pra nós. O W. e o meu primo B., tem só os dois, assim, da
124. minha época assim.
125. E: Que sobreviveram, que estão vivos?
126. S: Nóis começô aquela nossa fazinha junta assim, que começô assim, que era mais
127. envolvida era só eu, mais tem muita gente viva... Aí os caras sempre corria de nós,
128. sempre a gente tomava eles, pegava deles pipa, latinha...
129. E: Molecagem?
130. S: É molecagem... até ir chegando nessas outra fase.
131. E: Adolescência?
132. S: ... Até esses dias... tinha... até pouco tempo tinha um companheiro meu vivo, nóis se
133. encontrou lá dentro da cadeia de Iperó... Acho que fazia uns dez anos, quinze anos já,
134. que ele tava preso, aí eu foi preso, aí encontrei ele lá, aí depois parece que ele saiu e
135. ele morreu.
136. E: E você já falou que tem família, e você não tem nenhuma relação com a sua família
137. agora atual?
138. S: Ah tem né! Se a gente for lá, né, eles não gosta, não vai gostar, né! Quando chega
139. na reação na frente da gente, porque sabe o que a gente já foi, respeita queira ou não
140. queira, porque sabe que a gente ajudô também... posso estar nesta situação, mas
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141. também já ajudei muita gente também. Hora que chega lá eles trata bem também, mas
142. aquele trata bem ali e mas hora que chega (imitacao de cochichos)... Tá mi tirando?! O
143. que ele ta fazendo aqui? Não é pra ele vim mais aqui. Então fica um papo forçado...
144. hiiiiii, é né!
145. E: Tem pai e mae?
146. S: Hum?
147. E: Pai e mãe?
148. S: Pai e mãe eu tenho graças à Deus. Meu pai faleceu faz doze anos que não via
149. ele, aliás, que não vejo ele, porque ele faleceu. Eu fiquei algum tempo foragido aqui
150. em Ribeirão, fui pro mato... e depois... aí quando voltei do mato fui pra cadeia.
151. E: E você tem sua mãe aqui?
152. S: Tenho minha mãe!
153. E: Ah que bom.
154. S: Mas só que é ela lá e eu aqui, né. Até então não é porque que ela não qué, é porque
155. ela é mãe, e mãe você sabe.
156. E: Mãe é mãe.
157. S: Mãe você pode ser do jeito de for, você continua filho, não tem jeito... Mas eu tô
158. assim, é que, se acontecer alguma coisa comigo, ela taria participando, ela vendo, e eu
159. não quero isso. Pode acontecer o que for comigo, se você for, pode colocá dez cara pra
160. me pegá, eles vão me pega. Porque todo mundo me conhece, aqui, eu sou conhecido
161. como mequetrefi. Todo mundo que me pega, mas... quando eu bate o pé uns cinco,
162. seis, sete vai afastá pra trás, porque me conhece. Porque já sabe que o primeiro que eu
163. pô a mão, porque se eu vo morre mesmo, o primeiro que você gruda, já gruda, já deita
164. com ele e já era, só pô a coberta. A gente não qué não que isso, mas o povo conhece,
165. então o tem esse respeito, pra mim não acontecer isso, porque posso sai dali e te dez
166. cara pra me pegá. Sabendo que minha mãe ta aqui dentro, porque ali posso dá um soco
167. na cara de um e corre... miaça e corre, miaça que o mundo faça se consegue correr,
168. mas dai sabendo que a minha mãe esta aqui, como posso corre sabendo que vou deixá
169. minha mãe? Não que vai acontecer alguma coisa com minha mãe...
170. E: Por que tem o respeito, né?
171. S: Ooopa... pode nem olha pra cara da minha mãe, se olha depois eu passo o rodão...
172. mas eu não vou correr e deixar a minha mãe, e aí é onde pode acontecer uma tragédia
173. com a gente... Então é onde eu prefiro fica aqui na rua... Vai aqui, toma uns tapa da
174. polícia ali. Mas também, tem vez que eles não bate a toa não, tem gente que faz pro
175. merecer, e os cara bate, mas mesmo assim tem muita opressão. Nóis num agüenta
176. mais, num agüenta mais. Então tipo, eu evito ficá onde eles está... praça esses negócios
177. não posso ir mais, eu vo daí a polícia qué bate na gente.
178. E: Mesmo não estando fazendo nada?
179. S: Mesmo se não tá fazendo nada... Passa os cara qué bate na gente. Então fica assim,
180. eu ando sozinho, eu ando sozinho. Cê viu o tanto de caixa que eu truxe nas costas
181. sozinho.
182. E: Eu vi.
183. S: E não foi de longe, foi daqui. E eu falei com o rapaz, nossa vou pará com a pedra...
184. que eu... vou pará... parei... falei vou pará porque tá sendo muito esculacho, muito
185. esculacho que nós tá levando por causa de pedra, pra gente pura que a gente foi no
186. passado, hoje a gente ta sendo esculachado no presente... Então fica difícil a gente
187. consegui compreende, mas por um lado os cara não tá errado, tá fumando pedra. Mas
188. cara que fuma pedra também não é assim também, tem gente que respeita, tem gente
189. que não respeita também, tem cara que sabe fazê nada, só sabe ratiá a família, uns
190. róba, uns cata sucata. Eu já tenho uma ética, eu aprendi dentro da cadeia, mas comigo
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191. mesmo, eu tiro dos ricos de todas as maneiras. Ou roubando, ou pedindo, ou fazendo
192. serviço pra eles... essa é minha ética de tira deles, eu pego dos tapetes deles pode ser o
193. que for, mas eu quero tirar é dos ricos, um pouquinho, entendeu? aí.... essa é a vida
194. que a gente leva, mas aí eu to sempre... Mas a gente sempre tem que ta sussegado... né
195. tia? Foi ate bom né tia por eu até poder ter desabafado agora mesmo. Eu já tava ate
196. triste nesta fita aí oh! Eu queria desabafa com alguém assim, que não ficasse falando
197. da malandragem, onde a senhora só vai só pedra os cara fala, droga! A gente queria
198. desabafa com alguém assim que queria escuta a gente assim, cê entendeu, e que
199. poderia até dá até uma resposta assim, assim, que possa pra ajudar a gente sair desse...
200. E: Exclusão da sociedade?
201. S: É verdade, ah mas também... tá fazendo um pouco por onde, também, ser um pouco
202. excluídos deles.
203. E: Mas também...?
204. S: Mas mesmo assim, tia, eles tinham que dá alguma coisa, tinham que dá as costas
205. pra nóis agora? Talvez se eu vo ali, eu vo e roubo esse pão da senhora, e aí vo pra
206. outra senhora ali e ela vira as costas pra mim, não pode. Tem que chama, conversa. Eu
207. só conheço este caminho e por onde tô falando pra senhora, eles ficam virando as
208. costas, a gente vai pedir uma oportunidade e tem gente que vira as costas. Também
209. não precisa dá dinheiro, carro, casa, não! Dá um ombro amigo, uma palavra
210. confortante, moça... já era tia, a gente já se sente melhor. Você vai ali já toma um
211. chute, vai ali toma um tapa, vai lá toma um emporrão, vai alí o neguinho joga água
212. quente, modo de dizer, né... Então é por isso que eu virei o mequetrefi.
213. E: O que quer dizer mequetrefi?
214. S: Ah, hum (risos)...
215. E: E?
216. S: Mequetrefi é mequetrefi. Eu cheguei nessa situação, um dia nóis tava, já que a gente
217. ta conversando mesmo, tava na cadeia, e porque muita coisas vocês vão corta, nóis
218. tava na cadeia ai, nóis tava num debate no barraco... existe isto, né, tipo assim tá no
219. barraco, tal, tá conversando, tal-tal-tal... e aí tem um programa que um qué assiste e o
220. outro não qué e o outro, aí “blalalah”, aí comeca o rolo. Aí é tipo uma família, nosso
221. barraco é uma família, uma família gerada, todo mundo era até irmão assim, e tinha
222. até um irmão assim, um gayzinho assim, mas ninguém mexia... o bagulho ficava só
223. pra ajuda nóis... Então a gente tava no maió debate, na maió discussão assim, ai o cara
224. grito: “seus mequetrefi, ninguém qué me escuta!”. Aí nóis paro na dele, aí hoje quase
225. na cidade inteira é mequetrefi, a senhora pode ir onde a senhora for. É só chegar ali
226. fora, aí é só chega lá e fala: aí o mequetrefi! e aí uns dois ou três olha acha que ele ta
227. ai.
228. E: Já impôs um respeito com isso né?
229. S: Se vai pra lá assim, e o mequetrefi original, e eles vão falar assim, tá aí, porque eu
230. falá que eu evoluí para super-hiper-mega mequetrefi... (risos) E onde eu falo pra
231. vocês, quando a gente fuma... quando a gente fuma a gente fica... quando a gente fuma
232. um pouco de droga assim muda a mente, vou contar pra senhora se eu fumá um
233. baseado, de maconha, assim um baseado mesmo, da ora mesmo, eu vou explica pra
234. senhora, da ora, um baseado da ora mesmo... Então cê sabe que eu sou o mequetrefi,
235. então, não tem jeito mais... (risos). Por que cê veio aqui?
236. E: Eu vim porque...
237. S: Por causa do mequetrefi, mas não é só por causa do mequetrefi então, mas como eu
238. tava dizendo pra senhora, se eu fumar um baseado da ora mesmo, eu converso com
239. qualquer um, que e difícil a pessoa não se comove, é raridade, eu viro nenê, eu viro
240. criança, eu começo a chora, e tal, e rolo no chão e do cabeçada na parede, até comove
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241. a pessoa. E comovo a pessoa. E tem muitas as pessoas que você chega pra ela pra
242. troca uma idéia e a mulher vai dizê que você ta extorquindo. Não, eu já to pedindo
243. mesmo, mas é raridade vê eu pedir. Agora hoje eu to pedindo uma calça, vou ter que
244. bate palma em alguma casa, ou... senhora independentemente de qualquer coisa, eu
245. tava em depressões esses dias, to querendo saí, mas tem que te um empurrão, uma
246. calça, um chinelo (risos), e uma bermuda, né tia?
247. E: E se a pessoa tem?
248. S: Aí que tá né tia, se a pessoa for até arrogante, e que Deus te abençoe, que te possa
249. dar um pouco mais humildade (risos), e é o seguinte, você não me deu aquilo, mais da
250. vez o vizinho me dá... se fosse todo mundo que nem você não existiria nóis, se não
251. fosse nóis não existiria vocês, não é verdade moça?
252. E: É verdade.
253. S: E agora acabô as perguntas moça?
254. E: Não. E quando você tem assim, como você faz pra saúde? Quando tem algum
255. problema de saúde? Ou como faz pra comer?
256. S: Pra comer?
257. E: Esse tipo de coisa...
258. S: Pra come... você mesmo já sabe, já podemo respondê por nóis né. Mas pra
259. problema de saúde é o seguinte, tipo, muitos ficô doente, morreu, acabo. Entendeu?
260. Porque não vai procura, mesmo caído, mais o cara que bebe pinga, que da mais é o
261. cara que bebe pinga, a gente procura, vai no postinho ali, toma um besetasil, pega um
262. remédio,e que nem eu falei depende da pessoa, depende da plantão cê é tratado bem,
263. qualquer situação, qualquer lugar, não ó só na cadeia com os funcionários...aqui na rua
264. também, tem um cara com uma condição um pouquinho melhor, ele se põe no lugar
265. dele, de melhor né, do que nóis né, que é esculacho, cê entra dentro do mercado, só
266. porque cê tá sujo o mercado inteiro te segue, isso assim um modo de dizer, assim, o
267. jeito que eu to aqui, aí põe uma roupinha melhor, bota um anel no dedo, um relógio,
268. porque eu to em depressão mêmo. Do jeito que eu saí dessa depressão assim se Deus
269. abençoá, e ele vai abençoá, e não desampara os que não gostam de mim... Eu vou me
270. levanta, e vou sai dessa depressão, vou sai dessa depressão e vou passa aqui, se eu
271. tiver vivo, isso que eu queria dizer, se eu não tiver morto. Se não tiver morto ou nem
272. preso, vou sair dessa depressão e passa por aqui pra cê ver como é que porque eu não
273. era assim não... não, a gente é firme e forte. Eu só nunca tive carro, nunca tive moto,
274. assim meio olhando eu já tive roubado, mas nunca tive meu mêmo. Esses carro cabrito
275. nunca é seu, carro seu mêmo é aquele que você paga e se os home te pará eles não te
276. toma. Já comprei carro, já comprei moto, mas era tomado, cê entendeu? Ai o que
277. acontece, ando firme e forte, moça, tem até gente que até medo de eu melhora,
278. mataram mais de dez parente meu. Hoje tem uma ética que a gente respeita e tem que
279. respeitá, mas só que essa ética ela é boa, ela e favorável, porque o bagulho é paz, não
280. tem mais guerra, mas tem muitas coisas assim que terem que ser revistas, né? O crime
281. também da uma olhada, revê muita coisa pra você regastá os que tem que se envolve
282. no crime mesmo, que da tempo mêmo, e tirá aqueles que não, entendeu? Que não
283. serve. E a mêma coisa como você pô uma seleção assim de laranja, vamo tira nóis
284. como laranja, montes e montes de caixa de laranja, nóis vamo tira a laranja podre, as
285. que, estão madura que vai se pro crime, e as verde que vai ser trabalhador zé povinho,
286. então vai separa os três tipo de laranja. Verde, amarela e a podre. Mais nóis é sempre e
287. a podre tia, porque será?
288. E: Porque você acha?
289. S: Eu acho que tem que separar não pra selecioná né, e não dividí, mas multiplicá todo
290. mundo junto né, mas pra podê, pra podê... vai saba... eu não tenho como explicação
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291. também...
292. E: Difícil.
293. S: E uma explicações dessas.
294. E: E sua infância?
295. S: Ah meus Deus!...
296. E: Não só, pode ser rápido assim, não precisa, a sua realidade hoje é tão dura...
297. S: Não assim não, é que eu falo pra senhora assim, mas é que eu to explicando pra
298. senhora aí, o que eu já passei, e o que eu já não passei, queira ou não queira, certo?! tô
299. de boa. Mas de qualquer coisa tenho que ficar ligeiro. Ontem eu dormi um pouquinho,
300. já levaram meu isqueiro. E enrosca os cara ate leva a vida da gente. Tipo...
301. E: Mas os próprio companheiro de rua?
302. S: Os próprios companheiros, não, tipo assim, tem companheiros que é companheiros,
303. tem os que eu falei pra você, os enrustidos, os bons... tem cara aí no meio que já
304. estrupo mulher, tem cara ai que já foi injustiçado, falaram que ele tinha estrupado a
305. própria namorada dele por seis meses ele com a mina, tem pessoas que mataram a
306. família errada, tem pessoas que ai que o cara morreu, tipo assim tem pessoas aí que é
307. parentes de cara que não vai fala mas tipo assim, foram lá, tentaram estrupa a mulher,
308. ai correm atrás do cara, o cara conseguiu escapa, e só porque tinha um cara com
309. camisa parecida, e um cara de mesma cor os cara foi lá e mato o cara, e não era o cara.
310. Então tem muitas coisas, o mundo é uma realidade triste, a mais triste é desta pessoa
311. que foi injustiçada, tia, falaram que tinha estrupado a própria mulher, a namorada, que
312. se conhecia um ano, ele e a parceira dela já teve uma relação com ele, isso eu conheço
313. um pouco da realidade dele, não tudo, ele foi injustiçado, porque, ele tinha estrupado
314. duas mina e não foi ele, o cara chego na cadeia, não, e que não foi ele, como e pode
315. ser ele, não pode ser ele e nem ninguém, você ta ali, você com sua namorada, vamo
316. por assim, eu fiquei dois ano assim vendo a vida dele, dois ano eu vendo de longe a
317. vida dele.
318. M: Observando...
319. S: E não dava assim, mas nóis tava olhando, muito esculacho, ele precisou dá muita
320. facada, ninguém põe a mão nele, porque quando estrupador pára na cadeia os cara zua,
321. come, bate e tal, mas esse cara, o tempo que eu vi ele lá, ninguém pões a mão, ele já
322. deu facada, ele já trocou, já brigou na mão, já fez de tudo, na cadeia, essa é uma vida
323. dele que vocês tinham que publica tia.
324. E: É, não e fácil.
325. S: O cara virou monstro tia. Ele virou monstro dentro da cadeia, tia. Quando a gente
326. fala monstro, porque tem o monstro, por causa do estrupamento. Tem cara que estrupo
327. mulher, estrupo, estrupo, o cara não é independentemente... ele é ser humano, mas não
328. é, mas ele se torna monstro no outro lado da sociedade, aí nessa situação, pelo o cara
329. te... te... te... te trocado tiro com a polícia, pelo o cara te... te trocado tiro com a
330. polícia... te deixado pingá o sangue dele no bairro, escorrê sangue dele pra melhorá o
331. bairro, que hoje tá bom... Eu conheço o bairro deles, e o cara tá com a mina, todo
332. mundo vê, todo mundo convive, todo mundo, todo mundo ali de Ribeirão Preto, quase
333. Ribeirão, só onde fica a malandragem, vê o cara com a menina... Salgado Filho, cê é
334. de Ribeirão né? Jardim... não?
335. E: Conheço um pouco...
336. S: Jardim Salgado Filho, Quintino I, Quintino II, Simione, favela das Mangueiras,
337. Casa Grande, Ipiranga, Jandaia, Salgado Filho, já falei, e Jardim Aeroporto, todo tipo
338. de quebrada, todo tipo de periferia, todo mundo respeitava o cara, e todo mundo viu,
339. vamos supor assim, a senhora é minha namorada e vo com a senhora pra todo esses
340. lugar, mas anda, seis meses assim, mas todo mundo conhecendo a senhora, mas tudo
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341. que eu fazia ela fazia comigo, oh... até viajei... lembrei da minha mina, que minha
342. mina foi presa...
343. E: Você tem um relacionamento afetivo?
344. S: Só falei que foi comigo que minha mina foi presa agora faz uma ou duas semanas,
345. to lutando pra vê se eu pego ela... Não é minha mina, mas eu quero que ela seja... Mas
346. voltando que eu tava falando dessa pessoa aí, todo mundo conheceu, o que aconteceu,
347. aí a mina foi lá, oh! como cara precisou lutá, precisou virá monstro... a mina foi lá, e
348. falou que ele tinha estrupado as duas, só que uma retirou a queixa, aí ele ficou numa
349. só... como que todo mundo, trabalhador, ladrão, evangélico, crente, macumbeiro, todo
350. mundo viu a mina com o cara. Porque depois falaram que o cara estrupou a mina?
351. Porque ninguém foi falá pra ele: não, mas é a namorada dele? Senhora vê que não é
352. que a sociedade é injusta, mas depois com o tempo foi revisto, viu que o cara passou
353. pelo certo, mas depois que ele voltou... Sofrê ele não sofreu muito não, porque ele saiu
354. deste tamanho assim. Só comia, bebia, fazia (pausa). Quem tá ali tia? Não pode ficar
355. tranqüila. Eu vou deixar mais espaço aqui, e uma chave de fenda, que não tá e não tá
356. dando pra sai, por isso morador de rua é uma merda. Morador de rua é uma merda se
357. acha demais, se acha se corre pelo céu os cara que te bate, certo, sai bolinho, sai com
358. quatro, cinco. Eu ando sempre sozinho, eu ando sempre com os meus negocinhos,
359. porque se vim pra cima eu vou pra cima e pego, agora ate minha mão ate tá enxada,
360. cara veio me da um tapa na minha orelha, catei os três de pancada.
361. E: Com outro morador?
362. S: Aí tinha, com outros morador, mas deixa eu falar pra você, mas porque teve essa
363. injustiça com o menino? Porque eles não reviram ou olharam pra trás que o menino já
364. foi isto, isto, isto, isso, isso, isso, e hoje a mina... agora, se é uma fita isolada, eu
365. namoro com a senhora e fico com ela e ela vai e fala que eu agarrei ela na força, aí é
366. uma fita isolada ninguém conhece ela, pode até acha que é, mas como todo mundo viu
367. a senhora pra lá e pra cá comigo, eles não pode me injustiça, assim mesmo pela
368. mulher dele, seis meses não é mais namorada, morando na mesma casa desde do
369. primeiro dia. Cê que se retira do sol, nao?
370. E: Nao, ta bom.
371. S: E que eu tenho sinusite, muita pancada, dói... Cê entendeu? E aí porque será que ele
372. fizeram isto? Cê vê, vou fala pra senhora, não vo mentí pra cê não, essa fita aqui é fita
373. minha agora, se eu sou amigo de você mêmo, porque eu senti assim, a hora que você
374. me chamo ali, muita vezes a gente é excluído, né. É tirado da laranja verde e tirado da
375. laranja amarela... Mas eu to com pressa porque eu tem que ir rápido porque eu tenho
376. que resolve a situação da moca que ficou presa, que foi esses dias, não foi no anterior
377. e tal (o vento quase levou a folha de papel quando ele segurou). Aí viu, já ia avuá... ó
378. meu reflexo.
379. E: Foi rapidinho.
380. S: Senhora viu? Não tem como escapar, tô indo aqui, e tô pegando o papel. E deixa eu
381. falá pra senhora... até esqueci... e...
382. E: Você estava falando do rapaz, mas e essa menina?
383. S: Cê falô da minha infância, ce falô da minha infância, né?
384. E: Podia fala dessa menina, dessa sua namorada...
385. S: Qual?
386. E: Que está retida...
387. S: Mas não é minha namorada, eu quero namorá com ela, eu faze alguma coisa pra tirá
388. ela de lá, manda alguma coisa pra ela.
389. E: E sua vida afetiva? Fale de alguém que você gosta.
390. S: Não, já tive minha muié véia, nessa ultima cadeia, nessa ultima cadeia minha fiquei
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391. oito ano e um pouquinho, e vai fazê que to um ano to na rua,vai faze um ano e... um
392. ano e... ah! um ano e pouco... tá quase interando os dois porque tirei oito ano de
393. cadeia, quase nove ano de cadeia moça, to na rua agora. Assim. a gente não gosta de
394. falar disso.
395. E: Quando voce foi liberado voce foi para a casa dos seus pais? Pra sua mãe, não?
396. S: Não, eu fiquei um pouquinho lá e to andando...
397. E: Você tem filhos?
398. S: Ah não tenho. Olha só, vou ter que ir embora, meu colega ta me dano sinal lá.
399. E: Ah ta.
400. S: Tem problema tia? A senhora já perguntô tudo aí?
401. E: Acho que já, te agradeço muito pela nossa conversa.
402. S: Eu que agradeço tia, foi bom conversa.
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Morador de Rua 2
Data: 05/11/08
Entrevistador (E) – Rhianne Yukana Ishihara
Morador de Rua (S) – M. G. A.
94. M: Fui criada pela minha vó, aí a vó morreu eu tinha seis anos aí... meu finado pai pôs
95. eu no colégio de freira, aí depois ele foi lá e me roubou com onze anos...
96. E: Aí, a partir daí a senhora já foi criada pela madrasta?
97. M: Pela madrasta iii... depois viajei pra Santos, depois eu... curti bem minha vida,
98. mais num é fácil não.
99. E: A senhora teve filhos?
100. M: Não.
101. E: Não?
102. M: Não.
103. E: Namora Hoje?
104. M: Não, to sossegada (risos)...
105. E: (risos) Num tem namorado?
106. M: Não quero fazer mais nada de errado.
107. E: Nenhum rolinho? (Risos)
108. M: Não, não. Já decidi ficá com Jesus.
109. E: A senhora fica mais em grupo ou a senhora fica mais sozinha?
110. M: Sempre sozinha e Deus.
111. E: A senhora tem amizades aqui na... na cidade?
112. M: Tenho...
113. E: Têm muitas?
114. M: Tenho.
115. E: Quando a senhora morou...
116. M: Mas amigo lá e eu aqui.
117. E: Ah tá... Quando a senhora morou na rua, a senhora assim, costumava ficar em
118. grupo ou não?
119. M: Não.
120. E: Sempre sozinha?
121. M: É.
122. E: A senhora lembra quanto tempo a senhora morou na rua assim, tipo um ano, cinco
123. anos...?
124. M: Aaah, depois dos onze ano (pausa), sempre saía pra rua, voltava pra casa, saía pra
125. rua, voltava pra casa né.
126. E: Mas morar mesmo, dormir na rua, a senhora ficou quanto tempo, dormindo assim?
127. M: Aah, depois dos vinte e cinco ano.
128. E: Dos vinte e cinco?
129. M: É.
130. E: Até quando?
131. M: Atééé...(pausa) atéé dois ano atráis.
132. E: Então a senhora morô... a senhora ta com cinqüenta e... a senhora falou... cinqüenta
133. e oito?
134. M: É. Mais eu arrumei um lugar pra trabaiá, fiquei morando lá uns cinco ano...
135. E: A senhora deve ter morado uns quinze anos na rua mais ou menos, dormindo na
136. rua?
137. M: É.
138. E: A senhora já sofreu alguma violência no tempo que a senhora tava na rua?
139. Ninguém nunca judiou da senhora assim?
140. M: Não.
141. E: A senhora já já fez alguma coisa de ruim na rua? Já praticou alguma violência com
142. alguém?
143. M: Não.
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144. E: A senhora nunca precisou assim... tipo... se defender, ou roubar pra comer?
145. M: Ah não! Eu era muito peralta né.
146. E: (Risos). Nem roubar pra comer?
147. M: Não.
148. E: Sempre conseguiu dá um jeito?
149. M: É vendia meu corpo i... sempre tinha o meu dinherim.
150. E: Entendi. A senhora por isso, por morar na rua, pela prostituição, a senhora já sofreu
151. algum preconceito?
152. M: O que é preconceito?
153. E: Ah... é tipo se alguma pessoa assim já te olhou torto, assim já te olhou... sabe?
154. M: Ah, mais eu dava rabanada e entregava pra Deus, nem ligava.
155. E: Ou então chegar, passar, xingar...?
156. M: Ah eu sempre soube têm uma saída.
157. E: A senhora já presen... a senhora já... Alguém já fez isso com a senhora assim? A
158. senhora percebeu já alguma coisa?
159. M: Aaah, esse mundo né! Cheio de egoísmo né...
160. E: Quando desfaz, assim, alguém já desfez da senhora, a senhora quis conversar, ir
161. pedir alguma coisa, falar alguma coisa e a pessoa desviar, não dá bola... Já aconteceu
162. isso com a senhora?
163. M: É mais sempre tive uma sorte, sempre tive alguém pra me ajudá, sempre...
164. E: Hoje a senhora tem alguém que ajuda a senhora?
165. M: Sobre o quê?
166. E: Ai, é que às vezes dá uma roupa, às vezes ajuda a senhora em alguma coisa...
167. M: Ah tem.
168. E: Tem uma, uma pessoa só ou são várias?
169. M: Ah onde eu comunicá sai bem.
170. E: Sempre tem alguém né?
171. M: É.
172. E: Tem uma pessoa fixa, que está sempre com a senhoora, sempre ajudando?
173. M: Não, só Deus, só Deus.
174. E: Como é que é a sua ro... como é que era a tua rotina quando você morava... quando
175. a senhora morava na rua? O que a senhora fazia assim?
176. M: É era i em casa, tomá um banho i... saí e vim, senti livre.
177. E: A senhora comia aonde?
178. M: Ah quando eu trabalhava lá olhando vaga eu comia lá né, eu levava as coisa, eu
179. levava, fazia lá, comia lá.
180. E: A senhora vem tomá café-da-manhã aqui todo dia?
181. M: Venho.
182. E: E antes? A senhora tinha um lugar assim pra ir?
183. M: Não... eu tinha um dinhero eu gastava, eu comprava.
184. E: A senhora sempre teve o dinheiro pra comprar comida?
185. M: Certo.
186. E: A senhora já passou fome alguma vez?
187. M: Não.
188. E: Sempre conseguiu se virar?
189. M: É.
190. E: A senhora conseguia o dinheiro sempre com a atividade da senhora?
191. M: Certo.
192. E: Entendi.
193. M: Eu morei em Goiânia, né.
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194. E: Na época que a senhora morou na rua foi aqui em Ribeirão ou foi em outra cidade?
195. Quando a senhora dormia na rua?
196. M: Ah lá em Santos eu dormia em hotel né, pensão...
197. E: Mas na rua mesmo, na calçada a senhora...?
198. M: Não, só aqui.
199. E: Só aqui em Ribeirão?
200. M: É.
201. E: Entendi.
202. M: Hoje a senhora consegue sobreviver com esse dinheirinho que a senhora faz o
203. serviçinho lá pro cara e ele dá o dinheirinho pra senhora por mês, é com esse dinheiro?
204. M: É tem uma mulher lá que tem uma pensão, ela me dá todo dia almoço, dá pra mim
205. almoçá, jantá.
206. E: Ah sim. Iii... a senhora... tem vontade assim... ou de voltar... ou ter uma casa da
207. senhora mesmo, voltar pra casa dos seus familiares, a senhora tem vontade?
208. M: Ah eu tinha vontade de tê uma casa, mas como eu não posso fazê nada agora, di...
209. di violência, tipo assim, de agi de alguém me enfrentá né, então eu sempre quero um
210. lugarzim que alguém ta me olhano.
211. E: A senhora sente vontade de voltar pros seus irmãos, pro seu irmão?
212. M: Ah não, eles tão tudo casado, tem filho, tem os pobrema deles, tem as... sogra que
213. ta de idade, duente, então... Eu tamém to duente né, tem que tá...
214. E: A senhora tem algum problema de saúde?
215. M: Não, o pobrema é só esse da quebradura.
216. E: Só os braços?
217. M: Eu já quebrei perna tudo, já sarou, mas agora né quebrei o braço, o cutuvelo né.
218. E: Então o único problema da senhora são as dores nos braços?
219. M: (Sinal afirmativo com a cabeça).
220. E: Problema de saúde assim do corpo...?
221. M: Problema de saúde num tenho não.
222. E: Iii... A senhora tem alguma lembrança daquela época, que foi mais marcante assim,
223. que a senhora não consegue esquecer? Da época que a senhora dormia na calçada?
224. M: De violência?
225. E: É, qualquer coisa, alguma lembrança, alguma coisa que não saia da sua cabeça.
226. M: Não, teve alguém que eu já gostei né e ele morreu, se matou com um tiro na boca,
227. é o finado A. V., já ouviu falá?
228. E: Não eu não sou daqui eu era de outra cidade.
229. M: Você é da onde?
230. E: Eu era de Guaíra, nasci em Guaíra, cidadizinha.
231. M: Ããh Guairá... Eu conheço Guariba. Aqui perto é Guá...?
232. E: Aqui perto eu acho que é Guariba.
233. M: Guariba né?
234. E: Guaíra é perto de São Joaquim da Barra, perto de Barretos...
235. M: É eu tinha um senhor lá da onde eu morava que ele tinha um... ele era de lá.
236. E: Esse rapaz que a senhora falou que ele se... que ele se deu um tiro. A senhora viu
237. isso, ou não?
238. M: Não.
239. E: Era conhecido da senhora?
240. M: Era. Era família rica da Paroli, era V. da família V.
241. E: E a senhora gostou dele?
242. M: Gostei muito dele, e eu quando eu freqüentava a Praça Quinze que eu era menor
243. né, na Bela Sicília ali eu ia sempre ali pa vê ele.
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344. E: É difícil?!
345. M: É, mais nóis têm que suportá né?! (Choro)
346. E: Num tem outro jeito?!
347. M: (Choro) Num tem... então tudo bem posso í embora?
348. E: A senhora já quer ir?
349. M: Quero.
350. E: Não, então tudo bem então. Se a senhora quiser conversar mais um pouquinho a
351. gente fica conversando, sem pressa.
352. M: (Recompondo-se) Eu quero imbora.
353. E: A senhora quer então ta bom. A gente agradece muito mesmo, a senhora ajudou
354. muuito, espero que a senhora consiga aí, né, se virar...
355. M: Espero revê-los por aí! Saúde!
356. E: Se Deus quiser! Ainda bem que a senhora tem bastante gente que a senhora falou
357. que a ajuda, né?!
358. M: Como é teu nome?
359. E: Rhianne e o dele é Tiago.
360. M: Rhianne, nome bonito, o meu é M.
361. E: Obrigada! Eu vou dar uma cópia para a senhora desse documento que a senhora
362. assinou pra nós, deixa eu só parar aqui...
53
Morador de Rua 3
Data: 05/11/2008
Entrevistador (E) – Bruno Alberto P. e Sant’Ana
Morador de Rua (J) – J. C. S.
94. J: Ah, morava numa casinha humilde de barro né cara, praquele lado de lá...
95. E: De uma forma geral foi difícil essa historia pra você?
96. J: Foi difícil...
97. E: É... Você vive mais em grupo, que nem você falou com seus parceiros, ou você
98. prefere andar durante o dia, andar sozinho?
99. J: Ah... de dia eu fico mais olhando carro né cara.
100. E: Mais sozinho né? E de noite vocês juntam pra...?
101. J: Pra durmi.
102. E: Aham... Além dos amigos que você já tem que você dorme junto, você faz amizade
103. normalmente?
104. J: Ah... ninguém qué faze amizade com nóis que é da rua, cê passa o povo tranca tudo,
105. fecha até os portão né...
106. E: Entendi. Você já sofreu muita violência na rua?
107. J: Ah, por parte da policia cara...
108. E: Mais por parte da policia, ou só por parte da policia?
109. J: Só por parte dela memo.
110. E: Assim, exclusivo da policia?
111. J: É... uma vez nóis tava durminu eles acorda nóis...
112. E: Mas por que eles acordam vocês?
113. J: Num sei... porque num gosta da gente né, sei lá...
114. E: É a toa assim, como se fosse meio por diversão?
115. J: É... diversão. Uma veiz socaru fogo no cochão da gente, era duas hora da manhã.
116. E: Foi a polícia?
117. J: Num qué nem que a gente durma aqui em baixo do pontilhão mais, cara!
118. E: É então... Por isso foi difícil deu achar vocês, eu estava passando aqui procurando
119. ali debaixo... na hora que eu desci o viaduto que eu vi vocês ali. É, deixa eu ver aqui...
120. Você já praticou violência na rua, já...?
121. J: Não.
122. E: Nem ser só física, verbal mesmo assim...?
123. J: Ah... não...
124. E: Tranqüilo... é... Sofre ou já sofreu preconceito?
125. J: Preconceito nóis sofre...
126. E: Como tava falando agora né...
127. J: É
128. E: E assim, como é que é pra você?
129. J: Ah, é duro né cara... cê passa por alguém, ta na porta assim, cê da um bom dia, já
130. pensa que cê vai pedi alguma coisa, já fecha o portão... é terrível.
131. E: E você se sente visível perante os outros, perante a sociedade?
132. J: Ah demais né cara... Cê se sente, ahhh... cê passa, fica todo mundo olhando, sua
133. ropa que ta vestido, que ta todo sujo né, o povo... cê fica ate com vergonha de passa no
134. meio do povo... assim no ponto de ônibus,fica te olhando...
135. E: Você ultimamente ta desempregado?
136. J: Uhum.
137. E: E você já foi procurar trabalho?
138. J: Ah já mais...
139. E: Que aí você saiu há cinco anos, você sempre ta procurando trabalho?
140. J: Ah...
141. E: Não, mas, que nem eu digo, procurando trabalho, que você disse que você ta
142. sempre olhando carro né.
143. J: Uhum.
56
144. E: Aí alem de olhar carro você procura trabalho, alguma coisa, ah...
145. J: Nem adianta, se cê for procurá ninguém vai te dá trabalho.
146. E: Aham... É, deixa eu ver aqui... perai que eu me perdi... É que, a única atividade que
147. você exerce é de olhar carro, ou você faz alguma outra coisa pra ganhar dinheiro?
148. J: Ah, junto papelão.
149. E: Então olha carro, junta papelão...
150. J: Aí dá um dinherinho pra...
151. E: Aham... Você recebe ajuda de alguma pessoa na rua, dando comida, alguma roupa,
152. um alimento...?
153. J: Nóis ate consegue sim.
154. E: Mas tem pessoas que normalmente ajudam vocês?
155. J: Pessoas não, só o grupo da casa espírita ali, que todo dia tem café cedo.
156. E: É todo dia...?
157. J: Todo dia.
158. E: Aí você toma café lá?!
159. J: É!
160. E: Fala um pouco do seu dia a dia assim, você acordou, o que você começa fazendo?
161. J: Ah... que eu acordo o que tem pra fazer, eu vo lá nesse café lá, toma um café, volta,
162. deita, e olha os carro, é só isso que tem no dia a dia.
163. E: Aí depois finalzinho de tarde...?
164. J: Finalzinho de tarde, aí num tem nenhum lugar pro cê toma um banho... Aí que cê
165. faz!?! Vai lá na Silvia ali no café, aí cê vai e janta lá, tem duas refeição.
166. E: Então tem café da manhã e jantar?
167. J: É a janta... café é na casa espírita, e a janta é ali, ali na João ramalho.
168. E: Aham... ta! Bom, aí depois que tem janta vocês se reúnem no local que vocês
169. dormem e ficam até adormecer...?
170. J: Até adormecê, conversando.
171. E: E qual que é a lembrança que é mais marcante desses cinco anos que você ta na rua
172. assim...? A coisa que mais te marcou?
173. J: A coisa que mais me marcou cara?
174. E: É...
175. J: Foi o que eu falei cara, de ta durminu, ta ligado, e a gente num mexe cum ninguém
176. cara, ta descansando ali e os cara chega, por fogo nos cochão da gente, entendeu?!
177. Fica humilhando, num precisava fazê isso cara, nóis temo nossa área aí cara...
178. E: Queimaram ate as roupas?
179. J: As roupa, cochão, lençol... Então isso, isso daí gera uma revolta né cara,que, as
180. autoridade fazê isso com quem, os morador de rua, que num mexe cum
181. ninguém... senão eu virava bandido, né cara?!
182. E: E o que você acha do seu futuro aí, o que ta vindo pela frente?
183. J: O meu futuro... acho... que num tem nem como fala né cara...
184. E: Você tem alguma expectativa? Alguma perspectiva, tipo, ah vai acontecer isso!...?
185. J: Ah... o que eu esperava era uma melhora né cara... Sair das ruas cara né, ter um...
186. E: Ter um lugar e uma casa...?
187. J: Uma casa né...
188. E: E você faz planos? Um plano pro desejo de conseguir ter essa casa?
189. J: Ah, só se eu arrumasse um trabalho né cara. Vo fala pro cê, eu num desejava muito
190. não, só desejava te uma casa, uma televisão, um sonzinho só, só isso cara...
191. E: O que você pensa assim, dessa situação que você ta hoje, como você se sente?
192. J: Ah, a gente se sente um Zé ninguém né cara, se sente um Zé ninguém...
193. E: J., obrigado pela entrevista ta?!
57
Morador de Rua 4
Data: 05/11/2008
Entrevistador (E) – Bruno Alberto P. e Sant’Ana
Morador de Rua (D) – D.M.F.
94. fiquei nervoso com aquilo, o cara quis compra a bronca, ...vê que era, não chegô a me
95. agredi, mas me deu um chute, foi só isso aí só...
96. E: Ta, mas nunca... só de Mirassol só, só esse caso?
97. D: Só esse.
98. E: E você já praticou violência na rua? Nesse tempo aí?
99. D: Violência, nenhuma.
100. E: Tem tipo, você sofre ou já sofreu preconceito? Por ser morador de rua?
101. D: Olha, eu vo ser sincero pra você, é... Todos nós que moramos na rua as pessoas
102. olham de uma maneira diferente, entendeu? Só que até hoje graças a Deus ninguém,
103. assim, me fez mal, ofendeu... ninguém me disse algo assim na minha cara que me
104. ofendesse em relação a isso.
105. E: E como é que você sente esse preconceito?
106. D: Olha, às vezes...
107. E: Que você percebeu...
108. D: Olha às vezes eu ouço assim, boato, aquela fofoca que, sabe, aquela coisa no ar
109. assim, mas eu faço de conta que num to escutanu.
110. E: É... Você se sente invisível perante a sociedade?
111. D: Não, não, eu me sinto visível, como os meus outros amigos moradores de rua,
112. todos vêem a minha situação, a nossa situação, eu procuro fazer assim o melhor,
113. procuro trabalhar e procuro me esforçar.
114. E: Aham, bom... Você falou que você ta desempregado, né?
115. D: Tô desempregado.
116. E: E nesse um ano aí, você foi procurar trabalho?
117. D: Olha, longe da minha cidade, a cidade de Limeira, de onde eu sou, eu trabalho que
118. eu encontrei hoje foi cata reciclado, fazê desenho que nem eu falei pra você, só isso.
119. E: Você faz desenho do que, falando nisso?
120. D: Faço desenho de fisionomia, de foto quando eu cato no reciclado, é que eu to sem
121. documento, meus documentos estão em Limeira.
122. E: Aham...
123. D: E documento principal, RG, eu num tenho... O resto eu tenho tudo, ta guardado lá
124. em Limeira.
125. E: É... Você exerce então, pra sobreviver você cata o reciclado e desenha...
126. D: É...
127. E: Beleza, hum... Você recebe ajuda de alguma pessoa conhecida, alguém que te ajuda
128. de alguma forma com roupa, alimento ou dinheiro, ou um aconchego que seja?
129. D: Eu vo te explica isso pra você... aqui em Ribeirão Preto mesmo, tanto as assistentes
130. sociais assim de café dá manha, dá comida, como pessoas assim voluntárias... Dia
131. desses aqui no centro de Ribeirão Preto, parô um senhor, eu tava catando reciclado,
132. ele me deu cinco reais, por exemplo, eu ganho, os meus amigos ganham, a gente
133. ganha dinhero, ganha ropa, teve esses cinco reais, que abrange a gente da rua aqui, dá
134. café da manha, dá almoço, dá um arroiz, dá uma ropa, isso aí...
135. E: E o que você acha dessa ajuda assim?
136. D: Olha, eu acho bom, pra mim serve, eu tenho só agradecer.
137. E: Uhum, ahn... Fala como que é seu dia... Acordou, o que vocês fazem até a hora de
138. dormir?
139. D: Olha, eu levanto de manhã, eu vo ser sincero pra você, eu tava catando reciclado
140. em geral, só que o preço do reciclado abaxou, eu desanimei... Aí passei a cata só
141. latinha só, e daí eu encontrei um amigo meu aqui em Ribeirão Preto que me deu uma
142. força... Eu vo volta a trabalha com ele, é capaz deu entra no meu rumo geral. Que
143. nem, o meu dia assim, eu amanheço disposto a trabalha, entendeu? Às vezes chega no
60
144. final do dia, eu sei que o ganho é poco, mas é mais pra disposição pra trabalho, pra
145. trabalhá, ganhá meu dinhero...
146. E: Mas aí você trabalha e o que mais você faz além de trabalhar no seu dia?
147. D: Olha eu vo ser sincero pra você , por exemplo, as vezes no final do dia, ou antes do
148. final do dia eu descanso,procuro um lugar assim, pra senta, pra descansar, eu deito,
149. entendeu, faço assim só pra descansa.
150. E: Não, tranqüilo, só tira um cochilo pra se preparar pra noite... Aí o que você faz a
151. noite?
152. D: A noite também agora eu deito e durmo, pra te uma noite, um descanso, as vezes de
153. madrugada eu saio, pra cata um reciclado...
154. E: Na madrugada?
155. D: É, as vezes na madrugada, e as vezes quando clareia o dia, o dia amanhece.
156. E: Começam cedo né?!
157. D: As vezes bem cedo, antes de clarear o dia.
158. E: Aham. Você tem alguma lembrança, algo que te marcou bastante nesse um ano que
159. você ta na rua? Alguma coisa que mexeu com você?
160. D: Perai... (pausa longa) num tenho...
161. E: Não,beleza! Ahn... Qual que é sua perspectiva pro futuro? O que você espera?
162. D: Olha, eu pretendo arrumar um trabalho fixo, se eu não consegui eu pretendo fugi...
163. Porque essa vida que eu levo é meio assim, uma vida duvidosa, cê entende? Às vezes
164. eu ganho muito, as vezes eu ganho poco, as vezes num ganho nada, é uma coisa assim
165. meio indecisa, incerta entende? Eu não tenho certeza do que eu vo te, do que eu vo
166. ganha, eu amanheço o dia assim a deriva, sem perspectiva, sem nada.
167. E: Ta. E assim, você faz algum plano pro seu futuro?
168. D: Eu faço o plano de consegui um emprego.
169. E: Esse é seu objetivo primordial?
170. D: É meu objetivo principal e primordial.
171. E: Legal... O que você pensa sobre essa situação que ta passando hoje de ser um
172. morador de rua, de ta nessa situação desempregado, qual é seu sentimento quanto a
173. isso?
174. D: Eu vo se sincero pra você, eu não culpo você, eu não culpo as pessoas, eu não
175. culpo a sociedade, eu reconheço que de certa forma é um pouco de culpa minha,
176. entende? E coisas do acaso, quem, por exemplo, eu não culpo ninguém por ta assim,
177. entende? Ninguém é o culpado, e cê tem pessoa que, eu já vi, já vi amigos que tão
178. nessa situação que eu to, “ai que num sei que tem”... Não, eu não culpo ninguém
179. não,eu assumo meu erro, porque cai nessa, eu te falei, por causa de problemas
180. familiares, por causa de desemprego, eu não culpo ninguém não, eu não culpo a
181. sociedade, eu não culpo você, por exemplo alguém tem um curso ae oh, eu não falo
182. que a pessoa é culpada...eu assumo meu erro...
183. E: Legal, você quer falar mais alguma coisa pra gente finalizar?
184. D: Não... não...
185. E: D., muito obrigado pela entrevista.