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Trechos de A gramática é uma canção doce

A gramática é uma canção doce, de Erik Orsenna, é uma narrativa que pretende abordar
assuntos de gramática. Resumo o enredo no parágrafo seguinte.
Depois de um naufrágio, Jeanne, de dez anos, e o seu irmão Thomas, de catorze,
chegam a uma ilha desconhecida. Levados por Monsieur Henri, visitam depois uma
terra em que as pessoas, esvaziadas das suas palavras na sequência de um
acontecimento dramático, decidiram desistir de falar. Jeanne e Thomas vão então à
descoberta de um local povoado por palavras.
Os trechos que transcrevo descrevem essa cidade — cujos
habitantes são palavras — e servem para rever aspectos
estudados no ano passado. (Devo dizer que a ideia de
construir uma narrativa em torno da gramática é boa, mas a
sua concretização acaba por nos desiludir um pouco.)

Imagino, meus caros, que sejam como eu era antes de


chegar à ilha. Só tinham aprendido palavras aprisionadas,
palavras tristes, embora fingissem provocar o riso. Portanto,
sou obrigada a dizer-vos: quando são livres de ocupar o
tempo como entendem, em vez de estarem ao nosso serviço,
as palavras vivem uma existência feliz. Passam os dias a
disfarçar-se, a maquilhar-se e a casar-se.
De início, do alto da colina, não compreendi nada. As palavras eram tão numerosas. Só
via uma grande desordem. Sentia-me perdida naquela multidão. Precisei de tempo, só
aos poucos aprendi a reconhecer as principais tribos que compõem o povo das palavras.
Porque é verdade que as palavras se organizam em tribos, como os humanos. E cada
tribo tem o seu ofício.
O principal ofício é o de designar as coisas. Já visitaram um jardim botânico? Em frente
de cada planta rara, espetaram um cartão, uma etiqueta. É o principal ofício das
palavras: colar um rótulo a todas as coisas do mundo, para que sejam reconhecidas. E o
mais difícil dos ofícios. Há tantas coisas e coisas tão complicadas e que mudam
constantemente! E, no entanto, todas têm de ter uma etiqueta. As palavras encarregadas
deste terrível ofício chamam-se nomes. A tribo dos nomes é a mais importante, a mais
numerosa. Há nomes masculinos e nomes femininos. Há nomes que rotulam os
humanos: são os nomes próprios. Por exemplo, as Jeanne não são Thomas (felizmente).
Há nomes que rotulam as coisas que vemos e os que rotulam coisas que existem mas
que permanecem invisíveis, os sentimentos, por exemplo: a raiva, o amor, a tristeza...
Compreendem agora por que é que na cidade, na base da colina, pululam os nomes. As
outras tribos de palavras tiveram de lutar para ocupar um lugar.
Por exemplo, a minúscula tribo dos artigos. O seu papel é simples e bastante inútil,
confessemos. Os artigos antecedem os nomes, agitando uma bandeirola, o nome que se
segue é masculino, atenção, é feminino! O tigre, a vaca.
Os nomes e os artigos passeiam-se juntos, de manhã à noite. E, de manhã à noite, a sua
ocupação favorita consiste em encontrar uma roupagem ou um disfarce. Como se se
sentissem nus, caminhando assim pelas ruas. Talvez sintam frio, mesmo à luz do sol.
Portanto, passam o tempo nas lojas.
As lojas estão a cargo da tribo dos adjectivos.
Observemos a cena, sem fazer barulho (de contrário, as palavras assustar-se-ão e
esvoaçarão em todos os sentidos, passar-se-á muito tempo antes que as voltemos a ver).
O nome feminino «casa» empurra a porta, precedido de «a», o seu artigo-bandeirola.
— Bom-dia, sinto-me um tanto despida, gostaria de me ver mais composta.
— Temos tudo aquilo de que precisa nos nossos expositores — diz o gerente,
esfregando as mãos perante a ideia de um bom negócio.
O nome «casa» dá início às provas. Quanta perplexidade! Como é difícil a decisão!
Aquele adjectivo em vez do outro? A casa tacteia. A escolha é tão vasta! Casa «azul»,
casa «alta», casa «forte», casa «algarvia», casa «familiar», casa «florida»? Os adjectivos
rodopiam em volta da casa cliente com ares sedutores, para serem escolhidos.
Após duas horas desta estranha dança, a casa sai da loja com o qualificativo que mais
lhe agrada: «encantada». Satisfeita com a compra, repete ao seu fiel artigo:
— «Encantada», estás a imaginar, eu que tanto gosto de fantasmas, nunca mais me
sentirei sozinha. «Casa» é banal. «Casa» e «encantada», estás a ver bem? Doravante,
serei o edifício mais interessante da cidade, vou assustar as crianças, oh como me sinto
feliz!
— Espera — interrompeu-a o adjectivo —, não te precipites. Ainda não chegámos a um
acordo.
— Acordo? Que queres tu dizer?
— Vamos à Conservatória. Já vais ver.
— À Conservatória! Não queres casar comigo, espero bem?
— Tem de ser, já que me escolheste.
— Pergunto a mim mesma se terei procedido bem. Não serás um adjectivo demasiado
pegajoso?
— Todos os adjectivos são pegajosos. Faz parte da sua natureza.

***
Thomas, a meu lado, seguia estas trocas de ideias com tanta paixão quanto eu. As horas
iam passando sem que nos lëmbrássemos de almoçar. O interesse do espectáculo calara
as exigências dos nossos estômagos. Tanto mais que, à frente da Conservatória, crescia
a agitação. Aproximava-se a hora dos casamentos, que não queríamos perder sob
nenhum pretexto.

*******
Para dizer a verdade, tratava-se de casamentos bem estranhos. Eram sobretudo laços de
amizade. Como nas escolas de antigamente, quando não eram mistas. No reino das
palavras, os rapazes ficam com os rapazes e as raparigas com as raparigas.
O artigo entrava por uma porta, o adjectivo por outra. Por fim, vinha o nome.
Desapareciam os três. O telhado da Conservatória ocultava-os do meu olhar. Teria dado
tudo para assistir à cerimónia. Imagino que o conservador lhes tenha recordado os seus
direitos e deveres, agora que se encontravam unidos para o melhor e para o pior.
Saíam juntos, de mãos dadas, masculinos ou femininos: o palácio encantado, a casa
encantada... Talvez lá dentro o conservador tivesse instalado um distribuidor
automático, os adjectivos abasteciam-se de «a» final para se casarem com um nome
feminino. Nada mais dócil e maleável do que o sexo de um adjectivo. Muda à vontade,
adapta-se ao cliente.
Como é evidente, nesta tribo dos adjectivos, havia alguns menos disciplinados.
Impossível modificá-los. A sua terminação ficara determinada logo à nascença. Esses
assistiam à cerimónia de mãos nos bolsos. «Fascinante», por exemplo. Esta astuciosa
palavra preparara o golpe. Vi-a entrar duas vezes na Conservatória, a primeira com
«história», a segunda com «músico». Uma história fascinante (perfeitamente feminina).
Um músico fascinante (perfeitamente masculino). «Fascinante» saiu com altivez.
Cumpridas as regras mas sem nenhuma alteração. Voltou-se para o cimo da minha
colina. Tive a impressão de que me piscou o olho: estás a ver, Jeanne, não cedi, pode-se
ser adjectivo e conservar a sua identidade.
Deliciosos adjectivos, indispensáveis companheiros! Como seriam sensaborões, os
nomes, sem as prendas que os adjectivos lhes dão, o sainete que lhes conferem, a cor, os
pormenores...
E, no entanto, como são maltratados!
Vou dizer-vos um segredo: os adjectivos têm uma alma sentimental. Acreditam que o
seu casamento durará para sempre... É por conhecerem mal a infidelidade congénita dos
nomes, verdadeiros rapazes, esses, que mudam de qualificativo como quem muda de
camisa. Ainda mal chegaram a acordo e já se desfazem do adjectivo, regressam à loja
para ir buscar outro e, sem a menor perturbação, voltam à Conservatória para um novo
casamento.
A casa, por exemplo, decerto não suportava os seus fantasmas. Em dois tempos, três
movimentos, preferiu subitamente «histórica». «Histórica», «casa histórica», estão a
entender, por que não «aristocrática» ou «principesca»? E o infeliz adjectivo
«encantada» viu-se sozinho a vaguear pelas ruas, qual alma penada, implorando que
alguém o aceitasse: «Ninguém me quer? Confiro mistério a quem me escolher: uma
floresta, haverá algo mais banal do que uma floresta sem adjec tivo? Com «encantada»,
a floresta mais insignificante sai do anonimato...»
Infelizmente, os nomes passavam por «encantada» sem lhe lançar um olhar.
Era de cortar o coração, todos estes adjectivos abandonados.
[...]
Entretidos com o espectáculo, não ouvíramos aproximar-se o Sr. Henri. Começávamos
a conhecê-lo melhor. Por detrás daquele ar eternamente risonho (rir era a sua forma
pessoal de gentileza), adivinhava-se, naquela noite, uma verdadeira felicidade. Devia ter
descoberto a rima que procurava para a sua canção.
— Apaixonante, não é verdade? Venho aqui muitas vezes, para as ver viver. Gosto da
companhia das palavras. Reparem, tenho a certeza de que ainda não observaram a tribo
das pretensiosas! Falemos mais baixo. As palavras têm um ouvido sensível. E são
animais muito susceptíveis. Estás a ver aquele grupo, além, sentado nos bancos perto do
candeeiro; «eu», «tu», «este», «aquele». Vê-los? É fácil distingui-los. Não se misturam
com as outras palavras. Andam sempre juntos. É a tribo dos pronomes.
O Sr. Henri tinha razão. Os pronomes olhavam para as outras palavras com tanto
desprezo...
— Foi-lhes atribuído um papel muito importante: substituir, em certos casos, os nomes.
Por exemplo, em vez de dizermos «Jeanne e Thomas naufragaram, Jeanne e Thomas
deram à costa numa ilha onde Jeanne e Thomas reaprendem a falar»... em vez de
repetirmos eternamente Jeanne e Thomas, é preferível utilizar o pronome «eles».
Enquanto o Sr. Henri falava, um pronome, «estes», ergueu-se do banco e saltou para
cima de um nome plural que passava tranquilamente, precedido do seu artigo, «os
futebolistas». Num ápice, «os futebolistas» desapareceram, como que engolidos por
«estes». Nem rasto dos futebolistas, «estes» haviam-nos substituído. Eu nem queria
acreditar no que via.
— Estão a ver, os pronomes não se limitam a ser pretensiosos. Podem mostrar-se
violentos. De tanto esperarem por uma substituição, perdem a paciência.
O Sr. Henri divertia-se muito com o nosso espanto.
— O que é que pensam? Não se fiem nos seus ares de doçura, de gentileza, de poesia.
As palavras lutam muitas vezes entre si, e podem assassinar-se, como os humanos.
Continuava a inspeccionar:
— Vejam, dir-se-ia que os celibatários procuram uma noiva para passar a noite!
Ainda não tínhamos distinguido esta tribo das outras, embora ela seja a única a não se
interessar pela Conservatória. Evidentemente, não se interessa por casamentos. Aquela
gente só procura aventuras efémeras. O Sr. Henri confirmou-nos a nossa impressão.
— Ah, os advérbios! Verdadeiros invariáveis, estes! Não há maneira de estabelecer uma
concordância. As mulheres bem poderão tentar, não conseguirão nada.
Apercebi-me do meu sorriso. A grande desordem em que a tempestade mergulhara a
minha cabeça dissipava-se aos poucos. Nomes, artigos, adjectivos, pronomes,
advérbios... Formas que eu conhecera antes emergiam lentamente do nevoeiro. Eu sabia
agora, e para sempre, que as palavras eram seres vivos reunidos em tribos, que
mereciam o nosso respeito, que viviam, se as deixássemos em liberdade, uma existência
tão rica quanto a nossa, com a mesma necessidade de amor, a mesma violência oculta e
ainda mais fantasia jovial.
[...]
Avançámos alguns passos, em direcção a uma grande vidraça por detrás da qual, em
vários andares, se atarefavam outras palavras. Pela maneira como se agitavam
constantemente, e em todos os sentidos, dir-se-ia tratar-se de formigas.
— E destas, lembras-te?
O meu ar desolado forneceu-lhe a resposta.
— São os verbos. Olha para eles, maníacos do trabalho. Nunca descansam.
Falava verdade. Estas formigas, estes verbos, como lhes chamara, ajustavam,
esculpiam, roíam, reparavam; forravam, poliam, limavam, aparafusavam, serravam;
bebiam, cosiam, mungiam, escovavam, multiplicavam-se. No meio de uma cacofonia
incrível. Dir-se-ia uma oficina de loucos, todos se afadigavam freneticamente sem se
ocupar dos outros.
— Um verbo não é capaz de se manter quieto — explicou-me a girafa —, está na sua
natureza. Trabalha vinte e quatro horas por dia. Já viste aqueles dois, ali adiante, a
correr por todo o lado?
Levei algum tempo a distingui-los, naquela terrível desordem. Subitamente, avistei-os,
«ser» e «ter». Oh, como eram comovedores! Andavam de verbo em verbo, oferecendo
os seus serviços: «Não precisam de ajuda? De um pequeno auxílio?»
— Viste como são prestáveis? É por isso que se chamam auxiliares, do latim auxilium,
socorro. E, agora, chegou a tua vez. Vais construir a tua primeira frase.
E o homem-girafa estendeu-me uma rede de caçar borboletas.
— Começa pelo mais simples. Vai ali adiante, à gaiola, e escolhe dois nomes. Depois,
escolherás o verbo no formigueiro. Anda, não tenhas medo, eles conhecem-te, gostam
muito de ti, não te morderão.
Achei-lhe graça, ao director-girafa, gostaria de o ter visto no meu lugar. Ainda mal
empurrara a porta e já me sentia assaltada, sufocada, cega, os nomes lutavam, entravam-
me pelos olhos, pelas narinas, pelos ouvidos, espirrei, tossi, quase morri, todos queriam
ser escolhidos, realmente deviam entediar-se naquela prisão. Prestes a desmaiar, agarrei
dois pelas asas, ao acaso, «flor» e «diplodoco», e voltei a fechar a porta, pálida, trémula,
meio-morta.
A girafa nem me deu tempo para respirar.
— Anda, agora tens de pescar um verbo.
Prevenida pela minha experiência anterior, limitei-me a meter a mão no formigueiro.
Num segundo, a minha mão ficou coberta, foi mordida, lambida, arranhada, mas
também acariciada, besuntada, esfregada, maquilhada. As formigas-verbos estavam
felicíssimas. Desvanecida com tantas atenções, deixei-as trabalhar por uns segundos e,
depois, retirei-me com uma delas, agarrada ao acaso, «rilhar».
— Muito bem, passa pelo distribuidor de artigos e depois procura-me. Mais sensatos,
estes. Uma colónia «masculina», outra «feminina», bastou-me apoiar no botão para que
me caíssem na palma da mão as vanguardas necessárias, um «o» e um «a».
Perfeito, agora senta-te ali, àquela secretária, põe as tuas palavras na folha de papel e
forma a frase.
Continuava a pegar pelas asas nas palavras que tanto me tinham custado a agarrar, não
queria largá-las, receava que me escapassem. Vendo bem, uma frase, para uma palavra,
é uma prisão. Preferiam, com certeza, passear sozinhas, como na cidade de que eu e o
Sr. Henri tanto tínhamos gostado.
Foi ele que veio em meu auxílio.
Confia no papel, Jeanne. As palavras gostam do papel como nós gostamos da areia da
praia ou dos lençóis em que nos deitamos. Mal tocam numa folha, apaziguam-se,
ronronam, tornam-se mansas como cordeiros, experimenta, verás que não há
espectáculo mais bonito do que uma sucessão de palavras numa folha de papel.
Obedeci. Larguei «flor», depois «rilhar», por fim «diplodoco». O Sr. Henri não me
mentira: o papel era a verdadeira casa das palavras. Mal se deitavam nele, cessavam de
se agitar, fechavam os olhos, abandonavam-se como uma criança a quem contamos uma
história.
— Sentes-te contente contigo?
A voz da girafa pôs termo à minha contemplação enternecida. Olhei para a frase que
formara, a primeira depois do meu naufrágio, e soltei uma gargalhada:
«A flor rilhar o diplodoco.»
— Onde é que já viste isto? Uma planta frágil devorar um monstro! Em geral, a
primeira palavra de uma frase é o sujeito, aquele ou aquela que exerce a acção. A última
é o complemento, porque completa a ideia indicada pelo verbo...
Enquanto ele falava, alterei rapidamente a ordem. «O diplodoco rilhar a flor.»
— Prefiro assim. Aqui entre nós, não sei se esses grandes animais apreciariam flores.
Seja. Última etapa, vamos datar o verbo. «Rilhar» é demasiado vago. E não nos diz
quando se passou! Precisamos de atribuir um tempo ao verbo. Mais um esforço, Jeanne,
concentra-te. Estás a ver aqueles grandes relógios, lá em baixo? Vai lá. E escolhe.

***
Uma família de relógios muito altos, com grandes pêndulos de cobre, erguia-se numa
espécie de estrado de madeira. Dir-se-ia que, do alto dos seus mostradores, vigiavam a
fábrica mais necessária do mundo.
Subi os degraus, de coração aos pulos e a folha de papel na mão, com a sua minúscula
frase.
Aproximei-me do primeiro relógio. O pêndulo tranquilizou-me. Oscilava como era seu
hábito, para a esquerda, para a direita, regularmente. O relógio apre sentava uma
abertura, rasgada como a de uma caixa de correio. Com toda a naturalidade, confiei-lhe
a minha folha de papel. Ouvi chiar a engrenagem, três notas de carrilhão. E a frase foi-
me devolvida, com a minha frase completada: «O diplodoco rilha a flor.» Só então olhei
para o cartaz: RELÓGIO DO PRESENTE.
Encorajada pelo Sr. Henri, prossegui o meu passeio pelo tempo. Os outros dois relógios
apresentavam-se como do passado. Os seus dois pêndulos entregavam-se a um estranho
jogo: puxados para a esquerda, não desciam. Pareciam partidos. E por que razão dois
relógios? Nada parecia mais simples do que o passado. O passado: o reino do que
acabou e não voltará.
— Experimenta um a seguir ao outro. E compreenderás.
Enviada duas vezes a minha folha de papel, e duas vezes devolvida, pude comparar. O
Sr. Henri lia por cima do meu ombro e comentava:
— «O diplodoco rilhava.» Estás no pretérito imperfeito. É um passado, sem dúvida,
mas um passado que durou muito, um pretérito que se repetia: que faziam eles durante
todo o dia, os diplodocos, do dia 1 de Janeiro até ao dia 31 de Dezembro? Rilhavam.
Mas, aqui, «rilhou», está no pretérito perfeito. Isto é, um passado que durou apenas um
instante. Num dia em que, excepcionalmente, talvez por motivo de indigestão, o
diplodoco não tinha fome, rilhou uma flor. Durante o resto do tempo, devorava.
Compreendes?
Perfeito, nada mais perfeito do que este passado. Passei ao relógio seguinte, o do futuro.
O pêndulo também se encontrava bloqueado, mas do outro lado, em cima e à direita.
Introduzi a minha folha de papel e «rilhar» passou a «rilhará». O diplodoco entrara no
futuro: amanhã, fará uma ligeira refeição de flores!
No último relógio, de grandes dimensões, o pêndulo parecia louco. Oscilava em todos
os sentidos, mais catavento do que pêndulo, sabe-se lá ao sabor de que fantasia.
— É o condicional — explicou o Sr. Henri. — Nada é certo, tudo pode acontecer, mas
tudo depende das condições. Se o tempo estivesse bom, se o gelo derretesse, se..., se...,
então o diplodoco rilharia, estás a entender? Talvez rilhasse, mas não to posso garantir.
O presente, os dois pretéritos, o futuro, o condicional... Eu fechara os olhos e arrumava
cuidadosamente na minha cabeça todas estas espécies de tempos.
— Bem, Jeanne, tenho de me ir embora. A fábrica é tua. Como vês, não te menti.
Conheces alguma fábrica mais útil? Haverá no mundo alguma coisa que seja mais
necessário fabricar para os humanos do que frases? Compreendeste o princípio.
Encontrarás a loja dos adjectivos por detrás do mostruário dos nomes. E também um
distribuidor de preposições para os com plementos indirectos: ir a Paris, regressar de
Nova lorque. Última recomendação: cuida bem da folha de papel. É ela, e só ela, que
sabe captar as palavras. No ar, estas são muito volúveis. Bem, vou deixar-te. Boas
frases! Logo à noite quero vê-las. Tenho uma canção à minha espera.
O Sr. Henri tocou-me no ombro e desapareceu.
[...]

Brinquei durante todo o dia. Tinha a impressão de que reencontrara os cubos da minha
infância.
Combinava, acumulava, desenvolvia. Descobrira, percorrendo a fábrica, outros
distribuidores. O das interjeições (Ah! Bem! Basta!), o das conjunções (mas, porém, e,
pois, logo, ora, nem...), pequenas palavras muito úteis para relacionar pedaços de frases.
Com o decorrer das horas, o meu diplodoco estendia-se, esticava-se, crescia em
tamanho, serpenteava como um rio, transcendia a folha de papel...
O director-girafa nem queria acreditar quando viu o meu trabalho: «No fundo da
floresta impenetrável, o gigantesco e esverdeado diplodoco confiava aos amigos,
chorando, que rilhara por engano a flor delicada, amarela, rara, nem europeia nem
americana mas asiática, que um vendedor ambulante aterrorizado lhe vendera por uma
bagatela e que a sua noiva, uma loura rabugenta, colérica, rubicunda e no entanto
ternamente amada, aguardava impaciente há anos».
— Uma frase é como uma árvore de Natal. Começas pelo pinheiro nu e depois
ornamenta-lo, decora-lo à tua vontade... até se desmoronar. Atenção à frase: se a
carregares demasiado de grinaldas e bolas, isto é, de adjectivos, de advérbios e de
pronomes relativos, ela também pode desmoronar-se.
Prometi a mim mesma que, para a próxima, construiria uma frase mais leve.
— Não te preocupes. Os principiantes sobrecarregam sempre. A fábrica é tua. Como de
todos os habitantes da ilha que queiram divertir-se com as frases. Olha.
Voltei-me. Entregue ao meu trabalho, não prestara nenhuma atenção às pessoas que me
rodeavam. Todavia, elas eram às dezenas, homens e mulheres de todas as idades,
entretidas a brincar, como eu. Correndo da gaiola dos distribuidores, cercando os
relógios e sorrindo de felicidade quando, no papel, o resultado correspondia às suas
expectativas ou, melhor ainda, os surpreendia.
— Os verdadeiros amigos das frases são como os fabricantes de colares. Enfiam pérolas
e ouro. Mas as palavras não se limitam a ser bonitas. Dizem a verdade.

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