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PAR A CONVERSAR NA IGREJA

conversando sobre
A BÍBLIA
CONVERSANDO SOBRE A BÍBLIA
SÉRIE PARA CONVERSAR NA IGREJA

Copyright © Editora Ultimato


Todos os direitos reservados

Primeira edição eletrônica: Julho de 2020


Coordenação editorial: Reinaldo Percinoto Junior
Preparação: Marcos Bontempo
Ariane Gomes
Klênia Fassoni
Capa: Ana Cláudia Nunes
Diagramação: Bruno Menezes

PUBLICADO NO BRASIL COM TODOS OS DIREITOS RESERVADOS POR:


EDITORA ULTIMATO LTDA
Caixa Postal 43
36570-970 Viçosa, MG
Telefone: 31 3611-8500
www.ultimato.com.br

facebook.com/editora.ultimato twitter.com/ultimato instagram.com/editoraultimato


SUMÁRIO

Introdução à série 5
Como usar 7
Introdução 8

1. Ó, Senhor Deus, que Palavra! 12


Klênia Fassoni

2. A teologia como deveria ser 16


Lissânder Dias

3. A autoridade das Escrituras 21


N. T. Wright

4. Generosidade: o que a Bíblia ensina sobre isso 28


Vilson Scholz

5. De quem é o Evangelho? 34
Ronaldo Lidório

6. O uso da Bíblia 41
John Stott

Recursos 48
Frases 50
Leituras sugeridas 54
PARA CONVERSAR NA IGREJA

INTRODUÇÃO À SÉRIE

PARA CONVERSAR NA IGREJA é o nome da série de e-books


da Editora Ultimato, pensada e organizada tendo em vista a
comunhão e o desenvolvimento integral da Igreja em dife-
rentes campos da cultura e da vida cristã em comunidade.
A série coloca à disposição do leitor uma cesta de ferra-
mentas e recursos para estudo em grupo ou individual, para
uso dominical e comunitário, bem como para desenvolvi-
mento pessoal dos membros da igreja, possibilitando assim
o treinamento, a maturidade e o testemunho do Corpo de
Cristo (Efésios 4. 11-32).
Cada título da série oferece textos, estudos bíblicos e
outros recursos selecionados a partir do conteúdo online,
dos livros e da revista Ultimato, sempre com abordagem
cristocêntrica e bíblica de temas que a experiência milenar da
CONVERSANDO SOBRE A BÍBLIA

Igreja tem demonstrado ser o alicerce imprescindível, o funda-


mento, de toda comunidade que pretenda seguir os passos do
seu Mestre e Senhor (1 João 2.5-6).
Que a graça de Deus nos dê raízes fortes, para que os frutos
sejam duradouros!

Marcos Bontempo
DIRETOR EDITORIAL

OUTROS TÍTULOS DA SÉRIE


Conversando Sobre a Oração
Conversando sobre a Família e seus Desafios

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PARA CONVERSAR NA IGREJA

COMO USAR

EMBORA OS RECURSOS, TEXTOS E ESTUDOS BÍBLICOS sejam


independentes entre si e não tenham uma ordem sequencial
obrigatória, sugerimos a você leitor fazer uso de todo o material,
possibilitando o contato com aspectos diferentes e igualmente
edificantes sobre cada tema abordado.
O e-book pode ser utilizado individualmente ou em peque-
nos grupos, em casa ou na igreja, em momentos especiais ou
durante as programações já agendadas. Por exemplo, você
pode convidar um pequeno grupo da sua igreja para estuda-
rem juntos este material; ou utilizar os e-books como subsídio
para seu grupo de discipulado ou classe de Escola Dominical.
As possibilidades são enormes e nossa esperança é que esta
“caixa de ferramentas” se torne, de fato, uma rica oportunidade
de reflexão, aprendizado e celebração do conteúdo bíblico e da
confiança do povo de Deus no único Senhor da história.
Mãos à obra!
PARA CONVERSAR NA IGREJA INTRODUÇÃO

A BÍBLIA: O LIVRO QUE


NÃO TEM CONCORRÊNCIA
Jonh Stott

COMPREENDER E COMPARTILHAR as Escrituras com as novas


gerações tem sido um desafio e grande privilégio. Minha
preocupação pessoal é permitir que Deus examine primeiro
a mim mesmo, que eu escute sua Palavra com humildade.
Leio a Bíblia toda a cada ano: o Antigo Testamento uma vez
e o Novo Testamento, duas. É bom estudar a Bíblia para
esclarecê-la, mas é ainda mais importante colocar-se debaixo
da autoridade da Escritura e receber com mansidão o que ela
– ou mais exatamente, Deus – tem para nos dizer.
Estou convencido de que a Escritura é “inspirada por Deus”
(quer dizer, se origina nele) e útil (valiosa para nós), segundo
afirma 2 Timóteo 3.16. Esta é a razão pela qual sempre devemos
manter unidas a autoridade e a interpretação da Bíblia. Seria
de pouco valor reconhecer que a Bíblia tem autoridade, se não
pudéssemos compreendê-la. Mas também não teria valor
uma Bíblia que fosse inteligível mas carecesse de autoridade.
CONVERSANDO SOBRE A BÍBLIA

Necessitamos, então, de uma Bíblia que seja tanto inteligível


quanto autoritativa. Por isso, diariamente me humilho e clamo
a Deus para que ele me fale através de sua Palavra e para que
me dê a graça para entender, crer e obedecer.

MEUS COMEÇOS COM A PALAVRA DE DEUS


Esta vocação para as Escrituras começou com minha mãe.
Ela tinha sido criada num lar luterano muito piedoso, e ensi-
nou às minhas irmãs e a mim a ler todo dia um fragmento da
Bíblia. Continuei com esta disciplina por amor a ela e como
rotina, mas sem entender o que estava lendo. Só depois de
minha conversão, aos dezessete anos, a Bíblia começou a ter
sentido para mim.
O reverendo E. J. H. Nash, que me havia levado a ter um
encontro pessoal com Cristo, continuou a me incentivar nesta
disciplina e me transmitiu algo de seu próprio amor pela Bíblia.
Encontrei um deleite cada vez maior nela, tal como expresso no
Salmo 119. Ela se converteu em minha comida e bebida diárias.
Meu tutor também me deu a oportunidade de expor a
Palavra em acampamentos ou em reuniões caseiras que ele
organizava para os jovens. Eu ansiava ajudar a outras pessoas a
descobrir as verdades da salvação na Palavra de Deus, as quais
haviam sido incompreensíveis para mim durante tanto tempo.

O LUGAR DAS CULTURAS


Meu aprendizado não seguiu um desenvolvimento ordenado e
gradual. No entanto, reconheço que houve um processo e, de
fato, muito enriquecimento. Talvez a aquisição mais importante
tenha sido o reconhecimento da influência inevitável que cada
cultura tem, tanto nos autores quanto nos leitores da Bíblia.
Todos nós estamos imersos em uma cultura particular. Quer
dizer, somos o produto e, em alguma medida, prisioneiros de

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CONVERSANDO SOBRE A BÍBLIA

nosso ambiente. Todos recebemos nossa herança cultural junto


com o leite materno. Consequentemente, corremos o risco de
ler e interpretar a Bíblia de acordo com as premissas, as per-
guntas e as agendas que nossa cultura nos forneceu. É possível
que a visão de Deus seja totalmente diferente. Nossas defesas
culturais podem nos impedir de ouvir o “trovão da Palavra de
Deus”, e assim ficamos com os ecos reconfortantes de nossos
próprios preconceitos culturais.
Por outro lado, os escritores bíblicos também pertenciam a
uma determinada cultura. Deus escolheu falar a eles e através
deles, dentro de seu próprio meio cultural. Nem uma só palavra
de Deus foi dita em um vazio cultural. Nossa relutância evan-
gélica em aceitar esta verdade surge do temor que sentimos
de subtrair autoridade da Bíblia se admitirmos que ela é cul-
turalmente condicionada. No entanto, compreender o marco
cultural não implica em retirar a autoridade das Escrituras.
De maneira enfática, devo dizer que não temos a liberdade
de recusar nenhum ensinamento bíblico simplesmente porque
ele foi dado em termos culturais específicos. O que devemos
sim, fazer, é aprender a prática da transposição cultural; quer
dizer, identificar primeiro a essência do que Deus está dizendo
em uma passagem em particular, a fim de preservá-la, e,
logo, transportá-la de seu contexto cultural original ao nosso
contexto contemporâneo.

ALEGRIAS DA TAREFA HERMENÊUTICA


Também encontro alegrias na tarefa interpretativa. Uma delas
é descobrir com uma nova luz uma verdade antiga, quando o
Espírito Santo ilumina nossa mente para captá-la. O mesmo que
ocorreu com os discípulos de Emaús: quando é Cristo quem abre
as Escrituras nosso coração arde dentro de nós (Lucas 24.32).

10
CONVERSANDO SOBRE A BÍBLIA

Nada faz que nosso coração arda tanto como enxergar a verdade
de uma maneira nova.
Dia a dia me entusiasma a crescente convicção da relevância
deste Livro “antigo” no mundo moderno. Recordo que apre-
sentei em Londres, semanalmente, durante vários meses, a
carta aos Gálatas. Esta exposição se converteu posteriormente
no primeiro volume da série “A Bíblia Fala Hoje” (ABU Editora).
Durante esta época, constantemente eu dizia a mim mesmo:
“Aqui estamos, uma congregação de pessoas instruídas, a
maioria estudantes e profissionais, comprovando semana após
semana que vale a pena reunir-se para estudar cuidadosa e
sistematicamente uma carta do primeiro século, escrita por
um judeu pouco atrativo, dirigida a pequenas comunidades
cristãs localizadas nos Montes de Tauro (atualmente Turquia)
e descobrirmos que seu conteúdo tem relevância direta com
os londrinos do século 20”! Isto é realmente extraordinário!
Nenhum outro documento antigo pode concorrer com isto.

Texto publicado originalmente em “Así Leo la Biblia: como se forman maestros


de la Palabra”, Certeza Unida, 1999, pag. 83-86 e 88.

JOHN STOTT se tornou célebre no mundo inteiro como teólogo,


escritor e evangelista. Foi pastor emérito da All Souls Church, em Lon-
dres, e fundador do London Institute for Contemporary Christianity.
Foi indicado pela Revista Time como uma das cem personalidades
mais influentes do mundo.

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PARA CONVERSAR NA IGREJA CAPÍTULO 1

Ó, SENHOR DEUS, QUE PALAVRA!


Klênia Fassoni

O SALMO 119, o capítulo mais longo da Bíblia, é uma poesia de


louvor à Palavra de Deus. Uma leitura dos versos organizados
em tópicos mostra quanto o seu autor conhece bem a Palavra
e, talvez por isso, é também exímio conhecedor de si mesmo.
O salmista está convencido de que as Escrituras são a Palavra
de Deus. Ele as chama de leis, mandamentos, preceitos, cami-
nhos ou ensinamentos e declara que eles são maravilhosos,
perfeitos, justos, verdadeiros, eternos.
Ao louvar a Palavra, ele a compara às coisas de que gosta:
seus preceitos são mais doces do que o mel [103] e mais va-
liosos do que o ouro puro [127]; declara seu apreço: costumo
repeti-los em voz alta [13]; gosto de pensar neles [24]; faço
canções sobre os teus mandamentos [54]; levanto-me no
meio da noite para te louvar [62]; amo e penso [na lei do
Senhor] o dia todo [97].
CONVERSANDO SOBRE A BÍBLIA

Sua lealdade à Palavra é afirmada de forma intensa: eu me


apresso em obedecer aos teus mandamentos [32]; eu quero
muito obedecer às tuas leis [40]; eu respeito e amo teus man-
damentos [48]; meu desejo é cumprir toda a palavra [108]; o que
mais desejo na vida é obedecer aos teus mandamentos [131].
O salmista tem consciência de que a Palavra tem valor
vital: viverei poucos anos aqui na terra; não escondas de mim
os teus mandamentos [19]; nunca esquecerei os teus ensina-
mentos, pois é por meio deles que tens conservado a minha
vida [93]; a tua Palavra é luz que ilumina o meu caminho [105].
Ele também reconhece a abrangência da Palavra: tenho visto
que todas as coisas têm o seu limite, mas o teu mandamento
se aplica a tudo [96].
A Palavra para ele é fonte e motivo de alegria: felizes os
que vivem de acordo com a lei de Deus [1], os que guardam os
mandamentos [2], os que andam nos caminhos de Deus [3];
as tuas leis são o meu prazer [16]; os teus ensinamentos são a
alegria do meu coração [11]; como sou feliz por causa das tuas
promessas [112].
Mas o poeta também é honesto. Ele admite que há mistério
na Palavra e se sabe necessitado da ajuda do autor dela para
compreendê-la: abre meus olhos para que eu possa ver as ver-
dades maravilhosas da tua lei [18]; ajuda-me a compreendê-la
[27]; ensina-me a entender [33]; dá-me sabedoria para que eu
possa conhecer os teus ensinamentos [125].
Ele se conhece bem, não confia em suas boas intenções, por isso
impõe a si mesmo “amarras”, assume compromissos: eu escolhi o
caminho da fidelidade e tenho dado atenção às tuas ordens [30];
o meu dever nesta vida é este: obedecer aos teus mandamentos [56];
eu resolvi obedecer às tuas ordens até o fim da minha vida [112].
Antecipando a possibilidade de hesitação ou rejeição, apela para
Deus: não deixes que eu me desvie dos teus mandamentos [10];

13
CONVERSANDO SOBRE A BÍBLIA

faze com que eu queira obedecer aos teus ensinamentos [36];


não me deixes ficar pensando em coisas sem valor [37]; e
acrescenta: foi bom que eu tenha sido castigado, pois assim
aprendi os teus mandamentos [71].
Só se expressa assim quem conhece o autor da Palavra e
o tem em alta conta: ó Senhor Deus, a tua palavra dura para
sempre; ela é firme como o céu. A tua fidelidade permanece
em todas as gerações; tu colocaste a terra no seu lugar, e ela
fica firme. De acordo com as tuas ordens todas as coisas per-
manecem até hoje, pois tudo te obedece [89 a 91]. Não apenas
o conhece, mas tem um relacionamento com ele: tu, ó Senhor
Deus, és tudo o que eu tenho [57].
Não é de se admirar que esse poema tão longo e cheio de
afirmações termine assim: como ovelha perdida, tenho andado
sem rumo. Ó Senhor Deus, vem buscar este teu servo, pois não
esqueço os teus mandamentos! [176]? É que, além de tudo, o
salmista é humilde e reconhece a sua dependência de Deus.

A versão da Bíblia usada neste artigo é a Nova Tradução na Linguagem de


Hoje (NTLH)

KLÊNIA FASSONI é diretora administrativa da Editora Ultimato.

ESTUDO BÍBLICO

A prática da leitura da Bíblia


- Texto Básico: 2 Timóteo 3.16-17

Do que trata o estudo?


É necessário “comer” a Palavra de Deus. Basta comer: “abrir a
boca”, abrir-se para Deus. A leitura formal, superficial, ocasional

14
CONVERSANDO SOBRE A BÍBLIA

ou supersticiosa rende muito pouco ou nada; assim como a


leitura feita para satisfazer apenas o intelecto.
A digestão não depende de nós. O que é necessário modificar em
sua rotina para que a Palavra de Deus se torne sua meditação
todo o dia?

Com a Bíblia na mão


1) Toda Escritura é extremamente útil. De que maneiras ela nos
ajuda?
2) Que lugar a leitura da Bíblia ocupa em sua vida?
3) O que é necessário modificar em sua rotina para que a Palavra
de Deus se torne sua meditação todo o dia?

Leia e imprima o estudo bíblico na íntegra. Clique aqui.

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PARA CONVERSAR NA IGREJA
CAPÍTULO 2

A TEOLOGIA COMO DEVERIA SER:


LIÇÕES SOBRE O ESTUDO DE DEUS
NO ENCONTRO COM MOISÉS
Lissânder Dias

OS SEUS OLHOS estavam voltados para aquele rebanho do


sogro pastando no deserto montanhoso. Seu ofício exigia
atenção. Sabia que se uma das ovelhas se desgarrasse e ficasse
presa em uma das trilhas tortuosas, seria difícil reencontrá-la.
Moisés agora era um pastor, trabalhava para Jetro, o pai da
sua esposa e sacerdote de Midiã. Naquele exato dia, a intenção
de Moisés não era religiosa; ele simplesmente cumpria suas
obrigações diárias. Mas o que veria a partir daquele momento
seria único: uma epifania. Deus aparece em meio a uma sarça
que queimava, mas não era consumida. Deus chama Moisés
e ele responde, afirmando sua humilde presença diante da
Presença. A palavra seguinte de Deus é: “tire as sandálias,
porque você está pisando em um chão santo”. Moisés tira os
calçados e Deus se apresenta a ele. E mesmo Moisés escon-
dendo seu rosto do Senhor, não deixou de ouvi-Lo. Era a hora
de Moisés mudar seu rumo para sempre.
CONVERSANDO SOBRE A BÍBLIA

Gosto de pensar em como a revelação de Deus e da sua


vontade se dá de forma tão cotidiana: um dos momentos mais
solenes e decisivos na vida do Povo de Deus acontece num dia
qualquer enquanto um pastor de ovelhas exercia seu ofício
ordinário em meio a pedregulhos de uma montanha no Egito.
Entre outras lições, esse episódio do encontro de Deus com
Moisés é rico em ensinamentos sobre a Teologia (esta como
estudo intencional e sistemático sobre Deus e de suas relações
com o ser humano e o universo). Quero destacar algumas des-
tas lições que aprendo com o texto bíblico.

SURPRESA
A Teologia é uma nobre ciência que deve gerar no teólogo uma
expectativa de surpresa. Longe de ser um afazer intelectual
chato e previsível, a Teologia pode nos mostrar além do que
esperamos: no meio das pedras pode surgir uma sarça ardente.
Deus está presente num dia comum de trabalho, mas ele
pode transformar este dia em algo grandioso. Por falta de fé,
muitas vezes subestimamos o tempo e o lugar, e deduzimos
que Deus não estaria lá (ou aqui). Desperdiçamos a experiência
da surpresa, porque nossos sentidos já estão contaminados
pelo secularismo (“o homem define os limites de Deus”). Onde
Deus estaria senão bem diante dos nossos olhos, aqui e agora?
A Teologia não pode ser maior do que ela, de fato, é, e querer
definir Deus e seus movimentos; e os teólogos devem fugir da
tentação do poder que não lhes cabe.

PÉS DESCALÇOS
Teologia se faz com os “pés descalços”. O estudo teológico é um
exercício de humildade. De outra forma, como sobreviveríamos,
então, lidando com questões tão sublimes e santas? Quem a

17
CONVERSANDO SOBRE A BÍBLIA

gente pensa que é? Somos apenas um “Moisés”, e devemos


“tirar as sandálias” diante de um Deus santo. A santidade de
Deus, no entanto, não deve gerar um elitismo na Teologia,
como se apenas alguns fossem preparados para lidar com
ela. Ao contrário, assim como a epifania abriu caminho para
o diálogo de Deus com Moisés (mesmo que, no início, Moisés
tenha escondido seu rosto de Deus), a Teologia deve ser este
diálogo, sustentado pela Graça de Deus, que nos faz perceber
onde pisamos – e mesmo assim permanecer lá, dispostos a
ouvir a voz santa do Senhor.

HISTÓRIA
Deus se apresenta a Moisés como “o Deus de teu pai, o Deus
de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó” (Êx 3.6). Teo-
logia se faz no lastro da história. Sua voz é uma reverberação
do que já foi dito e, ao mesmo tempo, é uma voz nova como
reação natural a outras vozes já ditas. A Palavra de Deus não é
nova, mas isso não a diminui de forma alguma. Nossas inter-
pretações do que Ele disse é que devem sempre considerar o
passado e o presente (o futuro também faz parte do escopo
da teologia, mas esta já é uma outra história!). Eis o papel do
teólogo: ouvir a voz antiga e fiel, analisando sua relevância para
hoje, para o dia a dia.

CONTEXTO
A Teologia se faz no contexto em que estamos inseridos.
O próprio Deus assim o fez. Ao revelar-se a Moisés, ele tem
um motivo: a aflição do seu povo (3.7). Os egípcios estavam
oprimindo os israelitas, e Deus ouviu a oração dos escravos.
Moisés então se torna a resposta de Deus à oração do seu
povo. O contexto é o horizonte para o qual elevamos nossos

18
CONVERSANDO SOBRE A BÍBLIA

olhares e nossos sentimentos mais verdadeiros. Teologia sem


contexto quase sempre produz teólogos sem coração e sem
sensibilidade. Quais os problemas atuais e como a Palavra de
Deus dialoga com eles? Esta deveria ser uma pergunta básica
do teólogo.

PRESENÇA
Não há Teologia sem a presença de Deus. É verdade que a Teo-
logia é uma atividade humana (e, portanto, pode ser um mero
passatempo intelectual), mas o compromisso mais verdadeiro
do teólogo é com a percepção da presença de Deus. Sem isso,
podemos cair na armadilha das abstrações sem relevância e
sem propósito. Quando identificarmos a presença de Deus no
que fazemos, inevitavelmente, enxergaremos a missão que ele
nos delega. Para Moisés, era libertar os israelitas da escravidão
do faraó (3.10), para a qual Deus prometeu que estaria com ele
(3.12). Para os apóstolos no Novo Testamento, a missão é “fazer
discípulos” (Mt 28.19), com a mesma garantia de que Ele “es-
taria com eles, todos os dias, até a consumação dos séculos”
(28.20). Mais do que um afazer solitário, Teologia é companhia
– primeiramente de Deus e, em seguida, dos outros para quem
e com quem honramos a epifania da salvação.

Estas são apenas algumas lições de minha percepção sobre


a Teologia, à luz de Êxodo 19. Se levadas a sério, poderiam trans-
formar nossos seminários, nossas igrejas e nossa sociedade.
Deixaríamos de olhar para os teólogos apenas como estudio-
sos, mas sim como servos de Deus comprometidos com a voz
divina no mundo hoje. Assim como os artistas, os teólogos
seriam ouvidos e nós estaríamos dispostos a aprender com
eles sobre Deus, sobre nós, sobre grandes questões e sobre o
cotidiano da vida.

19
CONVERSANDO SOBRE A BÍBLIA

LISSÂNDER DIAS é jornalista e colaborador da revista Ultimato.


É editor do blog Fatos e Correlatos, onde publica poesias e crônicas.
Trabalha como assessor editorial da UniCesumar, em Maringá, PR.

ESTUDO BÍBLICO

O chamado:
clamando pelo Deus que chama
- Texto Básico: Êxodo 3 – 4

Do que trata o estudo?


Encontramos nestes dois capítulos o chamado de Deus a Moisés
para tirar o povo do Egito. Moisés cuidava do rebanho do seu
sogro, Jetro, o sacerdote de Midiã e chegou a Horebe. Ali avis-
tou uma sarça em chamas e procurou saber o que era. Nesse
momento Deus o chama e fala com ele.

Com a Bíblia na mão


1) Você consegue identificar quatro ou cinco objeções de Moisés
ao chamado de Deus? Veja 3.11; 3.13; 4.1; 4.10; 4.13. Como Deus
responde a cada uma das objeções de Moisés?
2) Leia o 3.11-12. Diante da insegurança de Moisés, qual é a “prova”
que Deus dá de que ele o está chamando?
3) Como essa experiência de Moisés nos ensina a respeito de
Deus e de como devemos lidar com situações totalmente
novas para nós?

Leia e imprima o estudo bíblico na íntegra. Clique aqui.

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PARA CONVERSAR NA IGREJA CAPÍTULO 3

A AUTORIDADE DAS ESCRITURAS


N. T. Wright

NA BÍBLIA, toda a autoridade pertence a Deus e é, portanto,


delegada a Jesus. O Jesus ressurreto não diz: “Deus deu todo
o poder no céu e na terra aos livros que vocês, camaradas,
vão escrever”. Ele diz: “Deus deu todo o poder no céu e
na terra a mim” (Mt 28.18). A expressão autoridade das
Escrituras só pode, em sua melhor forma, ser uma chave da
autoridade de Deus em Jesus, mediada pelas Escrituras. Por
que gostamos de mencionar a autoridade bíblica? Por que
não dizer: “Nós vivemos sob a autoridade de Jesus”, e deixar
assim? Não seria bíblico fazer isso? Bem, seria. Entretanto,
como mostram séculos de história, a Bíblia é o meio que Deus
nos deu para sabermos quem é Jesus. Confisque a Bíblia,
reduza-a ou suavize-a e você estará livre para inventar um
Cristo só um pouco diferente daquele que está implícito no
Antigo Testamento e revelado no Novo. Vivemos debaixo das
Escrituras porque é assim que vivemos debaixo da autoridade
de Deus que foi transferida a Jesus, o Messias, o Senhor.
CONVERSANDO SOBRE A BÍBLIA

Isso posto, perguntamos: para que serve a autoridade de


Deus? É claro que ela não serve para nos dar uma grande
quantidade de informações verdadeiras e variadas. Salomão fez
listas de fenômenos naturais, mas elas não entraram na Bíblia.
A Bíblia não é uma versão antiga da Enciclopédia Britânica. Aqui
está um ponto fundamental para a segunda metade deste
capítulo: o ponto sobre a autoridade de Deus é que toda a Bíblia
tem a ver com a ideia de que Deus estabelece seu reino na
terra como no céu, completando (em outras palavras) o projeto
iniciado, mas abortado, nos três primeiros capítulos de Gênesis.
Esta é a grande história que devemos aprender a contar. Ela
não tem a ver só com a salvação ou com certa cosmologia
inerente. Ela é uma história orgânica sobre Deus e o mundo.
A autoridade de Deus não é exercida para dar ao seu povo muitas
informações verdadeiras, mesmo que sejam informações
verdadeiras sobre como as pessoas são salvas (embora isso
esteja nos planos). A autoridade divina, transferida a Jesus, o
Messias, tem a ver com Deus reivindicando seu devido senhorio
sobre toda a criação. E o modo pelo qual ele intentou reinar
sobre sua criação desde o início foi por meio da humanidade
obediente. O testemunho bíblico sobre Jesus declara que ele, o
Homem obediente, fez isso. Portanto, a Bíblia é o equipamento
que Deus nos deu por meio do qual os próprios seguidores
de Jesus são preparados para ser mordomos obedientes,
o sacerdócio real, levando esse governo salvífico de Deus em
Cristo ao mundo.
Portanto, a Bíblia cumpre os propósitos de Deus para
ela quando, mediante o poder do Espírito, permite que as
pessoas creiam em Jesus, sigam-no e dividam o trabalho do
reino – sem edificar o reino por nossos próprios esforços, é
claro; mas, como digo no livro Surpreendido pela Esperança,
edificando para o reino. Nós nos tornamos participantes da

22
CONVERSANDO SOBRE A BÍBLIA

obra deste reino quando amamos a Deus de coração, mente,


alma e força, e a Bíblia é o principal meio que o Espírito usa
para operar essa renovação de coração e de vida. A autoridade
das Escrituras é, portanto, o meio dinâmico, não estático, pelo
qual Deus transforma seres humanos em seguidores de Jesus
e, consequentemente, em trabalhadores do reino.
Algo maravilhoso sobre a Bíblia é que nenhuma geração
completou a tarefa de estudá-la e compreendê-la. Nunca che-
gamos ao ponto de poder dizer: “Bem, os teólogos colocaram
tudo em ordem. Por isso, só colocamos os resultados no bolso
ou na prateleira, e a próxima geração não terá de se preocupar;
poderá simplesmente tirá-los dali e consultá-los”. Não, a Bíblia
parece destinada a desafiar e provocar cada geração a fazer
sua própria lição de casa, empenhar-se e lutar com o texto.
Acho que esse é o verdadeiro significado do sentido literal, no
sentido agostiniano “do que os escritores realmente querem
dizer”: temos de conseguir aqueles velhos olhos, a busca do
historiador para entender Gênesis, Mateus e Romanos em seu
contexto histórico. Sei que muitos conservadores resistem
muito à ideia hoje, mas isso é ridículo: sem a investigação
histórica, os paralelos, a lexicografia e assim por diante, nem
sequer poderíamos traduzir o texto. Sim, sei que existem
muitos estudiosos bíblicos a favor da secularização e, de fato,
muitos conservadores cujos talentos são dominados pelo lado
esquerdo do cérebro que produzem uma espécie de erudição
bíblica que a igreja não deveria ou não poderia usar. Contudo,
só porque o jardim produz ervas daninhas devemos deixar de
plantar novas flores e pavimentar tudo com concreto? Não,
cada geração deve fazer sua própria leitura fundamentada na
história, porque cada geração precisa crescer, e não simples-
mente consultar as respostas certas, permanecendo em uma
condição infantil. Isso também faz parte da obra do reino.

23
CONVERSANDO SOBRE A BÍBLIA

Por fim (e aqui chamo atenção para o livro How God Became
King [Como Deus se tornou rei]), o problema com todas as
soluções de segunda mão – especialmente as regras de fé e
até os grandes credos – é que eles eliminaram a mensagem
bíblica central: a vinda do reino de Deus. Não há nada errado
com credos e regras propriamente ditos. O que eles dizem é
verdadeiro. Contudo, eles simplificam em excesso, e, quando
as pessoas começam a construir sistemas com base neles, elas
perdem o ponto central. Algumas pessoas hoje falam sobre
leituras canônicas das Escrituras, ou seja, leituras ortodoxas
clássicas. Todavia, a ortodoxia clássica repetidamente tem
esquecido que a mensagem central dos Evangelhos, como a
do próprio Jesus, é que, por meio dele e de sua obra, morte e
ressurreição, o Deus vivo estava se tornando rei assim na terra
como no céu. Se não estamos recebendo essa mensagem
bíblica, não estamos lendo a Bíblia, mas, sim, permitindo que
nossas tradições venham à tona em um texto que tenta nos
dizer algo mais. As regras de fé e os credos são como as grades
de segurança na lateral de uma rodovia que nos impedem de
avançar para a pista de tráfego na direção contrária. Elas não
nos dizem tudo o que precisamos saber sobre a viagem e o
destino, nem enchem o tanque de gasolina. Somente a men-
sagem bíblica sobre o reino de Deus em Jesus Cristo fará isso.
Tudo isso é o que significa, para mim, considerar-me um
evangélico, e lamento que essa palavra tenha, tantas vezes,
significado encerrar a leitura das Escrituras, em vez de iniciá-la.
A Bíblia existe para apresentar as perguntas e o programa
de ação, para moldar cada um, tornando-o uma pessoa com
coragem e habilidade para responder a essas perguntas e seguir
esse programa. O termo bíblico tem sido reduzido, de modo que
agora significa apenas “de acordo com nossa tradição, a qual
imaginamos ser bíblica”. E, como pergunta Paulo em 1 Coríntios 8

24
CONVERSANDO SOBRE A BÍBLIA

e em Romanos 14, como você pode dizer o que podemos reter


estando de fora de nossa comunhão? (…)
(…) A mensagem central da Bíblia não é simplesmente a
de que somos pecadores, mas, por meio de Jesus, Deus está
nos resgatando deste mundo de pecado para que possamos
estar com ele no céu. Isso faz parte dela, mas não a resume
completamente. A Bíblia não tem a ver com o resgate dos seres
humanos do mundo, mas com o seu resgate por causa do
mundo, e, de fato, com o resgate do mundo por Deus por meio
desses seres humanos resgatados. É aqui que nos voltamos
para Gênesis 1, para uma nova leitura da imagem e do templo.
Um ponto fundamental que precisa ser observado quando
nos voltamos para a segunda metade destas reflexões: de
nada adiantará simplesmente cumprir os dogmas tradicionais.
Sim, Jesus era – e é – completamente divino e completamente
humano. Contudo, a questão de sua divindade nos Evangelhos
é que, nele e assim como ele, o Deus vivo está se tornando rei.
E a questão de sua humanidade é que, nele e assim como ele, os
seres humanos estão, por fim, assumindo a vocação que Deus
lhes deu para serem o sacerdócio real por meio do qual ele leva
sua sábia ordem de redenção ao jardim. E, sim, a boa notícia são
as boas novas da salvação. Porém, na Bíblia, somos salvos não
só para que possamos ir para o céu e desfrutar da comunhão
com Deus, mas para que possamos ser seu sacerdócio real e
verdadeiramente humano no mundo. “Você foi massacrado” –
canta a grande multidão de Apocalipse 5, em louvor ao Cordeiro
– “e com seu próprio sangue você comprou um povo para Deus
[...] e o fez reino e sacerdotes para servir ao nosso Deus; e eles
governarão sobre a terra”. E aí vai: se, ao menos, pudéssemos
entender esta imagem, todas as nossas discussões sobre Adão,
sobre as origens, sobre o significado dos três primeiros capítulos
de Gênesis, apareceriam sob uma luz completamente diferente.
Texto retirado, com permissão, de Surpreendido Pelas Escrituras, Ultimato.

25
CONVERSANDO SOBRE A BÍBLIA

N. T. WRIGHT é um dos mais conhecidos e respeitados estudio-


sos do Novo Testamento da atualidade. Bispo anglicano, é professor
visitante nas universidades de Harvard Divinity School, Universidade
Hebraica de Jerusalém e Universidade Gregoriana em Roma.

ESTUDO BÍBLICO

Para entender melhor a Bíblia


- Texto Básico: Mateus 22.23-33; 3.13-17

Do que trata o estudo?


A Bíblia diz que nós erramos porque não conhecemos as
Escrituras. E, se isso não bastasse, todos os dias recebemos uma
enormidade de mensagens, de procedência e linha doutrinária
diferentes. A maior parte das pessoas engole tudo sem o menor
cuidado. Daí a confusão reinante e o crescimento assustador
não só de novas denominações cristãs, mas também de seitas
e heresias. A cada dia é preciso examinar as Escrituras para ver
se tudo o que nos é transmitido é de fato assim. 

Com a Bíblia na mão


1) No tempo de Jesus e dos apóstolos já havia um livro que
encerrava os oráculos de Deus e seria de norma e consulta?
Como se chamava este livro? (Veja Mt 22.29, Lc 24.27 e At 17.11.)
2) Quem tinha acesso a este material: apenas os escribas e os
sacerdotes? (Veja Jo 5.39, At 8.28 e 35, At 17.2 e 11, 18.24 e 28)
3) Leia Lucas 1.1-4 e responda às seguintes perguntas: a) De que
maneira preparou Lucas o seu Evangelho?; e b) Atrás da acu-
rada investigação de tudo desde a sua origem e da exposição
ordenada, qual era o propósito de Lucas?

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26
PARA CONVERSAR NA IGREJA
CAPÍTULO 4

GENEROSIDADE: O QUE A BÍBLIA


ENSINA SOBRE ISSO
Vilson Scholz

HÁ UMA INTERESSANTE HISTÓRIA ligada à vida de um pre-


sidente dos Estados Unidos, do começo do século 20, co-
nhecido como um homem de poucas palavras. Dizem que
uma vez ele foi ao culto, sem a companhia da esposa, que,
por algum motivo, ficou na Casa Branca. Ao voltar, o presi-
dente foi indagado pela esposa quanto ao tema ou assunto
da pregação. A resposta lacônica foi: “Pecado”. A esposa quis
saber o que o pregador teria dito a respeito. E o marido, eco-
nômico nas palavras como sempre, respondeu: “Ele é contra”.
Se perguntarmos o que a Bíblia tem a dizer sobre generosidade,
a resposta lacônica e simples só poderá ser: “Ele é plenamente
a favor”. Se alguém conhece, ainda que de forma superficial, a
história do bom samaritano e sabe que é uma história bíblica,
já poderá concluir que o padrão bíblico é ajudar os outros, e
isto com generosidade.
CONVERSANDO SOBRE A BÍBLIA

Ao abordar o tema da generosidade, um enfoque simples


e seguro é fazer um levantamento do uso do termo na Bíblia,
com a ajuda de uma concordância bíblica. No entanto, os
resultados podem variar, dependendo da tradução da Bíblia
que se consulta. No caso específico de “generosidade”, a
Nova Almeida Atualizada (NAA) registra 13 ocorrências. A Nova
Versão Internacional (NVI) fica em doze. Na Nova Tradução na
Linguagem de Hoje (NTLH), o número baixa para sete. Quanto
a “generoso”, a NAA e a NTLH usam o termo sete vezes, ao
passo que a NVI traz esse termo cinco vezes.
E, é claro, existe a conhecida “falácia da concordância”.
Consiste em pensar que um assunto só aparece na Bíblia nas
passagens em que o termo específico é usado. Para evitar a
falácia, é necessário considerar passagens bíblicas que tratam
do assunto, mesmo sem o emprego do termo “generosidade”.
Nos pontos listados a seguir, que não esgotam o assunto, farei
as duas coisas: citarei textos que trazem o termo específico
e incluirei passagens importantes em que “generosidade” e
“generoso” não aparecem diretamente. As citações são tiradas
da Nova Almeida Atualizada.

1. Deus é generoso. Foi generoso ao criar. O salmista exclama:


“Que variedade, SENHOR, nas tuas obras! Fizeste todas
elas com sabedoria; a terra está cheia das tuas riquezas”
(Sl 104.24).

2. Deus é generoso no cuidado da criação. O salmista afirma


que os olhos de todos os seres vivos esperam em Deus e
que ele, a seu tempo, lhes dá o alimento (Sl 145.15). Nesta
mesma linha, Jesus dirige nosso olhar para as aves do céu,
que não semeiam, nem colhem, nem ajuntam em celeiros.
“No entanto”, diz Jesus, “o Pai de vocês, que está no céu,
as sustenta” (Mt 6.26).

28
CONVERSANDO SOBRE A BÍBLIA

3. Deus é aquele “que a todos dá com generosidade e sem


reprovações” (Tg 1.5). Por isto, se alguém necessita de sa-
bedoria, deve pedi-la a Deus. Este é um dos poucos textos
bíblicos em que o termo “generosidade” é conectado com
a ação de Deus. O tema da generosidade divina aparece
também na parábola dos trabalhadores na vinha, em Mateus
20.15. Ali, o dono da vinha (que representa Deus em Cristo)
pergunta: “Será que não me é lícito fazer o que quero com o
que é meu? Ou você ficou com inveja porque eu sou bom?”.

4. Jesus Cristo, “sendo rico, se fez pobre por amor de vocês, para
que, por meio da pobreza dele, vocês se tornassem ricos”
(2Co 8.9). O termo “generosidade” não é usado, mas cabe
perguntar se haveria generosidade maior do que um rico se
tornar pobre para enriquecer os outros? Num contexto em
que Paulo fala sobre o recolhimento de fundos para ajudar
os cristãos pobres da Judeia, a metáfora do Cristo rico que
se fez pobre é mais do que apropriada.

5. Quando se trata de uma pessoa generosa, logo se pensa na


viúva pobre (Lc 21.2-4), que ofertou os últimos recursos que
tinha. Mas antes dela, em Lucas 19, aparece um rico chamado
Zaqueu, o publicano. Na presença de Jesus, resolveu dar a
metade dos bens aos pobres, além de restituir quatro vezes
mais o que eventualmente teria roubado. A restituição estava
prevista na Lei (Êx 22.1), mas abrir mão da metade dos bens
foi um ato de pura generosidade. Na visão do evangelista,
Zaqueu é um bom modelo do homem rico que se torna
discípulo de Jesus. Nesta mesma linha, mas sem estipular
porcentagem, o texto de 1 Timóteo 6.17-19 estimula os ricos
deste mundo a serem “ricos em boas obras, generosos em
dar e prontos a repartir”.

29
CONVERSANDO SOBRE A BÍBLIA

6. Em geral, generosidade é inversamente proporcional à dispo-


nibilidade de recursos. Dito de forma direta, os pobres ten-
dem a ser mais generosos do que os ricos. Um bom exemplo
disso são as igrejas da Macedônia, citadas em 2 Coríntios 8.
Manifestando abundância de alegria, “a profunda pobreza
deles transbordou em grande riqueza de generosidade”
(2Co 8.2). Paulo usou este exemplo para mover os mais afor-
tunados cristãos de Corinto a se mexer e concluir a coleta que
haviam iniciado um ano antes. O apóstolo deixa claro que,
além da conclusão do projeto, esperava uma contribuição
que fosse “expressão de generosidade e não de avareza”
(2Co 9.5). Aos cristãos de Roma, o mesmo apóstolo lembra
o dom de contribuir, e acrescenta: “o que contribui, com
generosidade” (Rm 12.8).

7. “O cobiçoso cobiça todo o dia, porém o justo dá com gene-


rosidade” (Pv 21.26). O oposto da generosidade é a cobiça.
A parábola do rico tolo (Lc 12.13-21) é advertência a quem
“ajunta tesouros para si mesmo, mas não é rico para com
Deus”. O livro de Provérbios tem muito a dizer sobre o mes-
mo tema. Por trás de cada provérbio existe uma experiência
de vida. “Uns dão com generosidade e têm cada vez mais;
outros retêm mais do que é justo e acabam na pobreza”
(Pv 11.24). Nem sempre poderá ser assim, mas há muitas
histórias que confirmam a veracidade do provérbio.

8. Generosidade não é barganha com Deus. Malaquias 3.10 –


“Ponham-me à prova nisto, diz o SENHOR dos Exércitos,
se eu não lhes abrir as janelas do céu e não derramar sobre
vocês bênção sem medida” – e 2 Coríntios 9.6 – “o que se-
meia com fartura também colherá com fartura” – não são
propostas divinas de um “toma lá dá cá”, mas incentivos a

30
CONVERSANDO SOBRE A BÍBLIA

ofertantes e doadores temerosos. Deus está dizendo: “Seja


generoso. Não vai faltar para você, porque eu não deixarei
que falte”.

9. Talvez seja arriscado dizê-lo, mas, além de ser generoso


com os outros, cabe também ser generoso consigo mesmo.
O texto de Eclesiastes 4.7-8, em especial o trecho mar-
cado em itálico, sugere esta conclusão. Diz assim: “Então
considerei outra vaidade debaixo do sol: um homem sem
ninguém, que não tem filhos nem irmãos, mas que não
cessa de trabalhar e cujos olhos não se fartam de riquezas.
E ele não pergunta: Para quem estou trabalhando, se não
aproveito as coisas boas da vida? Também isto é vaidade e
enfadonho trabalho”.

10. Sempre é bom arrematar com uma palavra de Jesus, ainda


mais se é uma palavra que nem sempre é lembrada, por não
estar nos Evangelhos. Em Atos 20.35, num contexto em que
fala de sua ética de trabalho e de socorro aos necessitados,
Paulo lembra as palavras de Jesus: “Mais bem-aventurado
é dar do que receber”.

VILSON SCHOLZ é pastor e professor de Teologia Exegética, tem


mestrado e doutorado na área do Novo Testamento. Consultor de
Tradução da Sociedade Bíblica do Brasil, Scholz é professor da Uni-
versidade Luterana do Brasil, em Canoas, RS.

31
CONVERSANDO SOBRE A BÍBLIA

ESTUDO BÍBLICO

Justiça e generosidade:
a justiça vai lhe custar algo
- Texto Básico: Isaías 58.4-10

Do que trata o estudo?


A generosidade começa em nosso coração. Quando nos damos
conta de como Deus tem sido generoso para conosco, isso nos
permite ser generosos com as outras pessoas. O que pode
estar nos impedindo de dar generosamente e de uma maneira
sacrificial?

Com a Bíblia na mão


1) Está claro em Isaías 58 que Deus quer que nos “despojemos”
de nós mesmos; isso significa dar de nós mesmos. Como você
define o ato de dar de uma forma sacrificial?
2) O que esta passagem descreve como sendo os benefícios de
viver generosamente?
3) O que Deus está lhe dizendo, e como você vai responder?

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32
PARA CONVERSAR NA IGREJA CAPÍTULO 5

DE QUEM É O EVANGELHO?
Ronaldo Lidório

O EVANGELHO não é de direita, centro ou esquerda. O evan-


gelho é de Cristo.
Vejo com preocupação as tentativas de associar e submeter
o evangelho a sistemas culturais, científicos, políticos ou
partidários, um crescente fenômeno global.
É certo que como cristãos devemos votar, apoiar, protestar
e nos envolvermos com os sistemas sociais que apresentam
afinidades com os valores do evangelho. Não para protegermos
nossas posições em um movimento de corporativismo religioso,
mas por entendermos que o evangelho e seus valores promovem
a verdade, a liberdade e a justiça, visto que não cega, mas aguça
a nossa cidadania – “Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus
o que é de Deus” (Lc 20.25).
Entretanto, o evangelho não se conforma a sistemas so-
ciais, pois “é o poder de Deus para a salvação de todo aquele
que crê” (Rm 1.16). O evangelho não foi manifesto por Deus
CONVERSANDO SOBRE A BÍBLIA

somente para melhorar a sociedade, mas para redimi-la. Não


traz tranquilidade, mas paz. Não provê sucesso, mas obediência.
Não se contenta com a tolerância, mas promove o amor. Não
se conforma, mas transforma. Não proclama a glória dos ho-
mens, mas de Deus.
Tentativas de igualar os valores do evangelho aos sistemas
sociais (culturais, científicos, políticos ou partidários) resultarão
em frustrações e distorções, pois não se consegue confinar os
claríssimos raios do sol em frágeis caixinhas de papelão.
No início do século 3, os cristãos se encantaram com o
apoio e os favores do imperador Constantino, associando o
evangelho ao império romano. No colonialismo dos séculos 15
e 16 a Igreja cristã promoveu o evangelho, associando-o a um
sistema cultural, no caso o europeu, proclamando-os como
complementares. Em dias atuais o evangelho tem sido co-
mumente associado a estruturas culturais, linhas de pesquisa
científica e posicionamentos sociopolíticos. Nos últimos meses,
ouvimos amplas discussões norte-americanas sobre os valores
democratas e republicanos e aquilo que mais se assemelharia
ao evangelho. Perante tais quadros precisamos nos lembrar que
o evangelho não se conforma com o mundo, mas o confronta,
expõe, redime e julga.
O evangelho não é de direita, centro ou esquerda. Não é
petista ou psdbista, republicano ou democrata, comunista
ou capitalista. Não é da zona sul ou norte, dos países ricos ou
pobres. Não segue a escola positivista de Comte ou interpre-
tativa de Geertz. O evangelho é de Deus, tem origem em Deus,
é manifesto por Deus, pela graça e justiça de Deus, para julgar
o mundo e redimir um povo que dê glória a Deus.
Participei recentemente de um grupo de estudos cristãos
em que a temática era o evangelho e a cultura. Alguns cristãos
apresentaram posições científicas demonstrando como as

34
CONVERSANDO SOBRE A BÍBLIA

ciências sociais reconhecem, em alguma medida, as verdades


de Deus. A ciência social naquele caso era a antropologia e os
elementos apresentados apontavam para a ética universal, o
reconhecimento de que a humanidade possui verdades uni-
versais, não apenas particularismos culturais. Entendo que,
semelhante a este caso, o cristão tem o privilégio de encontrar
em diferentes sistemas sociais diversos valores que tenham
alguma afinidade com o evangelho, como políticas públicas
que promovem a liberdade e a paz, ou iniciativas privadas de
assistência aos desabrigados. Entretanto, os sistemas sociais
não são o crivo de avaliação do evangelho, mas sim o contrário.
Em uma perspectiva bíblica, devemos avaliar todas as coisas,
em qualquer área da existência, pela régua do evangelho. Sis-
temas sociais colaboram para que o homem compreenda a si
mesmo e desenvolva padrões saudáveis de vida e relaciona-
mento, mas não o redimem. Apenas o evangelho o faz.
Alguns anos atrás, um grupo de cristãos europeus celebrou
quando estudos arqueológicos apresentaram evidências
sobre histórias bíblicas, sobretudo os relatos sobre Sodoma
e Gomorra. Algo semelhante foi publicado na mídia cristã
em 2016 a respeito de novas descobertas arqueológicas que
apoiam o relato bíblico da travessia do mar vermelho pelo
povo de Deus, especialmente antigos artefatos de guerra
e carruagens encontrados em um ponto no fundo do mar.
É sempre interessante ver como as ciências vão reconhecendo
os relatos bíblicos, mas não são os achados arqueológicos,
teorias científicas ou posicionamentos políticos e partidários
que validam a nossa fé. Ao contrário, é pela fé e com os olhos da
fé que devemos olhar para todas as coisas e entendê-las dentro
de uma cosmovisão cristã, como reveladas por Deus (Hb 11).
Percebo que tentativas de associar e submeter o evangelho
aos sistemas sociais têm ocorrido nas diversas esferas do saber

35
CONVERSANDO SOBRE A BÍBLIA

ou fazer humano e precisamos de discernimento cristão para


nos posicionarmos. Creio que devemos apoiar, promover e
participar do que for justo e bom em nossa sociedade, bem
como repudiar, protestar e boicotar aquilo que for degradante
e corrosivo, mas sem nos iludirmos com as soluções humanas,
pois estas não podem nos salvar. Ao fim do dia, a postura
essencial do povo de Deus continua sendo aquela que Paulo
ensinou a Timóteo: “prega a palavra, quer seja oportuno quer
não…” (2Tm 4.2). E declara que esta pregação deve acontecer
com perseverante paciência (“toda longanimidade”) e fidelidade
bíblica (“doutrina”), usando três verbos que devem marcar
a apresentação do evangelho: “corrige”, (do grego elegcho:
apontar o erro, mesmo quando inconveniente), “repreende”
(do grego epitimao: apresentar claramente as consequências
do pecado), e “exorta” (do grego parakaleo: trazer para o lado,
consolar, confortar). O evangelho de Deus, apresentado nos
critérios de Deus, faz sempre estes dois movimentos: confronta
o pecador, lançando luz sobre o seu pecado, e apresenta a graça
de Deus, capaz de perdoar e redimir.
O evangelho é o crivo de compreensão e avaliação de nossas
vidas, relacionamentos, igreja, fé, cultura, ciência, política e
sociedade. Paul Hiebert, missionário-antropólogo, nos ensinou
que o evangelho transforma o homem em três dimensões: suas
convicções, seu comportamento e sua cosmovisão. Passamos
a crer diferente, agir diferente e ver o mundo diferente, com as
lentes do evangelho de Deus.
O evangelho é supracultural, revelação de Deus a todas as
culturas. É multicultural, pois visa trazer pessoas de todas as
tribos, povos, línguas e nações ao Senhor Jesus. É intercultural,
visto que estas pessoas, redimidas, passam a ter comunhão
e fazer parte de um só corpo. É cultural, pois foi revelado por
Deus em nosso tempo e história. É transcultural, devendo ser

36
CONVERSANDO SOBRE A BÍBLIA

levado de uma cultura para outra cultura. É contracultural,


pois confronta o homem em sua própria cultura, trazendo-o
das trevas para a luz.
Fujamos das ideias alienantes que propõem uma espécie
de clausura cristã, sugerindo que observemos a deterioração
da humanidade sem qualquer reação, a não ser o afastamento,
perdendo o privilégio de chorar com os que choram e de ser sal
e luz, como nos induzindo a pedir a Deus aquilo que o próprio
Cristo não pediu – tirar-nos do mundo. Na outra ponta, fujamos
também das propostas antropocêntricas que desejam tornar
o cristão apenas em um bom cidadão – e a cidade uma boa
cidade – como se a Igreja fosse vocacionada para ser uma boa
ONG com alguns diferenciais de espiritualidade. A proposta
do evangelho vai muito além destas percepções, pois faz com
que o cristão se revolte contra o pecado, se sensibilize com o
sofrimento alheio e tenha imensa sede de apresentar a verdade
que, em Cristo, redime o homem e glorifica a Deus.
Na Palavra Sagrada o evangelho é apresentado por uma
história – a maior e mais fantástica história de nossas vidas:
Deus amorosamente criou a humanidade para com Ele se rela-
cionar, mas a humanidade se perdeu, corrompida pelo pecado,
cobiçando ser algo diferente da sua natureza e se afastando do
Criador. Movido por profundo amor e indizível graça o Eterno
se encarnou em homem, Jesus Cristo, para pagar o preço do
nosso pecado, nossa impagável dívida. Ele se fez maldição em
nosso lugar, morreu crucificado e com o seu sangue comprou
para Deus pessoas de todas as tribos, povos, línguas e nações,
dando paz aos homens para que estes possam dar glórias a
Deus. A morte não o segurou, pois ressuscitou, sendo Ele Rei
dos reis e Senhor dos senhores, Salvador de todo aquele que
crê. Está presente, pelo Espírito Santo, que conduz a Sua Igreja
a amar, seguir e proclamar a todos sobre o Cordeiro de Deus

37
CONVERSANDO SOBRE A BÍBLIA

que tira o pecado do mundo. Voltará para julgar vivos e mortos


e levar os Seus, finalizando este impensável plano de amor,
sacrifício, perdão, redenção e glória (Gn 1.1; Rm 3.23; Jo 3.16;
Rm 1.1-5; Mt 16.27; Ap 5.9).
Em qualquer esfera de relacionamento, trabalho, estudo,
engajamento político, social ou desenvolvimento científico,
coloquemos o evangelho em tudo o que somos, falamos e fa-
zemos. E lembremo-nos: o evangelho jamais se conforma. Se
a mensagem que proclamamos não confronta e constrange o
mundo – e também nossos próprios corações – precisamos rever
o que de fato estamos pregando, se o evangelho ou outra coisa.

RONALDO LIDÓRIO é teólogo e antropólogo, missionário (APMT


e WEC) entre grupos pouco ou não evangelizados. É organizador de
Indígenas do Brasil – Avaliando a missão da igreja e A Questão
Indígena – Uma Luta Desigual.

ESTUDO BÍBLICO

No mundo, mas não do mundo


- Texto Básico: João 17.1-19

Do que trata o estudo?


O cristão está no mundo. Jesus intercedeu por sua igreja pedindo
ao Pai que não nos tirasse do mundo. Estamos inseridos neste
contexto de coisas trazidas à existência por obra do Criador,
somos homens e mulheres criados conforme a imagem de
Deus e com a tarefa de estabelecer relacionamentos e interagir
biblicamente com o mundo à nossa volta. Mas como fazer isso
de modo que Deus seja glorificado?

38
CONVERSANDO SOBRE A BÍBLIA

Com a Bíblia na mão


1) No início do versículo 9 Jesus diz “Eu peço em favor deles”,
se referindo aos seus discípulos. De acordo com os versículos
9-19, que pedidos Jesus faz ao Pai por eles?
2) No versículo 17 Jesus pediu ao Pai que seus discípulos fossem
“santificados” por meio da Sua Palavra. Para você o que
significa, em termos práticos, ser “santificado” pela Palavra
de Deus?
3) Como equilibrar a compreensão de que, por um lado, este
mundo jaz no maligno e, por outro, o cristão é agente de
transformação da cultura e deve deixar nela as marcas do
cristianismo?

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39
PARA CONVERSAR NA IGREJA
CAPÍTULO 6

O USO DA BÍBLIA
John Stott

FUNDAMENTAL PARA NOSSA FÉ CRISTÃ é a convicção de


que nosso Deus, longe de ser morto e mudo, é vivo e tem voz
ativa. Ele pronunciou uma mensagem precisa em contextos
históricos e geográficos precisos, e fez com que ela fosse
registrada e preservada na Bíblia. Além disso, como vimos,
há excelentes razões para aceitarmos a autoridade da Bíblia
e legítimos princípios para guiar-nos em sua interpretação.
E daí? Por que gastamos tanto tempo com essas questões?
Por uma razão apenas: porque Deus ainda fala através do que
disse. O que ele disse há séculos tem relevância vital para os
homens e as mulheres contemporâneos. A Bíblia não é uma
peça de antiquário cujo lugar apropriado é um museu. Ao
contrário, é “lâmpada” para nossos pés e “luz” para nosso
caminho (Sl 119.105; 2Pe 1.19). As palavras de Deus podem ser
nossas “conselheiras” em todas as perplexidades da vida
moderna. Dão sabedoria e compreensão aos simples (Sl 119.24,
CONVERSANDO SOBRE A BÍBLIA

34; 19.7). Mas se extraímos qualquer benefício da Escritura


depende de como fazemos uso dela; depende da reação
que temos diante da sua mensagem. Uma das reclamações
recorrentes de Deus no próprio registro bíblico é de que seu
povo continuamente fechava os ouvidos a sua Palavra. Seus
mensageiros tinham de ficar insistindo com Israel:

Hoje, se ouvirdes a sua voz, não endureçais o coração. (Salmos


95.7-8)

Há no final das contas apenas duas atitudes possíveis diante


da Palavra de Deus: aceitá-la ou rejeitá-la. Aqueles que são
receptivos a ela são descritos em figuras de linguagem muito
vívidas. Diz-se que eles “tremem” diante dela, justamente por
ser a palavra do grande Deus (Is 66.2, 5; Ed 9.4). Eles a desejam
mais do que o ouro e apreciam-na mais que o mel (Sl 19.10;
119.103, 127). Regozijam-se nela como “quem acha grandes des-
pojos” (Sl 119.162). Anseiam por ela como bebês recém-nascidos
anseiam por leite (1Pe 2.2). Daqueles que a rejeitam, por outro
lado, diz-se que eles fecharam os ouvidos e recusaram-se a
escutar; eles têm “dura cerviz” e seguem “a dureza do seu
coração maligno” (por exemplo, Jr 17.23; 18.12; 19.15). Desses,
não há exemplo mais notório do que o do rei Jeoaquim, que, à
medida que o pergaminho com as palavras de Deus dadas por
meio de Jeremias era lido para ele, usou primeiro uma faca para
cortá-lo em pedaços e jogou em seguida os pedaços no fogo,
até que o manuscrito inteiro tivesse sido queimado (Jr 36.21-23).
Jesus, de forma similar, advertiu seus contemporâneos
sobre sua reação ao ensino dele. Na parábola do semeador, os
diferentes tipos de solo sobre os quais caiu a semente exem-
plificam a variada recepção que as pessoas dão à Palavra de
Deus. Jesus insistiu solenemente em que seremos julgados
no último dia pela palavra que ele falou (Jo 12.47-48). Todos

41
CONVERSANDO SOBRE A BÍBLIA

nós estamos construindo nossa vida sobre alguma fundação.


Aqueles que constroem sobre a rocha, cuja casa sobreviverá às
tempestades da adversidade e do julgamento, são aqueles que
ouvem o ensino de Cristo e colocam-no em prática (Mt 7.24-27).
Para começar, ouvir requer tempo. Cremos de fato que Deus
falou, que as palavras de Deus estão registradas na Escritura, e
que ao lê-la podemos ouvir a voz de Deus dirigindo-se a nós?
Não devemos, então, hesitar em dedicar tempo para ouvir.
Ao contrário, devemos querer registrar nosso protesto contra a
corrida desenfreada da vida moderna e lutar para recuperar a
arte perdida da meditação. Não é de uma familiaridade casual
e superficial com a Escritura que a Igreja moderna precisa,
mas antes prestar obediência à exortação do Mestre: “Fixai
nos vossos ouvidos essas palavras” (Lc 9.44).
Não há nenhum segredo especial de como fazê-lo. Re-
quer apenas tempo, redimido deliberadamente de nossa vida
atarefada, para revolver continuamente a Escritura em nossa
mente até que ela cale fundo em nosso coração e passe assim
a governar tudo o que pensamos e fazemos. É àqueles que as-
sim “meditam dia e noite” na Palavra de Deus que ele declara
“bem-aventurados” (Sl 1.1-2; 119.97; Js 1.8).
Se não há um segredo único, não há também regras rígidas.
Por exemplo, a prática da “hora silenciosa” diária, dedicada
à leitura bíblica e à oração, de preferência logo de manhã e
como a última coisa antes de dormir, não é tradição invio-
lável. Ela certamente sobreviveu bem ao teste do tempo e
trouxe tremendo benefício para muitas gerações de cristãos.
Eu mesmo sou antiquado o bastante para reter minha confiança
nela como disciplina extremamente valiosa. Trata-se, porém,
apenas de uma tradição; não foi prescrita pela Escritura. Não
temos, portanto, a liberdade de acrescentá-la ao Decálogo
como uma espécie de décimo primeiro mandamento. Essa

42
CONVERSANDO SOBRE A BÍBLIA

prática também não era possível antes da invenção da imprensa


e da disponibilidade de Bíblias a preço acessível. Insistir nela
como indispensável à vida cristã seria desqualificar os milhões
de cristãos que viveram nos primeiros quinze séculos, e muitos
milhões em nossos dias que são incapazes de ler.
O grande valor do tempo dedicado à meditação na Bíblia
e à oração (por mais breve que seja) no começo do dia é que
ele nos prepara para sustentar as responsabilidades do dia e
enfrentar as tentações diárias. Parece imprudente, para dizer
o mínimo, sair para o conflito desarmado. O pai, porém, que
tem de preparar o café da manhã e despachar os filhos para a
escola pode ter de adiar seu tempo com Deus até mais tarde na
manhã, enquanto o que trabalha fora e sai de casa muito cedo
pode preferir requerer um tempinho de sua hora do almoço.
Por mais repleta que seja nossa agenda diária, com o maior
tempo de lazer disponível nos dias de hoje, a maior parte das
pessoas deveria ser capaz de dedicar mais tempo à leitura da
Bíblia e à oração durante o final de semana. O domingo à tarde
traz óbvias possibilidades, ou até mesmo a noite de domingo,
já que não há nada na Escritura que requeira que os cristãos
frequentem a igreja duas vezes por domingo. Além disso, se
as orações conjuntas da família são impossíveis de segunda a
sexta porque o trabalho e a escola exigem horários de refeição
diferentes, uma hora semanal quando a família honra a Deus
reunida em casa, qualquer que seja a forma que tome, deveria
ser possível durante o fim de semana.
Não é apenas pela leitura bíblica pessoal ou em família
que podemos ouvir a Palavra de Deus. É também por meio de
grupos de estudos bíblicos, quer organizados pela igreja local,
quer por uma organização cristã, quer por nós mesmos em
nossa própria casa e (principalmente) por exposição pública da
Escritura na igreja. Meu anseio é para que os cristãos modernos

43
CONVERSANDO SOBRE A BÍBLIA

levem isso mais a sério. É fácil culpar o púlpito, mas com fre-
quência os bancos têm o ministério de púlpito que realmente
desejam. Deus disse a Jeremias:

Coisa espantosa e horrenda se anda fazendo na terra. Os pro-


fetas profetizam falsamente, e os sacerdotes dominam pelas
mãos deles, e o meu povo assim o deseja. (Jeremias 5.30-31)

As congregações têm muito mais responsabilidade do que


normalmente admitem pelo tipo de ministério que recebem.
Elas deveriam encorajar seu pastor a expor a Escritura. Deve-
riam ir à igreja com uma disposição receptiva e expectante, de
preferência trazendo consigo suas Bíblias, famintas por ouvir
o que o Senhor Deus pode dizer a elas por meio das lições e
do sermão. Pode também ser prudente tomar medidas para
reter a mensagem na memória, talvez escrevendo o texto num
cartão e meditando nele durante o restante da semana. E se
a igreja não é abençoada com um ministério de exposição
bíblica, fitas cassetes, CDs e vídeos trazem o ministério de
outros professores da Bíblia ao alcance de muitos, para proveito
pessoal ou de grupo.
O modo particular pelo qual o indivíduo cristão ou a família
cristã buscam receber a mensagem da Bíblia não é a questão
mais importante. Vital é que de algum modo e em algum
momento, e regularmente, ouçamos a Palavra de Deus e nos
alimentemos dela em nosso coração. Esse ouvir da voz de Deus
em sua Palavra e por meio dela é, no entanto, apenas o começo.
Não basta “saber estas coisas” – Jesus disse –; seremos bem-
aventurados “se as fizermos” (Jo 13.17). Pois, de acordo com
o Novo Testamento, a verdade é para ser “praticada”, e não
meramente “conhecida” (p. ex., 1Jo 1.6, literalmente). Talvez
nenhum apóstolo tenha colocado isso mais claramente do que
Tiago, o irmão do Senhor, que escreveu:

44
CONVERSANDO SOBRE A BÍBLIA

E sede cumpridores da palavra, e não somente ouvintes,


enganando-vos com falsos discursos. (Tg1.22)

“Praticar” a verdade é colocar em prática o que ela ensina,


traduzir mensagem em ação. Isso parece simples, mas tem
amplas implicações pela simples razão de que a verdade que
temos de “praticar” é tão rica. (…)
(…) A Bíblia tem, portanto, lugar essencial na vida do cristão
– pois a revelação de Deus conduz à adoração, as advertências
de Deus ao arrependimento, as promessas de Deus à fé, os
mandamentos de Deus à obediência e a verdade de Deus ao
testemunho. Não é exagero dizer que sem a Escritura a vida
cristã é impossível. É verdade que ainda há no mundo muitos
que são analfabetos e não podem ler a Bíblia. Outros sabem
ler, mas não o fazem ou não muito, quer devido a seu am-
biente cultural, à revolução eletrônica ou a alguma relutância
inata. Será a vida cristã negada a esses? Claro que não. Se (por
qualquer razão) eles não leem a Escritura e meditam nela, sou
obrigado a dizer que serão espiritualmente empobrecidos.
Mas certamente podem receber a Palavra de Deus de outras
maneiras, como já indiquei anteriormente – por meio de ser-
mões, de fitas, da internet, de grupos de estudo, da mídia e da
comunicação interpessoal.
Todavia, a Palavra de Deus nos é indispensável, qualquer que
seja o meio pelo qual a recebemos. O próprio Jesus deixou-o
claro além de qualquer dúvida quando citou Deuteronômio:

Não só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que


procede da boca de Deus. (Mateus 4.4)

A Palavra de Deus nos é tão essencial espiritualmente


quanto a comida nos é fisicamente. Tanto a vida quanto a
saúde são – muito literalmente – impossíveis sem ela. É por

45
CONVERSANDO SOBRE A BÍBLIA

meio de sua Palavra que Deus implanta vida espiritual em nós


(Tg 1.21; 1Pe 1.23-25). É pela mesma Palavra que ele nos instrui,
reforma, nutre, encoraja e fortalece. É verdadeiramente apenas
por sua Palavra que o homem ou a mulher de Deus alcança
a maturidade e torna-se “perfeitamente habilitado para toda
boa obra” (2Tm 3.17).

Texto retirado, com permissão, de Para Entender a Bíblia, Ultimato.

JOHN STOTT se tornou célebre no mundo inteiro como teólogo,


escritor e evangelista. Foi pastor emérito da All Souls Church, em Lon-
dres, e fundador do London Institute for Contemporary Christianity.
Foi indicado pela Revista Time como uma das cem personalidades
mais influentes do mundo.

46
PARA CONVERSAR NA IGREJA

RECURSOS

Como ler a Bíblia com proveito


Elben César

Vivendo a Palavra viva


Jony de Almeida

Onde está Deus?


William Lane

Como ensinar a criança a ler a Bíblia


Márcia Barbutti

O que a Bíblia fala sobre arte


Paulo Roberto Teixeira

As narrativas bíblicas nos ajudam a tomar decisões?


João Leonel
CONVERSANDO SOBRE A BÍBLIA

A palavra em nosso meio


Ricardo Wesley Borges

O surgimento e o papel bíblico da ciência e da tecnologia


Timóteo Carriker

A Bíblia merece confiança?


René Padilla

Estudo bíblico: Sola Scriptura – Somente as Escrituras

48
PARA CONVERSAR NA IGREJA

FRASES

"
Minha fé, minha confiança em Deus, minhas convicções,
minhas certezas, minha esperança, meu ânimo, meu entu-
siasmo, minha alegria provêm da leitura devocional da Bíblia.
Confesso que sou um dependente dessa prática. Após a
leitura, muitas vezes me ajoelho para agradecer o alimento
espiritual, para confessar minha sujeira interior, para suplicar
a misericórdia do Senhor e para fazer planos e pedir a sua
direção e bênção. Ocorre, então, aquele relacionamento de
mão dupla: Deus fala comigo por meio de sua Palavra e eu
falo com Deus por meio da oração. O prêmio desse diálogo é
a comunhão com Deus.”
- Elben César
"
CONVERSANDO SOBRE A BÍBLIA

Tento imaginar como seria minha vida sem a Bíblia e acho


impossível. Identidade, senso de direção, validade final de quem

"
eu sou e o que faço, tudo depende da Palavra que acompanha
meu caminho desde que tenho consciência. Meu relacionamento
com Deus e Jesus Cristo é através desta Palavra, a Bíblia.”
- Samuel Escobar

Se a Bíblia é Palavra de Deus, e se Deus é o Criador, Redentor


e Senhor de todo o universo, então é claro que sua Palavra traz
implicações para tudo na vida, para cada esfera da ação e da
vida humana no mundo. Quando participamos das conversas
que ocorrem em nosso redor, devemos estar atentos para
escutar bem, e para saber conectar, construir as pontes entre
as Escrituras e cada aspecto da vida humana. Não é o caso de

""
crer em respostas superficiais e simplistas, mas o de entender
que a própria Palavra de Deus trará novas perguntas a agendas
que se discutem hoje em dia.”
- Ricardo Wesley Borges

A Bíblia é fogo que consome, martelo que quebranta, luz que


revela, verdade que ilumina e espada que penetra.”
- Martinho Lutero

"
A não ser que a Palavra de Deus ilumine o caminho, toda a vida
dos homens estará envolta em trevas e nevoeiro, de forma que
eles inevitavelmente irão perder-se.”
- João Calvino

A Bíblia é o chão do qual nasce toda a fé cristã. Sem ela nada


saberíamos de Jesus Cristo [...] Fé cristã é fé em Cristo, e Cristo
marcou encontro conosco e fala a nós na Bíblia. Fé cristã é fé
bíblica.”
- Emil Brunner

50
"
CONVERSANDO SOBRE A BÍBLIA

"
O fato é que Deus é muito mais misericordioso do que os “pro-
fetas” que são facilmente movidos pela penitência.”
- Tolkien, ao seu filho Michael, em 1957, após traduzir o Livro de Jonas
para a Bíblia de Jerusalém, versão inglesa.

Uma das principais razões por que a Bíblia é o livro mais lido
do mundo e por que damos nomes aos filhos com base em
seus personagens é porque ela é um livro de biografias, que
dá conta de forma brilhante da vida nua e crua de pessoas que
fizeram a diferença para o bem ou para o mal. As biografias

"
nos ajudam a encontrar nosso lugar na história à medida que
nos identificamos com os personagens sobre os quais lemos
ou deles nos distanciamos.”
- Laurel Gasque

A Bíblia não nos dá respostas clássicas no sentido de muitos


livros de autoajuda tão populares nos dias de hoje. Ela nos conta
histórias nas quais nos reconhecemos e nas quais podemos
encontrar um caminho também para a nossa vida. E ela nos
oferece palavras que, à primeira vista, nos parecem estranhas.
Mas quando digerimos essas palavras, quando as acolhemos

"
em nosso coração, elas transformam o nosso modo de ver.
E então, muitas vezes, elas dão respostas que jamais teríamos
encontrado por força própria.”
- Anselm Grun

Os cristãos se alimentam das Escrituras Sagradas. Elas nu-


trem a comunidade de santos como o alimento nutre o corpo
humano. Não se trata apenas de aprender, estudar ou usar as
Escrituras; nós, cristãos, as assimilamos, introduzindo a Pala-
vra em nossa vida para que seja metabolizada e transformada
em atos de amor, copos de água fresca, missões pelo mundo

51
CONVERSANDO SOBRE A BÍBLIA

"
inteiro, cura, evangelismo e justiça em nome de Jesus, mãos
levantadas em adoração ao Pai, pés lavados na companhia
do Filho.”
- Eugene Peterson

A Bíblia não é uma obra literária para manifestar apenas os

"
valores literários, estéticos; ela é um conjunto de documentos
que manifestam as vicissitudes, o conteúdo da fé de um povo
e os seus respectivos valores.”
- Frei Herculano Alves

A Bíblia não é um manual de doutrinação para programar a


conduta. É um manual de vida; quando leio, respondo a ela
como uma pessoa livre, em uma situação histórica concreta.
A Palavra de Deus me encontra como um ser ativo, mostra-me
um caminho e me convida a tomar uma decisão: ‘Escolhe, pois,
a vida’ (Dt 30.15). A Escritura é vital, porque indica o caminho da
vida e a oportunidade de nos realizarmos como seres humanos
autênticos, plenos.”
- Jorge Atiencia

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PARA CONVERSAR NA IGREJA

LIVROS SUGERIDOS

Surpreendido Pelas Escrituras


A Bíblia Toda, o Ano Todo
Para Entender a Bíblia
Por Que Confiar na Bíblia?
Lendo os Salmos
Série “Lendo a Bíblia com John Stott”
A Arte e a Bíblia
A Visão Missionária na Bíblia
PAR A CONVERSAR NA IGREJA

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